Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu

A Génese do "Romanceiro do Algarve" de Estácio da Veiga

Nos capítulos I e II, apresentamos um panorama do interesse pela poesia tradicional na Europa, das últimas décadas do séc. XVIII a inícios do séc. XIX, destacando o caso britânico, por ser aquele que, através de Almeida Garrett, mais influenciou Portugal. E tentamos indicar o que, nos autores daquele país (nomeadamente no método editorial que escolheram para as suas obras), ajuda a ver a uma luz mais global o caso de Estácio da Veiga e dos seus retoques no “Romanceiro do Algarve”. Nos capítulos III e IV, fornecemos elementos para uma história da recolha e da publicação da literatura oral portuguesa, dos inícios do séc. XIX até 1870, data da saída do “Romanceiro do Algarve”. Com esse panorama (sobretudo o relativo ao romanceiro, aquele que pudemos traçar com menos falhas, graças aos trabalhos dos que nos precederam) visamos situar a obra de Veiga no seu verdadeiro contexto, de modo a avaliar o que nela se liga à tradição editorial portuguesa (sobretudo garrettiana) e, ao mesmo tempo, as características arcaizantes que apresenta, ao sair (por motivos alheios ao seu editor), 10 anos depois de concluída, quando as iniciativas de Teófilo Braga já tinham marcado uma nova época no estudo da nossa poesia oral. O capítulo V é dedicado à colecção de Estácio da Veiga, suas motivações (que, em boa parte, condicionam desde logo as características da obra publicada, sobretudo através do método editorial), datas e lugares em que foi levada a cabo, e inventário dos textos nela existentes, distinguindo os romances de que nos manuscritos há versões tradicionais daqueles que, pelo contrário, se vê terem sido inventados por Veiga. No capítulo VI estudamos dois romances que, ao não existirem versões fidedignas suas no espólio, poderia pensar-se serem falsos, produto da invenção de Estácio da Veiga, mas que o não são. Analisamos também os principais aspectos do método editorial adoptado por Veiga, tal como se pode observar nestes textos. Aos romances falsos (mais especificamente a três que Veiga traduziu do espanhol) dedicamos o capítulo VII, mostrando o modo como o autor procedeu, a fim de disfarçar a origem livresca desses textos. Dedicamos em seguida um capítulo (o VIII) à balada romântica e suas relações como “Romanceiro do Algarve”. A balada é um género mal conhecido, mas de grande peso na literatura escrita do nosso século XIX, que, pelas suas relações (bastante ambíguas) com a literatura oral, nos parece contribuir para perspectivar melhor a espinhosa questão dos romances falsos, escritos por Veiga mas por ele atribuídos à tradição. Analisamos aqui também dois dos romances falsos cuja temática mais claramente revela a influência da balada romântica. No capítulo IX (e último), começamos por resumir uma polémica jornalística em que Veiga se viu envolvido, a qual mostra como, na época, os leitores exigiam um método editorial fortemente interventivo, a que o editor não teria podido fugir, mesmo que quisesse (e a verdade é que não queria). Falamos, depois, da dupla realidade que coexiste no “Romanceiro do Algarve” —os textos tradicionais (ainda que muito retocados) e os textos falsos, inventados por Veiga—, e mostramos que essa convivência foi escolhida pelo editor desde os primeiros artigos que publicou, podendo resultar, pelo menos em parte, das suas limitações culturais. Por fim, apontamos os caminhos que nos parece de seguir na exploração futura do espólio romancístico de Estácio da Veiga: por um lado, a publicação dos manuscritos originais (ou das cópias mais antigas, quando aqueles faltam) e, por outro, o estudo do método editorial do autor, para o que o espólio fornece condições muito boas. Tal estudo ganhará muito se tiver em atenção o que se sabe já sobre o método editorial adoptado em colecções de baladas de outros países europeus, e, por seu lado, poderá contribuir para um melhor conhecimento do método editorial de outras colecções, inclusive estrangeiras, sobretudo daquelas de cuja formação se tenham conservado menos manuscritos do que no caso algarvio. A tese conclui-se com cinco apêndices, de que nos permitimos destacar os nºs 2 e 3, onde apresentamos os dois corpora (com a indicação bibliográfica de numerosas baladas românticas portuguesas e também de baladas traduzidas) em que se baseia o capítulo VIII. Pensamos que o primeiro destes corpora apresenta material de importância também para o estudo da literatura portuguesa (escrita) do Romantismo. Palavras-chave: _Romanceiro do Algarve_ (1870); Estácio da Veiga (1828-1891); Romanceiro tradicional; Literatura oral portuguesa; Algarve; Recolhas da tradição oral portuguesa; História das recolhas da tradição oral portuguesa (1821-1870); J. G. Herder (1744-1803): suas teorias sobre a literatura oral; Thomas Percy (1729-1811): seu método editorial das baladas tradicionais; Walter Scott (1771-1832): seu método editorial das baladas tradicionais; Estácio da Veiga (1828-1891): seu método editorial dos romances tradicionais; Método editorial dos textos poéticos orais; Bibliografia ativa de Estácio da Veiga (1828-1891); O romanceiro artístico e os versos de redondilha em Portugal (1716-1823); O romanceiro espanhol (1768-1828); Baladas da tradição oral inglesa; Poesia romântica portuguesa; A balada no Romantismo português

JOSÉ JOAQUIM DIAS MARQUES A GÉNESE DO ROMANCEIRO DO ALGARVE DE ESTÁCIO DA VEIGA Tese de doutoramento em Literatura, especialidade de Literatura Oral e Tradicional Faro Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Universidade do Algarve 2002 À minha mãe À memória do meu pai, da minha avó e de Carolina Michaëlis de Vasconcelos The forest drips and glows with green. The tree-frog croaks his far-off song. His voice is stillness, moss and rain drunk from the forest ages long. We cannot understand that call unless we move into his dream, where all is one and one is all and frog and python are the same. We with our quick dividing eyes measure, distinguish and are gone. The forest burns, the tree-frog dies, yet one is all and all are one. Judith Wright 1 The Phantom Dwelling, London, Virago Press, 1986, p. 24. 1 ÍNDICE INTRODUÇÃO 15 I — A POESIA TRADICIONAL, ESPECIALMENTE A BALADA, NA GRÃ-BRETANHA E NA ALEMANHA (1765 – 1807) O Interesse pela Balada na Grã-Bretanha Setecentista. Percy O Método Editorial Criativo de Percy 19 19 22 Colecções de Baladas Anglo-Escocesas nas Últimas Décadas do Séc. XVIII 35 Reflexões sobre a Poesia Tradicional na Alemanha Setecentista. Herder 36 Walter Scott 44 O Método Editorial Criativo de Walter Scott 46 O Minstrelsy como Modelo de Colecções 52 II — O ROMANCEIRO ESPANHOL, DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉC. XVIII À PRIMEIRA COLECÇÃO DE DURÁN (1828) 55 O Romanceiro na Espanha Neoclássica 55 Renascimento, na Alemanha, do Interesse pelos Romances Velhos 58 Traduções Inglesas, Alemãs e Francesas de Romances Espanhóis 61 Renascimento, em Espanha, do Interesse pelos Romances Velhos 65 III — O ROMANCE E OS VERSOS DE REDONDILHA EM PORTUGAL, DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉC. XVIII À PRIMEIRA RECOLHA DA TRADIÇÃO ORAL (1823) O Romance nas Poéticas e Tratados de Versificação 67 67 10 O Romance nos Poetas Arcádicos 69 Os Versos de Redondilha nos Poetas Arcádicos 70 IV — ELEMENTOS PARA A HISTÓRIA DA RECOLHA E PUBLICAÇÃO DA LITERATURA ORAL PORTUGUESA [1821(?) - 1870] 75 Palavras Prévias sobre o Corpus 75 Para a História da Recolha e Publicação do Romanceiro 77 O Método Editorial Criativo de Garrett 114 O Método Editorial Criativo de Estácio da Veiga 146 Principais Conclusões 155 Para a História da Recolha e Publicação dos Outros Géneros da Literatura Oral 161 Principais Conclusões 203 V — A COLECÇÃO DE ESTÁCIO DA VEIGA 211 Razões para a Recolha de Estácio da Veiga 211 Necessidade de Recolher a Poesia Oral Algarvia 211 Desejo de Dignificar o Algarve 215 O Atraso do Algarve e a sua Má Imagem no Exterior 219 Datas da Recolha e Colaboradores 224 Locais da Recolha e Informantes 234 Datas da Organização do Romanceiro do Algarve. Sua Publicação 239 Os Manuscritos da Colecção de Estácio da Veiga 242 Manuscritos Existentes no Museu Nacional de Arqueologia 242 Manuscritos Existentes em Casa da Família de Estácio da Veiga 252 Manuscritos Existentes na Faculdade de Letras de Lisboa 250 Inventário da Colecção 251 Textos Recolhidos da Tradição Oral 253 Romances 254 Textos não Romancísticos 263 11 Textos não Recolhidos (ou aparentemente não Recolhidos) da Tradição Oral 266 VI — DOIS ROMANCES VERDADEIROS, MAS APARENTEMENTE PROBLEMÁTICOS O Caso do Cid e Búcar 269 269 Aspectos do Método Editorial Criativo no Cid e Búcar O Caso da Fonte das Almas Aspectos do Método Editorial Criativo na Fonte das Almas 286 291 297 VII — TRÊS CASOS DE ROMANCES FALSOS 305 O Caso do D. Julião 305 O Caso da Descrição duma Bela Pastora 323 O Caso de Os Calvos 335 VIII — A BALADA ROMÂNTICA E AS SUAS RELAÇÕES COM OS ROMANCES FALSOS DE ESTÁCIO DA VEIGA 345 A Questão dos Romances Falsos 345 A Balada Romântica 347 Um Movimento mal Conhecido 348 Cronologia, Baladas e Baladistas, Versificação. Lugar de Estácio da Veiga no Movimento Baladístico A Teoria da Imitação da Poesia Oral pela Poesia Escrita 352 370 Nascimento desta Teoria 371 A Teoria em Portugal 374 Baladas Românticas que (Re)versificam Textos Tradicionais 382 Reversificação de Romances Tradicionais 382 Versificação de Contos Tradicionais 388 12 Versificação de Lendas a partir duma (Provável) Fonte Tradicional 393 Versificação de Lendas a partir duma (Provável) Fonte Escrita 398 Baladas Românticas que se Apresentam como a Versificação de Textos Tradicionais, mas que o não são (ou Parecem não o ser) 402 Baladas Românticas Falsamente Apresentadas como Recolhidas da Tradição Oral 409 Uma Longa Série de Indefinições 413 Dois Casos de Influência Textual da Balada Romântica no Romanceiro do Algarve 421 O Caso de Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura 422 O Caso de A Moura Encantada de Tavira 426 IX — O ROMANCEIRO DO ALGARVE, PRODUTO DO SEU EDITOR E DA ÉPOCA EM QUE FOI ORGANIZADO Um Método Editorial Criativo, necessariamente Uma Polémica Reveladora 433 433 434 Um Romanceiro ou um Livro de Baladas Românticas? 442 A Colecção Manuscrita de Estácio da Veiga e o Futuro 446 APÊNDICE Nº 1: BIBLIOGRAFIA DE ESTÁCIO DA VEIGA 453 Inéditos Localizados 453 Recolha de Poesia Tradicional 453 Poesia Original 453 Teatro 455 História 455 Arqueologia 456 Inéditos cujo Paradeiro se Desconhece 456 Impressos 458 13 Textos de Poesia Tradicional Recolhidos e Comentados por Estácio da Veiga 458 Poesia Original 459 História 465 Arqueologia 466 Botânica 469 Varia 470 APÊNDICE Nº 2: BALADAS ROMÂNTICAS DE AMBIENTE ANTIGO OU TEMA POPULAR (1828-1870) 475 APÊNDICE Nº 3: TRADUÇÕES PORTUGUESAS DE BALADAS ROMÂNTICAS ESTRANGEIRAS DE AMBIENTE ANTIGO OU TEMA POPULAR (1834-1868) 545 APÊNDICE Nº 4: TRADUÇÕES PORTUGUESAS DE TEXTOS DE LITERATURA ORAL ESTRANGEIRA (1842-1870) 559 APÊNDICE Nº 5: PUBLICAÇÕES DO POEMA APÓCRIFO NO FIGUEIRAL, FIGUEIREDO, ASSIM COMO DE BALADAS OU CONTOS QUE NELE SE INSPIRAM (1821-1870) OBRAS CITADAS 565 567 Textos literários 567 Estudos 574 14 INTRODUÇÃO Foi em 1985 que, primeira vez, nos interessámos pelo Romanceiro do Algarve. Estávamos, na altura, a preparar os comentários para a série televisiva O Romanceiro, de que fomos o autor. Ao chegarmos às duas versões madeirenses de Testamento de Fernando I + Queixas de D. Urraca + Afuera, afuera, Rodrigo que surgem na série, fomos ler a versão publicada por Estácio da Veiga, a primeira atestação portuguesa daqueles temas, tentando perceber o nela haveria de verdadeiramente tradicional e de inventado pelo editor. Ainda lá estão, no exemplar do Romanceiro Geral de Teófilo Braga onde lemos a versão algarvia, os traços a lápis com que assinalámos os versos que lembravam os dos textos castelhanos antigos. E as linhas onduladas com que marcámos o que parecia pura invenção de Estácio da Veiga. Anos depois, em 1987, dedicámos algumas linhas ao problema, integradas na 2 comunicação que lemos no congresso do Puerto de Santa María. Ali, pouco pudemos concluir, uma vez que, para dar uma resposta satisfatória, teria sido necessário conhecer o manuscrito original de Veiga. Ora, em 1993, tivemos a sorte de descobrir no Museu Nacional de Arqueologia o espólio romancístico de Estácio da Veiga. E, ao apercebermo-nos de que ali estavam os originais de boa parte dos textos publicados no Romanceiro do Algarve e também muitas outras versões inéditas, logo decidimos mudar o tema da nossa tese de doutoramento (que, consagrada ao cancioneiro narrativo tradicional, pouco avançara desde há anos), dedicandoa, agora, à colecção de Veiga. A nossa primeira ideia foi a de, deixando de lado os romances que os manuscritos permitiam reconhecer como invenção de Estácio da Veiga, publicar apenas os romances verdadeiramente tradicionais, transcrevendo-os ou dos originais de campo ou, na sua falta, das cópias menos retocadas que existissem. E acompanhar a publicação desses textos com 2 “Imagens e Sons do Romanceiro Português” in Pedro M. Piñero, Virtudes Atero, Enrique J. Rodríguez Baltanás e María Jesús Ruíz (orgs.), El romancero. Tradición y pervivencia a fines del siglo XX. Actas del IV Coloquio Internacional del Romancero (Sevilla—Puerto de Santa María—Cádiz, 23-26 de junio de 1987), s/l., Fundación Machado / Universidad de Cádiz, 1989, pp. 381-398. 16 um estudo onde, um a um, os comparássemos com as versões que deles existiam noutras subtradições. Tratava-se dum tipo de estudo com numerosos antecedentes e, ainda que trabalhoso, sem riscos de maior. Porém, à medida que contactávamos com o espólio, íamo-nos apercebendo da importância, até numérica, que nele ocupavam os textos não tradicionais, quer os que constituíam fruto exclusivo da veia poética de Veiga, quer as cópias dos originais de campo, sucessivamente retocadas pela mesma produtiva veia, graças às quais era possível seguir o percurso que conduzia dum texto oral a um texto, de facto, de autor. Gradualmente, fomonos capacitando da possibilidade que o espólio nos oferecia de levar a cabo um tipo de estudo sem dúvida mais arriscado (uma vez que não lhe conhecíamos similares) mas, inegavelmente, mais estimulante: tentar resolver a “velha” pendência que mantínhamos com Estácio da Veiga sobre a questão do verdadeiro e do falso no Romanceiro do Algarve. Em vez de, depois de identificar os textos completamente inventados por Veiga e os textos tradicionais retocados, os pormos de lado, dedicando a tese aos textos “bons”, fazer o contrário: dedicar a tese ao estudo dos textos “maus”, tentando perceber porquê e como tinham nascido. Por que seria que alguém, possuindo cerca de 100 versões tradicionais, em geral boas, tinha decidido, por um lado, utilizar apenas cerca de ⅓ delas (não para as publicar com um mínimo de fidelidade mas, sim, para fabricar textos altamente transformados) e, por outro lado, tinha decidido inventar 11 textos, que publicou dizendo serem tradicionais? Foi para estas perguntas que, ao longo da presente tese, tentámos encontrar resposta. A opção temática que escolhemos (ou que nos escolheu a nós) era arriscada, e, sem falsa modéstia, não estamos seguros de ter chegado às conclusões “certas”. Esperamos, no entanto, ter fornecido algumas pistas importantes, que, pelo menos, permitam perspectivar, agora, a obra de Estácio da Veiga de modo mais correcto. Na tese que se segue, tentando não usar os “quick dividing eyes” a que alude Judith Wright no poema que escolhemos como epígrafe, tentámos entender o labor de Estácio da Veiga integrando-o num universo muito mais vasto,“where all is one and one is all”: o da recolha e publicação de literatura oral nos sécs. XVIII e XIX, o das preocupações regionalistas de Veiga, o da parte da poesia escrita romântica portuguesa que com a poesia narrativa oral se relaciona. Assim, nos dois primeiros capítulos, apresentamos um panorama do interesse pela poesia tradicional na Europa, das últimas décadas do séc. XVIII a inícios do séc. XIX, destacando o caso britânico, por ser aquele que, através de Almeida Garrett, mais influenciou 17 Portugal. E tentamos indicar o que, nos autores daquele país (nomeadamente no método editorial que escolheram para as suas obras), ajuda a ver a uma luz mais global o caso de Estácio da Veiga e dos seus retoques. Nos capítulos III e IV fornecemos elementos para uma história da recolha e da publicação da literatura oral portuguesa, dos inícios do séc. XIX até 1870, data da saída do Romanceiro do Algarve. Com esse panorama (sobretudo o relativo ao romanceiro, aquele que pudemos traçar com menos falhas, graças aos trabalhos dos que nos precederam) visamos situar a obra de Veiga no seu verdadeiro contexto, de modo a avaliar o que nela se liga à tradição editorial portuguesa (sobretudo garrettiana) e, ao mesmo tempo, as características arcaizantes que apresenta, ao sair (por motivos alheios ao seu editor), 10 anos depois de concluída, quando as iniciativas de Teófilo Braga já tinham marcado uma nova época no estudo da nossa poesia oral. O capítulo V é dedicado à colecção de Estácio da Veiga, suas motivações (que, em boa parte, condicionam desde logo as características da obra publicada, sobretudo através do método editorial), datas e lugares em que foi levada a cabo, e inventário dos textos nela existentes, distinguindo os romances de que nos manuscritos há versões tradicionais daqueles que, pelo contrário, se vê terem sido inventados por Veiga. No capítulo VI estudamos dois romances que, ao não existirem versões fidedignas suas no espólio, poderia pensar-se serem falsos, produto da invenção de Estácio da Veiga, mas que o não são. Analisamos também os principais aspectos do método editorial adoptado por Veiga, tal como se pode observar nestes textos. Aos romances falsos (mais especificamente a três que Veiga traduziu do espanhol) dedicamos o capítulo VII, mostrando o modo como o autor procedeu, a fim de disfarçar a origem livresca desses textos. Dedicamos em seguida um capítulo (o VIII) à balada romântica e suas relações com o Romanceiro do Algarve. A balada é um género mal conhecido, mas de grande peso na literatura escrita do nosso século XIX, que, pelas suas relações (bastante ambíguas) com a literatura oral, nos parece contribuir para perspectivar melhor a espinhosa questão dos romances falsos, escritos por Veiga mas por ele atribuídos à tradição. Analisamos aqui também dois dos romances falsos cuja temática mais claramente revela a influência da balada romântica. No capítulo IX (e último), começamos por resumir uma polémica jornalistica em que Veiga se viu envolvido, a qual mostra como, na época, os leitores exigiam um método editorial fortemente interventivo, a que o editor não teria podido fugir, mesmo que quisesse 18 (e a verdade é que não queria). Falamos, depois, da dupla realidade que coexiste no Romanceiro do Algarve —os textos tradicionais (ainda que muito retocados) e os textos falsos, inventados por Veiga—, e mostramos que essa convivência foi escolhida pelo editor desde os primeiros artigos que publicou, podendo resultar, pelo menos em parte, das suas limitações culturais. Por fim, apontamos os caminhos que nos parece de seguir na exploração futura do espólio romancístico de Estácio da Veiga: por um lado, a publicação dos manuscritos originais (ou das cópias mais antigas, quando aqueles faltam) e, por outro, o estudo do método editorial do autor, para o que o espólio fornece condições muito boas. Tal estudo ganhará muito se tiver em atenção o que se sabe já sobre o método editorial adoptado em colecções de baladas de outros países europeus, e, por seu lado, poderá contribuir para um melhor conhecimento do método editorial de outras colecções, inclusive estrangeiras, sobretudo daquelas de cuja formação se tenham conservado menos manuscritos do que no caso algarvio. A tese conclui-se com cinco apêndices, de que nos permitimos destacar os nºs 2 e 3, onde apresentamos os dois corpora (com a indicação bibliográfica de numerosas baladas românticas portuguesas e também de baladas traduzidas) em que se baseia o capítulo VIII. Pensamos que o primeiro destes corpora apresenta material de importância também para o estudo da literatura portuguesa (escrita) do Romantismo. Nenhum trabalho —e menos ainda, talvez, uma tese— nasce só do seu autor. Por isso, antes de começar, é um dever e um prazer apresentar aqui os nossos agradecimentos: a Pere Ferré, enquanto nosso orientador, por tudo quanto com ele temos aprendido ao longo de 23 anos, pela preciosa ajuda que nos prestou e pela segurança que o seu crivo de primeiro leitor garante a este trabalho; e, enquanto amigo, por tudo o resto, que muito foi; e aos seguintes colegas e amigos, que, em vários momentos e de várias maneiras, muito nos ajudaram: Barbara Boock, Isabel Cardigos, Ivo Castro, Lívia Cristina Coito, João Dionísio, Luís Faísca, Manuel da Costa Fontes, Maria Aliete Galhoz, Teresa Júdice Gamito, Christine Shojaei Kawan, António Miguel, Fátima Freitas Morna, (†) Max Pearson, José Manuel Pedrosa, Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, Fátima Rosado, Miguel de Sousa e Maria do Carmo Vale. A todos o nosso muito obrigado. I A POESIA TRADICIONAL, ESPECIALMENTE A BALADA, NA GRÃ-BRETANHA E NA ALEMANHA (1765 - 1807) O Interesse pela Balada na Grã-Bretanha Setecentista. Percy Para encontrar as origens do interesse dos estudiosos portugueses —e de Estácio da Veiga em particular—pelo romanceiro, não será necessário recuarmos muito, até autores 3 4 como Montaigne ou Addison, que, infelizmente, não tiveram influência em Portugal. 3 Referimo-nos a dois capítulos dos Essais: por um lado, o famoso texto sobre os Índios do Brasil (cap. XXXI do Livro I, incluído pela primeira vez na ed. de 1595), povo de que aliás Montaigne, dando provas dum Humanismo da melhor cepa, escreve: “je trouve [...] qu’il n’y a rien de barbare et de sauvage en cette nation, à ce qu’on m’en a rapporté, sinon que chacun appelle barbarie ce qui n’est pas de son usage” [Oeuvres complètes, textes établis par Albert Thibaudet et Maurice Rat; introduction et notes par Maurice Rat, Paris, Gallimard (“Bibliothèque de la Pléïade”), 1962, p. 203]. Ora nesse capítulo Montaigne transcreve (pp. 211 e 212) duas pequenas canções dos referidos Índios e comenta, sobre a primeira, que ela é uma “invention qui ne sent aucunement la barbarie” (p. 211), e, sobre a segunda: “j’ay assez de commerce avec la poësie pour juger cecy, que non seulement il n’y a rien de barbarie en cette imagination, mais qu’elle est tout à fait Anacreontique” (p. 212), o maior elogio que, na época, se poderia fazer a um poema de tema amoroso, como era o caso. Por outro lado, no capítulo LIV do mesmo Livro I (também ele datando da ed. de 1595), escreve o seguinte, que pareceria saído da pena não dum quinhentista mas dum estudioso romântico: “La poësie populaire et purement naturelle a des naïvetez et graces par où elle se compare à la principale beauté de la poësie parfaicte selon l’art; comme il se void ès villanelles de Gascongne et aux chansons qu’on nous rapporte des nations qui n’ont congnoissance d’aucune science, ny mesme d’escriture” (op. cit., p. 300). 4 Referimo-nos aos três célebres artigos sobre baladas tradicionais publicados em 1711 no jornal The Spectator [citamos a partir da sua republicação parcial em Dianne Dugaw (org.), The Anglo-American Ballad. A Folklore casebook, New York/London, Garland, 1995, pp. 4-11]. Aí diz claramente: “When I travelled, I took a particular Delight in hearing the Songs and Fables that are come from Father to Son, and are most in vogue among the common People of the Countries through which I passed” (p. 4). Qualquer pessoa, independentemente do seu nível cultural, apreciará essas canções, pois “an ordinary Song or Ballad that is the Delight of the common People, cannot fail to please all such Readers as are not unqualified for the Entertainment by their Affectation or Ignorance; and the Reason is plain, because the same Paintings of Nature 20 Bastar-nos-á regressar até 1765, ano em que Percy publicou as Reliques of Ancient English Poetry. Esta obra não é um caso único, integrando-se, pelo contrário, num certo interesse editorial pelos poemas tradicionais (nomeadamente baladas), que, sobretudo intercalados em miscelâneas de poesia erudita, se verificou na Grã-Bretanha durante a primeira metade do séc. XVIII. 5 O material que as Reliques incluem procede, em parte, de manuscritos (nomeadamente do chamado “Percy Folio”, de meados do séc. XVII) e, por outro lado, de fontes impressas, como folhetos. O pouco apreço em que a literatura tradicional ou tradicionalizante era tida na época fica bem patente quer nas condições em que se achava o “Folio” ao ser achado por Percy (que é quem o salva de continuar, como até ali, a ser usado which recommend it to the most ordinary Reader, will appear beautiful to the most refined” (p. 5). Determinada balada, compara-a ele com a Eneida (cf. pp. 8-9), o que, para a poesia narrativa, constitui um elogio tão grande como a comparação dum poema lírico com Anacreonte, que vimos na nota anterior. E, ao falar doutra balada, Addison sublinha a união entre poesia popular, natureza e simplicidade (e sua oposição à poesia artística) que tanta fortuna iria ter entre os românticos alemães: “This song is a plain simple Copy of Nature, destitute of all the Helps and Ornaments of Art” (p. 10). Ainda não estamos, porém, no Romantismo, e Addison não deixa de apontar criticamente a pobreza de linguagem dessa balada: “the Author of it (whoever he was) has delivered it in such an abject Phrase, and poorness of Expression, that the quoting any part of it would look like a Design of turning it into Ridicule” (loc. cit.). Mas, de qualquer modo, “because the Sentiments appear genuine and unaffected, they are able to move the Mind of the most polite Reader with inward Meltings of Humanity and Compassion” (loc. cit.). É que, mesmo os muito cultos, desde que tenham “a true Greatness of Soul and Genius” (p. 11), não deixarão de apreciar esta poesia simples mas profunda. Só a desprezam aqueles cujo gosto está (como vimos na citação da p. 5) embotado pela “Affectation”, aqueles a que Addison chama depreciativamente “the little conceited Wits of the Age” (p. 11). A crítica clara é contra os poetas (e os apreciadores) da poesia engenhosa, barroca, da chamada Escola Metafísica, pelo que não deixa de ser interessante apreciar como o presente elogio da literatura oral é feito não em nome de valores proto-românticos (como muitas vezes erroneamente se pensa), mas sim neoclássicos, valores cuja defesa, aliás, constitui o cerne da série de artigos de Addison em que estão incluídos estes três sobre baladas (sobre o assunto, ver Albert B. Friedman, The Ballad Revival. Studies in the influence of popular on sophisticated poetry, Chicago & London, The University of Chicago Press, 1961, pp. 84-113). 5 Citem-se as miscelâneas A Pill to Purge State Melancholy (1715), de autor anónimo, e The Tea- Table Miscellany (1723-1737, 4 vols.) e The Evergreen (1724, 2 vols.), ambas de Allan Ramsay. Houve ainda uma obra dedicada toda ela à publicação de baladas: A Collection of Old Ballads, de autor anónimo (1723-25, 3 vols). Sobre as colecções anteriores à de Percy, veja-se Sigurd Bernhard Hustvedt, Ballad Criticism in Scandinavian and Great Britain During the Eighteenth Century, New York, The American-Scandinavian Foundation, 1916 (reed. facsimilada, New York, Kraus Reprint Co., 1971), pp. 59-61 e 98-118, e Friedman, op. cit., pp. 114-155. 21 6 para acender a lareira...), quer no tom de desculpa com que este autor, antecipando críticas, escreve, logo na primeira página do prefácio da colectânea: This manuscript [o “Percy Folio”] was shewn to several learned and ingenious friends, who thought the contents too curious to be consigned to oblivion, and importuned the possessor [i. e., Percy, que entretanto conseguira obter o manuscrito] to select some of them [dos poemas], and give them to the press. As most of them are of great simplicity, and seem to have been merely written for the people, he was long in doubt, whether, in the present state of improved literature, they could be deemed worthy the 7 attention of the public. At length the importunity of his friends prevailed. É esclarecedor apercebermo-nos de quais os aspectos interessantes de tais poemas que Percy resolve destacar. Segundo ele, estes textos podem dar um contributo para o conhecimento da história da língua, da história social e da história da literatura escrita: such specimens [...] shew the gradation of our language, exhibit the progress of popular opinions, display the peculiar manners and costumes of former 8 ages, or throw light on our earlier classical poets. Mas, quanto ao valor literário próprio destes textos, Percy mostra-se muito mais cuidadoso. Não quer, sem dúvida, ser acusado de frisar demasiado a literariedade de coisas “daquelas”, tão pouco de acordo com as regras clássicas. Assim, limita-se a referir um aspecto que já Addison celebrara nas baladas tradicionais: a simplicidade e a aptidão para comover o leitor, mesmo o actual: In a polished age, like the present, I am sensible that many of these reliques of antiquity will require great allowances to be made for them. Yet have they, for the most part, a pleasing simplicity, and many artless graces, which in the opinion of no mean critics have been thought to compensate for the want of 6 “This very curious old manuscript, in its present mutilated state [...] I rescued from destruction, and begged at the hands of my worthy friend Humphrey Pitt [...] I saw it lying dirty on the floor, under a Bureau in ye [i. e., the] Parlour: being used by the maids to light the fire” (nota aposta por Percy, no frontispício do manuscrito, cit. por Wheatley, na sua introdução a Thomas Percy, Reliques of Ancient English Poetry, consisting of old heroic ballads, songs, and other pieces of our earlier poets, together with some few of later date, edited, with a general introduction, additional preface, notes, glossary, etc., etc., by Henry B. Wheatley, I, London, Swan Sonneschein, Lebas, & Lowrey, 1876, p. lxxxii (usámos a reed. facsimilada: New York, Dover, 1966). 7 8 Percy, op. cit., pp. 7-8. Op. cit., p. 8. 22 higher beauties, and, if they do not dazzle the imagination, are frequently 9 found to interest the heart. Os “no mean critics” com cuja autoridade Percy se escuda contra possíveis ataques são, diz em nota, Addison, Dryden e “the witty” Lord Dorset, remetendo para os famosos artigos do primeiro destes autores em The Spectator, a que atrás nos referimos. Não sendo, conforme vimos, um caso único, as Reliques constituem, porém, de longe, a obra mais influente de todo o século no género poético tradicional, e a que deu à balada as 10 suas cartas de nobreza, elevando-a à categoria de objecto digno de estudo. Tal se ficou a dever, por um lado, à extensão da obra —três grandes volumes—, e, por outro, ao aparato académico com que ela foi organizada: um prefácio, um prólogo de carácter histórico a cada balada (da qual se publica sempre uma única versão, factícia), e, no fim de cada volume, um estudo, também de carácter histórico, recheado de erudição, sendo muito extenso sobretudo o do I vol. (“An Essay on the Ancient Minstrels in England”). 11 O Método Editorial Criativo de Percy Quanto à organização da obra, Percy, como vemos, não se poupou a esforços, para fazer com que a musa popular aparecesse aos leitores sob uma luz favorável. E, com o mesmo objectivo, adoptou, quanto à letra dos textos, aquilo a que podemos chamar o método editorial criativo, ou seja, a transformação mais ou menos profunda das baladas no momento de as publicar. Trata-se dum método que, com muitas semelhanças, voltaremos a encontrar em numerosos autores de outras épocas e países, levando-nos a encarar a outra luz, por exemplo, muitos aspectos da obra de Estácio da Veiga. Justifica-se, pois, que às características do método editorial de Percy e às suas motivações dediquemos certa atenção. 9 Loc. cit. 10 Embora a obra não contenha apenas baladas tradicionais, nem sequer apenas baladas, estas formam a maioria dos textos publicados. 11 Para sermos justos, teremos de recordar que A Collection of Old Ballads (1723-25), de autor anónimo, a que já antes aludimos, também apresenta uma introdução e mesmo prólogos a várias das baladas (ver Friedman, op. cit., pp. 148 e 152-3). Porém, “the attitude of the editor [dessa obra] throughout is one of ironical levity, real or assumed” (Hustvedt, Ballad Criticism, cit., p. 99) provavelmente para não ser acusado de dar àquelas “velharias” uma atenção que elas não mereceriam. 23 No prólogo que escreveu para cada uma das baladas, Percy informa várias vezes (e sem qualquer má consciência) que, face ao carácter corrompido com que os textos lhe tinham chegado, procedera à sua necessária reforma, através da construção de versões factícias e da correcção conjectural de versos: The editor has endeavoured to be as faithful as the imperfect state of his materials would admit. For, these old popular rhymes being many of them copied only from illiterate transcripts, or the imperfect recitation of itinerant ballad-singers, have, as might be expected, been handed down to us with less care than any other writings in the world. And the old copies, whether MS. or printed, were often so defective or corrupted, that a scrupulous adherence to their wretched readings would only have exhibited unintelligible nonsense, or such poor meagre stuff, as neither came from the bard, nor was worthy the press; when, by a few slight corrections or additions, a most beautiful or interesting sense hath started forth, and this so naturally and easily, that the editor could seldom prevail on him to indulge the vanity of making a formal claim to the improvement; but must plead guilty to the charge of concealing his own share in the amendments under such general title, as a Modern Copy, or the like. Yet it has been his design to give sufficient intimation where any 12 considerable liberties* were taken with the old copies. O asterisco remete para uma nota de rodapé, em que se diz: “Such liberties have been taken with all those pieces which have three asterisks subjoined, thus *** ”. O problema está em que, embora Percy tenha posto os referidos três asteriscos no fim de muito textos, o leitor fica apenas alertado para que em tais textos o editor tomou “considerable liberties” — mas nada fica a saber sobre a natureza delas. O método aqui apresentado é “comparable with eighteenth-century Shakespearian 13 scholarship: ‘editing’ meant ‘improving’”. Para mais, constituindo as Reliques a edição de textos manuscritos ou impressos, e não tendo Percy contactado com a tradição oral, a sua concepção não poderia deixar de ser a do editor de textos escritos, para quem há um texto correcto, sendo as cópias deste apenas corrupções do original, original que, através de correcções conjecturais, o editor tenta recuperar tanto quanto possível. E, quando Percy possuía várias versões duma balada anónima, pareceu-lhe óbvio seguir o mesmo método que o editor de poesias de autor conhecido. Neste último caso, não faria sentido editar as várias cópias, sucessivamente deturpadas, de determinado poema dum autor da literatura escrita, mas sim, através da collatio dessas cópias, passar à emendatio, de modo a obter o texto mais aproximado ao que o autor teria escrito. Ora, do mesmo modo irá 12 13 Reliques, I, p. 11. M. J. C. Hodgart, The Ballads, London, Hutchinson University Library 1964, p. 151. 24 proceder Percy (e os seus sucessores): incapaz(es) de compreender a essência da literatura tradicional (o facto de esta “viver em variantes”), nem pela cabeça lhe(s) passará publicar várias versões duma balada, certo(s) como estava(m) de que havia (ou melhor, tinha havido) apenas um texto correcto, sendo os demais textos que se encontravam na tradição (manuscrita ou oral) simples corrupções. Através desses textos —nenhum deles perfeito— estavam, porém, disseminados versos do original perfeito. Assim, na edição de textos de literatura oral, podemos dizer que, quando o editor tinha várias versões à sua disposição, a emendatio era encarada como algo paralelo ao processo que em crítica textual se chama combinatio, ou seja, l’ operazione con cui da due (o piú) lezioni erronee si ricava la lezione dell’ archetipo [...], quando le varie lezioni erronee conservino qualche porzione 14 della lezione originaria. No caso da literatura oral, portanto, a combinatio consistia em formar um único texto, uma versão factícia, em que a balada ficaria, assim (através da junção de versos das diferentes versões disponíveis), mais completa do que em qualquer uma das versões individuais. Quanto aos versos que, sob formas diferentes, surgem nas várias versões, o editor escolhia para o texto factício a lição que achava melhor (a mais bonita e/ou mais lógica e/ou mais arcaizante e/ou mais dramática, etc.). Por vezes, essa versão factícia parece ter sido feita sem grande método, limitandose Percy a escolher de cada texto o que lhe pareceu preferível, segundo os gostos da sua época. Por exemplo, sobre o texto de The Rising of the North, escreve ele: It is here printed from two MS. copies, one of them in the Editor’s folio collection. They contained considerable variations, out of which such 15 readings were chosen as seemed most poetical and consonant to history. Outras vezes, Percy procede com um pouco mais de método: escolhe como textobase a versão melhor de que dispunha (por exemplo, a mais extensa), corrigindo-a com base noutra(s) versão(ões), nomeadamente completando-a com partes extraídas delas e eliminando faltas de lógica. Eis a sua descrição do que fez em The Beggar’s Daughter of Bednall-Gree: 14 Franca Brambilla Ageno, L’ edizione dei testi volgari, 2ª ed. riveduta e ampliata, Padova, Editrice Antenore, 1984, p. 130. 15 Reliques, I, p. 267. 25 The following ballad is chiefly given from the Editor’s folio MS. compared with two ancient printed copies: the concluding stanzas [...] are not however given from any of these, being very different from those of the vulgar ballad. Nor yet does the Editor offer them as genuine, but as a modern attempt to remove the absurdities and inconsistencies, which so remarkably prevailed in this part of the song [i. e., o final], as it stood before: whereas by the alteration of a few lines, the story is rendered much more affecting, and is 16 reconciled to probability and true history. Como podemos ver, nem a formação de versões factícias nem as emendas (conjecturais ou não) são coisas de que Percy mostre envergonhar-se. Do mesmo modo, parece achar normal que o método por si escolhido se baseie em boa parte no seu subjectivismo (escolheu o que lhe parecia “more affecting”) ou sobre algo tão elástico como a lógica. Trata-se, obviamente, dum método governado não por uma preocupação científica, mas sim, sobretudo (ou mesmo só), por princípios estéticos, que, no fundo, não visam sequer devolver ao poema aquilo que, hipoteticamente, foi no momento da criação, mas sim tornálo perfeito, segundo os cânones da época do editor. Porém, embora pareça estar à vontade ao fazer aquilo que diz que faz, é um facto que, dum modo geral, nas declarações sobre o seu trabalho editorial, Percy tende a minimizar a extensão das emendas que introduziu, admitindo que modificou menos do que, de facto, aconteceu, o que parece, portanto, mostrar já alguma má-consciência do editor. No caso da última balada a que nos referimos, a principal transformação consistiu em eliminar nada menos que 6 estrofes do fim do texto (como estava no Percy Folio), e em pôr, no seu lugar, outras 13, perfeitamente modernas: “written —diz Wheatley, o editor oitocentista das Reliques— by Robert Dodsley, the bookseller and author”. 17 Não se trata, obviamente, apenas da “alteration of a few lines”, como pretende Percy fazer crer ao leitor no prólogo do texto. Mas há casos piores, onde o manuscrito original (dado a conhecer por Hales e Furnivall) 16 17 18 18 mostra que as declarações de Percy quanto ao que fez estão ainda bastante mais Op. cit., II, p. 171. Op. cit., II, p. 181. O Percy Folio foi publicado em 1867-68, acompanhado por estudos e notas que mostram as profundas transformações a que Percy submeteu os textos: ver John W. Hales and Frederick Furnivall, Bishop Percy’s Folio Manuscript: Ballads and Romances, edited by..., assisted by Prof. Child, London, Trübner, 18678, 3 vols. As revelações fornecidas por esta obra são aproveitadas por Wheatley na sua ed. das Reliques (a que 26 distantes da realidade do que no caso anterior. Por exemplo, de King Arthur’s Death. A Fragment, escreve Percy: This fragment being very incorrect and imperfect in the original MS. has received some conjectural emendations, and even a supplement of three or 19 four stanzas composed from the romance of Morte Arthur. Ora, informa Wheatley, a verdade é que Percy, além do que diz ter feito, “has not left a single line unaltered”. 20 Um outro caso em que Percy, segundo ele próprio admite, retocou muito, partindo só da sua imaginação e não da ajuda de qualquer outro texto antigo, é o da balada Sir Cauline. Dela e do seu trabalho editorial, diz Percy o que abaixo transcrevemos. Repare-se como o editor sublinha o pretenso carácter imperfeito do texto, fruto segundo ele, desta vez —repare-se—, não de falhas do manuscrito, mas sim da “má qualidade” de quem recitou a versão, o que mostra bem como a tradição oral, mesmo antiga, já lhe parecia defeituosa: This old romantic tale was preserved in the Editor’s folio MS. but in so defective and mutilated a condition (not from any chasm in the MS. but from great omission in the transcript, probably copied from the faulty recitation of some illiterate minstrell), and the whole appeared so far short of the perfection it seemed to deserve, that the Editor was tempted to add several stanzas in the fist part, and still more in the second, to connect and complete the story in the manner which appeared to him most interesting and 21 affecting. “The perfection it [...] deserve[d]”: era preciso, pois, tornar o texto “complete”, “most interesting and affecting”. Acontece que, neste caso, segundo Wheatley, o carácter incompleto da versão não é (pelo menos aos olhos modernos) de modo algum evidente, sendo as transformações devidas apenas à vontade de tornar a versão perfeita, do ponto de vista de Percy. Além disso, este é um dos casos mais nítidos em que Percy diz muito pouco daquilo que, verdadeiramente, fez. Na verdade, pela sua intervenção editorial, o texto quase duplicou o número de versos: usámos), onde, no fim de cada balada, há sempre uma nota sobre o método editorial nele seguido por Percy e as principais transformações sofridas pelo texto. 19 20 21 Reliques, III, p. 28. Loc. cit. Op. cit., I, p. 61. 27 This story of Sir Cauline furnishes one of the most flagrant instances of Percy’s manipulation of his authorities. In the following poem [a versão publicada nesta edição crítica das Reliques] all the verses which are due to Percy’s invention are placed between brackets, but the whole has been so much altered by him that it has been found necessary to reprint the original from the folio MS. at the end in order that readers may compare the two. Percy put in his version several new incidents and altered the ending, by which mean he was able to dilute the 201 lines of the MS. copy into 392 in his own. There was no necessity for this perversion of the original, because the story is there complete, and moreover Percy did not sufficiently indicate the great changes he had made, for although near every verse is altered he only noted one trivial difference of reading [Wheatley refere-se à única 22 variante apresentada por Percy, em nota de rodapé]. Mas o resultado mais extremo do método editorial criativo adoptado nas Reliques é o que aconteceu com a balada The Child of Elle. É verdade que, neste caso, Percy tem, pelo menos, a desculpa de o texto presente no manuscrito ser um fragmento — e tentadoramente bonito. Sobre tal balada, o editor escreveu que ela is given from a fragment in the Editor’s folio MS. which, tho’ extremely defective and mutilated, appeared to have some merit, that it excited a strong desire to attempt a completion of the story. The Reader will easily discover the supplemental stanzas by their inferiority, and at the same time be inclined to pardon it, when he considers how difficult it must be to imitate the 23 affecting simplicity and artless beauties of the original. A presente declaração parece-nos triplamente interessante: em primeiro lugar, pela referência de Percy ao “strong desire” que nele despertou o fragmento, como se este tivesse obrigado o editor a completá-lo (Percy, como se depreende das suas palavras, era poeta e, na época, “men with a turn for verse-writing seem unable to resist the temptation of falsifying 24 and forging old ballads”). Em segundo lugar, é interessante ver que aquilo de que Percy pede desculpa ao leitor não é de ter acrescentado versos seus ao texto tradicional, mas sim da “inferiority” desses versos, que não podem competir com a qualidade do original. O seu método editorial, em última análise, é assim assumidamente baseado em princípios estéticos, por mais que isso faça tremer os vindouros. Em terceiro (e último) lugar, temos um aspecto que decorre do referido princípio a-científico que rege o seu método: Percy parece não ter achado necessário, pelo menos, indicar quais os versos que acrescentou, de modo que o 22 23 24 Op. cit., I, p. 62. Op. cit., I, p. 131. Hales e Furnivall, Bishop Percy’s Folio Manuscript, cit., I, 1867, p. xxi. 28 leitor pudesse saber minimamente qual o sentido do texto original. Neste caso, é bem provável que estejamos em presença de verdadeira má-fé, pois aqui Percy, tal como noutros casos anteriormente examinados, terá querido minimizar (não nos parece que apenas por modéstia: “the Reader will easily discover the supplemental stanzas by their inferiority”) a extrema profundidade da sua intervenção. É que, no caso em análise, a versão publicada é 500 % mais extensa que o texto do manuscrito! Com efeito, vejamos o que, na sua linguagem saborosamente polémica, Hales e Furnivall informam sobre o texto tal como aparece nas Reliques. O fragmento que estava no Percy Folio, ao ser publicado in the “Reliques” […] is buried in a heap of “polished” verses composed by 25 Percy. That worthy prelate, touched by the beauty of it —he had a soul— was unhappily moved to try his hand at its completion. A wax-doll-maker might as well try to restore Milo’s Venus. There are 39 lines here [no fragmento original]. There are 200 in the thing called the “Child of Elle” in the “Reliques”. But in those 200 lines all the 39 originals do not appear. Now and then one appears, always (with one exception) a little altered to fit it for the strange bed-fellows with which the polishing process has made it acquainted, its good manners corrupted, so to speak, by evil 26 communications. O que aconteceu com The Child of Elle é, repita-se, um caso extremo, mas a verdade é que todos os textos publicados nas Reliques são versões factícias e/ou estão retocados, por vezes muito. Percy, ao formar as Reliques, aproveitou apenas 46 dos textos que existiam no manuscrito a que foi dado o seu nome. Em 11 desses textos, a versão que estava no Percy Folio não foi a usada como texto-base, tendo, em tais casos, sido escolhida uma outra versão, procedente de folhetos ou outras fontes. Dos 35 textos restantes que provêm do manuscrito, 9 foram muito alterados, tanto no discurso como na história. Os restantes 26 foram também alterados, sempre no que diz respeito ao discurso, menos (ou mesmo muito menos) no que diz respeito à história. 25 26 27 27 Percy foi feito bispo (anglicano) de Dromore, alguns anos depois de publicar as Reliques. Hales e Furnivall, op. cit., I, pp., 132-3. Ver Walter Jackson Bate, “Percy’s Use of His Folio-Manuscript”, The Journal of English and Germanic Philology, XLIII (1944), pp. 337-348 (os dados numéricos que atrás fornecemos no texto são extraídos das pp. 337-8). 29 Quanto a certos aspectos do seu método editorial criativo, provavelmente Percy não referiu ter feito essas correcções por estas lhe parecerem absolutamente necessárias — o impensável teria sido, para ele e para qualquer contemporâneo seu, proceder doutro modo: Percy hardly esteemed alterations for the purposes of clarity or adjustment to contemporary grammatical standards worth of even passing mention from an editor. In his introductory note to “The Boy and the Mantle”, he wrote that the ballad is “printed verbatim from the old MS. described in the Preface”; 28 yet 9 of its 194 lines were altered for the purpose of clarification. Essa “clarification” consistiu, frequentemente, em mudanças no vocabulário, substituindo regionalismos, arcaísmos ou corruptelas. Muitíssimo usuais foram também as alterações que visam regularizar a métrica ou a 29 rima. Por outro lado, quer no discurso quer na história, uma das características mais nítidas é a introdução (ou o aumento) do sentimentalismo, facto em que Percy seguia perfeitamente o gosto da sua época. 30 Ligado a tal aspecto da história está outro que parece motivar parte das escolhas que Percy faz, no manuscrito, quanto às baladas que decide publicar: o interesse imaginativo, dramático, das narrativas, o qual parece sobrepor-se à valorização dos textos apenas pelo facto de estarem fundados em acontecimentos verídicos (assim, as baladas históricas não vão ser, só por isso, valorizadas, publicando-se sobretudo as capazes de prender o leitor). 31 Também quanto à história, os textos que Percy publicou são irrepreensíveis do 32 ponto de vista moral. As alterações, neste sentido, até são poucas, pois, quando as baladas tinham algo de menos digno, eram, pura e simplesmente, deixadas a apodrecer no 33 manuscrito. Como o próprio Percy escreve, no fim do prefácio: 28 29 Bate, art. cit., p. 338. Ver Bate, art. cit., pp. 339-340, e Zinia Knapman, “A Reappraisal of Percy’s Editing”, Folk Music Journal, V, 2 (1986), p. 211. Na exposição que fazemos do método editorial de Percy, baseámo-nos nestes dois artigos. Sobre a questão, pode, no entanto, ver-se também Friedman, The Ballad Revival, cit., pp. 205-210. Nas pp. 206-8, o autor analisa as modificações que Percy introduziu em 9 baladas, as mais retocadas de todas. 30 31 32 33 Bate, art. cit., pp. 340, 343 e 347, e Knapman, art. cit., p. 207. Bate, art. cit., p. 348. Bate, art. cit., pp. 345 e 347. Bate, art. cit., p. 340. 30 As great care has been taken to admit nothing immoral and indecent, the editor hopes he need not be ashamed of having bestowed some of his idle hours [...] in rescuing from oblivion some pieces (though but the amusements of our ancestors) which tend to place in a striking light their taste, genius, 34 sentiments, or manners. E a visão que ele quer dar dos “ancestors” é, de facto, a melhor possível, e o mais de acordo com as ideias consideradas correctas na segunda parte do séc. XVIII. Ainda quanto à história, um dos aspectos em que mais se nota a intervenção editorial é no aumento de pormenores da acção, nuns casos para, através da sua 35 complicação, tornar a balada mais interessante para o leitor. Esse aumento de pormenores liga-se, noutros casos, com o desejo de colmatar as lacunas da narrativa, os seus “saltos”, 36 tão típicos, como se sabe, da poesia narrativa oral, mas certamente pouco de acordo com os princípios da lógica setecentista presentes, claro, na poesia escrita da época. E, mesmo nos casos em que não havia elipses da narrativa, Percy tende, de qualquer modo, a amplificar a acção, pormenorizando-a, facto que, mais uma vez, parece ligado a preocupações de lógica narrativa. 37 O reforço da lógica é ainda obtido através da alteração de características das personagens. 38 O aumento de pormenores, que verificámos a nível da acção, nota-se também nas descrições, que, ao contrário do que surge nos textos verdadeiramente tradicionais, são em Percy bastante aumentadas. 39 A literatura escrita da época de Percy é, como se imaginará, a pedra de toque por ele usada para introduzir as modificações em que consiste o seu método editorial. Mais precisamente, segundo W. J. Bate, o modelo seguido foi o da balada escrita: In attempting to make his ballads better “understood” or more “interesting”, Percy drew upon devices and upon a prosody and diction which had, as their 34 35 36 37 38 39 Reliques, I, p. 15. Bate, art. cit., p. 345. Bate, art. cit., pp. 341-2 e 344. Bate, art. cit., p. 347, e Knapman, art. cit., p. 211. Bate, art. cit., p. 344. Bate, art. cit., p. 342-3. 31 models, the ballads and the songs in ballad-meter of his own contemporaries 40 and immediate predecessors. Essas baladas escritas constituem um subgénero que, desde princípios do século se ia desenvolvendo, e que, aliás, por sua vez, sob a influência das Reliques, aumentou imenso a sua importância e o número de textos publicados em finais do séc. XVIII. 41 O próprio Percy, aliás, escreveu duas baladas muito apreciadas na época, tendo-se uma delas (The 42 Hermit of Warkworth) tornado mesmo um dos paradigmas deste movimento. Note-se que, além disso, as Reliques também participaram na divulgação de tais baladas literárias, uma vez que cada um dos volumes da obra contém, para lá dos textos antigos, alguns contemporâneos. Como diz Percy no seu estilo polido, “to atone for the rudeness of the more obsolete poems, each volume concludes with a few modern attempts in the same kind of writing”. 43 Curiosamente, o Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga, como se verá, além de partilhar com as Reliques muitos aspectos do seu método editorial criativo, apresenta, tal como a obra de Percy, também uma forte influência da literatura escrita narrativa contemporânea, no seu caso, como veremos, da chamada “balada romântica”. A um estudioso de hoje, o método editorial de Percy sem dúvida que surpreende, talvez mais ainda pela naturalidade com que ele fala das coisas que fez (ou, melhor, de parte delas) e se sentia perfeitamente justificado a fazer. Mas não só o leitor de hoje se surpreenderá: cerca de 100 anos depois da publicação das Reliques, em 1867, Hales e Furnivall, na edição que prepararam do Percy Folio, não deixam de condenar repetidamente as liberdades tomadas pelo editor setecentista. Aliás, o sarcasmo com que falam do modo como Percy “vestiu” o velho manuscrito e lhe deu o aspecto duma menina elegante da sua época, assim como dos proveitos mundanos que obteve com as Reliques, mais do que uma mudança de paradigma editorial, mostram sobretudo uma perfeita incapacidade de compreender como é que alguém, considerado honesto pela sociedade do seu tempo e que até chegou a bispo, pensou dever editar os textos daquele modo desonesto: 40 41 Bate, art. cit., p. 348. Ver Mitsuyoshi Yamanaka, The Twilight of the British Literary Ballad in the Eighteenth Century, Fukuoka, Kyushu University Press, 2001, nomeadamente o Apêndice III. 42 E, como tal, Yamanaka dedica-lhe mesmo todo um subcapítulo da sua obra (ver op. cit., pp. 67- 78). 43 Reliques, I, p. 8. 32 As to the text, he looked on it as a young woman from the country with unkempt locks, whom he had to fit for fashionable society. [...] Percy gave her correct appearence. She had no “false locks to supply deficiency of native hair”, no “pomatum in profusion”, no “greasy wool to bolster up the adopted locks, and grey powder to conceal dust.” But all these fashionable requirements Percy supplied. He puffed out the 39 lines of the Child of Elle to 200; he pomatumed the Heir of Lin till it shone again; he stuffed bits of wool into Sir Cawline, Sir Aldingar; he powdered everything. The desired result was produced; his young woman was accepted by Polite Society, taken to the 44 45 bosom of a Countess, and rewarded her chaperon with a mitre. Nesse aspecto, como a seu tempo veremos, também Teófilo Braga não só criticará acerbamente as decisões metodológicas de Estácio da Veiga, como, inclusive, se mostrará incapaz de compreender que o editor algarvio fale delas com tanta candura. É óbvio que para Braga, Estácio da Veiga, ao afirmar, em repetidos lugares do Romanceiro do Algarve, que as versões que publica são factícias e que as corrigiu sempre que necessário, tinha pura e simplesmente “dado um tiro no próprio pé”, decisão para a qual ele, Braga, não conseguia encontrar explicação. É que Teófilo Braga, Hales e Furnivall pertencem já aos novos tempos, influenciados pela teoria positivista do respeito (pelo menos teórico) pela letra dos textos, e estão muito mais perto de nós (ou nós deles) do que de Percy — e Veiga (produto duma nítida falta de actualização teórica) muito mais próximo de Percy do que do seu contemporâneo Braga. Por isso, Teófilo, Hales e Furnivall já não conseguem sequer compreender como é que um autor comete um pecado como o de adoptar o método editorial das Reliques ou do Romanceiro do Algarve (pecado que eles, pelo menos Braga, também cometiam, mas muito mais comedidamente e no segredo dos seus gabinetes) e, para cúmulo, o vem assoalhar na praça pública, em letra de forma, como se esperasse ser premiado com uma medalha da Academia das Ciências. Não nos devemos, porém, surpreender pelo facto de Percy por ter usado um método diferente do da nossa época. Como escreve Ringley: We cannot perhaps too severely criticize Percy, who lived in the eighteenth century when notions of editorial responsibility were more lenient than they 44 Referência ao facto de as Reliques terem uma dedicatória muito louvaminheira à condessa de Northumberland, Elizabeth Percy, com cuja família Thomas Percy deixava discretamente subentender que ainda era aparentado. 45 Hales and Furnivall, op. cit., I, pp. xvi-xvii. A “mitra” que surge no fim da frase constitui nova referência ao bispado obtido por Percy como pináculo da sua carreira, como já atrás dissemos. 33 are today. He thought he should “improve” his texts, by which he meant, not that he should reconstruct the original wording as accurately as possible, but that he should change the wording so that it would appeal to his contemporary readers. He was concerned with producing not accurate texts 46 but attractive poems. É um facto que Percy sabia bem o que fazia, conhecia bem o seu público-alvo, e esse público era, claro, o da segunda metade do séc. XVIII, incapaz de digerir uma obra antiga, sem um molho adequadamente setecentista. Por isso, não nos devemos chocar (como, afinal, parece acabar por se chocar o acima referido Ringley) ao ver que “what he [Percy] gave his readers in 1765 as a ‘relique’ of ancient poetry was in great part an eighteenthcentury concoction flavored with pseudo-archaic spelling”. 47 O público que Percy queria atingir foi, dissemos, o seu contemporâneo. Mas não, claro, os especialistas de literatura oral (que pura e simplesmente não existiam naquela época), nem os membros das classes populares que ainda cantavam baladas e por elas se interessavam, mas que, muitos, não saberiam ler e, sobretudo, não tinham posses para comprar uma obra como as Reliques. Percy queria agradar à aristocracia e à burguesia cultas e interessadas por poesia. Para o conseguir, através da publicação duma obra dedicada a um género de textos que, na época, ainda era visto como algo próprio do povo mais rude, era preciso, claro, muito tacto editorial — e Percy tinha-o. Foi precisamente o método adoptado (por muito “criativo” que ele seja, e é) que tornou possível o sucesso das Reliques, impossível com outro tipo de fidelidade — que, aliás, para o próprio editor, teria sido impensável: Percy’s editing was never directly aimed at the popular market; from the beginning it was the approval of the literary intelligentsia that Percy was seeking. [...] At its most basic level, Percy’s editing sets out to make his poems and ballads fit for and acceptable to the literary public. The specimens he included were all to be of literary interest and value. [...] Everything was to 48 be clear, complete, correct, and worthy inclusion. 46 William A. Ringler, Jr., “Bishop Percy’s Quarto Manuscript (British Museum MS Additional 34064) and Nicholas Breton”, Philological Quaterly (Iowa City), vol. 54, nº 1 (Winter 1975), pp. 26-39 (cit. extraída da p. 30). Este artigo trata do chamado “Quarter MS”, uma das fontes usadas por Percy para a formação das Reliques (não confundir com o muito mais célebre “Percy Folio”). 47 48 Ringley, art. cit., p. 28. Z. Knapman, art. cit., p. 205. 34 E é importante notar que as baladas mais modificadas pelo método editorial criativo estão precisamente entre as mais apreciadas naquela época. O caso extremo de alteração, The Child of Elle (o texto fragmentário que, como atrás dissemos, aumentou a sua dimensão em 500%, graças a Percy), “was one of the most popular ballads in the collection. It was reprinted twice in fashionable magazines between the first and second editions of the 49 Reliques”. Atrás, citámos também Sir Cauline, balada que quase duplicou o seu número de versos devido à intervenção de Percy, intervenção que, no entanto, atendendo ao estado que o texto apresenta no manuscrito, não era de modo algum necessária, segundo a opinião de Wheatley, como vimos. E o texto desta balada é, pela crítica moderna, “considered to be far 50 superior in the Folio manuscript”. Ora, acontece que, de todo o livro de Percy, “this is the only ballad specifically praised by Wordsworth when acknowledging the great debt he and the new group of poets owed to the Reliques”. 51 Por tudo isto, o sucesso do livro de Percy foi muito grande e, para mais, parece estar na origem do trajecto profissional do autor (e mesmo da esposa), bem sintomático da aceitação que a obra obteve ao mais alto nível. Segundo Nick Groom, With the publication of the Reliques in 1765, Percy secured the patronage of the Northumberland’s [a família da condessa acima aludida, a quem é dedicado o livro], with whom he claimed blood-kinship, and his prospects duly improved. He became Chaplain to the Earl [of Northumberland] in 1765. The Earl was made a Duke in 1766, and in 1767 Anne Percy [mulher de Thomas Percy] became wet-nurse to Prince Edward. Percy himself became Chaplain in Ordinary to George III in 1769. The Duke gave him the Deanery of Carlisle Cathedral in 1778, and in 1782 his ecclesiastic career was crowned 52 with the Bishopric of Dromore. Mas para lá da petite histoire do sucesso pessoal obtido por Percy (qual dos estudiosos de literatura oral, antigos ou actuais, não sentirá suas, mesmo que só um pouquinho, as palavras meio despeitadas de Groom, certos, como estão, de nunca vir a conseguir um sucesso assim com as suas obras?), outro facto muito mais importante há a assinalar: a grande mudança, devida às Reliques, que em relativamente pouco tempo se observou no modo como o público instruído britânico encarava as baladas. Tal mudança ficou bem expressa, poucos anos depois (1777), nas palavras dum autor contemporâneo: 49 50 51 52 Z. Knapman, art. cit., p. 203. A primeira edição das Reliques é de 1765 e a segunda logo de 1767. Z. Knapman, loc. cit. Z. Knapman, loc. cit. Nick Groom, in Thomas Percy, Reliques of Ancient English Poetry, I, with a new introduction by..., London, Routledge / Thoemmes Press, 1996, p. 5. 35 The antiquarian spirit, which was once confined to inquiries concerning the manners, the buildings, the records, and the coins of the ages that preceded us, has now extended itself to those poetical compositions which were popular among our forefathers, but which have gradually sunk into oblivion [...]. [...] the popular ballad, composed by some illiterate minstrel, and which has been handed down by tradition for several centuries, is rescued from the hands of the vulgar, to obtain a place in the collection of the man of taste. Verses, which a few years past were thought worthy the attention of children only, or of the lowest and rudest orders, are now admired for that artless simplicity, which once obtained the name of coarseness and vulgarity [...]. 53 Every lover of poetry is pleased with the judicious selection of Percy. Colecções de Baladas Anglo-Escocesas nas Últimas Décadas do Séc. XVIII O sucesso das Reliques está patente, claro, nas quatro edições que conheceu até ao final do séc. XVIII, mas não só (e talvez nem sobretudo) nesse pormenor: The best evidence as to the effect of Percy’s book on English literature may be obtained by a glance at the ballad bibliography of the eighteenth century. 54 Before Percy, only two important collections had appeared; in the remaining 55 years they came as thick as tale. Na verdade, são muitas as colecções de poesia popular, sobretudo narrativa, que, num crescendo, foram brotando desde as Reliques (1765) até ao fim do século: Ancient and Modern Scots Songs, de David Herd (1769); Old Ballads, de Thomas Evans (1777, 2 vols.); Scottish Tragic Ballads (1781) e Ancient Scottish Poems (1786, 2 vols.), ambas de John Pinkerton; A Select Collection of English Songs (1783), Ancient Songs (1790), Pieces of Ancient Popular Poetry (1791), Scottish Songs (1794, 2 vols.), Robin Hood (1795, 2 vols.), 53 Vicesimus Knox, On the Prevailing Taste for Old English Poets, cit. por Thomas Sergeant Perry, English Literature in the Eighteenth Century, New York, Harper & Brothers, 1883, pp. 401 e 402. 54 Pelo que antes escreve, vê-se que o autor aqui se refere às Old Ballads anónimas (1723-25) e ao Evergreen de Ramsay (1724). 55 William Lyon Phelps, The Beginnings of the English Romantic Movement. A study in eighteenth century literature, Boston, Grinn & Company, Publishers, 1902, p. 135. 36 todas de Joseph Ritson; Scots Musical Museum, de James Johnson (1787-1803, 6 vols.); George Ellis, Specimens of the Early English Poets (1790), etc. 56 Reflexões sobre a Poesia Tradicional na Alemanha Setecentista. Herder Não foi apenas na Grã-Bretanha que a obra de Percy fez escola. Também na Alemanha ela teve grande influência, nomeadamente sobre o iniciador dos estudos sobre poesia oral naquele país, Herder, que, em carta escrita a um amigo em Agosto de 1771, dizia: Vivo da alcune settimane immerso nelle Reliques of Ancient English Poetry, raccolta in cui compare una quantità di brani eccellenti, grezzi ma pieni di sentimenti forti [...] Ne ho copiato un certo numero e ne manderó alcuni alla 57 nostra amica, che ne sará di sicuro contenta. Pouco depois, em finais do Verão desse ano, Herder escreve o longo artigo “Sobre 58 Ossian e as Canções dos Povos Antigos. Resumo duma correspondência”, publicado em 1773. Este artigo nasce a propósito da tradução alemã do Ossian, que Herder, como muito dos seus contemporâneos, julga ser poesia escrita por um bardo do séc. III, passada, depois, à oralidade e ainda viva, em meados do séc. XVIII, na tradição dos povos semiprimitivos das 59 longínquas montanhas da Escócia, onde Macpherson a teria ido recolher. Herder queixa-se de que, na referida tradução alemã, feita em hexâmetros neoclássicos, ao modo de Klopstock, se perdia totalmente a força do original, a vitalidade tão característica dos povos 56 57 Sobre estes autores, ver Hustvedt, op. cit., pp. 237-269. Tradução italiana apud Clelia Parvopassu e Alberto Rizzuti (orgs.), “A salti e lanci”. Il dibattito sul Volkslied nell’ epoca dello Sturm und Drang, Alessandria, Edizioni dell’ Orso, 1997, pp. 55-6. A amiga comum a que Herder se refere viria a ser, dois anos depois, sua mulher. 58 “Über Ossian und die Lieder alter Völker. Auszug aus einem Briefwechsel”; tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 73-134. 59 Thomas Macpherson foi o autor de Fragments of Ancient Poetry (1760), Fingal (1762) e Temora (1763), poemas que afirmou serem a tradução (para inglês) de obras antiquíssimas, que corriam (em gaélico) na tradição oral, donde ele as recolhera. Ainda que muito cedo Macpherson tenha sido acusado de falsificador, e, por fim, completamente desmascarado, os seus poemas gozaram duma enorme fama a nível europeu (ver, por exemplo, Paul van Tieghem, “Ossian et l’ Ossianisme au XVIIIe siècle”, Le Préromantisme. Etudes d’ histoire littéraire européenne, I, Paris, Sfelt, 1948, pp. 197-287). 37 da Antiguidade, que no séc. XVIII se mantinha só entre os selvagens e se espelhava perfeitamente nas suas canções. Na verdade, quanto più un popolo è selvaggio, cioè vivo e libero (poiché questa parola non significa nient’altro), tanto più selvagge, cioè vive, libere, sensuali, d’argomento lirico saranno anche le canzioni che avrà prodotto! Quanto più il popolo è lontano da un modo di pensare, da una lingua e da un modo di scrivere artefatto e scientifico, tanto meno le sue canzoni saranno fatte per la 60 carta, e tanto meno i versi saranno lettere morte. A alambicada tradução alemã do Ossian era, afinal, apenas um exemplo mais da literatura sem nervo que a sociedade civilizada, tão longe do vitalismo dos primitivos, produzia: le nostre anime sono oggi formate in modo diverso, per motivi di generazioni e in conseguenza dell’educazione dei giovani. Noi quasi non vediamo e non sentiamo più, bensì pensiamo e almanacchiamo soltanto; non faciamo più poesia su e in un mondo vivo, nella tempesta e nel mescolarsi di tali oggetti e sentimenti, ma rendiamo artificioso ogni nostro tema e ogni modo di 61 trattarlo. Herder elogia a poesia tradicional de vários povos (de que transcreve e comenta alguns excertos), dos Índios norte-americanos aos Lapões, e dos Peruanos aos Escoceses, ainda livres da perniciosa influência das nações civilizadas (“popoli [...] ai quali le nostre consuetudini non sono ancora riuscite a togliere del tutto lingua, canti e usi, per dare loro in 62 cambio qualcosa di molto storpiato”). E continua, dirigindo-se ao inventado destinatário destas cartas: Lei starà pensando che di tali canzoni anche noi Tedeschi ne abbiamo [...]. Conosco, in più d’una provincia, canzoni popolari, locali e contadine che non avrebbero nulla da invidiare a molte di quelle per vivacità e ritmo, ingenuità e 63 forza della lingua; ma chi le raccoglie? chi si occupa di loro? E, porém, essa literatura corria, na Alemanha, um grave risco, devido às grandes transformações da sociedade, necessitando, pois, de ser recolhida quanto antes: “Il resto dei 60 61 62 63 Apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 81. Op. cit., p. 109. Op. cit., p. 88. Op. cit., p. 117. 38 brani popolari più antichi e veri sparirà completamente con la sempre maggior diffusione della cosidetta cultura, come già sono spariti tesori analoghi”. 64 Talvez ainda se fosse a tempo: “se solo cercassimo ancora tra le nostre canzoni, ciascuno nella sua provincia, forse raccoglieremmo ancora qualche brano, forse la metà di quelli delle Reliques”. 65 Por outro lado, a literatura culta muito teria a ganhar com a imitação das canções populares, alemãs e estrangeiras: questo genere poetico [i. e., a poesia popular] potrebbe [...] infondere un poco di semplicità nei nostri canti lirici, nelle nostre odi e canzoni, [...] abituare a soggetti più semplici e ad argomenti più nobili [...], in breve di liberarci da questi ornamenti oppressivi, divenuti per noi pressoché legge. [...] Osservi in che stile oraziano artificioso siamo caduti [...] noi tedeschi — Ossian, i canti dei selvaggi, degli scaldi, romanze e poesie provinciali potrebbero portarci su 66 strade migliori. Eis, novamente, portanto, a ideia de simplicidade da poesia popular, invocada como antídoto contra os excessos artificiosos da literatura culta, ideia que já encontrámos em Addison, e que, aliás, “andava no ar” noutros países europeus. Na verdade, já em 1765, um crítico literário francês, na recensão que fez das Reliques of Ancient English Poetry (publicadas no ano anterior), escreveu: “On trouve dans quelques-unes [das baladas publicadas por Percy] une naïveté, un goût de la nature qui charme encore ceux dont le sentiment n’est pas trop perverti par les raffinements du bel esprit”. 67 Só que em Herder, sem dúvida sob a influência das teorias de Rousseau (elogio dos povos primitivos —antigos ou actuais— e dos camponeses, e crítica da sociedade civilizada 68 e urbana, que com aqueles muito teria a aprender), deparamos com a ideia de simplicidade inserida num vasto projecto de reforma da sociedade. O carácter ingénuo da poesia dos camponeses alemães (e, mais ainda, dos povos antigos ou dos povos selvagens, esses, ao contrário do alemão, ainda sem contactos com o perverso modernismo) exprime uma força, uma vitalidade, ausentes na literatura (e na sociedade) civilizada. Daí, a necessidade da sua 64 65 66 67 68 Loc. cit. Op. cit., p. 118. Op. cit., pp. 133 e 134. Cit. por Paul Bénichou, Nerval et la chanson folklorique, Paris, Librairie José Corti, 1970, p. 39. Sobre as teorias de Rousseau nas suas relações com os estudos etnográficos, ver Giuseppe Cocchiara, The History of Folklore in Europe, trad. de John N. McDaniel, Philadelphia, The Institute for the Study of Human Issues, 1981, pp. 116-127. 39 recolha (e depressa, antes que ela desapareça), e do seu posterior influxo sobre a literatura culta. É que, para Herder, Volks- não indica apenas a origem das canções mas também o seu destino: “non solo ‘canto del popolo’, ma anche ‘canto adatto a ricondurre il popolo dal suo attuale stato innaturale all’origine di se stesso’”. 69 As relações entre literatura popular e literatura culta formam precisamente o cerne dum artigo de Herder publicado em 1777: “Da Semelhança entre a Poesia Artística Medieval Inglesa e a Alemã, juntamente com Várias Coisas que daí se Seguem”. 70 A tese aqui defendida é que a literatura inglesa, ao longo da sua história, esteve sempre ligada à literatura e às tradições do povo, e que daí deriva o seu brilho. Ao não ter seguido na mesma 71 linha (“Dove sono i nostri Chaucer, Spenser e Shakespeare?”), a literatura alemã é muito mais pobre. E o pior é que não tem modelo que possa seguir para se reformar: Dei tempi antichi non possediamo [...] assolutamente nessuna poesia viva, sulla quale la nostra arte più recente sarebbe cresciuta come una gemma dal tronco della nazione; al contrario, altre nazioni [...] si sono formate sul proprio terreno, da prodotti nazionali, sulla credenza e sul gusto del popolo, dai resti di tempi antichi. Per questo la loro lingua e poesia sono diventate nazionali, la voce del popolo è usata e stimata. [...] Da noi tutto nasce a priori, la nostra poesia e la nostra formazione classica sono piovute dal cielo. [...] La nostra letteratura classica è come l’uccello del paradiso, così colorato, 72 garbato, tutto volo e altezza e senza piedi sulla terra tedesca. A solução seria começar a recolher a literatura oral alemã, mas as condições de recepção dessa literatura eram, na Alemanha, muito diferentes das da Grã-Bretanha: Gli Inglesi, con quale avidità hanno raccolto, stampato e ristampato, usato e letto i loro antichi canti e le loro melodie! Ramsay, Percy e i loro colleghi sono accolti con applausi, i loro poeti più recenti [...] si sono appropriati [...] di quello stile [...]. Si stampino in Germania solo canzioni comme hanno fatto fare in parte Ramsay, Percy e altri, e si ascolti cosa dicono i nostri critici classici e pieni di buon gusto! [...] 69 70 Ulrich Gaier, cit. por Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 36, n. 54. “Von Ähnlichkeit der mittlern englischen und deutschen Dichtkunst, nebst Verschidnem, das daraus folget”; tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 190-209. 71 72 Op. cit., p. 198. Op. cit., pp. 201, 202 e 203. 40 [...] che canzoni ha raccolto Percy nelle sue Reliques, che io non osavo mostrare alla nostra colta Germania. A noi riuscirebbero insopportabili, a loro 73 no. Na parte final deste artigo, assistimos a uma mudança na abordagem do tema. Na verdade, aí, a literatura oral é encarada, não como instrumento de reforma da literatura culta, mas como modo de conhecer a essência de cada povo, já que esta se encontra expressa nos seus cantos: Tutti i popoli rozzi cantano e agiscono; essi cantano ciò che fanno e cantano azioni. I loro canti sono l’archivio del popolo, il tesoro della loro scienza e religione, [...] delle azioni dei loro padri e degli eventi della loro storia, calco 74 del loro cuore, immagine della loro vita domestica nella gioia e nel dolore. A cada tipo de povo estaria ligado um certo tema ou mesmo um certo género da literatura oral: La nazione guerriera canta imprese; quella tenera l’amore. Il popolo arguto propone indovinelli, il popolo capace d’immaginazione costruisce allegorie, 75 parabole, quadri viventi. Os autores que escrevem relações de viagens a países estrangeiros deveriam, portanto, anotar a literatura oral que ali corria na tradição. Esse era o melhor modo de darem a conhecer aos leitores o modo de ser de tais povos: Una piccola raccolta di simili canzoni dalla bocca di ogni popolo [...] come vivificherebbe gli articoli di cui è bramoso il conoscitore dell’umanità. [...] Come la storia naturale descrive erbe e animali, così si descriverebbero qui i popoli stessi. Si otterrebbe di tutto un concetto chiaro, e dalle similitudini o differenze fra queste canzoni nella lingua, nel contenuto e nei suoni, specialmente nelle idee della cosmogonia e della storia dei padri, quanto e in quale modo sicuro si trarrebbero delle conclusioni su discendenza, diffusione 76 e mescolanza dei popoli! Nesta última frase pareceria termos dado um salto bem para lá do ano de 1777 em que este artigo foi escrito, e dir-se-ia estarmos, pelo menos, em meados do século seguinte. 73 74 75 76 Op. cit., pp. 199 e 203. Op. cit., p. 206 (os sublinhados são do original). Loc. cit. Op. cit., pp. 206 e 207. 41 Herder encontrava-se, como vemos, muito à frente da sua época, e tal avanço é ainda mais claro quando lemos as condições a que, na sua opinião, deveriam obedecer essas colecções dos cantos de cada povo: Essi [os autores das obras] devono trasmettere tutto com’è, nella lingua originaria e con spiegazione sobria, priva di scherno e critiche, ed anche di abbellimenti e nobilitazioni, possibilmente con la loro melodia e tutto ciò che 77 appartiene alla vita del popolo. “Tutto com’è, [...] priva [...] di abbellimenti e nobilitazioni”— os autores de colecções de literatura oral demorariam quase 100 anos (e alguns, ainda mais tempo) antes de darem ouvidos a estas palavras de Herder... Nos dois anos seguintes (1778-79), Herder dá à estampa, traduzido para alemão, um corpus relativamente extenso de literatura oral de vários povos: os dois volumes dos Volkslieder. Trata-se, para a época, duma realização muito importante, destinada a ter grande influência, quer pelos textos publicados, quer pelo estudo que precede o II volume. Quanto aos textos, ao contrário daquilo que tinham feito os autores britânicos (e do que fariam, por exemplo, os autores alemães posteriores, a começar por Arnim e Brentano), Herder, em lugar de se restringir à literatura oral do seu povo, apresenta textos angloescoceses, alemães, espanhóis, franceses, italianos, dinamarqueses, lituanos, letões, lapões, etc. O seu gosto pela poesia oral estrangeira (que já vimos logo no “Über Ossian” de 1771) leva-o, aliás, a publicar um maior número de textos traduzidos de outras línguas, que são 124 do total de 162 do livro, sendo alemães apenas 38 (ou seja, 23,4% do total). Em primeiro lugar quanto ao número de textos está a literatura britânica (com 53), seguida a grande distância pela alemã (38, como dissemos) e pela espanhola (18). Na introdução, 79 78 Herder retoma ideias anteriormente expostas em artigos, algumas desenvolvidas agora com mais detença: Non c’è dubbio che la poesia e in particolare la canzone fossero in origine assolutamente popolari, cioè facili, su argomenti e nella lingua del popolo, ossia in quella della natura, ricca e a tutti familiare. [...] Il canto non sarebbe mai nato come arte delle lettere [...]. Tutte le culture del mondo, in modo 77 78 Op. cit., p. 207. Ver a lista elaborada por Heinz Rölleke, no “Nachwort” da sua ed. de Johann Gottfried Herder, Stimmen der Völker in Liedern. Volkslieder, Stuttgart, Philipp Reclam, 1975, pp. 475-6. 79 Tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 227-259. 42 particolare l’ Oriente più remoto, mostrano numerose tracce di questa origine [...]. La poesia [...] era il fior fiore della peculiarità di un popolo, il tratto distintivo della sua lingua e della sua terra [...] La poesia greca più nobile e viva si è sviluppata da questa origine. Il più grande cantore greco, Omero, è allo stesso tempo il più grande poeta popolare. [...] Il verso di Omero [...] non è un esametro scolastico o artificioso, ma il metro che presso i greci si trovava già pronto per l’uso, nel loro orecchio puro e raffinato, nella loro lingua. [...] La corrente dei secoli passò scura e cupa per la Germania. Qua e là si è salvata uma voce del popolo, una canzone, un detto, una rima [...] [mas] poco mi resta sotto gli occhi che possa essere accostato ai migliori esempi inglesi, 80 spagnoli o dei popoli nordici. Em 1807, já depois da morte de Herder, saiu uma segunda edição dos Volkslieder, sob o título bem significativo de Vozes do Povo em Canções (Stimmen der Völker in Liedern). Esse título foi retirado dum artigo do autor, publicado em 1803, poucos meses antes da sua morte, em que explicava estar a preparar uma nova edição, ampliada, dos Volkslieder, que 81 seria “come una voce viva dei popoli, addirittura dell’umanità stessa”. Pela morte do autor, tal trabalho ficou interrompido, mas, ainda assim, nos Stimmen der Völker, incluem-se vários poemas novos, estrangeiros na sua grande maioria e mesmo de países extra-europeus (dez deles proviriam de Madagáscar). 82 Este modo “internacionalista” de encarar a literatura oral ficou, depois da morte de Herder, muito tempo sem descendência. Pelo contrário, foi a visão nacionalista que, sobretudo, orientou os estudos sobre a matéria, pelo menos ao longo de todo o Romantismo. Essa visão parte da ideia herderiana segundo a qual, conforme vimos, a literatura (sobretudo a poesia) oral exprime a essência (e, com ela, a vitalidade) de cada povo, essência essa que, nas modernas sociedades europeias, foi perdida pelas classes instruídas e deve ser recuperada, precisamente pelo estudo daquela literatura. A teoria de Herder era 80 81 82 Op. cit., pp. 227, 228 e 232. Op. cit., p. 274. Os poemas acrescentados na edição de 1807 podem ver-se na citada edição de H. Rölleke, pp. 371-398. Das “canções de Madagáscar” diz Herder que foram traduzidas “do francês do Cavaleiro Parny” (“aus dem Französichen des Ritter Parny”, p. 391), o qual as apresentava como recolhidas da tradição oral. Ora, “unfortunately, [...] they were straight from Paris: sheer inventions by a contemporary minor French poet”, o visconde Évariste de Parny [ver Willard R. Trask (org.), The Unwritten Song. Poetry of the primitive and traditional peoples of the world, edited, in part retranslated, and with an introduction by ..., I, New York / London, The Macmillan Company / Collier-Macmillan Ltd., 1966, p. viii]. 43 acompanhada, como atrás ficou patente, por um interesse científico por toda a humanidade, em que não havia lugar para ideias de superioridade nacional. Aliás, if at times he seemed to pay more attention to the “Nordic roots” of his own nation than to those of others, it was not because he suffered from ethnocentrism or was driven by a quest for power but because he found here the cultural origins of his own Volk that for such a long time had been neglected and treated with contempt. Rather than whishing to reserve for Germany a superior status in the world, he merely fought for her recognition in terms of cultural equality. According to his worldview, all nations were equal, as God had created them in their colorful variety to take their place within one huge painting of humanity. Nationalism, as Herder understood it, was a cultural rather than a political phenomenon that brought with it the obligation to search for the cultural roots of one’s people. [...] Not an excessive self-pride or a cultural isolationism were his goals but rather a greater tolerance and appreciation of the unique combinations that each Volk could make to humanity at large. His ultimate aim was to lead all 83 nations, big or small, toward a better understanding of self and others. No entanto, posteriormente, “his insights were politically adapted, narrowed, and 84 ultimately undermined by the Romantic nationalists”. Na verdade, o folclore (a começar pela poesia oral) passou a ser encarado, fundamentalmente, como um modo de estribar a existência das nações. Como se imaginará, este facto foi importante sobretudo em países que lutavam pela independência ou pela reunificação. Assim, na Escócia, na Finlândia ou na Alemanha, por exemplo, as teorias de Herder foram lidas de modo bem diferente do que o seu autor teria desejado. Cada povo, dizia-se agora, tinha a sua própria poesia oral, diferente da dos outros, a qual reflectia a diferença desse povo e, portanto, provava cientificamente a sua identidade própria e a legitimidade da sua independência. E para provar tal identidade tornava-se, pois, necessário recolher e estudar esse objecto até aí desprezado ou ignorado: a literatura oral. 83 85 Christa Kamenetsky, The Brothers Grimm & Their Critics. Folktales and the quest for meaning, Athens, Oh., Ohio University Press, 1992, pp. 76 e 77. 84 Regina Bendix, In Search of Authenticity. The formation of Folklore studies, Madison, The University of Wisconsin Press, 1997, p. 42. 85 Para um panorama do estudo das tradições (nomeadamente da literatura oral) no Romantismo e dos seus fundamentos ideológicos, leia-se a “Part Three” do livro atrás referido de Giuseppe Cocchiara, parte que tem o significativo título de “Folklore as an Instrument of Politics and National Dignity in the Romantic Period” (ver The History of Folklore in Europe, cit., pp. 187-274). 44 Walter Scott É nesta linha que chega, em 1802-3, o Minstrelsy of the Scottish Border, de Walter Scott. As Reliques of Ancient English Poetry de Percy eram, como o título indica, inglesas (embora contenham também alguns textos provenientes da Escócia); 86 nas colectâneas seguintes, porém, incluem-se já baladas escocesas, e algumas dessas obras são mesmo exclusivamente feitas com versões da Escócia (por exemplo, as Scottish Songs de Ritson, e outros títulos atrás citados). Tal atitude tem a ver, claramente, com um desejo de afirmação nacionalista, reagindo à integração política daquele país na Grã-Bretanha (total desde 1707) e à sobranceria com que era tratado pela Inglaterra. Depois de terminadas as derradeiras tentativas de defesa da independência (com a derrota definitiva de Carlos Eduardo, “the Young Pretender”, em 1746), dir-se-ia que a defesa da identidade escocesa passara para o plano das tradições. É, por exemplo, das duas últimas décadas do séc. XVIII e das duas primeiras do século seguinte que data a invenção (pois que disso se trata) do kilt enquanto traje nacional escocês, com a concomitante ligação a cada clã de um determinado padrão (tartan) de tecido, coisas a que, obviamente, se vai atribuir origem, no mínimo, medieval. 87 E um dos grandes passos na afirmação do trajo nacional escocês foram as cerimónias da visita do rei inglês Jorge IV a Edimburgo, em 1822, com os representantes dos clãs (e o próprio rei, que assim quis lisonjear os seus súbditos do Norte) todos vestidos com kilts, 88 cerimónias essas organizadas nem mais nem menos que por Walter Scott. O Minstrelsy of the Scottish Border de Scott constitui (tal como alguns dos seus romances, por exemplo The Tale of Old Mortality) um fruto e, ao mesmo tempo, um contributo importante dessa campanha para realçar a longa e gloriosa história independente da Escócia, e, portanto, o seu direito a receber um tratamento justo por parte do governo de Londres. O Minstrelsy é, assim, sentido como a resposta escocesa às Reliques of Ancient English Poetry, e tal confronto-competição é abertamente expresso numa das recensões da 86 Trata-se de 12 versões enviadas a Percy por um seu correspondente (ver Friedman, op. cit., p. 226). 87 Ver Hugh Trevor-Roper, “The Invention of Tradition: The Highland tradition of Scotland”, in Eric Hobsbawm e Terence Ranger, The Invention of Tradition, Cambridge, Cambridge University Press, 1993, pp. 15-41. 88 Ver Trevor-Roper, art. cit., pp. 29-31. 45 obra, onde se escreve: “they [os volumes de Scott] perform for Scotland that task which the bishop of Dromore [i. e., Percy, que, conforme dissemos, era bispo anglicano] performed for England”. E o recenseador vai mais longe, acrescentando: “the Scottish reliques of Percy [i. e., as versões escocesas que, como vimos, ele incluiu no seu livro] might have been 89 advantageously included in this collection [a de Scott]”. Ou seja: devolvam-nos o que é nosso! Dum modo mais discreto, Scott evidencia também a emulação com a obra de Percy, 90 explicando que a tomou para modelo — mas que fez melhor: “As for the editorial part of the task, my attempt [was] to imitate the plan and style of Bishop Percy, observing only more strict fidelity concerning my originals.” 91 A inspiração nacionalista que presidiu ao Minstrelsy é, de modo bem mais claro, admitida por Scott, que explica ter incluído nos prólogos que escreveu para cada balada “a variety of remarks, regarding popular superstitions, and legendary history [da Escócia], which, if not collected, must soon have been totally forgotten.” E, logo a seguir, escreve estas comovidas palavras que, embora se refiram, em princípio, apenas às citadas “remarks”, se aplicam muito melhor à totalidade da obra, até porque é com essas palavras que termina a introdução: By such efforts, feeble as they are, I may contribute somewhat to the history of my native country; the peculiar features of whose manners and character are daily melting and dissolving into those of her sister and ally. And, trivial as may appear such an offering, to the manes of a kingdom, once proud and independent, I hang it upon her altar with a mixture of feelings, which I shall 92 not attempt to describe. O “plan and style of Bishop Percy” seguido no Minstrelsy são visíveis desde logo pelos extensos comentários de Scott, destinados a mostrar que a literatura do povo é digna de ser encarada com atenção historicista e erudita, tal como fizera o citado autor inglês. Só que, 89 Cit. por Hustvedt, Ballad Books and Ballad Men. Raids and rescues in Britain, America, and the Scandinavian North since 1800, Cambridge, Ma., Harvard University Press, 1930, p. 41. 90 Aliás, Percy “studied and approved” o plano do Minstrelsy, que Scott, através dum amigo, quis submeter ao seu exame (ver Friedman, op. cit., p. 231). 91 Sir Walter Scott, Minstrelsy of the Scottish Border, edited by T. F. Henderson, IV, Edinburgh and London / New York, William Blackwood and Sons / Charles Scribner’s Sons, 1902 (reed. facsimilada: Detroit, Singing Tree Press, 1968), p. 52. 92 Scott, op. cit., I, p. 175. 46 no caso presente, o povo pertencia a uma nação vencida e desprezada; mais uma razão, portanto, para elevar ainda mais o tom da obra. O Minstrelsy apresenta, portanto, dois longuíssimos estudos, que ocupam a maior parte do I vol., 93 um deles quase totalmente dedicado a um panorama da História da Escócia. Por outro lado, um prólogo, às vezes bem 94 longo, antecede cada balada, à qual se seguem as notas, que por vezes ocupam bastantes páginas. 95 O Método Editorial Criativo de Walter Scott Quanto à questão do método adoptado na fixação dos textos, vimos atrás que Scott afirma ter usado “more strict fidelity concerning my originals” do que o seu antecessor. Uma coisa é, porém, o que se diz, e outra o que se faz — e, na edição de baladas, tal parece ser ainda mais verdade. Para começar, Scott partilha com Percy uma opinião perfeitamente negativa sobre a tradição, que apenas vê como corruptora, nunca como criadora. Tal opinião é agravada, aliás, pelo facto de o editor escocês ter publicado textos recolhidos da oralidade por si ou por amigos seus ou, então, provenientes de manuscritos muito pouco anteriores à sua época. Portanto, nem o prestígio dos velhos manuscritos se interpõe entre ele e frases desapiedadas como estas: they [i. e., the ballads] have been handed from one ignorant reciter to another, each discarding whatever original words or phrases time or fashion had, in his 93 Trata-se das “Introductory Remarks on Popular Poetry and on the Various Collections of Ballads of Britain, Particularly Those of Scotland” e da “Introduction”, op. cit., pp. 1-54 e 55-212, respectivamente. De notar, porém, que as “Introductory Remarks” foram incluídas apenas na ed. de 1830. Nessa mesma edição, o vol. IV foi também acrescentado com um extenso “Essay on the Imitations of the Ancient Ballad”, pp. 1-58. 94 O prólogo a Kinmont Willie, talvez o maior da colecção, tem 17 páginas (ver II, pp. 39-55). De notar que os prólogos extensos encontram-se sobretudo na parte da obra dedicada às “Historical Ballads”, o que não é para admirar, uma vez que tais prólogos (como, aliás, as introduções já citadas) são sobretudo de carácter histórico. Na parte das “Romantic Ballads”, quase sempre sem referente histórico (correspondentes àquilo a que no romanceiro se chamam “romances novelescos”), tais prólogos são muito mais curtos, chegando a ter apenas um parágrafo. 95 Por exemplo, Auld Maitland tem nada menos que 18 páginas de notas (cf. I, pp. 258-275). 47 opinion, rendered obsolete, and substituting anachronisms by expressions taken from the customs of his own day. [...] In general [...] the late reciters appear to have been far less desirous to speak the author’s words, than to introduce amendments and new readings of their own, which have always produced the effect of modernising, and usually that of degrading and vulgarising, the rugged sense of the antique minstrel. Thus, undergoing from age to age a gradual process of alteration and recomposition, our popular and oral minstrelsy has lost, in a great measure, its original appearance; and the strong touches by which it had been formerly characterised, have been generally smoothed down and destroyed by a process similar to that by which a coin, passing from hand to hand, loses in 96 circulation all the finer marks of the impress. Impõe-se, portanto, a adopção do método editorial criativo. Convém, no entanto, sublinhar que Scott, quando fala da sua intervenção editorial, o faz de modo bastante mais cauto do que Percy. Conforme vimos, mesmo Percy não disse ter feito, quanto à transformação dos textos, tudo aquilo que, verdadeiramente fez, e, várias vezes (sem dar por isso ou, mais provavelmente —pelo menos em certos casos—, por má-consciência) minimizou, no momento de falar dela, o grau da sua intervenção. Scott, impressionado 97 provavelmente pelas enormes críticas que Ritson fizera ao método editorial de Percy, vai ser muito mais comedido. Já vimos que deixa claro ser o Minstrelsy mais fiel editorialmente 98 falando do que as Reliques, e, além disso, afirma que a sua intervenção se limitou à de fazer textos factícios (escolhendo, das várias versões duma balada de que dispunha, o verso que lhe parecia melhor) e de retocar a rima — nada mais: No liberties have been taken, either with the recited or written copies of these ballads [as que publica], farther than that, where they disagree, which is by no means unusual, the Editor, in justice to the author, has uniformly preserved what seemed to him the best or most poetical reading of the passage. [...] Some arrangement was also occasionally necessary, to recover the rhyme, which was often, by the ignorance of the reciters, transposed, or thrown into the middle of the line. With these freedoms, which were essentially necessary 96 97 Scott, Minstrelsy of the Scottish Border, cit., I, pp. 11 e 12. Contemporâneo de Percy, e, ele próprio, editor de baladas antigas, Joseph Ritson foi um autor visto na época como um verdadeiro excêntrico, e a esse facto, sobretudo, foram atribuídos os ferozes ataques que publicou contra Percy, a propósito das liberdades tomadas com o texto das Reliques. Sobre a questão, ver Hustvedt, Ballad Criticism, cit., pp. 190-5. 98 Não obstante a distanciação relativamente a Percy que tais palavras mostram, note-se que Scott defendeu explicitamente o bispo das críticas que lhe foram feitas por Ritson, tendo justificado as liberdades tomadas nas Reliques com o carácter pioneiro da obra (ver Minstrelsy, I, pp. 37-8). 48 to remove obvious corruptions, and fit the ballads for the press, the Editor presents them to the public, under the complete assurance, that they carry 99 with them the most indisputable marks of their authenticity. Conforme vemos, Scott, tal como Percy, não consegue entender a pluralidade de versões que é a essência dos textos orais. Por isso, deixa-se guiar pelo processo editorial dos textos escritos e acha perfeitamente lógica e evidente a formação de versões factícias. Tão evidente que nem sente necessidade, repare-se, de a justificar, pois aquilo que Scott justifica (com critérios estéticos) é apenas a escolha que faz de certo verso em detrimento de outro — não a opção, em si, de publicar apenas uma versão. Nesse aspecto, claro, fez o mesmo que Percy, mas não deixa de ser estranho, para nós, hoje, que tal decisão editorial lhe tenha parecido tão óbvia: se Percy tinha, sem dúvida, a desculpa de estar a editar textos manuscritos muito antigos e de não ter conhecido o modo como as baladas viviam na oralidade, o mesmo se não pode dizer de Scott, que conhecia bem a tradição oral, com que contactara desde a juventude. Mas a edição de textos orais não possuía, antes de Scott, nenhuma tradição, e, pelo contrário, a edição crítica de textos escritos desfrutava duma prestigiosa linhagem, que remontava aos editores gregos de Homero — como lutar contra ela, como aperceber-se de que era necessário inventar outro método, como decidir-se a ser o primeiro a usá-lo? A formação de versões factícias, parece-lhe, pois lógica, e ao modo de a efectuar se refere várias vezes nos prólogos que precedem cada uma das baladas que publica. Eis alguns exemplos, que ilustram os dois métodos que Scott usou: escolher uma versão (a melhor, qualquer que seja a razão para assim a considerar) como texto-base e servir-se das outras versões apenas para retocá-lo ou completá-lo; ou, então, juntar versos (os que, em cada caso, lhe parecem melhor) de várias versões, parecendo não privilegiar nenhuma delas: The copy, principally used in this edition of the ballad, was supplied by Mr. Sharpe [um amigo de Scott, que a recolhera de uma criada]. The three last 100 verses are given from the printed copy, and from tradition. In publishing the following ballad, the copy principally resorted to is one, apparently of considerable antiquity, which was found among the papers of the late Mrs. Cockburn of Edinburgh [...]. Another copy, much more imperfect, is to be found in Glenriddll’s MSS. [...] Mr. Plummer also gave the Editor a few additional verses, not contained in either copy, which are thrown 99 Minstrelsy, I, pp. 167 e 168. 100 Op. cit., III, p. 2. 49 into what seemed their proper place. There is yet another copy, in Mr. Herd’s MSS. [um dos colaboradores de Scott, que o ajudou nas recolhas], which has been occasionally made use of. Two verses are restored in the present edition, from the recitation of Mr. Mungo Park, whose toils, during his patient and intrepid travels in Africa, have not eradicated from his recollection the 101 legendary lore of his native country. This edition of the ballad obtained is composed of verses selected from three MS. copies, and two from recitation. Two of the copies are in Herd’s MSS.; the third is that of Mrs. Brown of Falkland [a mais célebre das informantes do 102 Minstrelsy, que recolheu textos que ela própria conhecia]. The present text is collected from four copies, which differed widely from 103 each other. A elaboração de versões factícias, é, portanto, para Scott algo naturalíssimo, e as múltiplas referências que faz ao método visam apenas, como vemos, mostrar que foi um editor diligente e incansável na construção do texto mais perfeito, mais próximo do original perdido. Quanto às emendas para regularizar a rima, essas, então, parecem-lhe de tal modo óbvias, obrigadas pelas regras da poética, que, para lá da referência que, conforme vimos, lhes fez na introdução, não mais volta a falar delas. Tirando estes dois aspectos, Scott não admite ter feito mais nenhuma intervenção nos textos. Ora tal não corresponde à verdade. Como diz Andrew Lang (num livro sem quaisquer propósitos polémicos e que, pelo contrário, até foi escrito para defender Scott de ser um falsificador), he avowedly made up texts out of a variety of copies, when he had more copies than one. This is frequently acknowledged by Scott; what he does not 104 acknowledge is his own occasional interpolation of stanzas. E Henderson, editor moderno de Scott, escreve: His professed method was to construct his versions strictly by the arrangement or combination of other versions, or by following mainly one version, but correcting and improving it by the selection of words, lines, 101 102 103 104 Op. cit., I, pp. 305 e 306. Op. cit., III, p. 253. Op. cit., II, p. 160. Andrew Lang, Sir Walter Scott and the Border Minstrelsy, New York, Bombay, and Calcutta, Longmans, Gren, and Co., 1910, p. 10. 50 phrases, or stanzas from other versions. This, however, was often not to be done, without the introduction, as well, of words, phrases, lines, and occasionally even stanzas of his own. Moreover, he often found it impossible to resist the impulse to improve the phraseology, and he hardly ever resisted 105 the impulse to improve the rhythm or the rhyme. É possível que as alterações, muito frequentes, que fez nos textos com vista à regularização da métrica 106 lhe tenham parecido tão óbvias como a da correcção da rima (à qual, como vimos, se refere apenas uma vez, na introdução, e nunca nos prólogos), e que isso explique que não fale da questão. Mas o silêncio que mantém sobre os restantes aspectos do seu método editorial parece-nos que se explica apenas pelo facto de Scott os considerar inconfessáveis. Essas transformações consistem em: — substituir palavras ou expressões arcaicas ou fruto de corruptela; — dar maior dramatismo à história; — reforçar a sua lógica; 107 108 109 — eliminar a repetição da mesma acção; — colmatar hiatos da narrativa; 110 111 — amplificar a acção, acrescentando-lhe pormenores; — aumentar as descrições. 112 113 Como vemos, estas modificações são muito parecidas com as que encontrámos adoptadas nas Reliques. Ora, como Percy nunca explicitou o seu método editorial, temos de concluir que as semelhanças existentes entre ambos não podem ser fruto da imitação, mas sim duma forma mentis comum, dum mesmo conceito do que deve ser um poema de qualidade, coincidência facilitada pelo facto de viverem num contexto sociocultural muito 105 T. F. Henderson, “Editor’s Prefactory Note”, in Scott, Minstrelsy, I, p. xviii. 106 Ver Charles G. Zug III, “The Ballad Editor as Antiquary: Scott and the Minstrelsy”, Journal of the Folklore Institute, 13 (1976), pp. 57-73 (quanto às mudanças na métrica, ver pp. 61 e 62). 107 108 109 110 111 112 113 Zug, art. cit., pp. 61 e 62. Zug, art. cit., pp. 65. Zug, art. cit., pp. 64 e 65. Zug, art. cit., p. 64. Zug, art. cit., pp. 64 e 66. Zug, art. cit., pp. 64, 65 e 68. Zug, art. cit., p. 69. 51 similar. A diferença parece estar apenas em que, depois das críticas de Ritson ao método editorial de Percy e, também, do grande debate provocado pelas falsificações de Macpherson e de Chatterton, 114 “andava no ar” uma maior exigência de fidelidade ao texto. A actuação de Scott, que afirma fazer uma coisa mas acaba por fazer muitíssimo mais do que isso, parece mostrar que, porém, tal exigência é apenas de superfície. Vimos acima estar provado que Scott sem dúvida substituiu numerosas vezes termos arcaicos ou fruto de corruptelas. No entanto, o mesmo Scott afirmara, muito sério, na introdução da obra: The utmost care has been taken, never to reject a word or phrase, used by a reciter however uncouth or antiquated. Such barbarisms, which stamp upon 115 the tales their age and their nation, should be respected by an editor. Ou seja, é preciso afirmar que os textos que se publicam não foram manipulados, mas apenas isso: afirmar — não é preciso que tal afirmação seja verdadeira. No fundo, a preocupação continua a ser, tal como 40 anos antes, no tempo de Percy, a de conseguir textos bonitos, correctos, atraentes em todos os aspectos. Ou seja, o método editorial continua a obedecer a princípios exclusivamente estéticos. E Scott, de facto, fez o tipo de edição que a sua época desejava — e quem sabe se, desde então, os desejos do público (pelo menos do chamado “grande público”) terão mudado muito? Andrew Lang, escrevendo em 1910, escreve as seguintes saborosas palavras, que talvez se pudessem escrever ainda hoje: Sir Walter’s method of editing, of presenting his traditional material, was literary, and, usually, not scientific. A modern collector would publish things [...] exactly as he found them in old broadsides, or in MS. copies, or received them from oral recitation. He would give the names and residences and circumstances of the reciters or narrators [...] He would fill up no gaps with 114 A Macpherson e ao seu Ossian já atrás nos referimos. O caso de Chatterton é menos conhecido mas mais trágico: trata-se dum jovem poeta que se tornou célebre rapidamente com a publicação em revistas de algumas baladas, que afirmava serem transcrições de manuscritos medievais. A falsificação foi descoberta, e, embora a grande qualidade dos poemas não tenha sido posta em causa (opinião que, aliás, é ainda a dos críticos de hoje), Chatterton suicidou-se, ao que parece por ter sido descoberto. Uma tentativa de compreender em profundidade as falsificações de Macpherson e Chatterton pode ler-se em Ian Haywood, The Making of History. A study of the literary forgeries of James Macpherson and Thomas Chatterton in relation to eighteenth-century ideas of History and Fiction, Rutherford, Farleigh Dickinson University Press, 1986. 115 Minstrelsy, I, p. 172. 52 his own inventions, would add no stanzas of his own, and the circulation of 116 his work would arrive at some two or three hundred copies given away! O Minstrelsy como Modelo de Colecções Organizado, como vemos, segundo o modelo de Percy, o Minstrelsy apresenta, porém, um aspecto novo muito importante: ao contrário do que acontecia nas colectâneas anteriores, baseadas quase exclusivamente (ou mesmo exclusivamente) em manuscritos antigos ou em impressos, 117 a obra de Scott é, em boa parte, produto de recolhas feitas directamente da tradição oral pelo autor e por amigos seus, e os manuscritos de que, na parte restante, se serviu são relativamente recentes, todos eles já da segunda metade do séc. XVIII. Portanto, qualquer país sem manuscritos e sem impressos baladísticos poderia, a partir do exemplo de Scott, organizar a sua própria colecção de textos populares. Poderia ter sido, então, o Minstrelsy a despertar o interesse pela recolha de romances em Portugal. Ora, não obstante esta colecção tenha despertado, mais tarde, um papel modélico, parece não ter sido ela a lançar a centelha inicial, que, a fazermos fé nas palavras de Garrett, deve ter estado a cargo doutro segmento da produção de Scott: os metrical romances. Tratase de longos poemas narrativos, em vários cantos, sobre assuntos escoceses, lendários ou mais ou menos históricos. Embora a estrofe adoptada nesses poemas não seja a típica da balada, em vários deles ecoam versos e fórmulas das baladas tradicionais, que Scott tão bem conhecia. Tais poemas (a que o autor também por vezes chama legendary tales) seguem-se, na cronologia da obra scottiana, à época do Minstrelsy (cujo último volume, aliás, já era totalmente ocupado por baladas modernas, mais ou menos imitadas das antigas, da autoria do próprio Scott e de amigos seus). 116 117 118 São sete os metrical romances de Walter Scott, Lang, op. cit., p. 7. Por exemplo, nos três volumes das Reliques, como dissemos, só umas 12 versões são tradicionais (recolhidas na Escócia, por um correspondente de Percy, a pedido deste), e as doze colecções de poemas organizadas por Ritson contêm na sua totalidade apenas uns quatro textos provenientes da tradição (ver Friedman, op. cit., p. 226). 118 Nas primeiras edições, o Minstrelsy está dividido em três volumes. Em 1830, embora não se tivessem acrescentado mais textos, a obra (devido à inclusão dos dois longos textos introdutórios a que já nos referimos) foi dividida em quatro volumes. Desde então, o último volume (agora o IV) passou a ser inteiramente dedicado às “Imitations of the Ancient Ballad”. 53 começando com The Lay of the Last Minstrel (1805), o mais famoso, e terminando com Harold the Dauntless (1817). Como afirma Garrett, parece ter sido (sobretudo) a leitura de tais legendary tales que levou o autor português a interessar-se pela recolha de romances. Mas, antes de chegarmos a Garrett, vejamos como se encontrava a Península Ibérica, desde finais do séc. XVIII, em termos de interesse pela literatura oral e mais propriamente pelo romanceiro. 54 II O ROMANCEIRO ESPANHOL, DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉC. XVIII À PRIMEIRA COLECÇÃO DE DURÁN (1828) O Romanceiro na Espanha Neoclássica Segundo Menéndez Pidal, 119 em Espanha, durante o séc. XVIII o romanceiro tradicional, embora continue a viver oralmente entre o povo menos instruído, perdeu todo o favor entre o público ilustrado. Esta afirmação, ainda que contestada por alguns autores, 119 120 Ver Ramón Menéndez Pidal, Romancero hispánico (hispano-portugués, americano y sefardí). Teoría e Historia, 2ª ed., II, Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1968, p. 246. 120 Por exemplo, Joaquín Marco [Literatura popular en España en los siglos XVIII y XIX (Una aproximación a los pliegos de cordel), I, Madrid, Taurus, 1977, p. 103] implicitamente põe em dúvida as afirmações de Pidal (que antes citara), afirmando que “sabemos hoy cuán difícil es sustraerse a las influencias del arte popular”; contudo, em seguida, não apresenta provas que provem o erro de don Ramón. Posteriormente, Kathleen Kish [“The Spanish Ballad in the Eighteenth Century: A reconsideration”, Hispanic Review, 49 (1981), pp. 271-2] contesta também as afirmações de Pidal, embora na parte em que o mestre espanhol se referia a um quase abandono do romance enquanto forma literária por parte dos poetas cultos neoclássicos. E mostra que, pelo contrário, são vários os autores que nessa época escreveram romances (ver a respectiva lista nas pp. 283-4). Pelo contrário, não sofre contestação a existência de repetidos anátemas que, por razões morais, desde a segunda metade desse século e durante o seguinte, são lançados contra os romances vulgares, a começar por uma lei de Carlos III que, em 1767, proibia a sua impressão (o texto dessa “real cédula” pode lerse em Madeline Sutherland, Mass Culture in the Age of Enlightenment. The blindman’s ballads of eighteenthcentury Spain, New York, etc., Peter Lang, 1991, p. 14). Que tal medida governativa não surtiu efeitos é provado pelos ataques ao género que preocupados intelectuais continuam a fazer, de que é bom exemplo o duríssimo “Informe del fiscal de la sala de alcaldes”, de 1798, escrito pelo fiscal (e poeta neoclássico) Meléndez Valdés (vários excertos deste relatório podem ser lido em M. Sutherland, op. cit., pp. xxi e 19). Sobre os ataques ilustrados contra o romanceiro vulgar, ver também, entre outros, Julio Caro Baroja, Ensayo sobre la literatura de cordel, [2ª ed.], Madrid, Ediciones Istmo, 1990, pp. 18-22; Francisco Aguiar Piñal, Romancero popular del siglo XVIII, Madrid, C. S. I. C., 1972, pp. xiv-xvii; e sobretudo Madeline Sutherland, 56 parece substancialmente verdadeira, embora seja um facto que, nas últimas décadas do século, o panorama começa a mudar. Na verdade, data de 1768 o primeiro volume do Parnaso español, organizado, ao que se julga, 121 por López de Sedano. Trata-se duma antologia, de que, até 1778, se publicarão nove volumes, onde os romances estão representados, ainda que apenas por textos de autor e quase sempre líricos. 122 No entanto, o prólogo do I vol. contém uma passagem que, embora não referida apenas ao romanceiro velho, a ele também se pode aplicar; é quando o autor fala dos “romanceros: Colecciones [...] muy apreciables en su especie, que con este, u otros diversos titulos han recogido, y publicado sus Autores.” 123 É verdade que, em nota ao único romance (de autor) publicado neste I vol., López de Sedano escreve as seguintes palavras, que claramente se referem apenas aos romances novos e, para mais, sublinham o relativamente baixo coturno desta forma versificatória: Los Romances Castellanos son el depósito de las sentencias y los conceptos; [...] fueron por muchos tiempos el metro mas comun en todos los Poetas [...] estas Poesías no se hicieron para grandes asuntos, ni para tratar altas materias, no se deben pretender en ellas tanto la grandeza, la disposicion, el ornato del argumento, quanto la solidez de las sentencias, con la hermosura del estilo, la 124 pureza de la frase. op. cit., pp. 14-20. Além disso, esta última obra é, ao que sabemos, o estudo mais actualizado sobre o romance vulgar no séc. XVIII. Prova da grande voga que, não obstante todos os ataques e proibições, os romances vulgares continuaram a ter entre o povo espanhol até há pouco tempo é a tradicionalização de muitos e muitos deles (ver Flor Salazar, El romancero vulgar y nuevo, preparado [...] con la guía y concurso de Diego Catalán, por..., Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal / Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense, 1999). Essa voga parece não ter existido em Portugal ou, então, ter aqui terminado muito mais cedo, talvez antes mesmo do séc. XVIII (possivelmente pelas condições políticas existentes desde a restauração da independência, em 1640, e a consequente diminuição de contactos com Espanha). Pelo menos, tal é o que parece poder concluir-se da tão escassa presença na nossa tradição oral desse tipo de romances, cuja função noticiosa e carácter truculento foram assumidas em Portugal, como se sabe, pelas canções narrativas, género esse, pelo contrário, muito rico entre nós (e que, infelizmente, continua à espera do seu historiador). 121 Até ao vol. V, inclusive, a obra saiu anónima. Porém, os volumes anteriores são considerados também de López de Sedano. 122 123 O I vol. apenas contém um romance; nos vols. II-VI, porém, publicam-se vários. [Juan Joseph López de Sedano], Parnaso español. Colección de poesías de los más célebres poetas castellanos, I, Madrid, Por Joachin Ibarra, 1768, p. ii. O itálico é da nossa responsabilidade. 124 Op. cit., pp. xxiv-xxv. 57 Pelo contrário, em 1789, na 2ª ed. da Poética de Luzán, 125 há palavras de muito apreço pelo romanceiro, mencionando-se também algo que passará a ser um lugar-comum em todas as reflexões espanholas sobre esta forma — o seu carácter castiço: [o romance é] una versificacion excelente para varias composiciones, que 126 como ya dixe es propia y peculiar de nuestra lengua. Los estrangeros no perciben la cadencia de los asonantes, y algunos, como el Abate Quadrio, dicen que es disonante y desapacible. Dexemolos en su error, pues por mas que hagamos no podremos añadirles intension y delicadeza en el organo del 127 oido. Alguns anos depois, Quintana inclui, numa antologia, 128 numerosos romances, é verdade que, na sua esmagadora maioria, pertencentes à classe dos novos. No prólogo do I vol., o autor, depois de lamentar o mau gosto em que, com poucas excepções, estaria escrita a literatura antiga espanhola, escreve: “Sin embargo hay en los Romanceros mas expresiones bellas y enérgicas, mas rasgos delicados é ingeniosos, que en todo lo demas de nuestra Poesía.” Vê-se, no entanto, que ao escrever estas palavras, não tinha em mente os romances velhos, mas sim outros, a que, logo em seguida, alude: “Los Romances Moriscos principalmente están escritos con un vigor, y una lozania de estilo que encanta.” 125 129 A 2ª ed. foi organizada pelos filhos do autor e por Eugenio Llaguno, que a aumentaram e modificaram (em relação à 1ª, de 1737) com apontamentos deixados inéditos por Luzán; além disso, algumas das alterações parece deverem-se ao próprio Llaguno (ver Menéndez Pelayo, Historia de las ideas estéticas en España, III, Madrid / Santander, C.S.I.C. / Aldus, S. A. de Artes Gráficas, 1947, pp. 220-1). A passagem sobre os romances que, no texto, citamos não existia na 1ª ed. 126 Refere-se aqui ao que, na p. 362, escrevera: “Los asonantes, ó rima imperfecta, son propios exclusivamente de nuestra Poesía Castellana; pues no se yo que se usen en otra lengua”. Esquecia-se, obviamente, da portuguesa, pelo menos. 127 Ignacio Luzan Claramunt de Suelves y Gurrea, La poetica, ó reglas de la poesia en general y de sus principales especies, por D. ..., corregida y aumentada por su mismo Autor, I, Madrid, En la Imprenta de don Antonio de Sancha, 1789, p. 369. 128 [Manuel Quintana], Poesías escogidas de nuestros cancioneros antiguos. Continuacion de la coleccion de D. Ramon Fernandez. Tomo XVI: Contiene el cancionero, los romances moriscos, y los pastoriles, Madrid, En la Imprenta Real, 1796. Embora a obra não esteja assinada, é usual atribuí-la a Quintana (ver E. Allison Peers, Historia del movimiento romántico español, trad. de José Mª Gimeno, 2ª ed., I, Madrid, Editorial Gredos, S. A., 1967, p. 73). 129 Op. cit., p. xviii. 58 Por seu lado, os romances pastoris, se possuem menos vigor que os mouriscos, têm, pelo contrário, mais “sencillez”. E sobre ambos estes géneros diz: “La invencion en unos y en otros es bellísima, y admira ver con que propiedad describen, y en quan pocos rasgos, el sitio, el personage, y los sentimientos que le agitan.” 130 É óbvio, portanto, que o estilo dos romances velhos não agradaria a Quintana. De notar, aliás, que, os únicos romances velhos (quatro) que se incluem na antologia são apresentados como amostra para que “puedan conocerse quan fastidiosas serian semejantes composiciones”, pelo facto de, segundo ele, serem de rima consoante. 131 No entanto, ainda que apresentados como curiosidade histórica e velharia ultrapassada pelo progresso da versificação, a verdade é que aqueles quatro textos são os primeiros romances velhos que, desde há muito tempo, se reimprimiam. Renascimento, na Alemanha, do Interesse pelos Romances Velhos Mas temos de esperar ainda vários anos até que, sintomaticamente na Alemanha, apareça a primeira colecção moderna dedicada ao romanceiro velho: a Silva de romances viejos de Jakob Grimm, publicada em 1815, e que, logo desde o título, mostra bem o seu propósito de separar as águas. 130 131 132 No prólogo, Grimm explica: “la mayor parte de estos Op. cit., p. xix. Note-se que os quatros romances velhos estão englobados num grupo de 10 textos (pp. 74-83), pertencentes todos eles, segundo palavras de Quintana (p. xiii), a uma época em que naquelas composições, “guardándose por lo comun un solo asonante, no habia variedad en los sonidos, ni armonia, ni soltura”. A esse tipo de romance sucederiam mais tarde os escritos em versos vocálicos (“asonantes”), “mas fáciles, mas abundantes, y menos fastidiosos”. A verdade, porém, é que dos citados 10 romances só 6 são totalmente escritos em consoantes; os restantes quatro (que são, precisamente, os aludidos romances velhos) apresentam apenas alguns consoantes, misturados com versos de rima exclusivamente vocálica. 132 Desta obra afirmou Wolf: “ Elección y ordenación anuncian al maestro, siendo en este respecto la primera verdadera colección modelo” (Fernando Wolf, Historia de las literaturas castellana y portuguesa, trad. de Miguel de Unamuno, con notas y adiciones por M. Menéndez y Pelayo, II, Madrid, La España Moderna, s/d., p. 89; a ed. original, com o título de Studien zur Geschichte der spanischen und portuguiesischen Nationalliteratur, saiu em 1859). 59 romances la he sacado, como era debido, del cancionero de Amberes 1555”. 133 E mais à frente frisa bem: he mirado en lo que diligentamente [sic] discerniesse los romances verdaderos de aquellos, que se han compuesto posteriormente a la imitacion de los viejos, a los quales, falta mucho, para que puedan parecerse en ninguna 134 manera. . Aos romances em geral falta, segundo Grimm, aquella fuerza de expresion, aquella viveza del introito y aquella vicisitud de movimiento, que manifestanse en las poësias populares inglesas, alemañes 135 [sic] y escandinavicas; pero son todos simples, algunos son dulcisimos, pelo que, ao fim e ao cabo, não sabe se prefere as baladas ou os romances. O autor informa ainda que, se a obra tiver êxito, publicará outro volume, e aí, juntamente com romances do Cid, de Bernardo del Carpio, etc., espera poder publicar alguns textos recolhidos da tradição oral moderna: hay quien me ha hecho esperar que podre publicar en seguida algunos otros hasta ahora ineditos, recogidos por un viajero aficionado a la poësia castellana. Oxala que otros enamorados de ella hagan lo mismo, y arranquen al olvido los fragmentos de la verdadera poësia epica, que suele conservar el pueblo en sus viejos romances! bien que teme [sic] ser demasiado tarde para 136 esta empresa meritoria. Da recolha do tal “viajero” (possivelmente daquele tipo de viajantes alemães interessados pela etnografia, a quem Herder, como vimos, aconselhava a recolha de canções tradicionais, a fim de conhecerem bem a essência dos povos que visitavam), nada se sabe, e ainda teriam de passar alguns anos até chegar o primeiro “enamorado” da poesia que 133 Citamos pela 2ª edição: Jacobo Grimm, Silva de romances viejos, Vienna de Austria, En casa de Schmidl, 1831, p. v. 134 135 136 Op. cit., p. vi. Op. cit., p. xi. Op. cit., p. ix. 60 recolheu romances da tradição oral moderna espanhola: Bartolomé José Gallardo, em 137 1825. Em 1817, dois anos depois de Grimm, outro autor alemão, Depping, publica uma grande colecção de romances (no original castelhano, sem tradução), acompanhada por um extenso prólogo. 138 Ali se frisa que “os Espanhóis se distinguem entre todos os povos pela enorme quantidade dos seus romances” 139 e que nesta obra se limitou a publicar os melhores, os quais, para ele, deviam ser, fundamentalmente, romances velhos, uma vez que são esses que ocupam a maior parte do livro. Desta obra foi publicada, em 1825, em Londres, uma edição totalmente em espanhol, traduzida e “enmendada” por um exilado liberal. 140 Em 1821, outro alemão, Böhl de Faber, inclui numerosos romances velhos no I vol. da sua Floresta. 137 141 Ver, por exemplo, Antonio Sánchez Romeralo, “El romancero oral ayer y hoy: breve historia de la recolección moderna (1782-1970)”, in Antonio Sánchez Romeralo et al., El romancero hoy: Nuevas fronteras, Madrid, Editorial Gredos, 1979, p. 17. 138 Desta colecção escreveu Wolf: “Depping ha alcanzado [...] el mérito de haber sido el primero en dar un romancero completado, ordenado y que abarca todos los géneros principales, habiéndola hecho mas accesible á un más amplio círculo de lectores por su introducción y sus notas” (Historia de las literaturas castellana y portuguesa, cit., II, p. 89). Pidal, embora tendo sobre a obra de Depping uma opinião muito menos entusiástica, não deixa de lhe fazer justiça, e dela diz que é um “trabajo de no mucha erudición ni mucha diligencia, pero que muestra cómo en adelante será ya imposibile la inveterada confusión crítica de varios géneros romancísticos” (Romancero hispánico, cit., II, p. 255). 139 “Die Spanier haben sich unter allen Völkern durch den übergrossen Vorrath ihrer Romanzen ausgezeichnet” (Ch. [sic, por G., de Georg] B. Depping, Sammlung der besten alten spanischen historischen, ritter- und maurischen Romanzen, geordnet und mit Anmerkungen und einer Einleitung versehen von..., Altenburg und Leipzig, F. A. Brockhaus, 1817, p. xi). 140 G. B. Depping, Colección de los más célebres romances antiguos españoles, históricos y caballerescos, publicada por... y ahora considerablemente enmendada por un español refugiado, Londres, 1825 [ver Peers, op. cit., I, p. 131; Pidal (op. cit., II, p. 255, nota 29) identifica o “refugiado” como sendo Vicente Salvá]. Uma nova ed. em espanhol saiu em 1844-46 (3 vols.), preparada por Depping, que a aumentou quase em metade, e que foi “la más rica colección de romances que hasta ella se poseía” (Wolf, Historia, cit., II, p. 89). 141 Ver Juan Nicolás Böhl de Faber, Primera parte de la floresta de rimas antiguas castellanas, ordenada por Don ..., Hamburgo, En la librería de Perthes y Besser, 1821. Os romances velhos formam grande parte da secção intitulada “Romances” que ocupa as pp. 244-264. Na secção com o mesmo título que se encontra nas pp. 243-384, porém, os romances são todos cultos. 61 Traduções Inglesas, Alemãs e Francesas de Romances Espanhóis Quanto a traduções de romances para outras línguas, várias se vão fazendo nas últimas décadas do séc. XVIII, sobretudo em Inglaterra. Tudo parece começar com duas versões de romances novos (extraídos das Guerras Civiles de Granada, de Pérez de Hita) 142 que Percy inclui nas suas Reliques, “as a specimen of the ancient Spanish manner, which resembles that of our English bards and minstrels”. 143 No prólogo que acompanha os textos, o autor frisa que “the Spaniards have great multitudes of them [i. e. romances], many of which are of the highest merit”, e informa que as traduções que aqui oferece são “from a small collection of pieces of this kind, which the Editor some years ago translated for his amusement when he was studying the Spanish language”. 144 Tal colecção existiu, de facto, e esteve mesmo para ser editada anos depois das Reliques, em 1775, embora, por razões ignoradas, não tenha chegado a sair, tendo sido publicada apenas em 1932. Às traduções de Percy seguem-se, até finais do século, outras 146 145 avulsas, devidas a vários autores, como o hispanófilo e lusófilo Southey, mas é preciso esperarmos por 1801 147 para encontrarmos um livro inteiro com romances traduzidos: as Ancient Ballads de Rodd, autor que, em 1812, publica novo livro em parte ocupado por romances. 142 143 144 145 148 Ver Percy, Reliques, cit., I, pp. 334-342. Op. cit., I, p. 332. Op. cit., I, pp. 331 e 332. Ver Thomas Percy, Ancient Songs Chiefly on Moorish Subjects translated from the Spanish by..., with a preface by David Nichol Smith, Oxford, Oxford University Press, 1932. Inclui a tradução de 7 romances, todos extraídos das Guerras Civiles de Granada. 146 Sobre as traduções de romances espanhóis na Grã-Bretanha, ver Erasmo Buceta, “Traducciones inglesas de romances en el primer tercio del siglo XIX. Notas acerca de la difusión del hispanismo en la Gran Bretaña y en los Estados Unidos”, Revue hispanique, LXII, nº 142 (décembre 1924), pp. 459-555; Shasta M. Bryant, The Spanish Ballad in English, Lexington, The University Press of Kentucky, 1973; e Diego Saglia, “British Romantic Translations of the ‘Romance de Alhama’ and ‘Moro Alcaide’, 1775-1818”, Bulletin of Hispanic Studies, LXXVI (1999), pp. 35-56. 147 Thomas Rodd, Ancient Ballads from the Civil Wars of Granada and the Twelve Peers of France, London, J. Bonsor, 1801. 148 History of Charles the Great and Orlando,[...] Together with the most celebrated ancient Spanish ballads relating to the twelve peers of France, mentioned in Don Quixote, London, 1812, 2 vols (ver Erasmo Buceta, art. cit., p. 462). 62 Seguem-se-lhe outras traduções avulsas, de vários autores, alguns famosos por motivos diferentes, como Byron, Lewis ou Scott, e duas grandes colecções: a de Lockhart, em 1816, 149 e a de Bowring, em 1824. 150 Entretanto, na Alemanha, Herder, que parece ter tido o primeiro contacto com os romances através das Reliques de Percy, inclui várias versões (todas do romanceiro novo) nos Volkslieder, escrevendo mesmo que “os romances espanhóis são as mais simples, as mais antigas e, em geral, a origem de todas as baladas”. 151 Alguns anos depois, o mesmo Herder traduz 70 romances do Cid da colecção de Escobar (na sua grande maioria a partir duma versão francesa em prosa, publicada em 152 1783), formando uma espécie de biografia do herói castelhano. Essa tradução começou a sair numa revista em 1803, mas só foi publicada completa, e em volume, em 1805. 153 Levado talvez por essas recentes leituras, Herder escreve, em 1803, naquele que parece ser o seu último artigo (morrerá em Dezembro do mesmo ano): “La storia del Cid [...] nelle sue romanze è così ricca di scene eccellenti, di sentimenti e d’ insegnamenti nobili come (oso dirlo?) Omero stesso”. 154 Outro alemão, Hegel, influenciado precisamente pela leitura do Cid de Herder, escreve as seguintes palavras, que se tornaram célebres: O que esta flor poética [i. e., o tema do Cid] foi para o heroísmo nacional de Espanha e da Idade Média, exprimiu-o ela, em primeiro lugar, no poema do Cid, numa série de narrações chamadas romanceiros que Herder deu a conhecer à Alemanha. É um colar de pérolas, uma série de quadros 149 A primeira edição parece ter o título de The Spanish Ballads, e ter saído em Londres; na maioria das reedições (teve 11!), a obra chama-se Ancient Spanish Ballads (ver Bryant, op. cit., p. 28). 150 John Bowring, Ancient Poetry and Romances of Spain, London, Taylor and Hessey, 1824 (ver Bryant, op. cit., p. 30). 151 “Die spanischen Romanzen sind die simpelsten, ältesten und überhaupt der Ursprung aller Romanzen” (Herder, Stimmen der Völker in Liedern. Volkslieder, cit., nota a Zaid und Zaida, p. 26). 152 Sobre as origens da tradução de Herder, ver J.-J.-A. Bertrand, “Herder et le Cid”, Bulletin hispanique, XXIII (1921), 181-210. 153 Der Cid. Geschichte des Don Ruy Diaz, Grafen von Bivar nach spanischen Romanzen. Consultámos a edição incluída nas Sämmtliche Werke de Herder (dirigidas por Berhard Suphan), vol. 28: Poetische Werke, heraugegeben von Carl Redlich, Berlin, Weidmannsche Buchhandlung, 1884, pp. 399-546. A obra não tem nenhum prefácio de Herder. 154 Ver Parvopassu e Rizzuti, “A salti e lanci”, cit., p. 274. 63 perfeitamente acabados, mas que se relacionam entre si a ponto de formarem um todo sólido e coerente; animados do espírito cavalheiresco, são ao mesmo 155 tempo uma expressão da nacionalidade espanhola. Por essa altura, Friedrich Schlegel, nas famosas conferências que, em 1812, deu em Viena, afirma claramente que “ these romances [de Espanha] [are] more charming, to my fancy, than those in any other living tongue”. 156 Além disso, estabelece, tal como vimos fazer a Grimm, uma comparação com as baladas inglesas (apreciadíssimas naquela época), mas, ao contrário do seu compatriota, não tem dúvidas em dar a palma de mérito aos romances espanhóis, por agradarem à totalidade do povo: the Spaniards have as rich a store of romances as the English; but the preeminence of the former consists in the circumstance that they are not mere ballads in the more restricted acceptation of the term, a large majority being both devised and compiled in the epic form, thus presenting equal attractions to the illiterate and to the educated, since they are at once national in feeling 157 and elegant in tone. Um pouco mais tarde, em 1821, Dietz publica uma extensa colecção de romances traduzidos para alemão, 158 já não extraídos do romanceiro novo (como os escolhidos por Percy ou os do Cid de Herder), mas sim do velho, na linha, portanto, das preferências de Jakob Grimm. 155 156 Hegel, Estética. Poesia, trad. de Álvaro Ribeiro, Lisboa, Guimarães Editores, 1964, p. 272. A obra, com o título de Geschichte der alten und neuen Litteratur. Vorlesungen gehalten zu Wien im Jahre 1812, foi inicialmente publicada em 1815. Uma 2ª ed., revista e aumentada, é a incluída nas Sämmtliche Werke, Wien, bei Jakob Mainer und Compagnie, 1822, 2 vols. Citamos pela tradução inglesa: Frederick Schlegel, Lectures on the History of Literature, Ancient and Modern, now first completely translated, London, Bell & Daldy, 1868, p. 248. 157 158 Trad. inglesa cit., p. 196. Pidal (op. cit., II, p. 255), além desta obra, menciona outra do mesmo autor, publicada antes (Altspanische Romanzen, Frankfurt, 1818), mas das suas palavras parece depreender-se que apenas conseguiu realmente ver a obra de 1821. Pela nossa parte, foi de facto esta última a única que pudemos consultar: Friedrich Diez, Altspanische Romanzen besonders vom Cid und Kaiser Karls Paladinen, uebertz von... , Berlin, bei Georg Reimer, 1821. 64 Quanto à França, também aí o romanceiro espanhol era muito admirado. Já em 1782 saíra a tradução avulsa dum romance novo, 159 e, no ano seguinte, como dissemos, aparecera uma adaptação, em prosa e bastante livre, de 54 romances de Escobar relativos ao Cid. 160 Também sobre o Cid são os romances que, numa tradução mais cuidada, Creuzé de Lesser publica em 1814. 161 A este autor costuma ser atribuída 162 uma frase tornada célebre, que (na linha, aliás do que Herder já escrevera) fala, prestigiosamente, do romanceiro como “une Iiade qui n’a point d’Homère”. 163 De tal frase vem claramente a que Deschamps escreve, ao que parece antes de 1828: “ces admirables romances espagnols, qu’on a si bien nommées une Iliade sans Homère”, 164 da qual deve derivar, por sua vez, a frase em que, no prefácio do Cromwell (1827), Hugo se refere aos “admirables romanceros espagnols, véritable Iliade de la chevalerie”. 159 165 Saiu na revista Bibliothèque universelle des romans, em Dezembro de 1782 (ver J.-J.-A. Bertrand, art. cit., p. 185). 160 Saiu também na Bibliothèque universelle des romans, no número de Julho de 1783. A tradução, anónima, costuma ser atribuída a um tal Couchut, “obscur compilateur” (Bertrand, art. cit., p. 185; uma análise desta tradução e suas infidelidades pode ser lida neste artigo, pp. 189-194). 161 Creuzé de Lesser, Le Cid. Romances espagnoles imitées en romances françaises par M..., Paris, Chez Delaunay, Libraire, 1814. 162 163 Ver Pidal, op. cit., II, p. 261, e também a nossa nota seguinte. Como pudemos pessoalmente verificar, esta frase não está na edição de 1814. Encontrámo-la, porém, na 3ª ed. da obra (ver A. Creuzé de Lesser, Les Romances du Cid, odéïde imitée de l’espagnol par..., Paris, Chez Delaunay, Libraire, 1836, p. vii). Nesta edição, aliás, em nota-de-rodapé sobre tal frase (pp. viiviii), Creuzé admira-se de, numa Histoire des poésies homériques, saída em 1831, o autor atribuir essa frase a Lopez[sic] de Véga[sic], e sublinha que a frase é sua. A ser verdade o que afirma Creuzé, a frase deverá encontrar-se na 2ª ed. da obra, publicada em data que desconhecemos, a qual não pudemos consultar. Pidal (op. cit., II, p. 261, n. 37) refere que a atribuição dessa frase a Lope de Vega vem igualmente nos Romances historiques, de Abel Hugo (1822). 164 Citamos por Émile Deschamps, Études françaises et étrangères, 2e éd., corrigée et augmentée de plusieurs pièces nouvelles, Paris, Urbain Canel, 1828, p. lx. Como é visível, a obra apresenta-se como uma 2ª ed., mas não conseguimos noutro lugar nenhuma referência à data da 1ª, a qual também não encontrámos nas bibliotecas (do mesmo se queixa Pidal, op. cit., II, p. 262, n. 38). 165 Victor Hugo, Oeuvres, II, Bruxelles, Meline, Cans et Compagnie, 1842, p. 13. 65 Renascimento, em Espanha, do Interesse pelos Romances Velhos Entretanto, em Espanha, as coisas tinham mudado. Sob a influência provável das colecções de Grimm, Böhl de Faber e Depping e as apreciações favoráveis de vários estrangeiros sobre os romances do Cid, Martínez de la Rosa, em 1827, ao esboçar uma história do romanceiro, dá já preferência aos romances históricos. Assim, inspirando-se de modo claro (e por vezes literal) na caracterização que de cada tipo de romances Quintana, como vimos, fizera em 1796, Martínez de la Rosa vai inverter a ordem de mérito estabelecida pelo autor setecentista, e escreve: “s[on] los romances más antiguos los históricos [...] Después [...] cundió el gusto de los romances moriscos, en que se nota menos nervio é interés, pero mas gala y lozanía”; por fim, surgem, “los romances pastoriles”, que têm menos “originalidad y vigor”. 166 É verdade que, ao dar um exemplo de romance histórico, Martínez de la Rosa não escolhe um romance velho, mas sim um novo, da colecção de Escobar... Em 1828, Durán, o primeiro grande organizador espanhol do romanceiro na época moderna, começa a publicar a sua colecção, cujos últimos vols. (IV e V, 1832) serão em boa parte dedicados ao romanceiro velho. 167 Porém —sinal do prestígio que os romances novos, sobretudo os mouriscos, continuavam a gozar— é a estes que dedica o I vol. da série, saído, como dissemos, em 1828. 168 E, em 1832, entre os vários tipos de romances, ainda mostra preferir os romances novos. É um facto que, no início do “Discurso preliminar” que antecede o I vol. da obra, Durán se desculpa de ter começado a sua colecção pelo fim com a necessidade de agradar ao público: Teniendo que transigir con una generacion educada y reglamentada por la crítica y la filosofía del siglo XVIII [...] empecé mis tareas por las galas de los 166 Citamos pela que julgamos ser a 2ª ed.: Francisco Martinez de La Rosa, Obras literarias, I: Poética, Paris, En la Imprenta de Julio Didot, 1834, p. 276. 167 Agustin Duran, Romancero de romances caballerescos é históricos anteriores al siglo XVIII [...], Madrid, Imprenta de Don Eusebio Aguado, 1832, 2 vols. 168 Romancero de romances moriscos, compuestos de todos los de esta clase que contiene el Romancero general, impreso en 1614, Madrid, Imprenta de D. Leon Amarita, 1828. Seguem-se-lhe dois volumes dedicados a romances cultos de outros temas: Romancero de romances doctrinales, amatorios, festivos, jocosos, satíricos y burlescos [...], id., ibid., 1829; e Cancionero y romancero de coplas y canciones de arte menor, letras, letrillas, romances cortos y glosas anteriores al siglo XVIII [...], id., Imprenta de Don Eusebio Aguado, 1829. 66 Romances moriscos, antes que por las sencillas y rústicas narraciones de los 169 caballerescos é históricos. Porém, algumas páginas mais à frente, fica bem claro que o romanceiro novo é, na opinião de Durán, o mais perfeito, facto que, portanto, poderá, no mínimo, ter também influído no lugar que ele ocupa cronologicamente na sua colecção: Hasta fines del siglo XVI no adquirió la poesía Castellana aquella rica inventiva, aquella gala y soltura, aquellas formas libres y fáciles, aquel lujo de colorido y de estilo, y aquellas dotes que tanto la ensalzaron en Europa [...]. Entonces se compuso la mayor y mejor parte de los romances del Cid y los Moriscos, donde nuestros buenos poetas vertieron raudales de imaginacion y fantasía, probando al mismo tiempo no ignorar el arte de describir fuerte y vigorosamente, ya los caracteres, ya las costumbres. [...] Bajo el poderoso influjo de tan grandes ingenios [refere-se a “Lope, Góngora y sus contemporáneos”] los versos cortos adquirieron toda la flexibilidad y dulzura que los distingue, y el Romance octosílabo la perfeccion que le hace apto para espresar digna y convenientemente toda clase de pensamientos, y 170 para adaptarse á todo género de tonos, desde el mas trivial al mas sublime. Esclareça-se-se que Wolf 171 e Pidal 172 dão total crédito às palavras de Durán que citámos em primeiro lugar (as da p. vii), e Pidal afirma mesmo que “al fin de su tarea [Durán] comprende que los romances más interesantes son los que publica en último lugar”. Ora, no texto de 1832, nada há, pelo menos na referida página, que permita essa interpretação, a qual, de qualquer modo, seria contrariada pelas passagens que citámos em segundo lugar (das pp. xxix e xxx). Note-se, ainda, que os termos “galas” (que Durán atribui aos romances mouriscos) e “sencillas y rústicas” (aplicados aos cavaleirescos e históricos) permitem uma leitura que pode não ser a de atribuir mais valor à “rusticidade” do que ao “requinte”, como parecem interpretar Wolf e Pidal, seguindo as teorias românticas alemãs. 169 170 171 172 173 173 Op. cit., p. vii. Op. cit., pp. xxix e xxx. Historia de las literaturas castellana y portuguesa, cit., II, p. 98. Op. cit., II, p. 277. “Gala”, aliás, é usado por Durán com sentido francamente positivo na frase que extraímos da p. xxix, onde, como vimos, fala de “aquella rica inventiva, aquella gala y soltura, aquellas formas libres y fáciles, aquel lujo de colorido y de estilo”. III O ROMANCE E OS VERSOS DE REDONDILHA EM PORTUGAL, DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉC. XVIII À PRIMEIRA RECOLHA DA TRADIÇÃO ORAL (1823) O Romance nas Poéticas e Tratados de Versificação Como é sabido, em Portugal não se fizeram colecções de romances velhos, embora, desde o séc. XV, haja numerosas provas de eles aqui terem existido e mesmo começado a tradicionalizar-se bastante cedo, mudando a sua língua (inicialmente o espanhol, claro). 174 Portanto, se quisermos tentar descobrir nas derradeiras décadas do séc. XVIII sinais de interesse pelo romanceiro, teremos de limitar-nos ao romanceiro artístico, de autor. Antes de mais, diga-se que, durante o Barroco, o romance é entre nós uma forma muito usada. Por exemplo, em todos os volumes da Fénix Renascida, colectânea bem representativa da poesia daquele período, há abundantes romances (sobretudo nos vols. III e IV). 175 Todos eles são de rima vocálica, e, na sua esmagadora maioria, de versos de 7 sílabas, pertencendo ao género lírico. Vemos, pois, como a característica narratividade desta forma poética, intrínseca ao romanceiro velho, tinha entretanto sido praticamente esquecida. Respondendo a tal profusão de textos, não admira que, numa arte poética bem típica do Barroco como a de Borralho, encontremos atentas referências ao género. 176 Porém, à medida que o século vai avançando e afirmando-se o Neoclassicismo, os ventos mudam. Verney, no Verdadeiro Método de Estudar (cuja 1ª ed. data de 1746), ainda 174 Ver Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Romances Velhos em Portugal, [2ª ed.], Porto, Lello & Irmão, 1980. 175 Ver Mathias Pereira da Sylva (org.), A Fenix Renascida, ou obras poeticas dos melhores engenhos portuguezes, 2ª ed., aumentada, Lisboa, Na Offic. dos Herd. de Antonio Pedrozo Galram, 1746, 5 vols. (a 1ª ed. é de 1716-24). 176 Ver Manoel da Fonseca Borralho, Luzes da Poesia Descubertas no Oriente de Apollo nos Influxos das Muzas, Lisboa, Na Officina de Felippe de Sousa Villela, 1724, fundamentalmente, pp. 144-7. 68 refere de passagem o romance algumas vezes, e observa mesmo que, para louvar os homens ilustres, “na língua portuguesa parece próprio o romance heróico, a canção, tercetos heróicos, quero dizer, hendecassílabos [i. e., decassílabos, segundo a contagem pós177 Castilho].” O romance é, pois, claramente colocado no género lírico, e à sua típica metrificação prefere-se agora o decassílabo clássico, em mais um passo para a descaracterização do género, o qual, por fim, já só se distingue doutras formas versificatórias pela modalidade de rima. Duas artes poéticas que, cronologicamente, se seguem à obra de Verney —a de Cândido Lusitano (1748) 178 179 e os Elementos de Poetica de Pedro da Fonseca (1765) — pura e simplesmente não se referem ao romance, sem dúvida por o considerarem uma forma que nada tem de clássico. O mesmo Fonseca, numa obra posterior (1777), fala da rima vocálica (e, implicitamente, do romance, ainda que o não designe pelo nome), e não se pode dizer que tal rima seja elogiada: Esta rima mereceo grande acceitação entre as sobreditas nações [i. e., Castela e Portugal], as quaes tem feito della muito uso, em especial nos poemas narrativos, amorosos, e satyricos; porém as outras ou a desconhecem, ou 180 absolutamente a desprezão. De notar ainda que no capítulo desta obra dedicado às “composições poéticas em particular” não há referência aos romances. Do mesmo ano de 1777 é uma arte poética anónima, que menciona o romanceiro apenas quando escreve: “os Toantes tem seu uso sómente nos romances”. 177 181 Igual Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar, ed. organizada pelo Prof. António Salgado Júnior, II: Estudos Literários, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1950, pp. 269-270. 178 Francisco Joseph Freire, Arte Poetica, ou regras da verdadeira poesia em geral, e de todas as suas especies principaes, Lisboa, Officcina de Francisco Luiz Ameno, 1748. 179 [Pedro José da Fonseca], Elementos da Poetica Tirados de Aristoteles, de Horacio, e dos mais Celebres Modernos, Lisboa, Na Off. de Miguel Manescal da Costa, 1765. 180 [Pedro José da Fonseca], Tratado da Versificação Portugueza, Lisboa, Na Regia Officina Typograhica, 1777. 181 Anónimo, Regras da Versificação Portugueza, Lisboa, Typografia Rollandiana, 1777, p. xx. 69 comportamento mostra, sete anos depois, Couto Guerreiro, que se limita a dizer: “os toantes [...] entraõ na composiçaõ chamada Romance”. 182 O Romance nos Poetas Arcádicos A tais posições teoréticas corresponde, na prática literária neoclássica, um desamor nítido pelo romance. De 11 poetas desta época cujas obras consultámos, cinco não têm nenhum romance (Filinto, 183 Caldas Barbosa, 187 Bocage ), e três têm um único (Quita, dois romances, 191 188 184 Tolentino, Cruz e Silva 189 185 a marquesa de Alorna, 186 e 190 e Curvo Semedo ). Garção tem embora líricos e em decassílabos; além do mais, numa sátira, este autor critica o romance, mencionando-o entre vários subgéneros gongóricos, como acrósticos, enigmas e anagramas. 182 192 No meio de tal semideserto, dois poetas parecem quase prolíficos, Miguel do Couto Guerreiro, Tratado da Versificação Portugueza, Lisboa, Of. Patr. de Francisco Luiz Ameno, 1784, p. 40. 183 184 Filinto Elysio, Obras, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1836-40, 22 vols. [Domingos Caldas Barboza], Viola de Lereno: Collecção das suas Cantigas, offerecidas aos seus amigos, [I], Lisboa, Na Typografia Rollandiana, 1819; e II, Lisboa, Na Typografia Lacerdina, 1826. 185 186 Nicolau Tolentino de Almeida, Obras, Lisboa, Estúdios Cor, 1969. D. Leonor d’ Almeida Portugal Lorena e Lencastre, marqueza d’ Alorna, Obras Poeticas, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1844, 6 vols. 187 Manuel Maria Barbosa du Bocage, Opera Omnia, direcção de Hernâni Cidade, Lisboa, Livraria Bertrand, 1969-1973, 6 vols. 188 A Ecloga III (Ao Santissimo Natal) é, na sua maior parte, em versos de romance, sendo o resto do poema em quadras de pentassílabos, de rima cruzada (ver Domingos dos Reis Quita, Obras, 3ª ed., I, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1831, pp. 16-28). 189 Romance. Foi feito por occasião da festa do Jordão, que se celebrou no moesteiro d’ Almoster (Antonio Diniz da Cruz e Silva, Poesias, IV, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1814, pp. 373-6). É lírico. 190 Conto Epigrammatico (Belchior Manoel Curvo Semmedo, Composições Poeticas, IV, Lisboa, Na Typ. de Luiz Maigre Restier Junior, 1835, p. 77). 191 Romance I e Romance II (Correia Garção, Obras Completas, texto fixado, prefácio e notas por António José Saraiva, I: Poesia Lírica e Satírica, Lisboa, Livraria Sá da Costa—Editora, 1957, pp. 255-7 e 257-260). 192 Ver Sátira III, op. cit., I, pp. 233 (v. 8) e 236 (v. 10). 70 romanceiristicamente falando: Xavier de Matos, com quatro romances, todos líricos, um dos quais em decassílabos, 193 e o abade de Jazente, com sete romances, todos praticamente líricos, seis deles em decassílabos. 194 Os Versos de Redondilha nos Poetas Arcádicos Um dos poetas que atrás nos apareceram sem romances, Caldas Barbosa, foi autor duma curiosa arte poética sobre os heptassílabos e pentassílabos. 195 Ora aí, depois de discorrer longamente sobre os heptassílabos, aparece uma referência ao romance: Desta medida de Versos Ha uns Romances galantes, Que servem para narrar, 196 E se formão de toantes. O autor dá, depois, um exemplo dum romance, tirado de O Pastor Peregrino, de Rodrigues Lobo, e finaliza apresentando a seguinte regra quanto à rima do romance: 193 Ao Terremoto do 1º de Novembro de 1755. Romance heroico (como indica o subtítulo, é em decassílabos); Aos Annos d’ huma Senhora Contados em Domingo Gordo; Queixas de Albano, Expostas nas Margens do Mondego, contra as Falsidades, e Mudança de Almena. Romance; e Fazendo hum Anno a Primogenita dos Excellentissimos Marquezes de Niza. Coplas (João Xavier de Matos, Rimas, nova ed., III, Lisboa, Typographia da Academia R. das Sciencias, 1827, respectivamente, pp. 164-9, 170-2, 173-8 e 180-2). 194 Abade de Jazente, Poesias, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985: A uns Abrunhos e Rãs, que se Mandaram a uma Senhora. Romance (pp. 442-5; é lírico, em versos de romance); Ao Terremoto do Primeiro de Novembro de 1755. Romance fúnebre (pp. 427-432; meio lírico, meio narrativo, em decassílabos); Aos Anos de Teodoro de Sá Coutinho. Romance hendecassílabo (pp. 279-81; é lírico, em decassílabos); outro com o mesmo título (pp. 283-7; idem); À Excelentíssima Senhora Condessa d´Alva [...] Romance (pp. 434-6; idem); Aos Desposórios do Sr. Teotónio Manuel de Magalhães e Azevedo [...]. Romance hendecassílabo (pp. 462-6; idem); e Advertências Morais. Romance (pp. 534-6; idem). 195 Trata-se da Carta de Lereno [nome arcádico de Caldas Barbosa] a Arminda[,] em que se daõ as necessarias regras dos versos de arte menor, ensinando a conhecer, o que sejaõ consoantes, e toantes; e o que saõ palavras agudas [,] graves, e esdruxulas &c., in AA. VV., Almanak das Musas. Nova collecção de poesias offerecida ao genio portuguez, II, Lisboa, Na Officina de Antonio Gomes, 1794, pp. xlvii-lxx. Esta carta não foi incluída na Viola de Lereno, a colecção de poesias de Caldas Barbosa, atrás citada. 196 Almanak das Musas, cit., II, p. lxvii. 71 [...] E dos toantes primeiros Vai sempre continuando Té chegar aos derradeiros: E não tem nenhuma rima Primeiro e terceiro Verso 197 [...] Como vemos, Caldas Barbosa não só chama “galantes” aos romances como, além disso, em termos explicativos e exemplificativos, lhes presta mais atenção do que qualquer uma das restantes artes poéticas neoclássicas. Além disso, repare-se que, para ele, o romance continua a ser, como no séc. XVI, um poema narrativo e em heptassílabos, longe, portanto, daquilo em que o romance se tinha vindo a tornar desde o Barroco. Esta atenção de Barbosa ao romance estende-se, como dissemos aos vários tipos de composições em versos de redondilha: a quadra, 201 quintilha e a quadra glosada em quatro décimas. 198 a “redondilha”, 199 a décima, 200 a 202 Sobre os versos de redondilha em si próprios, diz ele: Só com versos desta casta Sei que muita gente brilha; E sendo bem feita, basta A corrente redondilha. Este Verso assim cantavel Mesmo entre o Povo grosseiro Trouxe Terpsicore amavel 203 Ao som de alegre Pandeiro. O verso de redondilha (e em especial o de redondilha maior, pois é dele que Barbosa sobretudo fala nesta Carta) é, portanto, um verso fácil (razão por que o aconselha 197 198 Loc. cit. A que também chama “quarteto”, e de que fala nas pp. lvi-lvii. Segundo ele, deve rimar em ABAB. Note-se que é em quadras e sobretudo neste esquema rimático que está escrita a Carta. 199 200 201 202 203 Segundo ele, é o mesmo que a quadra, só que tem o esquema rimático em ABBA (ver p. xlvii). Ver pp. lviii e lx-lxi. Ver pp. lix-lx. Ver pp. lxiv-lxvi. Op. cit., p. xlix. 72 ao poeta principiante, ante de tomar voos mais altos e compor decassílabos) 204 mas com que se podem fazer bons poemas, tendo, sublinhe-se, claras ligações com o povo e o canto popular. Tal ligação é perfeitamente lógica, já que, como é sabido, o cancioneiro tradicional é, na sua esmagadora maioria, em quadras de heptassílabos. Este interesse teorético de Barbosa pelos versos de redondilha tem perfeita correspondência na sua Viola de Lereno, cujos poemas são, em grande maioria, em quadras de tipo tradicional (i. e., em heptassílabos de esquema rimático ABCB), 205 havendo também muitas quadras de pentassílabos e igual tipo de rima. A mesma abundância de heptassílabos, agrupados maioritariamente em quadras de tipo tradicional, se encontra num poeta que, como Barbosa, pertenceu à Nova Arcádia: Curvo Semedo. 206 Recorde-se, a propósito, que é deste autor o famoso poema narrativo em quadras de tipo tradicional O Velho, o Rapaz e o Burro, 207 que, sobretudo através da sua inclusão em livros escolares, conheceu uma voga que chegou aos nossos dias e lhe concedeu mesmo a entrada na tradição oral, e não só em português. 204 208 Este poema, bem-humorado e Ver p. lxviii. Note-se que a esta Carta sobre os versos de arte menor, segue-se, no Almanak das Musas (pp. lxxi-lxxxvii) uma outra epístola de Barbosa, desta vez sobre o uso dos decassílabos: Carta Segunda a Arminda, em que se Trata da Composição do Verso Grande, ou de Arte Maior a que vulgarmente Chamamos Heroico. 205 Não deixa de ser curioso que em nenhum dos poemas dos dois volumes da Viola de Lereno as quadras sigam a regra rimática (ABAB) que, como atrás deixámos dito, Barbosa estipula na Carta como própria desta forma poética. 206 Ver qualquer um dos volumes das suas Composições Poeticas: I, Lisboa, Na Regia Officina Typografica, 1803; II, id., Na Impressaõ Regia, 1803; III, id., ibid., 1817; e IV, id., Na Typ. de Luiz Maigre Restier Junior, 1835. 207 208 Op. cit., III, pp. 265-8. Ver o nº Z11 de Manuel da Costa Fontes, em colaboração com Samuel G. Armistead e Israel J. Katz, O Romanceiro Português e Brasileiro: Índice temático e bibliográfico / Portuguese and Brazilian Balladry: A thematic and bibliographic index, I, Madison, The Hispanic Seminary of Medieval Studies, 1997. Às duas versões (portuguesas) ali referidas, podem acrescentar-se outras duas, recentemente publicadas: uma portuguesa (ver José Carlos Duarte Moura, Contos, Mitos e Lendas da Beira, Coimbra, A Mar Arte, 1996, pp. 49-50), que, embora transcrita como prosa pelo seu colector, é, afinal, em verso, consistindo claramente na popularização do poema de Semedo; e outra galega (e em galego), embora recolhida dum informante residente no Brasil [ver Doralice Fernandes Xavier Alcoforado e Maria del Rosário Suárez Albán (orgs.), Romanceiro Ibérico na Bahia, Salvador, Ba., 1996, nº 3.1.1], que prova ter este texto culto conseguido uma popularidade transfonteiriça e translinguística que não se suspeitaria. 73 escrito em linguagem simples, é a versificação dum conto popular, portuguesas. 210 209 de que existem versões O mesmo autor tem um outro poema narrativo, em quadras de tipo tradicional, que parece versificação duma anedota. 211 Face a estes casos —a que se poderão acrescentar também os de Bingre Tolentino, 213 212 e autores de numerosas quadras de tipo tradicional—, poderá levantar-se a hipótese de, em certos autores do Neoclassicismo, sobretudo na época final deste, 214 haver um renovado interesse pela forma versificatória que é também a mais corrente na nossa tradição oral lírica. Caso se verificasse ser certa tal hipótese —para isso seriam necessárias 209 210 AT 1215, The Miller, His Son, and the Ass: Trying to Please Everyone. Ver, por exemplo, F. Xavier Ataíde de[sic] Oliveira, Contos Populares do Algarve, [2ª ed.], I, prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa, Lisboa, Vega, s/ d., p. 191, e J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas, org. de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, II, Coimbra, 1966 [na capa e no colofon: 1969], nº 519. Poderia, assim, pôr-se a hipótese de Semedo ter, neste poema, enversado um conto que conhecesse da tradição oral. Não devemos esquecer, porém, que de tal conto existem versões escritas, pelo menos desde dois autores italianos seiscentistas (Faernus —numa redacção latina— e Verdizotti), sendo sobretudo conhecida a versão de La Fontaine (fáb. III, 1: Le Meunier, son fils et l’ âne), cujo final (que se afasta do dos dois italianos) se encontra também em Semedo, o que torna muito possível ser esta a fonte do autor português (o poema de La Fontaine pode ler-se em Fables, précédées d’ une notice biographique et littéraire et accompagnées de notes grammaticales et d’ un lexique par René Radouant, Paris, Hachette, 1929, pp. 86-90; sobre os predecessores de La Fontaine, nomeadamente os dois citados fabulistas italianos, ver, no final do texto, o comentário de Radouant). Ainda quanto à pouca possibilidade de uma fonte oral portuguesa estar na base de O Velho, o Rapaz e o Burro, tenha-se em mente que, no I vol. das Composições Poeticas do mesmo Semedo, existem nove fábulas em verso, mas todas são aparentemente inspiradas em fontes escritas (Esopo e outros fabulistas antigos). 211 Conto Epigrammatico, Composições Poeticas, cit., IV, pp. 84-5 (não confundir com o poema de igual título, no mesmo volume, p. 77, a que antes nos referimos, e constitui um romance). 212 213 214 Francisco Joaquim Bingre, Obras, edição de Vanda Anastácio, II, Porto, Lello Editores, 2000. Nicolau Tolentino de Almeida, Obras, cit., secção “Quartetos”, pp. 65-155. Por exemplo, em Garção (nascido em 1724), mais velho, pois, que Barbosa (nascido em 1738) e Tolentino (1740), e muito mais que Bingre (1763) ou Semedo (1766), são bem poucos os poemas em heptassílabos e pentassílabos (ver secção “Redondilhas”, Obras Completas, cit., pp. 263-279). A hipótese a que aludimos no texto inspira-se, na sua maior parte, na apresentada por Vanda Anastácio (ver “Introdução” a Bingre, Obras, cit., II, p. xix) sobre os poetas da Nova Arcádia, à qual pertenceram todos os antes citados nesta nota, tirando Garção (talvez o membro mais típico da Arcádia Lusitana) e Tolentino (“independente”). 74 pesquisas bem mais alargadas—, poderíamos, então, dizer que a quadra de heptassílabos com esquema rimático ABCB representaria, para o Portugal de finais do séc. XVIII e princípios de XIX, o papel de “forma castiça” que, como vimos, o romance representou na Espanha coeva. Independentemente de tal hipótese, poderemos desde já adiantar que, conforme adiante diremos, o heptassílabo e a quadra de tipo tradicional terão, durante o Romantismo português, uma presença importantíssima, nomeadamente na chamada balada romântica, que irá estabelecer estreitas relações com o romanceiro. IV ELEMENTOS PARA A HISTÓRIA DA RECOLHA E PUBLICAÇÃO DA LITERATURA ORAL PORTUGUESA [1821(?) - 1870] Palavras prévias sobre o corpus Para compreendermos bem o lugar ocupado pela colecção de romances (e também pela de canções líricas) formada(s) por Estácio da Veiga, começaremos por traçar o panorama da recolha e publicação de materiais de literatura oral no nosso país, desde inícios do séc. XIX até 1870. A primeira destas datas tem a ver, obviamente, com o início do interesse por tais questões em Portugal; a segunda data é aquela em que foi publicado o Romanceiro do Algarve, o último escrito de Estácio da Veiga sobre o assunto e ponto de chegada do seu esforço colector. Os dados que neste capítulo apresentaremos (assim como no capítulo que mais adiante dedicaremos à balada romântica) foram colhidos ao longo de vários anos, através da leitura de umas 150 obras oitocentistas, livros e sobretudo periódicos. Destes últimos, assinale-se que folheámos mais de 100, na maioria das vezes a sua colecção completa (ou, pelo menos, toda a que existe na Biblioteca Nacional). Esta nossa decisão talvez necessite dalgumas palavras de esclarecimento. A presença de tão grande número de periódicos no corpus deve-se, por um lado, à enorme importância que os jornais e revistas desempenharam durante o âmbito cronológico deste trabalho e à impressionante quantidade deles. 215 215 Por outro lado, a atenção que demos à imprensa justifica-se pelo facto de Tenham-se em consideração os seguintes dados (extraídos de José Tengarrinha, História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2ª ed., revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, p. 141), que organizámos por anos, indicando, entre parênteses, o número de novos periódicos fundados nesse ano: 1821 (39), 1822 (35), 1823 (33),1824 (6; dera-se a Vilafrancada no ano anterior), 1825 (5), 1826 (48; é promulgada neste ano a Carta Constitucional), 1829 (6; início do regime miguelista), 1830 (9). 76 ser aí que, em muitos casos, primeiramente (e, tantas vezes, exclusivamente) se publicaram os textos objecto do nosso estudo. Assim, a leitura dos periódicos coevos permite um conhecimento muito mais completo dos documentos e um levantamento da sua cronologia sem dúvida mais correcto. Bem poderemos fazer nossas —embora estendendo-as à imprensa não estritamente literária, pois que também nela existe muito material importante de e sobre literatura— as seguintes palavras de Sampaio Bruno: As revistas literárias [...] são largas sínteses de toda uma época artística, são, por assim dizer, resumos onde o historiador crítico das literaturas pode, mais facilmente do que em livros destacados, estudar o renascimento duma 216 literatura. A consulta de tantos livros e periódicos oitocentistas permitiu-nos a formação dum extenso corpus, o mais completo que conhecemos, referente à literatura oral (e também à balada romântica), entre, como dissemos, inícios do séc. XIX e 1870. Este corpus proporcionará, assim o esperamos, as bases necessárias para o estabelecimento das panorâmicas que passamos a apresentar. Depois de 1834 (triunfo do Liberalismo), verifica-se um intenso movimento jornalístico (cf. op. cit., p. 152): 1835 (54 novos periódicos), 1836 (67), 1837 (59). A decadência do Setembrismo (desde 1838), o seu fim (1842), e o período dos governos de Costa Cabral (1842-1851), com a reeclosão das lutas civis —Maria da Fonte (1846) e Patuleia (1846-47) — têm consequências negativas na imprensa (cf. op. cit., pp. 157 e 182): 1840 (8 novos periódicos), 1842 (32), 1843 (37), 1849 (36), 1850 (15; é o ano da promulgação da “Lei das Rolhas”, contra a liberdade de imprensa). Em 1851 (queda do Cabralismo e início da Regeneração) é abolida a “Lei das Rolhas” e publicam-se 39 novos periódicos (cf. op. cit., p. 184). Começa então “um período de grandes facilidades para a Imprensa [...] No decénio de 1850 a 1859 foi de 35 a média aproximada do movimento anual da criação de periódicos, no decénio de 1860 a 1869 foi de 67” (loc. cit.). Mesmo tendo em atenção que muitos destes jornais e revistas tiveram existência efémera (tantas vezes não passaram do primeiro número), a sua quantidade é enorme, facto que, necessariamente, torna impossível qualquer tentativa de exaustividade na formação dum corpus de materiais retirados da imprensa, como é o caso daquele que estabelecemos. De qualquer modo, temos a sensação de ter folheado não só a totalidade dos jornais e revistas oitocentistas considerados importantes pelos estudiosos da literatura portuguesa, como também muitos e muitos dos periódicos raramente (ou nunca) citados por esses estudiosos. 216 Cit. por Fernando Guimarães, A Poesia da Presença e o Aparecimento do Neo-Realismo, 2ª ed., Porto, Brasília Editora, 1981, p. 127. 77 Para a História da Recolha e Publicação do Romanceiro O romanceiro não é, no período que nos ocupa, o subgénero de que possuímos o mais antigo texto recolhido, nem aquele sobre que existem mais items publicados. 217 Porém, sendo o tema desta tese a colecção de romances formada por Estácio da Veiga, pensamos que se justifica começarmos pelo romanceiro o nosso percurso. 1809 Durante as pesquisas que levámos a cabo, a mais antiga menção ao romanceiro português da tradição oral moderna que encontrámos está, talvez não surpreendentemente (se tivermos em atenção o que atrás vimos sobre a importância da baladística na Grã-Bretanha desde o séc. XVIII), nas páginas dum autor inglês: o lusófilo Robert Southey. 218 De facto, em 1809, no nº 2 da Quarterly Review, Southey publicou um artigo intitulado “On Portuguese Literature”. 217 219 Aí se diz que “as Balhatas [sic] populares dos Portuguezes achaõ se Como veremos no capítulo seguinte, o texto mais antigo de que temos conhecimento é uma lenda (publicada em 1824 por Marianne Baillie, e recolhida em Sintra, entre 1821 e 1823), e o número de items publicados referentes ao cancioneiro lírico ultrapassa o número dos referentes ao romanceiro. 218 Sobre as relações deste escritor com Portugal, ver Adolfo de Oliveira Cabral, Southey e Portugal. 1774-1801. Aspectos de uma biografia literária, Lisboa, P. Fernandes, S. A. R. L., 1959. Southey visitou por duas vezes Portugal, e sobre as suas viagens publicou umas Letters Written During a Short Residence in Spain and Portugal, With Some Account of Spanish and Portugueze[sic] Poetry, Bristol / London, Joseph Cottle / G. G. and J. Robinson, and Cadell and Davies, 1797. Escreveu, além disso, um diário duma das suas estadias, postumamente publicado: Journals of a Residence in Portugal (1800-1801) and a Visit to France (1838), Supplemented by Extracts from his Correspondence, ed. by Adolfo Cabral, Oxford, At the Clarendon Press, 1960. Southey traduziu o Palmeirim de Inglaterra, de Francisco de Morais (1807), e escreveu muitos artigos sobre assuntos portugueses. 219 Infelizmente, não pudemos ler este artigo no original. Porém, conseguimos uma sua tradução portuguesa, ao que parece não muito posterior: [Robert Southey], Memoria sobre a Literatura Portugueza, traduzida do jnglez [sic] com notas illustradoras do texto por J[oão] G[uilherme] C[hristiano] M[üller], s/l., s/n., s/d. Inocêncio (Diccionario Bibliographico Portuguez, III, Na Imprensa Nacional, 1859, p. 383) diz desta obra: “conjecturo [...] que foi impressa em Hamburgo, em 1809”. 78 perdidas”, 220 aventando-se mesmo uma hipótese explicativa para tal desaparecimento: “as peças de maior antiguidade que existiaõ [na tradição oral], riscaraõse provavelmente da memoria, pela obstinada guerra que a superstiçaõ 221 fazia aos cantos populares”. 222 1823 Neste ano, Almeida Garrett foi obrigado a exilar-se em Inglaterra, para escapar à perseguição que lhe era movida em Portugal, devido às suas ideias liberais. Aí contactou com a literatura romântica, ainda desconhecida entre nós, nomeadamente (como ele próprio explica) com baladas de autores famosos, mais ou menos inspiradas em baladas tradicionais. Lembrou-se, então, dos romances que, em menino, ouvira às criadas, e “come[çou] a pensar que aquellas rudes e antiquissimas rapsodias nossas continham um fundo de excellente e lindissima poesia nacional, e que podiam e deviam ser approveitadas. 223 Escreveu, então, para Portugal, pedindo a uma amiga (cuja identidade infelizmente se desconhece) que lhe recolhesse romances. Essa recolha teve lugar “nas circumvizinhanças de Lisboa”, 220 221 224 e parece Southey, Memoria sobre a Literatura Portugueza, cit., p. 6. Refere-se, muito provavelmente, à Igreja Católica (tenha-se presente que é um anglicano quem escreve). 222 Southey, op. cit., p. 7. O autor tem mais alguns comentários curiosos a respeito do romanceiro português. Na verdade, explica ele, em Portugal nunca se escreveram romances históricos. Pelo contrário, “os Espanhões [sic] abundaõ destas poesias, cujo maior numero se refere a suas guerras com os Mouros. As mais dellas saõ do Seculo decimo sexto, e do principio do decimo septimo”. Ora como nessa época a lembrança das lutas da Reconquista, terminada em Portugal mais de dois séculos antes do que em Espanha, era aqui já muito ténue, no nosso país não se escreveram romances sobre este assunto. Os heróis que se poderiam exaltar em Portugal seriam os das lutas com os Castelhanos, de memória recente; “este porem era hum ponto, sobre o qual se naõ podiaõ permittir desafogos ao estro dos poetas em hum paiz, que jazia sob lo jugo dos Castelhanos. Estas circumstancias historicas explicaõ o porque naõ appareceraõ balhatas em Portugal n’ hum tempo, emque [sic] ellas eraõ a especie predilecta das producções poeticas em Espanha” (loc. cit.). As “balhatas” portuguesas teriam sido, portanto, anteriores ao séc. XVI, de assunto não-histórico, e, como vimos acima no texto, teriam desaparecido sem deixar rasto. 223 [Almeida Garrett], Adozinda. Romance, Londres, Em Casa de Boosey & Son e de V. Salva, 1828, p. xxiii. 224 Romanceiro, cit., I, p. vi. 79 ter constado de “umas quinze rapsodias”, velhas”. 226 225 sendo informantes “amas-seccas e cuzinheiras Tal recolha, datável de entre Outubro de 1823 227 e meados de Janeiro de 1824, 228 constitui a primeira que se fez de romances na tradição oral moderna, não só portuguesa mas pan-ibérica. 225 226 229 Adozinda, cit., p. xxv. Adozinda, cit., p. xxiv. Ao republicar a “Carta a Duarte Leça” no Romanceiro, I (1843), esta passagem surge modificada para “amas-sêccas e lavadeiras e saloias velhas” (p. 17). A referência às duas últimas categorias está perfeitamente de acordo com o facto de a recolha ter sido feito nas “circumvizinhanças de Lisboa”, a chamada região saloia, de onde, na época (e até bem mais tarde), vinham mulheres até à capital, buscar roupa para lavar, ou trazendo produtos hortícolas para venda de porta em porta. É possível ainda saber que uma das informantes da amiga de Garrett foi uma senhora minhota (ver adiante). 227 Garrett chegou a Inglaterra a 13 de Setembro de 1823 e instalou-se em Edgbaston (então nos arredores de Birmingham e hoje um dos bairros desta cidade), seu primeiro local de exílio, a 27 do mesmo mês (ver “Viagens e Impressões. Diário da minha viagem a Inglaterra”, in Almeida Garrett, Obras, I, Porto, Lello & Irmão—Editores, s/ d., pp. 622 e 625). Não nos parece provável que antes do mês seguinte houvesse tempo para Garrett ler as obras de Scott, etc., pensar nas recordações da infância, escrever à amiga, a carta chegar a Lisboa e a amiga fazer a recolha. 228 Segundo Gomes de Amorim (ver Garrett. Memorias biographicas, I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1881, pp. 330-1), a recolha chegou às mãos de Garrett quando este estava ainda em Edgbaston. Tal foi, portanto, antes de 26/1/1824, data em que ele deixou essa localidade, passando a residir em Londres (ver Garrett, “Viagens e Impressões...”, cit., I, p. 630). Mesmo que Amorim se engane, e Garrett tenha recebido os romances quando já se encontrava em Londres, a verdade é que a recolha terá de ser anterior a Março de 1824. De facto, neste mês, Garrett partiu de Londres para o Havre, França [ver Amorim, op. cit., I, p. 340; informação corroborada por documentos publicados por José F. da Silva Terra, “Les Exils de Garrett en France”, Bulletin des Études Portugaises, N. S., 28-29 (1967-68), pp. 188 e 191]. Ora do Havre escreveu Garrett a Duarte Leça, pedindo que lhe remetesse, entre outras coisas que deixou ficar em Londres, “uns romances populares que me tinha mandado uma senhora de Lisboa” (Amorim, op. cit., I, 359). 229 O que atrás deixámos escrito sobre a pioneira recolha da amiga de Garrett é, fundamentalmente, um resumo do nosso artigo “Nota sobre o Início da Recolha do Romanceiro da Tradição Oral Moderna”, Boletim de Filologia, XXXII (1988-92), pp. 71-82, que se pode consultar para mais pormenores. Recorde-se que se tem escrito repetidas vezes que o primeiro colector de romances da tradição oral moderna teria sido Bartolomé José Gallardo, graças aos três romances que, em 1825, recolheu em Sevilha [ver, por exemplo, Antonio Sánchez Romeralo, “El romancero oral ayer y hoy: breve historia de la recolección moderna (17821970)”, in Antonio Sánchez Romeralo et al., El romancero hoy: Nuevas fronteras, Madrid, Editorial Gredos, 1979, p. 17]. Esta informação errada foi por nós corrigida no artigo atrás citado e, como voltámos a vê-la repetida em pelo menos outras duas obras, voltámos a corrigi-la mais tarde [ver “‘Alegres nuevas, alegres nuevas se cuentan de Andalucía’”, Estudos de Literatura Oral, 3 (1997), p. 229]. Infelizmente, a mesma informação errónea continua a ser divulgada em obras muito recentes [ver, por exemplo, Pedro M. Piñero 80 Dedicaremos em seguida algum espaço à questão (acima já mencionada) da influência que, segundo o próprio Garrett, a balada escrita britânica e alemã teve no projecto materializado com a Adozinda. Tais considerações irão fugir ao modo sucinto e de lista cronológica que o presente capítulo quase sempre assume. Porém, parece-nos que se justifica o desequilíbrio, digamos, estrutural que vamos introduzir, tendo em atenção a importância que o facto reveste para a história da recolha do romanceiro em Portugal e, sobretudo, para a compreensão do movimento (de que a seu tempo falaremos) da balada romântica portuguesa e, em última análise, de importantes aspectos do Romanceiro do Algarve. Na introdução da Adozinda, Garrett afirma que a ideia da escrita de baladas que reversificassem romances tradicionais lhe veio depois de ter lido “os poemas de Walter Scott, ou, mais exactamente, suas novellas poeticas, as ballades allemans, [e] as inglezas de Burn” [sic, por Burns]. 230 Começando por Scott, vemos que Garrett refere a influência que recebeu das suas “novellas poeticas”, ou seja, os longos poemas narrativos, de que o autor português, mais à adiante, 231 cita explicitamente dois: Marmion (1808) e Rokeby (1812). Que estes dois títulos não são apenas nomes atirados para o ar, mas que Garrett os tinha, efectivamente, lido nessa época é o que parece indicar o seguinte facto: o poema A Elysa, que serve de prefácio à Adozinda, tem como epígrafe 232 uns versos de Scott, citados sem indicação do título da obra, mas que pertencem nem mais nem menos que ao Marmion, mais especificamente à “Introduction to Canto Third”, est. 7, vv. 1-6. 233 Segundo Lia Correia Raitt —a quem se 234 deve, aliás, a identificação da fonte dessa passagem—, o Marmion é mesmo responsável pela existência do mencionado poema que serve de prefácio à Adozinda e pelas Ramírez, Romancero, Madrid, Editorial Biblioteca Nueva, 1999, p. 43; ou Enrique Baltanás, “Exploración del romancero tradicional moderno en Andalucía. I”, in Pedro M. Piñero Ramírez et al. (orgs.), La eterna agonía del romancero. Homenaje a Paul Bénichou, Sevilla, Fundación Machado, 2001, p. 388]. 230 231 232 233 Adozinda, p. xxiii. Op. cit., p. xv. Op. cit., p. 1. Ver Marmion, in Sir Walter Scott, The Poetical Works of ..., with all the copyright introductions, extra notes, various readings, and annotations, edited by J. G. Lockhart, Edinburgh, Adam and Charles Black, 1869, p. 98. 234 Ver Lia Noémia Rodrigues Correia Raitt, Garrett and the English Muse, London, Tamesis Books Limited, 1983, p. 79. Embora não indicando a sua exacta situação dentro do Marmion, foi esta autora, tanto quanto sabemos, a primeira pessoa a identificar esta obra como a fonte dos referidos versos. 81 características dele, pois cada um dos cantos do Marmion é “introduced by one or more stanzas of a musing and descriptive character, addressed to Scott’s friends”. 235 Não é impossível que, no respeitante ao modelo constituído pela obra de Scott, Almeida Garrett tenha sido influenciado não apenas pelas “novellas poeticas” mas também pelos vários poemas inspirados em baladas orais escritos pelo poeta escocês e por amigos seus que ocupam o IV vol. do Minstrelsy, sob o explícito título geral de “Imitations of the Ancient Ballad”. O influxo destes poemas parece até mais visível que o das “novellas poeticas”, se tivermos em conta que os “romances reconstruídos” de Garrett, a começar pelo Romance de Bernal e Violante (publicado na Adozinda), são quase todos eles poemas curtos, de tamanho comparável ao das “imitations”. Mesmo a Adozinda ou a Miragaia (os mais longos dos “romances reconstruídos”) são muitíssimo mais curtas que o Marmion, o qual deve ter cerca de quatro vezes mais versos que a Adozinda. É verdade que o Minstrelsy é referido por Garrett pela primeira vez apenas em 236 1843, numa passagem relacionada, para mais, com uma época posterior à da publicação da Adozinda, talvez ao ano de 1829. 237 No entanto, o facto de não mencionar essa obra antes não significa, claro, que Garrett não a tenha lido nos anos 1824-25. Além disso, tal leitura nem teria sido necessária: bastaria que Garrett tivesse contactado (como o nome de Burns permite concluir) com o movimento da balada literária anglo-escocesa. Tal movimento, 238 a que já nos referimos de passagem ao falar da influência das Reliques, conheceu, sobretudo em consequência da obra de Percy, uma grande amplitude e é o responsável pela existência de numerosas baladas, mais ou menos inspiradas nos modelos populares. É possível determinar que, antes de 1828, ou seja, antes da publicação da Adozinda, existiam publicadas pelo menos 227 baladas literárias, 239 devidas a nomes tão importantes como Swift, Gay, Pope, Goldsmith, Blake, Burns, Wordsworth, Scott, Southey, Lewis ou Byron. 235 236 Lia Correia Raitt, loc. cit. Garrett designa-a como “a [collecção] das fronteiras de Scocia por Sir Walter Scott” (Romanceiro e Cancioneiro Geral, I, Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim. Úteis, 1843, p. ix). 237 238 Cf. op. cit., pp. v-ix. Sobre este movimento, além de The Twilight of the British Literary Ballad, de Yamanaka, atrás citado, consulte-se G. Malcolm Laws, Jr., The British Literary Ballad. A Study in poetic imitation, Carbondale and Edwardsville, Southern Illinois University Press, 1972. 239 Número conseguido através dos dados incluídos no Apêndice III da obra de Yamanaka, pp. 338- 351, que consiste numa “List of Literary Ballads”, a mais completa que conhecemos (a obra de Laws inclui 82 Claro que, na sua maioria, esses poemas não parecem ser a reversificação de baladas tradicionais, mas sim obras totalmente devidas à imaginação dos autores, que da tradição apenas aproveitaram a metrificação e certos temas e ambientes. Portanto, não poderia ser esse subgénero literário a servir de modelo a Almeida Garrett, o modelo que chamou a sua atenção para as “antiquissimas rapsodias nossas [, que] continham um fundo de excellente e lindissima poesia nacional, e que podiam e deviam ser approveitadas”. E, como se sabe, foi isso que ele fez na Adozinda propriamente dita e no Romance de Bernal e Violante. No entanto, é preciso não esquecer que uma parte dessas baladas literárias constitui, de facto, a reversificação de versões tradicionais. Infelizmente, os autores que pudemos consultar, embora refiram, de passagem, esse facto, não lhe dedicam uma atenção particular, limitandose, quando falam mais pormenorizadamente desta ou daquela balada escrita (e, como vimos, o corpus é enorme), a referir que ela é reversificação dum texto oral. De qualquer modo, graças a essas referências esparsas, foi-nos possível determinar que, até 1828, há, pelo menos, na Grã-Bretanha, 9 baladas cujos autores reversificam versões tradicionais. 240 E entre esses textos há alguns famosíssimos na época, devidos a Godsmith, Scott ou Burns. Burns é, aliás, um dos autores cujo exemplo, como vimos, Garrett explicitamente menciona, como sendo um dos que seguiu. De notar, é verdade, que (ao contrário do que faz com as “novellas poeticas” de Scott) Garrett não especifica nenhuma das poesias do autor, referindo apenas, em geral, “as ballades [...] inglezas de Burn”. Talvez Almeida Garrett não tivesse grande familiaridade com a obra de Burns, que, aliás, não escreveu propriamente em inglês, mas no dialecto anglo-escocês das Terras Baixas. Essa possível pouca familiaridade explicaria, aliás, o facto estranho de o nome do autor escocês surgir mal escrito (sem “s”) não só em 1828, mas inclusive muitos anos depois, quando a introdução da Adozinda foi reproduzida, com alterações, no I vol. do Romanceiro, em 1843. 241 No entanto, para levar Garrett a olhar para os romances portugueses como uma matéria-prima digna de ser aproveitada, poderia perfeitamente ter bastado a fama —aliás merecidíssima— que Burns gozava de se inspirar em textos orais. 242 também uma lista, mas bastante menos rica, nomeadamente quanto à época anterior a 1828, a que mais nos interessava). 240 241 242 Ver Yamanaka, op. cit., pp. 11 e 40, e Laws, op. cit., pp. 27, 30, 33 e 34. Ver Romanceiro e Cancioneiro Geral, I: Adozinda e outros, cit., p. 16. “Much of his best work [...] was done in an antiquarian spirit, as an attempt to save folksong from extinction. But it is not easy to distinguish his editorial work from his original, creative work. He had three methods of composing: first, he would ‘edit’ and polish up songs that came to him in a more or less complete 83 Por último, além de Scott e de Burns, Garrett refere também, como vimos, a influência modélica das “ballades allemans”. Na introdução da Adozinda, diz-se apenas assim, sem indicação de nome dum autor em especial. Porém, ao ser republicado esse texto em 1843, tal passagem torna-se: “as ballads allemans de Bürger”. 243 Como se sabe, Bürger foi autor de baladas mais ou menos inspiradas em crenças populares, que se tornaram celebérrimas por toda a Europa. Na altura em que saiu a Adozinda, nenhuma dessas baladas estava traduzida para português (a primeira seria a Lenore, vertida em 1834, por Herculano). 244 Porém, o facto de Garrett ter mencionado o nome de Bürger apenas em 1843 não significa, necessariamente, que, em 1828, ao aludir às “ballades allemans” sem outra especificação, ele apenas tentasse exibir conhecimentos que, afinal, não teria. Na verdade, nas épocas em que viveu em Inglaterra (1823-24 e 1828-32), Almeida Garrett poderá perfeitamente ter lido alguma das baladas de Bürger em tradução inglesa, e, dada a fama de que elas gozavam, é muito possível que o tenha feito. Basta dizer que, antes de 1828, e limitando-nos a edições em livro (deixando de lado, portanto, as revistas), havia seis traduções inglesas diferentes da Lenore (a começar pela que se devia a Walter Scott, 245 a qual, aliás, foi o primeiro texto com que o autor escocês saiu a público), três traduções de Der Wilde Jäger 246 247 e duas de Des Pfarrers Tochter von Taubenhain. 1828 state; secondly, he would construct a whole song around a few fragmentary verses; and thirdly, he would write an entirely new song to a tune that was running in his head” (M. J. C. Hodgart, The Ballads, London, Hutchinson University Library 1964, p. 109). 243 244 Op. cit., p. 16. Burger[sic], Leonor[,] romance, trad. de A[lexandre] H[erculano], Repositorio Literario, nº 5 (15/12/1834), pp. 38-40. 245 The Chase, and William and Helen: Two ballads, Edinburgh, Manners and Miller, 1796. William and Helen é o título que Scott dá à Lenore. 246 247 A primeira dessas traduções, feita por Scott, está incluída no opúsculo referido na nota anterior. A lista das traduções inglesas destas baladas poderá obter-se combinando as indicações contidas em The National Union Catalogue. Pre-1956 imprints, London, Mansell, vol. 83, 1970, pp. 126-132, com as fornecidas por Evelyn Jolles-Neugebauer, “Ein Bestseller auf dem englischen Litteraturmarkt: Bürgers (wiedergänger-)Ballade Lenore (1774)” in Sigrid Rieuwerts e Helga Stein (orgs.), Bridging the Cultural Divide: Our common ballad heritage, 28 internationale Balladenkonferenz der SIEF-Kommission für Volksdichtung in Hildesheim, Deutschland, 19-24 Juli 1998, Hildesheim / Zürich / New York, Georg Olms Verlag, 2000, pp. 196-220. 84 Garrett publica os primeiros textos de romances da tradição moderna portuguesa (e, acrescente-se, da tradição moderna ibérica em geral): na “Carta” introdutória e nas notas do poemeto Adozinda, transcreve uma versão de Bernal Francês + Aparição, + Delgadinha, 249 250 e quatro versos (curtos) duma Infantina. parece provir de Lisboa ou seus arredores, duma informante minhota. 252 251 248 outra de Silvana O Bernal Francês + Aparição e Garrett afirma que a Silvana + Delgadinha é Os textos não evidenciam especiais retoques, parecendo, pelo contrário, muito próximos do estilo tradicional. 253 Os dois romances que Garrett publica serviram-lhe de base para escrever dois poemas originais que neste livro de 1828 se publicam e são a razão de ser da obra: a 248 Adozinda, cit., pp. xxvi-xxxii. A versão traz o título de “Romance de Bernal Francez, segundo o canta o povo, por tradição oral antiquissima”. 249 250 251 Op. cit., pp. 107-113. Tem o título seguinte: “Chacra ou romance de Sylvana”. Op. cit., p. 120. Tenha-se, de facto, em atenção o que atrás dissemos quanto à geografia da recolha de 1823. Sobre a presente versão em particular, escreveu Garrett: “Quando sôbre ésta simples tela [o romance tradicional Bernal Francês] bordei o pequeno poema que se publicou em 1828 com a Adozinda, o original de que me servi era muito mais imperfeito e cheio de lacunas, e unicamente fôra copiado da licção vulgar da Extremadura” (Romanceiro, II, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1851, pp. 120-1). Lisboa (e a zona saloia) pertencem, como se sabe, à antiga província da Estremadura. De sublinhar que já em 1828 Garrett devia possuir pelo menos outra versão de Bernal Francês além da que publica. É o que se depreende da pequena lista de variantes incluída no fim do texto que saiu na Adozinda, e, sobretudo, das variantes dos vv. 5 e 27, as quais são inconciliáveis com os versos que, no texto adoptado, as antecedem. 252 “A cópia de que me servi quando pela primeira vez o publiquei [o romance da Silvaninha] em 1828, como fundamento e illustração da ‘Adozinda’ tinha sido obtida em Lisboa pelo paciente zêlo de uma menina da minha amizade, que ia escrevendo no papel o que ora lhe cantava ora lhe rezava um criada velha da provincia do Minho, há muito anno aqui [em Lisboa] residente” (Almeida Garrett, Romanceiro, II, cit., pp. 989). 253 Garrett parece mesmo não se ter achado com autoridade para, construindo ele próprio alguns versos, colmatar uma clara lacuna do texto que publica. De facto, entre uma pergunta da mãe de Sylvana e outra fala da mesma personagem (que imediatamente se segue àquela), Garrett pôs duas linhas de asteriscos e, em nota de rodapé, escreveu: “Aqui ha visivelmente uma lacuna: falta a resposta ou explicação da filha” (p. 108). 85 Adozinda propriamente dita e o Romance de Bernal e Violante. 254 Este era, segundo ele, o modo de reformar a poesia portuguesa, que há séculos se limitava a copiar os modelos greco-latinos e tinha esquecido os modelos nacionais, que deveriam inspirar a literatura, e garantiam a sua vitalidade. Esse aproveitamento literário das tradições próprias era levado a cabo por toda a Europa, e era preciso que Portugal também o pusesse em prática. 255 Quanto às versões tradicionais, pareceria que Garrett as transcreve na Adozinda sobretudo com uma finalidade didáctica: a de explicar o processo de criação literária que adoptou, e que outros poderão (deverão) imitar. Esse motivo transparece bem nas palavras que dirige a Duarte Leça, antes de lhe dar a conhecer o Romance de Bernal e Violante: para lhe dar uma amostra do modo por que o fiz [a criação de poemas novos, “arranjando” e “vestindo” romances tradicionais], aqui lhe copio um [romance tradicional] dos mais curiosos, ainda que não dos menos 256 estropiados, e com elle o remoçado ou enfeitado por mim. E, falando depois sobre a Adozinda, é ainda mais claro: “Mando-lhe aqui tambem uma cópia do romance original para ver e conbinar”. 257 A ideia de transcrever a versão tradicional juntamente com o “romance reconstruído” poderá ser produto de influência britânica. Como atrás vimos, houve vários casos de baladas literárias inglesas que consistiam na reversificação de baladas tradicionais. 254 O segundo destes poemas tem o subtítulo seguinte: Imitado de uma cantiga popular antiquissima, e no mesmo stylo. 255 Escreve Garrett: “Estimulava-me a leitura dos muitos ensaios [entenda-se: poemas inspirados em tradições populares] estrangeiros que em materias quasi similhantes encontrava todos os dias em Inglaterra e França, mas principalmente em Allemanha” (pp. xxiii-xxiv). Sobre o que poderiam ser tais poemas ingleses e alemães (e também escoceses), já atrás falámos. Quanto à poesia desse tipo em França, é provável que Garrett se esteja aqui a referir aos poetas do chamado “genre troubadour”, movimento de carácter medievalista do qual, bastante mais tarde, Garrett (Romanceiro, I, p. xvi, e II, p. 154) citará Millevoye e o “mais admirado poema” deste sobre a lenda dos amores entre Éginard, secretário de Carlos Magno, e a filha do imperador (ver Emma et Éginard, in Millevoye, Oeuvres, précédées d’une notice par M. Sainte-Beuve, Paris, Garnier Frères, LibrairesÉditeurs, s/ d., pp. 283-296). Sobre o movimento “troubadour” (que, além da poesia narrativa e da lírica, abrange também romances, novelas e dramas), ver Henri Jacoubet, Le Genre Troubadour et les origines françaises du Romantisme, Paris, Société d’ Édition “Les Belles Lettres”, 1929. 256 257 Adozinda, p. xxv. Op. cit., lii. 86 Ora, pelo menos num desses casos sabemos que o poema foi publicado na companhia do texto que o inspirara. Com efeito, In the handsome folio volume of poems published by Matthew Prior in 1718 was printed the “Not-Browne Maide”, not for its own sake, but for the sake of a piece called “Henry and Emma”, an extremely loose paraphrase of it, that the reader might see how magic was Mr. Prior’s touch, who could transmute 258 so rude an effort into a work so finely polished. Não nos foi possível saber se essa transcrição foi ou não um caso isolado, e se, portanto, como poderia parecer, também nesse aspecto a Adozinda é fruto dum modelo britânico. Porém, seja como for, o observado para Prior aplica-se perfeitamente também ao autor português: a transcrição das versões originais por parte de Garrett põe em relevo o trabalho que deu escrever os “romances reconstruídos”, de modo a que neles não houvesse a “rudeza” a que o leitor arcádico não estava habituado, e tornando a poesia popular uma poesia digna de ser lida pelos cultos. Aliás, em A Elysa (poema que serve de prefácio à Adozinda), Garrett escreve sem rebuço: Eu a canção magoada Em verso menos rude, Mais moldado verti, dei novo córte Ao vestido antiquissimo, á simpleza Que ha seculos lhe deu De nossos bons maiores a rudeza. 259 E, claro, assim se explica melhor por que é que, além disso, a transcrição, em 1828, das versões originais foi feita de modo muito próximo da tradição oral: tal facto ajuda a realçar ainda mais o “romance reconstruído”, o único texto que parece estar aqui, verdadeiramente, de direito próprio (e foi sem dúvida o que também achou O Correio das 258 John W. Hales e Frederick Furnivall, Bishop Percy’s Folio Manuscript: Ballads and romances, edited by..., assisted by Prof. Child, London, Trübner, II, 1868, p. xiii. 259 Op. cit., p. 11. 87 Damas, quando, em 1836, republicou esse “romance reconstruído” — mas não o texto tradicional). 260 Note-se, porém, que em determinada passagem da carta-prefácio da Adozinda, encontramos já um embrião do interesse “científico” pelo romanceiro, pela poesia oral em si própria, que só bastante mais tarde (cerca de 1842, como veremos) irá suplantar no pensamento garrettiano o interesse “literário” por esse género tradicional, afastando a visão do romanceiro como simples matéria-prima para o fabrico de poemas originais. Referimonos à passagem em que Almeida Garrett explica que a sua primeira ideia, que ainda não pudera realizar, era a de fazer uma colleção d’ estes romances assim [o “assim” refere-se ao Romance de Bernal e Violante, que transcrevera imediatamente antes] remoçados e ornados com os enfeites singelos porêm mais symetricos da moderna poesia romantica, e publicá-la com o título de Romanceiro portuguez, ou outro que tal, para conservar um monumento de antiguidade litteraria tam interessante e de que talvez so a lingua portuguesa, entre as cultas da Europa, careça 261 ainda. Se é verdade que o aspecto dos poemas assim obtidos acabaria por ser o dos “romances reconstruídos” do género da Adozinda, também não deixa de ser verdade que nesta frase encontramos já a ideia de que a poesia tradicional é “interessante” por si própria, e como tal merece ser “conservada”, até porque, subentende-se, corre o risco de se perder. 1829 Mais uma vez em Inglaterra, surge nova referência ao romanceiro português: numa obra sobre o nosso país, William M. Kinsey, além de outros comentários interessantes ,262 escreve, a propósito da recolha de romances que está na base da Adozinda: 260 J. B. L. d’ Almeida Garrett, Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular antiquissima, e no mesmo estylo, O Correio das Damas, I, nº 22 (15/11/1836), pp. 173-176. 261 262 Op. cit., xlvii-xlviii. Kinsey viveu em Portugal em 1827 e sobre a sua estadia escreveu Portugal Illustrated, by the d Rev . W. M. Kinsey, s/ l., s/ n., 1828. A 2ª ed. desta obra (Portugal Illustrated; in a Series of Letters by the Rev. W. M. Kinsey, 2nd ed., London, Treuttel and Würtz, 1829) é aumentada em relação à 1ª, e inclui a mais (pp. 525-564) uma “Brief Review of the Literary History of Portugal” (datada de Londres, 1829) a qual, segundo explica, é baseada em materiais fornecidos por “several Portuguese literati [...] and mainly [...] by our 88 263 The writer in the Quarterly Review [...] has remarked that the popular ballads of the Portuguese have perished. What a debt, therefore, shall we owe 264 to Mr. Almeida Garrett, if by his assiduity they can be recovered! De notar que mais ou menos pela mesma época em que Kinsey leu a Adozinda (ou Garrett lhe referiu a existência dela), Southey leu-a também e, em consequência, escreveu a John Adamson, amigo de Garrett, dizendo que lhe pareciam antiquíssimos os poemas tradicionais ali incluídos (Bernal Francês e Delgadinha), talvez mais ainda do que “aquellas canções irlandezas que elle até alli tivera na conta de serem os vestigios mais antigos de toda a poesia popular das nações do oeste da Europa”. 265 1832 Costa e Silva publica uma versão da Donzela Guerreira, em que, seguindo o modelo de Garrett, se baseara para escrever um longo poema narrativo. 266 O texto está retocado, inclusive com acrescento de versos. Ao contrário do que já muitas vezes se escreveu (a começar por T. Braga), não há qualquer certeza de este texto ser de Goa. 267 Recolhidos por Costa e Silva diz também Braga serem dois fragmentos do Conde Alarcos que o autor micaelense publicou em 1906, um deles apresentado igualmente como ingenious and enlighted friend, the Chevalier de Almeida Garrett” (p. 495). Nas pp. 560-3, trata das obras de Garrett, e diz nomeadamente: “Latterly a refugee in London, the Chevalier de Almeida Garrett has published a little poem, entitled ‘Adozinda’, proceeded by an essay on the ancient national and romantic poetry of Portugal. It is singularly interesting for an inhabitant of northern Europe to compare with those of his own region the traditions, the superstitions, the popular persuasions, and creeds, of the nations of the south; and hence the value of this archeological treatise. It is, perhaps, the first work of the kind published in this country [i. e., a Inglaterra] in one of the languages of the south of Europe” (p. 563). 263 Refere-se a um artigo publicado nessa revista em 1809 e que antes citara; trata-se, obviamente, do artigo de Robert Southey que já mencionámos. 264 265 266 Op. cit., p. 563. J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I, cit., p. 100. Joseph Maria da Costa e Silva, Isabel, ou a Heroina de Aragom, Lisboa, Impressão Regia, 1832, pp. xi-xv. A versão está publicada com o título de Romance Original. 267 A origem de tal asserção parece estar no facto de, ao republicar o presente texto no seu Romanceiro Geral Portuguez (2ª ed., I, Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1906, p. 144-8), Braga ter indicado que ele era uma “versão de Gôa”. Sobre o motivo desta afirmação, ver adiante nota 272. 89 proveniente de Goa. 268 Ignoramos como terá Teófilo Braga obtido estes textos (o primeiro dos quais tem visos de retocado), de que não se conhece uma publicação anterior. 269 No ano de 1832 começou a pequena recolha de romances levada a cabo por um Mr. Pichon, francês residente em Portugal. De tais textos quase nada se sabe, uma vez que o colector os ofereceu a Garrett, que os usou para a formação das suas versões factícias. 270 1838 Costa e Silva publica uma versão de Bernal Francês + Aparição, em que, mais uma vez, se inspirara para escrever uma obra original. 271 O texto apresenta, visivelmente, alguns pequenos retoques. Embora esta versão tenha mais probabilidades de ser de Goa do que a Donzela Guerreira antes citada, a verdade é que tal não é completamente seguro. 268 269 272 Op. cit., pp. 548-50 e 550- 1. É o primeiro destes textos que Braga informa ser “de Gôa”. Não é impossível que a estas duas versões do Conde Alarcos se refira Costa e Silva quando, no prefácio de Isabel, fala dum romance a que dá o título de Conde Galhardo (p. iv): “Entre os Romances que ambos [ele e o amigo a quem pediu colaboração] podemos coligir, o do Conde Galhardo foi o,[sic] que nas suas situações dramaticas me desafiou mais o desejo de tractalo; porém a predileçom, que o meu Amigo mostrava pela heroina de Aragom, fez que eu condescendesse em a compôr primeiro”. É indiscutível que ao Conde Alarcos se pode aplicar bem a ideia de que as suas “situações dramaticas” são de molde a despertar o interesse efabulador dum poeta narrativo como Costa e Silva. 270 Ver Romanceiro, I, p. xvi. No caderno manuscrito de Garrett que constitui um estádio anterior ao da publicação do Romanceiro, há apenas (ao que parece) dois hemistíquios que uma nota à margem assinala como provenientes da recolha de Pichon (ver Luís Augusto Costa Dias, Os Papelinhos de Garrett. Fontes inéditas do romanceiro português, Sintra, Câmara Municipal de Sintra, 1988, p. 169). 271 José Maria da Costa e Silva, O Espectro ou a Baroneza de Gaia, Paris, Em Casa de Guiraudet e Jouaust, 1838, pp. 13-6. Tem o título de Bernal Francez. Romance original. 272 A atribuição que deste texto por vezes se faz à tradição oral goesa baseia-se nas seguintes palavras de Costa e Silva na introdução de O Espectro: “Ahi vai mais hum romance antigo trajado á moderna e escolhido entre o grande numero delles, com que nos embalaram e adormeceram no berço. [...] Ignoro quem os escreveo, e em que tempo; em parte nenhuma apparecem impressos, e a pesar disso, como os poemas d’ Ossian na Escocia, depositados na memoria, e cantados pelas mulheres, tem-se conservado athe ao presente, e corrido o Reyno, e conquistas, pois a senhora, de quem recebi alguns, que possuo, os havia aprendido de sua may em Goa, d’ onde era natural” (p. 5). Costa e Silva, como vemos, não afirma que a versão tradicional que mais abaixo publica procede de Goa, nem diz que, além dos romances goeses que recebeu da tal senhora, não 90 1839 João Xavier Pereira da Silva publica uma versão do Regresso do Marido do tipo Bela Infanta. 273 O texto está retocado e foi acrescentado em certos pontos. 274 Note-se que é apresentado como se fosse um original de Pereira da Silva: é assinado por ele, tem um título próprio nada popular, e não se fala da sua procedência oral. A versão da Donzela Guerreira dada a conhecer em 1832 por Costa e Silva é publicada novamente, desta vez de modo independente, não integrada no poema a que dera origem. Embora traga o subtítulo de “Velha ballata portugueza”, o texto aparece assinado por J. M. da Costa e Silva, como se ele fosse considerado o seu autor. 275 Numa das peças de Morais Sarmento, uma personagem refere o título de dois romances. 276 Sarmento poderia ter conhecido o primeiro desses títulos (Bernal Francês) por possuía outros. Pelo contrário, em Isabel ou a Heroina de Aragom (cf. p. iv), o autor fala nas “pesquizas dos [...] Romances” que fez com um amigo que se “offerece[u] pera [o] ajudar”, isto obviamente antes de 1832. Tal facto mostra que, além dos romances que “recebeu” da senhora goesa (quer o termo “receber” seja usado no sentido, mais óbvio, de que os textos foram postos no papel pela senhora e depois oferecidos a Costa e Silva, quer no sentido de que foram recitados pela senhora a ele, que os escreveu) Silva tinha outros, uma vez que nada permite concluir que o único informante que ele e o amigo conseguiram foi a referida senhora, e estranho seria que, para recolher dessa única informante, Silva tivesse precisado de colaboração. 273 274 João Xavier Pereira da Silva, O Encontro. Xácara, O Ramalhete, nº 67 (2/5/1839), pp. 129-131. Os acrescentos de Pereira da Silva reconhecem-se pelo léxico e pela sintaxe não tradicionais e pelo facto de constituírem quadras cuja rima contraria a assonância habitual da Bela Infanta (á-a e depois –i), mudando, além disso, de estrofe para estrofe (-eus, -ento, -ores, -ão, etc.). 275 D. Marcos. Velha ballata portugueza, A Vedeta da Liberdade, 26/6/1839, p. 1. No fim, traz a indicação de ter sido transcrito da Gazeta dos Domingos, jornal que não conseguimos localizar. A fonte última do texto é, obviamente, o Romance Original incluído em Isabel, ou a Heroina de Aragom, 1832. 276 A passagem em questão é a seguinte: Que prazer não terei... vendo os pequenos soltar no meu regaço...! como out’rora! [...] contar-lhe[sic] as cantigas do meu tempo, a xácra do Bernal, da bella Infante, e as cóplas de Santa Genovéva, que eu sei todas de cór... [...] 91 duas versões do romance que já havia impressas (a de Garrett e a de Costa e Silva), ambas com tal nome; o segundo título, porém (Bela Infanta), só pode ter chegado a Sarmento através da tradição oral, uma vez que a única versão que desse romance existia (publicada, precisamente nesse ano, por Pereira da Silva) tem um título bem diferente. Note-se também a alusão a um terceiro poema, provavelmente um romance de cordel de tema religioso. 277 De sublinhar que esta passagem é posta na boca de Genoveva, uma personagem popular, o que mostra bem a união entre romanceiro e meio social baixo, que já encontrámos na Adozinda 278 e que (quando se trata de romanceiro e época contemporânea) reaparecerá explicitamente muitas vezes, como veremos. No caso da peça de Morais Sarmento, parece nítido que a alusão aos romances visa aumentar a verosimilhança na caracterização da personagem 279 popular. [Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento, “Henriqueta, ou o Proscrito”, Revista Litteraria, IV, nº 21 (1839), p. 273] 277 Em português, existe um relato em prosa chamado Historia da Portentosa Vida de Santa Genoveva, Princeza de Barbante, de que conhecemos três edições (1732, 1758 e 1815). Em todas o texto é apresentado como tradução (feita pelo Padre Manoel de Coimbra), mas na ed. de 1732 o autor do original é dado como sendo o “Senhor de Ceriziers”, enquanto nas outras duas edições se diz ser Catharina de Jesus Maria Joseph Tavares. De qualquer modo, tratando-se dum texto em prosa e, para mais, bastante comprido (a ed. de 1815 tem 194 páginas), não deve ser a ele que a personagem de Morais Sarmento se refere. Mais possibilidade teria um Auto (ou Acto) de Santa Genoveva, Princeza de Barbante, de Balthazar Luiz da Fonseca, de que conhecemos duas edições (1745 e 1853, de 23 e 20 pp, respectivamente). Porém, o facto de na peça o texto ser designado por “cóplas”, aprendidas “todas de cór”, parece apontar mais para um texto em verso não muito comprido. O termo genológico usado pode também significar que nesse texto a língua usada era o espanhol. Ora acontece que existe um romance espanhol, em duas partes, sobre a vida de Santa Genoveva, que circulou muito em folhetos (ver Agustin Duran, Romancero general, ó coleccion de romances castellanos anteriores al siglo XVIII, 2ª ed., II, Madrid, M. Rivadeneyra — Impresor — Editor, 1859, nºs 1309-1310; F. Aguiar Piñal, Romancero popular del siglo XVIII, cit., nºs 1807-1811; e J. Caro Baroja, Ensayo sobre la literatura de cordel, cit., p. 159). Segundo Caro Baroja, também “en Francia fueron popularísimos los relatos versificados sobre la vida de la santa” (op. cit., p. 171, n. 81). 278 Das informantes que proporcionaram a recolha inicial que Garrett possuiu diz ele que eram “amas-seccas e cuzinheiras velhas, hoje principaes depositarias d’este genero de archeologia nacional” (Adozinda, cit., p. xxiv). 279 Além disso, repare-se que Genoveva é, precisamente, o nome da personagem que, na peça, menciona “as cóplas de Santa Genovéva”, o que poderá ter um objectivo cómico. Aliás, esta personagem (que tenta arranjar o casamento entre seu filho e Henriqueta, sem saber que ela já é casada) tem certas características farsescas. 92 Sabe-se que neste ano de 1839 Garrett andava já a preparar o I vol. do Romanceiro (que sairá só em 1843). 280 1840 Da primeira metade dos anos 40 parece datar um manuscrito organizado por E. T. D. de Castro, onde, além doutras poesias tradicionais, existiam três romances. 281 Infelizmente, desconhece-se o seu paradeiro actual. 1841 280 De facto, em carta a Gomes Monteiro (datada de Lisboa, 8/9/1839), Garrett pede que este lhe arranje “o romanceiro castelhano que [lh]e prometteu [...] quero-o já, porque preciso preparar a Adozinda como primeiro volume, e outras xacaras para segundo volume de uma especie de romanceiro meu” (Francisco Gomes de Amorim, Garrett. Memorias biographicas, II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1884, pp. 525-6). Por estas palavras, pareceria que a ideia inicial do autor seria que o I vol. do Romanceiro fosse uma reedição da Adozinda, contendo, portanto, apenas o poemeto desse título e o Romance de Bernal e Violante (talvez acompanhados pelas versões tradicionais que estavam na sua base). Por seu lado, o II vol. estaria destinado a outros “romances reconstruídos” entretanto escritos por Garrett, provavelmente aqueles que, em 1843, acabaram por, juntamente com os dois poemas citados, formar o I volume do Romanceiro. 281 O manuscrito pertenceu a Leite de Vasconcelos, a quem foi oferecido por Tomás Pires. Vasconcelos refere-se-lhe pela primeira vez nos Ensaios Ethnographicos, IV (Lisboa, Livraria Classica Editora, 1910, capítulo “Uma Collecção Manuscrita de Poesias Populares”, pp. 425-430). Aí informa que uma parte do manuscrito é cópia feita por alguém que assina E. T. D. de Castro, em 15/10/1841 (p. 425), que na última página do manuscrito há a data 1844, e que os textos foram recolhidos em Arcos de Valdevez, Chamusca e Penafiel (p. 427). Quanto aos romances ali presentes, refere dois: uma Santa Iria e um Bernal Francês (p. 429). Mais tarde (Etnografia Portuguesa. Tentame de sistematização, I, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1933, p. 258), Leite de Vasconcelos volta a referir-se ao mesmo documento, em termos um pouco diferentes: a “miscelanea [...] [foi] organizada por E. T. D. de Castro” e “data talvez de 1844”. Quanto a romances, contém “Xacara da Bella Infanta, colligida em 1844 [...]; Xacara de Bernardo Francês, não tem data [...]; Xacara de Santa Iria [...] (Setembro de 1840)”. 93 Por informação do próprio Garrett (é verdade que publicada muitos anos depois), sabe-se que data deste ano o prólogo do Conde da Alemanha, que virá a sair no II vol. do Romanceiro, em 1851. 282 1842 Almeida Garrett publica O Alfageme de Santarém. 283 No presente drama, o autor vai mais longe do que Morais Sarmento em 1839, quando este pusera uma personagem popular a referir títulos de textos de literatura oral. De facto, nesta peça de Garrett, inicia-se (quanto ao romanceiro) 284 um processo que terá muitos seguidores, conforme veremos: as personagens cantam textos tradicionais (e outros que assim querem parecer), realçando-se, deste modo, a verosimilhança da peça, que fica mais de acordo com a natureza das personagens e a época em que a acção se passa. De facto (tal como acontecia já na peça de Sarmento), as personagens que no Alfageme dão voz aos romances pertencem ao povo, a classe por excelência com a qual, no séc. XIX, as canções tradicionais surgem relacionadas. Além disso, a peça passa-se na Idade Média, época com que o romanceiro, conforme veremos, surge extremamente conotado durante o Romantismo. De notar ainda que os fragmentos de romances incluídos n’ O Alfageme são usados como alusões internas, remetendo para situações da própria peça. O drama começa com o alfageme cantando seis versos (curtos) duma versão tradicional do Conde da Alemanha. 285 Um sétimo verso e um oitavo, claramente inspirados no romance, surgem também nessa passagem, mas alterados de modo a aplicarem-se à época 282 De facto, diz-se no referido prólogo: “no anno em que isto se escreve, 1841, é ésta uma das xácaras mais validas, mais cantadas, e mais sabidas da gente dos campos” (Romanceiro, II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851, pp. 76-7). 283 [Almeida Garrett], O Alfageme de Santarem ou A Espada do Condestavel, pelo auctor de Catão e Auto de Gil-Vicente, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1842. 284 Como veremos no subcapítulo seguinte, a inclusão de textos da tradição oral em textos da literatura escrita começara (tanto quanto as nossas investigações revelam) dois anos antes do Alfageme, com um conto de Raposo de Almeida (1840), cujas personagens cantam duas canções líricas tradicionais. 285 O Alfageme de Santarem, cit., pp. 5-6. Exceptuando uma inversão na ordem, tais versos são iguais aos da versão deste romance que Garrett virá a publicar no Romanceiro, II, p. 78. 94 histórica em que decorre a acção. 286 Mais à frente, surgem outros quatro versos (curtos) do mesmo romance, desta vez cantados pelo coro. 287 Noutra cena, o coro canta quatro versos (curtos) duma versão tradicional do Conde 288 Alarcos. No início do V acto, surge o prato de resistência deste aproveitamento do romanceiro oral: duas personagens femininas cantam em diálogo uma versão inteira do Regresso do Marido (do tipo Bela Infanta). 289 A dada altura (fruto provável do conhecimento que Garrett tinha das situações de recolha), assiste-se a uma discussão entre as duas personagens, porque uma diz determinada passagem de certo modo, e a outra de modo diferente, defendendo ambas que “a trova verdadeira é como eu a cantei”. 290 Os textos dos três romances referidos estão muito retocados. É esta a primeira vez que Garrett opta claramente pelo método editorial criativo, publicando versões tradicionais muito retocadas, categoria diferente quer dos poemas cultos inspirados em temas do 286 Aliás, já o modo como o v. 4 é cantado (com a substituição da palavra “rainha” por uma tosse do alfageme, carregada de intencionalidade ) alude claramente a Leonor Teles e à sua relação com o conde Andeiro. A tal relação se refere também uma passagem em verso (totalmente original de Garrett) que se segue logo à cantiga. 287 Op. cit., p. 27. O v. 4 é quase igual ao que lhe corresponde no Romanceiro de Garrett, II, p. 81; os restantes são variantes afastadas. Estes quatro versos do Conde da Alemanha são nova alusão ao conde Andeiro e seus amores com a rainha D. Leonor, facto que fica ainda mais claro graças a outros dois versos (originais de Garrett) que surgem a seguir. 288 Op. cit., p. 12. O v. 3 é igual ao que lhe corresponde na versão do mesmo romance depois publicada no Romanceiro de Garrett, II, p. 45; o v. 4 é muito parecido; os vv. 1 e 2 são quase iguais às variantes que, dos versos correspondentes, Garrett fornece em nota de rodapé no Romanceiro, loc. cit. O presente excerto do Conde Alarcos constitui uma alusão ao interesse sentimental que Alda tem pelo alfageme. 289 Op. cit., pp. 117-122. Na sua maioria, os versos são exactamente iguais aos da versão que Garrett irá publicar no Romanceiro, II, pp. 7-11. No prólogo que nesta última obra antecede o romance em causa, Garrett escreveu algumas palavras sobre o modo como o público reagiu à inclusão do romance na peça : “No quinto acto do ‘Alfageme’ introduzi [...] ésta xácara, fazendo-a cantar por um côro de mulheres do povo á hora do trabalho; e observei o sensivel prazer que tinha o público em ver recordar as suas antiguidades populares, que nem ainda agora deixaram de lhe ser caras” (op. cit., II, p. 4). Notar que antes do texto do romance há uma didascália que diz “(Toada popular bem conhecida)”, a qual se refere, sem dúvida, à música usada na cantiga. 290 Op. cit., p. 121. O romance [que aparece designado por “xácara” (ver pp. 120 e 122) ou por “romance” (ver p. 122)] ) é usado como alusão interna. De facto, conforme dizem as próprias personagens (ver op. cit., p. 116), a história nele contada faz lembrar a situação de que, naquele momento, se fala na peça: o futuro regresso a casa dos homens de Santarém, vindos da guerra (neste caso, a batalha de Aljubarrota). 95 romanceiro (os “romances reconstruídos” do género da Adozinda) quer das versões não retocadas, pelo menos aparentemente (as incluídas na introdução e notas da Adozinda). Em finais deste ano de 1842, entra no prelo o I vol. do Romanceiro de Almeida Garrett. Tal facto não é, obviamente, de estranhar, dado que, conforme se sabe, o referido I vol. sairá em 1843. Mais importante é saber que nesse mesmo ano de 1842 Garrett já andava a preparar os II e III vols. da obra, dedicados às versões tradicionais, volumes que só sairiam 9 anos mais tarde, em 1851. De facto, em 1/12/1842, Garrett escrevia a Gomes Monteiro: estão a entrar para a prensa as primeiras folhas de uma collecção de Romances populares, xacaras, soláos, etc., etc., que tenho andado a colligir e a limpar, mas preciso que me mande buscar por ahi algumas mais. Aqui vai a 291 lista das que eu tenho para não mandar destas. O princípio desta passagem refere-se obviamente ao I vol. do Romanceiro, mas o resto deve aplicar-se já aos volumes II e III. Claro, seria perfeitamente possível que o pedido de recolha que Garrett faz a Monteiro tivesse como objectivo usar as versões tradicionais como matéria-prima para a escrita de mais “romances reconstruídos”, ou seja, de poemas originais do tipo da Adozinda. Porém, a lista dos romances de que Garrett afirma ter já versões inclui nada menos que 14 temas, e o pedido de que lhe sejam enviados mais textos não parece justificar-se com o projecto dum novo volume de poemas originais. De facto, 14 temas já eram mais que suficientes para um volume de “romances reconstruídos”, os quais, como se sabe, acabavam geralmente por sair maiores que os textos tradicionais correspondentes. Por outro lado, nenhum dos 14 temas de que Garrett informa já ter textos em 1842 foi usado como fonte dos “romances reconstruídos” que, acompanhando a Adozinda, formam o I vol. do Romanceiro (1843). Uma razão suplementar para pensarmos que, em 1842, Garrett já tinha praticamente desistido de escrever “romances reconstruídos” e que, pelo contrário, planeava um ou mais volumes incluindo os textos verdadeiramente tradicionais, nasce da leitura da seguinte passagem do prefácio do I vol. do Romanceiro, prefácio esse datado de 12/8/1843: 291 desta página. Gomes de Amorim, Garrett. Memorias biographicas, cit., II, p. 713. A lista é fornecida na nota 1 96 este volume é a primeira parte, ou mais exactamente a introducção [do Romanceiro], e [...] apenas contêm o que eu [...] designarei com o título de 292 Romances da renascença [...] Os textos originaes d’estes [...] os de muitos outros que appareceram [...] na mesma excavação, muitissimos que se têem achado em livros e papeis desprezados hoje, e em collecções Ms., estão promptos, classificados, 293 annotados, e sahirão em seguimento d’este volume. É difícil obter dados sobre o modo como foi crescendo a colecção de romances pertencente a Almeida Garrett. Cerca de 1828, para além dos perto de 15 textos conseguidos pela sua amiga de Lisboa, o poeta tinha já mais alguns, devidos a outros amigos. 294 Mais tarde, outras pessoas colaboraram na recolha. Através das palavras de Garrett na introdução do I vol. do Romanceiro 295 conhecemos os nomes de Mr. Pichon (cujas pesquisas, iniciadas em 1832, já referimos), Castilho, Emídio Costa (que “generosamente [lh]e confiou a sua larga collecção principalmente feita nas duas Beiras”), Cunha Rivara (Évora) e Elói Nunes Cardoso (Montemor-o-Novo). Por outros meios, é possível saber também que Manuel Rodrigues da Silva Abreu (em Lisboa) 292 296 e Gomes Monteiro (no Porto) 297 recolheram versões a pedido de Garrett. Esta expressão designa os poemas que Garrett escreveu inspirados na poesia oral, os romances românticos, entendido o Romantismo como “renascença da poesia nacional e popular” (Romanceiro, cit, I, p. xxii). 293 294 295 296 Op. cit., I, pp. xxii-iii. Com excepção de “Romances da renascença”, os itálicos são nossos. Ver op. cit., I, pp. v-vi. Cf. op. cit., I, pp. xv-xvii. Trata-se dalguém que Garrett conhecera na Universidade em 1820 e tivera como companheiro de emigração (ver Gomes de Amorim, Garrett, cit., II, p. 514). Dele conhece-se uma carta a Almeida Garrett (datada de Braga, 8/7/1839) em que diz: “Ha mais de cinco annos que saí d’ essa capital [Lisboa, onde Garrett, no momento de escrita desta carta, residia] [...] e lembro-me bem que prometti escrever-lhe para a Belgica [onde Garrett foi encarregado de negócios e depois cônsul, entre 1834 e 1836], no caso de poder arranjar por aqui algumas xácaras, as quaes devia remetter a v. ex.ª [...] Como nada pude obter, além de duas ou tres que n’ essa mesma cidade [Lisboa] já tinha alcançado, e entregue, não ousei escrever” (Amorim, op. cit., II, p. 515). A recolha de Manuel Abreu seria, pois, anterior a 1834. 297 Numa carta de Monteiro a Garrett (datada do Porto, 11/9/1839), o famoso bibliófilo comunica que lhe envia “algumas xacaras conforme [lh]’ as recitou um creado [s]eu da ilha do Fayal. A de Silvana tambem vae como corre n’ esta cidade na bôca das velhas do bom tempo” (Amorim, op. cit., II, p. 526). Além disso, recorde-se, publicámos acima, no texto, um excerto duma carta (de 1/12/1842) em que Garrett pede a Monteiro que lhe recolha versões, e é bem possível que tal pedido tenha sido satisfeito. Muito mais tarde (1864), como veremos, Teófilo Braga irá publicar uma versão dum romance que Gomes Monteiro lhe ofereceu. 97 Quanto ao citado Castilho, sabe-se ainda que, além de recolher ele próprio textos, publicou, em 1841, na Revista Universal Lisbonense (de que, ao tempo, era director) um pedido para que os leitores do periódico lhe enviassem versões de romances, que ele se encarregaria de fazer chegar a Garrett. igual pedido aos leitores. 299 298 O próprio Almeida Garrett fez, na mesma data, Algum eco encontraram estes apelos, pois sabe-se que, pelo menos, Maria Peregrina de Sousa colaborou enviando versões. 298 300 Esse texto [“Advertencia Prévia”, Revista Universal Lisbonense, I, nº 11 (9/12/1841), p. 128] serve de introdução ao artigo de Almeida Garrett “Poesia Nacional”. Eis alguns excertos do texto de Castilho: “Sabemos, que já muitas destas cantilenas narrativas, despresadas de letrados, por aquillo mesmo, que mais as recommenda, que é sua singelez, e gracioso desalinho, têem sido colligidas pelo nosso Auctor [i. e., Garrett], á custa de muitas diligencias, e perseverancia de longos annos. E boa fortuna foi a nossa de podermos ajudar tambem a sua colecção com o fructo, que de igual empenho haviamos colhido, já por nós, já por nossos amigos, assim nas terras da Beira, e Minho, como nas do Alemtejo [...]. Rogamos [...] a nossos Leitores, que, em remuneração do gosto certo, que lhe havemos de dar com a sucessiva publicação destes capitulos, procurem brindar-nos com toda e qualquer tradição, que deste genero possão desencantar, embora incompletas, viciadas, erradas, ou apparentemente frivolas: o que tudo será por nós, mui pontualmente, passado para as mãos, a que já é devido, e que tão destra, e cuidadosamente, o saberão aproveitar.” O presente texto, publicado anónimo na Revista, foi mais tarde coligido (com o título de “Almeida Garrett”) na obra de A. F. de Castilho, Vivos e Mortos. Apreciações moraes, litterarias, e artisticas, II, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904, pp. 117-8. 299 “Reunir e restaurar, com este intuito [o de “ressuscitar” a “poesia nacional”], as canções populares, xácaras, romances ou rimances, soláos, ou como lhe queirão chamar, é um dos primeiros trabalhos que precisamos” [“Poesia Nacional”, Revista Universal Lisbonense, I, nº 11 (9/12/1841), p. 129]. E termina esta primeira parte do artigo pedindo aos leitores “que tiverem alguma coisa que lhe communicar, sejão observações, collecções, ou meras indicações”, que lhas enviem, pois “elle agradecerá e aproveitará tudo” (loc. cit.). Na segunda parte do artigo, diz também: “É mister colligi-los da tradição popular [...] esses romances que o nosso povo tem conservado a despeito da incúria dos seus litteratos” [II, nº 1 (6/1/1842), p. 9]. 300 [Redacção da revista], “Expediente”, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, IV, nº 16 (6/11/1844), p. 181: “Agradecemos á Srª. Portuense, de nenhum modo, obscura, [...] a diligencia com que vae colligindo para nos remetter as chácaras tradicionaes da sua provincia: as de D. Silvana e da Bella Infanta, já as entregámos ao nosso amigo o Sr. Garrett para o seu Cancioneiro, por haver n’ ellas algumas variantes attendiveis”. Embora o nome da colectora não seja indicado, é óbvio que as palavras do redactor aludem a D. Maria Peregrina de Sousa, a qual publica na Revista vários artigos assinados com o pseudónimo “Uma Obscura Portuense” [a sua primeira contribuição foi “Um Velho Raro n’ uma Rarissima Terra (Carta)”, no vol. IV, nº 6 (29/8/1844), pp. 71-2]. É possível que a Bela Infanta enviada por D. Maria Peregrina seja a versão que Garrett virá a publicar no seu Romanceiro sob o título “Variante portugueza que parece uma versão mais moderna do 98 1843 Garrett publica o I vol. do seu Romanceiro, 301 dedicado exclusivamente a poemas originais, alguns inspirados na literatura oral. Embora republique aqui a Adozinda e o Bernal Francez, não inclui (ao contrário do que fizera em 1828) as versões tradicionais que lhes servem de base. Estas, segundo o autor afirma explicitamente, sairão no volume seguinte, destinado aos “textos originaes”. 302 No entanto, mantém os quatro versos (curtos) da 303 Infantina que citava (e continua a citar) numa nota à Adozinda. Noutra nota à Adozinda, esta edição acrescenta quatro versos (curtos), ao que parece não retocados, pertencentes a 304 uma versão da Santa Iria, de origem minhota. 305 Este volume do Romanceiro (e mais ainda os seguintes, como veremos) está organizado, conforme o próprio autor reconhece, 306 segundo a estrutura das Reliques de original antigo” (II, pp. 12-4), à qual se refere no prólogo dizendo ser ela “uma variante [...], que me enviou ha pouco uma senhora do Minho” (p. 5). Como é sabido, na época o Porto pertencia à província do Minho, e as contribuições de D. Maria Peregrina publicadas na Revista constituem uma série de 12 “cartas” sobre tradições precisamente minhotas [o primeiro artigo foi o que atrás referimos; o último saiu no vol. IV, nº 48 (19/7/1845), p. 583]. 301 J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I: Adozinda e Outros (“Obras de J. B. de A.-Garret [sic]”, IV), Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim. Úteis, 1843. 302 “Os textos originaes destes [i. e., dos “romances reconstruídos” que ocupam o vol. I] [...] sahirão em seguimento d’ este volume” (pp. xxii-iii). Sobre o Bernal Francês propriamente escreve: “O texto, como o conservou a tradição oral dos povos, da-lo-hei no logar competente, segundo lh’ o talhei no prefacio d’ este volume” (p. 100). 303 Op. cit., p. 207. Voltarão a aparecer em 1851, integrados ipsis verbis na versão da Infantina (O Caçador) que Garrett publica no vol. II do Romanceiro (ver pp. 21-4). 304 Op. cit., p. 203. Estes versos não coincidem com os da versão que Garrett publica, mais tarde, nas Viagens na Minha Terra (ver nota seguinte). 305 De facto, sobre esse texto afirma mais tarde Garrett ser ele uma “imperfeita lição de um Ms. do Minho, unico que tinha á mão” quando estava a escrever a referida nota da Adozinda [“Viagens na Minha Terra”, cap. XXIX, Revista Universal Lisbonense, V, nº 32 (29/1/1846, p. 377, em nota]. 306 Diz ele em carta a Gomes Monteiro (datada de Lisboa, 1/1/1842): “A colecção vai pelo modo e estilo das Reliques do bispo Percy e do Minstrelsy of the Scottish Border de S.[sic] W. Scott” (Obras, cit., I, p. 1407). 99 Percy e do Minstrelsy de Scott: cada romance é precedido por um prólogo próprio, e a obra começa com uma longa introdução. Quanto a pontos de teoria, é possível encontrar a influência de Durán 307 e Ochoa; 308 além disso, ao longo de toda a obra, encontram-se ideias que, sem dúvida, “andavam no ar” por aquele tempo, provenientes, em última análise, das reflexões setecentistas inglesas, desenvolvidas e sistematizadas por Herder. 307 309 Um aspecto concreto desta influência deve ser a concepção do romance enquanto primitiva poesia portuguesa. Vejamos: na primeira versão da “Carta a Duarte Leça” (Adozinda, 1828), Garrett parece começar por afirmar que a poesia portuguesa mais antiga era a lírica trovadoresca (“a nossa poesia primitiva e eminentemente nacional [...] é a poesia dos trovadores. — Singela, romanesca, apaixonada, [...] lyricoromantica” —pp. x-xi), embora, mais à frente, se mostre, no mínimo, duvidoso de tal precedência: depois de mencionar “as canções antiquissimas conservadas nos dous cancioneiros, o do Collegio dos Nobres [...] e o de Resende”, refere “outras poesias mais antigas talvez, os romances populares historicos ou Chacras, que por tradição immemorial se conservam entre o povo” —p. xvi). Em 1843 (Romanceiro, I), na nova versão da “Carta”, estas duas passagens surgem modificadas: “A nossa poesia primitiva e eminentemente nacional [...] foi seguramente o romance historico e cavalheresco, ingenua e ruda expressão do enthusiasmo de um povo guerreiro; logo vieram esses trovadores de Provença e nos ensinaram modos mais cultos porêm menos originaes e menos cunhados do sêllo popular: era coisa mais de côrte” (p. 6); e, na segunda passagem, depois de mencionar a poesia dos “dous cancioneiros”, tira o “talvez”, e fala sem hesitação das “outras poesias mais antigas, os romances populares ou xacaras” (pp. 10 e 11). Note-se que Durán, porém, não se tinha comprometido demasiado nas suas afirmações sobre o assunto. Na verdade, se para o fim do “Discurso preliminar” enuncia claramente a prioridade do romanceiro (“el Romance octosílabo es la primera forma que adoptó entre nosotros la poesía popular” —Duran, Romancero de romances caballerescos é históricos anteriores al siglo XVIII, I, cit., p. xx), antes, pelo menos em três ocasiões, mostra-se mais cauteloso: “probable es que el Romance antiguo castellano haya sido la primitiva combinación métrica adoptada por nuestros antepasados” (I, p. viii); “los romances populares caballerescos é históricos [...] si no me atrebo á colocarlos en época tan remota como la del nascimiento de nuestra poesía, creo al menos que conservan vestígios de la primitiva forma con que se concibió entre nosotros la versificacion” (I, p. xvi); e “el Romance, no será muy temerario conjeturar que fue la primitiva forma métrica que [...] tomó nuestra poesía Castellana” (I, p. xvii). 308 Será de considerar a hipótese de que a certeza demonstrada por Garrett em 1843 sobre a prioridade do romance em relação à lírica lhe veio não só duma leitura (abusiva?) da posição de Durán (o qual, como vimos, hesita em afirmar claramente tal ponto), mas também (e sobretudo?) da frase em que Ochoa afirma com toda a segurança: “el romance es la primitiva y verdadera poesía nacional en España” (Tesoro de los romanceros y cancioneros españoles, históricos, caballerescos, moriscos y otros, Paris, En la Librería Europea de Baudry, 1838, p. ii). 309 Por exemplo, leiam-se as seguintes frases de Herder nos “Fragmentos duma Correspondência sobre Ossian” (apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 85, 116 e 119): “Voglio ascoltare dal vivo i canti di un popolo vivo, coglierli in tutta la loro forza persuasiva [...] studiare i resti di questo mondo antico nei loro 100 Embora o presente capítulo seja, fundamentalmente, dedicado a um panorama dos artigos ou livros em que se publicaram textos de romances, não queremos deixar de referir a recensão que, do I vol. do Romanceiro de Garrett escreveu Silva Leal. 310 Trata-se dum texto importante, por (se exceptuarmos as reflexões de Almeida Garrett na introdução da Adozinda e do Romanceiro, I) ser o primeiro que, entre nós, trata da literatura oral, nomeadamente do romanceiro, dum ponto de vista teórico. Este texto é um sinal da difusão de que, mesmo junto do público literato não especializado, começavam, finalmente, a gozar em Portugal as teorias românticas sobre a poesia oral. Silva Leal mostra conhecer (talvez, quem sabe?, a partir de qualquer artigo vulgarizador, por exemplo em francês), certas ideias de Herder (cujas palavras cita textualmente), 311 e também de Marmier (discípulo francês dos teóricos costumi” (o autor fala da viagem que planeava fazer à longínqua e primitiva Escócia, onde queria ir escutar, cantados pelo povo, os poemas de Ossian); “Lo spirito di cui sono piene, la loro natura grezza, semplice ma grande, piena d’ incanto e solenne” (Herder refere-se aqui aos antigos cantos escandinavos); “Mi dica ora cosa potrebbe essere più ricco di lanci audaci, incisivi e nonostante ciò più naturale, semplice e popolare” (Herder fala ao destinatário dos “Fragmentos”, a propósito duma balada inglesa que acabava de transcrever); “Non trova che il metro sia bello, il linguaggio forte, l’ espressione sentita?” (alude a um antigo canto alemão que antes copiara). E comparem-se com esta frase de Garrett, a propósito d’ “uma das mais conhecidas e provavelmente mais antigas xacaras que o povo canta”, o Bernal Francês: “Sua contextura simples mas forte, a scena tão dramatica com que abre, o fexo sublime com que termina dão-lhe todos os characteres de poesia primitiva e grande de um povo heroico, de uma gente que tomava as coisas da vida ao serio, como a nossa era” (I, pp. 99-100). Fique claro que com este confronto não queremos afirmar que Garrett tenha lido as obras de Herder. É verdade que parece ter sabido alemão: Gomes de Amorim (Garrett, cit., III, p. 607) afirma que ele possuía obras nessa língua, e o próprio Garrett transcreve (ver Romanceiro, I, p. 289) três excertos de poemas em alemão. Porém, a verdade é que nunca encontrámos na sua obra qualquer alusão a Herder, sendo mais provável que as teorias deste lhe tivessem chegado através da sua divulgação por outros autores, Friedrich Schlegel por exemplo, que, aliás, Garrett cita pelo menos duas vezes (ver Romanceiro, II; pp. xxv e xxvi-vii). Além de que, obviamente, afirmações como as citadas acima se podem encontrar em Scott e mesmo em Percy, como a seu tempo vimos. 310 [José Maria da] Silva Leal, “Bibliographia”, O Panorama, II, 2ª série, nº 104 (23/12/1843), pp. 311 “A poesia popular (diz-nos Herder) é o archivo do povo, o thesouro da sua sciencia, da sua 405-407. religião, da sua theogonia, da sua cosmogonia, da vida de seus pais, dos fastos da sua historia. É a expressão do seu sentir, a imagem do seu interior na alegria ou na tristeza, junto ao leito das nupcias ou da sepultura” (p. 405). Trata-se da tradução quase literal da seguinte passagem de Herder (extraída do artigo “Da Semelhança entre a Poesia Medieval Inglesa e a Alemã”): “I loro canti [os dos “popoli rozzi”] sono l’archivio del popolo, il 101 românticos alemães). 312 É possível que também de autores estrangeiros (em última análise, da distorção dum conceito de Herder) lhe tenha vindo a ideia de se dever à difusão dos “máus costumes” citadinos a decadência da literatura oral. 313 Pelo contrário, talvez venha da obra de Garrett o convencimento de Silva Leal de que na poesia tradicional a narrativa precedeu a lírica. 314 Um ponto teórico de clara procedência garrettiana também mencionado por ele é a definição de “xácara” (enquanto subgénero distinto do “romance” e do “solau”), embora Leal não concorde com a terminologia usada pelo Visconde. 315 tesoro della loro scienza e religione, della loro teogonia e delle cosmogonie, delle azioni dei loro padri e degli eventi della loro storia, calco del loro cuore, immagine della loro vita domestica nella gioia e nel dolore, nel letto nuziale e nella tomba” (apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 206; os sublinhados são do original). 312 “A poesia popular (escreve Marmier) é a voz do povo nos dias de suas profundas commoções, é o canto que celebra os seus heroes e os seus deuzes, que proclama os seus triumphos e lamenta os seus desastres [...] Nasceu nos seculos mais remotos, e profunda as suas raizes no mais arido solo [...] Esta poesia [...] reflecte no seu espelho o espirito de todas as epocas... é a imagem do povo” (p. 405). Cremos que Silva Leal cita aqui palavras de Xavier Marmier, autor que à data desta recensão publicara já, por exemplo, Chants populaires du Nord. Islande, Danemark, Suède, Norvège, Feroe, Finlande, traduits en français et précédés d’ une introduction par ..., Paris, Charpentier, 1842. Infelizmente, não nos foi possível consultar nem esta nem nenhuma otra obra de Marmier. 313 “Transmittidas de seculos para seculos unicamente pela tradição oral, difficultosamente chegaram aos nossos dias, porque foragidas das cidades onde o requinte da civilisação, o luxo e os máus costumes, foram progressivamente arrefecendo a exaltação poetica do povo, lá se acolheram á innocencia dos campos, onde ainda zelosos pesquizadores as poderam encontrar, mas d’ onde a corrupção de nossos dias as vai já expulsando, e baldadas tornaria taes buscas se tão opportunamente se não pozessem por obra” (p. 406). Tratase, provavelmente, duma leitura moralista das mudanças que muitos autores referem e que, por exemplo, já encontrámos mencionadas em Herder: “Il resto dei brani popolari più antichi e veri sparirà completamente con la sempre maggior diffusione della cosidetta cultura, come già sono spariti tesori analoghi” (apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 117). 314 “É idéa assentada que toda a poesia primitiva é de narração” (p. 407). Embora esta ideia exista já entre os teóricos alemães (que apontam como prova que Homero precedeu Píndaro), o facto de Silva Leal a ligar à questão do romance, xácara e solau parece apontar para uma origem garrettiana. De facto, a frase anterior de Leal continua assim: “a infancia das nações é toda acção, e consequentemente a poesia oriunda d’ esta infancia deve ser epica: d’ aqui a maior antiguidade do romance e da xácara; depois vem o solau, porque a poesia lyrica que nos expressa pura e simplesmente o ‘sentimento’ só pode proceder da reflexão, e consequentemente de mais quietação d’ animo, e permanencia de estado”. 315 Como é sabido, a distinção entre os três subgéneros é inicialmente feita por Garrett em 1843 (no Romanceiro, I, pp. 160-1 e 211-2), e retomada, depois, em 1845 e 1851. Silva Leal concorda com a definição 102 Quanto a colectâneas de literatura oral estrangeira, Silva Leal menciona as de Scott, Percy, Ellis, Ritson, Jamieson, Herder, Günther e von Goetze, 316 o que não deixa de ser impressionante, embora, provavelmente, apenas lhes conheça os títulos. Por outro lado, parece não ter as ideias muito claras quanto à distinção entre poemas provenientes da oralidade e poemas de autor mais ou menos inspirados naqueles, 317 confusão a que o vol. I do de “romance” e de “solau”, mas tem muitas dúvidas quanto ao sentido que o termo “xácara” tem nos autores antigos, onde Garrett o foi buscar: “É certo que a forma dramatica predomina em certas composições, que porventura por isso se chamam xácaras, mas até que ponto isto é verdadeiro é o que nos não atrevemos a assignar [...]. A distinção [terminológica] póde e convirá acceitar-se, porem os fundamentos para ella [entendase: para a escolha do termo “xácara”] é que nós não podémos ainda encontrar na auctoridade antiga nem na nossa imaginação” (p. 406). 316 “Modernamente [...] tem-se desenvolvido em todas as nações cultas, especialmente na Allemanha e na Inglaterra, um verdadeiro zêlo por estas compilações, e parafrases. Haverá trinta annos que Walter Scott deu impulso a este gôsto, que fez mudar completamente o caracter da litteratura da nossa idade. As reliquias de Percy, os specimens de Éllis, os romances de Ritson [todos estes autores estão identificados atrás, no capítulo sobre a história da balada], as trovas populares de Jameson [sic, por Jamieson, autor de Popular Ballads and Songs, 1806], e emfim o Ministresly[sic] do mesmo Walter Scott, tinham feito conhecer á Inglaterra, e a toda a Europa, a grande importancia da poesia primitiva dos differentes povos”. Silva Leal menciona também “os trabalhos de Herder, de Gunther [sic; trata-se talvez de Johann Günther, que à data publicara já Gedichte und Lieder in verschiedenen deutschen Mundarten, 1841], de Goetze [i. e., Peter von Goetze, autor, por exemplo, de Serbischen Volkslieder, 1827, e Stimmen der russischen Volks in Liedern, 1828] em coleccionar todas as trovas populares do norte da Europa” (p. 405). Mais à frente (p. 406), volta a referir “a compilação de Herder”. 317 É, pelo menos, o que parece, quando, ao falar da novidade que entre nós representa o Romanceiro de Garrett (I vol.), Silva Leal mistura os Volkslieder de Herder e os poemas de certos autores românticos alemães: “Faltava-nos a collecção dos cantos singelos e rudes do povo, a compilação de Herder, as imitações de Schlegel [refere-se sem dúvida a poemas narrativos mais ou menos medievalizantes, como Der heilige Lucas. Legende ou Ritterthum und Minne. Romanze (ver August Wilhelm von Schlegel, Sämmtliche Werke, herausgegeben von Eduard Böcking, I, Leipzig, Weidmann’sche Buchhandlung, 1846, pp. 215-9 e 223-8)], as recomposições de Schiller [refere-se provavelmente a baladas famosas como O Mergulhador, inspirada numa lenda siciliana] e Burger [ao contrário do que escreve Silva Leal, as baladas de Bürger não são, tanto quanto julgamos saber, propriamente “recomposições” de textos populares, ainda que em várias delas se encontrem crenças mais ou menos tradicionais]” (p. 406). 103 318 Romanceiro —não obstante o distinguo de Garrett na introdução — bastante terá ajudado. 319 De referir ainda que, alguns anos mais tarde, o mesmo Silva Leal publica outro texto teórico sobre a poesia oral, onde voltamos a encontrar algumas das teorias a que acima aludimos e também outras novas, reflectindo todas elas várias teorias românticas sobre o assunto, correntes no estrangeiro, mas que raramente se encontram enunciadas de modo tão explícito em autores portugueses. 318 320 Referimo-nos, claro, à passagem já atrás citada em que Garrett afirma: “este volume é [...] a introducção [do Romanceiro], e [...] apenas contêm o que eu [...] designarei com o título de Romances da renascença [...] Os textos originaes d’estes [...] sahirão em seguimento d’este volume” (op. cit., I, pp. xxii-iii). 319 Uma vez que falámos da significativa recensão escrita por Silva Leal, não queremos deixar de mencionar também uma outra, que, muito elogiosa, não apresenta, porém, interesse especial do ponto de vista da História das ideias: [A. F. de Castilho], “Romanceiro e Cancioneiro Geral”, Revista Universal Lisbonense, III, nº 11 (2/11/1843), pp. 130-1. Foi republicada, com o título “Almeida Garrett. Romanceiro e Cancioneiro Geral”, na obra de Castilho Vivos e Mortos. Apreciações moraes, litterarias, e artisticas, II, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904, pp. 79-80. 320 Esse texto serve de introdução a um poema lírico, Os Bons-Dias, um dos “cantos-populares d’ Allemanha”, que, numa tradução anónima, se publica na Revista Universal Lisbonense, V, nº 29 (8/1/1846), pp. 346-347. O referido texto introdutório (contido na p. 346) não está assinado; no entanto, como nele se fala em nome da revista, deve ser da autoria de Silva Leal, então o director e redactor principal do periódico. Nesse texto frisa-se que a poesia a seguir traduzida é “tam singela como moral”. Essa poesia é o oposto da poesia culta, pois o povo, ao compor “sem a exactidão da sciencia nem o embelezamento da arte [...] consegue doutrinar espontaneamente sem o pedantesco alarde academico, uem[sic, por ‘nem’] os arrebiques arcadicos. Todos os povos foram assim nos principios da sua civilisação”, mas, com o desenvolvimento dessa civilização, isto perdeu-se. “Essas bonitas canções-populares não as ha ja pela Allemanha, nem por outra nenhuma nação civilisada [itálico do original]. Hoje alguma que ainda fazem é quasi sempre licenciosa [...] á medida que a educação se derramou pela classe popular, foi-se finando a inspiração do povo.” Diz-se ainda que o poema adiante publicado, nasceu, segundo Seb.[sic] Albin, no séc. XVIII. Talvez seja de origem culta, depois popularizado, porque “não se nota [nele] a desordem, as contradicções, circumstancias quasi sempre inherentes da[sic] poesia popular; mas observa-se certa escuridade, o inciso do estylo, os aphorismos, o inopinado do comêço, circumstancias tambem infalliveis n’ este genero de poesia, que era quasi toda improvisada”. O autor referido por Silva Leal é Hortense Cornu, que, com o pseudónimo de Seb. Albin, publicou Ballades et chants populaires (anciens et modernes) de l’ Allemagne, traduction nouvelle par..., Paris, Librairie de Charles Gosselin, 1841. É muito possível que tenha sido esta tradução francesa (que infelizmente não pudemos consultar), e não o original alemão, a fonte de que se serviu o tradutor português de Os Bons-Dias. 104 Neste mesmo ano de 1843, Andrade Ferreira publica um poema original, reenversando, em quadras, o romance do Falso Cego. Em nota, transcreve, porém, 4 versos (curtos), aparentemente não retocados, do princípio da versão tradicional em que se 321 inspirou. 1844 Pereira da Cunha transcreve, num conto de sua autoria, um longo fragmento duma 322 versão tradicional da Santa Iria. O texto 323 é cantado por uma personagem popular, a criada Margarida. A versão está truncada (no pedido do cavaleiro a Iria para que lhe perdoe), porque a personagem é interrompida por outra. O texto, talvez recolhido no Minho, 324 parece muito próximo do estilo tradicional. 321 J[osé] M[aria] d’ A[ndrade] F[erreira], O Cego Peregrino. Rimance, O Panorama, II, 2ª série, nº 58 (4/2/1843), p. 35. O poema de Ferreira ocupa, neste nº, as pp. 35-36, e, no nº 84 (5/8/1843), as pp. 247-248. Como veremos no subcapítulo seguinte, Andrade Ferreira tem vários contos teoricamente inspirados em tradições populares e alguns artigos sobre poesia tradicional. Acrescente-se que, numa época já fora do âmbito do nosso estudo, este autor publicou um Curso de Litteratura Portugueza (Lisboa, Livraria Editora de Mattos & Compª., 1875), onde transcreve vários textos líricos aparentemente recolhidos da oralidade por ele próprio. Assim, é possível que a versão do Falso Cego a que acima fazemos menção seja de sua recolha. 322 A. Pereira da Cunha, “O Governo nas Mãos do Villão. Memoria do seculo passado”, Revista Universal Lisbonense, III, nº 27 (22/2/1844), p. 329. O conto começa nesse mesmo nº, pp. 327-330, e acaba no nº 38 (9/5/1844), p. 458. 323 O narrador designa-o por “melodiosissimo romance” (p. 329). 324 Na verdade, o conto passa-se “na provincia de entre Doiro e Minho”, mais precisamente “nas variadas margens do Minho” (p. 328). No nº 30 (14/3/1844), diz-se (p. 365, em nota) que o conto “faz a primeira parte de uma chronica, que, se Deus me dér vida e descanço, conto escrever de todas as tradicções da minha provincia, uma das mais abundantes de superstições e abusos, e a mais ricca, por certo, de poesia, que tem Portugal”. De Pereira da Cunha conhecemos mais dois contos regionalistas, teoricamente inspirados em tradições minhotas, ambos publicados, tal como este, na Revista Universal Lisbonense: “Masilgado” [começa no nº 37 do vol. IV (3/4/1845), pp. 454-458, e acaba no nº 42 do mesmo vol. (8/5/1845), pp. 506-568] e “Os Quatro Irmãos” [começa no vol. V, nº 34 (12/2/1846), pp. 400-2, e acaba no vol. VI, nº 18 (24/9/1846), pp. 211-213]. Este último conto (ao contrário de “O Masilgado”, em que se cita uma pequena rima infantil, conforme diremos no subcapítulo seguinte) não inclui nenhum texto tradicional. Como a seu tempo se verá, Cunha publicou ainda vários poemas narrativos teoricamente inspirados em tradições, um deles uma rescrita do 105 1845 Garrett publica um novo texto de Bernal Francês + Aparição. 325 A versão, baseando-se embora na publicada em 1828, foi “correcta pelos manuscriptos do cavalheiro de Oliveira [e] apperfeiçoada ainda pella collação com as diversas cópias das provincias do Norte”, que entretanto Garrett conseguira. 326 Visivelmente fruto do método editorial criativo, o texto é agora quase igual ao que será incluído no II vol. do Romanceiro (1851). É antecedido por uma introdução, que será republicada também em 1851, como prólogo do romance. 327 Conde Alarcos, apresentada como feita a partir duma versão do “norte do Minho” (ver Pereira da Cunha, Selecta, Lisboa, Typographia Universal, 1879, p. 198; o poema foi inicialmente publicado em 1850). Neste livro de 1879, Cunha refere, a propósito do tema do Conde Alarcos, o título doutros quatro romances: “o Namorado Bernaldino, Dona Izabel de Liar [...] o Bernal francez e a Claralinda” (p. 199). É muito possível que o conhecimento de tais romances lhe não tivesse vindo da tradição oral, mas sim de fontes escritas: os últimos dois textos estavam há muito publicados, e com esse título, no Romanceiro de Garrett (ver II, pp. 129135 e 213-7), e, quanto aos dois primeiros, não parece terem alguma vez existido na tradição oral portuguesa, e Pereira da Cunha deve tê-los conhecido apenas pelo Romancero general de Durán (ver, respectivamente, nºs 293 e 1243-44). Nas notas com que Durán acompanha esses dois romances, alude-se ao seu tema português, facto que terá sem dúvida motivado o interesse de Pereira da Cunha por eles e o facto de os citar: o de Don Bernaldino seria sobre “don Bernaldin de Riveiro[sic] [...] del cual se cuentan ciertos amores que tuvo con una real y gran señora” (op. cit., I, p. 159), obviamente a infanta Dona Beatriz, amores infelizes que, como se sabe, já tinham servido de tema a Um Auto de Gil Vicente, de Garrett; o de Isabel de Liar teria, claro, “mucha analogía [...] con las tradiciones de Doña Ines de Castro”, embora Durán cautelosamente matize: “pero no sabemos si es ella la de que se trata” (op. cit., II, p. 221). 325 A[lmeida] G[arrett], Bernal-Francez, A Illustração. Jornal universal, I, nº 2 (Maio 1845), pp. 22- 23. 326 327 Art. cit., p. 22. Nesta introdução, o autor escreve que o Bernal Francez “tem feito a volta da Europa, sendo traduzid[o] em diversas linguas, ja no proprio fragmento, ja na reconstrucção ou imitação d’elle que ao mesmo tempo dei á luz” (p. 22). O artigo tem ainda uma segunda parte [no nº 4 da revista (Julho 1845), pp. 59-60], em que se publica a tradução espanhola do Romance de Bernal e Violante, isto é, do poema culto escrito por Garrett inspirado numa versão tradicional do Bernal Francês. Nesta segunda parte, há também uma pequena introdução (cremos que não republicada noutro lugar) em que Garrett escreve: “Mais para fazer acceito ao commum dos leitores um estudo e um gôsto que infallivelmente hade regenerar a nossa poesia [...], revertendo-a á simplicidade bella 106 Entre meados de Maio e princípios de Julho deste ano, o poeta inglês Edward Quillinan recolhe, talvez no Porto, uma versão tradicional de A Noiva do Duque de Alba. Essa versão será publicada (ao que parece sem retoques) em 1853, juntamente com a sua tradução inglesa, tradicional. 328 e seguida por um poema original de Quillinan, inspirado no romance 329 Em data anterior a 1845, Silva Pereira parece ter feito uma recolha no Minho, que 330 incluiria pelo menos uma versão do Conde da Alemanha. de sua origem natural, de que tam affastada andava pela imitação pesada e contrafeita dos extrangeiros, mais para esse do que para nenhum outro fim litterario, traduzi em linguagem e modos menos rudos, o BernalFrancez”. A esse “romance reconstruído” chama ele (com leve desdém?) “traducção de sala” (p. 59). 328 O Duque d’ Alba. Ballada velha e (en regard) The Duke of Alba. Old ballad, in Edward Quillinan, Poems, with a memoir by William Johnston, London, Edward Moxon, 1853, pp. 200-207. 329 The Duke of Alba. Suggested by the Portuguese ballad preceding (op. cit., pp. 208-212). Este texto está datado de “San João da Foz, July 9, 1845”. Pela “Memoir of Edward Quillinan” de W. Johnston (incluída no volume, a pp. xi-xlvi), fica a saber-se que Quillinan (nascido no Porto, filho dum imigrante irlandês) vivera a partir de dada altura em Inglaterra, mas visitou Portugal em 1845-6, acompanhado pela mulher. Esta publicou um diário da sua visita: [Dora Quillinan], A Journal of a Few Months’ Residence in Portugal, and Glimpses of the South of Spain, London, Edward Moxon, 1847, 2 vols. Aí se conta que o casal chegou ao nosso país, mais precisamente ao Porto, a 12/5/1845 (ver I, p. 4) e aqui ficou quase um ano, partindo (para Espanha) a 16/4/1846 (ver II, p. 81). No diário, não há qualquer referência à recolha do romance, a qual, porém, partindo do princípio de que é devida a Quillinan, teve necessariamente lugar entre meados de Maio e princípios de Julho de 1845. Mas não se pode afastar completamente a hipótese de o romance ter sido recolhido em data anterior por alguém que, depois, o ofereceu a Quillinan. 330 Depois de transcrever a versão velha espanhola (“Atan alta va la luna / como el sol á medio dia”) do “lindo romance do Conde d’ Allemanha”, Silva Pereira informa: “tantas vezes temos ouvido cantar [esse romance], em portuguez e com mais graça na Provincia do Minho, pelas visinhanças da villa de Guimarães e pelas immediações de Landim, perto da confluente dos rios Ave e Vizella, aonde arranjamos um bom peculio d’ antigas Trovas e Cantigas populares, todas compostas nos lindos metros octonarios” (J[osé] J[oaquim] da S[ilva] P[ereira], Da Poesia Antiga: ou da antiguidade e belleza dos versos octosyllabos, Porto, Typographia da Revista, 1845, p. 7; sublinhados do original). É impossível determinar com segurança se tal recolha de “Trovas e Cantigas” verdadeiramente existiu, uma vez que Silva Pereira não publicou nem uma delas no referido opúsculo. Esse silêncio é tanto mais de estranhar quanto o opúsculo é todo ele dedicado ao elogio do verso de redondilha maior e seu uso na poesia tradicional, nomeadamente no romanceiro. Porém, de romances citam-se ali apenas alguns exemplos velhos castelhanos. Note-se, ainda assim, que pelo título que dá a um dos romances que cita (“Conde d’ Allemanha”), Pereira Caldas mostra ter conhecido, de facto, uma sua versão 107 1846 331 Garrett transcreve nas Viagens na Minha Terra uma versão da Santa Iria, texto está retocado. 332 cujo Embora incluída numa obra literária, a versão não aparece na fala duma personagem, mas sim pela mão do narrador-autor, que a transcreve como um texto popular, revestido de interesse em si próprio. Almeida Garrett publica uma versão da Infantina. método editorial criativo, 334 333 é antecedido por uma introdução. O texto, claríssimo produto do 335 O texto e a introdução foram republicados em 1851, no Romanceiro (II vol). O mesmo Garrett publica neste ano o drama Filipa de Vilhena 336 (fora estreado em 1840). Na peça, uma das personagens cita, num contexto humorístico, o verso “estava a bela portuguesa, já que, na versão velha castelhana, a personagem tem o nome de “conde alemán”, enquanto, na nossa tradição oral, tem o nome mencionado por Pereira. Poderia, no entanto, pôr-se a hipótese de o conhecimento da designação portuguesa daquele romance lhe ter vindo apenas através da versão que, como vimos, Garrett incluiu no início do Alfageme de Santarém (publicado em 1842). 331 Almeida Garrett, “Viagens na Minha Terra. Cap. XXIX”, Revista Universal Lisbonense, V, nº 32 (29/1/1846), pp. 377-378. Reproduzida na edição em livro, publicada no mesmo ano: J. B. de Almeida-Garrett, Viagens na Minha Terra, II, Lisboa, Na Typographia da Gazeta dos Tribunaes, 1846, pp. 34-6. 332 Antes de transcrever o texto, Garrett deixa as coisas bem claras: “a trova é ésta, segundo agora a rectifiquei e appurei pela collação de muitas e várias versões provinciaes com a ribatejana ou bordalenga, que em geral é a que mais se deve seguir” (Revista Universal Lisbonense, cit., p. 377; ed. em livro cit., II, p. 34). 333 A[lmeida] G[arrett], “Da Antiga Poesia Portugueza. Romances populares”, Revista Universal Lisbonense, VI, nº 13 (20/8/1846), pp. 149-150. 334 A começar pelo facto de ser uma Infantina pura, coisa que com toda a probabilidade não existia na tradição portuguesa da época, tendo Garrett simplesmente eliminado a parte de O Cavaleiro Enganado + A Irmã Cativa que se lhe seguia. A Infantina foi concluída com uns versos traduzidos do texto velho castelhano (ver nota seguinte), e o Cavaleiro Enganado + A Irmã Cativa foi impresso separadamente, mais tarde (ver Romanceiro, II, pp. 32-5). Sobre o modo como Garrett procedeu com estes dois textos, ver Flor Salazar, “El Romanceiro de Almeida Garrett y la edición de textos contaminados”, in Manuel Viegas Guerreiro (org.), Literatura Popular Portuguesa, Teoria da Literatura Oral/Tradicional/Popular, Lisboa, ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, pp. 395-432 (412 – 425). 335 Pp. 148-149. Apresenta-se também (p. 150) a versão espanhola velha, transcrita de Durán. 108 infanta no seu jardim assentada”, 337 extraído da versão do Regresso do Marido que, como vimos, o autor dera a conhecer, em 1842, no Alfageme de Santarém. John Adamson, lusófilo inglês amigo de Garrett, publica aquela que é a primeira tradução que pudemos localizar dum romance português. também o texto original. 338 Além da tradução, transcreve-se 339 1848 Seguindo na esteira de Garrett, Pereira Cunha inclui numa peça —cuja acção se 340 desenrola na Idade Média— um fragmento do Conde da Alemanha. O texto parece não estar retocado. 1850 Estreia-se uma peça de Costa Cascais em que se inclui uma versão da Nau 341 Catrineta. A peça passa-se em Cascais e é uma personagem da classe piscatória que canta o romance. O texto parece não ter retoques. 336 J. B. de Almeida-Garrett, Theatro de..., IV: Philippa de Vilhena, etc. [sic], Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1846. 337 338 Op. cit., p. 47. John Adamson, Lusitania Illustrata: Notices on the history, antiquities, literature &c. of Portugal. Literary department. Part II: Minstrelsy, Newcastle upon Tyne, M. A. Richardson, 1846, pp. xiv-xvi Trata-se da versão tradicional do Bernal Francês + Aparição que Garrett dera a conhecer na Adozinda (1828). 339 340 Op. cit., II, pp. xi-xiii. Antonio Pereira da Cunha, A Herança do Barbadão, drama original portuguez em 3 actos, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1848, pp. 47-48. A acção desenrola-se em 1449. Na passagem em que surge o romance, a rainha D. Isabel, mulher de D. Afonso V, pede a uma dama que declame o Conde da Alemanha. Esta acede. Transcrevem-se então 16 versos curtos (agrupados em quadras). A personagem diz que não se recorda de mais, e a versão fica incompleta. 341 J. da Costa Cascaes, O Mineiro de Cascaes, in Theatro, III, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904, p. 27. De notar que o romance tem o refrão “Dom-dom”, que se encontra habitualmente na 109 1851 Saem os vols. II e III do Romanceiro de Garrett. 342 Trata-se da primeira colecção de romances da tradição oral moderna alguma vez publicada em Portugal, e mesmo em toda a Península Ibérica. Inclui 33 versões. 343 Na introdução do vol. II, diz-se sobre o I vol. (que, publicado em 1843, apenas continha poemas da autoria de Garrett, alguns —a maioria— inspirados em textos tradicionais) ter ele sido “o primeiro livro d’ esta collecção, o qual todavia, repitto, 344 só deve considerar-se como introducção a este que agora chamo segundo, mas que em realidade vem a ser o primeiro do Romanceiro”. 345 Os vols. II e III são, portanto, na práxis garrettiana, a consagração da categoria que vimos nascer para a imprensa em 1845: os textos que se devem publicar são os provenientes da tradição (não os “inspirados” nos textos tradicionais), ainda que retocados (bastante). 346 canção lírica Vida de Marujo, a qual, do mesmo modo que a Nau Catrineta, parece ter sido muito apreciada pela gente do mar (sobre o uso da Vida de Marujo no âmbito duma “chegança” celebrada pelos pescadores na praia de Quarteira, ver Maria Aliete Galhoz, Romanceiro Popular Português, II, Lisboa, Centro de Estudos Geográficos, I.N.I.C., 1988, nota à versão nº 1087). Na p. 2, indica-se a data de estreia d’ O Mineiro de Cascaes: 8/1/1850. 342 J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, II: Romances Cavalharescos Antigos, e III: Romances Cavalherescos Antigos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851. Note-se que o termo “Cavalharescos” do subtítulo do Vol. II é uma gralha, corrigida na errata que vem no fim desse volume (p. 303). 343 Uma dessas versões (Dom Duardos) deve ser de origem exclusivamente livresca. Além das referidas 33 versões, a obra inclui ainda (na parte final do vol. III) mais 4 poemas que nunca existiram na tradição e foram, portanto, copiados de fontes escritas, como aliás o próprio Garrett deixa mais ou menos explícito. 344 Este “repitto” refere-se sem dúvida a uma passagem da introdução do I vol. (que aliás já citámos) onde se diz: “este volume é a primeira parte, ou mais exactamente a introducção [do Romanceiro], e [...] apenas contêm o que eu [...] designarei com o título de Romances da renascença” (p. xxii). 345 Romanceiro, II, p. xliv. Algumas páginas antes, Garrett dissera já algo muito parecido: “A primeira parte e volume do presente Romanceiro deve ser considerada como a introducção d’ esta segunda e das que se lhe seguem” (p. ix). 346 No entanto, não nos atreveríamos a dizer que, em 1851, Garrett considerava uma coisa caduca e do passado (definitivamente enterrada em 1843) a ideia de o romanceiro poder servir, também, para a escrita de poemas originais. Na verdade, é um facto que, na introdução do II vol., Garrett continua (como em 1828) a fazer referências ao papel que o romanceiro deve desempenhar na reforma da poesia culta, o que, obviamente, 110 No prólogo que acompanha cada uma das versões, o autor comenta o romance em causa, apresentando, por vezes, atestações suas em obras antigas, e tentando também estabelecer a respectiva origem nacional e época de nascimento, observações feitas em geral com bases —aos olhos de hoje— muito frágeis, por vezes simples impressões pessoais. 347 Sem dúvida mais importante para a História dos estudos romancísticos é o facto de Garrett apontar paralelos que os romances portugueses têm em comum com a tradição velha mostra que, para ele, em 1851, os romances não tinham apenas interesse do ponto de vista científico. “O meu offício —escreve na referida introdução— é [...] mostra[r] aos novos engenhos [...] os typos verdadeiros da nacionalidade [...] que em nós mesmos, não entre os modelos extrangeiros, se devem incontrar” (p. vi). E chega até a dizer: “Fiz para isso ésta collecção de exemplares, de documentos, de estudos e observações” (p. vii). Não nos parece, no entanto, que Garrett encarasse as versões dos vols. II e III do Romanceiro como uma espécie de catálogo de temas para versos a ser usado por poetas cultos, algo semelhante aos dois textos tradicionais que, em 1828, ele publicara na Adozinda (só que, em 1851, as novas Adozindas ainda não estavam escritas e ficariam ao cuidado dos vindouros). Sem dúvida que para Garrett (o qual, neste aspecto, segue ideias que circulavam entre os românticos em geral e, em última análise, vêm de Herder, como vimos) a poesia popular possuía grandes qualidade, que a poesia culta deveria imitar. Mas, neste momento da sua carreira, quer-nos parecer que, ao falar do Romanceiro como “colecção de exemplares”, Garrett não estava a pensar numa influência de tipo temático (como a que é visível no I vol. do Romanceiro). De qualquer modo, qualquer que fosse o que tinha em mente ao escrever essas palavras, a verdade é que elas não podem apagar as três declarações que, como atrás vimos, Garrett faz sobre o carácter de simples introdução que tinha o I volume. E, sobretudo, essas palavras não podem apagar o facto de, nos vols. II e III, os textos não estarem publicados (como acontece na introdução e nas notas da Adozinda) na sua “rudeza” primitiva. Não, os textos tradicionais são aqui versões factícias, em que Garrett quer apresentar a forma mais bela de cada romance, complementando tais versões, além disso, com variantes em notas de rodapé e prólogos de índole histórica e comparativista. Em 1851, o romanceiro quer, portanto, agradar ao leitor habituado às belezas estilísticas da literatura institucionalizada e, além disso, mostrar-se revestido com a dignidade de objecto de estudo, agradando, também, por este lado (ou, no pior dos casos, apenas por ele). Quem sabe se as palavras de Garrett sobre o romanceiro enquanto modelo da poesia erudita não são mais um modo de justificar (perante o público e, talvez mesmo, perante si próprio) a novidade dos vols. II e III? Quem sabe se elas não constituem, afinal, a declaração de alguém não totalmente seguro do valor desses volumes, ou, pelo menos, do acolhimento que iria receber uma colecção de poesia do povo, que, por muito retocada que estivesse (e, de facto, estava), não era a Adozinda ou os outros “romances reconstruídos”. 347 Um exemplo: “Não sei porquê, mas sinto que [o Conde Nilo] tem o ar francez ou proençal. Ou talvez normando? Da nossa Hespanha é que elle não me parece oriundo. Tudo isto porêm é sentir; julgar não, que não tenho por onde” (III, p. 8). 111 castelhana e a anglo-escocesa. Para tal, serve-se das colecções de Durán, e Walter Scott, 351 348 Ochoa, 349 Percy 350 cujos textos por vezes transcreve. Quanto a pontos de teoria, parece apoiar-se em Scott, 352 Durán 353 e Lockhart. 354 Além disso, encontramos em vários lugares da obra certas ideias que são comuns a toda a reflexão romântica sobre a literatura oral. 348 355 De este autor, Garrett começa por usar a edição de 1832 (ver Romanceiro, I, p. xvii). Mais tarde, porém, já perto de acabar a sua obra, conhece “a novissima edição” de 1849-1851, “obra de summo gôsto e trabalho” (II, p. 233). Quantos aos paralelos castelhanos velhos que Garrett indica a partir de Durán, limita-se, por vezes, a assinalar a sua existência (ver II, p. 300), mas, noutros casos, transcreve integralmente o texto espanhol (por exemplo, II, pp. 83-4, a versão velha do Conde da Alemanha). A leitura do Romancero general leva Garrett, aliás, a desdizer algumas afirmações que antes fizera sobre a não existência de determinados romances na tradição espanhola (ver, por exemplo, a correcção de certa passagem do vol. II que aponta no vol. III, p. 283). Além de se servir do livro de Durán para localizar paralelos na tradição velha, Garrett usou-o (e também o Tesoro de Ochoa) com outro importante fim: o de retocar as versões portuguesas, processo a que nos referiremos com algum pormenor mais adiante. 349 A partir do Tesoro de Ochoa (1838) transcreve Garrett vários textos [ver, por exemplo, II, pp. 15- 6, em que dá um fragmento duma versão velha do Regresso do Marido em –é (Primav. 156) e uma versão do raríssimo Romance de la linda infanta (Canc. s. a., fol. 193v), cuja situação inicial recorda a da Bela Infanta na tradição portuguesa]. 350 O levantamento de paralelos na tradição anglo-escocesa é, por razões óbvias, mais difícil (e mais arriscado) do que na tradição velha castelhana. Garrett refere três, a partir da colecção de Percy: Romanceiro, II, p. 5 (cf. Reliques, II, p. 102); Romanceiro, II, p. 157 (ver Reliques, III, pp. 70-1); e Romanceiro, III, p. 174 (cf. Reliques, II, pp. 68-71). O primeiro e o terceiro de tais paralelos parecem-nos injustificados. De referir que, no terceiro destes casos, as informações fornecidas também no prólogo por Garrett sobre Jorge V da Escócia, pretenso autor da balada em causa e dum outro poema ao mesmo assunto, foram extraídas de Percy (ver Reliques, III, p. 67-8). O alto conceito de Garrett sobre a “estimada collecção” de Percy (II, p. 5) é visível no facto de citar (II, p. 6) algumas linhas escritas por Scott em que se diz ser aquela uma obra inexcedível (ver a passagem original em Scott, Minstrelsy of the Scottish Border, cit., I, p. 28). 351 No prólogo da Rosalinda (Romanceiro, I, pp. 180-181), romance inspirado, em parte, no Conde Ninho, Garrett transcreve (a partir da ed. de 1838 do Minstrelsy) duas estrofes duma balada escocesa onde surge o motivo das plantas nascendo das covas dos amantes separados. Cita também um extracto da lenda em prosa de Tristão e Isolda onde surge o mesmo motivo, e que explicitamente diz ter tirado de Scott (as estrofes da balada e os fragmentos da lenda estão em Scott, Minstrelsy, cit., III, p. 338 e nota respectiva). No prólogo do Dom Claros de Além-Mar, Garrett transcreve (II, p. 191) alguns versos da balada escocesa acima referida que com este romance têm, de facto, algo em comum (ver Scott, op. cit., III, pp. 335-6). 112 352 Em duas passagens do vol. II do Romanceiro, Garrett menciona a teoria de Scott segundo a qual “os romances populares foram quasi todos em sua origem poemas mais longos e mais completos, que os menestreis depois incurtavam e truncavam para os poderem cantar em dous ou tres lays quando muito [...] Que d’ ahi ficaram assim pela memoria do povo, e assim vieram até nós” (II, 40). Garrett tem as suas dúvidas sobre tal teoria —a qual volta a referir mais à frente (ver II, 211)—, e afirma que o contrário também poderia acontecer, ou seja, que por vezes “seriam os poetas ou os collectores lettrados que da xácara popular fizeram o romance mais longo” (loc. cit.). “Estou fortemente capacitado —diz à laia de conclusão—de que ora uma ora outra coisa succedia, e que é difficil dizer quando ésta ou quando aquella se fez” (loc. cit.). A referida teoria de Scott (que, mais tarde, adoptada por Milà i Fontanals, será usada para explicar a origem do romanceiro a partir das canções de gesta) está exposta nas “Introductory Remarks on Popular Poetry” (Minstrelsy, cit., I, pp. 14-5), onde se diz, por exemplo: “the longer metrical romances [...] where reduced to shorter compositions, in order that they might be chanted before an inferior audience” (p. 14), e mais à frente: “We are left to conjecture whether the originals of such ballads have been gradually contracted into their modern shape by the impatience of later audiences, combined with the lack of memory displayed by modern reciters, or whether, in particular cases, some ballad-maker may have actually set himself to work to retrench the old details of the minstrels, and regularly and systematically to modernise, and if the phrase be permitted, to balladise, a metrical romance” (loc. cit.). De Scott terá também vindo a Garrett a ideia de que os romances são contemporâneos dos acontecimentos que narram. Esta teoria está mais ou menos implícito em certas passagens do Romanceiro, como a seguinte: “É visivel que este romance [o Conde da Alemanha] foi composto para celebrar um facto real e historico, alguma d’ essas negras e sanguinolentas tragedias que tam frequentes se representavam nas escuras camaras de nossos antigos paços e solares. Nenhuma justiça ousava intender n’ esses crimes dos grandes, nenhuma voz os denunciava; e apenas o trovador ou o jogral em sua ronda de terra em terra, de tôrre em tôrre, ia repettir, longe n’ uma, o que muito longe d’ alli tinha ouvido n’ outra: — eccchos vagos e confusos da historia verdadeira que nem elle saberia nem ousaria contar toda” (II, pp. 75-6). Esta teoria está, porém, explicitamente expressa noutra passagem: “Os poetas populares não compunham as suas rhapsodias senão sôbre factos recentes. O que passou da historia escripta para os versos é ja feito pelos poetas lettrados de uma civilização — superior não sei, porêm mais adeantada” (II, p. 181). A mesma teoria encontra-se já, como dissemos, em Scott, que em repetidos lugares deixa mais ou menos explícita a sua concepção de que as baladas históricas são contemporâneas dos acontecidos nelas narrados. Vejamos alguns exemplos: “The cause of Sir Patrick Spens’ voyage is [...] pointed out distinctly [na balada intitulada precisamente Sir Patrick Spens]; and it shows that the song has claims to high antiquity, as referring to a very remote period in the Scottish history” (Minstrelsy, cit., I, p. 215; o motivo da viagem de Sir Patrick narrada na balada é ir buscar à Noruega a neta do rei Alexandre III da Escócia, rei que, como informa Scott, faleceu em 1285); “The date of the ballad [refere-se a Auld Maitland] cannot be ascerteined with any degree of accuracy. Sir Richard Maitland, the hero of the poem, seems to have been in possession of his estate about 1250” (op. cit., I, p. 233); “It seems reasonable to believe that the following ballad [Lord Maxwell’s Goodnight] must have been written before the death of Lord Maxwell, in 1613; otherwise there would have been some allusion to that event” (op. cit., II, p. 175). 113 353 A ideia de que o romanceiro é avesso ao maravilhoso (que, como um pouco mais adiante veremos, se encontra em Garrett também numa passagem em que tal parece derivar de palavras de Lockhart), surge pelo menos noutro ponto da obra do escritor português: “é hoje averiguado que a poesia primitiva da nossa peninsula rarissima vez admitte o maravilhoso [...] Composição em que elle appareça, quasi sem hesitar, se deve attribuir a origem franceza, franco-normanda, ou mais seguramente ainda á dos bardos e scaldos que por essas vias se derivasse até nós” (Romanceiro, III, p. 88). É possível aproximar estas frases de outra de Durán, talvez uma das autoridades que, como diz Garrett, “averiguaram” tal teoria: os romances históricos, “donde descuella y se ostenta mas nuestro caracter nacional”, “carecen del color maravilloso que caracteriza los poemas franceses é italianos de igual género. Ni Fadas, ni Genios, ni Encantadores, ni ficción alguna árabe se encuentra en aquellos, [...] la parte que constituye lo maravilloso es allí puramente cristiana” (Romancero de romances caballerescos é históricos, cit., I, pp. xxviii e xxix). De Durán —como já dissemos a propósito do I vol. do Romanceiro— é muito provável que venha também a concepção da anterioridade do romance em relação à lírica atestada na obra de Garrett em 1843. 354 “A traducção elegante de Mr. Lockart[sic], [...] n’ aquella tam linda e fastosa edição de Londres de 1841 [...] mais que nenhuma coisa me inspirou e animou no meu trabalho, porque é um monumento grandioso da extraordinaria importancia e valia que este genero de coisas está merecendo á Europa culta” (Romanceiro, I, p. xviii). Não obstante o tom entusiástico desta frase, parece-nos que a influência efectiva de tal obra sobre o Romanceiro foi muito pequena, e apenas a conseguimos determinar num ponto do II vol. da colectânea. De facto, no prólogo de O Caçador (Romanceiro, II, p. 18), Garrett refere a tradução que Lockhart fizera da versão velha da Infantina, e, um pouco mais à frente, escreve: “o sobrenatural d’ esta historia parecese mais com as crenças, e superstições, ainda hoje existentes no nosso povo, das moiras incantadas”, ao contrário do “romance castelhano, propriamente ditto, [que] nunca se lançou no maravilhoso das fadas e incantamentos” (pp. 20 e 19). Ora esta última afirmação parece ecoar um comentário que Lockhart faz precisamente à Infantina: “The following is one of the few old Spanish ballads in which mention is made of the Fairies” (J. G. Lockhart, Ancient Spanish Ballads; Historical and Romantic, 4th ed., London, John Murray, 1853, p. 105). Numa recente edição do Romanceiro, inclui-se o fac-símile de “alguns apontamentos para o romanceiro”, manuscrito de Garrett (ver Romanceiro, org. de Augusto da Costa Dias, Maria Helena da Costa Dias e Luís Augusto Costa Dias, I, Lisboa, Editorial Estampa, 1983, pp. 271-3). Trata-se, nem mais nem menos, que de notas tiradas por Garrett da introdução da obra de Lockhart, e mesmo da tradução ou resumo de passagens de tal colectânea (ver Lockhart, Ancient Spanish Ballads, cit., pp. v-xi). A verdade, porém, é que não detectámos vestígios de tais apontamentos nas introduções ou nos prólogos do Romanceiro. Almeida Garrett por mais duma vez transcreve, além da versão velha castelhana (paralelo do texto português em causa), a tradução inglesa que dela fez Lockhart [ver, por exemplo, II, pp. 63-71, tradução a que antes chamara (pp. 41-2) “linda versão ingleza”]. De notar, por fim, que sobre a obra de Lockhart, Garrett enviou a Gomes Monteiro (carta datada de Lisboa, 1/1/1842) o seguinte conselho: “Mande vir de Londres [...] a última edição de Lockhart’s Spanish Ballads, que é uma bela e esplêndida coisa” (Obras, cit., I, p. 1407). 355 Por exemplo, quando Garrett diz que o Conde da Alemanha tem “o stylo d’ aquella simplicidade sublime e verdadeiramente antiga que é o sêllo das composições originaes e primitivas, de quando a arte, 114 Ao contrário do que aconteceu com o I vol., o II e o III vols. do Romanceiro suscitaram apenas, tanto quanto conseguimos determinar, recensões de circunstância, sem especial valor. 356 O Método Editorial Criativo de Garrett Estes dois volumes seguem de modo ainda mais claro o modelo das colecções de Percy e Scott que já encontrámos adoptado no I vol. Assim, cada romance está representado por uma única versão, reconhecidamente um texto factício, e os textos foram objecto dum método editorial muito “criativo”. A ideia que está na origem da adopção de tais processos é, como se imaginará, a de que a tradição oral estraga os textos, os afasta da forma correcta, que é a primitiva. É essa forma perfeita que, com esses processos, Garrett quer recuperar, ou, pelo menos, dela se aproximar o mais possível. Eis um dos mais significativos exemplo das muitas declarações de Garrett sobre o carácter corruptor da tradição e do que ela o “obrigou” a fazer: [O Gerinaldo] entre nós é dos que andam mais desfigurados e corruptos. Eu tive de reunir varios fragmentos para o restituir. [...] As variantes não são muitas, porque não pude considerar como taes as ligaturas absurdas com que partes do romance andavam cozidas a partes egualmente desconjunctadas de outros, dos quaes tive de o estremar para reunir o que felizmente achei que acertava e quadrava n’ um todo completo. São infinitas e mui disparatadas as variantes que desprezei na maior parte ao emendar conjecturalmente o romance. Tambem não valia a pena de as 357 mencionar em nota. Quanto às declarações em que, com a maior das naturalidades, refere ter construído versões factícias, são também numerosas. Veja-se apenas um exemplo, um daqueles, aliás, em que o método aparece melhor explicado: espelho ainda rudo porêm ainda ingenuo, não faz mais do que reflectir a natureza, mas reflecte-a com toda a verdade” (II, p. 74), ou que o Dom Aleixo tem “um viço, um frescor de originalidade que recende. Todo elle respira a graça desaffeitada da poesia primitiva” (II, p. 86). 356 Ver, todos de autor anónimo, os seguintes textos: “O Romanceiro”, Revista Popular, IV, nº 43 (Novembro 1851), p. 416; “Bibliographia”, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, IV, nº 14 (13/11/1851), p. 168; e “Revista Litteraria de 1852”, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, V, nº 25 (30/12/1852), pp. 292-293. 357 Romanceiro, II, pp. 156-7. 115 Este romance [o Frei João] é vulgar na Extremadura e Beira e nas duas provincias d’ alêm Tejo. Seguiu-se [, no estabelecimento do texto,] principalmente o exemplar vindo de Castello-Branco, que era o mais amplo; mas approveitou-se de outras licções provinciaes o que foi necessario para lhe 358 dar complemento. Um aspecto importante do fabrico das versões factícias por parte de Garrett é o seu recurso a versões velhas espanholas. Este uso corresponde, aliás, a uma lógica impecável (pelo menos no modo de ver de Garrett); se não, vejamos. Com as versões factícias, visa-se obter um texto o mais próximo possível do estádio inicial, entretanto corrompido pela tradição. Para isso, o editor deve escolher, de entre as versões que possui, a que lhe parecer menos incorrecta, porque isso indica que é a mais antiga (a ideia de “correcção”, claro, depende quase só do subjectivismo de cada um, já que, nesta época, estamos ainda muito longe de quaisquer veleidades positivistas de recuperação “científica” do arquétipo). Usando essa versão como base, o editor tratará, então, de a corrigir (sobretudo de a completar) usando versos presentes nas outras versões, os versos que pareçam ser antigos (e não “refacimentos” modernos, de que Garrett foge como da peste) e sejam bonitos (o que, por si, é garantia de antiguidade, claro, uma vez que o tempo mais não fez do que destruir, nada trazendo de bom). Nesta linha de pensamento, como as versões velhas espanholas foram recolhidas numa época muito anterior à das versões portuguesas de que Garrett dispõe, elas apresentam, ipso facto, um texto melhor. Portanto, um modo seguro de corrigir as versões portuguesas modernas é guiar-se pelos textos antigos castelhanos que a elas correspondam. Eis o que Garrett exprime com clareza quando, ao falar do modo como fixou o texto do Gaifeiros e Melissenda, de que possuía muitas versões, diz: Appurei por todas ellas o texto como aqui o dou, recorrendo, nas frequentes difficuldades e dúvidas em que me achei, á licção castelhana tal como a dá Duran, que assevera tê-la copiado [...] de um codice muito antigo que tinha á 359 vista. E é sabido o resultado que o influxo do texto de Durán teve no caso do Gaifeiros: 358 359 Romanceiro, III, p. 50. Romanceiro, II, p. 245. 116 Garrett ampliará, profundamente, as versões tradicionais com que contaria [...] transformando-as num extensíssimo romance. [...] Para esta amplificação serão traduzidos versos de Durán e criadas novas sequências de intriga para o aproximar da versão castelhana. [...] a intriga deste romance garrettiano não só segue de muito perto a versão de Durán como se afasta decididamente da versão tradicional. [...] Garrett viu-se obrigado, julgando demasiado fragmentárias as versões tradicionais [...] a amplificar, desmedidamente, o seu 360 romance mediante a versão de Durán. Por outro lado, um aspecto importante das relações entre Garrett e os textos antigos espanhóis é a necessidade que se vê que ele sente de mostrar (ou melhor, de afirmar) que a sua versão, a que possui (recolhida em Portugal, na actualidade) é sempre, num aspecto ou noutro, melhor que a versão velha espanhola correspondente. Nem sempre este confronto, presente na maioria dos prólogos do Romanceiro de Garrett, tem sido encarado do modo, a nosso ver, correcto. De facto, tal afirmação de superioridade das versões portuguesas não nos parece que venha (ou, pelo menos, que venha sobretudo) de sentimentos nacionalistas antiespanhóis, os quais, aliás, só a partir de finais dos anos 50 do séc. XIX se vieram a fazer sentir com força entre a intelectualidade portuguesa (em reacção aos projectos da chamada União Ibérica). A explicação parece-nos ser outra (ou, pelo menos, sobretudo outra): para Garrett, o perigo —que era preciso vencer— das versões castelhanas velhas não residia no “castelhanas” mas sim no “velhas”. E parece lógico que assim fosse: para ele o que a tradição fazia era estragar o texto primitivo, esse, sim, perfeito, o qual, infelizmente, não chegara até nós, e que era preciso tentar recuperar. A essência da literatura tradicional, a sua criatividade (do ponto de vista diacrónico ou sincrónico) não era, de modo algum, entendida por Garrett (nem por quase nenhum dos colectores de baladas ou romances, até cerca de 1850). Assim, a seus olhos, não se justificaria de modo algum publicar novas versões dum romance de que já houvesse alguma anteriormente recolhida e publicada (pior ainda se publicada séculos antes...), a não ser que a versão que agora se publicava fosse melhor (e, felizmente para Garrett, o ser “melhor” é algo de muito elástico e subjectivo) que a versão já publicada. É que, seguindo a lógica da teoria romântica sobre a etnoliteratura, o facto de ser 360 Pere Ferré, “Influências de Agustín Durán e Eugenio de Ochoa no Romanceiro de Almeida Garrett”, in María Rosa Álvarez Sellers (org.), Literatura portuguesa y literatura española. Influencias y relaciones, València, Facultat de Filología, Universitat de València, 1999, pp. 294, 296 e 297. Para um confronto pormenorizado entre a versão de Garrett e a de Durán, ver pp. 294-7. Neste artigo, o autor estuda vários outros casos em que versões velhas espanholas (conhecidas através de Durán) serviram de guia ao trabalho “restaurador” a que Garrett entendeu dever submeter as suas. 117 boa era consequência do facto de ser antiga, e, portanto, ser melhor do que outra era consequência de ser mais antiga do que a outra, e, portanto, mais próxima do original perdido (e perfeito). De outro modo, se os seus textos não fossem melhores, uma colecção de versões orais recolhidas no séc. XIX mas de que já havia versões correspondentes publicados no séc. XVI não passaria dum conjunto de repetições sem sentido. Assim como nenhum autor romântico pensaria em, depois de estar publicado o Eu tinha umas asas brancas, escrever e, menos ainda, publicar uma remodelação desse poema, do mesmo modo nenhum colector (ou leitor) romântico acharia lógico publicar duas versões do mesmo romance — sobretudo se, pela data de publicação dum deles, ficasse claro qual era, necessariamente, “o original”. A não ser, claro, que o editor conseguisse provar que o pretenso original não o era e que a versão moderna que estava a publicar, embora recolhida numa época muito posterior, representava uma forma anterior à forma reflectida no texto quinhentista. Eis, no nosso entender, a razão por que Garrett, quase obsessivamente, quando conhece, na tradição velha espanhola, uma correspondência das versões que publica, tenta mostrar que as suas, embora recolhidas só agora (infelizmente para ele, isso era indesmentível...), eram, no entanto, melhores que os textos velhos. O tipo de transformações a que Garrett submeteu os textos, ou seja, o seu método editorial criativo, não foi ainda objecto duma análise do tipo daquelas que, como atrás vimos, mais ou menos já foram feitas para Percy ou Scott. E, infelizmente, tal análise parece não poder nunca ser feita com tanto grau de certeza como no caso dos dois autores britânicos, já que, como é sabido, de Garrett se não conservam propriamente originais de recolha, apenas alguns textos menos retocados que os publicados em 1851. De qualquer modo, recorrendo a esses textos e, ao mesmo tempo, ao confronto com as versões que, dos romances em causa, foram obtidos da tradição oral por outros autores (posteriores, mas fiáveis), Pere Ferré fez, recentemente, uma importante tentativa. 361 Esta experiência constitui, parece-nos, o modelo a seguir no estudo do método editorial de Almeida Garrett, e, além do mais, mostra o que provavelmente poderá ser feito em casos (da tradição portuguesa ou de outra qualquer) 361 Pere Ferré, “Oralidad y escritura en el romancero portugués” (inédito). Trata-se dum texto apresentado em 2001, na Faculdade de Filologia da Universidade Complutense de Madrid, num ciclo de conferências promovido pelo Seminario Menéndez Pidal. Embora o texto em causa tenha um propósito mais geral (como o título deixa antever), uma parte importante dele é dedicada à análise do método editorial de Garrett, partindo do estudo de caso dum romance específico: o Regresso do Navegante. Muito agradecemos ao autor a oferta duma cópia do texto, o qual deve ser publicado em breve, nas actas do referido ciclo de conferências. 118 semelhantes ao de Garrett, ou seja, sempre que, embora faltem os originais de campo, exista uma boa quantidade de versões orais fiavelmente editadas, mesmo que não da mesma época do texto “criativamente” editado. No estudo que Pere Ferré fez do método de Garrett, ainda que baseado no estudo dum único romance, encontram-se resultados que, provavelmente, se repetirão sem grandes diferenças na análise doutros romances. E dizemos isto porque, mais uma vez, voltamos a encontrar, agora em Garrett, transformações editoriais muito semelhantes às que já conhecemos do método de Percy e de Scott, e que visam, nomeadamente: — amplificar a acção, acrescentando-lhe pormenores; — colmatar os hiatos da narrativa próprios do estilo oral; — corrigir erros gramaticais (por exemplo, a convivência, na mesma frase ou em frases seguidas, da terceira pessoa do singular e da segunda do plural); — elevar o nível de língua do texto (mesmo que à custa da introdução de vocábulos nada próprios do discurso que se esperaria encontrar na classe social e regional de onde provinham aqueles romances); — melhorar o estilo (nomeadamente através da eliminação das repetições de termos típicas do estilo narrativo tradicional). Como se imaginará, tais transformações visam (do mesmo modo que em Percy ou Scott) restituir aos textos a pureza que, pensava Garrett, estes tinham possuído em épocas passadas, e que a rodagem na tradição oral lhes tinha feito perder. A pureza originária é, naturalmente, identificada com a época em que os romances teriam nascido e isso explica, aliás, um aspecto em que o método de Garrett se afasta diametralmente do de Percy ou Scott: a questão dos arcaísmos. O autor inglês e o escocês, visando dar ao leitor contemporâneo um texto que ele lesse com agrado e, por isso mesmo, sem dificuldades, decidiram eliminar muitas vezes os termos ou construções arcaicos, substituindo-os por formas mais modernas. Garrett, pelo contrário, estava empenhado em dar aos seus textos, ainda que recolhidos da oralidade na primeira metade do séc. XIX, o aspecto que eles teriam tido séculos antes, se possível no momento em que foram escritos. Assim, preferindo, de longe, a patina medieval à facilidade de leitura pelo público seu contemporâneo, inventa muitas formas arcaizantes, que não existiam, nem em embrião, nos textos recolhidos. A invenção dessas sobrevivências modernas de termos antigos punha em prática uma ideia que, como vimos, vem pelo menos de Herder: o povo rural, ao contrário da burguesia citadina, soube manter a essência nacional, identificada com a Idade Média. 119 Duas características do método editorial adoptado por Garrett (a saber, a decisão de formar versões factícias ou de corrigir a versificação, que são as únicas que Scott expressamente admite fazer) podem vir da leitura da introdução e dos prólogos de Walter Scott. Mas as restantes características introduzidas pelo autor português nos seus textos só muito dificilmente podem ser fruto do Minstrelsy, pois que, neste, não foram enunciadas. Logo, estas últimas características, não podendo ser (pelo menos na sua totalidade) simples coincidência, parece-nos que constituem mais uma prova a favor da hipótese que pusemos ao falar das semelhanças entre os métodos de Percy e Scott: o facto de editores diferentes encararem de modo semelhante a literatura oral (e a literatura em geral) levou-os a adoptar, independentemente uns dos outros, um método editorial muito parecido, em países e mesmo épocas diferentes. 1852 Num livro de poemas originais, Francisco Palha publica uma versão da Donzela Guerreira. 362 O texto (intitulado Dona Guiomar) está numa secção do livro chamada “Romances Populares”, onde, além deste, se incluem dois poemas da autoria de Palha inspirados em romances tradicionais. 363 Dona Guiomar está, porém, muito longe dessas recriações e, pelo contrário, com excepção do final (desde a partida de D. Marcos da guerra para ver o pai “moribundo”), é bastante parecida com as versões tradicionais. Luís Ribeiro publica um artigo sobre a poesia tradicional, nomeadamente o romanceiro. 364 Trata-se dum artigo merecedor de destaque, sobretudo atendendo a que é dos raros textos exclusivamente teóricos que, sobre o assunto, encontrámos nas nossas investigações. 362 363 365 Nele se veiculam algumas das teorias românticas mais correntes —ainda F[rancisco] Palha, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1852, pp. 97-109. A Infanta de Castella (pp. 55-85) e A Aposta do Rei. Lenda popular (pp. 87-94), a que nos voltaremos a referir no capítulo sobre a balada romântica. 364 Luiz Ribeiro [de Sottomaior?], “Cantos Populares de Portugal”, A Peninsula, I, nº 46 (15/12/1852), pp. 545-547. 365 Se exceptuarmos as publicações de Garrett e Silva Leal a que já nos referimos, apenas conhecemos, antes deste artigo de Ribeiro, a série de A[lmeida] G[arrett], “Da Poesia Popular em Portugal”, Revista Universal Lisbonense, V, nº 37 (5/3/1846), pp. 439-441; nº 38 (12/3/1846), pp. 450-452; nº 39 120 que modificadas pela visão pessoal de Ribeiro—, sobretudo a diferença entre poesia artística e poesia popular, oral. 367 366 e as consequências perniciosas que a instrução tem na vida da tradição Além disso, fruto claro da leitura do Romanceiro de Garrett, este artigo debruça-se também sobre a definição de “romance”, “xácara”, “solau” e “sirvente”. 368 (19/3/1846), pp. 460-462; nº 40 (26/3/1846), pp. 473-475; e nº 41 (2/4/1846), pp. 483-485, posteriormente aproveitada no Romanceiro, II (1851). 366 Há dois tipos de poesia, explica Luís Ribeiro: “a poesia da arte” e “a poesia do povo”. “A primeira só apparece, quando as naçoens tem já atravessado a infancia da civilisação [...] A sua obra não é o producto de inspiração espontanea e apaixonada; mas o resultado do estudo e do raciocinio [...] A segunda para se fazer ouvir não tem mais do que escutar o coração” (p. 545). Trata-se, obviamente, duma teoria difundidíssima desde o Sturm und Drang, que encontrámos já expressa em Herder. Note-se, porém, que em Ribeiro, esta distinção não é acompanhada (como nos autores alemães) por uma crítica à poesia artística, a qual, no máximo, poderá estar implícita quando, conforme vimos, se diz dela que “não é o producto de inspiração espontanea e apaixonada”. Mas a concepção de que ela é própria das “naçoens [que] tem já atravessado a infancia da civilisação” parece, no mínimo, não ter uma conotação negativa. Ribeiro não opõe a “poesia popular” à “poesia artística”, escrita, culta, de inspiração clássica (como faz Herder), mas sim a algo diferente. De facto, depois de falar dos temas da “poesia popular”, afirma: “é impossivel contar n’ esse numero as cançoens frias e monotonas, em que o povo se apraz hoje e que não passam de um reflexo pallido, grosseiro e por vezes abjecto das suas paixoens”. Tal desdém pela “poesia popular” de “hoje” encontra um paralelo em Herder (na introdução do II vol. dos Volkslieder), quando o autor alemão (de modo bem mais clarificador que Ribeiro) identifica essa poesia com a do povo miserável das cidades, o Lumpenproletariat, “la plebe dei vicoli, che non canta e non fa mai poesia, ma urla e storpia i versi” (apud Parvopassu e Rizzuti, “A salti e lanci, cit., p. 238). Se é verdade que a mesma visão classista e negativa desse tipo de poesia une o autor alemão e o português, não deixa de ser sintomático que, como dissemos, se não encontre em Ribeiro a crítica da poesia artística. Trata-se, provavelmente, de consequência do pouco enraizamento que as teorias românticas alemãs tiveram na literatura portuguesa, a qual, como é sabido, apresenta um Romantismo muito mitigado e que, afinal, nunca foi (nem provavelmente quis ser) “producto de inspiração espontanea e apaixonada; mas o resultado do estudo e do raciocinio”. 367 “A poesia do povo nasce porque o povo sente; porque um affecto ou uma ideia o domina; mas a expressão d’ este affecto ou d’ esta ideia é impensado e sem analyse. O povo canta o que lhe affectou os sentidos ou a imaginação sem pensar no effeito, sem pensar na fórma das suas melodias [...] entôa esses hymnos despidos de toda a arte, mas encantadores pela sua propria singeleza e graça natural: — mas dae a esse povo instrucção e vêde o resultado. Perdendo com a educação das escólas a simplicidade d’ affectos, o povo tem d’ instrucção quanto basta para vêr a distancia immensa, que o separa da gente culta e não poder julgar nem sentir do mesmo modo, que julgavam e sentiam seus avós. O povo d’ antes pensava cantando; agora pensa e analysa antes de cantar, está muito logico para se satisfazer com a singeleza antiga; e o seu resultado é que a inspiração espontanea se perde no exame e que dotado apenas d’ uma instrucção limitada e obrigado a procurar a vida no trabalho 121 Este texto de Luís Ribeiro constitui a introdução duma projectada série em que se dariam a conhecer “cantos populares” inéditos, mas de que, infelizmente, apenas saiu mais um artigo. Nele, o autor publica uma versão de Aposta Ganha + Aliarda + Conde Claros 369 Frade. Os últimos 12 versos (curtos) devem ser invenção de Ribeiro, mas, até aí, o texto tem aparência de genuíno. 1854 material, o povo não pôde supprir pelo desenvolvimento do espirito o que perdeu de singeleza natural. [...] É um facto: — o povo deixou de ser poeta desde que conheceu a analyse” (p. 546). A teoria aqui apresentada é, conforme vemos, apenas uma consequência das anteriores concepções de “poesia popular” e “poesia artística”: ao ser exposto a um pouco de “estudo e [...] raciocinio” (dos quais, como observámos, procede a “poesia artística”), o povo perde a “inspiração espontanea e apaixonada” que produzia a “poesia popular”, sem que, no entanto, adquira a capacidade de criar “poesia artística”, pois não foi suficiente a instrução recebida, que se revela, portanto, um verdadeiro malefício. De sublinhar também que, nestas passagens, encontramos explicitadas mais claramente do que antes as ideias de Ribeiro sobre a “poesia popular”: tal poesia é sinónimo de algo “impensado e sem analyse”, de coisas “despid[a]s de toda a arte”, mas que a “gente culta” (a quem uma “distancia immensa” separa do povo) sabe achar “encantador[a]s pela sua propria singeleza e graça natural”, ou seja, por aquilo que essa gente não tem, uma vez que, ao contrário do povo, já passou a “infancia da civilisação”. É desnecessário sublinhar o carácter reaccionário de tais ideias, que apontam numa direcção bem diferente daquela que encontrámos indicada, por exemplo, nestas palavras de Herder que já anteriormente transcrevemos: “le nostre anime sono oggi formate in modo diverso, per motivi di generazioni e in conseguenza dell’ educazione dei giovani. Noi quasi non vediamo e non sentiamo più, bensì pensiamo e almanacchiamo soltanto; non facciamo più poesia su e in un mondo vivo, nella tempesta e nel mescolarsi di tali oggetti e sentimenti, ma rendiamo artificioso ogni nostro tema e ogni modo di tratarlo, o entrambe le cose” (apud Parvopassu e Rizzuti, “A salti e lanci, cit., p. 109). 368 Ver p. 546. Embora Garrett já teorize no I vol. do Romanceiro (pp. 160-1 e 211-2) sobre os três primeiros subgéneros mencionados por Luís Ribeiro, as ideias expostas no presente artigo procedem do artigo garrettiano de 1845 (sobre o Bernal Francês) ou, o que será mais provável, da reedição que dele se faz no II vol. do Romanceiro (na introdução do mencionado romance). Na verdade, é neste texto a propósito do Bernal Francês que Garrett, além de definir os três subgéneros citados (ver pp. 121-3), refere também outros, entre eles a “sirvente” (ver p. 127), de que fala Ribeiro. 369 Luiz Ribeiro [de Sottomaior?], “Cantos Populares de Portugal. I: O Conde de Montealvar”, A Peninsula, I, nº 47 (23/12/1852), p. 561. Neste artigo não há nenhum texto de Ribeiro, apenas a transcrição do romance, não acompanhada, aliás, de nenhum dado sobre o informante ou o local de recolha. 122 Deste ano (ou de pouco antes) parecem datar as primeiras recolhas de João Teixeira Soares de Sousa (na ilha de São Jorge, Açores). Embora o seu interesse pela poesia oral seja, explicitamente, fruto do exemplo de Garrett (aliás, foi pensando em enviar-lhe as versões que Soares de Sousa começou as suas pesquisas), 370 o modo como o colector jorgense encara essa poesia é muito diferente e, para a época, notável a todos os títulos. É digno de realce, sobretudo, o respeito que ele demonstra pela letra dos textos. 371 1855 Seguindo numa linha de que encontrámos já vários exemplos, Mendes Leal publica uma peça, passada na Idade Média, em que uma criada canta um fragmento (16 versos 372 curtos) do Conde Alarcos. 370 O texto está retocado. Diz ele em carta a Teófilo Braga (9/11/1867): “Vivia ainda Garrett [o qual faleceu em 9/12/1854] quando nos propozemos recolher o Romanceiro popular cavalheiresco d’ esta ilha com o fim de lhe aproveitar nas subsequentes edições do seu Romanceiro. Tinhamos empregado n’ essa tarefa pouco tempo e exercido as nossas investigações em uma pequena área, quando a notícia da sua morte nos fez suspender o nosso trabalho” [Theophilo Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria (1860-1900). Cartas [...] [a Theophilo Braga], com um prologo (“Autobiographia Mental de um Pensador Isolado”) por ..., Lisboa, Typographia Lusitana— Editora Arthur Brandão, 1902, pp. 28-9]. 371 Sobre a “figura invulgar” de Teixeira Soares de Sousa e o seu papel na história do romanceiro português, ver Pere Ferré, Ro ma n c ei ro Po r tu g u ê s d a Tra d içã o O ra l Mo d e rn a . Ve r sõ e s p u b lica d a s en t re 1 8 2 8 e 1 9 6 0 , e st ud o i ntro d u t ó rio , o r ga n iza ção e fi x ação d e ..., co m a co lab o r ação d e Cr is ti n a Car i n ha s, R a mo n d o s S an to s d e J es u s e E va P a rra no , I, Li sb o a, F u nd aç ão Calo u s te G ul b en k ia n, 2 0 0 0 , pp. 73-6; e Maria Teresa Alves de Araújo, Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa. Questões de história e teorização, tese de doutoramento, Lisboa, F. C. S. H., Universidade Nova de Lisboa, 2000, pp. 67-81. 372 José da Silva Mendes Leal Junior, A Herança do Chanceller, Lisboa, Typographia do Panorama, 1855, pp. 81-2. A acção da peça decorre em 1433. Na cena em causa, Briolanja, “sergenta” de D. Branca da Cunha (filha de João das Regras), “fiando, lhe canta na melopea popular” o romance. Ao acabar este, Briolanja comenta: A trova diz: ‘bem casados’ (Suspirando) Se o fossem mal, a Sylvana Tendo o conde uma semana Melhor purgava os peccados. 123 1856 Data deste ano o começo das recolhas de Estácio da Veiga, explicitamente feitas sob influência de Garrett, cujo Romanceiro pretendia “completar”, no que diz respeito ao Algarve. 373 1858 Temos um sinal de que, nesta época, o romance de Bernal Francês era tão conhecido pelo público leitor que uma alusão a ele era facilmente reconhecida. Assim, se explica que o seu nome apareça no título dum artigo de jornal, 374 onde se conta um acontecimento real muito parecido com a história do romance. Note-se que desta última nada se diz, sem dúvida porque tal não era preciso. 375 Por este comentário, percebe-se mais claramente que o romance é usado na peça como uma alusão interna: na verdade, D. Branca corre o risco de vir a ser malcasada, pois querem obrigá-la a um casamento contra sua vontade. 373 “Muitas e riquissimas rapsodias existem [...] exclusivamente no abrigo da memoria popular; e mais eu disto me convenci desde que em 1851 o illustre Garrett publicou o terceiro volume do seu apreciavel Romanceiro, no qual dá por terminada a acquisição dos romances [...]. Daqui inferi eu então, que o nosso poeta não aspirava a abranger maior espaço; e se me reverdecêram logo na reminiscência outros cantares, senão mais bellos, muito mais queridos para mim, porque tinham sabido arreigar-se-me n’ alma, quando ainda na minha provincia natal os rapidos dias da infancia me corriam ledos e venturosos! Passados alguns annos occorreu-me investigar, até onde chegasse o meu alcance, o que, além dos romances populares já publicados, alli haveria de mais notavel e digno de compilar-se” (S. P. M. Estacio da Veiga, Romanceiro do Algarve, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1870, p. xxxi). Como veremos com mais pormenor no capítulo próprio, Veiga voltou a fazer recolhas no Algarve em 1857 e 1858. 374 Anónimo, “O Bernal Francez em Acção”, O Futuro, 22/6/1858, p. 2. 375 O artigo começa assim: “Já lá vão bastantes annos, e se as tendencias poeticas passadas ainda hoje vigorassem, de certo inspiraria um novo poema tão sentido, mas menos tragico no desfecho, o incidente que vamos contar”. E narra uma história que, de facto, é muito parecida com a do Bernal Francês, só que, no fim, o marido parte “para uma viagem no estrangeiro” e a mulher entra “para um recolhimento expiar tardiamente as culpas que commettera”. 124 Neste ano, como veremos a seu tempo, talvez tenha sido concluída a organização do Romanceiro do Algarve, de Estácio da Veiga, obra que, porém, só sairá em 1870. 1860 Dois autores alemães publicam aquela que é a primeira tradução em certa escala de romances portugueses, embora compreendida numa antologia ibérica. portugueses 377 376 Os romances aí incluídos são 15, ao que parece todos versões do Romanceiro de Garrett. Os textos são apresentados apenas em tradução. 378 Maria Peregrina de Sousa publica uma versão da Nau Catrineta. O texto (que vem assinado por D. Maria Peregrina, como se fosse considerado obra sua) está visivelmente retocado. 379 376 Emanuel Geibel e Adolf Friedrich von Schack, Romanzero der Spanier und Portugiesen, Stuttgart, J. G. Cotta’scher Verlag, 1860. 377 378 A nacionalidade dos textos portugueses é expressamente indicada no índice. Maria Peregrina de Souza, A Náo Catarinêta, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 9, pp. 131-134. Quanto à datação deste vol. da revista, diga-se que, no frontispício, ele traz a indicação de ser de 1857. Porém, pelo menos parte dos fascículos incluídos neste volume são posteriores a tal data, já que neles há vários poemas datados de anos sucessivos, até 1860. Por este motivo, decidimos colocar este volume d’ A Grinalda entre as obras publicadas em 1860. 379 Numa nota (assinada “o redactor”) aposta ao título do texto, diz-se: “Cantiga popular, actualmente quasi esquecida nas aldeias, melhorada e accrescentada pela Exmª. Snrª. D. Maria Peregrina de Souza” (p. 131; sublinhado nosso). Observe-se ainda que esta Nau Catrineta apresenta muitas parecenças com a versão publicada por Garrett no Romanceiro, II (1851). Tal facto pode ter duas explicações: ou a versão garrettiana segue muito mais de perto do que se pensa a letra dum texto tradicional, ou então (o que é mais provável) a versão recolhida por D. Maria Peregrina foi, para a publicação, “polida” com base no texto de Garrett. Vejam-se duas passagens bastante suspeitas da versão da autora portuense: D’ esta náo Catarinêta D’ ella vos quero contar: Annos sete e mais um dia Sempre na volta do mar; Já não tinham que beber, 125 A mesma Maria Peregrina de Sousa publica uma versão de Conde Claros Insone + 380 Conde Claros e a Princesa Acusada + Conde Claros Frade. anterior, é assinada por D. Maria Peregrina) está muito retocado. O texto (que, tal como o 381 Já não tinham que manjar; Solas puzeram de môlho Para esse dia jantar (p. 131) [...] Acima, gageiro, acima... Áquelle topo real, Mira se enxergas Hespanha, Ou terras de Portugal. Não vejo terras de Hespanha, Nem praias de Portugal; Vejo só espadas nuas Para matar-te sem al (pp. 131-132) 380 Maria Peregrina de Souza, D. Carlos e D. Clara, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 11, pp. 161- 163. No fim, a versão está datada de 5/5/1859. Deste texto parece ter existido uma lição intitulada D. Carlos de Montemar (note-se que é este o nome que a personagem tem igualmente na presente versão). De facto, Leite de Vasconcelos (Ensaios Ethnographicos, I, Espozende, Collecção Silva Vieira, 1891, p. 235, e nota 4) informa possuir o manuscrito duma “xacara” de D. Maria Peregrina com o referido título. Diz também ter, manuscritas, da mesma autora, outras “xacaras, como A nau Cathrineta [...], O cego, Mal de saudades, que são, com leves alterações, copiadas da boca do povo”. A primeira destas é muito provavelmente A Náo Catarinêta publicada n’ A Grinalda, de que antes demos conta; das duas restantes, não temos notícia de estarem publicadas. 381 A própria autora diz (p. 161, em nota): “Esta cantilena popular a compuz o melhor que soube, sem lhe tirar o estylo primitivo nem o entrecho”. Além de o discurso estar muito alterado ao longo de quase todo o texto, há, no que diz respeito à história, algumas partes que parecem acrescentos, como, por exemplo, quando o conde se dirige às “mulheres do soalheiro”, pedindo-lhes novas da princesa, e elas lhe respondem que aquela está “nas hortas a degolar”. Por outro lado, nalgumas passagens omitem-se partes da história como ela aparece nas versões tradicionais: por exemplo, não há conversa entre o conde e o mensageiro —aqui, uma criada— que leva a carta da princesa, nem há conversa, no fim, entre o conde disfarçado e Claralinda, limitando-se ele a raptá-la. 126 1861 Estácio da Veiga publica uma versão algarvia de Santo António e a Princesa. 382 É precedida por uma introdução (mais tarde republicada no Romanceiro do Algarve, como prólogo deste romance), o que a torna a primeira versão apresentada como tendo interesse “erudito” que se publica em Portugal depois dum interregno de 10 anos (desde 1851, data do Romanceiro de Garrett, II e III vols.). O texto da versão é o claro resultado do método editoral criativo. Este artigo foi republicado, no mesmo mês, noutro jornal. 383 Uma nota da redacção que, aqui, acompanha o texto de Veiga parece apontar para a consciência de que um artigo sobre o romanceiro era coisa que já se não lia em Portugal há anos, desde a morte de Garrett. 384 1863 Sai nova edição dos II e III vols. do Romanceiro de Garrett. 385 Inclui os mesmos textos da ed. de 1851 (Garrett falecera entretanto, em 1854). 1864 Obra póstuma do lusófilo alemão Bellermann, sai uma antologia de poemas portugueses, apresentados no original e em tradução. 382 386 A obra é ocupada sobretudo por S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve”, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), pp. 83-84. 383 384 A Epoca, 15/6/1861, p. 1. De facto, nesta republicação, o artigo de Estácio da Veiga é antecedido por um texto da redacção, em que se diz, nomeadamente: “O genero a que hoje se dedica o consciencioso escriptor [i. e., Veiga], é de muito interesse e encanto, mas quasi olvidado pelos nossos engenhos, é portanto mais recommendavel o seu merecimento e ainda mais digno da curiosidade publica”. 385 J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, II e III: Romances Cavalherescos Antigos, 2ª ed., Lisboa, Viuva Bertrand e Filhos, 1863. 127 romances tradicionais. 387 Destes, 18 são republicados do Romanceiro de Garrett, e dois estavam provavelmente inéditos. 388 Um deles 389 apresenta um texto que não parece ter sido retocado. 386 Christ[ian] Fr[iedrich] Bellermann, Portugiesische Volkslieder und Romanzen. Portugiesisch und Deutsch mit Anmerkungen herausgegeben von Dr. ... Nachgelassenes Manuskript des Herausgebers, Leipzig, Verlag von Wilhelm Engelmann, 1864. 387 Para lá dos romances tradicionais (e de várias outros textos de proveniência oral), a obra inclui a Noite de S. João (“romance reconstruído” de Garrett) e o famoso romance em espanhol sobre a batalha de Alcácer Quibir (“Puestos están frente a frente”) [ver Miguel Leitão de Andrade, Miscellanea, reed. facsimilada da 2ª ed. (1867), introdução de Manuel Marques Duarte, Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1993, pp. 161-3]. 388 Trata-se duma Santa Iria (pp. 20-23) e duma Donzela Guerreira (pp. 64-75). Sobre a proveniência do primeiro destes textos, Bellermann nada diz, mas não conseguimos descobrir a sua fonte, sendo provável que estivesse inédito. Quanto ao segundo, Bellermann (como mais abaixo veremos) informa que o recolheu em Lisboa. O problema é que esta Donzela Guerreira apresenta muitas semelhanças inquietantes com a versão publicada por Garrett em 1851. Foram sem dúvida tão grandes semelhanças que levaram Pere Ferré e Cristina Carinhas a considerar que a versão de Bellermann era apenas uma republicação do texto garrettiano (ver Bibliografia do Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna (1828-2000), Madrid, Instituto Universitario Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense de Madrid, 2000, item LXXXIX.179, p. 102). Sobre a sua versão, escreve Bellermann: “consegui este romance em Lisboa, tal como se popularizou na zona de Sete Rios e Benfica, mais completo que o texto garrettiano” (“ich erhielt die Romanze in Lissabon, wie sie in dortiger Gegend in Sete Rios und Benfica volksthümlich geworden war, vollständiger als der Garrett’sche Text”, p. 270), mas já se sabe que este tipo de afirmações muitas vezes não são de fiar. É um facto que o texto de Bellermann tem muitas passagens iguais ou extremamente parecidas com a versão de Garrett (em geral, com a lição adoptada para texto-base, mas, por vezes, com uma das variantes transcritas em nota de rodapé, sobretudo, nestes casos, a apresentada como própria de Lisboa), nomeadamente do v. 75 até ao fim (v. 132). Mas não deixa de ser verdade que alguns outros versos são bastante diferentes na versão de Bellermann e parecem tradicionais, sobretudo vv. 1 “Altas guerras se apregoarão”, 6-7 “Sem nenhum filho varão! / Respondeo lhe a mais pequena”, 50 “E compridos ficarão”, 57-8 “Oh minha mai, minha mai / Que eu morro de coração”, 62 “Para ir ao jardim passear”, 66 “Aos cravos se foi pegar”. A estes versos correspondem-lhes, no texto garrettiano, os seguintes, bastante diferentes: 1 “Ja se apregoam as guerras” (e a variante “Pregoadas são as guerras”), 6-7 “Sem nenhuma ser barão!... / Responde a filha mais velha”, 30 “Nunca d’ ellas sahirão”, 31-2 “Senhor pae, senhora mãe, / Grande dor de coração”, 36 “Para ir comvosco ao pomar” (em variante, aparece “jardim”, mas sozinho, sem qualquer indicação de verbo a usar no verso, 40 “O camoez foi apanhar” (e a variante “Á lima se foi pegar”). Por outro lado, a versão de Bellermann inclui algumas passagens que, parecendo tradicionais, faltam no texto de Garrett, tendo vindo muito provavelmente da oralidade: “— ‘Como pode isso ser, 128 12 Se á guerra só homens vão!’— ‘Deme armas e cavallo 14 Que eu serei filho varão.’ ‘Como podes ir a guerra, 16 Filha do meu coração, Tendes os cabellos loiros 18 Filha, conhecer vos ão.’ ‘Deme ca uma tissoura 20 Vellos-ha cahir no chão.’” Outra passagem de Bellermann que falta em Garrett e tem todo o aspecto de ser tradicional (até pelo facto de a palavra “benção” surgir como aguda e pelas deficiências métricas dos vv. 55-6) é a seguinte: “Deme armas e cavallo 52 Que eu serei filho varão. Adeos pai e minha mai, 54 Deite me a vossa benção. Eu vou para a guerra, 56 Defender el Rei Dom João.” A hipótese que nos parece mais possível para explicar o texto de Bellermann é que ele, de facto, ouviu e recolheu uma versão da Donzela Guerreira, provavelmente incompleta, sobretudo do v. 75 até ao fim. Então, conhecendo a versão de Garrett, foi buscar a ela a longa passagem em causa e incorporou-a ao seu texto, e também outras passagens menores que, no seu texto, parecem demasiado semelhantes às de Garrett. Deste modo, o seu texto tornou-se bastante mais comprido, e (tendo ele conservado certas passagens que não têm correspondência em Garrett), “mais completo que o texto garrettiano” (132 vv., face aos 104 vv. de Garrett), como Bellermann faz questão de sublinhar, deixando claro que, assim, o seu texto é melhor que o do mestre. Além disso, e com o mesmo objectivo de atingir a perfeição representada, a seus olhos, pelo modelo de 1851, Bellermann deve também ter retocado muitos dos versos da sua versão, com base na de Garrett, e isso explicará todas as semelhanças demasiado grandes existentes entre ambas em muitos versos ao longo do texto. Processo similar foi adoptado explicitamente pelo mesmo Bellermann na versão que publica da canção narrativa Deus te salve, Rosa (ver, no subcapítulo seguinte, o ano de 1864), embora aí a base do publicado tenha sido a lição garrettiana, retocada com variantes extraídas dum texto recolhido por Bellermann. Por outro lado, como adiante veremos, um perfeito paralelo encontra-se no Regresso do Navegante publicado por Estácio da Veiga, que, com base na versão garrettiana, alterou e completou a sua, de modo a poder ultrapassar o modelo que, para qualquer autor posterior, representaria o Romanceiro de 1851. 389 Referimo-nos à Santa Iria. 129 Teófilo Braga publica, na importante Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, uma versão do Lavrador da Arada, 390 recolhida por Gomes Monteiro. 391 A versão, que não evidencia retoques visíveis, é antecedida por um estudo relativamente longo. 392 Trata-se dum artigo de índole comparativista, onde se referem lendas de outros países em que, tal como no romance ibérico, aparecem deuses que se fazem passar por peregrinos e pedem hospitalidade aos homens. Citam-se exemplos (da Antiguidade Clássica, da China, passos dos evangelhos, e várias lendas europeias) extraídos, sobretudo, de monografias de autores estrangeiros, nomeadamente Maury (Essai sur les légendes pieuses du Moyen-Âge) ss. de Bretagne). 394 393 e Lobineau (Vie des Este artigo é, ao que julgamos, o primeiro que Braga dedicou à literatura oral (tinha ele então 21 anos) e anuncia a importante série de estudos que, no ano seguinte, o autor publicará, sobretudo no Jornal do Comércio, como veremos. 390 Theophilo Braga, “Poesia Popular”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, V, pp. 306- 307. Na Biblioteca Nacional, o volume da Revista Contemporanea em que este artigo está incluído tem, no frontispício, os seguintes dizeres: “Quinto anno / Abril de 1864 / V/ Lisboa, Escriptorio da Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 1865”. Este frontispício parece corresponder à edição em livro da revista, feita em 1865, começando este volume no número de Abril de 1864, e acabando (como adiante veremos) no de Março de 1865. Com excepção do referido fascículo de Abril, os fascículos não têm frontispício nem qualquer indicação de data. No entanto, é possível reconhecê-los, separá-los uns dos outros e datá-los, porque têm todos a mesma estrutura: começam com o retrato dum escritor (em gravura), a que se segue a biografia do mesmo, continuam com vários artigos, e acabam com uma “Chronica do Mez” (por Julio Cesar Machado) e uma “Chronica de Modas” (por Clotilde Z.) ou uma “Chronica Bibliographica” (por Ernesto Biester). Tendo isto em atenção, o fascículo em que se insere o artigo de Teophilo Braga deve ser de Setembro de 1864. O volume termina com o que parece ser o fascículo correspondente ao mês de Março de 1865, perfazendo-se, assim, um ano. 391 De facto, informa Braga ser ao “sr. José Gomes Monteiro a quem devo esta legenda popular” (p. 307, nota 1). Tal é confirmado por uma carta de Monteiro a Teófilo (datada do Porto, 13/10/1863), publicada in Theophilo Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria, cit., pp. 18-19. 392 393 Art. cit., pp. 302-6. I. e., L.-F.-Alfred Maury, Essai sur les légendes pieuses du Moyen-Âge ou examen de ce qu’ elles renferment de merveilleux, d’ après les connaissances que fournissent de nos jours l’ Archéologie, la Théologie, la Philosophie et la Physiologie médicale, Paris, Librairie Philosophique de Ladrange, 1843. 394 I. e., Dom Gui-Alexis Lobineau, Les Vies des saints de Bretagne et des personnes d’ une éminente piété qui ont vécu dans la même province, avec une addition à l’ Histoire de Bretagne, Rennes, Par la Compagnie des Imprimeurs-Libraires, 1725 (há uma ed. moderna de 1836-37, que talvez seja a que Braga consultou). 130 1865 São anteriores a esta data as recolhas de Tomás Ribeiro (na Beira) e José Maria da Ponte e Horta (no Algarve), que parece terem contido romances. Delas, infelizmente, nada mais se sabe. 395 Logo no início do ano, Teófilo Braga publica um novo artigo na Revista Contemporanea, desta feita sobre os Descobrimentos como tema literário. 396 No que diz respeito à literatura oral, fala da Nau Catrineta, seguindo as ideias de Garrett sobre a origem deste romance. Refere vários textos latinos e de estudiosos modernos, nomeadamente a obra de Maury que já citara no artigo de 1864. O mesmo Braga publica, desta feita no Jornal do Comércio, uma série de artigos sobre literatura oral, onde, aprofundando a linha dos dois saídos na Revista Contemporanea, mostra muito maior conhecimento dos temas do que a revelada pelos estudiosos portugueses que o precederam, incluindo Garrett. Além disso, Braga afasta-se dos estudiosos anteriores sobretudo por um desejo de cientificidade mais ou menos positivista, que lhe vem da convivência com obras modernas estrangeiras (especialmente francesas) de cariz comparativista, histórico e antropológico. No que diz respeito ao romanceiro, estes artigos tratam do seguinte: 395 Conhecemos tais recolhas pela referência que lhes faz Palmeirim, o qual se propõe publicar esses textos quando “o nosso bondoso e illustrado amigo o sr. Thomaz Ribeiro nos fornecer, como espontaneamente nos prometteu, uma collecção de cantigas dos cegos pedintes da Beira, provincia da naturalidade do distincto autor do D. Jayme. Egual promessa nos foi feita pelo nosso amigo o sr. José Maria da Ponte e Horta, benemerito lente da eschola polytechnica, e amador conscencioso de assumptos litterarios, especialmente dos que revelam amor ás coisas da terra natal. O sr. José Horta é filho do Algarve, uma das provincias mais por explorar em relação ás artes e á poesia” (L. A. Palmeirim, “A Poesia nos Campos”, Archivo Pittoresco, VIII (1865), nº 23, p. 184; a série de artigos com este título, publicada em vários números da revista, foi republicada na obra do autor Galeria de Figuras Portuguezas. A Poesia Popular nos Campos, Porto e Braga, Livraria Internacional de Ernesto Chardron—Editor, 1879, pp. 1-47). Tendo em atenção o que se conhece do reportório habitual dos “cegos pedintes”, estas duas recolhas (ou pelo menos a de Tomás Ribeiro) deveriam constar de romances e canções narrativas. 396 Theophilo Braga, “Poesia da Navegação Portugueza”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, V, pp. 513-523. Pelas nossas contas, o fascículo em que saiu este artigo deve ser de Janeiro de 1865. 131 — Republicação do texto do Lavrador da Arada que saíra em 1864, acompanhado por uma nova versão (em geral, acrescentada) do respectivo estudo introdutório. 397 — Menção da lenda de Virgílio (de que nascerá o romance do mesmo título, a que, porém, Braga se não refere), do romance de Silvana (i. e., de Delgadinha), que diz “tem uma similhança profundissima com a Myrra da poesia grega”, e do romance da Filha do Imperador de Roma, que “parece uma tradição da sociedade byzantina”. 398 Explica que o conhecimento de tais histórias clássicas chegou à tradição popular na Idade Média, através da sua difusão em sermões, nos quais os pregadores introduziam por vezes “contos, muitas vezes licenciosos e facetos, e fabulas de Esopo, a que chamavam Exemplos”. Braga cita vários estudiosos estrangeiros modernos, sobretudo Chassang, Histoire du roman. 399 — O tema da Nau Catrineta. Braga refere a propósito várias relações de naufrágios e transcreve uma versão do romance, conforme “a recolhemos novamente da tradição popular”. O texto não parece retocado e não foi republicado por Braga em nenhum dos seus romanceiros. 400 — A propósito do maravilhoso na poesia tradicional, Catrineta, de que transcreve um fragmento. 402 401 Teófilo menciona a Nau Transcreve também 403 a Nossa Senhora dos Mártires (romance da autoria de Estácio da Veiga, mas que este apresenta como recolhido da oralidade), 404 que diz ser “com pouca differença” igual a uma lenda referente à vida de São Patrício (embora, na verdade, tal nos não pareça). Essa semelhança mostraria o carácter 397 398 Teophilo Braga, Jornal do Commercio, “Lenda Popular da Hospitalidade”, 24/5/1865, p. 2. Teophilo Braga, “Do Cyclo Greco-Romano na Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 23/8/1865, p. 3. 399 I. e., Alexis Chassang, Histoire du roman dans l’ Antiquité, Paris, Didier, 1862. 400 Teophilo Braga, “A Lenda da Nau Catharinetta”, Jornal do Commercio, 1/9/1865, p. 3. 401 Teophilo Braga, “Maravilhoso da Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 9/9/1865, pp. 2-3, 20/9/1865, p. 3 e 26/9/1865, p. 2. 402 Tal fragmento (transcrito no nº de 20/9, p. 3), é, embora Braga não o diga, um excerto que Garrett dá em nota quase no fim da sua versão (ver Romanceiro, III, p. 92). 403 404 Loc. cit. Como veremos no capítulo dedicado à balada romântica de carácter medievista ou popular, esse romance está incluído num artigo de Veiga intitulado A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim, que saiu pela primeira vez n’ A Nação (18/8/1860, pp. 1-2). Foi depois republicado três vezes, uma deles na Estrella d’ Alva [II, nº 20 (Agosto 1861), pp. 149-152], de onde Braga, segundo informa, o transcreve. 132 céltico da tradição portuguesa. Cita alguns autores estrangeiros modernos, nomeadamente Xavier Marmier [“Traditions de la Suisse”, Rev[ue] de Paris, IX (1841)] e Renan (Poésie des races celtiques). 405 — A propósito dos subgéneros antigos e modernos da poesia tradicional portuguesa, 406 fala dos heptassílabos e da rima vocálica (que teriam origem nos hinos da Igreja Católica) 407 e de crónicas castelhanas em que há por vezes prosificação de romances. 408 1866 O último artigo do conjunto publicado por Braga no Jornal do Comércio sai já 1866 409 e é sobre a Donzela Guerreira. 405 406 Nele, o autor transcreve uma versão portuguesa, cujo texto I. e., Ernest Renan, La Poésie des races celtiques, Paris, Imprimerie Claye, 1854. “Discussão das Formas da Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 11/10/1865, p. 3; 21/10/1865, p. 3; 7/11/1865, pp. 2-3; 24/11/1865, p. 3; e 8/12/1865, p. 1. 407 Art cit., nº de 11/10, p. 3. É de pôr a hipótese de que esta teoria lhe tenha vindo através de Ochoa (cf. Tesoro, cit., pp. xxiv-xxv). 408 Dá dois exemplos dessas prosificações (loc. cit.), os quais, tal como a referida teoria, pareceriam provir das Memorias para la Historia de la poesía española, 1774, do Pe. Martín Sarmiento, que Braga cita. É difícil saber se este conhecimento lhe terá vindo da leitura da obra original, ou da sua referência e transcrição por outro autor mais moderno. Teresa Araújo, ao falar doutra menção que, bastante mais tarde (em 1902, na Historia da Poesia Popular Portugueza. As Origens), Braga faz à teoria de Sarmiento, propõe que a fonte do autor português possa ter sido o De la poesía heroico-popular de Milà i Fontanals, saída em 1874, onde se resumem as ideias de Sarmiento (ver Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna, cit., pp. 336-7, n. 670). Obviamente, porém, esta não pode ser a fonte de Teófilo, uma vez que, como vemos, já em 1865 (bem antes da obra de Milà) ele mencionara a opinião do erudito setecentista. 409 “Do Elemento Anonymo nas Litteraturas do Meio Dia da Europa. I: Origem do Romance ‘Donzella que Vae á Guerra’”, Jornal do Commercio, 20/1/1866, p. 1. Como se vê pelo subtítulo, este artigo apresenta-se como o primeiro duma série. Porém, não obstante tenhamos folheado a colecção do jornal até ao fim de Julho de 1866, não encontrámos mais nenhum artigo de Teófilo Braga. É muito provável que, entretanto, o autor, ao publicar em fins de Novembro de 1865 o seu opúsculo (Teocracias Literárias) sobre a Questão Coimbrã, se tivesse tornado personna non grata para o jornal. Na verdade, essa famosa polémica começa em Outubro de 1865, e o Jornal do Comércio coloca-se do lado de Castilho, publicando (entre 22/11/1865 e 31/7/1866) vários artigos, sobretudo de Pinheiro Chagas (e ainda de Osório de Vasconcelos, Ricardo Guimarães, um grupo de intelectuais brasileiros e do próprio Castilho), contra Antero e Teófilo [ver 133 (“que recolhemos em umas poesias no Minho” [sic]) não parece retocado. Refere paralelos daquele romance, transcrevendo uma balada italiana publicada por Nigra (autor de quem cita a opinião sobre a origem provençal da Donzela Guerreira), e menciona a existência do mesmo tema num “canto slavo” e num “canto grego moderno”. 410 Lembra ainda o pequeno fragmento duma versão em espanhol citado por Jorge Ferreira de Vasconcelos (e a que Garrett já se referira), facto que, segundo faz notar (na esteira, aliás, do visconde), prova que, embora ausente dos romanceiros castelhanos (e das poucas mostras de romances então conhecidos da tradição oral moderna espanhola), tal romance deveria ter existido também em Espanha. Noutro periódico, Teófilo Braga republica o texto do Lavrador da Arada que saíra em 1864 e 1865, assim como a nova versão (de 1865) do respectivo estudo introdutório. 411 1867 412 Braga publica uma História da Poesia Popular Portuguesa, cujo objectivo, revelado pelo título, espanta sem dúvida por o autor ter achado possível atingi-lo numa época Maria José Marinho e Alberto Ferreira, A Questão Coimbrã (Bom Senso e Bom Gosto), apresentação crítica, selecção, notas, linhas de leitura e pontos de orientação de ..., Lisboa, Editorial Comunicação, 1989, pp. 24-38]. 410 Tanto a balada piemontesa como o conhecimento dos outros dois poemas devem ter chegado a Teófilo Braga através da leitura duma obra de Nigra. Não é ela os célebres Canti popolari del Piemonte, saídos apenas em 1888; deve tratar-se, sim, dum artigo que não pudemos consultar, mas sobre o qual o próprio autor italiano escreveu o seguinte: “Nel 1854 io pubblicai una lezione [...] di questa canzone [a balada La Guerriera] nel giornale torinese ‘Il Cimento’, con paralleli coi canti illirici e greci [em nota, especifica: “anno II, fasc. XVIII”]. Nel novembre del 1858 ne pubblicai poi tre lezioni, con varianti, nella ‘Rivista contemporanea’, aggiungendo ai paralleli coi canti greci e slavi anche quello col canto portoghese Donzella que vai á guerra” (Costantino Nigra, Canti popolari del Piemonte, prefazione di Giuseppe Cocchiara, I, Torino, Giulio Einaudi editore, 1974, p. 340). Dos dois artigos referidos por Nigra, o que Braga leu deve ter sido o de 1858, pois (como se deduz dos Canti, pp. 341 e 342), é ali que o autor italiano apresenta pela primeira vez a sua teoria sobre a origem provençal da Donzela Guerreira, teoria que, como vimos, é citada por Teófilo. Acrescente-se que, mais tarde, Braga volta a referir-se a este artigo de Nigra indicando claramente que o leu na Rivista contemporanea, 1858 (ver Romanceiro Geral, p. 165). 411 Theophilo Braga, “Lenda Popular da Hospitalidade”, O Instituto, XIII, nº 5 (1866), pp. 115-8. O romance propriamente dito está na p. 118. 412 Theophilo Braga, Historia da Poesia Popular Portugueza, Porto, Typographia Lusitana, 1867. 134 tão prematura, em que ainda tanto e tanto havia a estudar. Mas o espírito de Teófilo ansiava pelas grandes sínteses e não recuou perante a pequena quantidade de versões de que podia dispor e a ainda menor quantidade de estudos teóricos. A obra, em grande parte, é uma repetição das palavras escritas em 1864-66 nos artigos da Revista Contemporanea e do Jornal do Commercio. 413 No que diz respeito ao romanceiro, cita a “versão do Algarve” da Nau Catrineta (de Garrett) e ainda a Nossa Senhora dos Mártires (poema da autoria de Estácio da Veiga, como dissemos), que resume. 414 Neste ano, Braga publica também o primeiro dos seus romanceiros. canções narrativas, (16) 417 416 415 Além de 6 a obra inclui 56 versões de romances, em parte republicadas de Garrett e doutros autores (8). 418 Os textos inéditos, aqui publicados pela primeira vez, são 419 32. 413 Ver Maria Teresa Araújo, Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa, cit., pp. 136-148. 414 415 Ver op. cit., pp. 117-8. Theophilo Braga, Romanceiro Geral, colligido da tradição por..., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1867. 416 São elas: nº 19 (O Hortelão das Flores), nº 51 (Deus te Salve, Rosa), nº 52 (Os Conversados), nº 53 (Entre Canas e Caninhas), nº 54 (Na Escola de Cupido) e nº 61 (Vida de Freira). 417 Como se sabe, Braga não indica a origem dos textos que publica no seu Romanceiro Geral. O número que fornecemos relativamente às republicações de textos garrettianos, e os restantes dados que mais abaixo daremos sobre os textos publicados por Braga, foram deduzidos fundamentalmente a partir das informações contidas em Pere Ferré e Cristina Carinhas, Bibliografia do Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna, cit. 418 De Gil Vicente (nº 35, fragmento do Cid e Búcar, do Auto da Lusitânia), de Estácio da Veiga (nº 39, a Moura Encantada; nº 40, Nossa Senhora dos Mártires; e nº 44, Santo António e a Princesa), de Pereira da Cunha (nº 47, Santa Iria — ver atrás o ano de 1844), de Gaspar Frutuoso (nº 50, Terramoto de Vila Franca do Campo, das Saudades da Terra) e do próprio Braga (nº 5, Donzela Guerreira, e nº 43, Lavrador da Arada — ver atrás os anos de 1866 e 1864, respectivamente). 419 As versões inéditas são as seguintes: Regresso do Marido (nºs 1 e 2), Donzela Guerreira (nºs 3- 4), Gerinaldo (nº 6), Soldados Violadores (nº 8), Infantina (nºs 10 e 11), Bernal Francês (nº 13), Conde Ninho (nº 14), Conde Sol (nº 15), D. Aleixo (nº 16), Má Sogra (nº 17), A Princesa e o Segador (nº 20), Nau Catrineta (nº 23), Conde Preso (nº 25), Conde Alarcos (nºs 27 e 28), Conde da Alemanha (nºs 29 e 30), Conde Claros Frade (nºs 31-33), Cativo do Renegado (nº 41), Santa Iria (nº 46), Devota da Ermida (nº 48), A Touca da Virgem e a Alma Pecadora (nº 49), Falso Cego (nº 55), Frei João (nº 50), O Toureiro (nº 58), Batalha de Lepanto (nº 60) e Delgadinha (versão sem número, pp. 181-3). 135 Sublinhe-se que, ao contrário do que fizera Garrett, na presente obra vários dos romances aparecem em duas versões (e, num caso, mesmo em três), o que mostra uma visão muito diferente da vida do romanceiro oral. No que diz respeito à fidelidade com que os textos são apresentados, as versões que aqui se publicam pela primeira vez estão, geralmente, 420 muito mais próximas da oralidade do que acontecia na grande maioria dos autores precedentes. Quanto às versões que Braga republica doutras fontes, é claro que a fidelidade dos textos é a que eles que apresentavam nas obras donde são transcritas. Assim, as versões provenientes de Garrett são, como se sabe, todas retocadas, e dois dos textos republicados de Estácio da Veiga são completamente inventados. Portanto, só às versões inéditas se poderão aplicar as palavras que Braga (embora referindo-se à totalidade do corpus) escreve no prefácio da obra: “Esses sessenta 421 romances, que a todo o custo alcançámos de pessoas que não sabem dizer sem cantar [...] foram, por assim dizer, apanhados em flagrante delicto do enthusiasmo popular”. 422 Aliás, pouco depois, Teófilo é mais preciso: “protesto, em nome da probidade de homem e da intuição de artista, que todos os romances populares que da tradição recolhi são estremes e genuinos”. 423 O prefácio tem algumas passagens que marcam bem a diferença de paradigma que esta obra estabelece na História do nosso romanceiro. São aquelas em que Braga fala do desalento que o invadiu quando se apercebeu de que os textos que podia recolher da oralidade não tinham a perfeição dos de Garrett — e do modo como ultrapassou essa desilusão. As críticas de Teófilo ao método editorial do visconde e, sobretudo, a valorização que faz do princípio da verdade etnográfica, em detrimento do até aí omnipresente princípio da qualidade estética constituem, em Portugal, uma verdadeira novidade: Muitos dos romances que formam a presente collecção, já andavam na lição de Garrett melhor dramatisados, e com um colorido encantador. 420 A Vida de Freira (nº 61) é, no entanto, uma versão factícia, como o próprio Teófilo informa: “Estas coplas foram recebidas da Beira-Baixa em duas lições fragmentadas, que mal deixavam perceber o sentimento profundo que encerram. No Manuscripto nº 338 da Bibliotheca da Universidade [de Coimbra] existe uma outra lição em letra do seculo XVII [...] , pela qual podémos coordenar as lições da Beira-Baixa” (p. 214). 421 Verdadeiramente, a obra contém um total de 62 textos, dos quais 56, como dissemos, são romances. 422 423 Pp. vii-viii. P. viii (sublinhado nosso). 136 Desanimámos por vezes, quando confrontavamos as versões que recolhiamos com as d’ elle, sempre mais primorosas e extensas. Por fim vimos, e as palavras de Garrettt o confirmam, que elle por vezes de muitas variantes formava um só romance, supprindo versos, ou completando-os pelos manuscriptos do Cavalleiro de Oliveira. Assim apresentou um trabalho excellente sob o ponto de vista artistico, pelo gosto de Percy, mas não merece a absoluta confiança dos que quizerem surprehender a alma do povo na elaboração da sua poesia. [...]. Comparámol-os [os romances que Braga recolheu] com as versões de Garrett, e creio que aonde lhe são inferiores assenta a sua valia. [...] um sentimento de respeito venerando obrigou a conservar sempre na sua rudeza as coplas e narrativas que iamos recolhendo. [...] protesto, em nome da probidade de homem e da intuição de artista, que todos os romances populares que da tradição recolhi são estremes e 424 genuinos. De notar que, numa tentativa “científica” de restituir a tradicionalidade aos textos de Garrett, Braga republicou alguns deles separando-os em duas versões, formando o segundo texto com a ajuda das variantes que o Visconde apresentara em rodapé. 425 O Romanceiro Geral é complementado com comentários a boa parte dos romances, em geral de tipo histórico e comparativista. Braga refere muitas obras estrangeiras modernas, estudos ou colectâneas de textos tradicionais, onde aponta (e de que, por vezes, transcreve) paralelos de textos portugueses (nomeadamente, o Romancero general de Durán, o Tesoro de Ochoa, Amador de los Ríos, 426 Milà i Fontanals, 427 Nigra, 428 Marcellus, 429 Puymaigre, 430 etc.). De autores portugueses antigos cita, com pertinência, trechos que se ligam a alguns dos 424 425 Braga, Romanceiro Geral, cit., pp. vii-viii. Sobre a questão, ver Pere Ferré, Ro ma n cei ro Po r tu g u ês d a T ra d içã o Ora l Mo d ern a , cit. , I , pp. 78-9. 426 “Romanzen Asturiens”, Jahrbuch für romanische und englische Literatur, III (1861), pp. 268- 296. 427 Manuel Milá y Fontanals, Observaciones sobre la poesía popular, con muestras de romances catalanes inéditos, Barcelona, Narciso Ramírez, 1853. 428 Refere-se (p. 165) aos “interessantissimos estudos da poesia popular do Piemonte (Revista Contemporanea [,] de Turin, novembro de 1858)”, de Nigra, de onde traduz a versão duma balada (pp. 165-6). 429 430 Comte de Marcellus, Chants populaires de la Grèce moderne, Paris, Michel Lévy frères, 1860. Th[éodore] de Puymaigre, Les Vieux auteurs castillans, Metz, Rousseau-Pallez / Paris, Didier et Cie., 1861-62, 2 vols. Trata-se duma história da literatura antiga espanhola, com um capítulo sobre o romanceiro, em que Puymaigre cita e por vezes transcreve mesmo, a título comparativo, muitas versões de textos populares de vários países europeus, e donde Braga cita referências ou transcreve extractos de, por exemplo, textos franceses, italianos ou alemães. 137 romances que publica. 431 Assinale-se que, nalguns dos comentários deste livro, Teófilo aproveita bastante do que escrevera nos artigos de jornal de 1864-66. Um dos melhores frutos desta obra de Braga foi provavelmente o facto de ela ter reavivado o interesse de Teixeira Soares de Sousa pela recolha da poesia oral. De facto, em 1867, o ilustre jorgense remeteu a Braga o produto das suas pesquisas anteriores, feitas ao que parece, como dissemos, em 1854 (ou mesmo antes), a fim de ajudar Garrett. 432 Além disso, passou a colaborar com Teófilo, enviando-lhe numerosos materiais, transcritos ao que parece com grande fidelidade. 433 1869 434 Braga publica os Cantos Populares do Arquipélago Açoriano, (intitulada “Romanceiro de aravias”) é ocupada fundamentalmente 431 435 cuja segunda parte por uma colecção de 72 Além de vários passos de Gil Vicente, Braga cita a História de São Domingos, de Fr. Luís de Sousa (donde extrai a narrativa dum milagre que é paralelo do contado no romance de Nossa Senhora dos Mártires) e a Chronica dos Frades menores, de Fr. Marcos de Lisboa (onde se conta o milagre que é tema do romance Santo António e a Princesa). 432 Na sua primeira carta (de 9/11/1867), Teixeira Soares, depois de explicar que não chegara enviar os seus materiais a Almeida Garrett, por este ter morrido, diz a Teófilo: “Vimos pelos jornaes que v. se propunha a continuar a obra do grande mestre [refere-se, provavelmente, a uma notícia anunciando a próxima publicação do Romanceiro Geral de Braga, que, embora saído nesse ano de 1867, Soares ainda não possuía, pois só mais tarde fala dele —na carta de 24/6/68, pp. 32-33, onde, aliás, agradece a oferta]. Deparando acaso com alguma parte do que haviamos recolhido resolvemos remettel-a a v.” [Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria, cit., p. 30]. 433 Pelas várias cartas de Teixeira Soares a Braga (ver op. cit., pp. 29-64), pode seguir-se a sua colaboração com o autor micaelense, nomeadamente o percurso das suas recolhas. 434 Theophilo Braga, Cantos Populares do Archipelago Açoriano, publicados e annotados por..., Porto, Typ. da Livraria Nacional, 1869. 435 Entre os romances há, de facto, alguns textos que o não são. Trata-se de 9 canções narrativas (nºs 35, 36, 63-5, 72, 74, 77 e 80) e 2 líricas (nºs 60 e 79 —por lapso, há dois textos com o nº 79; a canção narrativa é o segundo deles). 138 versões de romances. Com excepção de três provenientes de fonte escrita, 436 parece terem sido recolhidas quase todas por Teixeira Soares de Sousa na ilha de São Jorge uma, estavam todas inéditas. 437 e, tirando 438 A grande maioria dos romances é apresentada em mais duma versão (o mais corrente é serem duas, havendo casos em que se chega a três ou mesmo cinco versões). Os textos parecem estar muito próximos da lição tradicional. No entanto, confrontando-os com os manuscritos enviados por Soares de Sousa que, em certos casos, chegaram até nós, é possível neles encontrar modificações editoriais. Assim, verificam-se retoques visando dar ao texto uma métrica perfeita, que, nalguns casos, são pequenos, não tendo consequências a nível além do fonético, 439 mas, noutros, são de maior envergadura, ocasionando, inclusive, a perca de certas estruturas paralelísticas, típicas do estilo tradicional. 440 Além disso, num texto, existe uma interpolação de três versos que se não encontram no manuscrito e que, ao 436 Trata-se do nº 57 (a versão de Flérida publicada por Garrett no Romanceiro, II, que Braga transcreve para comparação com o nº 56), nº 58 (Terramoto de Vila Franca do Campo, das Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso) e nº 59 [um Romance de Dona Inez de Castro, que Braga aqui publica sem se perceber porquê, e diz ter sido “achado entre os papeis velhos de um burguez honrado do Porto, escripto em letra dos fins do seculo XVIII” (p. 457); trata-se, no entanto, dum poema de Alexandre José Gomes Monteiro, publicado em 1842, como se pode ver no Apêndice nº 2 deste nosso trabalho]. 437 Exceptuam-se os nºs 30 e 75, recolhidos, respectivamente, na ilha de São Miguel e na Terceira. Desconhecemos quem tenha sido o seu colector, já que Soares de Sousa, como é sabido, vivia em São Jorge. De referir ainda que, no fim da obra (p. 471), Braga apresenta “um publico agradecimento ao snr. Dr. Antonio Pereira da Cunha, pela boa vontade com que interrogou a tradição popular da freguesia do Topo, na ilha de Sam Jorge”. Não sabemos que possa ter recolhido este colaborador (o qual não se deve confundir, pensamos, com o seu homónimo, poeta e também colector de alguns romances do Minho, a que nos referimos a seu tempo, e que não há notícias de alguma vez ter vivido nos Açores), pois nenhuma das versões de romances tem a indicação de ser do Topo. Pereira da Cunha poderá, claro, ter contribuido com algumas das canções, rimas infantis ou orações, as quais, ao contrário do que se passa com os romances, só muito raramente trazem a indicação do lugar de recolha (nenhum dos pouquíssimos desses textos que estão identificados é do Topo). A este Pereira da Cunha se refere Soares de Sousa em carta a Teófilo, pela qual ficamos a saber que ele morava no concelho da Calheta e era pessoa muito sabedora [ver Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria cit., p. 36]. 438 439 A excepção é o Terramoto de Vila Franca do Campo, que já saíra no Romanceiro Geral (1867). Ver Ana Cristina Porfírio Carinhas, Romanceiro das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (1825-1960). Edição crítica, Tese de Mestrado, Lisboa, F. C. S. H., Universidade Nova de Lisboa, I, 1994, pp. 90-91. 440 Ana Cristinha Carinhas, op. cit., I, p. 91. 139 não terem paralelo noutras versões tradicionais conhecidas, parecem ser da autoria de Braga. 441 De notar que este tipo de intervenção editorial “criativa” (a qual, ainda que relativamente discreta, não deixa de ir contra os princípios de fidelidade expressamente defendidos por Teófilo Braga) não é, de modo algum, exclusiva dos Cantos e, pelo contrário, se encontra também noutras obras suas, nomeadamente o Romanceiro Geral Português de 442 1906-9. Tal como o Romanceiro Geral de 1867, os Cantos Populares do Arquipélago Açoriano são complementados com notas eruditas, em geral de carácter comparativista, onde se aproveitam, por vezes, comentários que Braga já fizera nos artigos de 1864-66. São várias as obras modernas estrangeiras referidas, nomeadamente como fonte de paralelos para os textos portugueses. Além de outras que já citara anteriormente, surgem aqui colecções de Puymaigre, 443 Fauriel, 444 445 Widter, etc. 1870 Num jornal, Júlio César Machado transcreve um excerto da versão do Soldado publicada por Garrett, integrando-a num artigo meio humorístico sobre a situação política actual. 446 Os romances parecem, assim, ter ultrapassado, na época, a situação de textos 441 442 443 Ana Cristinha Carinhas, op. cit., I, p. 90. Ana Cristinha Carinhas, op. cit., I, pp. 92-7. Th[éodore] de Puymaigre, Chants populaires recueilis dans le Pays Messin, Metz, Rousseau- Pallez, 1865. 444 C[laude] Fauriel, Chants populaires de la Grèce moderne, Paris, Firmin Didot père et fils, 1824, 2 vols. 445 Georg Widter, Volkslieder aus Venetien, gesammelt von..., herausgegeben von Adolf Wolf, Wien, K. K. Holf und Staatsdruckerei, 1864. 446 Julio Cesar Machado, “Cartas Lisbonenses”, Gazeta do Povo, 26/5/1870, p. 3. O artigo faz parte duma série (com o mesmo título) da autoria de Machado que o jornal publica amiúde. Neste dia, o texto é dedicado a transcrever uma conversa ouvida “hontem á noite, no Passeio Publico, [em que] um rancho de senhoras discutia uma questão extremamente seria, e de occasião [dias antes, a 19 de Maio, dera-se a chamada Saldanhada, golpe militar chefiado pelo marechal Saldanha que provocara a queda do governo]: — de como deve ser o militar!”. Depois de muitos pormenores sobre como devem ser fisicamente os militares, diz uma das senhoras: 140 exclusivamente destinados ao deleite literário, tornando-se algo de citação normal e até passível de ser integrado, sem escândalo, num contexto cómico. A citação mostra também que a difusão do romanceiro entre o público burguês parece dever-se sobretudo à leitura do Romanceiro de Garrett. Em duas obras dedicadas ao estudo da literatura escrita, Teófilo Braga publica duas versões de romances procedentes da ilha de S. Jorge. Estas versões, cuja recolha deve ser posterior à do corpus que formou os Cantos, mostram como as recolhas de Teixeira Soares (sem dúvida seu colector, embora tal não seja dito) continuaram entretanto. Trata-se duma versão da Morte do Príncipe D. Afonso 447 e de outra (a primeira —e única — portuguesa) do 448 raríssimo A Guarda Cuidadosa. 449 Estácio da Veiga publica o Romanceiro do Algarve. — Só a pena que eu tenho, é nunca haver guerra! [...] — Ao ir para a guerra é que elles devem ser muito interessantes! — Muito interessantes: Lá se vae o capitão C’ os seus soldados á guerra; Duzentos eram quintados, Eram duzentos de leva. Se todos elles vão tristes Um mais que todos o era; Baixa traz a sua espada, Seus olhos postos em terra... — Calla-te! Não te enterneças com essa xacara do Soldado, na versão de Traz-os-Montes. Aqui não ha guerra, filhas! O texto transcrito pertence a O Cordão de Oiro de Garrett (vol. III, p. 168). Quanto às palavras da personagem sobre a proveniência geográfica da versão, note-se que Garrett, no prólogo do romance (p. 167), diz que a versão é factícia, formada a partir de três textos recolhidos em Trás-os-Montes. 447 Theophilo Braga, Historia do Theatro Portuguez. Vida de Gil Vicente e sua Eschola. Seculo XVI, Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1870, pp. 29-30, nota 1. A versão é antecedida pelas seguintes palavras: “Aqui reproduzimos a ultima versão [deste romance], recolhida na ilha de Sam Jorge, que não pôde entrar nos Cantos populares do Archipelago”. 448 Theophilo Braga, Historia da Litteratura Portugueza. Introducção, Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1870, p. 78. Diz Braga: “Ultimamente recebemos da tradição oral da Ilha de Sam Jorge mais outro romance ainda até hoje não recolhido” — e transcreve a presente versão. 449 S. P. M., Estacio da Veiga, Romanceiro do Algarve, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1870. 141 Quanto ao seu aspecto organizativo, a obra segue de forma clara, o modelo do Romanceiro de Garrett. Deste modo, começa por uma longa introdução (aliás em boa parte transcrição de palavras precisamente de Garrett), 450 a que se seguem os 34 romances (dos quais se publica sempre uma única versão, assumidamente factícia, como adiante veremos), cada um deles precedido por um prólogo. Talvez ainda com mais falta de cientificidade do que Garrett, Veiga fornece nesses prólogos quase sempre a indicação do local onde o romance em causa teria nascido (na esmagadora maioria dos casos, o Algarve) e em que século. O resto do texto de cada prólogo é dedicado sobretudo a observações de carácter impressionista e/ou que hoje parecem irrelevantes. Na introdução e nos prólogos, Estácio da Veiga não demonstra possuir muitos conhecimentos específicos sobre o romanceiro, ou, pelo menos, minimamente actualizados. Debalde nele procuraremos teorias então recentes como as que, explícita ou implicitamente, encontramos nos escritos de Teófilo Braga. Além de certas ideias de cariz romântico, comuns na época, 451 a obra de Veiga parece reflectir apenas três teorias relativamente modernas sobre os romances: a do encurtamento gradual dos textos, proposta por Scott (que Veiga provavelmente conhecia das referências que, como vimos, lhe faz Garrett), 450 452 a da Essa transcrição (que consiste num panorama da poesia portuguesa, “precioso trabalho, que não posso deixar de adoptar [...] vistoque me assiste a inteira convicção de que não o apresentaria eu com maior precisão e novidade” — p. xvii) ocupa 11 páginas (xvii-xxvii) das 32 (vii-xxxviii) do total da introdução, ou seja, 35,5%. É possível que a ideia de fazer tão longa transcrição tenha surgido a Estácio da Veiga (ou, pelo menos, lhe tenha parecido mais justificável) ao ler o Tesoro de Ochoa. Ora, 66% das 30 páginas do “Prólogo”do livro de Ochoa —obra que Veiga de certeza conheceu e cita várias vezes— são uma simples transcrição de 20 páginas (iii-xxii) extraída do Romancero de romanceros caballerescos é históricos de Durán. 451 Sobretudo a ideia do “cunho de singeleza, que tanto caracterisa a primitiva poesia de todos os paizes” (Romanceiro do Algarve, p. 3), que voltamos a encontrar, por exemplo, na referência que Veiga faz à “desaffectada e dôce poesia deste epico poemetto [alude ao romance A Pastora, que publica como tradicional, embora tenha todo o ar dum texto culto] de feição nimiamente popular” (op. cit., p. 141). Afirmações como estas já as encontrámos, recorde-se, em inícios do séc. XVIII (Addison), voltámos a vê-las (aí integrada numa construção intelectual bem mais vasta) em Herder, e, no caso de Portugal, em Garrett, Silva Leal e Luís Ribeiro. 452 Observe-se, no entanto, que Veiga, ao contrário de Garrett, aprova aquela teoria: “Creio [...] que este poema popular, como se hoje canta no Algarve, não passa de uma simples rapsodia: pois póde suppôr-se que a sua acção dramática tivesse primitivamente occupado um mais desenvolvido plano” (p. 24; “rapsódia” tem aqui o sentido antigo de “fragmento dum canto épico”, que voltamos a encontrar, por exemplo, na p. 47). Conforme dissemos no texto, parece-nos muito provável que Estácio da Veiga tenha contactado com as ideias de Scott apenas através de Garrett. Na verdade, não encontramos no Romanceiro do Algarve qualquer 142 origem francesa dos elementos maravilhosos presentes no romanceiro, que lhe chega sem dúvida através de Garrett (onde já a encontrámos), e “solau”, de indiscutível origem garrettiana. 455 dissemos, várias vezes cita—, 454 453 e a distinção entre “romance”, “xácara” Além de Garrett —cujas palavras, como o único autor do séc. XIX ligado ao romanceiro cujas posições se fazem sentir na obra de Veiga é Durán (conhecido através de Ochoa, muito provavelmente), ainda que a propósito de minúcias sem relevância para o estudo do romanceiro. 456 Pelo contrário, para falar das origens do género, Veiga recorre a um autor do citação extraída do Minstrelsy, e a única vez em que surge esta obra é sob a designação perifrástica de “collecção da primitiva poesia das fronteiras da Escocia” (p. xxviii), o que ecoa suspeitosamente “a [collecção] das fronteiras de Scocia”, como Garrett se lhe referira (Romanceiro, I, p. ix). Diga-se, aliás, que, na mesma página em que fala de tal “collecção”, Veiga transcreve, em nota de rodapé, uma frase sobre Walter Scott escrita nem mais nem menos que por Garrett no Arco de Santana (cf. Obras, I, p. 218). 453 Ver Romanceiro do Algarve, pp. 38, 46, 159, etc. Na última dessas páginas, Veiga afirma, aliás, claramente que, quanto a este ponto, segue “a autoridade do grande Garrett”, de quem apresenta uma citação corroborativa. E, na referida p. 46, as suas palavras (“de origem franceza, franco-normanda, ou que viesse dos bardos e scaldos, e assim chegasse até nós”) são um plágio de Garrett (“se deve attribuir a origem franceza, franco-normanda, ou mais seguramente ainda á dos bardos e scaldos que por essas vias se derivasse até nós” — Romanceiro, III, p. 88). 454 455 Ver, sobretudo, p. 179. Além da longuíssima transcrição de Garrett feita por Veiga, como dissemos, na sua introdução, e da paráfrase (quase plágio) a que aludimos na nota 453, recorde-se, por exemplo, que, no prólogo do Dom Aleixo, Veiga tem uma passagem que volta a ser uma paráfase (quase uma citação à letra), mas desta vez, perfeitamente declarada, do que Garrett escrevera sobre o mesmo romance: “Se naquelle [refere-se ao texto do romance publicado por Garrett], como diz o nosso poeta, se encontra um viço, um frescor de originalidade que recende; se todo elle respira a graça desaffeitada da poesia primitiva, sendo ao mesmo tempo fino e elegante; se porventura cheira a um salão da meia idade, aos perfumes do boudoir de uma donzella do tempo da Madresilva, ou da Ala-dos-namorados [...]”. E mais à frente: “Se o condestabre cantava este romance á sua dama, ou o Magriço áquellas Miss [sic] de olhos azues que foi defender á Inglaterra, ou se de Normandia o trouxe o conde de Abranches [...]” (Romanceiro do Algarve, p. 24). Vejamos agora a passagem de Garrett: “Tem este romance um viço, um frescor de originalidade que recende. Todo elle respira a graça desaffeitada da poesia primitiva. E todavia é fino, elegante, cheira a um salão de castello da meia edade, aos perfumes do boudoir de uma nobre donzella do tempo da ‘Madre-silva’, ou da ‘Ala-dos-namorados’. Se o cantaria o condestabre á sua dama? Ou o Magriço áquellas misses de olhos azues que foi defender a Inglaterra? Ou se o traria de Normandia o conde de Abranches ?” (Romanceiro, II, p. 86). 456 A única vez em que Veiga cita explicitamente Durán é quando diz: “o sr. D. Agostin[sic] Duran, n’ uma nota ao prologo do seu Romancero, pretende attribuir-nos [i. e., a Portugal] um poema [...] sobre a perda de Hispanha por el rei Rodrigo” (p. xvi). O facto de, ao contrário do que faz com todos os autores que 143 séc. XVII, Huet, cujas teorias sobre o “roman” (no sentido francês antigo de narrativa longa em prosa ou verso de carácter imaginativo) o escritor algarvio parece aplicar ao “romance” (no sentido hispano-português do termo). 457 Os restantes autores que cita pertencem, na sua maioria, aos sécs. XVII ou XVIII e vêm a propósito de pontos históricos, por vezes de nenhum interesse para o romanceiro. 458 cita na mesma página do Romanceiro do Algarve, não dar o título completo da obra nem fornecer, em nota de rodapé, a respectiva página, parece indicar que Estácio da Veiga conhece a obra de Durán apenas através da longa transcrição que, como já vimos, dela faz Ochoa no seu Tesoro, o qual, como à frente diremos, é a única colecção de romances castelhanos que Veiga dá mostras de ter usado. Outro sinal de o autor algarvio, efectivamente, não ter disposto de qualquer obra de Durán é o que parece deduzir-se da segunda (e última) vez em que a este se refere: “A [...] Hispanha já em 1832 possuia o excelente Romanceiro Geral do estudioso D. Agostin Duran, o qual serviu de base ao que em 1852 foi mais amplamente organisado pelo sr. D. Eugenio Ochoa” (p. xxx). Como se vê, Veiga, confunde o Romancero general de 1849-51 com o Romancero de romances caballerescos é históricos de 1832, e, sobretudo, mostra não conhecer o Romancero general, uma vez que este é posterior ao Tesoro de Ochoa (cuja 1ª ed. é de 1838, embora Veiga cite apenas a de 1852) e muito “mais amplamente organisado” do que o dito Tesoro. As palavras de Durán sobre o Poema da Cava estão no Romancero de 1832, I, p. xxiv, e, também, no Tesoro de Ochoa, pág. v. Veiga usou Durán pelo menos mais uma vez, ainda que sem citar a sua fonte: quando refere a descoberta, “por M. Quinet, na bibliotheca real de Paris, de setenta códices manuscritos ineditos, em que apparecem noticias historico-romanescas muito anteriores á invasão das Gallias pelos romanos” (p. viii). Esta frase é um claro plágio da seguinte do Romancero de 1832: “El célebre Mr. Quinet trata de publicar algunos de los setenta códices manuscritos inéditos de dicha clase [refere-se aos “poemas caballerescos del siglo xii”] que ha descubierto en la Biblioteca Real de Paris” (op. cit., I, p. xxxviii; em Ochoa, op. cit., p. xiii). 457 Ver Romanceiro do Algarve, pp. vii-viii. Estas páginas apresentam pouca clareza de exposição; no entanto, nelas Veiga parece afirmar que o “romance lirico” (i. e., o romance em verso, o romance no sentido hispano-português, para o distinguir do sentido português moderno de “longa narrativa em prosa”) tem “como base e ponto de partida” os romances “em prosa e verso” escritos por “egypcios, árabes, persas, índios, e syrios, e logo [por] os gregos e romanos”. Huet (cuja Lettre sur l’ origine des romans data de 1669) escrevera, de facto, que a origem do “roman” era oriental, e falara a esse propósito do Egipto, Arábia, Pérsia, Índia, Síria, e, depois, da Grécia e Roma (ver Pierre-Daniel Huet, Lettre-traité de... sur l’ origine des romans, édition du tricentenaire (1669-1969) suivie de La Lecture des vieux romans par Jean Chapelain, édition critique, Paris, Editions A.-G. Nizet, 1971, pp. 51-68 e 69-112). Sublinhe-se, porém, que o velho Huet deixara bem explícito que o romanceiro nada tinha a ver com os “romans”: “Les chants qu’ ils [os Espanhóis] nommaient romancés[sic] étaient bien différents de ce qu’ on appelle romans; c’ étaient des poésies faites pour être chantées, et par conséquent fort courtes” (p. 119). 458 Por exemplo, Louis Moreri (cf. Romanceiro do Algarve, pp. x , xiv e 90), Pe João Bautista de Castro (cf. op. cit., pp. 9 e 81), Fr. Francisco do Nascimento Silveira (cf. op. cit., pp. 9 e 10), etc. As obras destes autores a que Veiga se refere são, respectivamente, Le Grand dictionnaire historique, ou mélange curieux de l’ histoire sacrée et profane (Amsterdam, Georges Gallet, 1698, 4 vols.; teve vários suplementos, e, 144 Seguindo o exemplo garrettiano (mas, também neste aspecto, de modo mais limitado), Veiga refere a existência de paralelos dalguns romances algarvios na tradição portuguesa e na castelhana velha, Tesoro de Ochoa. 459 remetendo para o Romanceiro de Garrett 460 e para o 461 Embora, na introdução, aluda a várias colecções de poesias tradicionais de outros países europeus, de nenhuma delas retira paralelos, sendo bem possível que só as conhecesse de nome. São as seguintes as colecções extra-ibéricas a que se refere: 462 — as da Inglaterra (de que não cita autores nem títulos, limitando-se a dizer que este país “já registr[ou] as suas tradições”); — a de Walter Scott (a que alude pelas palavras que mencionámos anteriormente e que parece virem de Garrett, como dissemos); — a de Reynourd (sic, por “Raynouard”), que designa por “a melhor collecção das poesias dos trovadores”; 463 — a tradução francesa, feita por Artaud, d’ “os cantos populares da Escocia”; 464 — a tradução, também francesa, de “alguns [cantos populares] de Hispanha, inclusive o poema do Cid, por M. Damas Hinard”; 465 em 1732-49, uma nova ed., em 10 vols.), Mappa de Portugal Antigo e Moderno (Lisboa, Na Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1762-63, 3 vols.) e Coro das Musas Junto por Venus em Casa do Sol (Lisboa, Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1792-96, 3 vols.). 459 Note-se que nem sempre Estácio da Veiga se apercebe da existência de tais paralelos. Assim, por exemplo, afirma (p. 39) que Almendo (i. e., Infantina + Cavaleiro Enganado) não tem similares nas obras que consultou, quando, obviamente, eles existiam quer em Ochoa (ver Tesoro, cit., p. 7) quer em Garrett (ver II, pp. 21-4 e 32-5). E, mais à frente (p. 64), no prólogo de Dom Diniz, escreve: “O assumpto parece-se com o do Conde Nillo, que vem no Romanceiro de Garrett; porêm este de D. Diniz é visivelmente outro”. Ora a verdade é que o D. Diniz é mesmo uma versão do Conde Ninho. 460 Ver, por exemplo, pp. 23, 45 e 68. De Garrett é, aliás, o único paralelo cujo texto é transcrito (e não apenas referido) por Veiga: a Santa Iria, das Viagens na Minha Terra (transcrita no Romanceiro do Algarve, pp. 185-7). 461 462 463 No Tesoro, refere apenas três paralelos (ver pp. 5 e 18 e 148). Cf. Romanceiro do Algarve, pp. xxvii-xxx. Trata-se do Choix des poésies originales des troubadours, Paris, Imprimerie de Firmin Didot, 1816-21, 6 vols., obra que, obviamente, não é de poesia tradicional. 464 I. e. Walter Scott, Chants populaires des frontières méridionales de l’ Ecosse, trad. par M. Artaud, Paris, Ch. Gosselin, 1826, 4 vols. 145 — “os [cantos populares] de Bretanha, por M. de la Villemarqué”; 466 — os “Cantos da Flandria Hispanhola, bem traduzidos e publicados em 1857 por M. Louis Baecker”; 467 — as “Chansons nacionales[sic] et populaires de la France, [...] por Dumersan e Noel Ségur”; 468 — os “Chants et chansons populaires de la France — Chansons choisies, romances, rondes, complaintes et chansonnettes”; 469 — as colecções que se publicaram na Alemanha, embora, estranhamente, se não refira às de poemas alemães, mas apenas às traduções de cantos de outros povos, traduções de que, porém, não especifica títulos; 470 — uma colecção polaca, a que alude nos seguintes termos: “um curioso trabalho concluido em 1836 sobre os seus documentos historicos, litterarios, e monumentaes, publicados por Grabowski, sob a direcção de Leonard Chodzko, [que] consagra á sua poesia popular um lugar reservado, em que nos dá conhecimento das suas tradições desde a Jaxa de Miechow, lenda historica do XI seculo, até á Barbe Radziwll, lenda tambem historica do segundo terço do XVI seculo”. 465 471 I. e., J. J. Damas-Hinard, Romancéro général ou recueil des chants populaires de l’ Espagne, Paris, Adolphe Delahays, 1844, 2 vols., e id., Poème du Cid, Paris, Impr. Impériale, 1858. 466 I. e., Th. de La Villemarqué, Barzas-Breiz. Chants populaires de la Bretagne, recueillis et publiés avec une traduction française, des éclaircissements, des notes et des mélodies originales, par..., Paris, Delloye, 1839. 467 Das obras deste autor belga que encontrámos em múltiplos catálogos—nomeadamente o catálogo em linha da Biblioteca Real da Bélgica—, nenhuma pode ser identificada como sendo os “Cantos da Flandria Hispanhola”; aquela cujo título mais se lhe aproxima são os Chants historiques de la Flandre (400-1650), Lille, Ernest Vanackere, 1855. 468 I. e. [Théophile] Dumersan e Noel Ségur, Chansons nationales et populaires de France, Paris, G. de Gonet, 1851-52, 2 vols. 469 Trata-se do I vol. duma obra anónima, publicada em Paris, por Garnier Frères, Libraires-Editeurs, 1854; o II vol. contém Chants guerriers et patriotiques, chansons bachiques et burlesques. 470 Limita-se a escrever: “a sabia Allemanha tem colligido e publicado quasi tudo que de poesia primitiva ha de mais notavel na Europa”. 471 Trata-se do II vol. de La Pologne historique, littéraire, monumentale et pittoresque, rédigée par une société de littérateurs, sous la direction de Léonard Chodzko, publiée par Ignace Stanislas Grabowski, Paris, Au Bureau Central, 1836; os vols. I e III são, respectivamente, de 1835 e 1837. 146 Pensamos que o modo perifrástico, simplesmente alusivo ou mesmo errado com que Estácio da Veiga refere estas colecções (e do mesmo modo, conforme dissemos, cita ele o romanceiro de Durán) mostra que muito possivelmente nunca as viu. Este facto parece ainda mais provável se pensarmos que Veiga, como dissemos, nunca as usa como fontes na sua procura de paralelos. Além disso, várias dessas obras estão em línguas que Veiga certamente ignorava. É de imaginar que o conhecimento da existência de tais colecções lhe tenha chegado não pela leitura delas, mas sim por alusões em fontes secundárias, talvez artigo(s) lido(s) na imprensa. 472 É possível que essa(s) fonte(s) seja(m) francesa(s) (ou portuguesas mas traduzidas do francês), como parece depreender-se das sucessivas referências a colecções que são apenas traduções francesas de originais doutras línguas, originais que, pelo contrário, Veiga não menciona. O Método Editorial Criativo de Estácio da Veiga As versões publicadas por Veiga são factícias, facto em que ele segue o modelo adoptado, em Portugal, por Garrett, e que continuava a ser o escolhido por toda a Europa em 1858-60, a época em que (conforme adiante veremos) o Romanceiro do Algarve foi organizado. É, pois, com total naturalidade que Estácio da Veiga menciona tal característica. Vejamos três exemplos desse tipo de declarações: sobre o romance da Infantina, escreve ele que “para o tirar a limpo me foi mister confrontar e cotejar muitas lições diferentes”; Nau Catrineta, diz: “Onze lições obtive [dela] para produzir esta;” 474 473 da e sobre o Pássaro Verde afirma: “delle obtive em varias terras algumas lições, que escrupulosamente aproveitei como melhor me pareceu”. 472 475 Repare-se que, em nota de rodapé duma das páginas onde fala das referidas colecções estrangeiras (ver p. xxviii), Veiga transcreve o texto dum decreto que, em 1853, se publicara em França, criando uma comissão encarregada de promover a recolha de literatura oral; ora tal decreto, como ele próprio informa, chegou ao seu conhecimento pura e simplesmente através da transcrição publicada num volume do Almanach de Lembranças (cf. Alexandre Magno de Castilho, “Poesias Populares”, Almanach de Lembranças para 1854, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, p. 269). 473 474 475 Romanceiro do Algarve, p. 39. Op. cit., p. 45. Op. cit., p. 113. 147 Quanto ao retoque propriamente dito dos textos, Estácio da Veiga, nas palavras em que explicitamente se refere à questão, não mostra, de modo algum, uma opinião negativa. Uma vez que, sobre os seus próprios retoques, é extremamente parco de informações e comentários, temos de recorrer às palavras que ele dedica ao trabalho editorial de Almeida Garrett. Assim, por exemplo, ao verificar que o seu próprio Dom Aleixo, algarvio, do ponto de vista estilístico (e também por aparecer em segundo lugar) poderia parecer “uma degeneração” do publicado anos antes por Garrett, Estácio da Veiga escreve: Alguem poderá porventura pensar, á primeira vista, que este poema popular [a versão que ele publica] seja uma degeneração daquelle gracioso romance, que sob igual titulo apresenta no seu Romanceiro o visconde de Almeida 476 Garrett. Porém, frisa Estácio da Veiga, para lá das aparências, o leitor deverá ter uma coisa em conta: É [...] força ouvir o que diz o grande poeta [Garrett, claro] a respeito do seu exemplar: “Dom Aleixo é dos nossos romances populares o que me chegou mais corrupto, interpolado, e de que menos licções provinciaes pude obter; só uns fragmentos da Beiralta e outros de Lisboa. Se não fôra a copia do cavalheiro de Oliveira de que me não valho senão em extremos, [...] — tinha-me sido 477 impossivel restitui-lo”. E, dito isto, eis que chega a conclusão, ainda que sob uma capa dubitativa: Desta noticia, que aqui transcrevo, poderá talvez deprehender-se, que, ou o engenho do fecundo poeta andou muito applicado a embelezar, por todos os modos possiveis, esta peça de poesia tradicional [a que Garrett publicou], ou 478 então a lição por mim colligida é outra, verdadeiramente outra. Estas palavras de Estácio da Veiga sobre a qualidade dos textos publicados por Garrett trazem à memória as que vimos terem sido escritas em 1867 por Teófilo Braga, a propósito de algo semelhante: 476 477 Romanceiro do Algarve, p. 23 (sublinhado nosso). Loc. cit. Com uma diferença mínima de pontuação, trata-se da transcrição do que Garrett escreve, de facto, no prólogo do romance em causa (Romanceiro, II, pp. 88-9). 478 Romanceiro do Algarve, p. 23 (sublinhados nossos). 148 Muitos dos romances que formam a presente collecção [o Romanceiro Geral], já andavam na lição de Garrettt melhor dramatisados, e com um colorido encantador. Desanimámos por vezes, quando confrontavamos as versões que recolhiamos com as d’ elle, sempre mais primorosas e extensas. Porém, explica Teófilo Braga, depois apercebeu-se de que Garrett, assumidamente, construíra versões factícias e, além disso, acrescentara aos textos versos da sua lavra. Tal procedimento, para Braga, era um erro, e provinha do facto de Garrett encarar a publicação de romances apenas sob “o ponto de vista artistico”, não tendo em atenção a verdade etnográfica. Braga, pelo contrário, jura não ter modificado os seus textos, que, precisamente por essa fidelidade à tradição oral, acha superiores aos de Garrett. Ora a conclusão que Veiga tira da constatação de que Almeida Garrett “embelezou, por todos os modos possiveis” a versão do D. Aleixo que publicou é diametralmente oposta à de Braga, pois a verdade etnográfica é algo cujo interesse nem sequer entende. Assim, depois de provar a pesada intervenção de Garrett, Veiga não se mostra escandalizado (como Braga). O editor algarvio fica, isso sim, descansado por, deste modo, ter conseguido defender a tradição da sua província. Na verdade, se a versão de Garrett, como ele está pronto a admitir, “é indubitavelmente mais bella” do que a algarvia, 479 tal não se deve ao facto de a província de Portugal onde ela foi recolhida ter uma tradição oral melhor que a do Algarve, não: tal beleza deve-se apenas ao trabalho editorial do visconde, com o qual ele, Estácio da Veiga, não pode, naturalmente, competir. Por isso, o leitor terá de desculpar a versão do Romanceiro do Algarve, e não a considerar com “uma degeneração daquelle gracioso romance” publicado por Garrett. É que a versão algarvia foi retocada apenas por si, e ele não pode chegar ao nível do príncipe dos poetas românticos portugueses. Repare-se, pois, como a modéstia de Veiga faz sobressair, isso sim, o valor da versão algarvia, a qual era bem melhor do que a que Garrett possuía, pois esta última, se não fosse a profunda intervenção do mestre, não teria o bom aspecto que tem. Não se pense que o modo positivo com que Estácio da Veiga avalia o método editorial criativo de Garrett no D. Aleixo é caso único. Não: por exemplo, no prólogo da Nau Catrineta, Veiga critica a versão que Garrett publicara (a qual, acreditando nas palavras de Garrett, Veiga diz ser algarvia). 479 480 480 Mas a crítica de Estácio da Veiga não se deve ao facto de Op. cit., p. 24. Na verdade, em nota de rodapé a propósito de determinado verso, Garrett escreve: “Todas as licções dizem assim, menos a do Algarve que adoptei” (Romanceiro, III, p. 89). De referir que, nas notas, 149 essa versão ter sido retocada por Garrett, nem por sombras! Deve-se, apenas, ao facto de ela ser menos extensa que a versão publicada no Romanceiro do Algarve, e, portanto, ser necessariamente inferior. Vejam-se alguns excertos do prólogo desse romance, bem elucidativos das ideias do autor algarvio: Uma só lição do Algarve recebeu pois [Garrett], e por isso a julgo eu uma simples rapsodia [i. e., um fragmento], concertada sim com muito primor litterario, mas sobremaneira obliterada [...] [pois] contêm menos de metade dos versos que leva o [texto] deste Romanceiro [do Algarve]. [...] A outra [versão] já impressa [i. e., a de Garrett], comparada com esta, apenas mostra ser uma rapsodia, admiravelmente restaurada por mão de 481 mestre, que tudo quanto emprehendia, sabia tornar inimitavel. Ou seja, Garrett, por muito bom poeta que fosse, não podia ultrapassar as limitações da matéria-prima, e, duma versão que não passava dum fragmento, não podia fazer algo tão bonito e completo como a versão que ele, Veiga, publica, a qual, sem nenhum problema, informa ser produto, segundo afirma, da junção de versos provenientes de 11 versões (!). Observamos de novo, portanto, que, para o editor algarvio, o retoque não era, de modo algum, uma coisa negativa; aquilo que aparece com características negativas é, isso sim, as versões de que Garrett dispunha, inegavelmente inferiores às recolhidas por ele, Veiga, no Algarve. E eis-nos, assim, chegados a um aspecto muito interessante do Romanceiro do Algarve: a repetida necessidade que Estácio da Veiga mostra de sublinhar a superioridade das suas versões em relação às publicadas por Garrett. Ao que julgamos, esta necessidade não se explica (ou não se explica sobretudo) por um regionalismo doentio, mas por algo bem mais profundo. Na verdade, é indubitável que Veiga não encarava do mesmo modo que nós a tradição oral. Para ele (tal como para todos os editores românticos), o trabalho da tradição consistia em estragar o texto original, perfeito, o qual, infelizmente, assim se perdera. A essência da literatura tradicional, o facto de viver em variantes e versões, não era, de modo algum, entendida por Veiga, chegando ele a queixar-se do facto de as versões que dum romance encontrava serem todas diferentes... 482 Para Veiga, como para o editor romântico Garrett apresenta, para certos versos, variantes que se encontrariam noutros textos que possuía, provenientes da Estremadura, Minho, Lisboa, Beira Alta e Ribatejo. 481 482 Romanceiro do Algarve, pp. 46 e 47. “Entre tantas [refere-se às “onze lições” que afirma ter recolhido da Nau Catrineta] não havia duas que fôssem identicas” (p. 45), pelo que muito lhe custou a compor o texto factício que publica, e de O Frade diz: “sómente duas rapsodias pude cotejar, e [...] ainda assim essas não eram em tudo identicas” (p. 152). 150 tipo, não faria sentido publicar novas versões dum romance de que já houvesse publicada uma versão, a menos que aquela que agora se publicava fosse melhor, pois, nesse caso, mostraria estar mais próxima do original perdido. Se não tivesse essa superioridade em relação às obras precedentes, uma nova colecção de textos orais seria apenas um conjunto de cópias em tom menor. A mesma necessidade de justificar a própria existência da sua obra explica, segundo vimos, as várias afirmações que, no mesmo sentido, Garrett faz sobre as versões antigas castelhanas que cita, e que, num ou noutro aspecto, são sempre piores que os textos por ele publicados. Mas o caso do romanceiro de Estácio da Veiga deveria ser, aos olhos deste e dos seus contemporâneos, mais difícil de justificar do que o de Garrett. Na verdade, se as versões garrettianas fossem piores que as versões antigas espanholas, teriam sempre a seu favor a novidade de serem em português e de terem sido publicadas numa época em que se não suspeitava da sua existência na nossa tradição oral. Porém, as versões de Veiga surgiam depois do romanceiro de Garrett (para mais, nem sequer muitos anos depois) e reunidas por alguém cuja importância no mundo das letras se não podia, nem de longe, comparar à do visconde. Por isso, as novas versões algarvias teriam de justificar muito claramente a oportunidade da sua publicação. Daí, a competição com Garrett, mais ou menos surda, que se sente em muitas 483 declarações do Romanceiro do Algarve. Daí, também, o modo quase obsessivo com que Estácio da Veiga defende que a clara maioria dos romances de que publica versões são de origem algarvia. Com efeito, dos 34 romances do seu romanceiro, Veiga afirma que nada menos de 21 (isto é, 61,8 % do total) nasceram sem dúvida no Algarve, 483 484 e deixa perceber Sobre alguns aspectos da influência de Garrett em Estácio da Veiga (ou, de certo modo pelo menos, da emulação deste em relação àquele), ver a nossa comunicação “O Romanceiro de Garrett e o de Estácio da Veiga”, in Comissão Executiva dos Seminários Garrett (org.), Garrett às Portas do Milénio, Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp. 127-132. 484 Seriam eles D. Julião, Dom Rodrigo, A Moira Encantada, Almendo, A Captiva, O Captivo, O Encarcerado, O Paladim Captivo, Dom Manoel, A Noiva Arraiana, A Donzella e o Punhal, A Serrana, Os Dois Amantes, Os Calvos, A Pastora, A Senhora da Piedade, A Senhora dos Martyres, Santo Antonio e a Princeza, Santa Iria, A Senhora da Orada e A Fonte das Almas. Dos outros romances cuja origem indica, três (8,8 %) seriam de origem portuguesa, sem especificação de província (Dom Aleixo, Dom Joaquim e A Nau Cathrineta) e um (A Aldeana) seria castelhano (2,9 %). 151 que é possível que outros 3 romances (ou seja, mais 8,8%) talvez tenham a mesma origem. 485 O seu raciocínio parece ser o seguinte: se os romances de que publica versões forem de origem algarvia, estas versões, ainda que surjam a público depois das de Almeida Garrett, têm a sua publicação justificada, pois, necessariamente, serão melhores que as recolhidas pelo visconde noutras províncias de Portugal, onde os textos (nascidos, recorde-se, no Algarve) terão chegado mais deturpados. E essa deturpação é visível, segundo Veiga, sobretudo no tamanho das versões. Já vimos atrás como Estácio da Veiga frisa que a sua versão da Nau Catrineta é melhor que a de Garrett, porque mais extensa. O mesmo se passa com o Regresso do Navegante, romance sobre o qual, no respectivo prólogo, Veiga escreve o seguinte: “A licção que eu apresento como do Algarve, é visivelmente mais desenvolvida, e parece-me mesmo bem mais completa” (que a de Garrett). 486 Como Veiga começara o prólogo dizendo que o Regresso do Navegante é um romance originário do Algarve, a inferioridade da versão garrettiana parece-lhe lógica, como ele próprio sublinha: não é [...] de admirar que a que o nosso poeta obteve de Almeida soffresse algumas quebras na passagem que fez da terra do seu nascimento [o Algarve] 487 para uma distancia, relativamente tão consideravel. Ora acontece que, neste caso, a sua emulação relativamente a Garrett levou Estácio da Veiga a ir longe demais (pelo menos segundo os critérios de hoje). Com efeito, a versão existente no espólio guardado no Museu Nacional de Arqueologia começa assim: Deus vos salve minha tia 2 Na sua roca a fiar Para torcer meu sobrinho 4 Os signaes me hade dar Que é de meu pae, minha mãe 6 485 Que eu aqui deixei ficar? 488 Existe um grupo de nove romances sobre cuja origem Estácio da Veiga se não se pronuncia claramente: O Cavalleiro da Silva, Dom Diniz, Dona Aldonça, Dona Branca, A Enganada, A Ausencia, O Frade, Santa Cecilia e A Senhora das Angustias. Destes, porém, seria possível, segundo ele, que tivessem nascido no Algarve Dona Aldonça, A Enganada e A Ausencia. 486 487 Romanceiro do Algarve, p. 107. Loc. cit. 152 Porém, no texto que imprimiu no Romanceiro do Algarve, esta passagem (tal como, aliás, várias outras ao longo da versão) aparece muito mais desenvolvida: — Deus vos salve, minha tia, 2 Na vossa roca a fiar! — Bem haja o bom cavalleiro, 4 Tão discreto em seu fallar! — Nunca elle daqui se fôra, 6 Ou não chegasse a voltar; Por lá o tragassem moiros, 8 Se haviam [sic] assim de tornar, Que tão demudado veiu, 10 Que ninguem lhe vem fallar! — Ái, meu sobrinho, ái minh’alma, 12 Que és tu pelo teu olhar! — Eu mesmo, eu, minha tia, 14 Que volto d’ além do mar. Que é de meu pae, minha mãe, 16 Que eu aqui deixei ficar? 489 Onde teria Estácio da Veiga ido buscar os versos que acrescentou aos que lhe chegaram da tradição oral, num retoque realizado tão “criativamente” que, de 6 versos, a passagem passou a ter 16? Leia-se o início do mesmo romance na versão do Romanceiro de Garrett, e ficar-se-á a saber: — ‘Deus vos salve, minha tia, 2 Na vossa roca a fiar!’ — ‘Venha embora o cavalleiro 4 Tam cortez no seu fallar!’ — ‘Má hora se elle foi, tia, 488 489 5 B / 36 d. Romanceiro do Algarve, p. 108. 153 6 Má hora torna a voltar! Que ja ninguém o conhece 8 De mudado que hade estar. Por lá o mattassem moiros, 10 Se assim tinha de tornar!’ — ‘Ai sobrinho de minha alma, 12 Que es tu pelo teu fallar! Não ves estes olhos, filho, 14 Que cegaram de chorar? — ‘E meu pae e minha mãe, 16 490 Tia, que os quero abraçar?’ Como vemos, Estácio da Veiga usou o texto de Garrett do mesmo modo que Garrett usou os textos velhos castelhanos: para melhorar a sua versão, “completando”-a. Claro que, no caso de Garrett, tal trabalho era mais ou menos “cientificamente” justificado (aos olhos do editor romântico) pela tentativa de restituir às versões portuguesas, estragadas pelo rodar do tempo, o brilho que felizmente ficara registado por escrito nos textos quinhentistas espanhóis. Por esse facto, em geral o visconde admite sem problemas ter recorrido aos textos de Durán ou Ochoa (ainda que tenda a diminuir a importância do “empréstimo”). Pelo contrário, o uso que Estácio da Veiga faz do texto de Garrett revela nítida má-fé: Veiga não só esconde ter recorrido à versão garrettiana para “completar” a sua, mas, para cúmulo, depois de a pilhar, ainda tem a audácia de sublinhar que o seu texto é melhor e mais completo, o que (quase lhe sentimos o sorriso malicioso...) não admira, já que a versão de Garrett, recolhida na Beira, “soffre[u] algumas quebras” no trajecto que fez do Algarve — onde nasceu— até Almeida. É, literalmente, o mundo ao contrário... 491 Estácio da Veiga partilha com todos os editores românticos o método editorial criativo, nomeadamente com Almeida Garrett, que parece o único autor cuja obra ele de facto conheceu bem. Como adiante veremos na análise de alguns romances concretos, os 490 491 Romanceiro, III, pp. 108-9. Já Maria Peregrina de Sousa e Bellermann (ver, atrás, os anos de 1860 e 1864, respectivamente) tinham recorrido às versões de Garrett para retocar as suas. Ver também, no subcapítulo seguinte, o que o mesmo Bellermann (1864) fez quanto a uma canção narrativa. O autor alemão (em ambos os casos) procede, verdade seja, de modo “científico”, e explica ter-se servido da versão do Mestre. Dona Maria Peregrina, pelo contrário, actua como Veiga e não confessa o uso que fez do texto de Almeida Garrett. 154 tipos de transformações introduzidas por Veiga nos textos visam conseguir os mesmos objectivos que encontrámos em Garrett. No entanto, quanto ao grau de intervenção, o editor algarvio ultrapassa o seu predecessor, tendo ido bastante mais longe nas liberdades que tomou com os textos, de modo a torná-los perfeitos. Por outro lado, o método editorial adoptado por Veiga apresenta uma segunda faceta que leva ao extremo a “criatividade” e que o diferencia, essa sim, claramente de Garrett. Referimo-nos ao facto de o Romanceiro do Algarve incluir 11 textos criados (escritos, adaptados ou traduzidos) pelo editor, que os apresenta, porém, como recolhidos da tradição. 492 Esses textos falsos são, em termos de explicação lógica, o aspecto mais desafiante do Romanceiro do Algarve, aquele que aos olhos de hoje parece mais incompreensível, a não ser que o interpretemos como simples fruto dum hipotético espírito embusteiro de Estácio da Veiga, que os dados ao nosso dispor não confirmam. A esse ponto dedicaremos, mais à frente, alguma atenção. Mas, mesmo sem falarmos do aspecto extremo da invenção dos falsos, a questão do método editorial criativo de Veiga (e dos autores românticos em geral) parece-nos, já por si, algo muito difícil de avaliar: em que medida as transformações eram encaradas ou não pelo editor com um “simples” restauro? Ou seja, terá esse trabalho sido feito com (total, muita ou pouca) boa-fé, de modo a restituir aos romances a perfeição que eles tinham possuído no passado e que, no séc. XIX, ainda era possível adivinhar (e recuperar), por detrás das adulterações e “refacimentos” modernos? Será que (avançando um passo no caminho da falsidade), na própria mente de Estácio da Veiga (de Scott, de Garrett...), a atitude do “simples” restaurador é, afinal, a do inventor que, conscientemente, decide criar algo de que não achou vestígio na tradição (seja um determinado romance, seja uma característica geral, como, por exemplo, a narração sem hiatos), mas que está convencido que lá existiu? Ou (avançando bastante mais em direcção à falsidade) será que o método editorial criativo exprime, isso sim, a criatividade do editor/escritor, que não acredita que os elementos que introduziu no texto alguma vez lá tenham existido, mas acha que os deve lá pôr, por qualquer motivo que seja (desejo de agradar ao leitor, dando-lhe, por exemplo, as características que este está habituado a encontrar na poesia escrita; desejo de não dar uma má imagem da sua própria região ou país; desejo de atribuir à “poesia natural” as 492 Trata-se de Dom Julião, A Moira Encantada, O Encarcerado, O Paladim Captivo, A Serrana, Os Calvos, A Aldeana, A Pastora, A Ausencia, O Frade e A Senhora dos Martyres. 155 características que os teóricos estabeleciam que ela tinha, nomeadamente a sua superioridade em relação à “poesia artística”, etc.)? É, cremos, uma questão problemática, a que não podemos procurar resposta neste lugar, e que talvez possa ser entendida se estudada no âmbito, mais vasto, das relações entre verdadeiro e falso na literatura romântica. Mais à frente, ao falarmos dos 11 textos falsos publicados por Veiga, apresentaremos algumas considerações que tentam ajudar a compreensão do fenómeno do método editorial criativo, pelo menos na sua faceta extrema: a da invenção pura e simples, feita sem bases na tradição oral. Principais Conclusões Em tudo o que atrás ficou exposto neste subcapítulo dedicado à História da recolha e publicação do romanceiro em Portugal, gostaríamos de destacar três pontos principais: Em primeiro lugar, dá nas vistas a grande lentidão com que foi crescendo o corpus de romances publicados e os anos que tiveram de passar até surgirem as primeiras colecções. Como observámos, as duas primeiras versões publicadas datam de 1828, mas é preciso esperar 4 anos até que surja a terceira versão (1832), e outros 6 até que surja a quarta (1838). Até 1851, havia publicadas apenas 13 versões, 493 na sua maioria (7) por Garrett. Claro que, no mesmo período de tempo, há referências a recolhas cujos textos se não conhecem hoje: ou porque parecem ter-se perdido (recolha de E. T. D. de Castro, nos anos 40, e possível recolha de Silva Pereira, na mesma década) ou porque os textos que as formavam devem ter sido absorvidos no fabrico de versões factícias por Garrett (recolhas da “jovem menina” anónima, de Pichon, Castilho, Emídio Costa, Maria Peregrina de Sousa, etc., e do próprio Garrett). Em 1851 —ou seja, 23 anos depois da Adozinda— surge finalmente a primeira colecção de romances: 33 textos, 494 divididos pelos vols. II e III do Romanceiro de Garrett, o primeiro marco importante na publicação do romanceiro português. 493 Incluímos neste número as versões incompletas publicadas por Garrett (1842) e Pereira da Cunha (1844 e 1848), mas não os pequenos fragmentos de 4 versos curtos cada dados a conhecer por Garrett (1828 e 1842) e Andrade Ferreira (1843). 494 É preciso não esquecer que, nestes 33 textos, se incluem 4 já dados a conhecer em 1842, 1845 e 1846. Nos referidos 33 romances não incluimos os 4 textos finais do vol. III, que Garrett deixa mais ou menos claro ter extraído de livros, e que, de facto, nunca devem ter existido na tradição oral. 156 Nova espera de 16 anos se faz sentir (durante a qual se publicam apenas 11 versões), até que surge a segunda colecção: o Romanceiro Geral de Teófilo Braga, em 1867. Aqui se publicam 56 textos, dos quais, porém, só 32 são inéditos. Durante esses anos, novas recolhas se fizeram, algumas desaparecidas (Tomás Ribeiro e Ponte e Horta), e outras só mais tarde publicadas (Teixeira Soares de Sousa e Estácio da Veiga, ambas maiores do que, seguramente, todas as que até aí tinham sido feitas). Os acontecimentos aceleram-se claramente no final da época em análise: apenas dois anos depois, surge nova colecção: os Cantos Populares do Archipelago Açoriano (1869), também de Braga, que, com os seus 71 textos inéditos, é o verdadeiro segundo marco na história da publicação do romanceiro português. E no ano seguinte (1870) temos novo passo importante, constituído pelos 34 textos do Romanceiro do Algarve. De notar que Estácio da Veiga, se tivermos em atenção apenas questões de cronologia, não destoa, de modo algum, do movimento geral daqueles anos, antes pelo contrário. Na verdade, Veiga começa a recolher em 1856, ou seja, apenas dois anos depois das pesquisas iniciais de Soares de Sousa, e bem antes das que este autor levará a cabo a partir de 1867; organiza o seu romanceiro em 1858-60 (antes, portanto, de estar formada qualquer uma das colecções de Braga); e acaba por publicá-lo em 1870, apenas um ano depois dos Cantos, que, pelo menos em certo sentido, constituem verdadeiramente a primeira colecção do autor micaelense. Um segundo aspecto que gostaríamos de focar (e que está claramente ligado, aliás, com o da lentidão no aparecimento de colecções) é o do tempo que demorou até que a publicação de versões de romances fosse encarada como justificando-se por si própria. Como observámos, Garrett começou por olhar os romances como simples matériaprima para o fabrico de poemas, e se, em 1828, deu a conhecer duas versões tradicionais, foi apenas com o fim de elas servirem “para ver e conbinar” com as obras originais que tinham inspirado. O mesmo uso têm as versões orais incluídas nas obras de Costa e Silva (1832 e 1838), Andrade Ferreira (1843) e Quillinan (1845, ainda que publicada só em 1853). Uma justificação diferente —mas que continua a não reconhecer no romanceiro a dignidade de objecto em si— é a que temos quando alguns autores incluem os textos tradicionais em obras da literatura escrita, de modo a realçar a verosimilhança desta ou, se quisermos ser mais superficiais (e talvez mais realistas), conferir-lhe certa “cor local” ou epocal. É o caso de 157 Morais Sarmento 1839 (aí simples alusão), Garrett 1842, Pereira da Cunha 1844 e 1848, e Costa Cascais 1850. Entretanto, em 1839, dera-se a republicação da Donzela Guerreira de Costa e Silva (inicialmente incluída, em 1832, em Isabel, ou a Heroina de Aragom), agora num jornal, como texto independente. É esta a primeira vez que um romance tradicional é publicado sozinho, sem a justificação de ter servido de fonte para outro poema, aparecendo, pois, 495 revestido de interesse em si próprio. Trata-se, porém, dum facto isolado, e que deve estar desligado da iniciativa de Costa e Silva, muito provavelmente alheio a tal republicação, fruto sobretudo, talvez, da falta de material a publicar por parte duma revista. Além disso, como vimos, embora o texto seja apresentado com um subtítulo (Velha ballata portugueza) que aponta a sua qualidade de texto oral, a verdade é que traz, no fim, o nome de Costa e Silva, como se fosse ele o seu autor. Caso bem diferente é o artigo de Garrett de 1845, onde um romance, além de surgir sem outro motivo do que o seu próprio interesse como texto literário, vem também acompanhado por uma introdução que claramente o apresenta como objecto passível de estudo erudito. O mesmo se verifica no artigo também de Garrett de 1846, alcançando-se a definitiva consagração em 1851, com os vols. II e III do Romanceiro. Foram, pois, necessários 22 anos (se pensarmos no artigo de 1845) ou mesmo 28 (se pensarmos no Romanceiro de 1851) para que o romanceiro, começado a recolher em 1823, ganhasse direito a luz própria nas tipografias. Note-se, verdade seja, que pelo menos algumas das recolhas que entretanto se fizeram já pareciam encarar o romance como valendo por si e não devem ter sido feitas com segundos objectivos (é o caso, nomeadamente, das recolhas de E. T. D. de Castro, Mr. Pichon ou Elói Nunes Cardoso). De qualquer modo, em anos seguintes a 1851 ainda aparecem alguns casos de romances publicados apenas como citação incluída noutros textos (Mendes Leal, 1855), como se fossem devidos a um poeta que se apresenta como seu autor (Palha, 1852) ou que, de qualquer forma, os assina, a título de seu retocador (Maria Peregrina de Sousa, 1860). Mas a partir daqui, as coisas parecem mudar definitivamente. De facto, o referido ano de 1860 é, também, o último em que encontramos romances publicados por outras 495 O caso do Regresso do Marido publicado, também nesse ano de 1839, por Pereira da Silva nada tem a ver com a publicação dum texto do povo, uma vez que, como a seu tempo vimos, Silva não menciona de modo algum a proveniência oral da versão. Aliás, o aproveitamento que Pereira da Silva faz do romance releva até mais do plágio do que sequer do seu uso como fonte de inspiração. 158 razões que não as científicas. Em 1861, Estácio da Veiga dá a conhecer um romance expressamente interessante por si próprio, antecedido, para mais, por uma introdução — é verdade que de tipo exclusivamente “literário”, longe, mesmo, das observações de Garrett, as quais, como se sabe, incluem por vezes dados de cariz filológico (referência a anteriores atestações do romance) e comparativista. Como que simbolicamente, a próxima vez em que, depois dum pequeno interregno, voltamos a dar com versões de romances em letra de forma, estamos em 1864, perante o primeiro artigo de Teófilo Braga. Ora a Braga se deve, ainda mais que a Garrett, a subida do romance à categoria definitiva de objecto de estudo, estudo esse realizado, além disso, conforme vimos, dum modo que se apresenta claramente como moderno e “científico”. Pelo que vemos, Estácio da Veiga, ao publicar em 1861 um artigo incluindo um romance tradicional e, 9 anos depois, o Romanceiro do Algarve, aparece bem situado, no que diz respeito à questão dos textos encarados como objectos dignos de interesse em si. Porém, se tivermos em conta o tipo de estudo que leva a cabo nesse artigo e, sobretudo, na introdução e prólogos do seu romanceiro, é óbvio que Veiga é um homem do passado, jurando quase só pelo modelo de Garrett, cujos conhecimentos filológicos, no entanto, não possui, e menos ainda os referentes à baladística anglo-escocesa. Além disso, quando Veiga recorre a outras autoridades, escolhe-as, como vimos, entre autores dos séculos XVII e XVIII. Para lá de nascer (em 1858-60) concebida e organizada de modo antiquado, a colectânea de Estácio da Veiga tem, para mais, a infelicidade de demorar 10 anos a ser publicada. E assim, surgindo depois do modelo “científico” presente nos artigos de Teófilo Braga de 1864-66 (basta ver os autores e títulos aqui citados) e encarnado, mais visivelmente, nas colecções desse mesmo autor (1867 e 1869), o Romanceiro do Algarve e a sua visão “literária” surgem ainda mais cruelmente ultrapassados. Imagine-se a figura de Estácio da Veiga, ao ler as seguintes palavras de Teófilo, publicadas precisamente no mesmo ano da colectânea algarvia, as quais, não obstante um certo ar de rol de mercearia, mostram um espírito bem mais consentâneo com o da sua época: 496 496 Não se pense que as ideias de Teófilo Braga eram geralmente aceites e que só Veiga as terá achado estranhas e incompreensíveis. De facto, em 1869, no panorama que traça das obras de Braga publicadas até esse ano, Oliveira Martins escreve o seguinte: “Resaltam neste livro [a História da Poesia Popular Portuguesa, que é o primeiro dos livros analisados no artigo em causa] todos os defeitos de Theophilo Braga. Abafa-o uma erudição postiça. Estou em que, retiradas as paginas sem fim de divagações estranhas, o que é novo, o que é nosso, a muito pouco se reduziria”. Critica vários aspectos da obra, sobretudo as teorias antropológico-literárias. Quanto aos Cantos Populares do Arquipélago Açoriano, afirma que esta obra é melhor que as anteriores, e conclui: “oxalá que breve abandone de todo essa verdadeira aravia com que andam 159 O estudo da poesia popular tomou na Europa uma nova face; descobriu-se que junto com a poesia do povo andavam de envolta os problemas da historia, a formação das linguas romanicas, a fusão das nacionalidades, o genio das raças, os factos psychologicos da concepção, as crenças religiosas, o symbolismo juridico; a poesia do povo era um grito que denunciava uma alma 497 [...] Desde então os cantos populares foram respeitosamente colhidos. A última frase deste excerto remete para o terceiro (e último) ponto que nos parece de destacar no corpus apresentado neste subcapítulo: o método editorial (respeitador do texto ou, pelo contrário, “criativo”) escolhido pelos editores. Neste aspecto, as coisas começaram muito bem, pois, como vimos, as duas versões tradicionais dadas a conhecer por Garrett em 1828 são apresentadas, ao que parece, sem grandes retoques. Claro que, conforme dissemos, é bem possível que esse respeito editorial seja apenas fruto do carácter “marginal” com que tais textos surgem publicados (“para ver e conbinar” com os poemas neles inspirados, numa espécie de “antes” e “depois” dos anúncios de produtos de beleza). Na verdade, quando Garrett, mais tarde, publica outras versões que, essas sim, devem chamar a atenção sobre si (incluídas em obras literárias originais ou publicadas como algo valioso em si próprio), o respectivo texto apresenta-se já claramente retocado, e mesmo a Delgadinha e o Bernal Francês que tinham saído na Adozinda nunca mais voltaram a ser publicados na versão de 1828. Como vemos, o avanço que representa a passagem do romanceiro para fora da área “marginal” traz consigo, necessariamente, uma mudança na forma de apresentar o seu texto. Do ponto de vista actual, trata-se dum grande recuo na qualidade das versões, mas, para Garrett e seus contemporâneos, tratava-se, sem dúvida, dum avanço, ou, talvez melhor, do único modo por que o texto popular, ao ser entendido como literatura de seu pleno direito, podia ser apresentado. Tendo em atenção esta realidade, são tanto mais de sublinhar os casos em que alguns autores deram a conhecer versões cujo texto se mantém bastante (ou mesmo muito) próximo do estilo tradicional: Costa e Silva (1838), Andrade Ferreira (1843), Pereira da Cunha (1844 e 1848), Costa Cascais (1850) e Quillinan (1853). Ora, se tivermos em atenção o contexto em que tais versões surgem, vemos que nenhuma delas é encarada como texto redigidos os seus estudos, por uma linguagem intelligivel e um systema rasoavel” [J. P. de Oliveira Martins, “Theophilo Braga e o Cancioneiro e Romanceiro Geral Portuguez (3 vol. in 8º Porto, 1867)”, Revista Critica de Litteratura Moderna, nº 2 (1869), pp. 3-47; as citações foram extraídas, respectivamente, das pp. 25 e 47]. 497 1870, p. 352. Theophilo Braga, Historia da Litteratura Portugueza. Introducção, Porto, Imprensa Portugueza, 160 importante por si, e talvez seja precisamente esse facto que explica (ou —aos olhos da época— que desculpa) a fidelidade com que são publicadas. Como observámos, foi necessário esperar por Teófilo Braga para encontrar expressa a ideia (e, pelo menos em certa medida, a prática) do respeito pelo texto oral e, portanto, da fidelidade na sua publicação, inspirada nas ideias positivistas que, na época, se espalhavam pela Europa. 498 Era essa fidelidade (mesmo que relativa) à letra das versões que se encontrava “em vigor” em Portugal quando, em 1870, saiu o Romanceiro do Algarve. No entanto, a obra de Veiga, conforme dissemos, é assumidamente formada por versões factícias, para mais, muito retocadas. Tal aspecto foi, logo no ano seguinte (1871), asperamente criticado por Teófilo Braga, que, escandalizado, escrevia: “o Romanceiro do Algarve [...] está adulterado, aperfeiçoado pelo collector, que formou versões novas com as variantes que recebia”, 499 concluindo rotundamente: “Foi uma infelicidade para esta provincia [o Algarve] o ser explorada pelo snr. Stacio[sic] da Veiga”. 500 Que diria ele se soubesse, como nós hoje, que 11 dos textos da obra nunca existiram na tradição oral algarvia e são, afinal, devidos à própria pena de Estácio da Veiga... Esta falsificação é, sem dúvida, o aspecto hoje mais caduco da obra de Veiga, tendo o nosso autor ido bem mais longe que Garrett na falta de respeito pelos textos, já que o visconde, como é sabido, não publicou nos vols. II e III romances da sua lavra. A actuação de Estácio da Veiga, conforme tentaremos mostrar no capítulo próprio, só parece ser entendível no âmbito do movimento da balada de ambiente antigo (sobretudo medieval), tão corrente durante o nosso Romantismo. 498 Sobre este assunto, fundamentalmente nas suas vertentes bretã e francesa, que, contudo, apresentam enormes pontos de contacto com o caso português, ver Fañch Postic, “La naissance de la littérature orale”, ArMen, nº 65 (février 1995), pp. 35-47, e, mais desenvolvidamente, do mesmo autor, “Le Beau ou le Vrai ou la difficile naissance en Bretagne et en France d’ une science nouvelle: la littérature orale (18661868)”, Estudos de Literatura Oral, 3 (1997), pp. 97-123. 499 Theophilo Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1871, p. 372. Itálico do original. Não se pense que foi só o aspecto da fixação de textos adoptado por Estácio da Veiga que pareceu criticável a Braga, não: por exemplo, sobre as teorias expendidas na obra, o crítico micaelense escreveu que, “como propugnador do antigo regimen, [Veiga, que consabidamente era miguelista] não quiz mudar as suas velhas ideias sobre o romance popular, confundidas com a erudição atrazada de Huet e Moreri e as hypotheses inscientes de Garrett”, e, por isso, na introdução, “os erros e equivocos são tantos como as palavras” (p. 372). 500 Op. cit., p. 204, nota 1. 161 Para a História da Recolha e Publicação dos Outros Géneros da Literatura Oral Como dissemos antes, as nossas pesquisas sobre a história da recolha e publicação de literatura oral foram feitas com o objectivo de contextualizar a colecção de romances formada por Estácio da Veiga. Por esse motivo, foi sobretudo a narrativa em verso que chamou a nossa atenção. Ainda assim, não deixámos de tomar nota de todos os textos de literatura oral que encontrámos pertencentes a outros géneros e subgéneros. Afirmar, porém, que conseguimos detectar a totalidade dos materiais desse tipo que existem nas centenas de obras que folheámos seria insensato. Tal teria requerido que todos aqueles milhares de páginas fossem lidos e não apenas folheados, fazendo com que esta tese tivesse demorado ainda mais anos do que demorou. Temos, é verdade, a sensação de ter dado com a grande maioria dos textos poéticos contidos nessas obras, uma vez que a sua especial disposição tipográfica os torna mais fáceis de apreender. Pelo contrário, certamente que nos escaparam muitos textos pertencentes aos géneros e subgéneros em prosa. De qualquer modo, mesmo tendo em atenção o carácter incompleto do levantamento efectuado, não queremos deixar de o dar a conhecer, uma vez que nele se contêm muitos dados úteis, vários até agora desconhecidos. 1824 Neste ano, uma inglesa (Marianne Baillie) publica, num livro de recordações sobre a sua estadia em Portugal, o primeiro texto de literatura oral que encontrámos nas nossas investigações. A nacionalidade da colectora não é, sem dúvida, de admirar, tendo em atenção o conhecido interesse que a literatura oral suscitava em Inglaterra desde o século anterior. O texto publicado é uma lenda de carácter sentimental e trágico, ligada a determinado lugar dos arredores de Sintra. 501 501 É bem compreensível o interesse que tal lenda Ver Marianne Baillie, Lisbon in the Years 1821, 1822, and 1823, I, London, John Murray, 1824, pp. 82-4. É a história trágica de dois irmãos. Um deles mata o outro, por ciúmes, depois de ter visto a sua namorada abraçada a este. Porém, tal abraço fora motivado por alegria e não por qualquer sentimento amoroso. A namorada explica-lhe o engano, e ele suicida-se logo. Ela morre pouco depois. São enterrados os três na 162 deve ter representado para a autora (e seus leitores), ao relacionar-se com uma vila cuja imagem romântica estava bem enraizada entre os Ingleses, sobretudo pelas referências que, desde há décadas lhe iam fazendo vários viajantes-escritores, como Beckford ou Byron. A recolha de Miss Baillie é datável de entre 1821 e 1823, o período em que ela viveu em Portugal. 1826 Um outro autor inglês (conhecido apenas pela sigla com que assinou a sua obra: A. P. D. G.) publica um novo livro de viagens sobre Portugal, onde conta quatro lendas de milagres. 502 Não custa a perceber o perfume exótico que, a um olhar anglicano, apresentavam sem dúvida essas lendas, tão tipicamente “papistas”. mesma campa, “The Lover’s Grave”, que, na época de Miss Baillie, era “a romantic pilgrimage to almost all strangers” (p. 82). Trata-se do chamado “Túmulo dos Dois Irmãos”, ainda hoje existente, entre S. Pedro de Sintra e o Ramalhão. Alfredo Leal (Historia de Sintra, Sintra, Sintra Regional, s/d., pp. 21-4) conta a lenda com algumas diferenças, sendo as mais importantes que a jovem teria, de facto, atraiçoado o namorado (enquanto ele estava ausente a combater os Mouros) e que ela não teria sido enterrada no túmulo, apenas os dois irmãos. O mesmo autor conta (pp. 25-7) que, em 1830, o túmulo foi aberto e nele só estava a ossada duma pessoa, talvez, supôs-se na altura, um cavaleiro templário. 502 A. P. D. G., Sketches of Portuguese Life, Manners, Costume, and Character, London, Geo. B. Whittaker, 1826. São elas: (a) Lenda referente à marca dos pés de S. António que estaria impressa na escada do campanário da igreja daquela invocação existente junto da sé de Lisboa. A marca teria sido feita no degrau em que o santo deu meia volta para escapar ao Diabo que o perseguia (pp. 132-3); (b) Lenda de S. António (bastante difundida sob a forma de romance) que salva o pai de ser enforcado por uma falsa acusação (pp. 1334); (c) Lenda da imagem do Senhor dos Passos existente no Convento da Graça, em Lisboa (pp. 136-7). Conta que um pobre pede hospedagem no colégio jesuíta de S. Roque, e esta é-lhe recusada. Vai, então, ao convento de agostinhos da Graça, e aí dão-lha. No outro dia de manhã, ao irem à cela onde ficara o pobre, os frades encontram, em seu lugar, uma grande imagem de madeira do Senhor dos Passos. Segundo A. P. D. G., era “firmly believed that this figure is our Lord himself in flesh and blood, and that he thus gave himself to the friars of Graça to reward their hospitality” (p. 137); (d) Lenda da aparição do Menino Jesus a S. António (pp. 145-6). Uma outra versão da lenda do Senhor dos Passos da Graça (com vários pormenores históricos com ela relacionados e que em parte a explicam) pode ler-se em J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas, org. de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, II, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1966 (na capa e no cólofon: 1969), pp. 484-7. 163 No mesmo ano de 1826, Almeida Garrett publica a Dona Branca, longo poema narrativo em dez cantos. O autor sublinha, desde a primeira edição (e mesmo antes de o poema ter saído), 503 uma grande novidade nesta obra: a de “todo o seu maravilhoso [ser] tirado das fábulas populares, crenças e preconceitos nacionais”. sobretudo, 505 503 a cargo das fadas, 506 504 Esse maravilhoso está, personagens existentes, de facto, em muitos contos da De facto, logo em 1824, Garrett escrevia a Duarte Leça: na Dona Branca, “a mitologia ou agentes sobrenaturais de que me servi são estranhos e novos em Portugal; ou, melhor direi, novos e estranhos os acharão, conquanto o não são eles, que esta é a nossa legítima e verdadeira mitologia”, embora não aproveitada pelos autores clássicos (carta, datada de 19/11/1824, in Almeida Garrett, Obras, cit., I, p. 1385). 504 505 Garrett, Dona Branca, in Obras, cit., II, p. 606. Na mente de Garrett, um outro aspecto do maravilhoso desta obra “tirado das fábulas populares” deve ser provavelmente a figura lendária de São Frei Gil de Santarém, grande especialista de magia negra. No poema, além de encantar D. Branca, Frei Gil tem mesmo poderes para ressuscitar um cadáver, que sai do sepulcro e fala (ver canto X, 23-24, pp. 598-600). Não sabemos em que medida Frei Gil alguma vez foi personagem de lendas orais, mas é bem possível que Garrett o tenha conhecido sobretudo (ou apenas) do que sobre ele escrevem Jorge Cardoso ou Fr. Luís de Sousa, que com muitos pormenores falam sobre a vida de Gil, nomeadamente o pacto que ele fez com o Demónio, nas “covas de Toledo”, e as maravilhas que, graças a isso, passou a obrar, antes de se arrepender e se tornar frade. Além disso, depois de Gil ter morrido, devido à sua intercessão, foram ressuscitadas três pessoas, o que recorda, sem dúvida, o facto mágico narrado por Garrett (ver George Cardoso, Agiologio Lusitano dos Santos, e Varoens Illustres em Virtude do Reino de Portugal, e suas Conquistas, III, Lisboa, Na Officina de Antonio Craesbeek de Mello, 1666, pp. 239-245 e 816-9; e Fr. Luís de Sousa, História de S. Domingos, edição organizada por M. Lopes de Almeida, I, Porto, Lello & Irmão—Editores, 1977, pp. 175-249; a ressurreição das três pessoas está na p. 232). 506 Que a nova mitologia, portuguesa está presente na obra pelo uso que nela se faz das fadas é ideia que surge claramente expressa numa significativa passagem: Vivam as fadas, seus encantos vivam! Nossas lindas ficções, nossa engenhosa Mitologia nacional e própria Tome enfim o lugar que lhe usurparam Na lusitana antiga poesia De suas vivas feições, de sua ingénua Natural formosura despojada Por gregos deuses, por espectros druídicos. (canto III, 7, p. 502) O último hemistíquio alude sem dúvida à influência do Ossian de Macpherson, que, em França, anos antes, ocasionara “a moda druídica nos versos” (p. 615). Depois de avassalar grande parte da Europa (sobre a questão, como noutro cap. já dissemos, pode ler-se Paul van Tieghem, “Ossian et l’ Ossianisme au XVIIIe siècle”, Le Préromantisme, cit., I, pp. 197-287), a voga começava talvez a notar-se também em Portugal, ainda que lentamente (à época, em português, existia apenas a tradução dum Fragmento de Fingal. Poema epico, in 164 tradição oral portuguesa. A Dona Branca seria, portanto, o primeiro exemplo de influência da nossa literatura oral na literatura escrita romântica, antecipando algo que só dois anos depois encontraríamos na Adozinda. Não nos parece, porém, que os contos de fadas portugueses sejam os modelos em que se inspiram as fadas da Dona Branca. Na verdade, estas últimas relacionam-se bem mais com uma linhagem erudita estrangeira (cuja fonte imediata parece ter sido o Oberon de Wieland —como reconhece o próprio Garrett— 507 mas a que pertencem muitas outras obras, como a famosa Faerie Queene de Spenser), conforme se pode ver pela existência no poema de um reino de formas maravilhosas governado pela “rainha das fadas” (aliás de nome bem pouco nacional e popular: Alina), coisas que nunca surgem nos contos tradicionais portugueses. E é graças aos sortilégios dessa rainha das fadas que a infanta cristã e o rei mouro —protagonistas do poema— se apaixonam, actuação que, obviamente, nada tem a ver com o modo de ser e de fazer das fadas que existem na nossa tradição oral. Tal papel é, pelo contrário, muito parecido com o que representa a rainha das fadas no Oberon. O carácter de seres de importação que as fadas da Dona Branca possuem fica ainda mais patente na sua imagem de espíritos terríficos, aparentados com morcegos ou vampiros, imagem que elas nunca têm nos contos nacionais: Dizei-me, ó fadas que inspirais meu canto, Espíritos das lôbregas cavernas, Que à meia-noite volteais de em torno Dos túmulos coas asas membranosas, 508 Dizei-mo vós [...] Quererá isto dizer, então, que —ao contrário do que escreveu Garrett e tem sido 509 dito e redito até hoje— não há na Dona Branca nenhuma marca da literatura oral Manoel Maria de Barbosa du Bocage, Verdadeiras Ineditas Obras Poeticas, IV, Lisboa, Na Impressão Regia, 1813, pp. 128-9). Noutra passagem da Dona Branca, temos segunda referência mais explícita (e ainda mais claramente negativa) a essa mitologia nórdica, que o narrador teme que acabe apenas por substituir uma mitologia importada por outra mitologia importada, continuando a deixar de lado a “mitologia nacional” (ver canto III, 4, p. 500). 507 “Nesta composição [a Dona Branca], seguiu-se visivelmente o exemplo de Wieland no Oberon” (op. cit., p. 606). Recorde-se que esta obra de Wieland tinha sido traduzida por Filinto Elísio (ver Wieland, Oberon, Paris, s/n., 1802, 2 vols.). 508 Op. cit., canto X, 18, p. 596. Repare-se ainda como nesta passagem as fadas, embora sob uma camada fina de Pré-Romantismo e novidade, desempenham, afinal, apenas a função arquiclássica das musas nos poemas épicos. 165 portuguesa? Alguma coisa existe, mas não muita. Além da referência a crenças populares não ligadas à literatura tradicional (e que, portanto, nos abstemos de recordar), 510 encontram- se ao longo do poema menções a alguns (sub)géneros orais: os contos, as lendas de mouras encantadas e outras lendas. E em dada altura, deparamos com o primeiro elogio que entre nós se fez à literatura oral (curiosamente, conotada já com um passado perdido): Oh! magas ilusões, oh! contos lindos, Que às longas noites de comprido Inverno Nossos avós felizes entretínheis Ao pé do amigo lar [...] [...] Pimponices de andantes cavaleiros [...] Malandrinices de Merlim barbudo, Travessuras de lépidos duendes, E vós, formosas mouras encantadas, Na noite de São João ao pé da fonte Áureas tranças com pentes de oiro fino Descuidadas penteando [...] Oh! magas ilusões, porque não posso Crer-vos eu coa fé viva doutra idade, Em que de boca aberta e sem respiro, Sem pestanejo um só, de olhos e orelhas No Castelo escutava a boa Brigida Suas longas historias recontando De almas brancas trepadas por figueiras, 511 De expertas bruxas de unto besuntadas. 509 Ainda recentemente uma especialista da craveira de Ofélia Paiva Monteiro, deixando-se arrastar pela tradição, escrevia que, na Dona Branca, Garrett “utiliza programaticamente o ‘maravilhoso’ popular nacional” [“Garrett”, in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, Lisboa, Caminho, 1997, p. 205]. 510 Apenas um exemplo (ver canto X, 22, p. 598): a crença de que a mão esquerda duma criança que morreu sem ser baptizada, se for cortada, dará luz como uma lanterna. Trata-se, possivelmente, duma variante da conhecida crença nas propriedades da “mão-do-finado”. 511 Op. cit., canto III, 3, p. 499. Os últimos versos, como o explica o próprio autor em nota de rodapé, aludem à quinta do Castelo, “na qual passei os primeiros anos da infância, e ouvia as histórias da boa Brígida, velha criada que tinha o jeito e traça de bruxa, e era cronista-mor de feitiços e milagres”. 166 De notar que a referência aos “andantes cavaleiros” provém, possivelmente, muito menos da literatura oral do que da literatura escrita, nem que seja a dos folhetos de cordel. O mesmo se pode dizer do “Merlim” que surge no verso seguinte, esse, sobretudo, de existência muito improvável na nossa tradição oral. Também as personagens dos “duendes” (ver outro verso mais abaixo) não são, como se sabe, próprias dos contos tradicionais portugueses. É possível que estas referências extranacionais mostrem que boa parte daquilo que Garrett conhecia, na época, da literatura oral lhe vinha não da tradição portuguesa mas sim da leitura de colecções estrangeiras. Aliás, como se sabe, se exceptuarmos (e ainda assim...) os Contos e Histórias de Proveito e Exemplo de Trancoso, no tempo de Garrett não existiam colecções que alguém interessado na literatura oral portuguesa pudesse ler. 1828 Nas notas da Adozinda, Garrett volta a mencionar as lendas de mouras encantadas (de que refere certas características, e que afirma, erroneamente, serem exclusivas da tradição portuguesa) 512 e também, sem maior especificação, os contos de fadas. 513 1833 Uma inglesa (Julia Pardoe) publica um livro fruto da sua estadia em Portugal. 514 Dispersos ao longo da obra, encontram-se 18 provérbios, citados em português e em 512 Depois de mencionar a crença “do vulgo” português nas “sombras de finados” e nas “bruchas”, que “são cosmopolitas” (i. e., comuns a vários povos), acrescenta: “A nossa mythologia popular tem mais outra especie de entes sobrenaturaes, que é privativa nossa. — São as moiras-incantadas, que nem são bruchas, duendes, nem fadas, mas lindas e amaveis creaturas que se divertem a incantar, a excitar os desejos dos pobres mortaes — e ás vezes, tam boas são! a satisfazê-los” (Adozinda, cit., p. 117). 513 514 Ver op. cit., p. 120. Miss Pardoe, Traits and Traditions of Portugal, collected during a residence in that country by..., London, Saunders and Otley, 1833, 2 vols. 167 tradução inglesa, que ajudam a dar “cor local” ao texto. 515 A recolha é datável de entre 1826 e 1828, época em que ela viveu em Portugal. É esta a primeira vez em que, no nosso corpus, surge atestado tal subgénero. Além disso, a obra apresenta os textos (em inglês) de três canções que a autora diz ter ouvido junto ao Mondego, duas das quais durante as festas de um casamento. 516 Embora ela não afirme claramente que se tratam de textos populares, a verdade é que as põe na boca de gente do povo, sendo a segunda cantiga cantada mesmo por “a rustic Improvvisatore”. Porém, tudo leva a crer que estes textos foram inventados pela própria Miss Pardoe, 515 518 517 a fim Os provérbios podem ler-se comodamente agrupados no apêndice IV do estudo de Maria Luísa Fernandes Alves, O Portugal de Julia Pardoe. Uma visão romântica e feminina, Lisboa, I.N.I.C. / Centro de Estudos Comparados de Línguas e Literaturas Modernas, 1989. 516 Ver Traits and Traditions of Portugal, cit., II, pp. 299-300, 312 e 313-4. O primeiro dos poemas tem um refrão em português: “Filha do meu coraçaô [sic]”. 517 518 Op. cit., II, p. 310. Diga-se antes de mais que os poemas (apresentados, como dissemos, apenas em inglês) dificilmente poderão espelhar a letra de quaisquer textos portugueses (ainda que cultos), os quais, se existiram, haveriam necessariamente de ter sofrido grandes tratos de polé, de modo a ajustar-se à rima e à complexa metrificação que apresentam os textos ingleses. Por outro lado, nada nos temas ou na linguagem dos textos deixa transparecer que sejam tradução de canções tradicionais portuguesas. No máximo, a não serem invenção de Julia Pardoe, serão a tradução de canções cultas arcádicas, do género das “modinhas”, ainda muito apreciadas na época em que a autora viveu em Portugal. Não podemos, pois, concordar com Maria Luísa Alves, quando ela escreve: “Em todos os casos [i. e., nos três poemas referidos] estamos perante baladas de raiz popular” (op. cit., p. 100). A mesma estudiosa afirma mesmo (p. 99, n. 58) que na terceira das canções “existe uma curiosa coincidência de conteúdo com o romance medieval espanhol ‘Fonte-frida y con amor’”. Ora tal coincidência resume-se, porém, a que no texto se elogia a rola, em detrimento doutras aves, por ela ser muito dedicada ao companheiro (sublinhe-se que Miss Pardoe põe esta canção na boca duma recém-casada, durante as festas da boda). Tendo em atenção todo o anterior, parece-nos, portanto, errada a conclusão de Maria Luísa Alves: “Julia Pardoe precursora de Garrett? Não podemos atestar a existência destas três baladas na nossa poesia popular, mas tenham sido traduzidas, adaptadas ou imitadas, são reveladoras de um interesse pelos cantares do povo como fonte de investigação etnográfica” (op. cit., p. 100). Como dissemos, nada nos textos ingleses permite dizer que eles foram traduzidos ou sequer imitados de canções tradicionais portuguesas, e, pelo contrário, é muito possível estarmos em presença de uma total invenção. Portanto, os referidos três poemas não podem tornar Julia Pardoe uma “precursora de Garrett”, até porque a sua obra não é anterior à Adozinda, 1828 (e mesmo falando em termos de recolha e não de publicação, a teórica recolha de Miss Pardoe não poderia ser anterior a 1826, ano em que ela veio para Portugal, sendo, por isso, posterior à recolha de romances levada a cabo pela “jovem menina” de Lisboa amiga de Garrett, em 1823-24). De qualquer modo, os 168 de reforçar a imagem idílica que ela pretende transmitir no episódio em questão. Trata-se, assim, dos primeiros textos falsamente atribuídos na época romântica à tradição oral portuguesa. Publica-se uma obra de Beckford, em que o famoso viajante conta duas lendas de milagres. 519 A recolha data de 1787 ou de 1793-94, anos em que ele esteve em Portugal. Num poema datável de 1834, 520 Almeida Garrett mostra conhecer bem o conto, muito comum na nossa tradição, as Três Cidras do Amor (AT 408, The Three Oranges). 521 1838 Num artigo da revista O Ramalhete, conta-se uma lenda de moura encantada, mais precisamente um episódio que, no séc. XVII, foi dado por verdadeiro. 522 18 provérbios portugueses que Maria Luísa Alves detectou na obra de Julia Pardoe tornam necessária uma referência a esta autora inglesa numa história da recolha de literatura oral entre nós. 519 [William Beckford], Italy; with sketches of Spain and Portugal, II, London, Richard Bentley, 1834. A primeira das lendas (p. 202) é variante doutra que já encontrámos atrás, recolhida por A. P. D. G. (Beckford conta-a assim: S. António, estando um dia na sé de Lisboa, viu-se perseguido pelo Diabo. Para se livrar dele, fez o sinal da cruz sobre uma parede, e o Diabo desapareceu. Ainda hoje se pode ver a marca dos dedos do santo nessa parede); a segunda (p. 207) é a lenda dos corvos que acompanharam o corpo de S. Vicente na sua transladação para Lisboa, que lhe é contada durante uma visita à sé, para ver os pretensos descendentes desses corvos, que aí viviam ainda. Tal visita é apresentada por Beckford com uma não muito velada ironia que mostra bem o interesse puramente exótico que os anglicanos encontrariam naquelas lendas religiosas católicas. 520 Ver Ofélia Milheiro Caldas Paiva Monteiro, A Formação de Almeida Garrett. Experiência e criação, II, Coimbra, Centro de Estudos Românicos, 1971, p. 333. 521 Ver “As Três Cidras do Amor (Conto afonsinho)”, Narrativas e Lendas, edição crítica, fixação do texto, prefácios e notas de Augusto da Costa Dias, Lisboa, Editorial Estampa, 1979, pp. 125-141. O poema (pp. 129-131) contém claras referências ao início do conto tradicional. O título dado por Garrett ao seu texto em prosa, além de brincar com o nome do conto tradicional, designa também as três personagens principais da história, todas irmãs, conhecidas por aquela alcunha. O texto de Garrett (esboço de algo que poderia ter sido uma novela e não se chegou a concretizar) é datado por Costa Dias de 1839-45 (ver p. 147). Opinião diferente é, porém, a de Ofélia Paiva Monteiro (ver nota anterior). 169 1840 Em dois contos regionalistas (passados na ilha de S. Miguel), Raposo de Almeida inclui uma cantiga de Reis 523 e um texto em quadras. 524 O primeiro parece verdadeiramente tradicional, e o segundo é possível que também o seja. É a primeira vez que, no nosso corpus, surgem atestados textos pertencentes ao género lírico. Além disso, tanto quanto as nossas investigações revelaram, esta é também a primeira vez que se incluem textos tradicionais num texto de literatura institucionalizada (o uso que Garrett faz de romances no Alfageme de Santarém é dois anos posterior). O objectivo de tal aproveitamento é, sem dúvida, produzir verosimilhança e cor local. Da primeira metade dos anos 40 data um manuscrito organizado, pelo menos em parte, por E. T. D. de Castro, 525 onde, além de romances (como já vimos), se incluem “muitas dezenas de cantigas, ou quadras” 526 e outros poemas líricos. 527 Infelizmente, desconhece-se o paradeiro deste manuscrito. 522 Anónimo, “Mouras Encantadas”, O Ramalhete, nº 32 (23/8/1838), pp. 251-252. É sobre o aparecimento duma moura encantada a um rapaz, em Gouveia, em 1653. Transcreve-se o acto notarial coevo, onde se conta que a dita moura era uma serpente que, no fim, se transformou em menina e deu ouro ao rapaz. 523 Ver [Francisco Manoel] R[aposo] d’ Almeida [o nome completo do autor é revelado na p. 2, no “Preambulo”, escrito pela direcção da revista, que acompanha o conto], “Costumes Michaelenses. I: Cantar os Reis”, O Mosaico, II, nº 44 (6/1/1840), pp. 2-5; a cantiga está na p. 4. Note-se que, na página (não numerada) que antecede a p. 2, existe uma estampa (com o título “Cantar os Reis”) representando um grupo de músicos tocando, cantando e dançando em frente duma casa. 524 Anónimo [Francisco Manoel Raposo d’ Almeida?], “Costumes Michaelenses. O Monge de Caloura (Romance historico) — Annos de 1817-18 —”, O Mosaico, II, nº 65 (1/6/1840), pp. 169-172. O texto poético (p. 172) consta de quatro quadras, apresentadas como improvisos do “tio Faria”, a mesma personagem que, no conto publicado no nº 44 da revista, aparecia a cantar os Reis. 525 526 Ver o que sobre este manuscrito e sua datação dissemos no subcapítulo anterior. J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, IV, cit., pp. 425-6. O exemplar deste volume dos Ensaios que pertenceu ao próprio Vasconcelos está hoje na biblioteca do Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa). Tal exemplar tem, na margem inferior da p. 425, pela mão de Vasconcelos, o seguinte acrescento manuscrito, a lápis: “D’ este ms. deve ter Pires copiado muitas cantigas, talvez [a palavra “talvez” é acrescento posterior, escrito com um lápis diferente, mais claro] as que ele traçou”. “Pires” é António Tomás Pires, que, 170 1842 Numa crítica teatral sobre a estreia duma ópera, beirãs” tradicionais. 529 528 transcrevem-se duas “quadras Pertencem a uma faceta do cancioneiro cujos textos são propositadamente disparatados e sem rima, de modo a provocarem o riso. O autor da crítica usa estas quadras para mostrar a má qualidade do libreto da ópera, que seria como elas, isto como na mesma página se informa (no texto impresso), foi quem ofereceu a Leite de Vasconcelos essa “miscellanea manuscrita”. Como, noutro lugar, recorda o próprio Vasconcelos, Tomás Pires publicou “uns poucos de milhares de canções, distribuidos por varios jornaes, como a Sentinella da Fronteira (onde tem sahido os Cantos populares do Alemtejo), o Elvense, Jornal da Manhã, etc.” (J. Leite de Vasconcellos, Poesia Amorosa do Povo Português. Breve estudo e collecção de..., Lisboa, Viuva Bertrand & Cª, 1890, pp. 75-6). 527 A referência a esses outros poemas é feita apenas numa obra posterior aos Ensaios Ethnographicos, onde Vasconcelos diz que o manuscrito, além de quadras, incluía: “Versos da Saloia, e um distico [...] Versos da semana [...] Ama do juiz de Fóra [...], com versos de redondilha menor. Popular?” [J. Leite de Vasconcellos, Etnografia Portuguesa, I, cit., pp. 258-9]. 528 No espectáculo (realizado no Teatro da Rua dos Condes, em Lisboa) apresentara-se a versão portuguesa de A Dama Branca, ópera francesa cujo autor não é mencionado no artigo. Diz-se apenas que a ópera é adaptação duma “novella de Walter Scott”. Trata-se, provavelmente, da famosa La Dame blanche, ópera de Boieldieu (1825), cujo argumento é, de facto, adaptado de Guy Mannering e The Monastery, de Scott. 529 Anónimo, artigo sem título, Revista Universal Lisbonense, II, nº 12 (8/12/1842), pp. 151-2. As quadras estão na p. 152. 171 é, sem sentido e mal rimado. 530 É esta a primeira vez em que, nas nossas investigações sobre a época em estudo, encontrámos uma visão totalmente negativa da literatura oral. 532 Almeida Garrett publica O Alfageme de Santarém. 531 Neste drama, o autor, além de (como vimos no capítulo anterior) incluir romances, põe, também na boca de personagens populares, algumas canções líricas que pretendem ter ar de tradicionais. Os textos imitam processos estilísticos (sobretudo a repetição) cuja pertença à poesia oral vemos ser do perfeito conhecimento de Garrett. Uma das cantigas é uma quadra imitada das de São Gonçalo de Amarante correntes na tradição. 533 1843 Novo autor inglês (Borrow), em novo livro de viagens, publica outro texto português tradicional. Desta feita, trata-se duma versão do ensalmo do Justo Juiz Divinal, talvez originária de Palmela. O texto (embora apresentado apenas em tradução) parece perfeitamente genuíno, e Borrow fornece, além disso, importantes dados para a sua 530 As quadras citadas são as seguintes: Semeei no meu quintal Amorinhos de Izabel; Nasceu-me um pé de um burro, Com uma candêa na mão. Ó almas do purgatorio, Que estaes á borda do rio; Virae-vos da outra banda, Que vos dá o sol nas costas. 531 Muitos anos mais tarde, como veremos noutro capítulo, o mesmo tipo de quadras será apresentado por um jornalista como prova de que a poesia do povo não tem qualidade, sendo uma insensatez o interesse de Estácio da Veiga em recolhê-la. 532 [Almeida Garrett], O Alfageme de Santarem ou A Espada do Condestavel, pelo auctor de Catão e Auto de Gil-Vicente, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1842. 533 Op. cit., p. 17. 172 contextualização. 534 É esta a primeira vez em que, no nosso corpus, surge atestado o subgéneros das orações. Garrett, publica o I vol. do seu Romanceiro. Aí inclui, como epígrafe da Noite de San’ João, uma quadra tradicional, que informa ser do Minho. 534 535 George Borrow, The Bible in Spain; or,[sic] the journeys, adventures, and imprisonments of an Englishman, in an attempt to circulate the Scriptures in the Peninsula, London, John Murray, 1843, p. 17. Não obstante o título da obra, 8 dos seus capítulos (num total de 57) são sobre Portugal. Em dado momento (p. 17), Borrow fala dum homem de Palmela que encontrou em Évora. Embora viaje muito e sozinho, este homem explica-lhe que nunca tem medo, “for I am well protected”. E mostra “a small bag, attached to his neck by a silken string. ‘In this bag is an oracam [sic], or prayer, written by a person of power, and as long as I carry it about with me, no ill can befall me.’” Dentro desse saquinho, estava “a large piece of paper closely folded up”. Borrow fornece uma “literal translation” do texto (a que dá o título de “The Charm”), o qual “struck me at the time as being one of the most remarkable compositions that had ever come to my knowledge”. Borrow explica ainda que “the woman of the house [a dona da hospedaria onde ele estava alojado e onde se passara a conversa com o homem de Palmela] and her daughter had similar bags attached to their necks, containing charms, which they said, prevented the witches having power to harm them.” A função de amuleto desempenhada por um papel com uma oração que se traz junto ao corpo está perfeitamente atestada em numerosos países: “As orações-fortes [i. e., “as súplicas dirigidas a Deus e aos santos, segundo fórmulas que não devem ser usadas comumente” e que obrigam os seres sobrenaturais a actuar segundo o desejo de quem as recita ou possui] são trazidas ao pescoço, num saquinho cosido, ou dentro da carteira, do bolso, em lugar oculto. [...] [São] comuns pelo Brasil inteiro [...] O costume é universal”, atestado, por exemplo, entre os Judeus, Muçulmanos e povos de outras religiões (Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro, 5ª ed., revista e aumentada, São Paulo, Edições Melhoramentos, 1980, pp. 550-1) Em Portugal, tal prática parece ter sido corrente até há pouco tempo. Durante a Guerra Colonial, está inclusive atestado o uso duma interessante versão do Justo Juiz transformada ad hoc. Veja-se, de facto, o que aconteceu a José Marques, natural do Algarve, fuzileiro: “No dia em que partiu para a Guiné, uma vizinha deulhe a oração do Justo Juiz Divinal. ‘Jesus me há-de livrar de espingardas e pistolas com que me atirem, elas não acenderão, que eu trago Jesus comigo. Se os meus inimigos vierem para me prender, terão olhos e não me verão, boca mas não me falarão, pernas mas não andarão (...)’. Assim foi durante muito tempo, caiu ao seu lado muita gente sem que ele sofresse a menor beliscadura” (Felícia Cabrita, “A Campanha do Medo”, Revista do Expresso, 23/5/1994, p. 92). Maria Aliete Galhoz referiu-nos que, ainda não há muitos anos, no Algarve, viu serem usados como amuleto, trazido junto ao corpo, não folhas manuscritas mas sim exemplares de pequenos folhetos de cordel (in 32º) com orações, sobretudo o Justo Juiz. 535 J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I, cit., p. 135. A atribuição geográfica encontra-se na nota “A” (p. 210) da Noite de San’ João. 173 Noutros pontos desta obra, há referência a dois contos tradicionais: a Bela e o 536 Monstro (AT 425 C, Beauty and the Beast) e um conto conhecido internacionalmente por The King’s Glove (AT 891 B*), no qual se baseia O Chapim d’ Elrei, um dos “romances reconstruídos” publicados neste vol. I. 537 1844 Um poema de Costa Cascais (escrito em 1844, embora só postumamente publicado) inclui duas quadras tradicionais. A primeira, 538 segundo informa o autor, é das que se cantavam em casa, frente ao presépio, na quadra natalícia; a segunda 539 é das cantigas de pedir os Reis. 1845 536 Ver o prólogo d’ O Anjo e a Princeza, onde o autor menciona “as classicas aventuras de Cupido e Psychis, — verdadeira fonte [...] da muito romantica e trovada historia da carochinha, A Bella e a Fera, que toda a gente sabe — ou soube quando era pequena” (op. cit., p. 145). Ignoramos onde terá Garrett adquirido o conhecimento que nesta frase demonstra e que, para época, em Portugal, é notável. Em última análise, deverá ter-lhe vindo dos irmãos Grimm. Na verdade, em 1812, nos comentários a uma versão da Bela e o Monstro, menciona-se já o conto de Amor e Psique (Brüder Grimm, Kinder und Hausmärchen, 2º Band, 1815, p. iv, nota ao conto “Das singende springende Löweneckerchen”). Muito agradecemos a Teresa Cortez ter-nos conseguido fotocópia da página desta edição. 537 No prólogo do poema em causa, Garrett escreve: “Foi verdadeiramente reconstruida ésta xacara dos fragmentos soltos da composição popular antiga [...] Vieram-me de Evora os fragmentos por intervenção do Sr. Rivara [...]: são parte em prosa, parte em verso, estado em que alguns d’ este fosseis se desinterram ás vezes. Verifiquei depois que pelas vizinhanças de Lisboa se incontravam na mesma fórma e quasi os mesmos” (pp. 159-160). O Chapim d’ Elrei é, de facto, baseado num conto tradicional, cujas versões portuguesas costumam conter algumas partes em verso. Outros pormenores serão fornecidos mais à frente, quando, no capítulo sobre a balada romântica, voltaremos a mencionar este “romance reconstruído”. 538 Joaquim da Costa Cascaes, Poesias, I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, p. 305. O poema em que se inclui esta quadra (e aquela a que a seguir nos referimos) intitula-se Vingança em Noite de Reis e está nas pp. 301-319. Quanto à indicação da data de escrita do poema, ver p. 362. 539 Op. cit., p. 318. 174 João Maria Campelo publica um poema em quadras, inspirado, como ele próprio reconhece, nas cantigas dos Reis, nomeadamente na canção narrativa Os Três Reis do 540 Oriente. Algumas das quadras parecem-se muito com as de versões tradicionais. 541 É esta a primeira vez em que, no nosso corpus, encontramos um poema culto inspirado em textos líricos tradicionais e num poema narrativo não romancístico. Num conto da sua autoria, Pereira da Cunha inclui uma versão duma rima infantil tradicional. 542 Trata-se, no nosso corpus, da primeira atestação da existência deste subgénero na tradição oral portuguesa. 540 J. M. Campêllo, Descante dos Reis, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 24 (2/1/1845), pp. 291- 292. O poema é precedido por uma breve introdução, em que o autor diz: “O que se segue é uma cantilena tão feita dos desestudados cantares do povo do Minho, que, pois talvez não leve uma ideia, ou verso, que seja inteiramente proprio, nem meu é, nem d’ elle”. 541 Sobretudo as seguintes quadras: Mal haja esse rei Herodes, Cf.: Capitão falso, e damninho, Herodes, como malvado, esse perverso maligno, Que ensinou aos tres reis magos às avessas lh’ ensinava Ás avessas o caminho. aos santos reis o caminho. [...] (Manuel da Costa Fontes, Romanceiro Português do Canadá, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1979, nº 384) Oiro fino lhe offerecem Como a rei celestial, Incenso como a divino, Myrrha como a immortal. Cf: Offereceram-lhe ouro fino, Como rei oriental, Incenso como divino, E myrrha como a mortal. (Braga, Cantos Populares do Archipelago Açoriano, cit., p. 352) Não se pense, porém que todas as quadras estão assim tão próximas dos textos tradicionais. Algumas, se é que vêm da oralidade, estão, sem dúvida, muito retocadas. A mais claramente erudita (pelo léxico e pela sintaxe) é a seguinte: Quem traz oiro, incenso e myrrha Dos desertos de Senaar? São tres reis, Gaspar um d’ elles, E Belchior, e Balthasar. 175 O escritor inglês William Kingston conta, num livro de viagens, duas lendas ouvidas no norte de Portugal. 543 Maria Peregrina de Sousa colaborou na Revista Universal Lisbonense com uma série de artigos sobre etnografia minhota. 542 544 Em três deles, transcreve pequenos textos de A. Pereira da Cunha, “Masilgado”, Revista Universal Lisbonense, IV. O conto começa no nº 37 (3/4/1845), pp. 446-448, e acaba no nº 42 (8/5/1845), pp. 506-508. No nº 38 (10/4/1845), p. 456, assistimos à cena em que, certa personagem (Salvador Soares) “poz-se a cantar a meia voz [a uma filha pequena] certa cantilena, que já por esses tempos se usava: Joaninha, vôa, vôa, Vae a teu pae a Lisboa, Que...” Salvador é, neste momento, interrompido pela mulher, e a rima fica incompleta. Curiosamente, uma interrupção do texto, fazendo com que ele fique incompleto, acontece também nas outras duas vezes em que Cunha transcreve versões tradicionais numa obra sua (ver, no subcapítulo dedicado ao romanceiro, os anos de 1844 e 1848). É possível que tal interrupção tenha o objectivo de aumentar a verosimilhança, dando a impressão de que os textos tradicionais surgem espontaneamente na acção do conto ou da peça. Se eles fossem recitados (ou cantados) na totalidade, mais facilmente poderiam dar a impressão de terem sido ali postos pelo seu valor em si, para serem ouvidos independentemente da acção do conto ou peça em que estão integrados. 543 William H. G. Kingston, Lusitanian Sketches of the Pen and Pencil, I, London, John W. Parker, 1845. Trata-se de: (a) Lenda do rei Bamba e da sua aguilhada, que floresce miraculosamente (pp. 122-7). A árvore que daí teria resultado existia ainda, no tempo de Kingston, perto da sé de Guimarães. Segundo o autor, essa lenda foi-lhe contada por uma mulher; (b) Lenda etiológica da igreja (e bairro) de Cedofeita, Porto (pp. 241-2). 544 Os texto estão assinados com o pseudónimo “Uma Obscura Portuense”. Esta série —cujo título mudou algumas vezes, e foi, por exemplo, “Costumes Populares do Minho” ou “Superstições Populares no Minho (Carta)”— é constituída por 12 artigos. O primeiro deles saiu no vol. IV, nº 6 (29/1/1844), pp. 71-2, e o último no vol. IV, nº 48 (19/7/1845), p. 583. A série completa foi republicada na Revista Lusitana, VI (190001), pp. 129-151, sob o título de “Tradições Populares do Minho (Cartas)”, antecedida por uma pequena introdução de Leite de Vasconcelos, que sublinha que estes artigos “foram dos primeiros trabalhos que entre nós se publicaram sobre o assunto, depois que Almeida Garrett mostrou o valor ethnologico das tradições populares” (p. 129). Nos Ensaios Ethnographicos, I (Espozende, Collecção Silva Vieira, 1891, pp. 229-236), Leite de Vasconcelos fala mais desenvolvidamente sobre estas “cartas” e outras obras da autora. 176 literatura oral: uma quadra pertencente a um auto sobre o nascimento de Cristo, ensalmos e um provérbio, 546 e mais dois ensalmos. 545 nove 547 1846 O alemão Raczynski publica uma famosa obra sobre Portugal, misto de livro de viagens e de história da arte. Aí se inclui uma quadra tradicional, com a sua tradução francesa. 548 Pela primeira vez no nosso corpus, o texto é acompanhado pela transcrição da respectiva música. A recolha, feita na Figueira da Foz, é datável de 1842-45, época em que Raczynski viveu em Portugal. 549 Neste ano, aparece na imprensa menção ao projecto, atribuído ao músico (italiano, mas residente em Portugal e aqui falecido) Angelo Frondoni, de publicar uma colecção de canções portuguesas, embora não seja totalmente claro se recolhidas da tradição oral. 545 550 “Festas Populares do Minho”, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 25 (9/1/1845), pp. 300-301. Sobre o auto, afirma D. Maria Peregrina: “para elle [o povo] é edificante, não para quem tem bom senso” (p. 300), percebendo-se bem em qual dos grupos espera que os leitores a coloquem. De sublinhar este distanciamento crítico que a autora deixa transparecer (ou, melhor, sente a necessidade de mostrar claramente) face a fenómenos que, por outro lado, acha dignos de interesse, ou não se compreenderia a sua decisão de escrever sobre eles. A mesma dualidade se encontra noutro artigo da série, onde, embora, por um lado, a autora mencione “um costume que muito tocante achei”, fala de outras coisas com desprezo e designa o acto de “talhar o bicho” (que, aliás, descreve com certo pormenor) como uma “cerimonia grutesca” [“Superstições Populares no Minho (Carta)”, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 43 (15/5/1845), pp. 519]. 546 “Superstições Populares do Minho (Carta)”, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 35 (20/3/1845), 547 “Superstições Populares no Minho (Carta)”, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 43 (15/5/1845), p. 420. pp. 518-9. 548 549 550 A. Raczynski, Les Arts en Portugal, par le comte ..., Paris, Jules Renouard et Cie., 1846, p. 478. Raczynski foi embaixador da Prússia em Lisboa entre os anos que indicámos. Diz o artigo: “As canções portuguezas tem merecimento para formarem uma collecção tam rica como variada. Todas as nações possuem cantos populares, e era ja tempo de Portugal colligir os seus, notaveis pela sua singela e poetica melodia. A lingua presta-se como as melhores, e ha motivos que se distinguem por uma grande ligeireza de estillo. O auctor do ‘Beijo’* [este asterisco remete para a seguinte nota de rodapé: “Deve aqui intender-se: da musica da farça intitulada O Beijo, porque o auctor da lettra é por emquanto alheio a 177 Porém, tal colecção —que, sublinhe-se, além da letra conteria também a música— não foi concretizada. 551 Num longo texto em boa parte dedicado às tradições populares da região de Castanheira do Vouga, Castilho transcreve a lenda duma moura encantada, um poema popular pertencente ao tipo das “conversações em prosa [...] não obstante rimada”, entre duas pastoras, que falam “de cabeço para cabeço”, 552 tradicionais e uma sextilha de versos paralelísticos). 553 e cantigas de São João (5 quadras É esta a primeira vez em que, no nosso corpus, surge a transcrição duma lenda de mouras encantadas. Além disso, o autor tece interessantes —e pioneiras— considerações sobre as cantigas ao desafio (cuja estrutura especifica), 554 a estrutura bipartida presente em muitas ésta empresa”. Trata-se de Fondoni: ver O Beijo. Trechos, farça-lyrica num acto composta e arranjada para canto e piano forte por Angelo Frondoni, letra de Silva Leal, Lisboa, Lith. F. M. Pereira, 1845], desejando pôr ao alcance de todos éstas composições e facilitar o seu conhecimento, emprehendeu publicar, coadjuvado por notabilidades d’ este paiz no que diz respeito á lettra, a collecção da maior parte das cantigas portuguezas, tanto antigas como modernas, preferindo das primeiras as que se characterizam pelo typo verdadeiramente peninsular, e das segundas as que ao gosto reunem a simplicidade e a arte. Acceitar-se-hão entre as ultimas as que incluirem as qualidades acima requeridas, sendo rogado, para concorrer e inrequecer ésta collecção, qualquer portuguez que se queira distinguir n’ este genero. Esta collecção sahirá n’ um caderno de trinta a quarenta paginas, pago no acto da entrega. O auctor espera que será auxiliado no seu empenho pelos portuguezes que decerto avaliarão que n’ elle está o desagravo de preconceito injusto com que se tem calumniado a sua lingua. O preço de cada collecção será de 1$440 a 1$920 não sendo ainda determinado o justo numero das paginas” [Anónimo “Bibliographia”, Revista Universal Lisbonense, VI, nº 25 (12/11/1846), p. 298]. 551 É verdade que Frondoni é autor duma Anthologia Musical. Collecção de trechos para canto com acompanhamento de piano sobre poesias portuguesas, London, Maziares, Ldª, s/ d.; porém, os poemas musicados nesta obra são de autores cultos, românticos. Frondoni, recorde-se, celebrizou-se como autor da música do Hino da Maria da Fonte. 552 Faz lembrar o conhecido Dá-la-dou de Vinhais (ver Pe. Firmino A. Martins, Folklore do Concelho de Vinhais, [I], Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928, pp. 253-4; há reedição facsimilada: [Vinhais], Câmara Municipal de Vinhais, 1987). 553 Antonio Feliciano de Castilho, O Presbyterio da Montanha, I, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1905, respectivamente pp. 39-40, p. 78 e 88-89. O II vol. (mesma data) contém apenas poemas de Castilho, nenhum deles, ao que nos pareceu, inspirado em algo tradicional. 554 Op. cit., pp. 68-9. 178 quadras populares, 555 as festividades cíclicas, 556 o carácter incompleto que tem o texto oral, ao ser publicado sem a música que o acompanha, 557 etc. Embora publicado só em 1905, este texto de Castilho não deve ser muito posterior a 558 1846. 555 Op. cit., pp. 69-70. Escreve, nomeadamente: “A primeira metade de cada quadra tem frequentemente um sentido diverso, e desconnexo do sentido da segunda metade. Os primeiros dois versos conteem uma sentença geral, uma verdade vulgar, uma imagem campestre, a exposição succinta de qualquer facto, mas sem relação alguma com o assumpto que se versa, o qual só nos dois versos ultimos apparece” (pp. 69-70). Dá quatro exemplos de quadras que apresentam esta estrutura. O primeiro (p. 70) é: O loireiro bate bate, que eu bem o sinto bater. Para comigo cantares has-de tornar a nascer. E conclui: “Já se vê, por estas amostras, que a improvisação não é tão difficil coisa, nem para tantos encarecimentos, como a teem feito alguns viajantes, d’ estes que só viajam no seu quarto, embarcados na sua poltrona” (p. 70). Esta última nota, no mínimo não muito positiva quanto à poética popular, é, no entanto, contrabalançada pela afirmação que imediatamente se lhe segue, essa bem mais típica das teorias românticas: “Muito, porém, se enganára, quem inferisse que toda a poesia dos meus serranos é de egual teor; porque, sobre conservarem muita xácara de bons tempos, com as suas lacrimosas cantilenas tão singelas, tão simples e aprasiveis como ellas (o que já não sería pequeno cabedal), cantam, e ás vezes engenham com singular felicidade, quadras repassadas de amoroso affecto e graça natural, que um poeta de nome não enjeitaria”. Castilho parece ter sido o primeiro a escrever sobre a questão do bipartidismo de certas quadras tradicionais, numa época —sublinhe-se— em que as reflexões portuguesas sobre a literatura oral (e mais ainda sobre tudo o que não fosse romanceiro) eram muito incipientes. Conforme veremos, mais tarde, Palmeirim referir-se-á (também brevemente) ao assunto, sobre o qual, já em finais do século, Leite de Vasconcelos irá igualmente escrever, então, sim, com desenvolvimento (ver J. Leite de Vasconcellos, Poesia Amorosa do Povo Português. Breve estudo e collecção de..., Lisboa, Viuva Bertrand & Cª, 1890, pp. 21-9). 556 Op. cit., pp. 79-94. De sublinhar (aquilo que hoje sabemos ter sido) o exagero com que Castilho fala sobre o desaparecimento de tradições que, não obstante, se mantiveram até aos nossos dias: “as pagans Janeiras, que ainda alguns se lembram de ter cantado, já lá vão” (p. 79). Como consequência desta opinião pessimista, encontra-se, em mais dum lugar da obra, a ideia da imperiosa necessidade de recolher a literatura oral (necessidade e opinião pessimista que, aliás, já encontrámos, por exemplo, em Herder e Garrett). Assim, quando começa a descrição do peditório das janeiras, Castilho comenta sobre a sua própria escrita: “archivemos, archivemos, pois que até as serras ao cabo se desmemoríam”. 557 Escreve, por exemplo: “Do que ides ler [os versos das cantigas de S. João que a seguir transcreve], ao que eu ouvi, posto não haja differença na substancia, vai tanto como de uma formosa donzella poderá differir o seu cadaver”, (p. 88) isto porque não é possível ao leitor ouvir a música. 179 1848 Em numerosos fascículos duma revista, sai uma série de artigos (de autor anónimo) transcrevendo ditados. 559 Nem todos parecem tradicionais. Num poema escrito numa linguagem imitando a popular, Palmeirim inclui uma quadra (a primeira do texto) verdadeiramente tradicional. 560 1849 Andrade Ferreira publica um conto que, não obstante o título da série em que se integra, não é de modo algum tradicional (contradição que, aliás, várias vezes se encontra 558 Na “Advertencia dos Editores” (pp. 5-7), fala-se da génese da obra. “Em 1846 principiou Castilho a colligir entre os seus manuscritos antigos, alguns [...] que ia publicar com o titulo de O Presbyterio da Montanha”. Para este livro “escreveu um prologo extenso” (p. 5); porém, o livro não chegou a publicar-se, embora se imprimisse. Existem alguns jogos de folhas dessa impressão nas mãos de particulares e na Biblioteca Nacional [nesta biblioteca, na ficha respectiva, diz-se que o exemplar está perdido]. Os editores de 1905 publicam o que puderam encontrar da obra. O “Preambulo” que ocupa todo o I vol. é o “prologo extenso” acima referido. 559 Anónimo, “Rifões Portuguezes”, A Epoca, do vol. I (1848), nº25, pp. 396-7 ao vol. II (1849), nº 24, p. 372. É possível que o artigo continue para além do fim do II vol., mas este é o último tomo da revista que existe na Biblioteca Nacional. 560 L. A. Palmeirim, S. Gonçalo d’ Amarante, Revista Popular, I, nº 6 (8/4/1848), pp. 47-48. A quadra é a seguinte: São Gonçalo d’ Amarante, Casamenteiro da velhas, Porque não casais as moças, Que mal vos fizeram ellas? O poema tem o subtítulo “(No album do meu amigo A. Pereira da Cunha)”, autor que, como já vimos, usou várias vezes a literatura oral nos seus escritos. Este poema (e, obviamente, a sua primeira quadra) foi republicado nas Poesias de Palmeirim (Lisboa, Imprensa Nacional, 1851, pp. 313-6) e em Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para 1855, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1854, pp. 119-120. 180 noutros textos deste autor). 561 No entanto, em dado passo do presente conto, surgem alguns camponeses cantando cinco quadras, com aparência de tradicionais. 562 A obra tem uma introdução em que se apresentam várias teorias sobre literatura oral muito típicas do Romantismo (por exemplo, a ligação entre essa literatura, a nacionalidade e o povo rural), 561 563 e em que se referem vários subgéneros seus. 564 J. M. d’ Andrade Ferreira, Contos de Lareira ou Tradições e Usanças da Minha Terra, I: A Noite do Natal, Lisboa, Typ. de Luiz Correia da Cunha, 1849. O enredo do conto e mesmo as personagens nada têm a ver com narrativas tradicionais. É possível que sejam as referências no texto a certos costumes próprios da época natalícia aquilo que, aos olhos do autor, justifica o título da obra. O mesmo se passa no seu livro Tradições e Phantasias (Lisboa, Livraria de Antonio Maria Pereira, 1862). De facto, afirma Andrade Ferreira que parte d’ “os contos colligidos n’ este livro” são “tradições aqui escutadas da bocca do montanhez [...] e acolá aprendidas da velhinha acocorada junto ao brazido da lareira” (p. iii). Ora, a verdade é nenhum dos textos da obra conta uma história tradicional, ou seja, nenhum deles é “tradição” e todos são “phantasias”. 562 563 Ver pp. 76-8. “As tradições d’ uma nação é que constituem a sua verdadeira mythologia [...] como complexo de fabulas populares, lendas, e preconceitos nacionaes são quasi uma segunda religião [...] É esta a chamada poesia popular, ou para melhor dizer, nacional. Todas as nações a possuem [...]; e toda ella se resente do caracter dos povos, em cujo seio desabroxa” (pp. 10-11). “O nosso Portugal é abundante d’ esta poesia [...] Mas não julgueis que é nas côrtes, e mesmo nas cidades, que encontrareis esta poesia: ahi a séve nacional está adulterada pelo tracto multiforme, e intimo dos estrangeiros, e pela corrupção, que lavrando pelas arterias sociaes produz a anniquilação dos costumes, e distinctivos nacionaes” (p. 12). É, isso sim, nas aldeias do interior, conversando com “os pobres camponezes, e aldeões”, que se pode “tirar um parecido retracto á velha nação portugueza” (p. 13). (Sobre cidade, campo e poesia popular nas teorias românticas, ver, à frente, o que dizemos a propósito de Palmeirim, em referência ao ano de 1865). Uma remodelação das palavras introdutórias deste artigo foi publicada por Andrade Ferreira 7 anos depois com o título de “Narrativas, Lendas, Superstições e Crenças Populares” [A Illustração Luso-Brazileira, I, nº 8 (23/2/1856), pp. 60-62]. Tal remodelação (contendo muitas frases que quase mais não são que uma paráfrase do texto de 1849) foi publicada novamente no ano seguinte: Revista Universal Lisbonense, s/ nº de vol., nº 1 (23/4/1857), p. 8, e nº 2 (30/4/1857), pp. 7-8. Uma terceira versão do texto, agora muito aumentado (mas repetindo, também, muitas das frases anteriores), foi publicada, com o título “Poesia Popular”, em José Maria Andrade Ferreira, Litteratura, Musica e Bellas-Artes, II, Lisboa, Editores—Rolland & Semiond, 1872, pp. 65-73. 564 São os seguintes os subgéneros mencionados (ver pp. 13-15): lendas (nomeadamente de mouras), “soláos, xacaras, e rimances cavalleirosos”, histórias de “feiticeiras”, de “lobishomens”, de “fadas” e de “duendes, e bracolacos” (ignoramos o sentido desta última palavra). 181 1850 Numa peça de Costa Cascais que já mencionámos a propósito do romanceiro, incluem-se também três canções líricas em quadras, que talvez sejam populares. 565 Na peça, são postas na boca de personagens da classe piscatória de Cascais. Na peça de Camilo O Lobisomem, as personagens (aldeãos de Entre-Douro-eMinho) cantam várias quadras líricas que parecem tradicionais. 566 Num manuscrito datado deste ano, inclui-se uma canção lírica apresentada como 567 sendo Cantigas de Marinheiros. 565 J. da Costa Cascaes, O Mineiro de Cascaes in Theatro, III, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904, pp. 3-4, 7 e 33. Note-se que, embora só postumamente publicada, a peça se estreou em 8/1/1850 (ver p. 2). 566 Camilo Castelo Branco, O Lobisomem, in Obras Completas, org. de Justino Mendes de Almeida, IX, Porto, Lello & Irmão-Editores, 1988. A peça começa com uma espadelada do linho, em que se cantam 3 quadras (pp. 555-6): uma é verdadeiramente tradicional e as outras duas talvez o sejam também. Mais adiante (pp. 562-4), cantam-se outras três quadras, que parecem tradicionais, embora acompanhadas com um refrão de 5 sílabas, muito provavelmente culto. Finalmente (p. 614), cantam-se outras duas quadras, de tom um tanto popular, mas possivelmente da lavra camiliana. Diga-se que O Lobisomem, embora só publicado em 1900, foi escrita em 1850 (ver Alexandre Cabral, Dicionário de Camilo Castelo Branco, Lisboa, Caminho, 1988, p. 364). 567 “Cantigas de marinheiros a que chamam desafio [;] quadras ditas de inproviso[sic]”. O texto, constituído por quatro quadras de tipo tradicional, pertence a uma miscelânea da Biblioteca Nacional (Reservados, Cod. 13240) com o título O Curioso. Varios papeis juntos, e cuidadosamente guardados.[sic] Para intertenimento dos que forem curiosos.[sic] Devido á boa vontade de L. C. que os mendigou e outros copiou, tomo 9º, Lisboa, 1850, p. 101. Note-se, que esta miscelânea pertence a um conjunto (o qual compreende 32 vols.; cotas: Cod. 13227-13258) cujo título vai mudando (por exemplo, os primeiros quatro volumes intitulam-se Assumptos Politicos); porém, a compilação do conjunto parece dever-se à mesma pessoa ou, pelo menos, obedece ao mesmo objectivo, quase único: conservar artigos de jornal, geralmente recortados e colados (ou, muito mais raramente, transcritos à mão), quase sempre identificados com o título do periódico e a referência do nº ou data). A presente “cantiga de marinheiros” está manuscrita, e não tem qualquer indicação de fonte. 182 Noutro manuscrito datado deste ano, inclui-se uma versão da canção narrativa Santo António Salva o Pai da Forca (é possível que seja cópia de algum impresso, mas não se trata da versão vulgata desta canção). 568 1851 Num artigo do famoso Almanaque de Lembranças, transcreve-se uma quadra tradicional, recolhida no Minho. 569 Alguém que assina Augusto P. S. publica um poema culto (embora inspirado no Regresso do Marido, como veremos noutro capítulo), que acaba com um dístico que constitui uma fórmula de fecho usada em versões de contos tradicionais. Palmeirim publica as suas Poesias, atrás mencionámos, 572 se inclui outro, 573 571 570 onde, além de reaparecer um poema que já de que o autor diz: “Esta canção é do ‘Alemtéjo’ [,] a provincia mais povoada de contos e tradições de todo o reino. A primeira quadra é textual; 568 Milagre que Fez Santo Antonio de Lisboa Livrando Seu Propio Pai da Forca, in O Curioso, cit., tomo 2º, Lisboa, 1850, pp. 153-6 (Biblioteca Nacional: Reservados, Cod. 13233). Este texto está manuscrito e tem uma ortografia por vezes estranha, distinta da habitual no séc. XIX, que poderia indicar ter sido recolhido da oralidade. Claro que, como dissemos, este códice e os restantes da presente compilação incluem quase só artigos de jornal, mas a verdade é que, dum modo geral, a fonte desses artigos é referida, coisa que não acontece no caso deste texto. Note-se que a palavra “Propio” pareceria indicar ou uma fonte portuguesa bastante antiga (e assim se explicaria também a ortografia não oitocentista que já apontámos) ou, então, uma fonte espanhola (porém, analisado —ainda que superficialmente— o texto, não demos por vestígios de o texto ter sido traduzido do castelhano). 569 Anónimo, “S. João”, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças para 1852, Paris, s. n., s. d., pp. 204-205 (a quadra está na p. 204). 570 Trata-se de “Victoria e Victoria / Acabou-se a historia” (Augusto P[ereira?] S[oromenho?], Affonso e Isaura, Miscellanea Poetica, II, nº 5 (4/9/1851), pp. 37-38). 571 572 573 Luis Augusto Palmeirim, Poesias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851. S. Gonçalo d’ Amarante, republicado neste volume, a pp. 313-6. Os Desejos do Infante (pp. 303-4). 183 assim a ouvimos alli repetir amiudadas vezes”. facto, tradicional. 574 É possível que a referida quadra seja, de 575 1852 Temos notícia de ter sido publicada neste ano uma peça de Mendes Leal que, pelo título (As Trez Cidras do Amor), português. 576 pareceria a dramatização dum famoso conto tradicional 577 1854 Deste ano (ou de pouco antes) parecem datar as primeiras recolhas de lírica tradicional feitas por João Teixeira Soares de Sousa (na ilha de São Jorge, Açores). 574 575 578 Op. cit., p. 453. Os dois poemas referidos pertencem à secção do livro intitulada “Poesias Populares”. Aqui, entre mais coisas, estão outros três poemas líricos que, embora não citando trechos da poesia tradicional, apresentam temas e/ou versificação populares, o que justificaria o nome da secção: Anninhas. Toada popular do Riba-Tejo (pp. 333-6; em quadras de pentassílabos; tem linguagem a imitar os recursos estilísticos da poesia tradicional, nomeadamente o leixa-pren), A Minha Ama (pp. 359-61; em quadras de tipo tradicional; referência a várias superstições populares, nomeadamente lobisomens) e A Alcachofra (pp. 391-4; em quadras de tipo tradicional; sobre a prática divinatória das alcachofras queimadas “em noite de San’ João”). 576 José da Silva Mendes Leal Jr., Theatro, II: As Trez Cidras do Amor, Lisboa, Typ. da Empreza da Lei, 1852. Esta obra não existe na Biblioteca Nacional nem está registada na PORBASE. Conhecemo-la pela descrição que dela se faz em The National Union Catalogue – Pre 1956 imprints, London, Mansell, vol. 546, 1978, p. 301 (aí se refere a existência dum exemplar na New York Public Library). 577 Referimo-nos, obviamente, ao conto que em Portugal costuma ser conhecido por As Três Cidras do Amor (AT 408, The Three Oranges). A ser esse o tema da peça, estaríamos provavelmente em presença duma “mágica”, subgénero de grande êxito na época, em que por vezes se adaptam histórias retiradas de contos mais ou menos tradicionais. De notar, porém, que nalgumas mágicas a história tradicional é, sobretudo, um pretexto para o cómico, dando origem a um entrecho que só de longe recorda a fonte (é o caso, por exemplo, de Joaquim Augusto d’ Oliveira, A Gata Borralheira, magica em 3 actos e 16 quadros, com musica do fallecido maestro Angelo Frondoni, 3ª ed., Lisboa, Livraria Popular de Francisco Franco, s/d). 578 Como já deixámos dito no subcapítulo dedicado ao romanceiro, Soares de Sousa explica, em carta a Teófilo Braga (de 9/11/1867), que as suas recolhas começaram ainda em vida de Garrett, mas não muito antes do falecimento deste, que se deu a 9/12/1854. Embora na dita carta Sousa se refira sobretudo ao 184 1856 No folhetim dum jornal, transcrevem-se 4 quadras e uma sextilha, recolhidas durante as festas dos Santos Populares, no Algarve. 579 Todas parecem tradicionais. Num longo artigo em várias partes, José de Torres transcreve três quadras das janeiras, 580 uma das maias 581 e outra das festas de São Martinho, (sem especificação de ilha, mas talvez de São Miguel). 583 582 recolhidas nos Açores Parecem perfeitamente tradicionais. Entre este ano de 1856 e o de 1858 deve ter sido recolhida a colecção de lírica tradicional de Estácio da Veiga (Algarve). O autor formou com ela um cancioneiro, que inicialmente parece ter pensado em publicar juntamente com o romanceiro, 584 embora depois romanceiro, de que explica enviar a Teófilo “alguma parte do que haviamos recolhido”, diz ainda: “Tambem lhe enviamos algumas dezenas de cantigas populares”, referência, sem dúvida, a textos líricos [ver Theophilo Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria, cit., p. 30]. 579 Simplicio Alfarroba, “Correio do Algarve. Carta do coveiro do cemiterio de Faro ao guarda- portão da Real Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 5/8/1856, pp. 1-3 (os poemas estão na p. 2). O autor (óbvio pseudónimo, que, neste jornal, assina frequentemente um folhetim com o mesmo título e subtítulo do presente artigo) menciona as festas populares a que assistiu em Faro, Castro Marim, Lagos, Fuzeta, Silves, Olhão e Tavira. Não diz em qual (ou quais) dessa(s) festa(s) teria recolhido os textos. 580 J[osé] de Torres, “Fastos Açorianos, O Panorama, 3ª série, V, nº 13 [sic, por 14] (5/4/1856), pp. 110-112. Na p. 110, dá a transcrição das quadras, sobre que observa: “Uma das suas letras [das canções], que á mão nos veiu, aqui a archivamos sem alteração de ponto ou de virgula”. 581 J[osé] de Torres, “Fastos Açorianos, O Panorama, 3ª série, V, nº 20 (17/5/1856), pp. 158-159 (a quadra está na p. 159). 582 J[osé] de Torres, “Fastos Açorianos, O Panorama, 3ª série, V, nº 47 (22/1/1856), pp. 375-376 (a quadra está na p. 376). 583 De facto, José de Torres era natural de Ponta Delgada (ver, por exemplo, Inocêncio, Diccionario, cit., V, p. 10). 584 Em casa da Doutora Maria Luísa Estácio da Veiga (Lisboa), bisneta do autor, encontra-se o manuscrito dum longo poema narrativo de Veiga, A Rosa do Mosteiro, que, no frontispício, tem a data de 1855. No final, o manuscrito tem várias notas sobre certas passagens do poema. Numa delas (a II), o autor fala das 185 tenha mudado de ideias. 585 De qualquer modo, a organização do cancioneiro parece ter ficado concluída pouco depois de 1860. Vasconcelos ainda chegou a ver, 587 586 O respectivo manuscrito, que Leite de talvez se tenha perdido; pelo menos não está em posse da sua família nem juntamente com o espólio romancístico (que, como adiante veremos, se “populares festas do Maio nas campinas do Algarve” (p. [2]) e, pouco depois, acrescenta: “Mai[s a lápis] de espaço, e em opportuno logar descreverei talvez aquelles risonhos folguedos de remotissima tradição. Se assim tiver de acontecer, fica pois reservada esta narrativa para o volume das canções propriamente ditas do Algarve, que <conjuntamente com> [↑ logo após a lápis] o “Romanceiro” me preparo para publicar” (pp. [2], [3] - [4]; quanto ao símbolos que usamos na transcrição dos manuscritos, ver, à frente, pp. 271-2). Ignoramos a época em que esta (e as restantes notas do poema) foram escritas, mas devem tê-lo sido numa época posterior a 1855 (ano de que, como dissemos, está datado o poema A Rosa do Mosteiro, pois, como dissemos, 1856 é o primeiro ano em que Veiga se deslocou ao Algarve para fazer recolhas. Para a não contemporaneidade entre as notas e o momento de escrita do poema (que, esse sim, poderá ser de 1855) poderia apontar também o facto de, ao contrário do texto do poema, o prefácio e as notas estarem escritos em folhas não paginadas e de as folhas em que as notas estão escritas parecerem dum papel diferente (mais claro) do que as do resto do manuscrito. Qualquer que tenha a data da escrita da referida nota, a verdade é que ela mostra que houve um momento em que Estácio da Veiga pensou em publicar “conjuntamente” o romanceiro e o cancioneiro. Não é totalmente pacífica a interpretação a dar a esse advérbio, pois poderá sempre pôr-se a hipótese de Veiga querer significar com ele que iria publicar ao mesmo tempo dois livros, um de cancioneiro e outro de romanceiro. No entanto, se tivermos em conta que o exemplo de Garrett foi muito importante para ele, é bem possível que o seu projecto inicial tenha sido o de publicar um único livro (num ou em dois volumes publicados simultaneamente) dedicado ao romanceiro e ao cancioneiro, ideia que tinha sido, inicialmente, também a de Garrett. De facto, como se sabe, na 1ª ed., o I vol. da colecção de Garrett tem o título de Romanceiro e Cancioneiro Geral, mas, quer nos vols. II e III quer na 2ª ed. do vol. I, a obra chama-se apenas Romanceiro. 585 De facto, no Romanceiro do Algarve, no fim do prólogo de A Senhora dos Martyres, Veiga escreve: “Ha uma immensidade de cantigas populares dedicadas á Senhora dos Martyres, muitas das quaes já possuo, e reservo para fazerem parte do Cancioneiro do Algarve, que logo em seguida a este Romanceiro tenciono publicar” (p. 168). E, noutro passo do Romanceiro, alude também ao “Cancioneiro do Algarve, que tencion[a] publicar” (op. cit., pp. 33-4). 586 Escreve ele no fim da introdução do Romanceiro do Algarve: “Passado algum tempo espero poder dar igual publicidade ao Cancioneiro do Algarve, obra já concluida ha quasi dez annos” (p. xxxviii: notese que tal é escrito numa obra publicada em 1870). O “Cancioneiro do Algarve” aparece também mencionado na contra-capa do Romanceiro, numa lista de “obras do auctor preparadas para a impressão”. Em 1862, Inocêncio referira já a obra entre as que Veiga “tem para publicar”, dando-lhe o título de “Cancioneiro do Algarve, ou cantigas populares da minha terra” (I. F. Silva, Diccionario Bibliographico Portuguez, cit., VII, p. 221) 587 Escreve Vasconcelos: “Este Cancioneiro chegou realmente a colligir-se; eu o vi ainda em vida de Estacio, mas não o examinei” (Ensaios Ethnographicos, cit., I, p. 272). 186 guarda sobretudo no Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa). Felizmente, salvaram-se o que parecem os primeiros manuscritos da recolha e/ou cópias suas, em que se contêm perto de 600 quadras e 6 canções, 588 praticamente inéditas na sua totalidade. 589 1858 Numa peça estreada neste ano, Costa Cascais inclui um ensalmo (acompanhado pela respectiva contextualização) e uma quadra lírica. 590 Ambos os textos são postos na boca de personagens populares. A acção do drama está situada nos arredores de Sintra; os textos não parecem retocados. 1859 Estácio da Veiga publica um artigo sobre as tradições dos Santos Populares, onde transcreve várias quadras líricas soltas dedicadas a São João, recolhidas em Tavira, durante as festas em louvor daquele santo, em Junho de 1856. 588 591 Estes materiais, escritos num caderno e em numerosos papéis avulsos, encontram-se na posse da bisneta do colector, Doutora Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira (Lisboa). Esperamos poder publicar tais manuscritos, num futuro não muito longínquo. 589 Do material que tinha para o Cancioneiro, Estácio da Veiga, tanto quanto sabemos, publicou apenas 16 quadras soltas e outras 6 encadeadas: ver, respectivamente, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, p. 2, e “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp. 9-10. Como diremos, é possível que também sejam da colecção de Veiga as 4 quadras do artigo anónimo A Santo Antonio. — Cantiga popular do Algarve, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), p. 80. 590 J. da Costa Cascaes, A Pedra das Carapuças in Theatro, IV, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904, pp. 87-184. Embora só publicada postumamente, a peça foi estreada em 1858 (cf. p. 88). Tem uma cena (p. 143) em que uma personagem ensina a outra como “se ha-de passar pelo vime” uma criança “quebrada”. Inclui-se, então, o ensalmo (é uma quintilha de versos de 5 sílabas) que se deve dizer durante o rito. Noutra cena (p. 155), um grupo de saloios canta uma quadra de tipo tradicional (que se repete na p. 160) às saloias que estão na fonte. 591 S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2 (as quadras estão na p. 2). Além das referidas quadras, este artigo compreende uma introdução e o 187 Vilhena Barbosa publica duas lendas: uma de fantasmas 592 e outra etiológica. 593 Não é impossível que a primeira seja inventada pelo pretenso colector. César de Lacerda, seguindo um modelo de que já encontrámos muitos exemplos, põe uma personagem duma peça sua a cantar um texto tradicional. Neste caso, a filha dum antigo marítimo interpreta uma versão da canção lírica Vida de Marujo. 594 O texto não parece retocado. 1860 No Almanaque de Lembranças, um anónimo transcreve uma versão, muito resumida, do conto conhecido internacionalmente por The Half-Carpet (AT 980A). 595 É esta a primeira vez em que, no nosso corpus, surge transcrito um conto tradicional. romance pseudotradicional A Moira Encantada. O artigo foi parcialmente republicado, com o título de “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, na Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92, e n’ A Epoca, 23/6/1861, pp. 1-2. Nas duas republicações, no entanto, o artigo contém apenas a introdução e a Moira Encantada, omitindo-se, portanto, as quadras a S. João, sem dúvida devido a uma polémica entre o Archivo Universal e Estácio da Veiga que, em 1859, elas causaram e a que mais à frente nos referiremos. 592 I[gnacio] de Vilhena Barbosa, “O Castello d’ Alcobaça. Uma lenda popular”, A Illustração Luso- Brazileira, III, nº 5 (5/2/1859), pp. 35-38. É sobre as aparições do fantasma do alcaide mouro do castelo. Diz que lhe foi contada em Alcobaça por uma velha. 593 I[gnacio] de Vilhena Barbosa, “Lendas Nacionaes. III: Celinda”, A Illustração Luso-Brazileira, III, nº 15 (16/4/1859), p. 115. É a lenda etiológica da Sertã (ver outra versão em Gentil Marques, Lendas de Portugal, II: Lendas Heróicas, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997, pp. 69-78). Noutros números da revista, há mais duas partes desta série de “Lendas Nacionaes”; porém, são sobre figuras históricas e nada têm de popular. 594 A[ugusto] Cesar de Lacerda, A Probidade, comedia em dois actos e um prologo maritimo, Lisboa, Typographia do Panorama, 1859, pp. 73-75. Manuel Escota pergunta a Amélia, sua filha: “Alembra-te de uma cantiga cá dos homes do mar, e que tu aldrabavas [quando eras pequena], que era mesmo um riso ouvir-te?” Chama ao texto “a cantiga do maritimo” (p. 73) E Amélia começa a cantá-la, acompanhando-se ao piano. Seu pai também canta. 595 Anónimo, “Conto Popular”, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1861, Lisboa, Typographia Franco-Portugueza, 1860, p. 246. 188 Um outro anónimo publica numa revista uma versão do conto São Pedro, a Ferradura e as Cerejas (AT 774 C, The Legend of the Horseshoe). 596 1861 Alguém que assina S. M. publica, numa revista, a lenda duma moura encantada, ouvida a um informante da Serra da Estrela. 597 Estácio da Veiga publica (precedida por palavras introdutórias) uma versão algarvia do poema lírico popularizado que começa “Não conheço pai nem mãe / nem nesta terra parentes”. 598 O texto, como informa o próprio Veiga, é factício e foi retocado. 599 De facto, com excepção da primeira quadra, as restantes cinco apresentam uma linguagem ainda mais semiculta do que costuma acontecer noutras versões deste poema. 596 Anónimo, “As Cerejas de S. Pedro. Parabola”, Literatura Ilustrada, nº 6 (5/2/1860), p. 45. 597 S. M., “O Coruto d’ Alfatma (Conto popular da Serra da Estrela)”, Archivo Pittoresco, IV, nº 39 (1861), pp. 309-311. O informante teria sido Luiz Gomes, “veterano do batalhão de Cascaes” (p. 309), natural, como dissemos, da Serra da Estrela. Desta lenda (de provável origem culta, como mostra logo o nome da personagem: Alfatma) conhecemos outra versão em Gentil Marques, Lendas de Portugal, III: Lendas de Mouras e Mouros, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997, pp. 271-9. Eis um excerto do artigo de S. M., quando ele se dirige ao informante: “— Conte-me lá isso, camarada. Não sou d’ essas almas descridas que negue fé ao que tão acreditado foi sempre. Será fraqueza confessal-o, mas não sei rir d’ estas fabulas populares, nem zombar de quem as crê. Não fazem mal a ninguem, respeito-as. Ellas cairão por si. O maravilhoso encantou sempre as imaginações populares. Quem me diz se não está o patriotismo tambem n’ essas tradições, aliás ridiculas para o homem illustrado, mas que nem por isso deixam de constituir a feição d’ um povo? As nossas moiras encantadas [...] são muito mais poeticas que a mythologia terrivel de Irminsulfs e Theutates [cf. Dona Branca, canto III, 4, in Obras, cit., II, p. 500: “Não gosto de Irminsulfs nem de Teutates, / Nem das outras teogónicas prosápias / De rúnica ascendência (...)”], como muito discretamente disse o tão fecundo como espirituoso Garrett.” Voltamos, pois, a encontrar a contradição “coisa ridícula”, mas, ao mesmo tempo, “coisa digna de registo e estudo” que já vimos em Maria Peregrina de Sousa, ainda que a opinião de S. M. pareça pender mais para o lado positivo. 598 S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp. 9-10. 599 “Cotejando todas as lições que desta canção trouxe do Algarve em 1858, e depurando-a dos excertos com que o mau gosto e a ignorancia a tinham desfeiado, assim a apresento, para pela primeira vez ser impressa” (p. 9). 189 Estácio da Veiga publica um artigo sobre as festas do mês de Maio desde a Antiguidade, onde transcreve uma quadra popular, das que se cantavam no Algarve no 1º de 600 Maio. O artigo foi republicado em mais três periódicos. 601 Na mesma revista (e, além disso, apenas alguns números mais à frente), um autor anónimo (talvez Estácio da Veiga), publica uma canção em quadras, recolhida também ela no Algarve. 602 A quarta (e última) das quadras parece retocada. Numa notícia de jornal, afirma-se que D. José de Almada [e Lencastre] “vae commeçar a publicação de uma serie de Contos populares”, acontecido. 603 o que parece não ter 604 1862 Júlio Maia publica um conto de ambiente rural, onde uma das personagens canta, “ao som d’ uma viola”, uma versão da cantiga lírica popularizada “Não conheço pai nem mãe”. 605 600 S. P. M. Estacio da Veiga, “Festas de Maio”, Estrella d’ Alva, II, nº 5 (Maio 1861), pp. 33-34 (a quadra está na p. 34). 601 N’ A Epoca, 14/5/1861, p. 1; n’ A Nação, 1/5/1862, p. 1; e in Alexandre Magno de Castilho e Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro (orgs.), Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1863, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1862, pp. 178-180. 602 [Anónimo], A Santo Antonio. — Cantiga popular do Algarve, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), p. 80. Quanto à identificação do possível autor do artigo, note-se, além dos indícios acima referidos, que neste mesmo fascículo e no seguinte saem, assinados por Estácio da Veiga, os artigos “Poesia Popular do Algarve” e “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”. 603 604 Anónimo, “Omnibus”, O Povo, 14/2/1861, p. 2. O autor faleceu dali a poucos meses (em Junho desse ano de 1861) e o seu único livro de contos de que encontrámos notícia foram José d’ Almada e Lencastre, Contos sem Arte. Obra posthuma (Lisboa, Livraria de A. M. Pereira, 1861), que nada têm de “contos populares”. Porém, dum modo geral, tais contos passam-se em ambientes populares ou neles há, pelo menos, uma personagem que pertence ao povo, e o seu estilo é simples, o que talvez justificasse aos olhos do noticiarista o referido título de Contos Populares. 190 Seguindo um processo que já encontrámos duas vezes em Palmeirim (ver 1848 e 1851), Teófilo Braga publica um poema em quadras, a primeira das quais é verdadeiramente tradicional. 606 Na nota com que colaborou na tradução dos Fastos feita por Castilho, Costa Cascais transcreve duas quadras soltas cantadas em romarias. Uma delas diz tê-la ouvido em Aveiro, quando criança. 607 1864 Obra póstuma do lusófilo alemão Bellermann, sai uma antologia de poemas portugueses, apresentados no original e em tradução. 608 A obra é ocupada sobretudo por romances, mas inclui também três poesias líricas que parecem tradicionais, uma versão da canção narrativa Deus te salve, Rosa (com base no texto de Garrett) 609 e numerosos provérbios rimados (vários parecem tradicionais). 605 606 J[ulio] Maia, “A Vespera do Natal”, Aurora Litteraria, II, nº 11 (1/1/1862), pp. 81-83. Theophilo Braga, Ao Acalentar no Berço, Ensaios Litterarios, nº 8 (1/4/1862), p. 60. Sobre essa primeira quadra (que, mais à frente, se repete, na sexta), Braga diz, em nota de rodapé: “Bellissima quadra do Fado de Coimbra”. Trata-se da seguinte: Quem tiver filhos pequenos Por força lhe[sic] ha de cantar; Quantas vezes as mães cantam Com vontade de chorar. 607 Joaquim da Costa Cascaes, “Nota Décima. Romarias” in Publio Ovidio Nasão, Os Fastos, traducção em verso portuguez por Antonio Feliciano de Castilho, seguidos de copiosas annotações por quasi todos os escriptores portuguezes contemporaneos, II, Lisboa, Por Ordem e na Imprensa da Academia Real das Sciencias, 1862, pp. 286-291. 608 Christ[ian] Fr[iedrich] Bellermann, Portugiesische Volkslieder und Romanzen, Portugiesisch und Deutsch mit Anmerkungen herausgegeben von Dr. ... Nachgelassenes Manuskript des Herausgebers, Leipzig, Verlag von Wilhelm Engelmann, 1864. 609 Sobre a sua versão, escreve Bellermann: “A partir dum cópia que consegui em Lisboa, emendei aqui e ali o texto de Garrett” (“Nach einer Abschrift, die ich in Lissabon erhielt, habe ich Garrett’s Text hier und da geändert”, p. 280). Algo semelhante fizera, recorde-se, na sua versão da Donzela Guerreira, como vimos no subcapítulo anterior. 191 Osório de Vasconcelos publica uma história sobre uma bruxa-vampiro e um lobisomem, que o narrador afirma ser uma lenda que lhe foi contada numa estalagem beirã. 610 O relato é acompanhado, no fim, por uma “Nota” sobre as lendas, onde o autor mostra um modo moderno de encarar este subgénero, falando do seu valor científico. 611 Tais observações estão, porém, em contradição com o que ele fizera na narrativa anterior, que é, afinal, o aproveitamento literário duma lenda tradicional, se não for pura e simplesmente uma completa invenção. 612 O mesmo Osório de Vasconcelos publica outra história, desta vez sobre uma mulher transformada em sereia pelo Diabo, que afirma ser uma lenda ouvida a “mestre José Maria, [...] catraeiro” no Tejo. 610 613 A. Osorio de Vasconcellos, “Maria Prates (Lenda da Beira)”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 5º ano (1864), pp. 350-359 e 419-430. 611 Ver pp. 429-430. Aí explica o autor o motivo pelo qual ele, que se dedica habitualmente a artigos de índole científica, escreveu este texto. É que “as lendas mythologicas do povo são os capitulos de um grande livro de sciencias occultas, que vive na tradicção oral, e que assim vae passando de geração a geração, atravez dos seculos [...] Nas lendas populares ha pois uma sciencia occulta, symbolica e poetica, ás vezes rude e indecisa, mas sempre proveitosa e de boa lição”. Nestas histórias se vê “o viver e crer dos verdadeiros descendentes dos peões, que combateram no pendão de Affonso Henriques e do Lidador. [...] Demonstrada a utilidade de tornar conhecidas as nossas lendas, muitas das quaes vão-se perdendo fatal e irremediavelmente, porque as novas gerações são mais illustradas, ou antes, menos crendeiras; demonstrada esta utilidade, convinha começar. Abalancei-me á empreza” e escreveu, então, este conto. “Para terminar, pedirei áquelles dos nossos litteratos, que não trazem agora entre mãos obras de maior vulto [...] que viagem pelas provincias do norte, berço da monarchia e das tradições legendarias, sempre poeticas e quasi sempre romanescas, posto que veladas castamente com o manto da superstição innocente”, e as recolham (pp. 429-30). Quanto ao facto de Osório de Vasconcelos dizer que habitualmente se dedicava a escrever sobre ciências exactas, esclareça-se que, na verdade, Inocêncio refere que ele se licenciara na Escola Politécnica e, entre os seus artigos, indica vários sobre Astronomia (ver Diccionario Bibliographico, cit., VIII, pp. 24 e 26). 612 É verdade que Osório de Vasconcelos diz claramente: “A lenda de Maria Prates é quasi toda copiada d’ après nature [...] Pintei o que vi” (p. 430). Porém, a afirmação de que o autor-narrador ouviu a lenda numa estalagem (para mais da Beira, que, desde Gil Vicente, era considerada a província arcaica e tradicional por excelência) é mais que suspeita, lançando muitas dúvidas sobre o resto do relato. Poderia ser, claro, que apenas as circunstâncias da audição tivessem sido inventadas pelo autor-narrador, como “moldura” para a lenda, a qual, pelo contrário, proviria verdadeiramente da oralidade. Mesmo assim, repare-se que a crença em vampiros (presente no referido texto) não é de modo algum própria da tradição portuguesa. 613 A. Osorio de Vasconcellos, “A Torre Derrocada (Lenda do mar)”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 5º ano (1864), pp. 630-639. A identificação do informante está na p. 639. 192 1865 Num conto original de Teófilo Braga, transcrevem-se duas quadras líricas tradicionais (aparentemente não retocadas), as quais constituem uma canção interpretada por uma personagem (popular e feminina) enquanto lava na ribeira. 614 Luís Augusto Palmeirim publica um artigo em quatro partes dedicado ao cancioneiro tradicional. Consiste num estudo, entremeado com a transcrição de 93 quadras. 615 O estudo, muito influenciado pelas teorias românticas sobre o nascimento e as características da poesia oral, 614 616 é de ordem fundamentalmente impressionista. De notar, Theophilo Braga, Contos Phantasticos. Com uma carta do editor sobre a origem e fórma litteraria dos contos, Lisboa, Typographia Universal, 1865 (conto “O Evangelho da Desgraça”). 615 L. A. Palmeirim, “A Poesia nos Campos”, Archivo Pittoresco, VIII (1865), nº 18, pp. 138-140; nº 19, pp. 146-148; nº 22, pp. 174-176; e nº 23, pp. 182-184. 616 Eis alguns excertos significativos: “Peço licença para apresentar aos seus leitores [dirige-se ao director do jornal] o primeiro poeta d’ esta terra — o povo. Conheci-o a fundo n’ estes dois ultimos verões, quer como espectador attento dos bailes de roda, dançados ao domingo no terreiro, quer como ouvinte enthusiasta das desgarradas á viola, cantadas pelas calmosas e apaixonadas noites de agosto [...] O homem do arado e da charrua, antes da sciencia lhe ter poupado o suor do rosto inventando novos instrumentos agrarios e aperfeiçoando os antigos, era, nem podia deixar de ser, o poeta por excellencia, como quem recebia directamente da natureza, com o instincto do sentimento, a faculdade da admiração [...]. Incisiva sem pedantismo, satyrica sem maldade, plangente sem affectação, a poesia no homem do campo é quasi a sua linguagem natural” (nº 18, p. 138). Pelo contrário, “a machina, o vapor, a officina, n’ uma palavra — a industria — são a negação da poesia. Como as flores, o coração carece de ar, de sol, de largos horisontes. É na contemplação das maravilhas da natureza que a alma se afina e desata em canticos”(nº 22, p. 174). Isso explicaria que a poesia vivesse sobretudo entre o povo dos campos, e não entre o proletariado citadino. Trata-se duma afirmação difundida na época de Palmeirim (já a vimos, por exemplo, em Andrade Ferreira e em Luís Ribeiro) e que, em última análise, remonta, pelo menos, à introdução do II vol. dos Volkslieder, de Herder (1779): “la plebe dei vicoli [...] non canta e non fa mai poesia, ma urla e storpia i versi” (apud Parvopassu e Rizzuti, A salti e lanci, cit., 238). Por outro lado, a afirmação com que começa o artigo de Palmeirim (“o primeiro poeta d’ esta terra — o povo”) liga-se, obviamente, à famosa teoria romântica da oposição entre poesia artística e poesia popular e da supremacia desta sobre aquela, supremacia que, por exemplo em Bürger, encontramos expressa dum curioso 193 porém, os comentários muito atentos que Palmeirim tece sobre a estrutura bipartida de certas quadras. 617 A recolha em que se baseia este artigo foi feita na região de Torres Vedras. 618 Os textos não parecem retocados. Mais tarde, este artigo foi publicado em volume. 619 Andrade Ferreira, num conto que pretende fazer-se passar por uma lenda tradicional, 620 transcreve uma cantiga composta por quatro quadras. 621 Afirma tê-la ouvido modo quase paradoxal: “quella popolare è la poesia più difficile proprio perché è il non plus ultra dell’arte” (apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 149). 617 “Como os leitores já devem ter notado, é quasi regra geral nas trovas populares dividirem-se as quadras em dois hemistichios, fazendo cada um d’ elle sentido em si, sem relação directa um com o outro, como que para preparar a surpresa do conceito que de ordinario se encerra nos dois versos finaes, o que não impede a harmonia do conjuncto, nem perturba a clareza da idéa. Por exemplo: O loureiro está quebrado, Por tres partes offendido... Falla, amor, com quem quizeres E de mim tira o sentido. Apesar da differença apparente dos dois primeiros versos d’ esta quadra com o seguimento logico do raciocinio, não há ainda uma certa connexão entre o loureiro quebrado e offendido, e o apartamento e despedida, que se annunciam nos dois versos finaes da quadra?” (nº 23, p. 183). Neste comentário talvez haja influência de conversas com Castilho (ver a transcrição que, na parte relativa ao ano de 1846, fizemos duma passagem d’ O Presbyterio da Montanha), de cujo grupo Palmeirim fazia parte. Pelo menos, não deixa de ser curioso que a quadra que Palmeirim escolhe para exemplo daquela estrutura mencione o loureiro, motivo que está presente também na primeira das três quadras exemplificativas que Castilho cita (note-se, porém, que não se trate da mesma quadra, nem duma sua variante). 618 Em determinado ponto, diz de um dos seus informantes: “já foi dois annos mordomo da festa de Santo Antão, a mais pagã das festas do districto[sic, por “concelho”] de Torres Vedras” (nº 18, p. 138), e, noutro lugar, escreve: “O Varatôjo [aldeia dos arredores de Torres Vedras] era d’ alli [do lugar onde estava a ouvir cantigas] a dois passos” (nº 22, p. 175). 619 Ver L. A. Palmeirim, Galeria de Figuras Portuguezas. A Poesia Popular nos Campos, Porto e Braga, Livraria Internacional de Ernesto Chardron—Editor, 1879, pp. 1-47. Deste livro existe uma reedição parcial moderna (com nota introdutória, prefácio, notas, selecção de gravuras da época e índices de Vítor Wladimiro Ferreira, Lisboa, Perspectivas & Realidades, 1989). Embora nela o título continue a ser o da 1ª ed., a verdade é que, por decisão do organizador (ver p. 194), esta reedição não contém a parte dedicada à Poesia Popular nos Campos. 620 José Maria de Andrade Ferreira, “O Cão Mau (Lenda do Algarve)”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 1, pp. 5-7, nº 2, pp. 13-15; e nº 3, pp. 20-22. Esta “lenda” conta a história dum fidalgo algarvio do 194 nos arredores de Lisboa, a um homem natural da Luz de Tavira, enquanto ele guiava os bois na debulha do centeio. As duas primeiras quadras talvez estejam retocadas. Pereira da Silva 622 publica uma história de amores entre um cristão e uma moura, que afirma ter ouvido contar a propósito duma fonte situada na Freiria, aldeia “entre Mafra e Torres Vedras, a dez kilometros destas duas povoações”. 623 A tradição conta que a moura ainda hoje aparece junto à fonte, de noite. Embora Silva diga que se trata de “um dos muitos contos de fadas, de mouras e de encantos que nesta aldeia correm”, 624 a verdade é que o texto (escrito, aliás, numa linguagem muito literária) conta uma história demasiado elaborada para ser tradicional. No máximo, talvez se trate de algo que Pereira da Silva ouviu, mas foi, depois, muito novelizado por ele. É isso, aliás, o que pareceria deduzir-se das palavras seguintes: “é uma lenda popular que, tal como corre ella[,] ahi vae, revestida da forma romantica”. 625 Neste ano, como já dissemos no subcapítulo anterior, Teófilo Braga publica, no Jornal do Comércio, um importante conjunto de artigos que constitui uma onda de modernidade nos estudos da literatura oral no nosso país. Deixando de lado os artigos dedicados ao romanceiro (que já mencionámos) e outros três que não interessam ao estudo da literatura oral portuguesa, 626 esta série de artigos trata dos seguintes assuntos: séc. XVII, e, por vários motivos (a começar pelo facto de estar cronologicamente situada, coisa que, como é sabido, não sucede nas lendas verdadeiramente tradicionais), parece-nos muito suspeita. Além disso, como já vimos atrás (1849), Andrade Ferreira publicou vários outros textos que, embora apresentados também eles como aprendidos da boca do povo, nada têm de tradicional. 621 622 A cantiga está no nº 1, p. 6. J. F. L. Pereira da Silva, “A Fonte da Moura. Lenda de aldêa”, Diario de Noticias, 1/10/1865, pp. 1-3. Não confundir este autor com João Xavier Pereira da Silva, que, em 1839, como vimos, publicou uma Bela Infanta. 623 624 625 626 Art. cit., p. 1 Loc. cit. Art. cit., p. 3 (sublinhado nosso). Trata-se, por um lado, dum artigo que não é sobre literatura oral (“Da Litteratura de Cordel”, Jornal do Commercio, 6/7/1865, p. 2) e, por outro, de dois artigos com a tradução de contos de Andersen (ver Apêndice nº 4). 195 — O tema do Fausto em lendas e em obras literárias estrangeiras e sua correspondência portuguesa com a lenda de São Frei Gil de Santarém (tal como vem na Crónica de São Domingos de Fr. Luís de Sousa). 627 Braga cita vários autores estrangeiros 628 modernos, nomeadamente Maury (Légendes e Magie) 629 e Michelet, Origin.[sic] du Droit. — A lenda de D. Sebastião e suas relações com a lenda do rei Artur. 630 Como mostra o título do artigo, estas semelhanças provariam as características célticas das tradições portuguesas. Publica também (dum manuscrito da Biblioteca Nacional) o relato duma viagem feita por dois frades seiscentistas à ilha Encoberta, que a ela teriam ido aportar depois duma tempestade. Cita La Villemarqué (Merlin l’ Enchanteur), Renan (La Poésie des races celtiques). 631 Maury (Fées) 632 e 633 — A lenda do milagre de Ourique, “uma reproducção da lenda byzantina de Constantino”. 634 — O tema da Nau Catrineta, do qual, além de publicar (como a seu tempo dissemos) uma versão romancística, transcreve também uma das “cantigas de levantar ferro, que a maruja canta”, a qual, segundo ele, “parece um vestigio da lenda que estudamos”. Trata-se uma canção narrativa cujo enredo é, de facto, parecido com o da Nau Catrineta. O texto parece moderno ou, pelo menos, não tradicionalizado. 627 635 Teophilo Braga, Jornal do Commercio, “A Lenda de Fausto na Poesia Portugueza”, 28/4/1865, p. 2. 628 I. e., L.-F.-Alfred Maury, Essai sur les légendes pieuses du Moyen-Âge, cit. (1843) e La Magie et l’ astrologie dans l’ Antiquité et au Moyen-Âge, ou étude sur les superstitions païennes qui se sont perpétuées jusqu’ à nos jours, Paris, Didier, 1860. 629 I. e., Michelet, Origines du Droit français cherchées dans les symboles et les formules du Droit universel par M. ..., Paris, L. Hachette, 1837. 630 “Origens Celticas da Lenda de D. Sebastião”, Jornal do Commercio, 13/7/1865, p. 2. 631 I. e., Hersart de La Villemarqué, Myrdhin ou l’ enchanteur Merlin, son histoire, ses oeuvres, son influence, par le Vte. ..., Paris, Librairie Académique Didier et Cie., 1862. 632 I. e., L.-F.-Alfred Maury, Les Fées du Moyen-Âge. Recherches sur leur origines, leur histoire et leurs attributs, pour servir à la connaissance de la mythologie gauloise, Paris, Philosophique de Ladrange, 1843. 633 634 I. e., Ernest Renan, La Poésie des races celtiques, Paris, Imprimerie Claye, 1854. Teophilo Braga, “Do Cyclo Greco-Romano na Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 23/8/1865, p. 3. 635 Teophilo Braga, “A Lenda da Nau Catharinetta”, Jornal do Commercio, 1/9/1865, p. 3. 196 — Aspectos do maravilhoso na tradição portuguesa. 636 A esse respeito, cita extractos de leis antigas que proíbem determinadas crenças mágicas e que, portanto, servem de fonte para o nosso conhecimento de tais crenças. Cita a canção lírica que começa “Não conheço pai nem mãe” 637 e nela aponta correspondências de lendas doutros povos. Transcreve uma “canção popular dos nossos navios”, lírica. 639 638 Fala de naufrágios e lendas a eles ligados que existem em vários países e frisa o celtismo das nossas tradições. — Os subgéneros antigos e modernos da poesia tradicional portuguesa, que enuncia e define. 640 Cita duas passagens de Gil Vicente onde haveria exemplos de tais subgéneros; transcreve alguns textos populares que chegaram até nós através da sua citação por autores antigos (por exemplo, uma canção que vem em Fernão Lopes). Da tradição oral moderna, transcreve: uma versão do Minho (que diz ter recolhido há pouco) da canção narrativa Deus te Salve, Rosa; três quadras líricas soltas; e cinco quadras líricas encadeadas. 641 Cita vários paralelos com tradições estrangeiras, nomeadamente através dos Grimm, Tradições 642 allemãs, Champfleury, Chansons populaires des provinces de France, 643 e Du Méril, 644 Hist.[sic] da Poesia Scandinava. 636 Teophilo Braga, “Maravilhoso da Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 9/9/1865, pp. 2-3; 20/9/1865, p. 3; e 26/9/1865, p. 2. 637 Diz que esta canção é do Algarve, mostrando, portanto, conhecê-la através do artigo de Estácio da Veiga, 1861 (q. v.). 638 Por exemplo, nos versos “sou filho das tristes ervas, / neto das águas correntes”, vê uma correspondência da história de Rómulo e Remo abandonados no campo e da história bíblica de Moisés abandonado no Nilo. 639 É a que, em 1867, Braga republicará no Cancioneiro Popular (q. v.), com o título de A Vida do Marinheiro (pp. 144-5). 640 “Discussão das Formas da Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 11/10/1865, p. 3; 21/10/1865, p. 3; 7/11/1865, pp. 2-3; 24/11/1865, p. 3; e 8/12/1865, p. 1. 641 Estes textos estão todos no artigo de 8/12/1865 (p. 1). Deles diz o autor, em nota: “Cantigas recolhidas na Beira [note-se que, porém, o Deus te Salve, Rosa, pelo menos, seria do Minho, como ele próprio informa], e extraidas da minha collecção intitulada: Sylva de cantigas soltas, inedita”. Recorde-se que “Sylva de cantigas soltas” é também o título da secção do Cancioneiro Popular de Braga (1867) dedicada às quadras soltas, a qual, portanto, parece corresponder à colecção que, em 1865, se encontrava inédita. 642 Deve referir-se à edição francesa: Traditions allemandes, recueillies et publiées par les frères Grimm, traduites par M. Theil, Paris, A. Levavasseur & Cie., 1838, 2 vols. 643 I. e., [Jules] Champfleury, Chansons populaires des provinces de France, Paris, Lécrivain et Toubon, 1860. 197 Num artigo anónimo, publica-se uma carta alegadamente escrita por uma pessoa do povo. A carta, cheia de erros de ortografia e com um estilo que pretende passar por culto mas é apenas ingénuo, é publicada com claros propósitos cómicos. 645 O texto da carta inclui sete quadras (transcritas como se fossem prosa) que parecem tradicionais. 646 1866 Num romance (no sentido de “longa narrativa em prosa”), Maria Peregrina de 647 Sousa transcreve duas quadras da canção lírica Vida de Marujo. São cantadas por um marítimo, facto que contribui para a verosimilhança da obra, tendo em atenção que aquela cantiga era muito usada entre a gente ligada ao mar. 648 1867 Sai o primeiro romanceiro de Teófilo Braga (q. v.), que, como dissemos, além de romances, contêm 6 canções narrativas. 644 I. e., Edélestand Du Méril, Histoire de la poésie scandinave. Prologomènes, Paris, Brockhaus et Avenarius, 1839. 645 Ainda que, ironicamente, o autor do artigo diga que publica tal carta para ela servir de modelo aos apaixonados que não sabem como escrever aos objectos da sua paixão. 646 Anónimo, “Carta Original”, Jornal do Commercio, 23/5/1865, p. 2. A carta está datada de 31/8/1864. 647 Maria Peregrina de Sousa, Maria Isabel, Porto, Typographia de José Pereira da Silva, 1866, pp. 215 e 217. 648 Por exemplo, Maria Aliete Galhoz (conforme já dissemos no cap. dedicado ao romanceiro) refere o uso da Vida de Marujo durante a “chegança” celebrada pelos pescadores da praia de Quarteira (ver Romanceiro Popular Português, cit., II, nota à versão nº 1087). 198 649 No mesmo ano, Braga publica o seu Cancioneiro Popular, numerosas poesias líricas (sobretudo quadras soltas), 650 e também orações onde se reúnem 651 e provérbios. 652 É a primeira colecção de textos orais não-romancísticos publicada em Portugal. No prefácio, mostra conhecer os nomes de vários autores estrangeiros modernos, responsáveis por colectâneas de poesia tradicional (é verdade que só de modo muito alusivo refere os respectivos títulos: Marcoaldi, 658 649 Nigra, 659 653 da Itália (Tommaseo, etc.), da Grécia (Fauriel 660 654 Tigri, 655 Vigo, 656 Dal Medico, 657 661 e o conde de Marcellus ), da França (La Theophilo Braga, Cancioneiro Popular, colligido da tradição por..., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1867. 650 As quadras estão agrupadas fundamentalmente na secção intitulada “Sylva de Cantigas Soltas”, que compreende 651 quadras. Além disso, existem quadras soltas também na secção “Fados e Canções da Rua”, na qual, porém, se destacam canções líricas como A Vida do Marinheiro, Canção da Engeitada (extraída do artigo de Estácio da Veiga publicado em 1861, q. v.) ou O Frade (“Triste vida é a de um frade / É peor que a de uma freira”, etc.). 651 Incluídas na secção “Fastos do Anno e Orações”, que, no entanto, é ocupada sobretudo por canções líricas, tendo ainda uma canção narrativa e um romance. 652 Trata-se de numerosos ditados de tema meteorológico, agrupados na secção “Aphorismos Poeticos da Lavoura”. 653 E, além disso, note-se que, de todas essas colectâneas, só utiliza verdadeiramente duas nas notas do seu Cancioneiro (a obra de Lafuente e a de Marcellus — ver, respectivamente, pp. 206 e 220), para indicar (de modo muito vago, aliás) paralelos com textos portugueses que publica. 654 I. e., Niccolò Tommaseo, Canti popolari toscani, corsi, illirici, greci, Venezia, G. Tasso, 1841, 4 vols. 655 656 657 658 I. e., Giuseppe Tigri, Canti popolari toscani, Firenze, Barbera e Bianchi, 1856. I. e., Lionardo Vigo, Canti popolari siciliani, Catania, Tip. di C. Galatola, 1857. I. e., Angelo Dalmedico, Canti del popolo veneziano, Venezia, A. Santini, 1848. I. e., Oreste Marcoaldi, Canti popolari inediti umbri, liguri, piceni, piemontesi, latini, Genova, Impr. del R. I. Sordo-Muti, 1855. 659 Refere-se sem dúvida às Canzoni popolari del Piemonte, de Costantino Nigra, separata, em cinco fascículos, de artigos publicados entre 1858 e 1861 na Rivista contemporanea, separata que Braga cita algumas vezes nos Cantos Populares do Archipelago Açoriano (1869, q. v.). 660 I. e., Claude Fauriel, Chants populaires de la Grèce moderne, Paris, Firmin Didot père et fils, 1824-25, 2 vols. 661 Trata-se do Comte de Marcellus, autor dos Chants populaires de la Grèce moderne (1860), que Braga já citara no Romanceiro. 199 Villemarqué, (Durán 666 662 Paulin Paris, 663 Charles Nizard, 664 Champfleury, 665 etc.) e da Espanha 667 e Emilio Lafuente y Alcantara ). Nas notas comparativas que surgem no fim do volume, Braga aproveita algo do que escreveu nos artigos de 1864-66, e transcreve, inclusive, um deles integralmente. 668 Diga-se que, porém, não obstante o conhecimento actualizado e aberto a outros horizontes que apresenta, o Cancioneiro começa com as chamadas “cinco relíquias” da poesia arcaica portuguesa, qualquer prova palpável. 662 663 669 670 cuja autenticidade Braga defende (e defenderá até morrer) sem Trata-se, pois, de mais um exemplo de como Braga só em parte Braga deve ter em mente, neste caso, o já citado Barzas-Breiz (1839). P. Paris ficou conhecido como editor de textos medievais franceses (por exemplo, Li Romans de Berte au grans piés, Paris, Techner, 1836), e não encontrámos nenhuma obra sua que seja uma colectânea de canções populares ou esteja dedicada ao assunto. A que mais se aproxima deste tema seria o Romancéro français. Histoire de quelques anciens trouvères et choix de leurs chansons, Paris, Techner, 1833. 664 Trata-se de Charles Nisard (com “s” e não com “z”), autor que, à época, já publicara La musique pariétaire et la muse foraine, ou les chansons des rues depuis quinze ans, Paris, J. Gay, 1863. 665 666 667 Autor das já atrás citadas Chansons populaires des provinces de France. Braga deve referir-se, obviamente, ao já citado Romancero general (1849-51). Trata-se do autor de Cancionero popular. Colección escogida de seguidillas y coplas, Madrid, B. Carlos Bailly-Baillière, 1865, 2 vols. 668 Trata-se do artigo “Origens Celticas da Lenda de D. Sebastião”, que (numa longuíssima nota à secção de quadras de tema sebastianista intitulada “Profecias Nacionaes”) Braga transcreve (sem dizer que é republicação) nas pp. 207ss. 669 Fragmento do poema da Cava (pp. 1-29), Canção do Figueiral por Goesto Ansures (pp. 2-4), Canção de Gonçalo Hermigues o Traga-Mouros (p. 4), Canção de Egas Moniz Coelho a D. Violante (pp. 5-6) e Canção de Egas Moniz Coelho á sua Dama (pp. 7-8). 670 A estas “preciosas reliquias da poesia portugueza do seculo XII e XIII” (p. 201) se refere Braga nas pp. 197-202. Defende-as da acusação (feita por João Pedro Ribeiro) de serem apócrifos, mas, quanto a provas (ver pp. 197-8), nada diz de verdadeiramente importante, embora conclua: “Pelos estudos philologicos que sobre elles temos feito chegámos á conclusão de que são inteiramente authenticos” (p. 202; itálico do original). Note-se que, em princípios do séc. XIX, o referido João Pedro Ribeiro foi o primeiro a negar a autenticidade de tais poemas, estribando-se em que eles só tinham aparecido no séc. XVII, publicadas por autores sem crédito, e no facto de a sua linguagem “parece[r] [...] obra de hum artificio estudado”, sendo muito diferente da dos textos contemporâneos da época em que as cinco relíquias teriam sido escritas (ver Dissertações Chronologicas e Criticas sobre a Historia e Jurisprudencia Ecclesiastica e Civil de Portugal, publicadas por ordem da Academia R. das Sciencias, I, Lisboa, Na Typographia da Mesma Academia, 1810, p. 200 aprendeu a lição de rigor ensinada pelo Positivismo, do qual, no entanto, ele sempre se considerou o principal representante no nosso país, nomeadamente no que diz respeito ao estudo da tradição oral. 671 1868 Eugénio de Castilho publica um artigo com algumas quadras soltas que parecem, na sua maioria, tradicionais. 672 Num artigo de jornal, Andrade Ferreira inclui 18 quadras soltas, sobre S. João, recolhidas no Algarve. 673 Exceptuando uma, todas parecem tradicionais. O artigo contém igualmente alguns comentários (muito positivos) sobre a poesia oral, sobretudo a algarvia. 674 181). O carácter apócrifo de tais poemas foi definitivamente estabelecido por Carolina Michaëlis de Vasconcelos (ver Geschichte der portugisischen[sic] Litteratur, Strasbourg, Karl J. Trübner, 1894, pp. 161167). 671 Sobre o complexo problema das ideias de Teófilo quanto à literatura oral, principalmente o romanceiro, ver Teresa Araújo, Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa, cit. 672 673 Eugenio de Castilho, “A Cantiga. Codigo Popular do Amor”, Diario de Noticias, 30/9/1868, p. 1. J. M. d’ Andrade Ferreira, “A Noite de S. João. A Poesia Popular”, Diario de Noticias, 24/6/1868, p. 2. 674 Nas palavras introdutórias, o autor escreve: “Por mais que me digam [,] gosto destes innocentes e poeticos folguedos que suscitam no animo de todos os santos populares”. Depois de confessar que lhe lembram a infância, acrescenta: “São lindos e poeticos estes nossos costumes peninsulares da vespera de S. João”. No fim do artigo, depois da transcrição das quadras, há o seguinte comentário: “Que linda não é esta trova! Vejam se ha mais singello sentir, e como as tradições locaes veem dar realce ao poetico culto do mais popular de todos os santos!” Estas quadras, como vimos, foram recolhidas no Algarve, e Andrade Ferreira escreve que tal província “é aquella que mais guarda intactas estas formosas tradições, porque foi tambem lá que permaneceram por mais tempo os filhos da Mauritania [dissera antes que os festejos joaninos têm influência árabe]. O Algarve é um Olympo de lendas e crenças peninsulares, e a noite da vespera de S. João figura neste Olympo como uma das mais inspiradas para o bandolim do trovador arabe”. 201 1869 No Almanaque de Lembranças, Magalhães Alvão dá a conhecer um ensalmo contra a erisipela. 675 Fornece também a respectiva contextualização, explicando como se processa o rito (gestos que o benzedor faz e mezinha complementar usada). O texto foi recolhido no Minho e não parece retocado. Teófilo Braga publica os Cantos Populares do Arquipélago Açoriano (q. v.), obra em que, além de romances, se incluem 9 canções narrativas (como já dissemos), muitíssima lírica tradicional (quadras soltas e cantigas) e também orações e alguns anfiguris (é a primeira vez que este subgénero aparece no nosso corpus) e rimas infantis. Estes textos parece que estavam todos inéditos e terem sido recolhidos fundamentalmente na ilha de São Jorge por Teixeira Soares de Sousa. 676 Os textos parecem muito próximos da linguagem tradicional. Alguém que assina M. da C. publica, numa série de artigos, 70 quadras soltas, ao que parece recolhidas em Faro. 677 O primeiro dos artigos traz umas linhas introdutórias, em que se dá a entender que os textos foram publicados sem retoques. 675 678 Antonio José Pereira de Magalhães Alvão, “Mais Superstições do Minho”, in Alexandre Magno de Castilho e Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro (orgs.), Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1870, Lisboa, Typ. Franco-Portugueza, 1869, pp. 138-139. 676 Sobre a possibilidade de um outro jorgense, António Pereira da Cunha, ter colaborado na recolha de textos, nomeadamente não-romancísticos, para os Cantos, ver o que sobre esta obra dissemos no subcapítulo dedicado ao romanceiro. Quanto a versões provenientes doutras ilhas que não a de São Jorge, repare-se que dois dos textos não-romancísticos da presente obra trazem uma indicação nesse sentido: a canção das pp. 115116 e o responso das pp. 148-150, recolhidos, respectivamente, em São Miguel e em Santa Maria. De sublinhar, além disso, que, sendo pouquíssimos os textos não-romancísticos publicados nos Cantos cujo local de recolha está indicado, não é de afastar a possibilidade de vários outros terem sido obtidos fora de São Jorge. 677 M. da C. “Desejos e Votos”, Folha dos Curiosos, nº 4 (Janeiro 1869), p. 7. Inclui 6 quadras tradicionais. O artigo continua, com o título “Trovas Populares”, no nº 7 (Fevereiro 1869), pp. 6-7 (12 quadras); nº 9 (Março 1869), pp. 6-7 (16 quadras); nº 11 (Março 1869), pp. 6-7 (8 quadras); nº 13 (Abril 1869), p. 3 (10 quadras); nº 15 (Abril 1869), p. 6 (7 quadras); nº 16 (Abril 1869), pp. 2-3 (11 quadras); nº 17 (Maio 1869), pp. 5-6 (5 quadras); e nº 18 (Maio 1869), p. 3 (16 quadras). O nome do colector e o local da recolha aparecem apenas no fim da última parte do artigo (nº 18): “Faro (Coleccionadas por M. da C.)”. 202 Deve ser posterior a este ano um manuscrito onde se incluem numerosíssimos provérbios, talvez copiados de alguma obra impressa. 679 1870 Teófilo Braga publica os Estudos da Idade Média. Um dos capítulos da obra é dedicado a “Os Contos de Fadas”. 680 Entre outros comentários fruto da “erudição moderna”, refere a existência, no Livro de Linhagens do Conde de Barcelos, de “O Rei Lear” e “A 678 É esta a mini-introdução: “Dentre as trovas populares extrahimo[s] ao acaso, esta meia duzia dellas. Se não valem pela correcção metrica, valem pelo pensamento, ou por um não sei que sabor encantado e delicioso”. O colector parece, portanto, dizer que deixou nos textos a “incorrecção” métrica (embora dela se tenha apercebido), não os tendo retocado nem sequer nesse aspecto. Estas quadras têm, de facto, ar de ser perfeitamente tradicionais. 679 Adagios Portuguezes que em si Encerrão Anexins..., miscelânea da Biblioteca Nacional (Reservados, cota: Cod. 13258). A secção dos adágios (que ocupa a maior parte do códice, o qual não tem paginação) está manuscrita, e apresenta as parémias agrupadas por temas, ordenados estes alfabeticamente. O códice, não obstante o seu título, pertence à obra designada com o título de O Curioso..., que já antes referimos (ver ano de 1850); aliás, na lombada, o presente volume tem a indicação seguinte: O Curioso, 27. Este volume (o último de O Curioso) não está datado no frontispício (ao contrário do que acontece com os anteriores), e os recortes de artigos que (além da parte manuscrita) contém não apresentam também, infelizmente, qualquer indicação de data. De qualquer modo, este volume deve ser posterior a 1869, uma vez que o volume anterior (o qual tem a cota Cod. 13257 e, na lombada, traz a indicação de ser o vol. 26) tem, no frontispício, a data “Lisboa, 1868” e os recortes de jornal que inclui estão datados de 1866 (poucos), 1867 e 1868 (bastantes) e 1869 (poucos). Partindo do princípio de que o vol. 27 (o dos Adagios) foi organizado depois do vol. 26, aquele seria, portanto, posterior a 1869. Note-se que entre os recortes presentes no tomo 27 (o dos Adagios) há alguns que são folhas dum almanaque, e que, embora sem indicação do ano, têm a do dia do mês e da semana: por exemplo, “15 de Maio, quinta-feira” e “19 de Maio, segunda-feira”. Consultado um calendário perpétuo, concluímos que, na época aproximada a que este volume deve pertencer, 15 e 19 de Maio calharam, respectivamente, numa quinta-feira e numa segunda nos anos de 1862, 1873 e 1879. Claro que esta indicação apenas poderá servir para datar o ano depois do qual este volume foi organizado (e os provérbios para ali copiados). Assim, se o almanaque em causa for, por exemplo, de 1873, as suas folhas não poderão ter sido coladas no presente códice num ano anterior a 1873, mas poderão tê-lo sido em qualquer ano posterior, até muito. 680 Teophilo Braga, Estudos da Edade Media. Philosophia da litteratura, Porto / Braga, Ernesto Chardron / Eugenio Chardron, 1870, pp. 53-75. 203 Dama Pé-de-Cabra”, que identifica como contos tradicionais e transcreve. 681 Publica, além disso, versões inéditas de dois contos recolhidas “da tradição Oral” moderna: “As Tres Cidras do Amor” (AT 408, The Three Oranges) e “A Cacheirinha”(AT 563, The Table, the Ass, and the Stick). 682 Principais conclusões Nos dados que atrás enunciámos, parece-nos importante destacar três aspectos: O primeiro é a da clara desproporção entre o cancioneiro e os restantes géneros e subgéneros, mesmo tendo em atenção que, conforme no início deste subcapítulo dissemos, é bem possível que os subgéneros em prosa estejam menos representados no nosso corpus do que deveriam estar. Organizados por subgéneros, é o seguinte o número dos items bibliográficos acima descritos: 683 Cancioneiro lírico: 38 Lendas: 13 Orações e ensalmos: 7 Provérbios: 4 Contos: 3 Cancioneiro narrativo: 3 681 682 683 Op. cit., pp. 60-4. Op. cit., pp. 65-75. Por “items bibliográficos” entendemos os artigos ou livros em que se publicam os textos de literatura oral. Note-se que 6 desses items incluem cada um deles textos pertencentes a dois géneros: por exemplo, o artigo de Maria Peregrina de Sousa “Superstições Populares do Minho (Carta)” [Revista Universal Lisbonense, IV, nº 35 (20/3/1845), p. 420] inclui ensalmos e um provérbio. Nestes casos, o mesmo item bibliográfico foi contado duas vezes: uma em cada um dos géneros. Para tentar obter uma ideia aproximada da “popularidade” editorial de cada género, pareceu-nos preferível ter em conta os items bibliográficos, em vez de considerar o número de versões. É que, se escolhêssemos a segunda hipótese, arriscavamo-nos a que o cancioneiro aparecesse com uma desproporção perfeitamente enganadora, dado que, por exemplo, só no artigo de Luís Augusto Palmeirim se publicam 93 quadras. 204 Rimas infantis: 1 Teatro: 1 684 É óbvio que o cancioneiro lírico é, de longe, o subgénero mais representado, com 54,3% do total. O grupo que fica em segundo lugar, as lendas, representa, por contraste, uns meros 18,6 %. Se juntarmos aos números do cancioneiro lírico os números do romanceiro (cujo corpus, que fornecemos no subcapítulo anterior, contém 29 items) 685 e do cancioneiro narrativo, torna-se claro que os restantes géneros representam uma clara minoria. Se, além disso, tivermos em conta que as orações e os ensalmos são em forma mais ou menos versificada, que o mesmo se pode dizer de muitos provérbios, e que a rima infantil e o fragmento de teatro são nitidamente em verso, concluiremos que, no nosso corpus, os subgéneros em prosa estão presentes em apenas 16 items, ou seja, 22,9% do total. Trata-se, naturalmente, duma desproporção que surpreenderá os actuais estudiosos da literatura oral, acostumados como estão a que os contos e, em menor medida, as lendas 684 Trata-se, claro, do fragmento (quadra) dum auto de Natal publicado por D. Maria Peregrina (1845). Gostaríamos de observar que temos muitas dúvidas sobre se o chamado “teatro popular” faz verdadeiramente parte da literatura oral. O que distingue esta literatura é, como se sabe, o facto de ser aprendida oralmente. Ora as peças do teatro popular eram aprendidas a partir de textos escritos (os “cascos”), lidos ou ouvidos ler. Por outro lado, tal aprendizagem estava praticamente limitada às (poucas) pessoas que desempenhavam os papéis de determinada peça. Por último, a performance fazia-se apenas no momento da representação (que, em geral, se limitava a uma récita anual), dado que cada pessoa, para recitar a sua parte, necessitava de ter quem lhe desse as deixas. Não podia, portanto, recitar os seus fragmentos à noite, em casa, ao serão, pois, assim, o texto não faria sentido. Obviamente, determinada fala de que o actor (ou familiares e amigos seus) gostasse(m) especialmente poderia ser recitada independentemente do contexto; só que um texto assim recitado abandonaria praticamente o género dramático, aproximando-se muito mais do lírico ou narrativo. São fragmentos desse género que, nalgumas (poucas) ocasiões, foi possível recolher (ver, sobretudo, Manuel da Costa Fontes, Romanceiro da Província de Trás-os-Montes (Distrito de Bragança), Coimbra, Por Ordem da Universidade, II, 1987, nºs 1542-45), mas, pela sua qualidade de fragmentos descontextualizados e, mais ainda, pelo facto de deles se não conhecerem outras versões orais, cremos não se poder afirmar que estamos em presença de textos de teatro oral (entendendo “oral”, como sempre fazemos neste trabalho, no sentido de “oral tradicional”). 685 Neste cômputo não tivemos em consideração as duas versões do Conde Alarcos recolhidas (segundo Braga) por Costa e Silva (ver, no nosso capítulo sobre o romanceiro, o ano de 1837), pelo facto de elas, ao serem publicadas apenas em 1906, ficarem fora do âmbito temporal que estabelecemos para o nosso trabalho. 205 sejam dois subgéneros de muito peso. Mesmo tendo em mente que (como atrás advertimos) os subgéneros em prosa devem estar menos representados no nosso corpus do que, na realidade, estão na imprensa da época, é muito provável que ainda não tivesse chegado, em Portugal, o tempo em que tais subgéneros receberiam grande atenção. Na verdade, ainda faltava bastante para que Adolfo Coelho publicasse os Contos Populares Portugueses (1879), a nossa primeira colectânea do género. 686 Pensamos que a atenção preferencial dado aos géneros em verso durante os primeiros 50 anos da recolha se explica pela percepção que na época havia do que era a literariedade. Nas primeiras décadas do interesse pela literatura oral, até o romanceiro (como já vimos quando sobre ele falámos) ou o cancioneiro lírico (como veremos um pouco mais abaixo) eram publicados, a maior parte das vezes, por motivos que não tinham em conta o seu valor literário próprio. Eram dados à estampa apenas como citação em textos pertencentes à literatura escrita ou como termo de comparação com textos escritos que neles se tinham inspirado. Isto porque era difícil a muitos dos autores que se interessavam por estas coisas (e bem mais difícil ainda, claro, aos que se não interessavam) considerar a literatura oral como verdadeira literatura, em pé de igualdade com a outra, a escrita. Por questões de Poética (uma Poética produto, obviamente, de condições históricas e sociológicas), os textos que existiam apenas na boca do povo deviam ser olhados como algo longe da literatura. De todos os géneros literários orais, os mais passíveis de serem encarados como irmãos (ainda que, no princípio, apenas bastardos) da literatura escrita eram, obviamente, os expressos em verso, dado que, por essa característica, escapavam ao discurso corrente e, neles, era mais clara a existência daquilo a que, muito depois, se chamou a literariedade. Não custa, assim, a perceber que tenha sido precisamente pelos géneros em verso que tenha começado o interesse pela literatura oral: foi assim na Grã-Bretanha e na Alemanha, foi assim em Portugal e um pouco por toda a Europa. Além disso, o subgénero da narrativa em verso era o mais passível de nobilitação, já que dele havia exemplos impressos ou manuscritos desde há séculos, canonificados, portanto, pelo prestígio da História. Foi o que 686 É possível saber que a recolha de Coelho é anterior a 1875, pois, num artigo publicado nesse ano, escreve ele: “A nossa colecção de contos populares portugueses aproxima-se já de 200, não contando as variantes” (“Os Elementos Tradicionais da Literatura. Os Contos”, in Francisco Adolfo Coelho, Obra Etnográfica, I: Festas, costumes e outros materiais para uma Etnologia de Portugal, org. e pref. de João Leal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1993, p. 99, nota 2; o artigo em causa foi inicialmente publicado na Revista Occidental, II, ano de 1875). 206 vimos com Percy e as baladas, e, em Portugal, com os romances, cujas versões orais Garrett tratou de comparar com versões impressas no séc. XVI. Pelo contrário, só depois de se tornar pacífico que os géneros orais em verso tinham valor próprio, e podiam ser publicados e estudados sem que ninguém achasse tal uma perca de tempo (e, mesmo assim, como veremos noutro capítulo, ainda houve bastante gente que continuou a ter essa opinião negativa durante muito tempo), é que os géneros em prosa começaram a poder levantar cabeça, eles que apresentavam, tantas vezes, situações fora de todas as regras clássicas, nomeadamente da verosimilhança, e que nem sequer pela forma da expressão se distinguiam do discurso quotidiano. Não é, certamente, por acaso que, embora tenha havido cinco textos orais em prosa recolhidos da nossa tradição que foram publicados antes dos romances incluídos na Adozinda, a publicação desses textos se deve a dois autores ingleses, e não a portugueses. Neste aspecto, como vemos, Estácio da Veiga foi um homem perfeitamente integrado no seu tempo, uma vez que se dedicou à recolha e à publicação do romanceiro e do cancioneiro lírico, não se tendo, pelo contrário, interessado por outros géneros. Nesse aspecto, o seu percurso é igual ao de Teixeira Soares de Sousa, o outro grande colector da época em apreço. 687 De sublinhar, ainda, que Veiga foi, no caso do cancioneiro lírico, um claro precursor. Se Garrett planeou, inicialmente, um Romanceiro e Cancioneiro Geral (é esse, recorde-se, o título que a sua obra tem em 1843, ao sair o I vol.), anos depois mudou de ideias: na introdução do vol. II, diz já estar “posta de parte por agora toda a idea de cancioneiro”, 688 pelo que nesse volume e no III a obra se chama só Romanceiro, título que, a partir da reedição de 1853, passará a ser também o do I vol. Pelo contrário, Veiga enquanto 687 Note-se, porém, que, já no fim da vida (veio a falecer em 1/7/1882), Soares de Sousa parece ter- se começado a interessar pela recolha de contos. É o que se depreende da seguinte carta a Ernesto do Canto, datada de 13/5/1881: “O anno passado encetou relações comigo um Sr. Z. Consiglieri Pedroso, professor do Curso Superior de Lettras. Insta-me para que lhe recolha aqui contos populares. Estou velho para isso. Comtudo quiz dar começo á colheita publicando-a no Velense, para ver se assim obtinha, que os rapazes que ali escrevem continuem o trabalho. No numero de 8 do corrente sahiu o 1º conto, e continuar-se-hão. Oportunamente remetterei um exemplar. Diz-me elle que tem ahi [na ilha de São Miguel, onde morava Ernesto do Canto] uma sobrinha, e alguns contos ahi recolhidos” [Ernesto do Canto, artigo sem título, Archivo dos Açores, IV, nº 19 (1882), p. 28; o artigo completo compreende as pp. 7-31]. Infelizmente, não pudemos consultar o jornal indicado por Soares de Sousa, que não existe na Biblioteca Nacional nem aparece referido na PORBASE. 688 Romanceiro, II, p. xlv. 207 recolheu material para o Romanceiro, fez o mesmo para o Cancioneiro, que, como vimos, parece ter sido organizado mais ou menos na mesma época. Tivesse a obra sido publicada então, e teria sido o primeiro cancioneiro português, para mais, bastante rico, uma vez que, conforme dissemos, o que dele hoje existe contém, ainda assim, cerca de 600 quadras e 6 canções, não muito inferior, portanto, ao corpus que constitui o Cancioneiro Popular de Teófilo Braga. Um outro aspecto que nos parece de destacar é a questão do cancioneiro lírico e dos restantes subgéneros (exceptuando o romanceiro, claro) enquanto matéria digna de interesse em si. Deixando de lado a rima infantil e o minúsculo fragmento do teatro, que, como exemplos únicos dos respectivos géneros, poucas indicações nos podem dar sobre o comportamento dos colectores a seu respeito, vejamos as outras categorias. Todas as lendas, todos os contos, todas as canções narrativas, e a quase totalidade das orações (6 em 7 items) e dos provérbios (3 em 4 items) são publicados pelo seu valor, enquanto textos de literatura oral. Mas as coisas passam-se de modo muito diferente quanto ao cancioneiro lírico, em que só 18 num total de 36 items são publicados por si. O ano de 1846 é aquele em que, pela primeira vez, encontramos um texto do cancioneiro lírico (uma quadra) publicado enquanto texto folclórico, pelo seu interesse artístico. Nos anos seguintes, assistimos à publicação de textos líricos ora pelo seu interesse ora por outros motivos; só em 1861 a maioria das canções começa a surgir motivada por si própria. A última vez em que, no nosso corpus, surge uma canção lírica publicada por uma razão extraliterária é em 1866. Curiosamente, a publicação do romanceiro apresenta, como vimos atrás, um padrão cronológico bastante parecido com o do cancioneiro, só que em geral um pouco anterior. Na verdade, em 1845 surge o primeiro artigo em que um romance é publicado pelo seu valor próprio, não como pedra de toque do trabalho criativo que o poeta fizera inspirado nele ou como texto oral citado num texto escrito. Depois dessa data, os romances vão sendo intermitentemente publicados, umas vezes pelo seu valor próprio de literatura oral, outras por motivos diferentes. A partir de 1861 os romances são sempre publicados enquanto tal. Também neste aspecto Estácio da Veiga surge bem integrado, uma vez que começa a publicar canções líricas em 1859, publicando o segundo, terceiro e, provavelmente, 689 689 Isto se A Santo Antonio. —Cantiga popular do Algarve [Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), p. 80] foi publicado por Estácio da Veiga, como nos parece provável. 208 quarto items em 1861, ou seja, o ano em que, como dissemos, começa a mudar o signo das publicações do cancioneiro. Não obstante as semelhanças de percurso que apontámos, tenha-se presente que, de qualquer modo, no início da publicação do cancioneiro lírico, se assiste a um atraso relativamente ao romanceiro: os items de 1828 (Adozinda), 1832 e 1838 (Isabel e O Espectro, de Costa e Silva) não encontram paralelo no cancioneiro. Os primeiros textos deste género presentes no nosso corpus datam apenas de 1840 (conto de Raposo de Almeida) e 1842 (dois items: crítica teatral anónima e Alfageme de Santarém) e é aí que se verifica já um comportamento parecido com o da publicação do romanceiro, cujo quarto item data, de facto, de 1839 (Pereira da Silva) e o quinto de 1842 (Alfageme). Também no que diz respeito à publicação de grandes colecções, o cancioneiro se atrasa relativamente ao romanceiro. Na verdade, antes de 1867, não se publica nenhuma colecção importante de lírica, ao passo que em 1851 tinham já saído os vols. II e III do Romanceiro de Garrett. Se virmos com um pouco de atenção o atraso nos dois referidos aspectos, apercebemo-nos de que ele parece fruto, afinal, da preferência que Garrett mostrou pelo romanceiro. Na verdade, os referidos items de 1828 e 1851 são, claro, da iniciativa de Almeida Garrett, e os items de 1832 e 1838 devem-se, em última análise, à influência do exemplo do mesmo Garrett (Adozinda). A não ter existido o interesse garrettiano próromanceiro (despertado pelo que se fazia na Grã-Bretanha e consolidado, depois, pelas republicações do romanceiro velho castelhano), as relações entre este subgénero e o cancioneiro lírico teriam, provavelmente, sido mais equilibradas, não só no período em análise mas, provavelmente, durante o resto da história da recolha e do estudo da literatura oral entre nós. Além disso, o facto de a primeira colecção portuguesa de romances ter sido organizada pelo maior escritor romântico da literatura escrita, que foi, além disso, o único escritor importante desta literatura a trabalhar também no campo na literatura oral, muito fez também, sem dúvida, pelo prestígio do subgénero no nosso país. O terceiro (e último) aspecto que gostaríamos de realçar é a questão dos textos falsamente recolhidos da oralidade. Conforme observámos, as três canções publicadas por Julia Pardoe (1833) nada têm de tradicional, e são provavelmente apenas poemas ingleses originais. Também Andrade Ferreira (ver 1849, e nota respectiva) várias vezes deu a conhecer textos apresentados como tradicionais, mas que não o são. 209 Por outro lado, uma lenda publicada por Osório de Vasconcelos (1864) e outra por Andrade Ferreira (1865) são, com grande probabilidade, invenções dos pretensos colectores, e é possível que seja também esse o caso duma das duas lendas que Vilhena Barbosa (1859) afirma ter recolhido. De sublinhar que esses exemplos de falsidade editorial (mais provada ou menos, consoante os casos) surgem numa época em que não é fácil determinar o que motiva a designação de “popular” dada a determinado texto, nem sequer a afirmação, mais explícita, de que foi colhido da boca do povo. A indefinição de fronteiras entre literatura oral, literatura escrita tout-court e literatura escrita mais ou menos inspirada na literatura oral era grande, como veremos mais à frente. De qualquer modo, se a filiarmos nesta linhagem de falsificações românticas (encaradas ou não como tal), poderemos perspectivar um pouco melhor a realidade incómoda representada pelos 11 textos falsos do Romanceiro do Algarve, que, não obstante as afirmações do seu editor, não provêm da oralidade. 210 V A COLECÇÃO DE ESTÁCIO DA VEIGA Razões para a Recolha de Estácio da Veiga Parecem ser fundamentalmente dois os motivos que levaram Veiga a dedicar-se à recolha e publicação do romanceiro (e também do cancioneiro, não o esqueçamos): o facto de essa literatura não ter sido ainda registada e, concomitantemente, o desejo de glorificar o seu Algarve natal. Necessidade de Recolher a Poesia Oral Algarvia É verdade que Estácio da Veiga mostra mais duma vez a consciência de que a etnopoesia portuguesa em geral (e não apenas a da sua província) se encontrava deficientemente investigada, ao contrário do que acontecia com a de outros países, que já “t[inham] levantado do olvido seus poemas tradicionaes”. 690 Veiga tinha esperança de que “o alto gráo de consideração que as nações mais cultas hão dado, principalmente nestes ultimos tempos, á poesia popular” se começasse a verificar igualmente em Portugal, país que tambem é rico, riquissimo desta mina poetica, [o qual] hade um dia envergonhar-se da indolencia em que tem jazido, e restituir ás gerações modernas essas ainda represadas vozes dos nossos primeiros trovadores e 691 menestreis. Porém, a ideia da necessidade da recolha da literatura oral portuguesa é algo que, em Estácio da Veiga, parece ser exclusivamente sinónimo de necessidade de recolha da 690 S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), p. 9. 691 Art. cit., loc. cit. 212 tradição algarvia. De facto, a sua província natal, é, no fundo, a que lhe interessa, aquela cuja imagem no resto de Portugal (como adiante veremos) necessita ser urgentemente corrigida — o que poderá ser feito através da formação dum romanceiro privativo. “Eu interesso-me pelo Algarve. Pelas outras províncias se interessem os seus naturais” parece ser a ideia que norteou Veiga ao longo de toda a sua obra (e não só na sua parte literária). Com efeito, nas palavras de Estácio da Veiga, as referências a uma recolha de poesia popular a nível nacional surgem quase sempre como que para justificar as recolhas que fez no Algarve ou (pensamos não exagerar) para melhor expor o valor delas. Assim, primeiro num artigo de 1861, 692 e, depois, na introdução do Romanceiro do Algarve, refere-se nestes termos à necessidade de recolher a literatura oral de todo o país: Em litteratura portugueza, a par de muitas obras essencialmente indispensaveis, falta ainda um Romanceiro Geral. Das muitas versões tradicionaes que andam promiscuamente espalhadas na reminiscencia do povo, só uma pequena parte pôde por em quanto sair ao terreiro da imprensa. Não conviria portanto incumbir, em cada uma das provincias, individuos bem habilitados, de recolherem todas as rapsodias oraes de romances, e canções, cada provincia constituir um romanceiro e um cancioneiro propriamente seu, e finalmente reunir todos esses trabalhos já depurados e coordenal-os sob a denominação de Romanceiro e Cancioneiro Geral? Deste modo, creio firmemente que, com uma obra assim constituida, 693 nenhuma outra poderia competir. Não negamos, obviamente, que aqui está expresso algo a que se poderá chamar o “projecto dos romanceiros provinciais”, 694 enquanto modo de chegar a uma colecção de carácter nacional. Mas parece-nos que tal projecto global, se verdadeiramente lhe interessou, não deixa de ser também (e talvez sobretudo) um modo de sublinhar o lugar cimeiro que o Algarve já possuía neste campo: mesmo que todas as outras províncias organizassem 692 693 694 “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), p. 9. Romanceiro do Algarve, p. xxxii. É o título dado por Teresa Araújo ao ponto da sua tese em que trata deste aspecto da obra de Veiga (ver Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa, cit., pp. 54-5). Entre outras coisas, a autora defende que, nas palavras de Estácio da Veiga que acima transcrevemos, existe “uma crítica implícita primeiro às colecções garrettianas e depois ao Romanceiro de Braga” (p. 54). 213 romanceiros próprios, o Algarve teria sido a primeira de todas 695 — graças (e compreende-se o seu justo orgulho) à pessoa que sugeria tal projecto. E talvez não seja forçar muito se virmos uma espécie de apresentação de candidatura nas palavras de Estácio da Veiga quando fala da necessidade de (o Governo, sem dúvida) “incumbir, em cada uma das provincias, individuos bem habilitados, de recolherem” a poesia oral. Não se esqueça que, na mesma página em que isto se escreve, Veiga se queixa (como adiante diremos) de o Governo não ter correspondido, quando ele pediu ajuda estatal para fazer recolhas na sua província. Não é impossível, porém, que o alvitre de Veiga fosse bem mais desinteressado do que se pode pensar, sobretudo se, em 1870, ele continuasse a pensar aquilo que, em 1858, logo no seu primeiro artigo sobre romanceiro, escrevera, entre modéstia e orgulho do dever cumprido, a propósito da necessidade de recolher a poesia oral portuguesa: “Quanto ao Algarve pouco restaria a colligir, se por ventura se julgassem aproveitaveis os estudos, de que me tenho occupado ha mais de tres annos.” 696 Noutra parte da introdução do Romanceiro do Algarve voltamos a encontrar referência a uma realidade de carácter nacional que imediatamente conduz a uma passagem do discurso para o plano algarvio. É quando Veiga fala do modo como lhe surgiu a ideia de recolher os romances do Algarve: Muitas e riquissimas rapsodias existem [...] exclusivamente no abrigo da memoria popular; e mais eu disto me convenci desde que em 1851 o illustre Garrett publicou o terceiro volume do seu apreciavel Romanceiro, no qual dá por terminada a acquisição dos romances [...]. Daqui inferi eu então, que o nosso poeta não aspirava a abranger maior espaço; e se me reverdecêram logo na reminiscência outros cantares, senão mais bellos, muito mais queridos para mim, porque tinham sabido arreigar-se-me n’ alma, quando ainda na minha provincia natal os rapidos dias da infancia me corriam ledos e venturosos! Passados alguns annos occorreu-me investigar, até onde chegasse o meu alcance, o que, além dos romances populares já publicados, alli haveria de 697 mais notavel e digno de compilar-se. A necessidade de recolher o romanceiro algarvio está ligada à ideia de que os cantos tradicionais estavam em decadência, e era preciso registá-los depressa, procurando-os 695 Claro que, como se sabe, antes do Romanceiro do Algarve, acabou por sair, em 1869, o primeiro romanceiro regional português: os Cantos Populares do Archipelago Açoriano, de Teófilo Braga. Porém, como adiante veremos, a obra de Veiga foi organizada antes, e parece ter estado pronta desde 1860. 696 697 S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, p. 1. Romanceiro do Algarve, p. xxxi. 214 nas mais recuadas aldeias, antes que desaparecessem. Este convencimento (que encontrámos já em Herder) surge expresso logo no requerimento que, em 1857, Estácio da Veiga endereçou ao rei D. Pedro V, pedindo ajuda para a sua recolha, e em que frisa a necessidade de empregar, promptamente, toda a actividade e zelo na acquisição daquellas quasi perdidas, ou pela maior parte já adulteradas riquezas litterarias, registadas sómente na memoria do povo, o qual dellas se vai esquecendo pela 698 adopção dos modernos usos e costumes das povoações maiores. A mesma ideia surge em várias passagens do Romanceiro do Algarve. Eis três exemplos: 699 ... a raridade com que o povo o já conserva de memoria. No Algarve cidades inteiras ha que o desconhecem; e onde melhor o encontrei, posso 700 dizer que foi na gente camponeza mais arredada das maiores povoações. 701 este era um dos taes romances quasi desfigurados e perdidos, que, se não se lhe acudisse agora, passado algum tempo já talvez ninguem o arrancaria do abismo do esquecimento em que se ía prostrando, e em que jazem muitos outros, certamente, sem que deixassem um só indicio da sua existencia, porque nunca houve quem se lembrasse de os colligir para que se não 702 perdessem. Faz lastima ver como a nossa poesia tradicional anda desfigurada e corrompida, e como ao mesmo tempo se vai despedindo da memoria popular, 703 seu quasi unico archivo! 698 Rascunho dum requerimento a D. Pedro V, datado de Lisboa, 25/4/1857 (M. N. A., espólio de Estácio da Veiga, 5 D / 53r). 699 700 701 702 703 Refere-se ao D. Julião. Romanceiro do Algarve, p. 4. Refere-se a Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura. Op. cit., p. 96. Romanceiro do Algarve, p. 197. 215 Desejo de Dignificar o Algarve Como dissemos, a necessidade de salvar a tradição oral algarvia é, no fundo, apenas uma das facetas da campanha, a que Estácio da Veiga dedicou a sua vida, tendente à ilustração da província onde nascera. O próprio Veiga explicitamente se refere à consciência de que, com as suas recolhas (e respectiva publicação) contribuiria para dignificar o Algarve: posso certificar a toda a gente [...] que não foram idéas de interesse, ou de gloria litteraria, que me levaram a esta empreza; antes a verdadeira devoção que sempre tive ás cousas da minha querida provincia ainda mal tão 704 desamparada [e] esquecida. Não nos parece modéstia fingida essa que acima se apresenta, pois em cartas do autor voltamos a encontrar a ideia do carácter patriótico (no sentido de ligado à “pequena pátria” que constituía o Algarve) da recolha de literatura oral. Assim, numa carta ao tavirense Vaz Velho (pessoa de quem sublinha “o zelo e devota dedicação que V. Ex.ª tem sempre sagrado ás antiguidades gloriosas da nossa malfadada patria”), carta em que lhe pedia ajuda para a recolha, escreve: “Se esta minha ideia é ou não patriotica e de gloriosa conveniencia para a nossa terra, ninguem ahi como V. Ex.ª a poderá avaliar”. 705 E numa carta escrita em 1857, a um destinatário anónimo residente em Albufeira (que Veiga espera que tenha a vontade de “ser util a qualquer cousa que tenda ao desenvolvimento e consideração da nossa tão esquecida e mal cuidada provincia”), pede-lhe ajuda para a recolha, por tal recolha ser um assumpto exclusivamente algarvio, e que mais tarde, segundo minha esperança, deverá figurar nas lettras portuguesas com o m.mo acollhimento com que toda a poesia popular está sendo recebida nos mais adiantados paizes 706 da Europa. 704 705 S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, p. 1. Rascunho duma carta que enviou a António Vaz Velho, escrita sem dúvida de Lisboa, talvez em 1855 (5 C / 52v). 706 Rascunho de carta datado de “Tavira, [segue-se um espaço em branco, destinado à posterior indicação do dia] de S[etembro] de 1857” (5 C / 69a). 216 A preocupação de dignificar o Algarve, de mostrar que ele, ao contrário do que dizia um lugar-comum da época (como mais abaixo veremos), não era inferior às outras províncias de Portugal, é algo que se encontra com um Leitmotiv em toda a vida e a obra de Estácio da Veiga. No Romanceiro do Algarve, os sinais mais patentes desse propósito são (conforme vimos) a afirmação que Veiga faz da origem algarvia da maioria dos romances de que publica versões e, também, a afirmação da superior qualidade de tais versões relativamente às de Almeida Garrett. Mas o propósito de exaltação regionalista está bem patente noutros aspectos, menores, do Romanceiro do Algarve. Encontramo-lo, por exemplo em duas curiosas passagens da introdução: por um lado, a longa nota de rodapé, de quase duas páginas inteiras, 707 em que Estácio da Veiga fornece uma lista de “alguns poetas algarvios” dos sécs. XVI-XIX, num total de 16 (todos eles hoje perfeitos desconhecidos); e, por outro lado, as passagens que dedica a sublinhar a grandeza da “antiga civilisação [que] escriptores insuspeitos [...] reconheceram” ao Algarve, a “estremada cultura, que sob diversos dominios fez conhecido em quasi todo o mundo o Algarve”, 708 bem antes da formação da nacionalidade portuguesa. Entre os povos que aqui viveram, Veiga destaca os Turdetanos, de cuja “civilisação esmerada” falam “antigos escriptores”, “attribuindo-lhes grande valor militar, e a maior dedicação pela cultura das lettras”. Seriam aliás grandes poetas, e muito “cedo alli floresceu a poesia cavalleirosa”, cujos “vestigios [...] ainda duram [...] nos singelos poemas narrativos que o nosso povo conserva”. 709 E deixando bem clara a intenção de pôr a sua província por cima doutras regiões de Portugal tradicionalmente vistas como mais cultas, Veiga escreve: fôram sempre essas gentes da costa do Algarve, pelo trato que mantinham com povos civilisados, mais instruidas do que os outros lusitanos septentrionaes, que só muito mais tarde despiram de si a barbaría dos 710 primeiros tempos. 707 708 709 710 Romanceiro do Algarve, pp. xxxvi-vii. Op. cit., p. xxxiii. Op. cit., p. xxxiv. Loc. cit. 217 Mas não é apenas o Romanceiro do Algarve ou o projectado Cancioneiro do Algarve que marcam a preocupação de Veiga com a ilustração da sua província. Na verdade, a partir de 1865, o autor dedicou-se sobretudo à Arqueologia, tendo começado por, em 186566, fazer escavações, perto de Tavira, determinando a localização da cidade romana de 711 Balsa, sobre o que escreveu o livro Povos Balsenses. Mafra e em Mértola, 712 Embora tenha escavado também em dedicou-se sobretudo à exploração arqueológica do Algarve, quer numa campanha de vários meses (em 1877-78), quer em ocasiões posteriores, até 1882. Com base nessas escavações, publicou, aliás, a sua obra arqueológica mais importante, Antiguidades Monumentaes do Algarve, trabalhava quando faleceu. 714 713 em quatro volumes, em cuja continuação Além disso, em 1880, com parte dos materiais conseguidos no Algarve, organizou, de forma, para época, verdadeiramente modelar, o Museu Arqueológico do Algarve, instalado em dependências da Academia de Belas Artes de Lisboa. 715 Estácio da Veiga estudou também a Botânica da sua terra natal, tendo deixado um interessante catálogo da flora da Serra de Monchique. 711 716 S. P. M. Estacio da Veiga, Povos Balsenses. Sua situação geographico-physica indicada por dous monumentos romanos recentemente descobertos na Quinta de Torre d’ Ares distante seis kilometros da cidade de Tavira, Lisboa, Livraria Catholica [é o que está no frontispício; na capa, diz-se ser editora a Imprensa Nacional], 1866. 712 Sobre as escavações que fez em Mafra e, sobretudo, em Mértola, Estácio da Veiga publicou duas obras cujos títulos se podem ver na bibliografia que dele estabelecemos no Apêndice nº 1 desta tese. 713 Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga, Antiguidades Monumentaes do Algarve. Tempos Prehistoricos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886-1891, 4 vols. 714 Os capítulos do V vol. que deixou escritos foram, mais tarde, publicados por Leite de Vasconcelos: “Antiguidades Monumentaes do Algarve”, O Archeologo Português, IX, 7-10 (Julho-Out. 1904), pp. 200-10; X, 1-2 (Jan.-Fev. 1905), pp. 6-14; X, 3-5 (Março-Maio 1905), pp. 107-18; e XV (1910), pp. 20933. 715 Encerrado em finais de 1881, por imposição da Academia (que afirmava precisar do espaço que ele ocupava), os objectos que o compunham foram, mais tarde, integrados no Museu Etnográfico Português, actualmente denominado Museu Nacional de Arqueologia [sobre o museu organizado por Estácio da Veiga, ver Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos Silva Pereira, O Museu Archeologico do Algarve (18801881). Subsídios para o estudo da museologia em Portugal no séc. XIX, Faro, 1981]. 716 Plantas da Serra de Monchique Observadas em 1866, separata do Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, VI (1869) e VII (1869 [sic]), 2 vols., s/l., s. n., s/ d. Estes dois opúsculos (de 11 e 22 pp., respectivamente) fornecem o nome latino das várias plantas identificadas por Veiga e também as designações que as mesmas têm em português. 218 Além disso, como cidadão empenhado que era, Veiga não se escusou a “arregaçar as mangas” e a recorrer a meios mais directos para tentar promover a dignificação do seu Algarve. É assim que publicou pelo menos um artigo de jornal, em que propõe reformas a efectuar em Tavira, assunto. 718 717 sendo possível que seja também seu um outro artigo sobre o mesmo No espólio existem igualmente os rascunhos de dois textos sobre o Algarve que parecem destinados à publicação num jornal, que, porém, não podemos determinar onde saíram. 719 Sabe-se ainda que redigiu um “comunicado”, talvez para a imprensa, pedindo melhorias no porto de Olhão, 717 720 e que manifestou verbalmente as suas críticas contra a [Carta ao jornal], A Nação, 23/5/1860, p. 2. Fala dos problemas do Algarve e de, em 1856, quando esteve em Tavira, ter proposto à Santa Casa da Misericórdia que aproveitasse o devoluto convento de S. Bernardo para asilo de mendicidade. No espólio de Veiga, existe o rascunho desta carta (cota: 5 C / 43 a-c). 718 “Agora sim que o Algarve vai Começar a Prosperar!”, A Nação, 10/4/1862, p. 3. É notícia, não assinada, sobre o encerramento definitivo do mosteiro de Nossa Senhora da Piedade, em Tavira, e sua incorporação nos bens nacionais. Diz que a Santa Casa da Misericórdia de Tavira, “a quem foi suscitada em 1858 a idéa de requerer a apropriação do dito mosteiro com suas pertenças, para nelle instituir um asylo de caridade que servisse de amparo aos desgraçados da provincia, não quiz figurar neste assumpto.” Insta a Câmara Municipal a que requeira para si esse mosteiro, para um “asylo de mendicidade, ou um collegio de educação para orfãs desamparadas.” Fala ainda do “vergonhoso estado de abandono e profanação” a que chegou o convento de S. Francisco, em Faro. A atribuição deste artigo a Veiga baseia-se nas semelhanças que apresenta com a carta aberta que, por ele assinada, o mesmo jornal A Nação publicara dois anos antes (ver nota anterior). 719 Trata-se de 5 C / 41 e 5 C / 64. O texto do primeiro destes rascunhos está incompleto, e é de carácter mais geral, defendendo que sejam feitas reformas na província. O segundo, embora muito retocado, está completo e parece ser notícia sobre uma exposição de produtos algarvios que se tinha organizado em Faro. Embora, guiando-nos pela referência que ali se faz ao artigo dum outro autor publicado a 23/9/1861, tivéssemos procurado o artigo de Veiga no jornal A Nação (periódico em que ele, como se sabe, colaborou) desde essa data até ao fim do ano, não conseguimos encontrar nada. 720 Simplicio Alfarroba, “Correio do Algarve. Carta do Coveiro do Cemiterio de Faro ao Guarda- Portão da Real Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 24/7/1856, pp. 1-2. O autor (cujo nome é um pseudónimo, obviamente — ver nota seguinte) dá “noticias [...] destes reinos Algarvios, tão esquecidos e abandonados da gente da governança” (p. 1). A dado ponto, escreve: “O E. da V.[sic] escreveu um communicado requisitando uma boia de ferro para denunciar dois escolhos, que se acham em frente da barra de Olhão”, onde tinha já havido acidentes, “mas isto de pedir cousas ao governo, e principalmente para o Algarve, é o mesmo que malhar em ferro frio”. 219 Câmara Municipal de Tavira, pela destruição de monumentos e pelo abandono a que votava a escola primária. 721 O Atraso do Algarve e a sua má Imagem no Exterior Convirá agora falar um pouco de algo a que já antes aludimos: o atraso que, no séc. XIX, o Algarve apresentava em relação às demais províncias portuguesas. Durante as pesquisas para a nossa tese, encontrámos numerosas referências a esse facto, nomeadamente em jornais, desde pelo menos 1843. Desse ano data um artigo da Revista Universal Lisbonense, onde se fala do péssimo estado das estradas algarvias e se afirma: “Os montanheiros cá do Algarve são a gente mais pobre e miserável que ha no mundo”. 722 No corpus que, sobre o assunto, conseguimos formar, uma data importante parece ser o ano de 1850, quando o geógrafo francês Charles Bonnet publica uma obra toda ela dedicada ao Algarve. Podemos imaginar a repercussão que, pelo menos nos meios ilustrados, terá tido este livro, até pelo prestígio que lhe adviria do facto de ter sido escrito por um estrangeiro. Aí vemos expressas pela primeira vez duas afirmações que voltamos a encontrar inúmeras vezes em autores subsequentes: — a má opinião (fruto do desconhecimento) que os restantes Portugueses tinham sobre o Algarve: “Dans une grande partie du Portugal, on considère l’ Algarve comme un pays sauvage, et ses habitans[sic] comme réprésentans[sic] des Bédouins”; — e o paradoxo de uma terra que, possuindo grandes riquezas (superiores às do resto do país), apresentava uma enorme falta de desenvolvimento: “Jusqu’ à présent on n’ a 721 Simplicio Alfarroba, “Correio do Algarve. Carta do Coveiro do Cemiterio de Faro ao Guarda- Portão da Real Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 11/9/1856, pp. 1-2. Critica a Câmara Municipal de Tavira e “a respeito desta camara, compadre, sempre me hade lembrar uma descabellada descompostura que uma tarde nesta praça lhe deu o Estacio da Veiga”. Este “Simplicio Alfarroba” não deve ter sido pseudónimo de Estácio da Veiga, embora o facto de o seu nome aparecer, como vemos, em pelo menos dois dos folhetins assinados pelo tal Simplício tenha levado os contemporâneos a pensar nisso. É o que se vê numa carta que escreveu a Eleutério Nogueira Mimoso, de que, no espólio, se conserva um rascunho (5 C / 52). Aí, respondendo a um comentário de Mimoso, Estácio da Veiga diz que, embora colabore no jornal O Povo, não é ele o autor da série de artigos intitulados “Correio do Algarve”. 722 José Joaquim Ramalho, “Estradas no Algarve”, Revista Universal Lisbonense, III, nº 4 (14/9/1843), pp. 41-42 (citação extraída da p. 42). 220 pas assez fait attention, aux ressources de tout genre, que l’ on peut tirer de cette belle province, qui par la position, le climat, occupe le premier rang parmi celles du Portugal”. 723 Quanto ao atraso do Algarve, bastará dizer que, em 1858 (ou seja, na época aproximada da recolha de Estácio da Veiga), o próprio governador civil de Faro enviou, às câmaras municipais do distrito, uma circular em que afirma: Quasi todas as cidades, villas e aldeias desta provincia apresentam um aspecto de atrazamento, de rusticidade e de falta de todo o conforto material 724 de civilisação, que se torna verdadeira e profundamente deploravel. E, entre os muitos exemplos que poderíamos fornecer, extraídos da imprensa, bastarão dois. — O primeiro deles representa o tom geral dos restantes. É trecho do editorial do primeiro número de O Algarviense, jornal fundado em Lisboa (!), em 1863, “mesmo na sede do governo, para o mesmo attender mais facilmente ás nossas reclamações, em favor do que precisa a dita provincia”. O jornal, diz o director, nasce com o fim de “conseguir ver melhorada uma provincia, que, tendo sido tão abençoada pela natureza e prospera em outros seculos, se acha n’ este bem abatida, e quasi que esquecida.” 725 — o segundo exemplo, embora absolutamente único, é, na sua fúria, indicativo do extremo a que poderia chegar a revolta, verbal, dum algarvio: “Até ha pouco o Algarve tem sido olhado como um reino —reino dos Algarves— mas um reino conquistado, um reino de escravos, arrojando os ferros do tributo e condemnados a trabalhar só para engrandecer Portugal! N’ um tempo em que o governo portuguez sustenta e decreta a liberdade do homem, sem distincção de raças, e persegue os negreiros, não deve exercer uma espécie de escravatura sobre uma provincia, d’ onde aufere tributos de oiro e de sangue, sem lhe dar protecção nem garantias.” 723 726 Charles Bonnet, Algarve (Portugal). Description géographique et géologique de cette province, Lisbonne, Typographie de l’ Académie Royale des Sciences de Lisbonne, 1850, pp. 109 e 110. 724 Circular de 13/11/1858, transcrita por S., “Interesses do Algarve — I”, O Futuro, 2/2/1859, p. 2. Só a IV parte do presente artigo está assinada com a inicial “S”. As restantes partes saíram sem qualquer indicação do nome do autor. 725 726 Romeira Pacheco, [Editorial], O Algarviense, 5/4/1863, p. 1. Os sublinhados são do original. J. Bonança, artigo sem título, O Algarviense, 2/3/1864, p. 1. 221 Eis agora algumas queixas que encontrámos na imprensa quanto ao desconhecimento que os restantes Portugueses (sobretudo os Lisboetas...) tinham do Algarve e/ou a má opinião sobre os seus habitantes, aspecto sem dúvida importante, pensamos, pelo que pode ter a ver com a decisão de Estácio da Veiga —que vivia em Lisboa desde os 17 anos— de publicar o seu romanceiro e, em geral, com os esforços de toda a sua vida em prol da província em que nascera, sobretudo através do estudo das realidades dela e posterior divulgação dos resultados: — “a provincia do Algarve é quasi absolutamente desconhecida, e nenhuma ideia se faz de sua situação topographica”; 727 — “Ha gente que, medindo os filhos do Algarve por alguns maritimos, que teem um dialecto especial e os modos asperos do elemento com que luctam, faz de todos elles uma idéa aterradora. Moteja-os, talvez, como Byron, motejou os portuguezes”. 728 — A propósito da afirmação anterior, vejam-se os seguintes versos, que parecem feitos para a justificar. São excerto dum poema narrativo, cómico, cuja acção se passa no porto de Lisboa, nos barcos que existiam como estabelecimentos de banhos. Um dos personagens é um marítimo algarvio: Má rés te partão, diz elle, E começa a praguejar, Diabo-leve, estipôr, Sem agua fique o mar. [...] O Algarvio, zangado, Mil pragas voziferou, Contra o outro camarada Que o frete lhe tirou. 727 729 Anónimo, “Dotação do Clero — VI”, A Nação, 2/3/1861, p. 2. Além de tecer várias considerações, o artigo transcreve uma carta dos párocos algarvios aos “deputados da nação portugueza”, em que surge a frase que acima citamos. 728 Romeira Pacheco, “Litteratura”, O Algarviense, 9/8/1863, p. 1. O artigo é sobre um jovem poeta algarvio (assim se compreende o seu título), um tal J. M. Reis, de que não sabemos mais referências. 222 — “o Algarve e [os] algarvios [são] mal apreciados no resto de Portugal e principalmente em Lisboa”; 730 — “O Algarve não é conhecido, ou por outra é mal apreciado. É sabido que lisboêta que quer troçar um algarvio, falla-lhe logo em figo e alfarroba”; 731 — A propósito da afirmação anterior, diga-se que, numa polémica (de que falaremos mais à frente) entre Estácio da Veiga e um jornalista lisboeta, este arranja modo de aludir três vezes aos figos e uma à alfabarroba. Primeiro, acusa Veiga do pecado de recolher literatura oral a esmo, dizendo que ele “agarrou tudo o que se achava no chão, alfarroba bixosa, figo secco, quadras de S. João”. 732 No mesmo artigo, mais adiante, fala de versos que Estácio da Veiga poderia recolher mesmo ali em Lisboa, e que, “passados pela sua bocca ficaria [a poesia] tão appetitosa e chata, como os figos da sua terra”. Por fim, noutro artigo, afirma sobre Veiga: “Fica e ficará sendo o primeiro e unico dos semsaborões, dos massadores, dos poetas de albuns, de necrologios, de epitafios, epycinios, epycedios e epyfigos do Algarve”. 733 — Para concluir esta pequena panorâmica sobre a ideia que os Portugueses oitocentistas tinham do Algarve, não resistimos a apresentar a seguinte frase, ainda que escrita já em 1903 (mas, mesmo por isso, bem significativa): “Em Lisboa, temos ouvido muitas vezes, até a gente que passa por illustrada —e isto tem-nos causado certa magua— falar do Algarve como se elle fosse uma só terra e pequena”. 734 À luz de tudo isto, talvez se compreendam melhor certas decisões de Estácio da Veiga, a começar pela de recolher a literatura da sua província, de modo a dotá-la daquilo que nenhuma outra possuía: um romanceiro próprio. E talvez se vejam a outra luz certas 729 Anónimo, Grande Contenda de Pragas e Descomposturas que Teve um Catraeiro Algarvio com uma Preta por Causa dos Banhos do Mar, O Bandarra, nº 11 (1848), pp. [1]-[2]. Citação extraída da p. 2. Os itálicos são do original. 730 P. T., “O Doido de Cacella (Recordações)”, Gazeta do Correio, 4/5/1869, p. 2. 731 P. T., “O Doido de Cacella (Recordações)”, Gazeta do Correio, 23/6/1869, p. 2. 732 Anónimo, “O Archivo Universal e a Nação”, Archivo Universal, 2ª série, nº 2 (11/7/1859), p. 31. 733 Anónimo, “Ponto Final”, Archivo Universal, 2ª série, nº 6 (8/8/1859), p. 95. 734 Marcos Portugal e José Castanho, Almanach do Algarve para 1903, Portimão, s/ d., p. 5. Na mesma página se diz que “... o fim d’ este almanach é principalmente tornar conhecida a provincia do Algarve, lá fóra [...], na sua historia, na sua choreographia, na sua litteratura, nos seus costumes, na sua vida, enfim”. 223 afirmações de Veiga que atrás encontrámos, e hoje fazem sorrir pela sua ingenuidade: a assombrosa percentagem de romances que teriam nascido no Algarve (e não, portanto, noutra qualquer província) ou a superioridade cultural dos primitivos Algarvios, os Turdetanos, “mais instruidos do que os outros lusitanos septentrionaes, que só muito mais tarde despiram de si a barbaría dos primeiros tempos”. Com que prazer ele deve ter pensado que, graças a si, o Algarve iria possuir um livro que as outras províncias não tinham, nem aquelas que eram topicamente chamadas “as nossas tão ricas provincias do norte”, que todos consideravam tão cheias de “lendas e tradicções romanticas”, legendarias”, 736 735 as “ provincias do norte, berço da monarchia e das tradições a começar pelo decantado Minho, a que “nenhuma provincia de Portugal levará a palma” quanto a cantigas, 737 o Minho, que alguém escrevia mesmo ter sido a origem da Dona Branca e do Romanceiro de Garrett, poesia, que tem Portugal”, 739 738 “a [província] mais ricca, por certo, de aquela que, muitos anos mais tarde, ainda será chamada “a terra classica das nossas superstições e antigos costumes”. 740 E recorde-se a amargura com que, na introdução da sua obra, Veiga sublinha o modo discriminatório com que Garrett, no Romanceiro, teria tratado o Algarve: 741 Este mau fado que visivelmente persegue o Algarve a todos ou quasi todos os respeitos, fez talvez com que o proprio Garrett, tratando de recopilar as rapsodias populares de todas as provincias do reino, o deixasse sem maior investigação, attribuindo-lhe apenas, como de passagem, A noiva arraiana, e 735 P., “Bibliographia. Chronicas de Galliza. Collecção de Lendas Cavalleirescas da Edade Media”, O Jardim das Damas, III, nº 17 (25/3/1848), p. 267. É ao referir-se a esse livro galego que o autor fala da necessidade de, em Portugal, se fazerem recolhas, sobretudo no Norte. 736 A. Osorio de Vasconcellos, “Maria Prates (Lenda da Beira)”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 5º ano (1864), p. 430. 737 Soto-Mayor e Azeredo, “Cantigas Populares”, O Pirata, II, nº 15 (Set. 1851), p. 115. 738 “... o pensamento da D. Branca foi, se não me engano, suggerido assim como o do Romanceiro, pelas chacaras populares do Minho” [R., “O Minho Poetico”, O Pirata, II, nº 17 (Out. 1851), p. 129]. 739 A. Pereira da Cunha, “O Governo nas Mãos do Villão. Memoria do seculo passado”, Revista Universal Lisbonense, III, nº 30 (14/3/1844), p. 365, em nota. 740 J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, I, Espozende, Collecção Silva Vieira, 1891, p. 38. 741 Veiga refere-se aqui ao facto, que antes mencionara, de o Governo ter deixado sem resposta o pedido de apoio oficial que ele fizera para recolher a literatura oral do Algarve. 224 seguindo da Nau Cathrineta a lição, que julgou dalli ser, mas que não era, e 742 sim a que neste livro apresento. Depois de todas as notícias e comentários que atrás vimos, compreender-se-á melhor por que o método editorial que Veiga adoptou no Romanceiro do Algarve é (como dissemos e como adiante veremos com mais pormenor) tão excessivamente “criativo”. Não nos podemos surpreender que Veiga tenha decidido retocar profundamente os textos e mesmo inventar vários deles de cima a baixo, de modo a que a poesia dos camponeses atrasados da sua atrasada e risível província aparecesse junto do público lisboeta com o aspecto mais perfeito e original possível. Não era só o gosto da época que o levava a esses pesados retoques: era também (e até talvez sobretudo) a defesa da imagem pública da sua terra e, por que não?, de si próprio. Na verdade, quantas vezes terá Estácio da Veiga ouvido as graças sobre os figos e a alfarroba que o jornalista do Archivo Universal lhe atirou à cara com toda a naturalidade? Quantas vezes se terá sentido exilado e inferiorizado em Lisboa, cidade para onde, a fim de estudar na Escola Politécnica, partira com 17 anos, num dia de 1845 que, ao longo de toda a sua vida, sempre mencionará com tristeza? 743 Datas da Recolha e Colaboradores No requerimento a D. Pedro V, 744 escrito em 25/4/1857, de que já atrás citámos uma passagem, diz Veiga acha[r]-se empenhado ha feitos dois annos na confecção do Romanceiro e Cancioneiro do Algarve, para cujo fim tem posto em acção todos os possiveis meios ao seu alcance, sollicitando directa e indirectamente varios documentos em algumas cidades, villlas, e outras menores povoações daquelle pittoresca, e quasi esquecida provincia. 742 743 Romanceiro do Algarve, p. xxxii. Ver, nomeadamente, rascunho de carta a Eleutério Nogueira Mimoso, 27/8/1856 (espólio de Veiga, cota: 5 C / 50); “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), p. 92; Romanceiro do Algarve, p. 33; e Poesias (ou Banalidades Poeticas), prefácio de Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, [Lisboa/Tavira], Edições Colibri/Câmara Municipal de Tavira, 2000, pp. 34-7. 744 5 D / 53. 225 Portanto, as suas recolhas teriam começado em 1855. Mas é preciso distinguir: o próprio Veiga só começou a recolher em 1856. De 1855 devem datar, isso sim, as diligências que, por carta, de Lisboa, tentou fazer, pedindo a conterrâneos seus que, no Algarve, recolhessem textos e lhos enviassem. Tratava-se dum processo muito corrente na época, e que, como vimos, fora, a maior parte das vezes, o de Garrett (a começar por quando estava em Londres) e o de Teófilo Braga (em relação à ilha de S. Jorge, por exemplo). A mais antiga atestação do interesse de Estácio da Veiga pela literatura oral (“No colligir de algumas dessas peças da poesia popular da nossa terra começo eu dêsde hoje a pôr um decidido empenho”) é o rascunho, existente no espólio, duma carta que enviou “Ao Brigadeiro Vaz-Velho”. 745 Essa carta foi escrita de Lisboa, provavelmente em 1855, e sem dúvida antes de 1856 (ano em que regressou de férias ao Algarve, a fim de começar as recolhas pessoalmente). É seu destinatário António José Vaz Velho, em cujo necrológio, em 1860, escreveu Estácio da Veiga ter sido um “cavalheiro, illustre pelo sangue e illustrado pela sciencia”. 746 Antigo brigadeiro miguelista, no fim da guerra civil “retirou-se [...] para a sua casa e quinta de Villa Fria, junto â margem direita do rio Gilão”, em Tavira. Deixou “muitos manuscriptos”, “obras militares”, uma “obra genealogica de não poucos volumes [...] incompleta.” 747 É a este erudito local que Veiga vai recorrer inicialmente, enviando-lhe uma carta cujo rascunho, pelo seu interesse, passamos a transcrever na íntegra: 748 Exmo Sr 745 746 747 Assim está escrito no canto superior esquerdo de 5 C / 52r, junto à margem. S. P. M. Estacio da Veiga, “Necrologio”, A Nação, 12/9/1860, p. 3. Esta última obra acabou por ser publicada (ainda que só em parte) muito mais tarde: Tesouro Heráldico de Portugal, Lisboa, Gabinete de Estudos Heráldicos e Genealógicos, 1958, 1959, 1960 e 1963, 4 vols. Segundo informa Gastão de Mello de Matos (“Nota do Gabinete de Estudos”, I, pp. 37-42), o manuscrito de Vaz Velho é de 1820-30 (p. 42). Segundo se esclarece nas badanas de todos os volumes, nesta edição só se publicam os quatro primeiros capítulos da obra, que compreende um total de 22, mais três “catálogos” e uma segunda parte, com os brasões. 748 O texto tem numerosos riscados, emendas e acrescentos. Nas partes em que houve transformações, uma vez que (ao contrário do que acontece com os romances retocados por Veiga) não há interesse em determinar a forma inicial do texto, adoptámos a última forma, aquela que, sem dúvida, mais próxima está do que Veiga escreveu efectivamente na carta enviada a Vaz Velho. Procedemos do mesmo modo na transcrição dos restantes rascunhos de cartas e requerimentos de Estácio da Veiga que adiante transcreveremos. 226 Ha muito tempo que me tenho querido dirigir a V. Ex.ª sôbre objecto que assás me interessa, e que só V. Ex.ª, a meu ver, me pode cabalmente informar; mas não mo tem por emquanto permittido os quotidianos trabalhos a que me tenho dado nestes ultimos annos de minha estada nesta cidade. Hoje aproveito porêm um ensejo que favoravelmente se me offerece para assim o fazer. Como V. Ex.ª muito bem sabe, conserva ainda a nossa terra muitas lendas populares, que dêsde tempos immemoria[e]s tem vindo atravessando os seculos até á epocha presente, e infelizmente nenhum de nossos conterraneos ainda se propôz colligir, pelo menos, algumas dessas tradições, que, posto que não tenham de[sic] estreita relação com as cousas chamadas uteis pela moderna geração, tem comtudo o seu valor intrinseco, e valor não de desprezar, pois que taes monumentos litterarios classificam assás a mais nacional de todas as poesias de um paiz. No colligir de algumas dessas peças da poesia popular da nossa terra começo eu dêsde hoje a pôr um decidido empenho, e tanto será, quanto as minhas forças o possam por ventura comportar. É sôbre este assumpto que me delibero hoje sollicitar do bom e patriotico animo de V. Exª., que tão exclusivamente ahi tem sagrado sua vida inteira ao mais laborioso estudo, toda e qualquer coadjuvação que V. Ex.ª possa dar-me, a fim de, mais tarde, poder eu saír a lume com um Romanceiro propriamente dito do Algarve, que tão avantajadamente sôbre todas as demais provincias do reino, abunda deste genero de poesias, tão estimado e bem acolhido hoje nas mais cultas nações da Europa. Se esta minha ideia é ou não patriotica e de gloriosa conveniencia para a nossa terra, ninguem ahi como V. Ex.ª a poderá avaliar, e seja pois qual fôr o adjutorio que V. Ex.ª me proporcione para a realisação desta idéa, mui francamte prometto de agradecer a V. Ex.ª no mesmo Romanceiro, os seus valiosos serviços, testemunhando então o zelo e devota dedicação que V. Ex.ª tem sempre sagrado ás antiguidades gloriosas da nossa malfadada patria. Todas as lendas, xacaras, romances, ou solaos que V. Ex.ª poder ahi colher, quer em prosa, ou em versos, muito desejarei eu de ir possuindo ao passo que V. Ex.ª fôr desenterrando taes antigualhas dêsse lamentoso olvido a que as tem condenado o desleixo, a incuria, e sobre tudo a ignorancia dos homens; desejando ao mesmo tempo que V. Ex.ª addicione a cada um dêsses achados todas as mais noticias que poder obter. As que vierem em versos, tratarei de lhes conservar o primitivo cunho não lhe[sic] desvirtuando nem forma nem estylo, e as que porêm vierem em prosa, farei quanto em mim couber para as reduzir a versos, adequando-lhes a forma e estylo que mais conheça em relação com o seu respectivo assumpto, e a epocha, que pela linguagem 749 poderá proximamente determinar-se. 749 O texto termina assim, no fim do verso da folha. O facto de as últimas três linhas estarem escritas em letra mais pequena e com entrelinhas quase inexistentes parece mostrar que não houve uma outra folha, em que o texto continuasse. Aliás, as sete últimas linhas (desde “As que vierem em verso”) estão riscadas, talvez por Estácio da Veiga ter achado que a carta estava a ficar demasiado grande e que tais linhas, ao descreverem o método que ele próprio tencionava aplicar aos textos que Vaz Velho lhe enviasse, não interessariam ao destinatário. Poderá ter acontecido que Estácio da Veiga, ao chegar ao fim do presente documento, tenha 227 Não sabemos se Vaz Velho lhe respondeu, mas parece que desta carta (e talvez de outras, escritas a mais pessoas) Veiga não obteve muitos resultados, tendo-se, por isso, resolvido a ir ele próprio ao Algarve, no ano seguinte (1856). Começaram, então, as suas recolhas directas, que duraram (sem dúvida que intermitentemente) os três meses em que 750 permaneceu na sua província. Ao Algarve foi igualmente no ano de 1857, tendo aumentado a sua colecção de romances. também literatura oral. 751 Lá se deslocou ainda em 1858, recolhendo 752 Mas embora tenha passado a recolher material directamente, Estácio da Veiga nunca deixou de recorrer também a correspondentes, que com ele colaboraram, enviando-lhe versões recolhidos nas suas terras. É o caso de dois amigos seus, de apelido Mimoso (provavelmente pai e filho), um de Castro Marim e o outro de Faro, a quem se destinaram duas cartas de que há rascunho no espólio. Vejamos alguns excertos de ambas, que mostram bem a colaboração que Veiga deles espera: Rascunho 753 de carta ao “(Mimoso de Castromarim)”, 754 ou seja, Sebastião Nogueira Mimoso, residente em Castro Marim, datada de Lisboa, 23/7/1856. decidido passá-lo logo a limpo para a folha que enviaria a Vaz Velho, acrescentando-lhe apenas uns agradecimentos finais e uma saudação, de que, pelo seu carácter mais ou menos fixado pelo estilo epistolar, não precisava de escrever um rascunho. 750 Em Tavira se encontrava já a 15 de Abril desse ano, tal como mostra a data que coloca no fim do poema Saudades da Minha Terra. Poesia recitada pelo auctor, em 22 de Junho de 1856, no theatro da cidade de Tavira, O Povo, 2/8/1856, pp. 1-2. No Algarve permaneceu até princípios de Julho, uma vez que, como ele próprio afirma, chegou a Lisboa a 6 desse mês (ver rascunho da carta ao “Mimoso de Castromarim” —i. e., Sebastião Nogueira Mimoso—, datado de Lisboa, 23/7/1856, e conservada no espólio, 5 C / 51 r). 751 De Tavira e do mês de “S[etembro]” desse ano está datado o rascunho duma carta (5 C / 69) que Veiga escreveu a um algarvio que fora seu companheiro de viagem (desde Lisboa?). Por outro lado, o documento 5 C / 70 do mesmo espólio (manuscrito em que se incluem duas versões, uma da Confissão da Virgem e outra de Sentença Modificada por Milagre) está datado de Tavira, 8 de Setembro desse mesmo ano. 752 Ele próprio se refere às versões duma canção lírica que, no ano de 1858, “trouxe do Algarve” [ver S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), p. 9]. 753 754 5 C / 51. Assim está escrito no canto superior esquerdo de 5 C / 51r. 228 Veiga agradece-lhe os “varios trechos de poesia popular” que, em Tavira, dele recebeu (por intermédio dum amigo comum, de nome Aragão), quando se preparava para regressar a Lisboa. Lamenta-se de, nas “peças de poesia”, não ter vindo ainda o romance da Senhora dos Mártires “propriamente dito, e sim orações, e outras devoções escriptas em verso”. Por isso, junto remete “um trecho do verdadeiro romance, 755 que deste modo bem pode ser que V. S. mostrando-o ahi a algumas pessoas, possa colher o romance todo no seu maior desenvolvimento”. Pede também a Sebastião Mimoso que lhe envie outros romances que consiga recolher em Castro Marim “ou mandar vir de Villa Real [de Santo António], onde verdadeiramente não tenho ninguem capaz de tratar-me este assumpto”. 757 Rascunho de carta “Ao Mimoso” 758 756 (provavelmente Eleutério Colaço Nogueira Mimoso, que era professor em Faro, e talvez fosse filho do precedente), 27/8/1856, sem dúvida de Lisboa. 755 759 datada de 760 Deve tratar-se da versão dum texto meio oração, meio canção narrativa, recolhido pelo próprio Veiga, em Tavira (5 D / 28). Veiga tentou recolher o romance “propriamente dito”, mas de Castro Marim apenas lhe mandaram duas versões da referida oração-canção narrativa (F13 e F16a). As “orações, e outras devoções” a que Veiga se refere (e que são exclusivamente líricas) existem também no espólio (na parte que ainda hoje pertence à sua família). Uma das informantes recitou também a lenda, em prosa, do milagre em que a Senhora dos Mártires salva um cativo da Barbaria (F 16b), milagre que, fragmentado, surge na referida oração-canção. Uma vez que, da tradição oral, Estácio da Veiga não conseguia obter o que queria (o romance “propriamente dito”, que nunca deve ter existido) decidiu “reconstituir” tal romance, versificando a lenda, não se tendo servido sequer das canções lírico-narrativas, que devia considerar estropiadas (tanto mais que são em quadras e não em forma de romance, como ele sempre queria). Foi essa versificação que Veiga publicou no Romanceiro do Algarve, dando-a como recolhida da oralidade. 756 757 758 759 760 5 C / 51r. 5 C / 52 r. Assim está no canto inferior esquerdo de 5 C / 52v. Sobre este Eleutério, entretanto falecido muito novo, ver Romanceiro do Algarve, p. xxxvi, n. 1. A carta traz data, mas não tem indicação do local onde foi escrita. No entanto, no fim, diz Veiga: “Hoje 27 faz onze annos que cheguei a esta cidade! que dia de tão tristes recordações para mim!”. É óbvio que se refere a Lisboa, para onde, de facto, partira em 1845. Note-se ainda que, em 23 de Julho desse ano sabemos que ele se encontrava em Lisboa (ver a carta a Sebastião Nogueira Mimoso), regressado duma viagem ao Algarve. 229 Veiga agradece-lhe as “canções populares que de Faro, e por pedido do teu conhecido Santos, me remetteste”. Recomenda-lhe: “não percas occasião, quando a hajas, de colligir e enviar-me algumas outras [i. e., canções], romances tambem populares, e legendas, que se encontrem no nosso Algarve”. Estácio da Veiga nunca deixou de tentar a colaboração de mais pessoas na recolha de materiais, mesmo que mal as conhecesse. É o que prova uma carta de que, no espólio, existe rascunho, 761 escrita a alguém não identificado, residente em Albufeira, de quem Veiga fora, apenas, companheiro de viagem. Nessa carta, Estácio da Veiga pede informações sobre o romance da Senhora da Orada (aquele que no nosso inventário designamos por Sentença Modificada por Milagre) e também sobre a ermida da Orada, situada precisamente em Albufeira, e a respectiva romaria. E queixa-se de já ter tentado obter esses dados, através de “incessantes diligencias”; mas —explica— “mui pouco hei por emquanto obtido”. Aliás, na introdução do Romanceiro do Algarve Veiga refere-se aos reduzidos frutos que recebeu das suas tentativas de recolha por interpostas pessoas: Assim começaram [...] as ímprobas fadigas do meu difficil empenho; difficil em verdade, porque para elle tinha de pedir a coadjuvação dos meus conterraneos, que uma proverbial indolencia faz muitas vezes parecer menos 762 prestaveis e obsequiosos do que reconhecidamente são. Um exemplo da “proverbial indolencia” dos colaboradores talvez seja a carta que um deles, João Lúcio Pereira, lhe enviou. 763 Está datada de Olhão, 16/11/1856, e nela Pereira pede desculpa de não ter correspondido antes ao que Veiga lhe pediu numa carta de 29 de Julho (quase 4 meses antes!), e que parece ter sido a recolha e o envio de romances. Porém, desculpa-se João Lúcio Pereira, tem estado doente... Nessa carta, Pereira envia “as rhapsodias q. me tem sido possivel colligir”. Por uma nota de Estácio da Veiga acrescentada na última página, 764 é possível saber que a recolha foi magríssima e, para mais, aldrabada. De facto, Pereira enviou apenas uma versão de Branca 761 762 763 764 5 C / 69. Romanceiro do Algarve, p. xxxi. 7 / 1. 7 / 1c. 230 Flor e Filomena, outra de Frei João, e, à falta de melhor, uma cópia de O Acalentar da Neta, longa balada da autoria de Castilho, que apresenta como recolhida da oralidade... Muito interessante é a indicação final de João Lúcio Pereira: “Copiei-as [as rapsódias] sem lhe fazer a menor alteração e servindo-me das m.mas palavras, como V. S. me tinha recommendado, deichando passar erros palpaveis, como V. S. notará”. 765 Esta passagem parece ensinar duas coisas. Por um lado, que um leitor da época, se lesse uma edição fidedigna de textos populares, ficaria chocado com os “erros palpaveis” que lá encontraria — e assim, naturalmente sabedor desta realidade, Veiga, mesmo que quisesse o contrário, nunca se poderia atrever a ser fiel à letra das recolhas, quando as publicasse. Por outro lado, as palavras de Pereira, ao falar do respeito que Veiga lhe recomendou que tivesse pelos textos no momento de os transcrever, não devem, cremos, ser entendidas à luz da nossa época e das preocupações actuais com a genuinidade dos textos. Pensamos que, longe disso, a referida passagem da carta ensina que, naquele tempo, qualquer cidadão instruído se não sentiria minimamente coibido de transformar a seu modo os textos que recolhia. É sabendo isso que Estácio da Veiga, talvez não muito confiante no gosto de João Lúcio Pereira, lhe recomenda que não retoque — o próprio Veiga (subentende-se: que é poeta) se encarregará dos retoques. Para terminar a questão dos colaboradores de Veiga, vejamos aquilo a que poderíamos chamar dois pedidos de colaboração que ficaram sem resposta. Referimo-nos aos requerimentos que ele enviou ao rei e, depois, a um ministro. Comecemos pela leitura dos excertos mais importantes do rascunho do requerimento a D. Pedro V, datado de Lisboa, 25/4/1857. 766 Aí, Veiga começa por fazer vários considerandos: — achando-se empenhado ha feitos dois annos na confecção do Romanceiro e Cancioneiro do Algarve, para cujo fim tem posto em acção todos os possiveis meios ao seu alcance, sollicitando directa e indirectamente varios documentos em algumas cidades, villlas, e outras menores povoações daquelle pittoresca, e quasi esquecida provincia [...] — não sendo compativel com as necessidades desta melindrosa commissão essencialmente litteraria que seus respectivos trabalhos sejam operados em 765 766 7 / 1b. 5 D / 53. Existe um rascunho anterior (5 C / 49), datado de “Lisboa [espaço em branco] de [espaço em branco] de 185 [sem indicação do último algarismo do ano]”. 231 localidades estranhas, longe das verdadeiras minas, onde a investigação tem de fazer immediatas explorações [...] — offerecendo aquelle bello paiz [...] uma variada copia de preciosas rhapsodias de antigos romances [...] e bem assim pelo que respeita ás canções populares propriamente dittas do Algarve [...] — que sendo sobremaneira prejudicial que se deixe de empregar, promptamente, toda a actividade e zelo na acquisição daquellas quasi perdidas, ou pela maior parte já adulteradas riquezas litterarias, registadas sómente na memoria do povo, o qual dellas se vai esquecendo pela adopção dos modernos usos e costumes das povoações maiores, onde assás se tem perdido o verdadeiro gosto por essa singela poesia, que, em tempos mais heroicos, constituia um dos mais saborosos prazeres das sociedades civilisadas, — que tendo presentemente [?] este genero de poesia, por ventura a mais nacional, obtido nas mais cultas nações de toda Europa o melhor acolhimento e protecção, pela sua reconhecida importancia litteraria [...] — que promettendo ser esta obra uma das mais interessantes que o estudo e a vontade poderiam colligir do reino do Algarve, com a qual se faria, indubitavelmente, um necessario serviço ás lettras patrias. Atendendo a tudo o exposto anteriormente, “o supplicante, possuindo já trabalhos assás adiantados, mas que todavia demandam seus immediatos complementos”, e necessitando, para isso, de “percorrer toda aquella provincia, a fim de directamente sollicitar nas differentes localidades as tradicções oraes de que carece”, requer dispensa de serviço “da repartição a que pertence durante o espaço de seis mezes” com o vencimento por inteiro e, além desta concessão, que pelo M[inistério] do Reino lhe seja dada uma gratificação ou ajudas de custo, que possa garantirlhe, pelo menos, a possibilidade dos transportes durante o já citado prazo, os quais demandam o immediato emprego de extraordinarios dispendios, que se hão de mister; sem esta graça o supplicante se verá compellido a desistir deste serviço, que, desinteressadamente se propõe fazer á sua patria, e com especialidade ao seu paiz natal. Vejamos, agora, alguns excertos do rascunho dum requerimento Bento”, 768 767 “A Carlos datado de 2/5/1857, provavelmente de Lisboa. Nele Estácio da Veiga explica que, “propondo-se publicar um Romanceiro e cancioneiro privativo do reino do Algarve, para o 767 768 5 B / 6. Assim está escrito no fim do texto, a seguir à data (5 B / 6v). 232 que ha já feitos dois annos que trata de recolher as mais notaveis rhapsodias de romances e canções populares daquella provincia [...] requereu a S. M. em 25 de Abril deste anno” a dispensa de serviço e demais coisas que nesse requerimento já lemos, e que aqui enuncia por palavras muito parecidas. E acrescenta: “Inteirado porêm o supp. e [i. e., suplicante] de que o mesmo requerimento se acha dependente da judiciosa avaliação, e despacho de V. Ex.ª” [i. e., de Carlos Bento], escreve, então, este novo requerimento. E no fim diz: Quando porêm a V. Ex.ª pareça demasiada sua petição, o supp.e ainda assim, se limitará a sómente acceitar o abono do seu vencimento por inteiro durante o mencionado prazo de seis mezes, e prescindirá da gratificação que pedira, embora haja de ver-se compellido a supprir por sua conta todos os dispendios 769 que excederem ao pequeno valor do referido seu vencimento. O “Carlos Bento” a quem Veiga se dirige é Carlos Bento da Silva, conhecido político e membro de repetidos governos da época, requerimento, era ministro das Obras Públicas. 771 770 o qual, no momento da escrita deste Ora Estácio da Veiga era “practicante effectivo da Administração Geral dos Correios” (como diz no requerimento ao rei e é confirmado por outras fontes), Públicas. 773 769 772 organismo que dependia do ministério das Obras Assim se compreende que a Carlos Bento da Silva coubesse a decisão final. No texto, o que verdadeiramente está é “dos referidos”, o que concordava com “seus vencimentos”. Posteriormente, o “s” do plural foi cortado nas duas últimas palavras da frase, mas não, por descuido, nas duas primeiras. 770 Ver [Anónimo], Noticia dos Ministros e Secretarios d’ Estado do Regimen Constitucional nos 41 Annos Decorridos desde a Regencia na Ilha Terceira em 15 de Março de 1830 até 15 de Março de 1871, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p. 10; e Manuel Pinto dos Santos, Monarquia Constitucional. Organização e relações do poder governativo com a Câmara dos Deputados. 1834-1910, Lisboa, Assembleia da República, 1986, passim. 771 Foi-o de 14 /3/ 1857 a 16 / 3 / 1859, no 22º governo constitucional, presidido pelo marquês de Loulé (ver Anónimo, op. cit., p. 10, e Santos, op. cit., p. 75). 772 Segundo o Almanach de Portugal para o Anno de 1855 (Lisboa, Imprensa Nacional, 1854, p. 564), Veiga era, desde 10 de Maio de 1854, praticante efectivo da Administração Central do Correio de Lisboa. Segundo o mesmo almanaque, essa repartição pertencia à Administração Geral dos Correios, que é o organismo que Veiga menciona no requerimento. O lugar e posto de Veiga mantinham-se em 1856 (ver Almanach de Portugal para 1856, Lisboa, Imprensa Nacional, 1856, p. 565) e, sem dúvida, também em 1857 (o mencionado almanaque não se publicou nesse ano). 773 cit., p. 564. Ver Anónimo, op. cit., p. 34, n. 7, confirmado pelo Almanach de Portugal para o Anno de 1855, 233 Tudo leva a crer que tal decisão foi negativa (quem sabe se devido ao facto de Veiga ser assumida e publicamente miguelista). 774 De facto, na introdução do Romanceiro do Algarve, há um claro sinal de o apoio solicitado não ter sido atribuído. Escreve Estácio da Veiga: este romanceiro [...] muito mais abundante, ou completo, poderia já sair, se o governo não se tivesse escusado a auxiliar esta tentativa, ao passo que favorecia largamente outras, que nunca deram nem porventura darão jámais o 775 minimo resultado... Na mesma introdução, numa nota de rodapé, Estácio da Veiga já se queixara, mais veladamente, da falta de apoio oficial. Com efeito, ao falar das colecções de literatura oral publicadas em vários países europeus, refere-se à França e escreve: Ao passo que em Portugal se desattende a quem pede protecção para emprehender estes estudos, que toda a Europa recebe com avidez, festeja e premeia, o que é força repetir muitas vezes para eterna vergonha e desconceito dos nossos poderosos empecedores, observa-se na França a seguinte deliberação alli mandada publicar em 3 de setembro de 1853 pelo 776 seu illustrado governo. 774 De facto, cerca de um ano antes dos requerimentos a solicitar apoio, Veiga era colaborador do jornal legitimista O Povo, onde, no número de 2/8/1856 (pp. 1-2), publicara Saudades da Minha Terra. Poesia recitada pelo auctor, em 22 de Junho de 1856, no theatro da cidade de Tavira. E anos antes levara o seu militantismo ao ponto de escrever a letra para uma canção de homenagem à mulher de D. Miguel, canção que foi mesmo publicada em partitura: O Astro d’ Esperança / Novo hymno /dedicado por seus auctores / á augusta espoza / do / Senhor Dom Miguel de Bragança / a Senhora / Dona Adelaide Sophia / Princeza de Loewenstein-Werteim. / Muzica de Dona Maria Carlota Tulli da Costa / e / poezia / de S. P. M. Estacio da Veiga. / 1851. / Lith. de Lopes & Bastos. R. N. dos M. es Nº 14. Lx.ª 1852. Coisas destas, num meio pequeno como era o da Lisboa da época, sem dúvida que eram do conhecimento de todos... nomeadamente de quem distribuía subsídios e benesses. Anos depois de tudo isto (é verdade que num momento em que Veiga já não devia andar a pedir dispensas de serviço com vencimento), ainda encontramos sinais públicos da militância miguelista do nosso autor. Assim, n’ O Povo de 29/3/1860 (p. 1), o nome de Estácio da Veiga surge integrado numa lista de “cavalheiros legitimistas” a quem o jornal encarregou de, em seu nome, receberem donativos para uma subscrição a favor de D. Miguel (que, no exílio, ao que se dizia, estava com grandes problemas económicos). 775 776 Romanceiro do Algarve, p. xxxii. Op. cit., p. xxviii, nota 2. 234 Passa a transcrever um decreto que, em França, lançara, a nível nacional e patrocinada pelo Estado, uma recolha de poesia oral. 777 E, no fim, desabafa: “Estas coisas aqui é que não se imitam do francez, quiçá por serem de reconhecida utilidade...” 778 Locais da Recolha e Informantes Pelos manuscritos das versões existentes no espólio de Veiga é possível conhecermos, frequentemente, a localidade onde foram recolhidas, e mesmo, por vezes, o nome do informante, 779 e até outras indicações, como a sua morada e/ou profissão, certas particularidades, por vezes curiosas. 777 781 780 ou As versões raramente têm data de recolha. 782 Veiga tem conhecimento de tal decreto, como ele próprio informa, a partir da sua publicação no Almanach de Lembranças (cf. Alexandre Magno de Castilho, “Poesias Populares”, Almanach de Lembranças para 1854, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, p. 269). Terá interesse recordar que esta campanha francesa de recolha é a chamada “enquête Fourtoul”, do nome do ministro da Instrução Pública que a promoveu. Foi lançada a larga escala e acompanhada pela publicação dumas interessantes e pioneiras “instruções” para os colectores: [Jean-Jacques Ampère], Poésies populaires de la France. Instructions du Comité de la Langue, de l’ Histoire et des Arts de la France, [Paris], Imprimerie Impériale, 1853. Este opúsculo constitui uma espécie catálogo dos vários géneros —sobretudo do ponto de vista funcional ou temático — da poesia tradicional, cada um ilustrado com exemplos e comentado. Sobre Ampère e a “enquête Fourtoul”, pode ler-se o recente artigo de Michèle Simonsen, “Jean-Jacques Ampère and the Campaign for the Collection of ‘Poésies Populaires de la France’ (1853-1855)”, in Nicolae Constantinescu (org.), Ballad and Ballad Studies at the Turn of the Century. Proceedings of the 30th International Ballad Conference, Bucureşti, Editura Deliana, 2001, pp. 213-218. 778 779 Romanceiro do Algarve, p. xxix. Por exemplo: Anna Paula Rua, de Tavira, informante do Conde Claros Frade (5 B / 11r) e duma Delgadinha + Silvana (5 B / 11-12). 780 Por exemplo: Rosa Maria de Oliveira, lavadeira das Fontinhas, Tavira, que contribuiu com um D. Aleixo (5 E / 39) e outras versões. Ou “Marianna José Xavier, que foi parteira. Mora ao Cano, na rua das Capacheiras”, informante, nomeadamente, dum Frei João (5 B /32). 781 Numa versão da Má Sogra (5 B / 19r), anotou Veiga: “Uma filha do compadre Antonio Bruno. A filha valle muito mais do que todos estes romances”. E noutra (Príncipe que Enganou uma Pastora é Obrigado a Casar com Ela): “É este um romance bem asno!” (5 B / 34r). 782 Um dos raros casos é uma versão da Confissão de Nossa Senhora (5 C / 70), que tem a seguinte pormenorizada indicação: “Mª José da Conc.ão natural das Cabanas da Conceição [concelho de Tavira] filha da 235 Em geral, esses informações (excepto, por vezes, o nome das localidades) foram omitidas quando os textos saíram publicados em 1870, sem dúvida porque, para Estácio da Veiga, o texto primitivo do romance e todas as suas circunstâncias teriam sido importantes, mas não o modo como ele vivia na actualidade, guardado naquela espécie de odres em más condições que eram os informantes. Pelos dados existentes nos manuscritos, podemos, de qualquer modo, saber que as recolhas feitas pelo próprio Veiga foram essencialmente na cidade de Tavira e arredores, e na cidade de Faro. 783 E, por outro lado, vemos que as versões obtidas por colaboradores de Veiga vieram de Lagos, Portimão, Silves, Olhão e Castro Marim, tendo sido (uma vez que nada se diz sobre isso) muito provavelmente recolhidas nas próprias sedes de concelho (nestes casos, todas elas cidades ou vilas importantes, quase todas do litoral), e não em aldeias. Esta realidade vai contra aquilo que Veiga afirma em vários lugares do Romanceiro do Algarve: ter ido recolher os textos a aldeias muito recuadas. Por exemplo, ao falar do D. Julião, menciona “a raridade com que o povo o já conserva de memoria. No Algarve cidades inteiras ha que o desconhecem; e onde melhor o encontrei, posso dizer que foi na gente camponeza mais arredada das maiores povoações”. 784 Esta frase deve ter sido escrita, aliás, com enorme má consciência, pois, como mais à frente veremos, tal romance não foi recolhido da oralidade, mas sim traduzido por Veiga a partir da versão velha castelhana... Mª de Giões [Giões é uma aldeia da freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão], e afilhada de Stao M ~ rz [i. e., Sebastião Martins]. 8 de Setembro de 1857 — Tavira”. 783 Quanto a informantes de Faro há a indicação duma Helena Rosa, “junto á ermida da Srª do Repouso”, informante duma Má Sogra (5 B / 20), e duma Maria da Conceição Belles, “mandada chamar pelo Nicola da estalagem”, informante de 3 romances, entre eles um Conde Ninho (5 C / 79 c-d). Antes da indicação de “mandada chamar”, etc., há, riscada, a indicação: “junto á Srª do Repouso”. Talvez seja a esta última informante que se referem as palavras crípticas do já nosso conhecido Simplicio Alfarroba, que num dos seus folhetins se refere a “o Estacio da Veiga, que por aqui [i. e., por Faro] andou por toda a parte arranjando romances antigos para fazer um romanceiro propriamente do Algarve, ao qual para este effeito nem se quer lhe escapou a menina B., que móra ao pé da Senhora do Repouso, e que, segundo por aqui dizem, sabe romances de muitas qualidades” (“Correio do Algarve. Carta do Coveiro do Cemiterio de Faro ao Guarda-Portão da Real Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 11/9/1856, pp. 1-2). É possível que o “B.” seja inicial de “Belles”, apelido da mencionada Maria da Conceição. Nas palavras de Simplicio [“nem sequer lhe escapou...”] parece haver uma alusão semi-escondida, talvez a algo de amores. Teria a referida menina sido galanteada por Veiga? Ou seria ela uma prostituta [“sabe romances de muitas qualidades”...]? 784 Romanceiro do Algarve, p. 4. 236 A necessidade de a recolha ser levada a cabo preferencialmente nas aldeias tem a ver com uma ideia que, desde Herder (pelo menos), “andava no ar”, entrando no modo de pensar de qualquer romântico minimamente instruído: a essência das nações, o Volksgeist, estivera vivo apenas até fins da Idade Média. A partir daí, a invasão do Classicismo grecolatino fora paulatinamente descaracterizando os países, ou melhor: descaracterizara a burguesia, e, por arrastamento, o povo citadino. Mas o espírito nacional, os hábitos e costumes ainda medievais, mantinham-se vivos (embora ameaçados pelo progresso — e daí a necessidade da sua recolha) entre a população dos campos, sobretudo a que vivia afastada dos grandes centros. E terá sido isso que Estácio da Veiga, provavelmente, esperava encontrar e ajudar a salvar, quando chegou ao Algarve, com a cabeça cheia de sonhos, depois de 11 anos de exílio em Lisboa, para onde partira adolescente. Ora ao regressar à sua província, terá ficado surpreendido com o estado de modernidade em que se achava o povo rural e o das pequenas cidades, tão longe da visão bucólica e idealizada que, na sua mente, se ligava a essa parte da população. Tal visão estava, obviamente, bem longe de ser exclusiva de Estácio da Veiga. A mesma maneira de idealizar o povo dos campos, em flagrante contradição com a realidade social, encontra-se (para não recuarmos mais, até ao Bucolismo da Grécia clássica) em todos os românticos (a começar por Herder), com poucas excepções. Uma dessas excepções é constituída por Camilo (ou melhor, por um certo Camilo), que, caçoando dos citadinos que imaginavam o povo rural como um poço de virtudes (povo que ele, pelo contrário, bem conhecia, nomeadamente pelo facto de viver em São Miguel de Ceide), escreve algures (citamos de memória) que dentro desse povo, na sua alma, o melhor que se podia encontrar era um naco de bom toucinho... Mas Veiga não partilharia, sem dúvida, sarcasmos destes. E, por outro lado, ele sabia que, nas suas recolhas, nunca fora, verdadeiramente, para muito longe, nunca se internara pelo interior do Algarve, e menos ainda pela Serra do Caldeirão, onde talvez existisse ainda então aquilo que se considerava a tradição incontaminada. 785 785 Ruth Finnegan tem algumas interessantíssimas páginas discutindo a possibilidade de existência daquilo que muitos autores olham como sendo o tipo de sociedade verdadeiramente adequado à vida das baladas (área rural, isolada, sem centros de instrução, sem contactos com sociedades industriais e urbanas, baseada num sistema de comunicação oral, sem influências da sociedade escrita), e põe muitas dúvidas sobre as características incontaminadamente orais de muitos (se não da maioria) dos textos obtidos por colectores que, no entanto, estavam convencidas de ter contactado com uma sociedade 100% “genuína” (Oral Poetry. Its nature, significance and social context, Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press, 1992, p. 246ss.). Na colecção de Estácio da Veiga há um caso que dá muita razão a Ruth Finnegan. Na verdade, a aldeia mais afastada dos grandes centros de que há material nos manuscritos de Veiga é Cachopo, em plena Serra do 237 É possível que certas transformações que, como veremos adiante, Estácio da Veiga introduziu nos textos que publicou, nomeadamente uma idealização da sociedade rural (com pastoras que passeiam cantando e tocando viola pelos campos, e gente cujo passatempo é tecer grinaldas de rosas) tenha a ver com algo que ele esperava encontrar mas não encontrou, ou que pensava que fosse possível existir nessas aldeias afastadas onde não tinha ido, ou, muito simplesmente, algo que ele achava que agradaria ao gosto dos leitores urbanos (lisboetas em especial) que eram, sem dúvida, o público-alvo do seu Romanceiro. Além disso, é possível que, no método editorial de Veiga, haja uma parte fruto do efeito que tinham os retoques introduzidos pelos seus antecessores (sobretudo Almeida Garrett) quando publicavam textos orais. Como vimos, Garrett admite que faz algumas transformações (realização de versões factícias, eliminação de “refacimentos” modernos, retoques de modo a aproximar mais o texto em relação ao respectivo modelo quinhentista...), mas, tal como Percy ou Scott, não diz tudo o que faz — e que foi bastante mais profundo que isso, nomeadamente através da invenção de numerosos versos. Este silêncio poderá ter como consequência que o público (incluindo Estácio da Veiga), ao ler os romances publicados por Garrett, ficasse com uma ideia errada de como era a tradição, a qual não tinha (e provavelmente não teve nunca) umas características assim tão parecidas com as da poesia escrita como o Romanceiro de Garrett faz crer. Essas consequências negativas tinham sido apontadas, bastantes anos antes, por aquele que é um dos raríssimos editores respeitosos (pelo menos em teoria) da letra da tradição antes dos anos 50 do séc. XIX: o escocês William Motherwell, autor de Minstrelsy, Ancient and Modern (1827). Na surpreendente introdução desta obra 786 Motherwell defende repetidas vezes e com toda a veemência que o editor de baladas não deve retocar minimamente os textos, 787 protestando, inclusive, contra o estabelecimento de versões Caldeirão, a mais de 50 Km da costa, para onde, na época, as estradas deviam ser bem más e onde o nível geral da instrução devia ser muito baixo. Ora o texto que consta nesse manuscrito (5 D / 37; escrito com uma péssima caligrafia e ainda pior ortografia) é uma versão do romance vulgar O Pássaro Verde, com nítidos vestígios do estilo dos folhetos de cordel. 786 A obra, infelizmente, nunca foi reeditada (tanto quanto sabemos), mas da sua introdução uma boa parte pode-se ler apud D. Dugaw, The Anglo-American Ballad. A Folklore casebook, cit., pp. 46-55. 787 “It has become of the first importance to collect these songs with scrupulous and unshrinking fidelity. [...] It will not do to indulge in idle speculations as to what they once may have been, and to recast them in what we may fancy were their original moulds” (p. 49). 238 factícias. 788 É que, além do mais, uma das consequências do método editorial criativo é a seguinte: Such copies [os textos factícios] [...] are those which find their way readiest into our every-day compilations of such things, as well on account of their superior poetical merit, as of the comparative distinctness and fulness of their narrative; and to readers not accustomed to inquire into the nature of traditionary poetry they thus convey very inaccurate impressions of the state 789 in which these compositions are actually extant among us. E essa “perfeição” ia influenciar também os próximos colectores de romances, que, possivelmente, ao recolherem textos, ficavam muito desapontados por não conseguirem romances tão correctos, tão completos, tão sem nódoa. Foi desapontado, como vimos, que Teófilo Braga admite ter-se sentido quando começou a recolher e se apercebeu de que as versões que conseguia eram inferiores às de Garrett. Claro que, conforme também vimos, Braga ultrapassou essa inferioridade, valorizando a verdade etnográfica das suas versões — aspecto com o qual os textos de Almeida Garrett não podiam competir. Acontece que Estácio da Veiga tem uma visão do romanceiro muito distante da de Teófilo, obedecendo, pelo contrário, a critérios exclusivamente estéticos. Portanto, nele, o desapontamento não poderia deixar de levar ao retoque, ao desejo de tornar as suas versões pelo menos tão boas como as do Mestre — até porque tinha o aguilhão do remorso: talvez a culpa fosse apenas dele, que, em vez de se deslocar às recônditas aldeias onde dizia ter ido, se deixara ficar por 788 “By selecting the most beautiful and striking passages which present themselves in the one copy, and making these cohere as they best may with similar extracts detached from the other copy, the editor of oral poetry succeeds in producing from the conflicting texts of his various authorities a third version, more perfect and ornate than any individual one as it originally stood. This improved version may contain the quintessence, the poetick elements, of each copy consulted; but, in this general resemblance to all, it loses its particular affinity to any one. Its individuality entirely disappears [...]. This mode, then, of editing ancient ballads, by subjecting them to the process of refinement now described, though it be more conscientious and less liable to censure than another method also resorted to, is nevertheless highly objectionable, as effectually marring the venerable simplicity of early song, destroying in a great measure its characteristick peculiarities” (pp. 50 e 51). 789 Op. cit., p. 51. Sobre o que Motherwell parece dever aos conselhos de Walter Scott, muito tardiamente arrependido do método editorial que adoptara no Minstrelsy, ver Flemming G. Andersen, “ ‘All There Is... As It Is’. On the development of textual criticism in ballad studies”, Jahrbuch für Volksliedforschung, 39 (1994), pp. 28-40. Sobre a obra (não apenas baladística) de Motherwell, saiu recentemente uma importante monografia: Mary Ellen Brown, William Motherwell’s Cultural Politics (17971835), Lexington, The University Press of Kentucky, 2001 (ver, sobretudo, o cap. 8, “The Ballad Errantry”, pp. 78-102). 239 Tavira e Faro... Talvez fosse a sua falta de espírito empreendedor que, afinal, explicava o facto de não ter recolhido versões melhores, de não ter encontrado na tradição a singeleza, a pureza, a graça desafectada, a correcção versificatória, a antiguidade de linguagem, os temas que exprimiam a genuína alma algarvia. E, como não conseguira tais características na oralidade, poderia pelo menos consegui-las graças à facilidade poética que Deus lhe dera. A sua província é que não podia ficar mal — nem ele, já agora. Datas da Organização do Romanceiro do Algarve. Sua Publicação Assim foi, portanto, formado o Romanceiro do Algarve, que esteve para ser o segundo romanceiro português e o primeiro dedicado à tradição duma província específica. 790 A data indicada habitualmente pelos estudiosos como a da conclusão da obra é 1860, baseando-se no que Estácio da Veiga escreveu na “Advertencia”: “Ha feitos dez annos que escrevi este livro; mas só agora pude conseguir a sua publicação”. 791 Repare-se, porém, que, numa curta nota, perdida no meio da “Introducção”, o mesmo Veiga afirma: “Em 1858 já estava inteiramente concluido este trabalho”. 792 Qual das duas declarações será correcta? A segunda delas está de acordo com a afirmação que Estácio da Veiga fez num artigo de jornal publicado em 1859: “o ‘Romanceiro do Algarve’ [...] desde janeiro deste anno o tenho em mão de um editor para se imprimir”. 793 Se assim foi, então a obra teria de estar acabada em 1858. Note-se, porém, que, neste artigo (em que publica A Moura Encantada de Tavira), Veiga explica que tal romance 794 não está incluído no referido Romanceiro que tem no editor. 790 Contudo, em 1861, ao Sê-lo-ia se Estácio da Veiga tivesse publicado a obra quando a concluiu. Porém, acabou por ser ultrapassado por duas obras de Teófilo Braga: o Romanceiro Geral (1867) e os Cantos Populares do Archipelago Açoriano (1869). 791 792 Romanceiro do Algarve, p. v. Op. cit., p. xxvii, nota 1. 793 S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, p. 794 Porque, segundo afirma (loc. cit.), “não dou eu ainda [...] por completo o romance [...], visto que 1. ainda tenciono cotejal-o com outras lições, que delle espero alcançar”. 240 publicar novamente este artigo noutro jornal, 795 Veiga omitiu o parágrafo em que se encontrava tal explicação. Ora, se tivermos em atenção que o referido romance foi, de facto, incluído no Romanceiro saído em 1870, podemos pôr a seguinte hipótese: em 1858, Estácio da Veiga terminou, de facto, o livro, e, em Janeiro de 1859, conseguiu colocá-lo num editor. Porém, mais tarde, reviu a obra (incluindo nela, então, A Moura Encantada), revisão que teria acontecido em 1860, pelo que, em de Junho de 1861, ao republicar esse romance na Estrella d’ Alva, já não diz que o excluiu do seu Romanceiro. Esta hipótese permite pôr de acordo a afirmação da “Advertencia” e a da nota da p. xxvii, uma vez que elas se referirão, afinal, a estádios diferentes da obra. Terminado, pois, em 1860, o Romanceiro do Algarve teve a má-sorte de só conseguir ser publicado 10 anos depois, em 1870, provavelmente devido a dificuldades editoriais. 796 E, quando saiu, parece não ter suscitado nenhuma reacção na imprensa. Pelo menos, não encontrámos nenhuma recensão (nem sequer simples referência à sua saída) em seis jornais, do ano de 1870 e primeiro semestre de 1871, que consultámos, 797 isto não obstante todos esses jornais publicarem (uns mais, outros menos) artigos ou notícias desse tipo sobre variados outros livros que iam saindo. 795 Agora com o título “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João” [Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92]. 796 Durante anos, a obra foi sendo anunciada como estando concluída e pronta para ser impressa. É assim que surge na bibliografia de Veiga contida na edição dos Fastos, organizada por Castilho, para onde ele escrevera uma “Nota” (ver o “Catalogo Alphabetico dos 106 Srs. Annotadores d’ esta Obra”, por Manuel Vidal de Castilho, in Publio Ovidio Nasão, Os Fastos, traducção em verso portuguez por Antonio Feliciano de Castilho, seguidos de copiosas annotações por quasi todos os escriptores portuguezes contemporaneos, Lisboa, Por Ordem e na Imprensa da Academia Real das Sciencias, Tomo I, Parte I, 1862, pp. lv-cxli; a bibliografia de Veiga está na p. cxxxii) e no Diccionario de Inocêncio (cit., VII, p. 221). É bem possível que o editor inicial (aquele em cujas mãos, em 1859, Veiga diz ter o Romanceiro do Algarve) não tenha sido o mesmo que, em 1870, acabou por publicá-lo, pois custa a acreditar que, durante 11 anos, a obra tenha ficado na mesma empresa, à espera da ocasião de sair . 797 Eis os jornais que, com esta finalidade, pesquisámos (entre parênteses, damos a indicação do período que pudemos consultar de cada um deles): Jornal do Commercio (1870 e 1º semestre de 1871) O Conimbricense (1870), Revolução de Setembro (de Outubro de 1870 a Fevereiro de 1871, ambos inclusive), A Nação (1870 e os dois primeiros meses de 1871), O Primeiro de Janeiro (Janeiro e Fevereiro de 1870) e Diario de Noticias (1870). 241 Chegámos mesmo a pensar que o Romanceiro do Algarve, fazendo jus aos atrasos que sofreu, 798 embora tendo no frontispício a data de 1870, teria saído depois, talvez já no segundo semestre de 1871, período aonde não tínhamos estendido as nossas pesquisas. Mas, finalmente, na Gazeta do Povo, jornal diário publicado em Lisboa, encontrámos, no número de 4 de Dezembro de 1870, um anúncio ao “Romanceiro do Algarve, por S. P. M. Estacio da Veiga. Um volume, contendo uma introducção de trinta e oito paginas, vinte e seis romances e nove legendas christãs”. 799 O anúncio apresenta depois a lista dos temas, que reproduz o índice do livro, e, no fim, informa: “Preço 500 réis. Vende-se nas lojas do costume. — Remette-se franco de porte a quem enviar a importancia, em sêllos ou valles do correio, a Sousa Neves, rua da Atalaia, 65. — Lisboa”. Este “Sousa Neves” era Joaquim Germano de Sousa Neves, o editor do Romanceiro do Algarve. Ora, era na tipografia de Sousa Neves que se imprimia a Gazeta do Povo, da qual (pelo menos a partir de 7 de Dezembro de 1870) 800 o mesmo Neves se tornou gerente. Ou seja, o presente anúncio (que, sublinhe-se, não encontrámos em mais nenhum dos jornais consultados) não mostra qualquer tipo de empenho na divulgação da obra por parte do editor, o qual, como vemos, se limitou a anunciar a obra num jornal a que ele próprio estava ligado, pelo que essa publicidade lhe terá saído grátis. 798 801 Para já não falar dos anos em que a obra esteve à espera de começar a ser impressa, sabe-se que a saída da edição que acabou por ser de 1870 foi anunciada num almanaque logo em finais de 1868 ou princípios de 1869. É o que se vê por duas cartas de Teixeira Soares a Teófilo (datadas de 24/2 e de 23/5 de 1869) onde o colector jorgense fala do facto, explicando ter lido essa informação “no Almanach popular, publicado em Lisboa” [ver Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria, cit., p. 45; ver também p. 44]. Na Biblioteca Nacional, um almanaque com aquele título e editado em Lisboa só existe o referente aos anos de 1849 e 1851. 799 800 801 Gazeta do Povo, 4/12/1870, p. 4. Ver n.º desse dia, p. 1. O anúncio repete-se sete vezes em outros tantos números da Gazeta do Povo (portanto, com numerosas interrupções, por vezes de mais de um mês), até 4/3/1871, inclusive. A partir do n.º de 30/4/1871, e até ao último número do jornal (31/12/1872), o anúncio reaparece muitas vezes (por vezes com grandes interrupções), desta feita com um formato mais pequeno, embora com texto igual. Não obstante a pouca publicidade que anunciou a saída do livro, encontrámos dois sinais da sua distribuição em livrarias. Ver O Livreiro. Catalogo-periodico da Livraria de Ferreira, Lisboa & Cª., nº 3 (1871), p. 8, e a lista de obras (possivelmente catálogo das obras disponíveis para venda na livraria Cruz Coutinho, do Rio de Janeiro) que se encontra no verso da capa e da contracapa de AA. VV., O Trovador. Collecção de modinhas, recitativos, arias, lundús, etc., nova ed., correcta, II e III, Rio de Janeiro, Na Livraria Popular de A. A. da Cruz Coutinho — Editor, 1876. 242 A falta de repercussão da saída do Romanceiro do Algarve poderá ser devida ao seu carácter extemporâneo. Na verdade, pensada para uma determinada época, feita de acordo com os respectivos critérios, a obra acabou por sair 10 anos depois, e durante esse período as condições de recepção tinham mudado drasticamente, como a seu tempo veremos. Os Manuscritos da Colecção de Estácio da Veiga Os manuscritos relacionados com o nascimento do Romanceiro do Algarve encontram-se repartidos por três locais. Manuscritos Existentes no Museu Nacional de Arqueologia A grande maioria dos manuscritos romancísticos de Estácio da Veiga pertence ao arquivo do Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa) e está integrada no espólio documental do autor ali existente (o qual é, acima de tudo, sobre assuntos arqueológicos). Guardados (juntamente com vários outros documentos), na caixa nº 2 desse espólio, os manuscritos do romanceiro (e, em pequeno número, de poesias pertencentes a outros subgéneros tradicionais) são de dois tipos. Por um lado, os textos originais, tal como foram recolhidos por Estácio da Veiga ou por colaboradores seus; 802 802 por outro lado, as cópias dos Os textos originais formam a totalidade dum maço contido numa capa moderna (cota: espólio de Estácio da Veiga, 5 B), que, por sua vez, tem dentro outra capa, antiga, com uma inscrição, escrita por Veiga: “Apontamentos para o Romanceiro do Algarve. [a lápis (Ja se acham explorados)]” (sobre os símbolos que adoptámos na transcrição dos documentos de Veiga, ver adiante pp. 271-2). Além disso, também existem textos originais (aí, misturados com cópias) noutros três envelopes grandes, modernos, guardados na mesma caixa, que têm as cotas 5 C, 5 D e 5 E. Nessa caixa existe ainda, no envelope que tem a cota 7, um texto original (do Frei João: 7 / 2), juntamente com a carta que o seu colector (João Lúcio Pereira, de Olhão) enviou a Estácio da Veiga. Sobre a catalogação dos manuscritos, diga-se que os cinco grandes conjuntos citados (assim como o mencionado na nota seguinte) já possuíam uma cota (5 C, por exemplo), quando analisámos pela primeira vez o espólio. De nossa responsabilidade foi a atribuição duma cota a cada um dos documentos integrados nesses conjuntos, através do acrescento dum número de ordem, depois duma barra. Assim, por exemplo, o primeiro 243 originais. Na sua relação com os originais da recolha, as cópias apresentam vários graus de fidelidade, indo desde textos que se limitam a, com leves retoques, repetir o original, até àqueles que constituem, de facto, poemas novos, de tal modo estão longe do que foi recolhido. Note-se que, em muitos casos, no espólio se encontram várias cópias, sucessivamente retocadas, dum mesmo original, possibilitando, assim, seguir passo a passo o percurso editorial criativo dos romances publicados por Estácio da Veiga no Romanceiro do Algarve (e mesmo de alguns outros romances que acabaram por ficar inéditos). No espólio existe também a maior parte do manuscrito final do Romanceiro do Algarve, o enviado para a tipografia quando a obra foi impressa. faltando-lhe a introdução, 804 803 Está incompleto, o primeiro romance (D. Julião), e todos os romances que constituem a segunda parte da obra (as “Lendas christans”), ou seja, A Senhora da Piedade e textos seguintes. Neste manuscrito, o texto da maior parte dos romances está sem emendas, ou quase. No entanto, relativamente a alguns dos romances, há duas versões do texto, estando a primeira muito emendada e sendo a segunda uma passagem a limpo daquela. Além dos textos dos romances, no espólio conserva-se ainda a maior parte dos prólogos que Estácio da Veiga escreveu para cada romance, todos com emendas (e, num caso ou noutro, em mais duma versão), e vários documentos relacionados com o Romanceiro do Algarve, nomeadamente rascunhos de algumas cartas a colaboradores que o manuscrito contido no envelope 5 C ficou com a cota 5 C / 1. Através de letras minúsculas ( r ou v; a, b, c, ou d), indicamos, quando necessário, a foliação ou a paginação de cada documento. 803 Este manuscrito constitui um maço que possui a cota 5 A. É possível ter a certeza de que ele é, de facto, o manuscrito enviado para a tipografia, graças a dois pormenores. O primeiro está no rodapé duma página (5 A / 43a) do prólogo de O Encarcerado e consiste numa nota para o tipógrafo, a propósito duma parte do referido prólogo, no qual Veiga transcreve o texto de duas inscrições antigas existentes num monumento de Tavira e noutro de Castro Marim. Ora, para transcrever esses textos tal qual (mais especificamente as abreviaturas neles usadas) seria necessário colocar, por cima de certas letras, uns caracteres tipográficos especiais, que talvez não estivessem disponíveis. Sobre a questão, Veiga escreveu, no rodapé da referida página, um recado, de que transcrevemos o início: “Sr Agostinho — Se não poder arranjar os seguintes signaes Ω ω, podem ser suppridos ambos por um traço — assim sobre a letra”. O segundo pormenor que nos dá a certeza de estarmos em presença do manuscrito enviado à tipografia está no verso dum dos fólios do prólogo de A Serrana (5 A / 63v) e consiste na seguinte nota de Estácio da Veiga: “Devolvidas as provas em 15 de junho — até quasi ao fim do romance da Serrana.” 804 Noutro local do espólio (5 C / 53 - 5 C / 63), existe, porém, uma grande parte do texto da introdução, embora as folhas em que está escrita não sejam da mesma dimensão da das folhas enviadas à tipografia. 244 ajudaram nas recolhas e também o rascunho dos dois requerimentos (ao rei e ao ministro Carlos Bento da Silva) que atrás mencionámos. Não nos foi possível determinar exactamente a forma pela qual estes manuscritos deram entrada no Museu Nacional de Arqueologia, e menos ainda a época em que ali chegaram. O manuscrito que serviu para a tipografia deve ter pertencido, em primeiro lugar, ao próprio Leite de Vasconcelos, que, mais tarde, o terá depositado no Museu. É o que parece deduzir-se dum estudo que o próprio Vasconcelos dedicou a Estácio da Veiga e às suas múltiplas actividades, 805 no qual, nomeadamente, se ocupa do Romanceiro do Algarve. Ora aí revela o seguinte: Depois do fallecimento de Estacio da Veiga, obtive da familia parte de um manuscrito ou rascunho dos romances que constituírão o Romanceiro. Este manuscrito ou rascunho, que foi o original que serviu para a impressão da obra, pois não differe do texto que está impresso, contém várias emendas [...] Quando vi a primeira vez o manuscrito emendado, fiquei muito satisfeito, por suppôr qee[sic] teria deante de mim as fórmas primitivas dos romances, embora com emendas, e que me seria facil, debaixo dos traços, recompôr o texto original; mas para logo verifiquei que estas emendas assentavão num texto já tambem por sua vez emendado e aperfeiçoado. [...] As emendas são bastante numerosas; comtudo ás vezes limitão-se a transposições de versos e a substituição de uma palavra por outra, — e ha composições inteiras sem 806 emendas ou com muito poucas. As características do manuscrito descrito por Leite de Vasconcelos coincidem, como vemos, com as que atrás dissemos serem as do manuscrito existente no Museu que serviu para a tipografia. E outras informações que Vasconcelos dá, mais à frente, sobre o seu manuscrito confirmam a hipótese de se tratar, verdadeiramente, do manuscrito hoje existente no Museu. De facto, escreve ele: Como justificação do que affirmo, e como amostra do processo das correcções, aqui transcrevo do referido manuscrito alguns passos: 1) Verso riscado: Mal o sol vinha raiando. Substituição: Ao romper da madrugada. 805 Ver J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, I, Espozende, Collecção Silva Vieira, 1891, pp. 261-288. Embora a obra esteja datada, no frontispício, de 1891, a verdade é que só saiu em 1896 (ver p. 360). 806 Op. cit., pp. 275-6 e 277-8 (itálico do original). 245 2) V. riscado: Viu vir uma grande armada. Substituição: Forte armada avista ao longe. 3) V. riscado: A Virgem santa o ouvia. Substituição: Sua voz o ceu ouvia. 4) V. riscado: Sua pôpa já rendida. Substituição: E a pôpa em grande avaria. 5) V. riscado: Se não fôras meu sobrinho. Substituição: Se meu sobrinho não fôras. 6) V. riscado: Eram tres de sangue puro. Substituição: E todas de sangue puro. 7) V. riscado: E duas de tinta preta. Substituição: Que outra tinta não houvéra. 8) V. riscado: E porque com outro tratas. Substituição: É que és de outro namorado. 9) V. riscado: Os sinos, bem que dobravam. 807 Substituição: Um sino ao longe dobrava. Cotejando os versos referidos por Vasconcelos, extraídos do seu manuscrito, com os versos que lhes correspondem no manuscrito do Museu Nacional de Arqueologia, 808 concluímos que, em relação a 7 dos 9 exemplos, a transcrição coincide quase perfeitamente. 807 808 809 Op. cit., p. 277. Conforme vemos, Vasconcelos não fornece os títulos dos textos de onde extraiu esses exemplos, e, tendo em atenção que o Romanceiro do Algarve contém 34 textos, em geral bastante extensos, teria sido muito complicado descobrir, nesses textos, os versos citados. Felizmente para nós, a identificação encontra-se já feita por Maria Aliete Galhoz, em “O Romance Vulgar ‘D. Aleixo’ na Tradição Algarvia: Análise de dois testemunhos de Estácio da Veiga”, Revista Lusitana, n. s., nº 11 (1993), pp. 23-4. 809 Trata-se dos exemplos seguintes (depois do número de cada exemplo, fornecemos o título do romance, o número do verso citado, e a cota do documento em que ele se encontra no manuscrito pertencente ao Museu): nº 2 (Dom Joaquim, v. 15; 5 A / 29 c); nº 3 (id., v. 34; id.); nº 4 (id., v. 42; id.); nº 5 (Dona Aldonça, v. 67; 5 A / 41r); nº 6 (Dona Branca, v. 65; 5 A / 49r); nº 7 (id., v. 66; id.); e nº 9 (A Donzella e o Punhal, v. 66; 5 A / 61c). Dizemos que a transcrição de Vasconcelos coincide “quase perfeitamente” com o que se lê no manuscrito do Museu porque, no exemplo nº 9, neste último manuscrito, o verso riscado não tem a vírgula que Leite de Vasconcelos dá como estando presente no verso em causa do seu manuscrito. Pensamos, 246 Em dois casos, o texto transcrito por Leite de Vasconcelos não coincide com o que se lê no manuscrito do Museu. Assim, em relação ao exemplo nº 1, o manuscrito do Museu diz precisamente o oposto daquilo que Vasconcelos transcreve como estando no seu manuscrito: “Ao romper da madrugada” é o riscado, e “Mal o sol vinha raiando” é o verso de substituição. E, quanto ao exemplo nº 8, o verso de substituição, no manuscrito do Museu, diz “É que és d’ outro enamorada”, em vez de “É que és de outro namorado”, conforme Leite de Vasconcelos transcreve do seu manuscrito. Poder-se-ia argumentar que estas duas diferenças, num total de nove exemplos, seriam suficientes para provar a existência de dois manuscritos diferentes. Pensamos, no entanto, que tais diferenças se podem explicar, respectivamente, como um deslize de Vasconcelos e como uma gralha. De facto, no primeiro exemplo, a diferença da leitura fornecida por Leite de Vasconcelos é, muito provavelmente, apenas fruto da má interpretação que ele próprio fez do apontamento que, antes, tirara do manuscrito, e em que não devia ter ficado claro qual o verso riscado e qual o acrescentado. 810 No segundo exemplo, estamos, sem dúvida, em presença duma gralha: na verdade, conhecendo a atenção obsessiva com que Estácio da Veiga vigiava a rima e a versificação em geral (facto a que, mais à frente, nos voltaremos a referir), é perfeitamente impossível admitir que ele alguma vez pudesse ter escrito (e menos ainda como emenda!) “de outro namorado” no final dum verso cuja assonância não poderia ser em á-o mas sim em á-a (esta última é a rima do romance em causa, A Donzella e o Punhal). A assonância desse verso teria de ser algo como “d’ outro enamorada”, ou seja, a lição que está no manuscrito do Museu e, sem dúvida, também estaria no manuscrito pertencente a Leite de Vasconcelos. Parece-nos, portanto, ser de concluir que o manuscrito que serviu para a tipografia e se encontra hoje no Museu Nacional de Arqueologia é, de facto, o mesmo que Leite de Vasconcelos obteve da família e de que fala nos Ensaios Ethnographicos. 811 porém, que tal é um pormenor sem valor, que, por si só, não indica estarmos em presença de manuscritos diferentes. 810 Note-se, além disso, que o verso que Vasconcelos diz estar riscado no seu manuscrito (“Mal o sol vinha raiando”) não só é o adoptado no manuscrito do Museu —conforme dissemos—, mas também é o verso adoptado na versão impressa no Romanceiro do Algarve (ver p. 55). 811 Corrija-se, portanto, aquilo que escrevemos há anos, quando, ao não nos termos apercebido da identidade dos dois manuscritos, dizíamos sobre o manuscrito referido nos Ensaios Ethnographicos que o seu “paradeiro se desconhece” (ver Contribuição para o Estudo do Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga à Luz de Manuscritos Inéditos, trabalho de síntese elaborado no âmbito das provas de aptidão pedagógica e capacidade científica, Faro, U. C. E. H., Universidade do Algarve, 1997, p. 36, n. 77, e “Os Manuscritos do 247 Resolvida, pensamos, a questão de como chegou ao Museu uma parte do espólio romancístico de Veiga (mas não a de quando ele ali entrou), fica-nos ainda por tentar descobrir esses dados em relação ao resto dos manuscritos, aliás a sua parte mais importante: os originais das recolhas e as primeiras cópias, anteriores ao manuscrito preparado para a tipografia. Ora, precisamente no maço dos manuscritos enviados à tipografia, existe um pequeno papel (escrito quase certamente por Leite de Vasconcelos) seguintes dizeres: “compra 12. IV. 918”. 813 812 que contém os A questão é, naturalmente, saber a que se refere esta nota. Será que, na data ali indicada, o Museu (possivelmente através da pessoa do próprio Leite de Vasconcelos) comprou à família de Estácio da Veiga o resto do manuscrito que servira para a tipografia (recorde-se que, em 1891, Vasconcelos escrevia que tinha apenas “parte de um manuscrito ou rascunho dos romances que constituírão o Romanceiro”)? É possível tal interpretação, embora não seja fácil admitir que Vasconcelos se tenha decidido a gastar dinheiro (que sempre falta num Museu...) para comprar um manuscrito em que os romances —como ele se apercebera há muito— apresentavam um estádio de transformação tal que tornava impossível usar o dito manuscrito para “recompôr o texto original” deles. Além disso, como dissemos, o manuscrito existente no Museu está, também ele, incompleto. Será, então, que o papelinho em causa, embora actualmente junto com o maço dos manuscritos que foram enviados à tipografia, se refere à aquisição de todo o resto do espólio romancístico de Veiga, isto é, à compra não só da parte que faltava no manuscrito feito para a impressão (se é que o manuscrito que Leite possuía em 1891 era ainda mais incompleto do que o actualmente guardado no Museu), mas também à compra dos manuscritos originais e das cópias (de facto, depois das várias mexidas que o espólio levou, como saber onde é que o referido papelinho foi sido inicialmente colocado por Vasconcelos?). De qualquer modo, a verdade é que, no mínimo, só em 1918 os preciosos manuscritos originais e as primeiras cópias deram entrada no Museu. Assim se compreende que, em 1915, Leite de Vasconcelos, na Historia do Museu Etnologico (designação inicial Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga Existentes no Museu Nacional de Arqueologia”, O Arqueólogo Português, IV série, 11/12 (1993/94) [saiu apenas em 1999], p. 159, n. 11. Nestes estudos, revelámos a existência do espólio romancístico de Veiga e apresentámos uma primeira tentativa do seu inventário. 812 Identificação corroborada pela Doutora Maria Aliete Galhoz, cuja colaboração muito agradecemos. 813 Cota: 5 A / 1r. 248 do Museu Nacional de Arqueologia), não mencione tais manuscritos. Isto embora se refira à compra da colecção arqueológica de Estácio da Veiga —que forma parte importante do núcleo antigo daquela instituição—, sublinhando que ela foi levada a cabo por si próprio, tendo-lhe custado muitas e difíceis diligências. 814 No entanto, quer quando refere resumidamente aquilo de que consta o referido espólio de objectos arqueológicos, 815 quer quando dá a lista dos manuscritos existentes no arquivo do Museu (entre eles os “papeis avulsos”), 816 nunca fala dos manuscritos do romanceiro de Veiga. Mas, se tal silêncio de Leite de Vasconcelos é, em 1915, perfeitamente compreensível, como explicar o mesmo silêncio muitos anos depois, em 1933? Nessa data, no I vol. da Etnografia Portuguesa, ao apresentar um panorama das investigações sobre a literatura oral do nosso país, Vasconcelos menciona, de passagem, “o amaneirado Romanceiro, de Estacio da Veiga”, 817 — e dele nada mais diz. Ora, logo depois duma qualificação como esta que Vasconcelos faz (com toda a razão) da obra de Veiga, pareceria obrigatória uma referência aos manuscritos da colecção pertencente ao Museu, quer fosse para mostrar, com provas palpáveis e indesmentíveis, o “amaneiramento” sofrido pelos textos ao entrarem no Romanceiro do Algarve, quer fosse para sublinhar a sorte que os estudiosos da literatura oral tinham pelo facto de se terem salvo os textos originais que estavam na base daquela obra. E é óbvio que Leite de Vasconcelos —como mostra o que escrevera logo em 1891— teria sido o primeiro a aperceber-se da importância de tais manuscritos. Será, então, que Vasconcelos tinha algum motivo para não referir a existência dos manuscritos originais de Veiga? Será que, depositados no arquivo do Museu desde 1918, ele próprio, em 1933, se tinha esquecido deles? Será que, pura e simplesmente, os manuscritos adquiridos em 1918 constituíam, apenas, parte do manuscrito da tipografia, e que o resto do espólio (a mais importante para o conhecimento da verdadeira letra da tradição) deu entrada no Museu já depois de 1933? Não sabemos responder. 814 Ver J. Leite de Vasconcellos, Historia do Museu Etnologico Português (1893-1914), Lisboa, Imprensa Nacional, 1915, p. 20. Sobre o trabalho que teve nessa aquisição, escreve: “Quasi me custou tanto a reunir [a colecção arqueológica de Veiga] no Museu, como se eu proprio fizesse as excavações e as buscas que ele fez. Ninguem imagina os passos que dei, as cartas que escrevi, as ralações que tive!” (op. cit., p. 308). 815 816 817 Ver op. cit., pp. 307-8. Ver op. cit., pp. 271-5. J. Leite de Vasconcellos, Etnografia Portuguesa. Tentame de sistematização, I, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1933, p. 259. 249 A verdade é que o precioso espólio romancístico de Estácio da Veiga (e o resto do seu espólio manuscrito, de tema fundamentalmente arqueológico, como dissemos) permaneceu no arquivo do Museu Nacional de Arqueologia, embrulhado, esquecido, até 1975. Nesse ano, uma conservadora do Museu —por estranha coincidência, uma bisneta de Veiga, Maria Luísa E. V. Silva Pereira— iniciou a reorganização do mencionado arquivo, de modo a tornar consultável a numerosa documentação que ali se encontrava depositada a monte. Para tal, procedeu, nomeadamente, à abertura de vários embrulhos, de cujo conteúdo já não havia memória, e, entre eles, estavam os do espólio de Estácio da Veiga. 818 Esse espólio foi, depois, acondicionado em caixas e agrupado do modo em que hoje se encontra. A Doutora Maria Luísa Silva Pereira, porém, não se apercebeu —o que é perfeitamente compreensível, dado ser arqueóloga de formação— da importância de que se revestia a parte do espólio de Estácio da Veiga respeitante ao romanceiro. Por tal motivo, essa parte do espólio continuou ignorada, embora, curiosamente, uma parte dos manuscritos do romanceiro (cremos que o manuscrito preparado para a tipografia) tenha inclusive estado patente ao público, numa vitrina, durante a exposição sobre Estácio da Veiga realizada no Museu Nacional de Arqueologia, em 1978/79. 819 Pela nossa parte, o primeiro contacto que tivemos com a colecção de romances de Veiga pertencente ao Museu deu-se em 1993. 820 Manuscritos Existentes em Casa da Família de Estácio da Veiga Uma outra parte, muito mais pequena, dos manuscritos romancísticos de Estácio da Veiga continua em posse da família, representada actualmente pela Doutora Maria Luísa E. 818 Ver Maria Luísa Veiga Silva Pereira, “Relatório sobre o Arquivo do Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia”, O Arqueólogo Português, 3ª série, 7/9 (1974-1977), p. 18-20. 819 “O 1º Centenário da Carta Archeologica do Algarve. Estácio da Veiga — O Homem e a Obra”, de 29/12/1978 a 28/2/1979 (ver Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, Estácio da Veiga[,] Cientista Algarvio[,] Pioneiro da Arqueologia em Portugal, Lisboa, Casa do Algarve, 1984, p. 22). 820 Sobre as circunstâncias em que chegámos a esta descoberta, ver “Os Manuscritos do Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga...”, cit., pp. 160-1. 250 V. Silva Pereira, de Lisboa. 821 Aí (juntamente com inúmeras poesias originais de Veiga 822 e com os importantes manuscritos —atrás mencionados— do que deveria ter sido o Cancioneiro do Algarve, mas que nunca chegou a ser publicado) estão vários manuscritos (originais e cópias retocadas) de romances e de outros textos orais, de que se destacam os 823 referentes à construção do que veio a ser A Senhora dos Mártires. Manuscritos Existentes na Faculdade de Letras de Lisboa Finalmente, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, existe, como parte do legado de Leite de Vasconcelos, um conjunto de manuscritos de Estácio da Veiga, cuja existência foi revelada há alguns anos por Maria Aliete Galhoz. 824 Segundo esta investigadora, tal conjunto é “um elo já perto do apuramento final que o Autor deu ao Romanceiro do Algarve; mais concretamente [...] [é] o penúltimo documento global manuscrito”, 825 imediatamente anterior aos linguados que foram enviados à tipografia. Informa ainda a autora que o manuscrito da Faculdade de Letras foi oferecido a Leite de Vasconcelos pela família de Veiga, conforme inscrição feita “no verso da capinha de guarda”. 826 Actualmente, aquele manuscrito encontra-se nas instalações do Centro de Estudos Geográficos, da referida Faculdade, integrado num conjunto de documentos legados por Leite de Vasconcelos cuja consulta, segundo informação que obtivemos, não é por enquanto possível. 821 822 A quem muito agradecemos as facilidades concedidas para a consulta e a cópia dos manuscritos. Sobre os manuscritos com poemas originais de Estácio da Veiga, ver Apêndice nº 1. Para mais dados sobre a obra poética do autor, ver J. J. Dias Marques, “Veiga, Sebastião Filipes Martins Estácio da”, in Álvaro Manuel Machado (org.), Dicionário de Literatura Portuguesa, Lisboa, Editorial Presença, 1996, pp. 489-490. 823 Na catalogação (de nossa responsabilidade) desta parte dos manuscritos de Veiga, atribuímos a cada um deles uma cota, sempre iniciada por um F (de “Família”), seguido por um número de ordem — por exemplo: F / 11 (que designa um texto de A Senhora dos Mártires). 824 825 826 Ver “O Romance Vulgar ‘D. Aleixo’ na Tradição Algarvia...”, cit. Art. cit., p. 22. Loc. cit. 251 Embora o estádio do processo editorial que os textos do manuscrito em causa ocupam os torne, em princípio, desnecessários —já que, quase sempre, há, no Museu ou em casa da família, a cópia imediatamente anterior à contida neste manuscrito e, também, aquela que lhe sucede—, a verdade é que, nalguns casos, o manuscrito da Faculdade de Letras pode revelar-se muito importante, pelo menos em um. De facto, como à frente diremos, o único texto de Branca Flor e Filomena existente no Museu Nacional de Arqueologia pertence ao conjunto de linguados destinado à tipografia, e o seu texto (com excepção de pequenos riscados, emendados nas entrelinhas) corresponde ao que foi publicado no Romanceiro do Algarve. Se no manuscrito da Faculdade de Letras existir uma versão de tal romance, ela, por muito retocada que esteja, será sempre anterior ao texto do Museu, e, portanto, indispensável para o estudo do romance em questão. Inventário da Colecção Fornecemos, seguidamente, a lista dos temas (romancísticos e não romancísticos) presentes nos manuscritos de Estácio da Veiga. Apresentamos esses temas divididos em dois grupos: por um lado, aqueles de que, no espólio, existem versões verdadeiramente recolhidas da tradição oral; 827 por outro lado, os temas cujas versões não foram (ou parece não terem sido) recolhidas da tradição oral. Para a arrumação dos temas num ou noutro desses grupos, baseámo-nos em três parâmetros, que combinámos entre si, quando possível: a atestação (ou não) da existência desses temas na tradição oral (através de versões recolhidas por colectores fidedignos); o estilo tradicional (ou não) da linguagem das versões; e as características do documento em que os textos estão escritos. Quanto à última destas características, tenha-se presente que as versões dos romances que apresentam um estilo tradicional foram anotadas, quase todas elas, no que 827 Dizemos “versões recolhidas da tradição oral” e não “versões tradicionais” porque algumas delas, não obstante recolhidas da oralidade, não se encontravam ainda tradicionalizadas. É o caso, nomeadamente, de Santo António e a Princesa, canção narrativa obtida na cidade de Tavira, que está escrita com péssima ortografia, o que mostra que sem dúvida foi recolhida da oralidade e oferecida pelo colector (talvez o próprio informante, alguém provavelmente de origem popular, como mostra a letra muito tosca e o papel de má qualidade) a Estácio da Veiga. Porém, o seu texto repete, com excepções mínimas, um texto escrito seiscentista, como no lugar próprio dizemos. 252 parecem papéis escritos no momento da recolha, por vezes finos e de pouca qualidade, cortados em linguados ou dobrados ao meio, de modo a formar dois linguados. Tais versões, em geral, estão escritas com caligrafia apressada, muitas vezes a lápis, várias vezes por mãos diferentes da de Estácio da Veiga, e frequentemente possuem indicação da localidade em que foram recolhidas e mesmo dados sobre o informante. Muitas vezes, o texto não possui sinais de pontuação nem os travessões indicativos das falas das personagens. Como veremos pelo inventário seguinte, dessas versões há, bastantes vezes, uma ou mais cópias retocadas (que designamos por “textos ‘criativos’”, tendo em atenção que, neles, a versão tradicional foi objecto da “criatividade” do editor), por vezes pouco, outras vezes muito ou até muitíssimo. Pelo inventário, ver-se-á, além disso, que os romances que possuem um estilo tradicional estão, muitas vezes, presentes no espólio em duas ou mais versões diferentes. Sublinhe-se que de mais de metade destes temas (28 num total de 50) não foi publicada qualquer versão no Romanceiro do Algarve, facto que não custa a compreender, já que se trata de textos que “vieram à rede”, tendo Estácio da Veiga —ao decidir fazer um romanceiro de reduzida extensão (ou ao ser obrigado a tal, face à dificuldade que teve para editar a obra, como vimos)— escolhido os temas que, por qualquer motivo, mais lhe agradaram. 828 Quanto aos romances que consideramos não serem tradicionais, as suas versões, geralmente anotadas em folhas grandes, muitas vezes azuis, de bom papel, escritas a tinta, com caligrafia mais ou menos cuidada, sempre da mão de Estácio de Veiga, parecem já passagem a limpo de algo anterior, que aqui surge muito retocado, com estilo pouco (ou mesmo nada) tradicional. Não têm indicação do nome do informante ou do local de recolha. De todos esses textos há cópia (ou cópias sucessivamente mais) retocada(s). Nenhum deles ficou inédito, tendo sido todos publicados no Romanceiro do Algarve (e, três deles, aliás, 828 Não conseguimos encontrar um motivo (além do gosto pessoal, claro) para a selecção de temas feita por Veiga. Inicialmente, como atrás vimos, pareceria que a sua decisão era a de publicar apenas romances que não tivessem sido incluídos no Romanceiro de Garrett: “Passados alguns annos [depois da morte do Visconde] occorreu-me investigar, até onde chegasse o meu alcance, o que, além dos romances populares já publicados, alli [no Algarve] haveria de mais notavel e digno de compilar-se” (Romanceiro do Algarve, p. xxxi). Mas a verdade é que as coisas se não passaram assim, e no seu livro Veiga incluiu alguns romances que estavam já na colecção de Garrett, tendo, pelo contrário, deixado de fora outros que naquela faltavam. 253 mesmo antes), 829 coincidência que não surpreende, uma vez que foi exactamente para saírem impressos que Veiga os escreveu. Tenha-se presente que quando designamos por “textos ‘criativos’” aqueles que, pertencem aos romances não tradicionais, usamos o termo “criativos” num sentido muito mais radical do que quando falamos dos “textos ‘criativos’” do grupo de temas tradicionais. Neste último grupo, os “textos ‘criativos’” são, como dissemos, apenas textos retocados (é verdade que, por vezes, muitíssimo), de versões que, de facto, existiram na tradição; no outro grupo, pelo contrário, os “textos ‘criativos’” são textos totalmente criativos, ou seja, textos que nunca existiram (ou, pelo menos, parece nunca terem existido) na tradição oral do Algarve, sendo da autoria de Estácio da Veiga. Vejamos, então, o conteúdo do espólio de Veiga, tendo em conta quer a parte existente no Museu Nacional de Arqueologia, quer a parte que permanece na posse da família. 830 Textos Recolhidos da Tradição Oral 829 831 A Serrana Fiel foi publicada primeiro no artigo “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2; A Moura Encantada de Tavira saiu no artigo “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2, tendo sido republicada, pelos menos, duas vezes, antes de entrar no Romanceiro do Algarve; e A Senhora dos Mártires Salva um Cativo começou por sair no artigo com o título “A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim”, A Nação, 18/8/1860, pp. 1-2, tendo voltado a ser impressa pelo menos duas vezes antes de 1870. 830 Como dissemos, a grande maioria dos textos pertence ao Museu Nacional de Arqueologia; por isso, quando, em nota de rodapé, nada dizemos sobre a localização dum texto concreto, deve entender-se que ele se encontra naquela instituição. 831 Designamos os temas pelo (ou por um dos) título(s) habitualmente usado(s) pela crítica actual. No caso dos romances existentes só no Romanceiro do Algarve, em geral criámos um título, que, tanto quanto possível, indicasse claramente de que tema se tratava. Não tivemos em conta as contaminações de pouca extensão. Depois do título do romance (ou da canção narrativa ou lírica), indicamos, entre parênteses, o seu número identificativo segundo o catálogo de Manuel da Costa Fontes (O Romanceiro Português e Brasileiro: Índice temático e bibliográfico, cit., I). Caso ele aí falte, fornecemos o número segundo o Índice general del romancero hispánico. Quando o tema também não existe no IGRH (caso dos textos não romancísticos), para que o leitor tenha a certeza de qual o texto-tipo a que nos estamos a referir, indicamos uma obra em que esteja publicada uma sua versão. 254 Romances Aliarda (R1) + Conde Claros Frade (B4) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Aposta Ganha (T2) + Aliarda (R1) + Conde Claros Frade (B4) Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas. Batalha de Lepanto (C7) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 4. O último foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dom Joaquim). Bernal Francês (M5) + Aparição (J2) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Branca Flor e Filomena (F1) Versões tradicionais: faltam. 832 Textos “criativos”: 1. Foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dona Branca). 832 Deste romance, o texto mais antigo (já muito afastado do estilo oral) existente no espólio é o incluído no conjunto de manuscritos que serviu para a tipografia. Porém, há prova de que na colecção de Estácio da Veiga houve uma versão tradicional, recolhida em Olhão, por João Lúcio Pereira, que este remeteu a Veiga, com uma carta, em 16/11/1856. De facto, nessa carta (guardada no espólio, com a cota 7 / 1), Pereira explica que junto remete “as rhapsodias que me tem sido possivel coligir” e, por uma anotação da letra de Estácio da Veiga existente no fim, ficamos a saber que com tal carta, além de outros dois textos, “veiu o romance de D. Branca”. Ora Dona Branca é, precisamente, o título que a Branca Flor e Filomena tem no Romanceiro do Algarve. Não deve pôr-se de lado, obviamente, a possibilidade de que, na referida anotação, Veiga se tenha limitado a designar o texto pelo nome que ele tinha na versão olhanense, e que essa versão não pertencesse ao romance a que, no seu romanceiro, ele deu o título de Dona Branca. De qualquer modo, se existir uma versão de Branca Flor e Filomena no manuscrito da Faculdade de Letras de que atrás falámos, este é um caso em que o referido manuscrito, por ser o mais antigo testemunho conservado, se reveste de especial importância. 255 Cativa Libertada pelo Pai (H12) 833 833 Este romance parece consistir na tradicionalização dum romance vulgar, o qual enversaria a história contada na “patraña” nº 11 do Patrañuelo de Timoneda. Esse romance vulgar estaria, além disso, inspirado também num outro romance (da autoria do próprio Timoneda), incluído numa cena da referida “patraña”, no qual a protagonista canta a história da sua triste vida. O enredo das três versões orais (todas algarvias) conhecidas contém vários pormenores que não existem no romance de Timoneda mas que estão na “patraña” propriamente dita, na sua parte em prosa, o que mostra não terem sido inventados pela tradição oral portuguesa. As versões orais pressupõem, portanto, a existência do referido romance vulgar, talvez em espanhol (hoje perdido ou, pelo menos, desconhecido), posterior a Timoneda, romance do qual os textos recolhidos no Algarve seriam versões (em português). Não podendo, neste lugar, apresentar na sua totalidade os factos em que baseamos as nossas afirmações, limitamo-nos a transcrever alguns versos do início da versão algarvia (tal como surge em 5/C 21, o testemunho mais antigo que dela se inclui no espólio de Veiga; o texto publicado no Romanceiro do Algarve foi bastante retocado) e as passagens que a esses versos correspondem ou no romance de Timoneda ou na parte em prosa da “patraña” (citamos por Joan Timoneda, El patrañuelo, org. de José Romera Castillo, 2ª ed., corregida y aumentada, Madrid, Cátedra, 1986; a “patraña” nº 11 está nas pp. 193-230, e o romance, nas pp. 222-4): Espólio de Estácio da Veiga Timoneda Eu na terra fui gerada 2 Nas ondas do mar nascida En la tierra fui engendrada 2 De meu triste nascimento 4 Mi madre foi fallecida [...] Ao cabo de sete annos 12 Mi ama foi fallecida Eu tomei por devoção 14 Á cova resar-lhe-ia de dentro de la mar nascida, y en mi triste nascimiento 4 mi madre fue fallescida. [...] el ama que me criara 20 murió, dejóme afligida; No romance, falta este pormenor, mas na parte em prosa da “patraña” diz-se que a ama “fue enterrada [...] en un rico sepulcro, [...] de Politanea [a órfão, futura cativa] con mil ofrendas y sacrificios de cadal día visitado” (p. 214) 256 A filha do senador 21 y Dionisia, la mujer 22 de Heliato, combatida (No romance de Timoneda nunca se diz que Heliato era senador; tal informação é dada apenas na parte em prosa da “patraña” — p. ex., p. 213) 16 Oh de raiva que me tinha de envidia de verme hermosa 24 mas que su hija querida, Promettia a um preto 18 A carta de alforria concertó con un esclavo 26 que diese fin a mi vida Para me deitar da ponte abaixo No romance, só se dão estes pormenores sobre o plano do crime, nada 20 Quando eu resar-lhe-ia se dizendo sobre a modalidade que ele devia revestir nem sobre a paga do escravo. Mas na parte em prosa da “patraña” há muito mais pormenores, que correspondem aos do texto algarvio: “Dionisia [...] tomó un esclavo que tenía [...] diciéndole: — Mira, sí tú, cuando fueras con Politania al sepulcro de su ama, al pasar de la puente le dieres tal empujón que caya en el río, y fenescan allí sus días, yo te doy fe y palabra de hacerte que seas franco” (p. 214) Bem recentemente, detectámos a existência duma versão deste romance, há muito publicada. Está incluída no conto “Maria Extravandia”, recolhido por F. Xavier Ataíde Oliveira (Contos Tradicionais do Algarve, I, prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa, Lisboa, Vega, s/ d., pp. 122-6). O achamento deste conto veio complicar a questão, uma vez que ele consiste num resumo de toda a “patraña” nº 11, incluindo, a meio, a versão do romance, cantada pela heroína, tal como acontece em Timoneda. Porém, o conto recolhido por Ataíde Oliveira não pode derivar directamente da “patraña” de Timoneda, pois a versão, que nesse conto se inclui, do romance Cativa Libertada pelo Pai é semelhante à que existe no espólio de Estácio da Veiga, e, portanto, não consiste simplesmente numa tradicionalização do romance incluído por Timoneda na sua “patraña”. Deste modo, o conto de Ataíde Oliveira parece mostrar que existiu um conto que, embora claramente derivado da “patraña” de Timoneda, apresentava o texto dum modo diferente, pelo menos no que diz respeito à letra do romance cantado pela heroína. É possível que esse conto tenha corrido em folheto de cordel, possivelmente espanhol, como pareceriam mostrar os castelhanismos “Mi madre” (v. 4), “Mi ama” (v. 12) e “foi fallecida” (vv. 4 e 12), talvez mesmo “tomei por devoção” (v. 13). É um facto que nas restantes versões algarvias se não encontram castelhanismos (pelo menos tão visíveis como estes), mas tal pode dever-se à rodagem do texto na tradição portuguesa. Além das versões recolhidas por Estácio da Veiga e Ataíde Oliveira, recentemente surgiu outra versão algarvia, apenas do romance. Essa versão (recolhida em Quarteira, em 1999, por Idália Farinho Custódio) apresenta um texto que, embora se pareça com o incluído no conto de Ataíde Oliveira (com o qual partilha vários versos e também o nome da heroína: Maria de Extravandia), não deriva dele nem do de Estácio 257 Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 2. O último foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Captiva). 834 Cativo do Renegado (H3) + Cativo Firme na Fé (IGRH 0317) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 4. O último foi publicado no Romanceiro do Algarve (O Captivo). Cid e Búcar (A14) Versões tradicionais: faltam. 835 Textos “criativos”: 2. O último foi publicado no Romanceiro do Algarve (O Cavalleiro da Silva). Claralinda (M1) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Conde Alarcos (L1) Versões tradicionais: 5. Encontram-se inéditas. Conde Claros e a Princesa Acusada (B2) + Conde Claros Frade (B4) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Conde Claros Insone (B3) + Conde Claros e a Princesa Acusada (B2) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. Conde da Alemanha (M9) da Veiga, subentendendo um arquétipo comum aos três. Muito agradecemos a Maria Aliete Galhoz o conhecimento desta versão de Quarteira, que será publicada brevemente numa colectânea de romances organizada por Idália F. Custódio. 834 Este romance não consta no catálogo de Fontes; o número que acima fornecemos é o que lhe corresponde no Índice general del romancero hispánico, o qual é fornecido pelo catálogo de Flor Salazar (El romancero vulgar y nuevo, preparado en el Centro de Estudios Históricos Menéndez Pidal, con la guía y concurso de Diego Catalán, por..., Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal / Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense, 1999), onde se pode ler um texto exemplificativo (nº 197). Por este catálogo, parece que tal romance (de assonância em á-o, enquanto a do Cativo do Renegado é em é-a) existe apenas na tradição portuguesa e como contaminação em versões do Cativo do Renegado. 835 O texto mais antigo que deste romance existe no espólio não é, de modo algum, produto directo duma recolha na tradição, encontrando-se já bastante próximo do que foi impresso e é extremamente suspeito. Porém, vários indícios a que mais à frente aludiremos provam, segundo pensamos, que Veiga possuiu, de facto, uma versão tradicional deste romance. 258 Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. Conde Ninho (J1) Versões tradicionais: 3. 836 Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dom Diniz). Delgadinha (P2) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Devota da Ermida (L6) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 2. 837 O último deles é antecedente próximo 838 do publicado no Romanceiro do Algarve (Santa Cecilia). D. Aleixo (V2) + Testamento do Apaixonado (K5) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 4. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dom Aleixo). Donzela Guerreira (X5) Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas. Falso Cego (O3), Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. A Fonte das Almas (U65) Versões tradicionais: faltam. 839 Textos “criativos”: 1. É antecedente próximo 840 do que foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Fonte das Almas). 836 Duas destas versões são parecidíssimas, apresentando variantes mínimas. Estando escritas pela mesma mão (a qual é diferente da de Veiga), provavelmente são produto de duas recitações da mesma versão, recolhidas pelo mesmo colector. 837 838 Um destes textos pertence à parte do espólio que é propriedade da família de Estácio da Veiga. Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve, deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia. 839 Embora o texto mais antigo que deste romance existe no espólio esteja já muitíssimo transformado, encontrando-se num estádio próximo do que foi publicado no Romanceiro do Algarve, não há dúvida de que não se trata de invenção de Veiga. Ver, mais à frente, o subcapítulo que dedicamos ao assunto. 840 Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve, deste texto não existe cópia no conjunto de manuscritos que foi para a tipografia. 259 Fonte Fecundante (R4) + Infanta Parida (R2) + Conde Claros Frade (B4) + Gerinaldo (Q1) Versões tradicionais: 4. 841 Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dona Aldonça). Frei João (M2) Versões tradicionais: 4. Encontram-se inéditas. Gerinaldo (Q1) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. Infantina (X2) + Cavaleiro Enganado (T1) + D. Boso e a Irmã Cativa (H2) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 5. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (Almendo). Irmãs Rainha e Cativa (H1) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Má Sogra (L3) Versões tradicionais: 6. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. Morte do Príncipe D. João (C5) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. Morte do Príncipe D. João (C5) + Testamento de Fernando I (A7) + Queixas de D. Urraca (A8) + Afuera, afuera, Rodrigo (A10) Versões tradicionais: 1. Encontrava-se inédita. 842 Textos “criativos”: 4. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dom Rodrigo). 841 Uma das versões não inclui a contaminação de Gerinaldo e uma outra, fragmentária, consta apenas do tema da Infanta Parida. 842 Dizemos “encontrava-se” uma vez que foi recentemente publicada por nós em três ocasiões: Contribuição para o Estudo do Romanceiro do Algarve..., cit., pp. 52-6; “Os Manuscritos do Romanceiro do Algarve ...”, cit., pp. 166-8; e “Subsídios para o Estudo do Método Editorial de Estácio da Veiga no Romanceiro do Algarve” in Gabriela Funk (org.), Actas do 1º Encontro sobre Cultura Popular, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1999, pp. 274-6. 260 Nau Catrineta (X1) + Batalha de Lepanto (C7) Versões tradicionais: 2. 843 Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Nau Cathrineta). Novas da Crucificação Chegam a Nossa Senhora (?)(U16) + O Rasto Divino 844 (?)(U17) + Queixas de Maria Madalena (?)(U18) Versões tradicionais: faltam. 845 Textos “criativos”: 1. É antecedente próximo 846 do que foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Senhora das Angustias). O Pássaro Verde (K7) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Donzella e o Punhal). Princesa Peregrina (K1) + Conde Ninho (J1) Versões tradicionais: 4. 843 844 847 Encontram-se inéditas. Só uma delas tem a contaminação da Batalha de Lepanto. É muito difícil classificar o presente texto, uma vez que dele, no espólio, não existem as versões originais, e Estácio da Veiga, na sua obsessão muito peculiar pela versificação perfeita, o transformou num romance de assonância única, em á-a. Ora a assonância, como se sabe, é, pelo menos no presente estádio da espinhosa classificação do romanceiro religioso, uma característica fundamental para identificar os romances e para distinguir temas cuja história é muito parecida. Portanto, podemos apenas dizer que a história contada no texto publicado por Veiga nos parece ser constituída pela sucessão dos três romances que acima enunciamos (e que, na tradição, têm assonâncias diferentes). 845 Embora o único testemunho que deste romance existe no espólio não seja um original de recolha (como mostram as suas características materiais, sobretudo o facto de estar escrito a tinta, repousadamente, e de possuir toda a pontuação), a verdade é que o texto que contém é, do ponto de vista estilístico, claramente tradicional. De notar, contudo, que, ao longo de todo o poema (nas entrelinhas) e também no seu final, o texto apresenta já várias emendas, início da transformação que o romance sem dúvida sofreu no texto “criativo” subsequente, hoje perdido, reflectidas no texto publicado, de estilo menos tradicional. Note-se, porém, que a Senhora das Angustias talvez seja, no Romanceiro do Algarve, o romance menos retocado. 846 Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve, deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o livro. 847 Só duas das versões incluem a contaminação do Conde Ninho. 261 Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (D. Manoel). Princesa Peregrina (K1) + Testamento do Apaixonado (K5) Versões tradicionais: faltam. 848 Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Enganada). Regresso do Marido (I1) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. Regresso do Navegante (I9) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Noiva Arraiana). Santa Iria (U32) Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: faltam. 849 Existe um texto publicado no Romanceiro do Algarve (Santa Iria). 848 O texto mais antigo que deste romance existe no espólio está já bastante próximo do que foi publicado e é, sem dúvida, fruto de grande transformação editorial. É possível que, pelo menos em parte, tal trabalho “criativo” seja fruto da actuação da pessoa que enviou a Veiga o texto inicial. Na verdade, no referido manuscrito mais antigo (do punho de Estácio da Veiga), existe, no final, a indicação: “Pelo Ill.mo S.r João de Mello Pereira” (5 C / 34v). E, no prólogo com que o romance foi publicado, dão-se pormenores sobre o colector: “O conhecimento deste bello romance devo eu ao meu particular amigo e patricio o sr. João de Mello Pereira, cavalheiro muito distincto da minha terra, que de certo é verdadeiro apreciador destas antigualhas, porque teve educação litteraria, e porque ama a poesia, que em outro tempo cultivou com esmerado zelo” (Romanceiro do Algarve, p. 129). É muito possível, portanto, que uma pessoa assim, ainda que poeta “aposentado”, não tenha resistido a “melhorar” o texto recolhido da boca do povo. Sublinhe-se, contudo, que o texto publicado tem, sem dúvida, uma origem tradicional, pois, além de ser, claro, uma versão da Princesa Peregrina, romance que, como é sabido, existe na tradição portuguesa, se distancia muito do único texto que, então, existia publicado (e que poderia ter sido, além da oralidade, a sua única fonte): a versão de Garrett, no II vol. do Romanceiro. Além disso, a contaminação do Testamento do Apaixonado, no final da versão, é mais um indício da tradicionalidade do texto, muito ocultada, verdade seja, pelo método editorial criativo a que este foi submetido. 849 Deste romance não existe qualquer texto “criativo” no espólio, faltando inclusive no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o Romanceiro do Algarve. No entanto, subentende-se a existência de, pelo menos, um texto “criativo” antes do que está publicado no livro, dado que a 262 Sentença Modificada por Milagre (U66) 850 Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. É antecedente próximo 851 do que foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Senhora da Orada). A Senhora da Piedade Salva uma sua Devota de ser Violada (U67) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. 852 Textos “criativos”: 2. O último deles é antecedente próximo do que foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Senhora da Piedade). Silvana (P1) + Delgadinha (P2) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. versão aí incluída é formada por versos extraídos das três versões tradicionais existentes no espólio, retocados, e entremeados com outros versos inventados (sem dúvida, por Veiga). 850 Embora na maioria das versões que deste romance conhecemos o milagre seja atribuído (tal como na versão recolhida por Veiga) a Nossa Senhora da Orada (por vezes em colaboração com o Bom Jesus da Pedra), não encontrámos referência ao presente milagre em três obras onde se apresentam vários efectuados pela citada Virgem: ver Fr. Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, e Historia das Imagens Milagrosas de N. Senhora, e das milagrosamente Apparecidas [...], VI, Lisboa, na Officina de Pedrozo Galram, 1718, pp. 433-6; P.e José M. Semedo Azevedo, Nossa Senhora da Orada. Seu culto na História de Portugal, s/ l., s/ Ed., 1956; e J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas coligidos por..., coordenação de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, II, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1966, pp. 509-12. Note-se que, embora o templo mais conhecido dedicado à Senhora da Orada seja em Melgaço, Semedo Azevedo refere 14 igrejas ou ermidas portuguesas daquela invocação, uma delas a ermida situada perto de Albufeira, da qual, como se imaginará, Estácio da Veiga não perde ocasião de falar (Romanceiro do Algarve, pp. 188-9), a ela ligando, tacitamente, a criação do romance em causa. 851 Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve, deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o livro. 852 Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve, deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o livro. 263 Textos não romancísticos 853 Confissão de Nossa Senhora (U53) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Deus te Salve, Rosa (T3) Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. Entre Canas e Canais 854 Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas. Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito. A Marquesinha de Loulé 853 855 Deixamos de lado as quadras líricas soltas existentes no Museu Nacional de Arqueologia (um total de 10) e, sobretudo, na parte do espólio que continua na posse da família de Veiga (aí são cerca de 600, como dissemos a seu tempo). Nesta última parte do espólio, contêm-se igualmente algumas orações. Excluímos ainda do inventário uma cópia de O Acalentar da Neta, balada de ambiente medieval, de António Feliciano de Castilho, remetida a Estácio da Veiga por João Lúcio Pereira (Olhão), como se fosse proveniente da oralidade, mas que não apresenta qualquer vestígio de tradicionalização. Ao texto, Veiga apôs, aliás, a seguinte nota: “É este romance composição de A. F. de Castilho, e por isso não pode ir na collecção dos do Algarve” (5 B / 3 d). 854 Despique não compreendido nos catálogos atrás indicados. Versões suas podem ler-se, por exemplo, em Manuel da Costa Fontes, Romanceiro Português do Canadá, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1979, nºs 299-301. 855 Texto culto ou semiculto, lírico, em que se dão conselhos a uma jovem sobre como se há-de comportar em sociedade, do ponto de vista amoroso. Um dos conselhos é que não tenha um amante, mas sim vários. Não é impossível que o texto aluda à infanta D. Ana de Jesus Maria, que foi marquesa de Loulé (pelo seu casamento com o 2º marquês deste título, depois 1º duque, Nuno de Moura Barreto), e de cuja conduta dissoluta muito se falou na época. De notar que o 2º marquês de Loulé sempre despertou os ódios miguelistas, uma vez que, embora originário duma das mais aristocráticas famílias do reino (possuía também o velho título de conde de Vale de Reis) e tendo sido ajudante de D. Miguel (com quem participou no golpe absolutista da Vilafrancada), acabou por se pôr ao lado de D. Pedro, fazendo nesse partido toda a guerra civil. Para mais, depois de esta acabar, juntou-se ao grupo mais radical dos liberais, tendo sido setembrista e inclusive um dos chefes da Patuleia. Foi presidente do conselho por várias vezes, nomeadamente entre 1856 e 1859, ou seja, na época em que a colecção de Estácio da Veiga foi formada [sobre o duque de Loulé, ver, por exemplo, A[lberto] M[artins] de C[arvalho], in Joel Serrão (director), Dicionário de História de Portugal, IV, Porto, Livraria Figueirinhas, 1989, p. 61, e José Mattoso (director), História de Portugal, V: O Liberalismo, [Lisboa], Editorial Estampa, 1993, pp. 115, 123-4 e 127-8]. Ora, como dissemos, Estácio da Veiga era miguelista, e 264 Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Na Escola de Cupido 856 Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (Os Dois Amantes). Príncipe que Enganou uma Pastora é Obrigado a Casar com Ela 857 Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Santo António e a Princesa (U35) 858 provavelmente também o seriam alguns dos seus amigos, entre eles o colector da Marquesinha de Loulé (o presente texto está escrito por uma mão diferente da de Veiga, com uma caligrafia de pessoa instruída). 856 Embora o texto publicado por Veiga seja versificatoriamente um romance, a verdade é que essa forma foi conseguida através das profundas transformações a que o editor submeteu o texto, pois o original existente no espólio é (tal como as restantes versões que do tema se conhecem) em quadras de tipo tradicional. Trata-se dum diálogo engenhoso (despique) entre rapaz e rapariga, de que se podem ler versões, por exemplo, em Fontes, Romanceiro Português do Canadá, cit., nºs 325-6. 857 Parece fragmento duma peça de teatro em verso. Versões suas, parcialmente versificadas (vários dos seus versos são comuns ao fragmento de Veiga), encontram-se em Teófilo Braga, “O Conde Soldadinho”, Contos Tradicionais do Povo Português, I, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1987, pp. 108-9 (é versão algarvia), e em Ataíde Oliveira, “A Pastorinha”, Contos Tradicionais do Algarve, cit., I, pp. 229-230. 858 O texto publicado por Veiga é versificatoriamente um romance, mas tal é produto da grande “criatividade” do editor, pois o original existente no espólio é em quintilhas de heptassílabos. Embora o testemunho original esteja escrito com uma péssima ortografia, facto que, só por si, mostra ter sido recolhido da oralidade, provavelmente pelo próprio informante, e oferecido pelo colector a Estácio da Veiga, a verdade é que essa versão constitui apenas o estádio inicial da tradicionalização dum texto escrito. De facto, reproduz, com diferenças mínimas, um poema da autoria de Francisco Lopes, Sancto Antonio de Lisboa: Primeira e Segunda Parte, do seu Nascimento, Creação, Vida, Morte e Milagres, Lisboa, Por Pedro Crasbeeck, 1610, canto V, estrofes 1428-1440, fóls. 184v-186r (o exemplar que desta obra existe na Biblioteca Nacional não possui frontispício; extraímos do cólofon o nome do autor, do editor, o local e a data; o título citamo-lo tal como aparece em Innocencio Francisco da Silva, Diccionario Bibliographico cit., II, p. 419). Este texto pode consultar-se mais facilmente em Theophilo Braga, Romanceiro Geral Portuguez, 2ª ed., III, Lisboa, J. A. Rodrigues & Cª.—Editores, 1909, pp. 157-159. Braga transcreveu-o da 2ª ed. da obra de Lopes (mesmo editor, 1620), que, em relação à 1ª, apresenta apenas duas variantes lexicais e algumas, pequenas, de ortografia e pontuação. De notar que, na transcrição de Braga, não foi respeitada a divisão em quintilhas que o texto apresenta no original. Além da de Estácio da Veiga, a única versão que conhecemos de Santo António e a Princesa é a publicada por Braga, Cantos Populares do Archipelago Açoriano, cit., nº 72, a qual, embora meio tradicionalizada (bastante mais que a algarvia), mostra ainda claramente derivar do texto de António Lopes. Esclareça-se que não é versão do presente poema o Santo Antônio e a Princesa, canção narrativa brasileira de 265 Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 2. O último deles é antecedente próximo 859 do publicado no Romanceiro do Algarve (Santo Antonio e a Princeza). Santo António Salva o Pai da Forca (U34) Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Vida de Frade (X21) Textos “criativos”: 1. 860 Encontra-se inédito. Vida de Freira (X20) Textos “criativos”: 1. 861 Encontra-se inédito. que Antônio Lopes (Presença do Romanceiro. Versões maranhenses, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967, nº 22) publicou um texto proveniente da oralidade. Ao contrário do que diz Lopes (ver p. 187), esse texto, embora partilhe a história contada na versão de Estácio da Veiga (e, acrescentemos nós, no texto seiscentista), não deriva deste, como prova o facto de não terem em comum um único verso. Arrastado pelo título dado por Antônio Lopes ao seu texto (e, possivelmente, também pela citada afirmação deste autor), Costa Fontes inclui essa versão brasileira na bibliografia do nº U35 (i. e., o poema derivado do Santo António e a Princesa do António Lopes seiscentista) do seu catálogo. 859 Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve, deste texto não existe cópia no manuscrito da tipografia. 860 Embora o único testemunho do Soláo do Frade (assim o designa Veiga) que existe no espólio de modo algum tenha aparência de ser um original de recolha, nem tenha indicação de nome de informante ou de outra índole que autentifique o texto, a verdade é que o seu estilo está perfeitamente de acordo com outras versões que conhecemos deste poema semitradicional. Note-se que o presente texto se encontra na parte do espólio que pertence à família de Estácio da Veiga. 861 Embora o único testemunho que deste “soláo” existe no espólio de modo algum tenha aparência de ser um original de recolha, nem tenha indicação de nome de informante ou de outra índole que o autentifique, a verdade é que o seu estilo está perfeitamente de acordo com outras versões que conhecemos deste poema semitradicional. Deve ter estado prevista a publicação deste texto num jornal. De facto, está acompanhado por um prólogo e, no fim, encontra-se datado e assinado: “Lisboa—1859—Julho—13 / S. P. M. Estacio da Veiga”. As mesmas indicações finais se encontram no texto da Senhora dos Mártires existente no espólio e que saiu n’ A Nação (18/8/1860, pp. 1-2). Além disso, o prólogo tem o título “Cantos populares do Algarve. A Freira. Soláo”, que é claramente paralelo do título de outros dois artigos publicados por Veiga: “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, p. 2 (é aqui que se publica pela primeira vez A Moura Encantada), e “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp. 9-10. Sem forçar demasiado, parece-nos possível que, a ter sido pensado por Veiga para sair n’ A Nação (como antes A Moura Encantada), o motivo de Vida de Freira ali não ter sido publicado seja a feição anticlerical que o poema claramente possui, ao falar da existência de raparigas que professam contra vontade e ao mostrar as 266 Vida de Marujo 862 Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita. Textos “criativos”: 1. 863 Encontra-se inédito. Textos não Recolhidos (ou aparentemente não Recolhidos) da Tradição Oral: Os Calvos (L10) 864 Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (Os Calvos). Cavaleiro Lamenta-se pela Ausência da Amada (X34) 865 Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Ausencia). Cativo em Fuga Morre no Mar (H14) 866 Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (O Encarcerado). Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura (H13) 867 contrariedades da vida monástica. Conforme se sabe, A Nação era o mais importante jornal miguelista, feroz defensor da ortodoxia católica. Acrescente-se que a Vida de Freira pertence à parte do espólio que permaneceu na posse da família de Estácio da Veiga. A maior parte do prólogo escrito por Veiga para a (hipotética) publicação da Vida de Freira acabou por servir de prólogo ao citado artigo sobre A Enjeitada (1861). 862 Este poema lírico (ou, se quisermos, lírico-narrativo) não está classificado nos catálogos que indicámos. Uma versão sua pode ler-se, por exemplo, em Maria Aliete Galhoz, Romanceiro Popular Português, II, cit., nº 1087. 863 864 865 Este texto está incluído na parte do espólio de Veiga que ficou na posse da família. Como à frente veremos, foi feito por Veiga a partir da tradução de um poema de Quevedo. Escrito por Veiga a partir da tradução do romance culto espanhol Triste estaba el caballero, triste está sin alegría (Ochoa, Tesoro, pp. 8-9; em Agustín Durán, Romancero general, é o nº 303). Apresenta ainda alguma influência dum romance de Pedro Manuel de Urrea (Cancionero de todas las obras de dõ..., nuevamente añadido, Toledo, Juan de Villaquirã, 1516, p. lxxiii). 866 Feito por Estácio da Veiga com base no romance Donde se acaba la tierra y comienza el mar de España (Ochoa, Tesoro, p. 504; é o nº 260 do Romancero general de Durán). 867 Conforme veremos, é escrito por Veiga com base num poema de João Francisco Dubraz. 267 Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (O Paladim Cativo). Descrição duma Bela Pastora 868 Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Aldeana). D. Julião (A1) 869 Textos “criativos”: 2. O último deles é antecedente próximo 870 do que foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dom Julião). O Frade e a Freira (S25) 871 Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (O Frade). 872 A Moura Encantada de Tavira (S24) Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Moira Encantada). Pastora Morre de Amor (K12) 868 873 Não surge nos catálogos indicados. A única versão que dele se conhece é a publicada por Veiga, que, como veremos à frente, foi feita a partir da tradução dum romance de Quevedo. 869 Como veremos, foi escrito por Estácio da Veiga com base na tradução do romance espanhol En Ceuta está don Julián. 870 Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve, deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o livro. 871 Deve ser criação de Veiga. Pelo menos, o seu estilo indica que muito dificilmente alguma vez terá existido na tradição oral. 872 873 Conforme veremos, deve tratar-se da versificação, por Estácio da Veiga, duma lenda de Tavira. Embora o texto mais antigo que dele há no espólio não tenha um ar nada tradicional, a história que este romance conta tem maior complexidade que a dos romances totalmente escritos por Veiga. Assim, não é impossível que se trate duma canção narrativa culta ou semiculta que ele, de facto, tenha recolhido, e, provavelmente, retocado muito, sobretudo se o poema inicial não tinha forma romancística e Estácio da Veiga (na sua obsessão de reduzir todos os textos narrativos a romances) o transformou muito com esse objectivo. Note-se ainda que Veiga afirma, no prólogo do romance (p. 142), que a melhor versão que desse texto possuía foi por ele recolhida em Tavira, na feira de S. Francisco, a 3 de Outubro de 1857, de uma informante de Martim Longo. Embora sabendo nós o pouco crédito que o editor algarvio merece em questões de genuinidade das versões de que fala, a quantidade de pormenores que, neste caso, ele dá cremos que devem fazer-nos pensar um pouco antes de decidir. 268 Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Pastora). A Senhora dos Mártires Salva um Cativo (H11) Versões tradicionais: 4. Textos “criativos”: 3. 875 876 874 Encontram-se inéditas. O último deles é antecedente próximo 877 do que foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Senhora dos Martyres). 878 A Serrana Fiel (J11) Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Serrana) 874 875 Como veremos, foi escrito por Veiga, com base numa lenda de Castro Marim. Um destes textos é versão duma lenda, em prosa, e os três textos restantes são versões duma oração-canção narrativa. Os três últimos não tiveram papel na génese do romance escrito por Veiga, que é, fundamentalmente, a versificação da lenda. Informe-se que, com excepção dum deles, todos os quatro textos tradicionais aludidos pertencem à parte do espólio de Estácio da Veiga que permanece em casa da família. 876 877 Todos estes textos estão no parte do espólio de Veiga que é pertença da família. Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve, deste texto não existe cópia no maço de linguados que foi para a tipografia. 878 Deve ser criação de Veiga. Pelo menos, nunca deve ter existido na tradição oral, conforme mostra o seu estilo e tema. VI DOIS ROMANCES VERDADEIROS, MAS APARENTEMENTE PROBLEMÁTICOS O Caso do Cid e Búcar Como vimos na lista atrás fornecida, há certos romances que, embora deles faltem no espólio versões claramente recolhidas da tradição, não podemos considerar serem produto da inventiva de Veiga, pelos motivos que, em nota de rodapé, no lugar respectivo, enunciámos. Dois desses romances, porém, talvez necessitem duma explicação mais detalhada, que agora passamos a dar. O primeiro de tais romances é o Cid e Búcar. Conforme dissemos, o texto mais antigo que dele existe no espólio (e que, a partir de agora, designaremos como testemunho A) está, sem dúvida, muito transformado em relação às versões tradicionais, incluindo já, até, a cena final, em que a rapariga foge com um cavaleiro cristão, totalmente inventada por Veiga (ou por quem lhe deu a versão). Passamos a transcrever esse testemunho; mas, antes, fornecemos o conjunto de símbolos 879 que usamos no aparato genético. Incluímos desde já nesta lista alguns símbolos que não foram necessários na transcrição seguinte, mas de que nos serviremos mais à frente, na transcrição de outros manuscritos: [ ] = acrescento (quando sozinho, significa que o acrescento foi feito na linha) [↑] = acrescento na entrelinha superior [↑↑] = acrescento na segunda entrelinha superior [ ] = acrescento na entrelinha inferior [ ] = acrescento na segunda entrelinha inferior [ 879 ] = acrescento na margem esquerda Adaptado do que usam os membros da Equipa Pessoa nas suas edições. Ver, por exemplo, Fernando Pessoa, Poemas de Ricardo Reis, edição de Luiz Fagundes Duarte (Edição Crítica de Fernando Pessoa. Série Maior, vol. III), Lisboa, Imprensa Nacional—Casa da Moeda, 1994, p. 218. 270 [ ] = acrescento na margem direita [marg. sup.] = acrescento na margem superior < > riscado < >[ ] = substituição por riscado e acrescento < >/ \ = substituição por sobreposição /*/ = leitura duvidosa /†/ = ilegível /a lápis/ = o segmento indicado está escrito a lápis, num contexto escrito a tinta /a tinta/ = o segmento indicado está escrito a tinta, num contexto escrito a lápis Eis, agora sim, o testemunho A do Cid e Búcar: O Cavalleiro da Silva Chega-te cá, minha filha, 2 Linda filha da minha alma, Vai-te por esses sobrados 4 E sobe áquella varanda, Verás um lindo moirinho 6 Quando estejas debruçada. Detem-no alli, detem-no 8 Com tuas doces palavras, Antes que ellas sejam poucas, 10 Que sejam arrezoadas; Filha, de quando em quando 12 Sejam de amores tocadas. — Que heide eu dizer, meu pae, 14 Se de amores não sei nada? Moriana sobe ao balcão 16 Muito bem ataviada, Logo vira o tal moirinho, 18 880 Que por outra não andava: Cota: 5 C / 12r-13v. 880 271 Assim que ella apparecia 20 Elle bem que a saudara. — Deus te salve, ó bom moiro, 22 Lindo encanto da minha alma, Ha sete annos que ando 24 Por ti louca enamorada. — Tambem eu na minha terra 26 Já por ti venci batalhas. — Se eu cuidara de assim ser 28 Já para ti me voara; —Assim é... ái mesmo aqui 30 Nos meus braços te aparara. — Ai corre dahi bom moiro, 32 Não digas que te eu fallava. De além vem um cavalleiro, 34 Seu cavallo relinchava;1 O cavallo era branco, 36 Dom da Silva o cavalgava. — Não m’ importa Dom da Silva 38 Nem a sua gente armada; Se por aqui me não queres, 40 É que és sua namorada. Tem-te, tem-te, ó moirinho, 42 Ouve-me uma palavra. — Como te heide ouvir, senhora, 44 Se do cavalleiro a lança Já me atravessa o corpo, 46 E o ferro me entra n’ alma? — Era por manhã de maio 48 Cavalleiro alli chegava. Moriana ama o christão, 50 Como ao moiro não amava; Nem o pae nem o amante 52 Daquelle amor a voltava. 272 Inda não era solposto 54 Remedio ninguem lhe dava; Co’ o cavalleiro da Silva 56 1 Moriana cavalgava. Seu cavallo que rinfava Aparato genético [ Margem de 5 C / 12r 3 A Vide na collecção de rhapsodias o romance do moiro.] Va<e>/i\-te por esses sobrados. Uma vez que Veiga parece considerar erro ortográfico a forma de vai escrita com e, adoptámos, no texto, a forma com i, que, aliás, é a que se encontra no testemunho B. 4 <E> <s>/S\obe <áquella varanda,>[↑ além aquella escada] 9 Antes que ellas <p>/s\ejam poucas, A letra riscada parece subentender uma forma anterior do verso em que se diria poucas sejam, a qual, porém, não nos pareceu lícito restaurar no texto. — Que <*e>/h\eide eu dizer, meu pae, Uma vez que o e parece um deslize ortográfico de 13 Veiga, não o adoptámos no texto. 14 Se [eu] de amores não sei nada? 17 <†>/Lo\go vira o <†>/tal\ moirinho, 27 — Se <eu> cuidara de assim ser 28 <Já>[↑Eu] para ti me voara; 29 — [Se] Assim 30 Na entrelinha inferior deste verso, há o sinal #, que remete para outro igual, posto na 881 é... ái mesmo aqui margem esquerda do documento, antes dos versos que constituem o acrescento seguinte: 30a [ 30b Ao longe /* bem/ que assomava 30c Cavalleiro de armas brancas 30d Que sobre a areia voava 30e Montado em <negro>[↑ rijo] cavallo 30f Que pela <*p>/b\occa espumava, 30g E com elle tambem vinha 30h Uma nobre cavalgada.] 32 Não <†>/di\gas que te eu fallava 881 Ditas que eram taes palavras Não obstante Assim passe, depois do acrescento, a ser a segunda palavra do verso, a maiúscula com que está escrito não foi emendada. 273 34 <Seu cavallo relinchava;1>[↑↑ Com espada, lança e malha;] 34a [↑ O cavallo estava longe] 34b [ E ja bem que relinchava1] 56 Moriana <cavalgava.>[↑ se apartava.] Como é sabido, em Portugal o Cid e Búcar só existe em Trás-os-Montes (onde é raro) e nos Açores e na Madeira (regiões onde se encontra atestado com apenas duas versões cada). Quanto ao Algarve, depois do texto publicado por Veiga, nunca mais aqui voltou a ser recolhido. Este vazio, combinado com o facto de, como dissemos, o texto existente no espólio não ser, de modo algum, tradicional, encontrando-se, pelo contrário, retocadíssimo, torna ainda mais suspeita a versão do Romanceiro do Algarve. 882 A conclusão pareceria ser, portanto, a de que Estácio da Veiga se teria limitado a traduzir um texto espanhol, que depois transformou muito. Mas esta hipótese não parece de modo algum provável. Na verdade, a única versão de que Veiga podia dispor era a do Cancioneiro de Antuérpia, s/ d. (“Helo, helo por do viene / El moro por la calçada”), republicada no Tesoro de Ochoa, 884 883 que estava obra que, conforme a seu tempo dissemos, era a fonte pela qual o autor algarvio conhecia o romanceiro velho. Ora, cotejando atentamente o texto antigo com o de Veiga, em apenas 6 versos deste último (num total de 66) se poderá achar qualquer traço discursivo daquele. Trata-se dos seguintes versos: Estácio da Veiga 1 882 Chega-te cá, minha filha Ochoa 25 Venid vos acá, mi fija A esta versão, aliás, Samuel G. Armistead e Joseph H. Silverman chamam “dreadful nineteenth- century manipulation” (Folk Literature of the Sephardic Jews, II: Judeo-Spanish Ballads from Oral Tradition, I: Epic Ballads, Berkeley/Los Angeles/London, University of California Press, 1986, p. 238, nota 9). 883 Cancionero de romances impreso en Amberes sin año, edición facsimil con una introducción por R. Menéndez Pidal, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1914, fóls. 179r – 180v. 884 Tesoro de romances, cit., nº XLIII, p. 185. 274 Detem-no alli, detem-no 8 30 Com tuas doces palavras Ha sete annos que ando 24 Detiénemelo en palabras Por ti louca enamorada. 30b Ao longe /* bem/ que assomava Siete años ha, rey, siete, 42 Que soy vuestra enamorada 46 El buen Cid ya se asomaba Como vemos, trata-se de muito pouco para se poder concluir por uma falsificação de Veiga. Além disso, duas das passagens suspeitas existem, afinal, também em formas discursivamente muito próximas noutras versões modernas: Estácio da Veiga 8 24 Outras versões tradicionais detém-m’ aquele mourinho de Detem-no alli, detem-no 6 Com tuas doces palavras palavras em palavras Ha sete annos que ando 6 Por ti louca enamorada. que sou tua namorada 885 há sete anos, ó bom moiro, 886 Antes de prosseguirmos, parece-nos necessário abrir aqui um parêntese a propósito do v. 30b: “Ao longe /* bem/ que assomava” (que no texto publicado no Romanceiro do Algarve —doravante designado como testemunho B— aparece com a forma “Lá muito ao longe assomava”). Como dissemos, esse verso é um dos raros em que é possível encontrar uma semelhança discursiva com a versão velha, transcrita por Ochoa, que Veiga poderia ter conhecido e na qual se poderia ter inspirado para escrever o seu texto. Naturalmente, é o verbo “assomar”, pouco habitual em português, que levanta dúvidas. Ora, conforme vimos pela transcrição, este verso pertence a um conjunto de versos (vv. 30b-30h) acrescentados por Estácio da Veiga na margem de A, pelo que parecem não proceder do texto tradicional mas serem, isso sim, fruto da inventiva do editor, hipótese que a análise da sua linguagem (ver mais à frente) corrobora totalmente. Deste modo, sendo esse verso da autoria de Veiga, pareceria deduzir-se que, ao contrário do que defendemos, o editor algarvio teria conhecido, efectivamente, a versão de Ochoa, e nela se teria inspirado (pelo menos, num momento já tardio do processo editorial criativo), para transformar o seu texto. 885 Versão trasmontana, apud Pere Ferré, Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna. Versões publicadas entre 1828 e 1960, cit., nº 35. 886 Versão açoriana, apud Ferré, op. cit., nº 42. 275 Acontece, porém, que no conjunto de versos acrescentado a que este pertence, se encontra outro verso que, pelo contrário, pode ser visto como vestígio de algo existente em versões tradicionais: 30c Cavalleiro de armas brancas 30d Que sobre a areia voava Não nos referimos ao “Cavalleiro de armas brancas” (que, como diremos à frente, talvez seja simples recordação dum verso célebre de Garrett), mas sim ao “voava”, verbo que, aplicado embora à fuga de Búcar (e não à chegada do Cid, como em Veiga), encontramos em textos fidedignos, provenientes da tradição oral moderna: 20 Fugiu por um vale abaixo, não fugia que voava 887 ou 23 Botou por um vale abaixo, não corria que voava 888 E o mesmo verbo surge também pelo menos numa versão espanhola do romance: (fala o mouro:) que si bien corre bauieça mi yegua buela sin alas. 887 888 889 Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 37. Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 38. Um verso igual surge noutra versão trasmontana, apud Ferré, nº 39. 889 Cena da Comedia de las haçañas del Cid, apud Diego Catalán, “Helo, helo por do viene el moro por la calzada. Vida tradicional de un episodio del Mio Cid”, Siete siglos de romancero (Historia y poesía), Madrid, Editorial Gredos, S. A., 1969, p. 155. A versão do Cid e Búcar que esta cena inclui, embora não pertencente, claro, à tradição oral moderna (a peça em causa, anónima, foi publicada em 1603), é independente do texto do Cancioneiro de Antuérpia, s/ d. (o transcrito por Ochoa). 276 Parece-nos, portanto, claro que o v. 30d do acrescento de Estácio da Veiga (Ao longe /* bem/ que assomava), embora redigido por ele, pode estar inspirado numa passagem que existisse na versão tradicional de que dispunha. E, a ser assim, parece perfeitamente possível pôr também a hipótese de o verbo pouco corrente “assomar”, incluído no mesmo acrescento tardio, ter igualmente existido em qualquer parte da versão oral recolhida por Veiga. Em última análise, aliás, talvez este verbo, com o seu suspeito ar arcaico, seja mesmo fruto da pena de Estácio da Veiga, mas tenha sido inventado independentemente da versão de Ochoa, com a finalidade de dar ao texto um toque medieval, processo que se encontra noutras passagens do texto e que analisaremos mais à frente. Repare-se, finalmente, que outro pormenor dos versos, acrescentados à margem, “Cavalleiro de armas brancas / que sobre a areia voava” poderá ser, também, ele proveniente de algo que terá existido, de facto, na versão algarvia recolhida por Veiga. Referimo-nos ao facto de o cavaleiro voar “sobre a areia”. Na versão antiga, não há referência ao tipo de terreno por onde passa Búcar ao fugir, mas certas versões espanholas explicam que o mouro “Deja los caminos anchos y se va por las aradas”. 890 Tal pormenor é usado, nessas versões espanholas, “simplemente, para expresar que el moro huye a campo a través”, mas, nalgumas versões portuguesas, o mesmo pormenor serve para explicar o atraso que o mouro sofre, pois o seu cavalo acaba por se atolar (ou quase) na terra recém-lavrada. 891 O facto é expresso pela maldição lançada por Búcar, em versos como “— Mal o hajas las lavradas e os toiros que as lavraram!” lavrada”, 893 890 892 ou “— Leve o diabo o lavrador que lavra a terra tão bem e, mais claramente ainda, por uma explicação do narrador: “o vale estava Versão leonesa, publicada em Diego Catalán e Mariano de La Campa, Romancero general de León. Antología (1899-1989, preparado por..., con la colaboración de Débora Catalán, Paloma Esteban, Ángeles Ferrer y Maite Manzanera, composición a cargo de Suzanne Petersen, Madrid, Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense de Madrid / Diputación Provincial de León, 1991, nº 0045:02, p. 14, v. 30. 891 Ver Catalán (Siete siglos, cit., p. 199, de onde extraímos a citação que fornecemos acima), ao que sabemos o primeiro autor a chamar a atenção para o facto. 892 Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 38, v. 26. Um verso quase igual surge na versão nº 39, v. 23. 893 Versão madeirense, publicada em Pere Ferré, com a colaboração de Vanda Anastácio, José Joaquim Dias Marques e Ana Maria Martins, Romances Tradicionais, [Funchal], Câmara Municipal do Funchal, 1982, nº 8, v. 15. 277 lavrado, o cavalo se lhe atolava”. 894 Revelando-se, portanto, a questão do tipo de solo tão importante na tradição portuguesa, não parece abusivo pôr a hipótese de algo semelhante aos versos acima citados ter existido na versão de Veiga, e de este o ter usado, aplicando-o embora à chegada do cavaleiro cristão (o “sucessor” do Cid) e não à fuga do mouro. Fechando o parêntese aberto para resolver o problema que poderia representar a forma “assomava”, continuemos a apresentar as razões por que consideramos de origem oral a versão do Cid e Búcar que (inegavelmente bastante retocada, verdade seja) surge no testemunho A. Não é apenas o facto (que esperamos ter deixado claro) de o discurso da versão algarvia não ser um eco da versão do Cancioneiro de Antuérpia que evidencia a proveniência tradicional do mencionado texto. Não: na história contada pela versão algarvio há dois pormenores que faltam no texto velho, mas que, pelo contrário, existem em todas (ou quase) as versões modernas: referimo-nos, por um lado, à pergunta da filha do Cid ao pai e, por outro, à fala em que esta avisa o mouro da traição armada contra ele. Vejamos: Estácio da Veiga Outras versões tradicionais — Que heide eu dizer, meu pae, 9 14 Se de amores não sei nada? amores não sei nada? — Ai corre dahi bom moiro, 32 34 — Como farei isso, meu pai, s’ eu d’ 895 — Vai-te daí, ó mourinho, que eu não Não digas que te eu fallava. quero ser falsa, De além vem um cavalleiro, 16 Seu cavallo relinchava; na calçada os cavalos [d]e el-rei meu pai já relincham 896 Por outro lado, são vários os exemplos de versos do texto algarvio que, embora contando pormenores presentes na história do texto velho, estão, do ponto de vista discursivo, longe deste, mas, pelo contrário, próximos das palavras de algumas versões tradicionais modernas. Vejamos os casos mais salientes: 894 Versão trasmontana, apud Ferré, Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna, cit., nº 38, v. 24. Um verso igual surge na versão nº 39, v. 22. 895 896 Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 34. Versão cit. 278 Estácio da Veiga 10 12 Outras versões tradicionais Antes que ellas sejam poucas, 3 As palavras sejam poucas, sejam Que sejam arrezoadas bem arrematadas, Filha, de quando em quando 4 Sejam de amores tocadas. de amores tocadas. essas poucas que lhe deres sejam 897 — Las palabras sean pocas y muy 16 bien arrazonadas. 898 899 26 Já por ti venci batalhas. 24b que por ti riendo batallas. 28 Já para ti me voara; 25b por este balcón me echaba! — Assim é... ái mesmo aqui 26 30 Nos meus braços te aparara brazos te aparara 37 Dom da Silva 901 897 898 899 900 901 — Si de veras me lo dices, en mis 900 902 6 D. Cidro 6 D. Alcidro 903 Versão açoriana, apud Ferré, op. cit., nº 42. Versão leonesa, apud Catalán, op. cit., p. 164. Versão andaluza, apud Catalán, op. cit., p. 169. Loc. cit. É possível que o informante tenha dito “o Dom Silva”, e que Veiga, para corrigir o que lhe parecia um erro tolo (usar o título de “Dom”, imediatamente antes dum apelido, e não dum nome próprio), criou o semi-aristocrático “Dom da Silva”, imaginando que podia haver por ali alusão a “um cavalleiro da Ordem da Madre-Silva”, a um “daquelles esforçados guerreiros que militavam debaixo da verde bandeira da madre-silva, daquelles que acompanharam o Mestre de Aviz e o Condestabre aos campos de Aljubarrota” (Romanceiro do Algarve, p. 11). Não pondo em dúvida os conhecimentos históricos de Estácio da Veiga, que sem dúvida eram muitos (como mostram várias das suas obras — ver, no Apêndice nº 1, a sua bibliografia), e as suas muitas leituras neste campo, não queremos deixar de referir que, no Romanceiro de Garrett, no prólogo do D. Aleixo, aparece a seguinte passagem, que Veiga bem conhecia: “este romance [...] cheira aos perfumes do boudoir de uma nobre donzella do tempo da ‘Madre-silva’ ou da ‘Ala-dos-namorados’. Se o cantaria o condestabre á sua dama?” (II, p. 86). Dizemos que Veiga “bem conhecia” esta passagem porque ele próprio a cita no prólogo à sua versão do D. Aleixo: “como diz o nosso poeta [refere-se a Garrett] [...] [o romance em causa] cheira a um salão da meia idade, aos perfumes do boudoir de uma nobre donzella do tempo da Madresilva, ou da Ala-dos-namorados” (Romanceiro do Algarve, p. 24). A alusão de Veiga à referida ordem poderá, portanto, ser influência da leitura do Romanceiro de Garrett. 902 Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 34. 279 38 — Não m’ importa Dom da Silva 11 — Não tenho medo a seu pai nem à sua Nem a sua gente armada gente armada. 904 Tem-te, tem-te, ó moirinho, Atendedeme mi yerno 42 Ouve-me uma palavra oyades me una palaura 44 Se do cavalleiro a lança 22 Já me atravessa o corpo, à água. 46 905 a lança ficou no corpo e o pau caiu 906 E o ferro me entra n’ alma? Pensamos que estas coincidências provam que Veiga teve, de facto, uma versão do Cid e Búcar recolhida da oralidade, e que a origem do texto por si publicado não foi o Tesoro de Ochoa, ao contrário do que poderia parecer (e do que aconteceu com o Dom Julião que ele publicou, conforme a seu tempo veremos). Aliás, pensamos mesmo que Veiga não deve sequer ter conhecido a versão do romance incluída em Ochoa. De facto, reparemos nas diferenças que a versão de Veiga apresenta, em relação a todas as restantes deste romance (incluindo a versão velha), quanto à identidade das personagens e à própria história: o pai e a filha não são cristãos, mas sim mouros; o mourinho não vem atacar a cidade, mas sim namorar com a rapariga; o pai da jovem está conluiado com o mourinho, e quer que filha namore com o rapaz, pelo que, ao mandá-la dizer “doces palavras” ao mouro, não está a querer atrair a atenção deste para, pelas costas, o atacar, mas, bem pelo contrário, está a propiciar o namoro; quem ataca o mourinho não é, portanto, o pai da jovem, mas sim um cavaleiro cristão que nada tem a ver com os “sitiados”; esse cavaleiro e a jovem estavam apaixonados, e o seu amor era contrariado pelo pai desta, o qual queria que ela casasse com o mouro. Ora uma história tão diferente —cujos meandros, aliás, um leitor habituado ao Cid e Búcar “normal” apenas compreende depois de reler o texto algarvio com muita atenção (e, sobretudo, depois do resumo que Veiga apresenta no prólogo do romance...)— é impossível que seja invenção deliberada de Veiga, pois, se assim fosse, não se entenderia, no espírito global que preside ao Romanceiro do Algarve, a finalidade de tais transformações. Essas 903 904 Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 36. Versão trasmontana, publicada em J. J. Dias Marques, “Romances dos Concelhos de Bragança e de Vinhais”, Brigantia, IV, 4 (Out./Dez. 1984), p. 534. 905 Cena da Comedia de las haçañas del Cid, apud Catalán, op. cit., p. 155. Tanto quanto sabemos, foi Catalán o primeiro a chamar a atenção para o paralelo que estes versos apresentam com os da versão algarvia (ver op. cit., p. 206). 906 Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 34. 280 transformações não nos parecem intencionais, mas sim, pelo contrário, fruto de confusão, palpite errado de alguém que se deita a adivinhar, a tentar compreender uma versão cuja história lhe parece (e talvez fosse, de facto) pouco clara. É bem possível, na verdade, que o início truncado do texto no testemunho A (testemunho onde, como vimos, brilham pela ausência a chegada de Búcar a Valência, as suas maldições e o desafio lançado ao Cid) já se desse na versão que Veiga conseguiu da oralidade, e que, por arrastamento, também faltasse (ou não fosse claro ao olhos de Veiga —como, de facto, não costuma ser claro na tradição— 907 , o que daria o mesmo resultado) que o conselho do Cid à filha para ir falar com Búcar visava apenas distrair este para o apanhar à traição. Conforme se sabe, a erosão do texto no início dos romances não é facto raro, nomeadamente em versões mal recordadas pelos informantes, e, no caso do Cid e Búcar, tal corte (acompanhado, também ali, pela omissão do segmento que explica o estratagema do Cid) está inclusive atestado noutra versão portuguesa, mais precisamente madeirense. 908 A hipótese, repetimos, de que tal duplo desaparecimento se tivesse dado também na versão recolhida por Veiga parece-nos, além disso, a única capaz de explicar as referidas transformações, tão profundas, a que ele submeteu o texto. Na verdade, ao faltar o início, como poderia Veiga saber que o pai e a filha são cristãos? Como poderia saber que o pai, ao dizer à filha Detem-no alli, detem-no 8 907 Com tuas doces palavras, De facto, nas versões tradicionais, as palavras do Cid à filha deixam meio subentendido o motivo da ordem que lhe dá de ir falar com o mouro, e só no final do texto se percebe totalmente que o Cid visava ir por trás atacar o inimigo, enquanto este estava distraído. Vejamos um exemplo: 8 — Vai-te daí, minha filha, com costura e almofada, entretém-me aquel’ mourinho de palavra em palavra, 10 dá-lhe palavras d’ amores, poucas, que vão bem tocadas. — Como farei, ó meu pai, s’ eu d’ amores não sei nada? (versão transmontana, apud Ferré, op. cit., nº 37) 908 Ver Pere Ferré, Romances Tradicionais, cit., nº 8. Sublinhe-se que, não obstante esta dupla falta, a presente versão conclui-se com a chegada do pai da jovem, a fuga do mouro e a morte deste, mostrando que a informante, não obstante ter esquecido (?) o início do romance, não esquecera que o texto girava, de facto, à volta duma rivalidade entre o Cid e o mouro. Diga-se que a informante desta versão sempre a recitava com o truncamento do início, como se verifica pelo facto de ele já faltar numa recitação anterior àquela que Ferré publica (ver lista das variantes, no fim do texto) e por continuar a faltar na recitação que, anos depois, em 1985, nós próprios gravámos da mesma senhora (para a série de televisão O Romanceiro, episódio nº 2). 281 Antes que ellas sejam poucas, 10 Que sejam arrezoadas; Filha, de quando em quando 12 Sejam de amores tocadas, não a está a incitar ao namoro com Búcar, mas sim a preparar um estratagema para surpreender este pela retaguarda e o matar? Como poderia Estácio da Veiga saber que o cavaleiro cristão que, no fim do texto, surge é o próprio pai da jovem? No fim da versão recolhida por Veiga, figurava, sem dúvida (como mostra o testemunho A), a chegada dum cavaleiro, o choque dele com o mouro e talvez a fuga deste, do mesmo modo que figuram ambas na referida versão madeirense, também ela de princípio truncado. Só que é muito possível que, ao contrário do que acontece com a mencionada informante madeirense, o informante algarvio já não entendesse a relação de identidade entre o cavaleiro que aparecia no fim e o pai que aparecia no início (ou não a tivesse explicitado ao colector, facto que teria a mesma consequência); ou então (o que, mais uma vez, iria a dar ao mesmo) que, embora o informante a tivesse explicitado a Estácio da Veiga, este não tenha acreditado nas palavras dele, convencido como estava —opinião expressa em várias passagens do Romanceiro do Algarve— de que a tradição oral moderna não é de fiar. Seja como for, parece-nos quase certo que, na mente de Veiga, o Cid e Búcar que recolhera apresentava um enredo confuso, em que era necessário pôr lógica. E, arrastado pelas histórias, tão correntes na sociedade oitocentista (e na de todas as épocas, claro, mas que então, em Portugal, nomeadamente com Camilo, começavam a ser denunciadas pela literatura), de casamentos preparados pelos pais contra a vontade das filhas e contradizendo inclinações que estas já tinham por outros homens, Estácio da Veiga imaginou a história que vimos, dando-lhe um fim quase camiliano de duelo entre os rivais e fuga dos apaixonados. Diga-se, além disso, ser possível que a invenção do duelo (ou melhor, a invenção de o encarar como duelo entre competidores pela mão da jovem, uma vez que, sem dúvida, na versão tradicional recolhida por Veiga, havia também um duelo, ou esboço dele, entre o Cid e Búcar, como sempre surge nas versões orais) e, sobretudo, a invenção da fuga final do vencedor com a jovem estivessem, na mente de Estácio da Veiga, relacionadas com o duelo entre o cavaleiro cristão e o mouro guardador da infantina (e que por ela estava apaixonado), o ferimento do mouro e a fuga do cavaleiro com a menina que Veiga inventou para o final da 282 sua versão da Infantina, consciente ou inconscientemente inspirado no famoso poema 909 apócrifo No Figueiral, Figueiredo. 909 Um dos aspectos mais interessantes da época romântica (em Portugal e em toda a Europa) é o dos textos a que falsamente se atribui um estatuto que não têm. Tal questão é muito importante no que diz respeito a numerosos poemas e contos pretensamente recolhidos da oralidade, conforme adiante veremos. Mas não são só esses os falsos que encontramos neste período. Certos poemas apócrifos, apresentados como escritos em épocas muito recuadas, surgem repetidamente publicados ou citados em revistas ou livros oitocentistas. Tratase das chamadas “cinco relíquias da poesia portuguesa”, como lhes chama Teófilo Braga, às quais, aliás, já fizemos referência, ao falarmos do Cancioneiro Popular (1867) deste autor. O mais famoso desses apócrifos é No Figueiral, Figueiredo (conhecido também como Canção —ou Trovas— do Figueiral), poema narrativo atribuído a um autor medieval chamado Goesto Ansures. O poema foi publicado pela primeira vez por Frei Bernardo de Brito, seu provável autor [ver Monarquia Lusitana. Parte Segunda, introd. de A. da Silva Rego, notas de A. A. Banha de Andrade e M. dos Santos Silva, Lisboa, I.N.C.M., 1975 (reed. facsimilada da 1ª ed., 1609), fol. 296v] e republicado, logo em 1629, por Leitão de Andrada (Miscellanea, cit., pp. 25-6). O texto estaria baseado no salvamento das donzelas, que todos os anos eram enviadas ao emir de Córdova, como tributo a que estava obrigado o rei cristão das Astúrias. No poema, Goesto Ansures conta como encontrou as donzelas num bosque, e como, para as salvar, lutou com o mouro que as guardava. Estácio da Veiga sem dúvida que conheceu esse texto e, de modo consciente ou inconsciente, deve tê-lo imitado no episódio que inventou para a sua Infantina. Sem propósitos de exaustividade, mas apenas para mostrar como o poema foi muito difundido durante o Romantismo, e como, portanto, Veiga com ele se deve ter deparado várias vezes, apresentamos no Apêndice nº 5 a lista das republicações de No Figueiral, Figueiredo que encontrámos durante as nossas leituras, assim como as baladas ou contos que em tal poema se inspiram. Nas Epopêas da Raça Mosárabe (cit., pp. 173-207), Teófilo Braga fala longamente sobre a Canção do Figueiral, em cuja genuinidade acredita piamente. Na p. 203, depois de lembrar que Miguel Leitão de Andrada diz ter ouvido o Figueiral a uma informante do Algarve, afirma haver uma versão algarvia em que esse poema está “interpolad[o] no romance da Infantina, e a que no Algarve ainda hoje se chama Almendo, talvez da terra Valldalmiellos[sic], que tambem pagava os votos de Sam Thiago”. Passa a transcrever (pp. 203204) aquilo a que chama “versão oral da Canção do Figueiral” (e que explicitamente extraiu da colecção de Veiga). Trata-se de parte do Almendo (Romanceiro do Algarve, pp. 40-44), mais precisamente a partir do verso “Que fazeis aqui, senhora” (p. 41), cortando, além disso, os versos que vão de “Encantada me leixaram” (p. 41) até “Lá tereis albergaria” (p. 43). Põe em itálico os versos seguintes: “Aqui me trouveram [que transcreve “trouxeram”] moiros” (p. 41), “infanta que fugia”, “Perro moiro lhe saía, / Que era quem a vigiava, / Que era quem a guardaria” (p. 43). Depois dessa transcrição diz (p. 204): “Quem não vê n’ este bello romance uma nova versão do seculo XV da Canção do Figueiral do seculo XIII? O facto de não o ter comprehendido o collector do Algarve, é uma garantia da sua genuinidade. Os versos que sublinhamos mostram a identidade da lenda, como a vimos, com o que se passa no romance”. Num apontamento manuscrito existente no espólio (caixa nº 3, 2 / 1), Estácio da Veiga refere-se a estas afirmações de Braga. Trata-se duma folha dobrada ao meio, de modo a formar quatro páginas, onde se transcreve (explicitamente a partir da Miscellanea de Leitão de Andrada, ed. de 1629) o Figueiral. No fim da transcrição (2 / 1b) existe a seguinte observação: “T. Braga diz 283 Aí aparecem, de facto, o cavaleiro e a infantina descida da árvore, que A caminhar se pozeram 84 Quando a lua mais lumbria, E dava o clarão no rosto 86 De la infanta que fugia, Quando ao meio do caminho 88 Perro mouro lhe saía, Que era quem a vigiava, 90 Que era quem a guardaria. — Tem-te, tem-te, cavalleiro, 92 Se a vida não te agonia; Se la poncella me levas, 94 Levas a luz do meu dia. — Só m’ importa o que te levo, 96 De ti não m’ importaria. — Se a dona tu me roubáras, 98 Logo aqui te mataria. Para elle avança o moiro, que este romance é o mesmo que no R. do Algarve começa: Que fazeis aqui senhora, / Quem vos aqui prantaria? !!! É tolo!” Tendo em atenção esta nota, pareceria que Veiga não se inspirou conscientemente no Figueiral para escrever os versos inventados que juntou à sua Infantina. Além disso, se a transcrição do Figueiral existente neste manuscrito do espólio for contemporânea da nota de Veiga sobre Braga (ou não muito anterior), pareceria mesmo que o autor algarvio não possuíra cópia do texto antes de 1871 (data das Epopêas da Raça Mosarabe). Ainda sobre o Figueiral, recorde-se que João Pedro Ribeiro e Carolina Michaëlis de Vasconcelos (como dissemos ao falar do Cancioneiro de Braga, 1867) negaram a sua autenticidade. No entanto, recentemente, Magdalena Altamirano sublinhou o carácter tradicional de certos processos estilísticos existentes nesse poema, concluindo que, “si Brito usó un texto apócrifo (compuesto por él o por otro autor), este texto se inspiró en un romance-villancico auténtico” [“No figueiral, figueiral...”, comunicação a publicar nas Actas de las VII Jornadas Medievales (México, D. F., 21-25/9/1998), cujo texto pudemos ler graças à amabilidade da autora]. 284 100 Pensando que o deteria, Mas ao puxar pela infanta 102 A mão aos pés lhe caia. Quêda-se elle pensativo, 104 Sem saber o que faria. Em quanto o moiro pensava, 106 Em quanto elle se doria, O christane com la infanta 108 Voava, que não corria! 910 A relação entre este final da Infantina e o final do Cid e Búcar parece ser aquilo a que alude Veiga quando, como assinalámos na transcrição, escreveu na margem do primeiro fólio do testemunho A do Cid e Búcar (5 c / 12r): [ A Vide na collecção de rhapsodias o romance do moiro.] No espólio de Estácio da Veiga, incluindo nos romances que ficaram inéditos, não há nenhum designado pelo título de O Moiro, e em nenhum dos poucos textos entre cujas personagens há mouros encontramos uma história que pareça relacionar-se com a do Cid e Búcar, com excepção, precisamente, da “sua” Infantina, a qual, como vimos, apresenta um final, sem dúvida, muito semelhante. Qual será a relação de dependência entre ambos os finais? Pelo que atrás dissemos, o fim do Cid e Búcar parece menos fruto da invenção pura e simples de Veiga do que o fim da Infantina, uma vez que, no Cid e Búcar, o duelo quase certamente aparecia na versão recolhida, tendo-se Estácio da Veiga limitado a imaginar (ou, talvez mais precisamente, a deduzir mal) que o motivo da luta era a mão da jovem e a acrescentar ao texto o happy-ending da fuga dos apaixonados, que levam a sua avante, sobre os desígnios da sociedade. Se assim for, será o final do Cid e Búcar a ter influído na invenção do final da Infantina, pois este último não apresenta qualquer semelhança com o das versões tradicionais, pelo que nelas não pode, portanto, ter-se inspirado. A hipótese, que atrás enunciámos, não só de a versão do Cid e Búcar publicada no Romanceiro do Algarve não provir do texto publicado em Ochoa (e isso parece-nos provado), mas também, além disso, de Veiga não ter conhecido o texto velho, nem sequer na fase do “retoque” da sua versão (ou de, pelo menos, não ter identificado o texto que recolhera da oralidade como sendo uma versão daquele romance), é ainda mais provável se 910 Romanceiro do Algarve, pp. 43-4. 285 tivermos em consideração que não parece crível que ele tivesse introduzido as profundas transformações que vimos se conhecesse a história contada no romance velho, que era perfeitamente compreensível. Além de que, se Estácio da Veiga tivesse compreendido que o “Dom da Silva” (ou, talvez mais provavelmente, como dissemos, “o Dom Silva”) da versão que recolhera era, afinal, “o Dom Cid”, e que os camponeses do seu Algarve eram os únicos (ou assim o pensava ele) a repetir, tantos séculos depois, uma história ainda meio épica sobre aquele herói, custa muito a acreditar que ele tivesse deliberadamente desvirtuado a “não sonhada apparição” 911 que tivera a sorte de conseguir. Pelo contrário, parece-nos fora de dúvida que, se conhecesse aquilo que tinha entre as mãos, Veiga teria feito brilhar tão arqueológico achado, restituindo ao Cid a sua identidade (do ponto de vista onomástico e, sobretudo, se tal fosse necessário, diegético), em vez de manter a corruptela popular do nome do herói e de o comprometer numa história de amores contrariados, com assassínio do rival e fuga dos apaixonados, mais própria duma novela oitocentista, como dissemos, do que duma história medieval, pelo menos na visão idealizada e nobre que os românticos tinham de “aquella época de aventurosas cavallarias”. 912 Aliás —conforme vimos, quando analisámos a formação do D. Rodrigo—, a má compreensão, por parte de Veiga, dum texto tradicional (que, fazendo jus ao seu estilo tão próprio, apresenta quase sempre saltos no discurso e, muitas vezes, exige que o ouvinte subentenda certas informações que se não dão explicitamente), cuja versão velha Veiga desconhece, não é caso único na formação do Romanceiro do Algarve. No D. Rodrigo (i.e., o Testamento de Fernando I + Queixas de D. Urraca + Afuera, afuera, Rodrigo), como vimos, a má compreensão da história teve, também aí, como resultado que, ao pretender retocá-la, o editor a tenha transformado muitíssimo, muito mais do que, sem dúvida, pensaria que estava a fazer 913 — e, pelo que nos parece, a mesma incompreensão é responsável pelas grandes modificações sofridas pelo Cid e Búcar. 911 Assim chama Estácio da Veiga ao seu romance, de que não conhecia paralelos (Romance do Algarve, p. 12). 912 913 91ss. Romanceiro do Algarve, prólogo do Cid e Búcar, p. 12. Ver a nossa Contribuição para o Estudo do Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga..., cit., p 286 Aspectos do Método Editorial Criativo no Cid e Búcar O estudo que acabamos de apresentar teve, fundamentalmente, o objectivo de mostrar que, embora deste romance não exista no espólio um texto credível, a verdade é que tal texto sem dúvida existiu, não sendo o Cavalleiro da Silva, como deixaria supor o aspecto com que aparece aos nossos olhos, uma invenção de Estácio da Veiga. Cumprido este objectivo, passamos a chamar a atenção para as principais transformações introduzidas por Veiga no Cid e Búcar, nas entrelinhas do próprio testemunho A ou no testemunho B, transformações que, como veremos, são similares ao que já se conhece sobre o método editorial criativo de Estácio da Veiga. 914 O primeiro tipo de alterações, afectando profundamente a identidade das personagens e a história, é fruto da preocupação de Estácio da Veiga com tornar lógico 915 o texto recolhido da boca do povo da sua província natal, e que o editor não quereria mostrar sob uma má luz. Como já observámos com algum pormenor esse tipo de modificações, não será necessário debruçarmo-nos aqui mais sobre elas. As restantes alterações introduzidas por Veiga afectam (sobretudo ou exclusivamente) o discurso e visam elevar o nível de língua do texto, não deixando ficar mal a poesia popular. Vejamos alguns exemplos, começando por casos em que é nítida a preocupação de usar um léxico mais cuidado: 916 “Assim que ella apparecia” (v. 19) => “Assim que assoma seu rosto” (v. 21); “Ditas que eram taes palavras” (v. 30a)=> “Ditas que eram taes blandicias” (v. 33); 914 Referimo-nos ao estudo do método editorial adoptado por Veiga no Dom Rodrigo, que realizámos em Contribuição para o Estudo..., cit., pp. 135-160), tomando como corpus os cinco testemunhos daquele romance existentes no espólio manuscrito de Veiga e também a versão impressa. Um resumo desse trabalho (limitando-se a dois testemunhos manuscritos: o original de recolha e a sua primeira cópia retocada) pode ler-se no nosso artigo “Subsídios para o Estudo do Método Editorial de Estácio da Veiga...”, cit. 915 O mesmo tipo de transformações, visando acentuar a lógica da história e duma das personagens, foi introduzido por Estácio da Veiga no romance Dom Rodrigo (ver Contribuição para o Estudo do Romanceiro do Algarve..., cit., pp. 145-7). 916 Nas indicações que se seguem, o termo ou o sintagma que apresentamos em primeiro lugar é o que se encontra no testemunho A (por vezes, em A, essa forma inicial foi riscada e logo aí substituída); o termo ou o sintagma que se lhe segue é o adoptado no testemunho B (ou na emenda feita logo em A), substituindo a forma anterior. O mesmo tipo de transformações foi introduzido por Veiga, com o mesmo fim, no Dom Rodrigo (ver a nossa Contribuição para o Estudo..., cit., pp. 138-142). 287 “espumava” (v. 30f)=> “escumava” (v. 38); 917 “Seu cavallo que rinfava” (v. 34) => “E já bem que relinchava” (v. 46); “Moriana cavalgava” (v. 56)=> “Já Moriana se apartava” (v. 72). Em segundo lugar, vejamos alguns casos onde a elevação do nível da linguagem é obtida através da imposição ao texto duma patina medieval: 918 “Tambem eu na minha terra / Já por ti venci batalhas” (vv. 25-6)=> “Por ti deixai minha terra / E aqui vim fazer pousada” (vv. 27-8); “Cavalleiro de armas brancas” (v. 30c) “Com espada, lança, e malha” (v. 34); 919 920 “christão” (v. 49)=> “christane” (v. 65). Este tipo de transformação, além de provir duma simples vontade inventiva de Estácio da Veiga, duma sua decisão de adequar o texto, discursivamente falando, à Idade Média, época em que ele teria sido escrito, poderá também (ou sobretudo?) visar exprimir 917 Em A, este verso surge em nota de rodapé, como variante. Tendo em atenção o que veremos na análise doutros romances, mais à frente (sobretudo de Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura), é praticamente certo que tal variante é, apenas, a forma que o verso tinha no testemunho anterior (perdido, no caso agora em análise), e que neste aparece substituída. Aliás, o facto de “rinfava” ser um regionalismo e de “relinchar” ser a forma pertencente à linguagem normativa já mostraria, só por isso, que aquela teria grandes probabilidades de ser a palavra que estava na versão inicial do texto. Note-se que, em B, se manteve tal nota de rodapé, só que aí o texto aparece modificado sintacticamente, passando a “E muito bem que rinfava” (itálico do próprio Veiga, bem elucidativo da sua opinião quanto ao carácter regional do termo). 918 Transformações do mesmo tipo observam-se no Dom Rodrigo (ver Contribuição para o Estudo, cit., pp. 147-9). 919 Introduzido na entrelinha de A, sem vir substituir nada anterior. Devia ser um sintagma do agrado de Estácio da Veiga, pois surge novamente num poema todo ele inventado, a Moura Encantada de Tavira (ver p. 36, v. 33). É bem possível que a expressão tenha ficado na mente de Veiga como lembrança do celebérrimo verso do “Cavalleiro de armas brancas” que, quatro vezes (três deles acompanhado pelo não menos célebre “Seu cavallo tremedal”), surge no Dom Beltrão de Garrett (ver Romanceiro, cit., II, pp. 235-7). Como é sabido, as “armas brancas” designam o escudo do cavaleiro jovem, que permanecia em branco enquanto este não cometia uma façanha, a qual, de modo mais ou menos simbólico, era depois representada, em pintura, no escudo. Talvez seja para tirar ao cavaleiro cristão do Cid e Búcar o ar de caloiro que Veiga, em B, mudou o verso para “Cavalleiro todo armado” (v. 35). 920 Este verso foi introduzido (numa entrelinha de A) por si só, não vindo substituir nada (na verdade, o verso que, por baixo dele, surge riscado volta a ser introduzido a seguir —ligeiramente retocado—, como v. 44). 288 uma forma de viver (e, portanto, de falar) verdadeiramente castiça, e, por consequência (segundo as teorias românticas), necessariamente medieval, uma forma de vida que —como dissemos atrás— Veiga muito possivelmente ansiava descobrir entre os camponeses quando começou as recolhas no Algarve. E, não a descobrindo, terá decidido restaurá-la, nos textos que recolheu, dando-lhes o tom medieval que eles deveriam ter. Seja como for, seja por este último motivo ou, então, por desejo inventivo, por pulsão mistificadora ou para agradar ao público leitor romântico, tão apreciador de coisas medievais, a verdade é que os termos aí estão no texto de Veiga, distanciando-o, sem dúvida, da linguagem corrente e moderna. O último processo usado por Estácio da Veiga para elevar o nível do texto está ligado à correcção estilística. Também aqui o editor não quis deixar a sua honra (e a da sua província) por mãos alheias, e fez questão de fornecer à poesia popular que publicava a perfeição que, segundo as teorias românticas, ela teria, ipso facto, de possuir. Tal é visível mais nitidamente em dois exemplos. O primeiro tem a ver com a necessidade de variar o vocabulário usado, evitando as repetições de palavras. 921 É assim que os versos seguintes — Tem-te, tem-te, ó moirinho, 42 Ouve-me uma palavra. — Como te heide ouvir, senhora vão ser mudados, de modo a que deixem de neles aparecer duas formas do verbo “ouvir”, para mais em versos seguidos. 922 Em B, portanto, esta passagem passa a ser: — Tem-te, tem-te, ó moirinho, 58 Escuta-me uma palavra. — Como te heide ouvir, senhora Claro que, com esta variedade —agradável, sem dúvida, aos ouvidos do leitor instruído, habituado como está a encontrá-la na poesia escrita— desapareceu uma das 921 922 O mesmo se passa no Dom Rodrigo (ver Contribuição..., cit., pp. 150-3). As duas formas iguais “tem-te” (v. 41) não lhe devem ter parecido mal, pelo facto de, estando ao lado uma da outra, não poderem ser criticadas como deslize involuntário do poeta. 289 características do estilo tradicional: a repetição de palavras e/ou construções. Mas Veiga parece não ter achado que essa característica fosse um bem a conservar, antes pelo contrário. O segundo exemplo de transformação editorial tendente a melhorar o estilo do texto é constituído pelo colmatar duma daquelas elipses da narrativa tão próprias do estilo tradicional, graças às quais se passa duma cena a outra da história, sem necessidade de usar intermédios, que o ouvinte tradicional, treinado como está, perfeitamente dispensa e deve mesmo achar desagradáveis. Tal não é, porém, o modo de ver do leitor instruído, que, habituado à racionalidade da literatura escrita, vê esses vazios como um erro, como algo que deve ser preenchido. Já Herder, aliás, fala dos “saltos” da narrativa como uma das características da poesia popular que, indo contra os usos da poesia escrita, 923 mais desagradam às pessoas instruídas: in tutta la sua semplicità e popolarità non c’è [num determinado poema de que Herder mostra gostar muito e transcreve mais à frente] [...] un solo verso privo di salti e lanci nel dialogo, che desterebbe certo stupore in una poesia moderna e a proposito del quale i nostri critici paralitici griderebbero che è 924 incompreensibile, ardito e ditirambico. Ora Veiga parece pertencer ao grupo dos “critici paralitici” (ou, pelo menos, ter medo do que eles dirão do seu livro) e introduz, a meio do diálogo entre a rapariga e o mourinho, um intermédio narrativo que deixa imediatamente claro por que é que ela, depois de se mostrar disposta a saltar para os braços do mouro, logo a seguir o manda embora: 923 Na balada e no romance tradicionais, “a acção caminha segundo um ritmo irregular, dando saltos freqüentes no tempo, no espaço, no assunto, na transição da narrativa para o diálogo ou vice-versa, na passagem de um diálogo para outro entre personagens diferentes, saltos êstes que a poesia culta evita, servindose de transições graduais” (Frederico Laranjo, “Subsídios para o Estudo Comparativo da Balada Inglêsa e do Romance Popular Português”, Revista da Faculdade de Letras (Lisboa), 2ª série, IX, nº s 1-2 (1943), pp. 59-84; citação extraída da p. 74). 924 Herder, “Frammenti da un carteggio su Ossian e le canzoni dei popoli antichi”, apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 113. Sublinhe-se que as leituras muito variadas de Herder lhe permitiram reconhecer que tais saltos parecem ser conaturais à essência da poesia tradicional, qualquer que seja o seu país de origem: “Tutte le canzoni antiche mi sono testimoni! Dalla Lapponia all’ Estonia, lettoni, polacche, scozzesi, tedesche e tutte quelle che conosco appena, quanto più sono antiche, popolari, vive, tanto più sono audaci e piene di lanci” (p. 114). E passa a dar outro exemplo: uma versão da balada inglesa Sweet Williams Ghost, transcrita das Reliques de Percy, em que, de facto (tal como nos romances, por exemplo), a narrativa apresenta muitas elipses. 290 — Se eu cuidara de assim ser 28 Já para ti me voara; — Assim é... ái mesmo aqui 30 Nos meus braços te aparara. 30a [ 30b Ao longe /* bem/ que assomava 30c Cavalleiro de armas brancas 30d Que sobre a areia voava 30e Montado em <negro>[↑ rijo] cavallo 30f Que pela <*p>/b\occa espumava, 30g E com elle tambem vinha 30h Uma nobre cavalgada.] Ditas que eram taes palavras — Ai corre dahi bom moiro, 32 Não digas que te eu fallava. De além vem um cavalleiro, 34 Seu cavallo relinchava; Ainda que a explicação suplementar introduzida por Veiga seja desnecessária (pela explicação que a própria jovem dá na sua fala), a verdade é que essa passagem narrativa introduz algo que, no entanto, sem ela, o texto não possuiria, e que, embora ausente na poesia tradicional, é considerado importante pela literatura narrativa escrita: a descrição das personagens. Além disso, a passagem introduzida por Veiga fornece ainda uma informação suplementar: a de que o cavaleiro cristão chega acompanhado por “uma nobre cavalgada”. Este pormenor, importante para explicar o modo decidido como ele enfrenta o mouro, servirá também para outro objectivo não despiciendo: o de indicar que, no final, a “fuga” da rapariga com o cavaleiro não é nada de reprovável, pois este, longe de ser uma pessoa de fracos recursos e baixa estirpe, com quem ela, mais tarde, se arrependa de ter ligado o seu destino, é, ao fim de contas, alguém de elevada posição social. E, graças à “nobre cavalgada” que “com elle [o rapaz] vinha”, a fuga dos apaixonados, tornar-se-á, isso sim, um cortejo, ordenado e honroso, de modo que fica, portanto, afastado todo o aspecto moralmente reprovável que poderia ter a decisão da jovem de ir contra os desejos do pai. 925 925 A preocupação com aspectos morais leva também a uma transformação importante no Dom Rodrigo (ver Contribuição..., cit., p. 138). 291 O Caso da Fonte das Almas O segundo dos casos de autenticidade aparentemente problemática a que acima nos referimos é o da Fonte das Almas. É indesmentível que este romance, pelo aspecto extremamente arrebicado do texto dado à estampa no Romanceiro do Algarve (que doravante designaremos como testemunho B) e por dele não haver versões nos romanceiros mais conhecidos, “até há relativamente pouco tempo, pareceria uma das composições quase totalmente levantadas pelo ‘retoque’ de Estácio da Veiga”. 926 Por outro lado, o facto de o único texto que dele existe no espólio (e a que passaremos a chamar testemunho A) ter um aspecto muitíssimo próximo de B (e ser, portanto, muito artificioso) parecia a prova final de a Fonte das Almas não ter chegado a Veiga a partir da tradição oral, 927 constituindo um dos textos devidos à fértil inventiva e à facilidade versificatória de Veiga . No entanto, como lembra Maria Aliete Galhoz, anos 90 por Idália Farinho Custódio 929 928 as duas versões recolhidas nos vieram mostrar que existe, de facto, na tradição algarvia, um texto sobre este tema. Comecemos por dizer que se encontra, noutras regiões de Portugal (e também no Algarve), uma “pequena narrativa lírica do ‘milagre da fonte’”, 926 930 Maria Aliete Galhoz, “Breve Nota sobre o Romanceiro no Algarve”, in Madalena Braz Teixeira (org.), Traje do Algarve. Orla marítima, Lisboa, Museu Nacional do Traje, 2001, p. 65. 927 É verdade que Estácio da Veiga se refere aos textos orais que possuiu, dando mesmo alguns pormenores: “Uma só lição obtive deste romance, e muito adulterada, com o titulo de Milagre da Senhora do Rosario; e bem assim mais uns fragmentos pouco validosos” (Romanceiro do Algarve, p. 201). Porém, estas palavras só por si nada provariam, sabendo-se —por outros romances que à frente analisaremos— que afirmações deste teor aparecem feitas sobre poemas que é possível provar terem sido inventados por Veiga. No presente caso, no entanto, é bem possível que as versões que ele efectivamente possuiu (e é ponto assente, como adiante se concluirá, que ele, de facto, possuiu pelo menos uma versão do texto) apresentassem as referidas características, conforme se depreende do que veremos sobre a aparência que a Fonte das Almas tem na tradição oral. 928 929 Loc. cit. Ver Idália Farinho Custódio e Maria Aliete Farinho Galhoz, Memória Tradicional de Vale Judeu, [I], [Loulé], Câmara Municipal de Loulé, 1996, p. 89, e op. cit., II, id., id., 1997, p. 61. 930 Maria Aliete Galhoz, “Breve Nota sobre o Romanceiro no Algarve”, cit., p. 66. 292 que, além de aparecer em versões autónomas, 931 surge também integrada na Fonte das Almas. Vejamos uma versão (inédita) autónoma dessa narrativa, versão que exemplifica bem a forma que o texto em causa, de variação mínima, costuma apresentar: Senhora da Lapa 2 fez um milagre no monte: o Menino pediu água, 4 logo se abriu uma fonte. A fonte era de prata, 6 a água era de cheiro, o Menino era santo, 8 filho de Deus verdadeiro. 932 A Fonte das Almas, porém, é um tema mais complexo e longo do que a “pequena narrativa” do Milagre da Fonte. Passamos a transcrever uma sua versão: Nossa Senhora se levantou numa manhã ao cantar do galo. 2 Ia a Nossa Senhora com um passo muito asseado, e, no meio desses caminhos, 4 ali ambas se ajuntaram com Nossa Senhora do Carmo, e foram fazer visita à Nossa Senhora do Rosário. 6 No meio desses caminhos, um menino pediu água e ali se abriu uma fonte em manjerona cercada. 8 Tinha três chaves: uma com que se abria, outra com que se fechava 10 e outra com que o Senhor s’ alumiava. Numa ponta tinha a lua, noutra tinha o sol pintado, 931 Um exemplo trasmontano pode ler-se em Pe. Firmino A. Martins, Folklore do Concelho de Vinhais, [I], Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928, pp. 73-74. 932 Informante: Albertina Viana Guerreiro, 81 anos, Espiche, concelho de Lagos. Recolha (em Dezembro de 1996) e transcrição de Vera Lúcia Fernandes. Esta versão, gravada no âmbito da cadeira de Literatura Oral, leccionada pela Prof.ª Isabel Cardigos, pertence ao arquivo sonoro do Centro de Estudos Ataíde Oliveira (Universidade do Algarve). 293 12 noutra tinha Nosso Senhor crucificado. Já lá vem o Bom Jesus, todo vestido de branco. 14 Já lá vem Nossa Senhora, toda lavada num pranto. — Ó filho, dá-me a tua cruz qu’ eu bem ta quero levar. 16 — Ó Mãe, deixa-me a minha cruz qu’ eu bem n’a posso levar. Lá no céu oiço gemer, também cá oiço chorar, 18 são n’os filhos de Deus que choram p’ra n’os salvar. 933 A Fonte das Almas é bastante rara, pois, além de três versões algarvias (as duas acima referidas e uma outra, que, entretanto, tinha escapado à atenção dos estudiosos), dela parece existirem publicadas apenas outras quatro versões, alentejanas. 935 934 Não conhecemos paralelos seus na tradição de língua castelhana, embora em Espanha e entre os Sefarditas haja algumas orações em que surge o motivo das “três chaves”, 936 presente também, como vimos, no romance Fonte das Almas. Dada, pois, a raridade deste romance poliassonantado (ou, talvez mais exactamente, deste conjunto de fórmulas migratórias, organizadas com grande felicidade) dele transcrevemos outra versão algarvia, até agora inédita. Esta transcrição ajuda a traçar o retrato da Fonte das Almas, que, nas restantes versões conhecidas, muda, em relação aos dois exemplos que fornecemos, apenas do ponto de vista discursivo (e, mesmo assim, pouco): Ontem à noite, à meia-noite, bem cedo, ao cantar do galo, 933 934 Idália F. Custódio e Maria Aliete F. Galhoz, op. cit., [I], p. 89. Deu com ela recentemente a Doutora Maria Aliete Galhoz, a quem muito agradecemos ter-nos comunicado a sua existência. Foi recolhida em Estoi, concelho de Faro, e encontra-se publicada no Cancioneiro Popular Português, de J. Leite de Vasconcellos, org. por Maria Arminda Zaluar Nunes, III, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1983, p. 227. 935 Além das três incluídas por Costa Fontes na bibliografia de U65, A Fonte das Almas (são as indicadas pelas siglas Martins-Ferré, Pires e Marques-Silva), conhecemos apenas (através de informação pessoal de Maria Aliete Galhoz) o texto publicado em Manuel Joaquim Delgado, A Etnografia e o Folclore do Baixo Alentejo, Beja, Assembleia Distrital de Beja, 1985, pp. 11-2. 936 Referimo-nos a versos como “[María] Tiene tres llaves: / con una cierra, / con otra abre, / con otra dice / el Ave María y la Salve”. Sobre esta fórmula, ver José Manuel Pedrosa, “Las tres llaves y Los huevos sin sal: versiones hispanocristianas y sefardíes de dos ensalmos mágicos tradicionales”, Sefarad, año 58, fasc. 1 (1998), pp. 153-165 (os versos referidos foram retirados deste artigo, p. 154). 294 2 levantou-se Nossa Senhora mais a Virgem Mãe do Carmo, foram fazer a oração a Nossa Senhora do Rosário. 4 Indo no meio do caminho, logo o Menino pediu água. Logo se ele abriu uma fonte, em manjerona cercada. 6 Era uma água tão preciosa, uma fonte tão lavadinha, onde bebeu o Verbo Divino, Filho da Virgem Maria. 8 Ela tinha três chaves com que se ela servia: uma com que se ela abria, 10 outra com que [se] ela fechava, outra com que se ela aumentava, 12 quando as almas por lá iam. 937 Para evidenciar o profundíssimo trabalho editorial a que Estácio da Veiga submeteu o seu texto, mas também para que fique claro ter ele, de facto, possuído uma base oral, não sendo a Fonte das Almas uma completa invenção do seu editor, iremos agora transcrever o testemunho A. Sublinhe-se que o testemunho B está muitíssimo próximo de A, e dele se afasta praticamente só por ter adoptado as pequenas transformações que, em A, se fazem nas entrelinhas. Vejamos, pois, o testemunho A: 938 A Fonte das Almas Era de maio uma tarde, 2 De taes flores perfumada, Que a virgem mãe do Rozario 4 De tanto enlevo enlevada, Junto á margem de um ribeiro 6 Céu e terra contemplava. Nas aguas que alli corriam, 8 937 Via-se ella retratada, Informante: Maria Otília Margarida Pacheco Duarte, 58 anos, natural de Paderne, concelho de Albufeira (onde aprendeu), e residente em Faro, onde foi entrevistada, a 6/4/1997, por Carla Lúcia Carreto. Transcrição de J. J. D. Marques. O texto foi recolhido para a referida cadeira de Literatura Oral e pertence ao arquivo sonoro do Centro de Estudos Ataíde Oliveira. 938 5 D / 30a-c. 295 E dos myrtaes e roseiras 10 Que o ribeiro refrescava, Uma capella tecêra 12 Para a senhora da Orada. Tecida que era a capella 14 Logo dalli se ausentára, Levando em seu regaço 16 O filhinho de su’ alma. Indo em meio do caminho 18 Tanto calor apertava; Que o menino pedia agua, 20 Mas sua mãe lha não dava, Que d’ entre aquellas restevas 22 Olho d’ agua não brotava. Crescia a sêde, crescia 24 E então a virgem parára. Lança os olhos pelo campo 26 Vê uma rocha escarpada, Onde o sol dava de face 28 Com tal ardor, que crestava! Palavras que a virgem disse, 30 Como ninguem escutava, Só o rochedo as ouvira 32 Sómente /*elle/ as escutára. O caso é que, em bem pouco 34 Agua tão fresca brotava, Que aos pés da virgem corria 36 Como quem lhe os pés beijava. Bebendo o santo menino, 38 Toda a fonte se cercava De alecrim e mangeronas, 40 E de rosas perfumadas. Desde então ficou a fonte 42 Chamada a fonte fadada, 296 Com tres chaves, uma de oiro 44 E as outras duas de prata, Uma para ser aberta, 46 Outra para ser fechada, E outra para alli guardar 48 Almas puras como a agua. Das muitas almas que a virgem 50 Muitas vezes lá deixava, O povo, que isto sabia, 52 Lhe chamou — Fonte das almas”. Aparato genético 15 Levando <em>/no\ seu regaço 18 <Tanto>[↑ <Muito> Grande] calor apertava; 19 <Que o>[↑ Agua o] menino pedia <agua>, 24 E então a virgem pará<*d>/r\a. Dado que não estamos seguros de ser um d a letra escrita, num primeiro momento, por Veiga e dado que a forma parada parece não estar de acordo com os versos seguintes, decidimos adoptar no texto a segunda forma da palavra. 25 Lança <os> olhos <pelo campo>[↑ á ventura] 30 <Como ninguem escutava,> [↑ Logo pelo céu entraram] 31 <Só>[↑ E] o rochedo [↑ que] as ouvira 32 <Sómente /*elle/ as <escutára.>[<↑contemplára.>]>[ Em fonte se transformára.] 34 Agua tão fresca <brotava>[lançava], 35 Que /*as/ pés da virgem corria O sentido, obviamente, pede aos (lição que, aliás, é a presente em B), mas a verdade é que a palavra existente em A tem apenas duas letras: a segunda é um s, e a primeira poderá ser um a ou um o. De qualquer modo, decidimos corrigir, no texto, o que parece apenas um lapso de Veiga. 40 E <de> rosas <perfumadas.>[↑ de toda a casta.] post 40 <Fadou a senhora a fonte> 42 Chamada a fonte fadada <,>[.] 43 <Com tres chaves, uma de oiro>[↑ Dera-lhe a virgem tres chaves] 44 <E as outras duas>[↑ Uma d’ oiro e as mais] de prata, 49 Das <muitas> almas que a [↑ santa] virgem post 49 50 <Alli ás vezes> Muitas vezes lá <deixava,>[↑ guardava,] 297 Um confronto, mesmo breve, entre os dois últimos textos transcritos torna evidente que, embora da Fonte das Almas não exista no espólio um texto minimamente credível, a verdade é que tal texto sem dúvida existiu. Por outro lado, uma vez que, no tempo de Estácio da Veiga, não havia publicada nenhuma versão do romance em causa, é óbvio que o texto tradicional cuja existência o testemunho A pressupõe terá de ser aquele que Veiga possuiu. Assim, a Fonte das Almas não é, como deixaria supor o aspecto com que aparece aos nossos olhos, uma simples invenção de Estácio da Veiga. Aspectos do Método Editorial Criativo na Fonte das Almas Da Fonte das Almas, como vimos, não existe no espólio o texto fruto da recolha, nem sequer um texto minimamente próximo desse. No presente caso, portanto —ao contrário do que felizmente acontece com outros romances de Veiga—, não podemos analisar vários testemunhos, de modo a avaliar o trabalho de polimento a que Estácio da Veiga julgou necessário submeter os romances, antes de os expor aos olhos do público. No entanto, poderemos sempre ter em conta as versões algarvias de que dispomos, as quais apresentam, como dissemos, um aspecto bastante estável, de que não deveria afastar-se muito o texto recolhido por Veiga. Além disso, temos para nos ajudar, como outra pedra de toque, as características estilísticas do romanceiro tradicional, cujo estudo, provavelmente ainda não feito com toda a profundidade necessária, parece permitir, no entanto, já bastantes certezas. 939 Vejamos, então, algumas das transformações introduzidas por Estácio da Veiga, tal como as podemos deduzir do testemunho A. Um dos aspectos que mais chama a atenção é o modo como Veiga expandiu o texto tradicional. 939 940 Sem acrescentar núcleos à ténue narratividade das versões tradicionais, o seu Ver, sobretudo, R. Menéndez Pidal, Romancero hispánico, 2ª ed., I, Madrid, Espasa-Calpe, 1968, p. 58-80. 940 Também o Dom Rodrigo aumenta muito o seu comprimento, passando de 65 versos (curtos) na versão recolhida da oralidade a 84 versos no texto publicado. 298 aumento fez-se graças ao acrescento de múltiplas catálises e informantes: 941 minúsculos incidentes narrativos e descrições. E, assim, a essencialidade de versos como 6 Indo meio do caminho, logo o Menino pediu água. Logo se ele abriu uma fonte, em manjerona cercada. 942 transformou-se, graças à pena de Veiga, na seguinte penosa prolixidade: 18 Tanto calor apertava Que o Menino pedia agua, 20 Mas sua Mãe lha não dava, Que d’ entre aquellas restevas 22 Olho d’ agua não brotava. Crescia a sêde, crescia 24 E então a virgem parára Lança os olhos pelo campo 26 Vê uma rocha escarpada, Onde o sol dava de face 28 Com tal ardor, que crestava! Palavras que a virgem disse, 30 Como ninguem escutava, Só o rochedo as ouvira 32 Sómente /*elle/ as escutára. O caso é que, em bem pouco 34 Agua tão fresca brotava, Que aos pés da virgem corria 36 Como quem lhe os pés beijava. Catálises e informantes, conferindo muito mais pormenor ao texto, tornam-no, sem dúvida, mais perfeito do ponto de vista da literatura escrita romântica, ao evitarem, por um 941 Utilizamos a terminologia (“noyaux”, “catalyses” e “informants”) proposta por Roland Barthes, “Introduction à l’ analyse structurale des récits”, in AA. VV., L’ Analyse structurale du récit (Communications, 8), Paris, Éditions du Seuil, 1981, pp. 7-33. 942 Extracto da versão inédita (originária de Paderne) atrás transcrita. 299 lado, os saltos da história, e, por outro, a falta de pormenores sobre espaços e personagens. Este duplo vazio, aliás, repugnava muito a Estácio da Veiga, como já vimos no Cid e Búcar e como teremos ocasião de verificar na análise de outros casos. Além disso, o aumento de extensão assim obtido (em A —e também em B— o poema tem 52 versos) talvez fosse mesmo condição sine qua non para a própria existência do romance. Na verdade, sobretudo se tivermos em atenção os textos publicados no Romanceiro de Garrett, deveria ser difícil para Estácio da Veiga (e para o seu público) admitir a legitimidade da publicação dum poema tão pequeno como é sempre a Fonte das Almas, que, na mais longa versão tradicional acima transcrita (a primeira delas), tem, apenas, 943 34 versos (a segunda versão, por seu lado, não passa de 20 versos). E já que falamos na extensão dos textos, reparemos nos 34 versos da referida versão tradicional. Se virmos bem, apenas 18 desses versos (os acima transcritos, em versos longos, como 1-10) 944 são ocupados pela narrativa do passeio e do milagre e a descrição da fonte. Os restantes agregam vários motivos que nada têm a ver com o início do texto, mas que se “pegaram” à minúscula história: Numa ponta tinha a lua, noutra tinha o sol pintado, 12 noutra tinha Nosso Senhor crucificado. Já lá vem o Bom Jesus, todo vestido de branco. 14 Já lá vem Nossa Senhora, toda lavada num pranto. — Ó filho, dá-me a tua cruz qu’ eu bem ta quero levar. 16 — Ó Mãe, deixa-me a minha cruz qu’ eu bem n’a posso levar. Lá no céu oiço gemer, também cá oiço chorar, 18 são n’os filhos de Deus que choram p’ra n’os salvar. Esse acrescento de versos emigrados doutros lugares (no caso presente, reconhecese o motivo da descrição do “panal dourado” 943 945 e versos provenientes de romances sobre a Se dividirmos o texto em heptassílabos, como faz Veiga, a versão em causa terá, de facto, 34 versos. 944 Uma vez que os vv. 3 e 8 já eram curtos, a subdivisão em hemistíquios dos vv. 1-10 dá um total de 18 versos curtos. 945 Encontra-se no cancioneiro (por exemplo numa das quadras duma cantiga, recolhida em Serpa, publicada em Fernando Lopes Graça, A Canção Popular Portuguesa, 3ª ed., s/l., Publicações Europa-América, 300 946 Paixão) dá-se noutras versões da Fonte das Almas, e devia verificar-se também naquela que Veiga possuiu. De facto, a versos desse tipo se refere, sem dúvida, o editor quando, no prólogo do romance, escreve: O povo tem addicionado a este pequeno poema certos trechos, que, por mal apropriados, e deslocados da desinência obrigada, assentei dever abandonar 947 como refacimentos, que á arte repugnavam. Aos olhos de hoje, mas não certamente aos de alguém habituado (através do exemplo de Garrett) a fugir dos “refacimentos”, 948 chocará a naturalidade com que Veiga admite ter eliminado esses versos. “Mal apropriados”, ilógicos, e, portanto, necessitados de eliminação lhe deveriam parecer, certamente, “trechos” em que, como na versão atrás citada, Cristo aparece adulto e conversando com a mãe sobre a sua morte próxima, quando, apenas alguns versos acima, sem transição, ele era ainda menino, acompanhando a mãe num passeio. E quanto a versos “deslocados da desinência obrigada”, é o que mais há na versão tradicional citada e em todas as outras que conhecemos de A Fonte das Almas. No caso s/d., nº 18) e no romanceiro, sobretudo na Pastora Apaixonada por Cristo (ver, por exemplo, J. Leite de Vasconcellos, Romanceiro Português, II, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1960, nº 718). 946 Por exemplo, versos perfeitamente paralelos aos que, acima, têm os nºs 13-18 encontram-se na versão, alentejana, publicada por Manuel Joaquim Delgado (op. cit., p. 112), vindo, também ali, logo a seguir à descrição da fonte: Lá vem Nossa Senhora vestida de branco... Lá vem Jesus Cristo alagado em pranto... Ó minha Mãe, dê-me a Sua Cruz, Que eu bem na posso levar; Eu no Céu oiço gemer E na Terra oiço chorar. Ó meu bendito Filho, Jesus, Que eu para o Céu quero-Vos salvar. 947 948 Romanceiro do Algarve, p. 202. Veja-se, por exemplo, esta passagem de Garrett, no prólogo do Conde da Alemanha, segundo ele, “uma das xácaras mais validas” na tradição: “de todas as provincias, até das de alêm mar, obtive cópias d’ ella; algumas visivelmente adulteradas com grosseiros rifacimentos modernos, addições e ‘melhoramentos’ de algum presumido cantor d’ aldea que pretendeu corrigir éstas antigualhas como os nossos architectos de Lisboa corrigiram o convento de Belem, e apperfeiçoaram o frontispicio da Conceição-velha” (Romanceiro, II, p. 77). 301 daquela, temos a seguinte variação: á-o, á-a, novamente á-o, e, por fim, á. Pelo contrário, como se viu, a versão de Veiga rima, toda ela, em á-a. Estas duas preocupações (com a lógica dos textos e com a rima obrigada, 949 própria do romance) são, aliás, uma constante no método editorial de Estácio da Veiga, e à sua dupla 950 acção se fica a dever grande parte das transformações a que ele submeteu os textos. Trata- se de, mais uma vez, fazer os textos orais, populares, obedecerem às regras que seguiam os textos escritos, cultos, aqueles com que —quer se queira, quer não— o leitor da época iria confrontar os poemas do Romanceiro do Algarve, os quais, portanto, Veiga não podia deixar “errados”, sob pena de mostrar a sua província, e ele próprio, a uma luz desfavorável. Isto se o próprio Veiga não fosse o primeiro a dar por esses “erros” —no caso da versificação, aliás, ele é muitíssimo mais estrito que a maioria dos seus contemporâneos quanto às regras do romance, conforme adiante veremos— e a achar que os tinha de corrigir. Outro aspecto que, no texto publicado por Estácio da Veiga, mais atrai a atenção, pelo choque que, também aqui, se verifica com o estilo tradicional, é a idealização do campo (locus amoenus inicial, apresentado com todos os lugares-comuns; locus horrendus seguinte, que, pelo milagre da Virgem, se torna, também ele, amoenus) e a concomitante idealização da vida que no campo vive a personagem principal (deleitar-se com os encantos da natureza, mirar-se nas águas do ribeiro ou tecer grinaldas de rosas para com elas coroar outrem, no mais puro estilo clássico). À idealização da paisagem e das acções corresponde, adequadamente, uma linguagem não menos alambicada, com um léxico bem pouco tradicional (“enlevo”, “enlevada”, “contemplava”, “myrtaes”, “ausentára”, “escarpada”, etc.) e uma sintaxe culta, caracterizada por hipérbatos e outras construções complexas (“Era de maio uma tarde / De taes flores perfumada”; “E dos myrtaes e roseiras / Que o ribeiro refrescava, / Uma capella tecêra”; “Das muitas almas que a virgem / Muitas vezes lá deixava, / O povo, que isto sabia, / Lhe chamou — Fonte das almas”. 949 951 A regularização da rima (e também da métrica) levaram a numerosas transformações no Dom Rodrigo (ver Contribuição, cit., pp. 143-5). 950 951 É o que se verifica no Dom Rodrigo (ver Contribuição, cit., p. 143). No testemunho B, esta última passagem aparece modificada, apresentando, agora, um vistoso encavalgamento: Das almas que a Santa Virgem 50 Muitas vezes lá guardava, 302 A Fonte das Almas é, cremos, um bom exemplo da idealização, a que já antes nos referimos, que o editor tende a apresentar do povo rural do seu Algarve, do modo como ele, provavelmente, esperava ter encontrado esse povo, e, sem dúvida, do modo como tal povo, de acordo com as teorias românticas, deveria ser. No presente romance, a idealização exprime-se em duas vertentes: por um lado, no desenho da própria personagem principal, habitante do campo, cuja ocupação (tecer grinaldas) e características psíquicas (o enlevo com a beleza do campo) pouco terão a ver com os camponeses reais, e muito com a imaginação do poeta que mora em Lisboa, afastado da sua terra natal desde a adolescência. (Poder-se-á obstar, claro, que a personagem do texto não é uma camponesa, mas sim uma figura divina. Porém, o modo como ela se comporta, indo de visita a casa duma amiga, para lhe levar um presente, e deslocando-se a pé, pelo “grande calor”, em vez de, digamos assim, se “teletransportar”, nada tem de divino, mas sim de humano.) 952 A segunda vertente da idealização presente neste texto liga-se às características da poesia oral que ele pressupõe, e, por sua vez, poderá subdividir-se em dois aspectos. Em primeiro lugar, o facto (que já encontrámos no Cid e Búcar e se verifica, também, em qualquer texto do Romanceiro do Algarve) de essa poesia apresentar uma linguagem culta, que muito pouco tem a ver com a das pessoas que oralmente a transmitiam (teoricamente, os aldeões algarvios, embora, como vimos, os manuscritos do espólio mostrem ter a recolha sido feita sobretudo nos centros populacionais maiores), mas muito, isso sim, com o sociolecto que os poetas burgueses citadinos da época (nomeadamente lisboetas) usavam nos seus livros. Em segundo lugar, o facto de essa poesia exprimir a “tocante simplicidade” do “bom povo” camponês, pouco esclarecido teologicamente (identifica as várias invocações da Virgem com sendo diferentes Nossas Senhoras, que se visitam umas às outras, levando presentes) e acreditando em milagres ingénuos, um pouco tolos, mas que —numa época em Ficou o povo chamando 52 Á fonte “A fonte das almas”. (Romanceiro do Algarve, p. 204) 952 Conforme vimos, nas versões tradicionais da Fonte das Almas Nossa Senhora comporta-se também como uma camponesa, mas, ali, o seu comportamento não é, de modo algum, tão idealizado como no texto do Romanceiro do Algarve. Nas versões tradicionais, a Virgem pode, também, dar-se ao luxo de ir fazer uma visita às outras nossas senhoras suas amigas, parecendo um grupinho de camponesas ricas, que não precisam de trabalhar, algo que, portanto, faz todo o sentido, neste contexto. Mas, ao contrário do que acontece no texto de Veiga, nas versões tradicionais Nossa Senhora não leva de presente uma grinalda de mirtos e rosas, nem passa o tempo olhando embevecidamente a paisagem, como uma citadina de visita ao campo. 303 que a sociedade citadina se encontrava infectada pela descrença religiosa— tinha a enorme qualidade de persistir nas crenças dos antepassados, constituindo a verdadeira imagem do “bom tempo antigo” cuja desaparição Veiga mostra mais duma vez lamentar. 953 É claro que, neste caso, o editor quase nada inventou: nos textos tradicionais da Fonte das Almas há, de facto, esse desdobramento da Virgem em várias personagens (segundo as diferentes invocações), as quais se visitam ente si, limitando-se Veiga a acrescentar o pormenor de elas levarem presentes (toque que, aliás, seria muito mais uma característica das visitas feitas no meio burguês citadino do que no meio rural popular). Mas por que terá ele aproveitado este poema para publicação no Romanceiro do Algarve, quando mais de metade dos romances que recolheu não foram ali incluídos? Não custa muito a imaginar, pensamos, o enternecimento com que Estácio da Veiga encontrava neste poema as referidas características da “ingénua crença popular” e, em última análise, a essência do Portugal Velho, desaparecido com o Liberalismo. 954 Finalmente, este texto apresenta um aspecto que, no mínimo, confessa a sua própria falsidade. Referimo-nos ao final, em que alguns versos, teoricamente recolhidos da boca do povo, se referem, paradoxalmente, ao mesmo povo usando a terceira pessoa: Das muitas almas que a virgem 50 Muitas vezes lá deixava, O povo, que isto sabia, 52 Lhe chamou — Fonte das almas. Revela-se aqui, obviamente, o ponto de vista do narrador culto, do homem instruído, que conhece a existência de lendas etiológicas, em prosa, e se interessa por elas. Narrador que, além disso, pretende apresentar o poema como a versificação, feita pelo povo, duma dessas lendas, labor em que é ajudado pelos comentários do prólogo, onde Estácio da Veiga disserta sobre a possibilidade de o poema se referir a uma localidade chamada Fonte 953 “De bom tempo é, sem duvida, o romance do Cavalleiro da Silva”, diz-se logo a começar o prólogo do Cid e Búcar (Romanceiro do Algarve, p. 11), romance que, pelas palavras de Veiga, não seria posterior a fins do séc. XIV. E, no prólogo da Batalha de Lepanto, há as seguintes palavras muito significativas: “tudo era grandeza nesses dias, em que o nosso Portugal, dominando em toda a parte, sem demasiada vaidade, chamava sua colonia, (ainda não ha bem meio seculo) a um dos mais consideraveis imperios da terra!” (op. cit., p. 53). 954 Recorde-se que, conforme atrás dissemos, Veiga era miguelista. 304 Santa, no concelho de Albufeira, “da[ndo-se] a coincidencia de [ela] não ficar muito longe da Senhora da Orada, 955 para quem a Virgem tecêra uma capella de myrto e rosas”. 956 De facto, na versão de Veiga, como vimos, Nossa Senhora vai visitar Nossa Senhora da Orada, mas esta invocação não se encontra em nenhuma das restantes versões conhecidas da Fonte das Almas, onde, pelo contrário, surgem sempre Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora do Carmo. Será que a inclusão do nome da Senhora da Orada se deve a Estácio da Veiga, de modo a tornar mais fundamentada a característica de lenda etiológica de que ele quis revestir o poema? Seja como for, vê-se que o editor se não apercebeu de que o gato, embora escondido, tinha o rabo de fora, pois o simples facto de um poema versificar uma lenda revela, só por si, que ele é de origem erudita. Este último aspecto, o dum poema culto que consiste na versificação dum texto popular em prosa, é, aliás, algo que voltaremos a encontrar no Romanceiro do Algarve e um dos pontos em que, nesta obra, se verifica mais claramente a influência dum subgénero da poesia culta contemporânea de Veiga, a balada, a que à frente daremos a devida atenção. 955 956 Entenda-se: da igreja de Nossa Senhora da Orada, que se situa em Albufeira. Romanceiro do Algarve, p. 201. VII TRÊS CASOS DE ROMANCES FALSOS Como vimos atrás, no inventário do espólio de Estácio da Veiga há um grupo de 11 romances que intitulámos “Textos não recolhidos (ou aparentemente não recolhidos) da tradição oral”. Nesse grupo, podemos estabelecer três subgrupos: i) Inclui 7 romances, sobre os quais (tendo em atenção o que dissemos atrás nas respectivas notas de rodapé e aquilo que adiante veremos) há a certeza de não virem, de facto, duma recolha na tradição oral, sendo invenções de Estácio da Veiga, com base em outros textos, não tradicionais. Trata-se dos seguintes: Os Calvos; Cativo em Fuga Morre no Mar; Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura; Cavaleiro Lamenta-se pela Ausência da Amada; Descrição duma Bela Pastora; D. Julião; e A Senhora dos Mártires Salva um Cativo. ii) Inclui um romance (Pastora Morre de Amor), que, pelos motivos indicados na respectiva nota, temos dúvidas em dizer que seja invenção total de Estácio da Veiga. iii) Inclui 3 romances, que, pelos motivos atrás indicados (e, no caso do terceiro deles, pelo que adiante veremos), nos inclinamos muitíssimo a atribuir à pena exclusiva de Estácio da Veiga, embora não o possamos provar de modo indiscutível: A Serrana Fiel, O Frade e a Freira e A Moura Encantada de Tavira. O Caso do D. Julião O único dos 11 romances atrás citados de que, como se sabe, existe uma versão antiga é o D. Julião, pelo que poderia pôr-se a hipótese de Veiga ter, de facto, possuído uma sua versão oral. É verdade que a versão publicada no Romanceiro do Algarve é altamente suspeita, apresentando um estilo muito pouco tradicional, 957 957 e que certos versos seus ecoam O primeiro a chamar a atenção para tal aspecto foi Teófilo Braga, que, logo no ano seguinte ao da publicação do Romanceiro do Algarve, fez várias certeiras observações sobre o texto do D. Julião, o qual, demasiado algumas passagens da versão antiga. Contudo, seria sempre possível pôr a hipótese de que tal se ficara a dever ao método editorial criativo de Estácio da Veiga: possuindo, num primeiro momento, uma versão tradicional do romance, Veiga tê-la-ia, depois, modificado, aproximando-a da versão antiga (que conhecia pelo Tesoro de Ochoa), entendida como a versão “correcta”. O texto publicado no Romanceiro do Algarve seria, precisamente, produto desse segundo momento. 958 Analisando, porém, os manuscritos que do D. Julião existem no espólio, somos levados a concluir que o caminho que eles deixam adivinhar é precisamente o inverso da anterior hipótese. Comecemos por observar o testemunho A, 959 e, em paralelo, os versos ou formas que lhe correspondem, no texto antigo (extraído da obra de Ochoa). 960 Deste último, transcrevemos, não só os versos em que a semelhança discursiva com A é inegável, mas também alguns em que, mudadas embora a maioria das palavras, pensamos que se continua a sentir uma forte identidade sinonímica (estes últimos versos vão transcritos em itálico). Testemunho A Dom Rodrigo, dom Rodrigo, 2 Ochoa 31, etc. don Rodrigo Rei traidor e sem palavra, Com a vida hasde pagar afirmava, “traz em si a prova da [sua] falsidade”. Baseava-se ele no facto de, na versão de Veiga, as personagens e os topónimos conservarem os nomes históricos (“Rodrigo”, “Juliano”, “Cava”, “Ceita”, “Oppas”, “Guadalete”...), “sabendo-se que os nomes de pessoas e de logares são a primeira cousa que se oblitera na tradição” (Theophilo Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1871, pp. 372 e 373). 958 É tal hipótese que explica, pensamos, ter sido este —entre os temas romancísticos suspeitosamente atestados apenas no Romanceiro do Algarve— o único a conseguir entrar na Bibliografia do Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna, cit., de Pere Ferré e Cristina Carinhas. O mesmo acontecera, aliás, no C.G.R., onde (embora qualificando como “muy retocada” a versão de Veiga), Diego Catalán e seus colaboradores não deixam de incluir o romance En Ceuta está don Julián, baseando-se apenas na atestação fornecida pelo Romanceiro do Algarve, ainda que possivelmente desconfiando dela (ver Diego Catalán, con la colaboración de J. Antonio Cid, Beatriz Mariscal, Flor Salazar, Ana Valenciano y Sandra Robertson, El romancero pan-hispánico[.] Catálogo general descriptivo, 2, Madrid, Seminario MenéndezPidal, 1982, nº1). 959 960 5 D / 68 – 69. Tesoro de romances, cit., p. 84. 307 4 6 A traição de Dona Cava.1 48 Cava Dom Julião está em Ceuta,2 1 En Ceuta está don Julian, 3 2 En Ceuta la bien nombrada Lá em Ceuta a bem fadada, A jurar está vingança 8 Pelas suas mesmas barbas. Mouro velho escrevia, 10 O conde a carta notava, Mal acaba de escrever 12 Ao rei moiro a mandava. Na carta lh’ off’rece o conde 14 Todo o reino de Granada, 5 Moro viejo la escrebia, 6 Y el conde se la notaba: 7 Despues de haberla escripto, 11 Las cartas van al rey moro, 12 En las cuales le juraba 14 Le dará por suya España Se lhe quizesse mandar 16 Sua gente bem armada, Para vingar sua filha, 18 Que elrei lhe deshonrára. Mal que elrei recebe a carta 20 Sua gente aparelhava 13 Que si le daba aparejo Para vingar Dom Julião, 22 Para conquistar Granada. Hispanha, Hispanha, ái de ti! 15 España, España, ¡ ay de tí! 24 Tão formosa e desgraçada Por amor de uma mulher 26 Irás a ser arrasada! Hispanha, Hispanha, ái de ti! 28 Tão formosa e desgraçada, Por vingança de um traidor 30 Irás a ser abrasada! 23 Por un perverso traidor 24 Toda eres abrasada, Hispanha, Hispanha, ái de ti, 32 Tão formosa e desgraçada, Por amores do teu rei 34 Serás hoje ainda escrava! Eras das sete partidas 36 No mundo a mais nomeada, Mais do que todas formosa, 38 E em proezas estremada; Tantas cidades e villas 40 Hoje te serão ganhadas! 17 La mejor de las partidas, 16 En el mundo tan nombrada 21 Dotada de hermosura, 22 Y en proezas estremada, 25 Todas tus ricas ciudades 27 Las domeñan hoy los moros Andaluzia não hade 42 Dar-te mais vida, mais alma. (Nota) 961 O triste rei Dom Rodrigo 31 El triste rey don Rodrigo 44 Ao campo vai dar batalha 34 Sale á la campal batalla, Mas o traidor de Dom Oppas (Nota) 46 Tudo alli lhe atraiçoára. 962 41 Maldito de tí, don Oppas, 42 Traidor y de mala andanza Grande senhor de Marrocos4 48 Commandava grande armada; Pondo o pé em terra firme 50 Toda a terra conquistava, O sangue já era tanto 52 Que todo o campo alagava; Assim perde Dom Rodrigo 54 A sua grande batalha, Tambem perde Andaluzia, 56 Tambem perde Granada. Toda Hispanha se converte 58 Em poderosa Moirama. Dom Julião e Dom Oppas 60 Dona Cava assim vingavam. Notas (do testemunho A) No fim do texto do romance: Vide Ochoa pg 84 — Rom. 8º Em rodapé: 1 A traição de Dona Clara. 961 A palavra Nota remete, sem dúvida, para uma nota de rodapé que, porém, se não encontra em nenhuma parte do presente testemunho. No testemunho B (cópia modificada de A) existe, no entanto, no mesmo verso, uma nota (ali a nº 4), que diz o seguinte: “Estes dois versos referem-se talvez ao facto de ter sido em Andaluzia que Dom Rodrigo foi primeiramente proclamado rei pelos inimigos de Witiza.” (5 D / 65v). Esta nota surge também, ligeiramente retocada, no testemunho C (Romanceiro do Algarve, p. 10). 962 Passa-se com esta Nota o mesmo que com a anterior. A que lhe corresponde em B diz o seguinte: “Refere-se que dom Oppas arcebispo de Sevilha, que figurou no principio do VIII seculo, capitaneá<ra>/ndo\ os filhos de Witiza contra o rei Rodrigo, <e que> tomára uma parte muito integrante na conjuração do conde Dom Julião.” (5 D / 66r). A mesma nota surge, retocada, em C (Romanceiro do Algarve, loc. cit.). 309 Este nome de D. Clara vê-se immediatamente que é adoptado pelo povo em vez do de Cava, que assim se diz ter-se chamado a filha do conde de Ceuta D. Julião, a qual fôra objecto de criminosas affeições de el rei D. Rodrigo 2 Juliano está em Ceuta 3 Para te fazer a barba 4 Este Grande senhor de Marrocos não pode deixar de ser o celebre Muza, com quem o conde Dom Julião se compozéra entregando-lhe as praças africanas de seu commando, e abrindo-lhe o passo para a conquista de Hispanha, para assim desthronar e anniquilar o famoso violador de Cava sua filha, ou mulher, como tambem se diz. Aparato genético (do testemunho A) 2 Rei <traidor>[↑ sem alma] e sem palavra, 5 Dom Julião <está>[↑ lá] em Ceuta,2 9 Mouro velho [<lhe>] escrevia, 24 Tão formosa e <desgraçada>[↑ malfadada] 25 Por amor de uma <mulher>[↑ donzella] 28 <Tão formosa e desgraçada,>[↑ Formosa e mal empregada] 39 <Tantas>[↑ Tuas] cidades e villas 52 Que todo o campo <alagava;>[↑ ensangoava;] 56 [E] <T>/t\ambem perde <g>/G\ranada; Adoptámos no texto a última destas emendas, uma vez que a forma anterior é um visível lapso de Veiga. 57 Toda <E>/Hi\spanha se converte Tendo em atenção que Hispanha é a forma que surge anteriormente no testemunho (por três vezes), e que não indica nenhuma diferença fonética relativamente à forma Espanha, constituindo apenas um latinismo gráfico, decidimos adoptá-la no texto, embora, no presente verso, ela não seja a forma inicial. Nota 1 ... a filha [↑ ou mulher] do conde ... ... affeições de <el rei> D. Rodrigo [ultimo rei godo.] Nota 4 Este <g>/G\rande senhor ... ... Muza, <a>[↑ com] quem [↑ se diz que] o conde Dom Julião <entregara> se compozéra entregando-lhe as praças africanas... Uma vez que a forma inicial desta frase está incompleta (falta-lhe, de facto, o complemento directo, dado que as praças africanas foi escrito quando entregara já tinha sido riscado e substituído), não a pudemos adoptar no texto. ... filha, ou mulher, <como tambem se diz.>[ em signal de sua vingança.] É inegável e altamente suspeita a semelhança de tantos versos, sendo, para mais, muitos deles de estilo nada tradicional, pelo que seria extremamente improvável que tivessem podido sobreviver na oralidade, caso nela tivessem alguma vez dado entrada — e pensamos, por exemplo, nos versos seguintes: 17 La mejor de las partidas, 16 En el mundo tan nombrada 21 Dotada de hermosura, 22 Y en proezas estremada, e na sua teórica sobrevivência oral: Eras das sete partidas 36 No mundo a mais nomeada, Mais do que todas formosa, 38 E em proezas estremada Note-se que, no testemunho A, temos uma referência à versão de Ochoa, no fim do texto do romance, antes das notas: “Vide Ochoa pg 84 — Rom. 8º”. A página mencionada é, precisamente, aquela onde, como assinalámos, se encontra, no Tesoro de romances, o Don Julián, o qual é, aí, o “VIII” dos “romances del rey Rodrigo”. Antes de passar adiante, vejamos ainda um outro aspecto interessante da influência de Ochoa no nascimento do D. Julião de Veiga. Como pudemos observar, em A, existe uma passagem que consiste em três quadras de construção paralelística: Hispanha, Hispanha, ái de ti! 24 Tão formosa e desgraçada Por amor de uma mulher 26 Irás a ser arrasada! Hispanha, Hispanha, ái de ti! 28 Tão formosa e desgraçada, Por vingança de um traidor 30 Irás a ser abrasada! Hispanha, Hispanha, ái de ti, 32 Tão formosa e desgraçada, Por amores do teu rei 311 34 Serás hoje ainda escrava! “Hispanha, Hispanha, ái de ti!” é, obviamente, claríssima tradução do “España, España, ¡ ay de tí!”, presente no texto nº VIII de Ochoa, mas a influência da colectânea deste autor no nascimento do D. Julião de Veiga não se fica por aqui. De facto, na mesma página do texto nº VIII, numa coluna paralela (no Tesoro, em cada página há sempre duas colunas), está o princípio (e quase toda a totalidade, uma vez que só dois versos passam para a página seguinte) do romance nº IX do rei Rodrigo. 963 Trata-se dum romance artificioso, que tem por incipit “De lo mas alto de um monte, / A quien Guadalete baña”. Ora tal romance é formado precisamente por três partes, de 12 + 15 + 12 versos, e, no final de cada parte, há o refrão — ¡ Ay España, España, Que culpa no mereces y te abrasas! Parece-nos, pois, que este romance nº IX influiu igualmente na criação do texto de Veiga, e, observe-se, não só na questão do nascimento das referidas três quadras paralelísticas. De facto, parece-nos que o poema nº IX também desempenhou um papel na formação do texto de Estácio da Veiga, no facto de, no texto “algarvio”, a invocação de “Hispanha, Hispanha, ái de ti!” aparecer ligada ao pormenor de “Hispanha” ir “ser abrasada” (ou, forma paralela, derivada daquela, “ser arrasada”). Com efeito, o verso “Toda eres abrasada”, está, de facto, no nº VIII de Ochoa, mas aparece nove versos depois do “España, España, ¡ ay de tí!” A união, na mesma quadra, dos dois aspectos (tal como surge em Veiga) deve atribuir-se, pensamos, à influência do texto nº IX. Diga-se, no entanto, que ao autor algarvio se parece dever a ideia de construir a referida passagem de três quadras de paralelismo total (entre todos os versos das três quadras), uma vez que no romance nº IX de Ochoa o paralelismo se limita à existência do refrão e à (aproximada) identidade do número de versos de cada uma das partes do poema. A ideia das três quadras paralelística totais é bem possível que tenha vindo a Estácio da Veiga através do conhecimento que ele tinha do cancioneiro tradicional (de que, como vimos a seu tempo, foi grande colector), onde tal artifício é, como se sabe, bastante corrente. E, verdade seja, o resultado deste triplo influxo (textos nºs VIII e IX e cancioneiro tradicional) foi, no que se refere às três quadras mencionadas, bastante positivo, sendo talvez esse o lugar do 963 Tesoro, pp. 84-5. testemunho A onde o estilo oral está mais presente. (Mas, como veremos, tal felicidade inventiva não terá vida longa...). De sublinhar que aquilo que observámos no nascimento do testemunho A é, no fundo, a formação duma versão factícia, prática que, como mostrámos, Veiga deixa bem claro, repetidas vezes ao longo do Romanceiro do Algarve, ter sido a sua no estabelecimento dos textos. Mais precisamente, ao formar o seu D. Julião, Veiga adopta a combinatio, procedimento de que, ele próprio, nunca fala de modo explícito, mas que, como vimos, em Scott é vulgar e em Garrett (conforme igualmente vimos) surge enunciado pelo menos uma vez. 964 No modo como Estácio da Veiga formou o seu D. Julião, o processo adoptado foi exactamente o mesmo — com o “pequeno” pormenor de tanto o texto-base adoptado (a versão nº VIII de Ochoa) como a versão auxiliar (a nº IX) serem falsas, não tradicionais... Mas continuemos a análise dos manuscritos do D. Julião. Se Veiga tivesse possuído, de facto, uma versão tradicional, que, depois, tivesse transformado com base na versão “certa” de Ochoa, e, se tivesse chegado até nós (como chegou) mais do que um testemunho do processo de formação do texto publicado, sem dúvida que o testemunho mais recente estaria mais próximo do texto de Ochoa. Se tivéssemos a sorte de possuir o texto obtido durante a recolha, nele não encontraríamos nenhum vestígio da letra de Ochoa, e, mesmo se o texto tradicional se tivesse perdido (como teria acontecido no caso do D. Julião de Veiga), o testemunho mais antigo que se tivesse conservado seria, de todos, aquele que menos marcas apresentasse da influência de Ochoa. Acontece que, no caso do D. Julião, se passa o contrário: o segundo testemunho (que passamos a designar por B), cópia transformada de A, está mais longe da lição de Ochoa do que A, mostrando que aquilo que Estácio da Veiga fez foi, primeiro, traduzir o texto antigo (ou escrever um texto que nele claramente se baseava), e, depois, tentar disfarçar tal descendência, modificando progressivamente o texto, primeiro em B, e, por fim, em C (i. e., o texto publicado no Romanceiro do Algarve, e que é cópia um pouco modificada de B). No caso do D. Julião (ao contrário do que acontece com Descrição duma Bela Pastora, que mais à frente analisaremos), não se conservou, é verdade, o testemunho com a tradução directa do texto espanhol, mas é um facto que só a existência dum testemunho assim (com a tradução portuguesa da versão de Ochoa ou, pelo menos, com um texto muito 964 “Este romance [o Frei João] é vulgar na Extremadura e Beira e nas duas provincias d’ alêm Tejo. Seguiu-se principalmente o exemplar vindo de Castello-branco, que era o mais amplo; mas approveitou-se de outras licções provinciaes o que foi necessario para lhe dar complemento” (Romanceiro, III, p. 50). 313 inspirado em Ochoa) explica que, repetimos, o testemunho B esteja mais longe de Ochoa do que A, e que C esteja ainda mais longe. Haveria apenas uma possibilidade de Estácio da Veiga ter, de facto, possuído uma versão tradicional do D. Julião e de, ao mesmo tempo, os testemunhos apresentarem, em relação a Ochoa, o mesmo nível de proximidade que apresentam (i. e., A ser o mais próximo, afastando-se B um pouco, e sendo C o mais afastado de todos). A possibilidade seria a de Veiga ter usado Ochoa para transformar a hipotética versão tradicional, criando A, mas, depois, ter decidido retocar o texto assim obtido, o que teria dado origem a B e, depois, a C, mais afastados da lição de Ochoa. Porém, tal hipótese parece-nos impossível, uma vez que, a ser assim, Veiga teria actuado contra a lógica a que obedece o estabelecimento de textos factícios (tentar corrigir o romance desnaturado pela oralidade) e leva os editores portugueses a (como Garrett, conforme vimos) guiarem-se pelos textos antigos castelhanos correspondentes. Estácio da Veiga, se tivesse lançado mão ao texto de Ochoa para retocar uma versão portuguesa “demasiado fragmentária” que possuísse, visaria, também ele, conseguir um texto melhor, e tal seria atingido quando o seu texto se passasse a assemelhar mais ao texto de Ochoa, formando aquilo que designamos por testemunho A, o qual, repita-se, é, sem dúvida, o que mais próximo está de Ochoa. Ora, uma vez conseguido tal estádio, seria impensável que o editor voltasse a afastar-se da perfeição, através duma dupla remodelação do texto “perfeito” A, produzindo B e, pior ainda, C, que mais errado estaria. Face a tal impossibilidade lógica, parece-nos ser necessariamente de concluir que Veiga não dispôs de nenhuma versão tradicional, e que o seu texto deriva duma tradução do texto antigo. Além disso, parece-nos de concluir também que o editor algarvio actuou de máfé e que o seu trabalho editorial criativo, neste caso, visou disfarçar o mais possível a origem fraudulenta do texto que publicou. Para seguirmos esse trabalho editorial, passamos a confrontar as passagens de A em que a lição de Ochoa 966 testemunhos B 965 967 e C. é mais clara, com as passagens que lhes correspondem nos Note-se que, na coluna correspondente ao texto de Ochoa, em dado momento, transcrevemos, além dos versos da versão do Don Julián (o nº VIII dos seus “romances del rey Rodrigo”), também os versos do texto nº IX, que, como dissemos, nos 965 966 967 Tesoro de romances, p. 84 5 D / 65 – 67. Romanceiro do Algarve, pp. 6-8. parece ter igualmente influenciado a criação do texto de Veiga. Os versos desse segundo poema espanhol são os transcritos em itálico. 315 Ochoa Testemunho A Testemunho B Testemunho C 1 En Ceuta está don Julian, 5 Dom Julião está em Ceuta, 5 Dom Julião lá em Ce<u>/i\ta, 1 Dom Juliano lá em Ceita, 2 En Ceuta la bien nombrada 6 Lá em Ceuta a bem fadada, 6 Lá em Ce<u>/i\ta a bem fadada, 2 Lá em Ceita a bem fadada, 21 Quer escrever, mas não póde, 22 Por seus servos rebradára; 5 Moro viejo la escrebia, 9 6 Y el conde se la notaba: 10 O conde a carta notava, 10 O conde a carta notava, 15 España, España, ¡ ay de tí! 23 Hispanha, Hispanha, ái de ti! 23 < Hispanha, Hispanha, ái de ti! 13 — ¡ Ay España, España, 24 Tão formosa e desgraçada 24 Nobre Hispanha malfadada, 25 Por amor de uma mulher 25 Por amor de uma <donzella>[↑ dona] 26 Irás a ser arrasada! 26 Irás a ser arrazada! 27 Hispanha, Hispanha, ái de ti! 27 Hispanha, Hispanha, ái de ti! 28 Tão formosa e desgraçada, 28 Formosa e mal empregada, 23 Por un perverso traidor 29 Por vingança de um traidor 29 Por vingança de um tr<ai>/e\dor 24 Toda eres abrasada, 30 Irás a ser abrasada! 30 Irás a ser abrazada! > 30 — ¡ Ay España, España, 968 Mouro velho escrevia, 968 9 Velho mouro escrevia, 23 Ao mais velho escrever manda, 24 E o conde a carta notava; Na transcrição que fazemos no texto, interpretámos o sentido do manuscrito. Nele, o que temos é o seguinte: Mouro velho escrevia; por cima de Mouro, está um 2 e, por cima de velho, um 1. 31 Que culpa no mereces y te abrasas! 45 — ¡ Ay España, España, 31 Hispanha, Hispanha, ái de ti, 32 Tão formosa e desgraçada, 31 <Hispanha,>[↑ Triste] Hispanha, 37 Triste Hispanha, flor do <ái de ti,> [↑ flor do mundo,] mundo, 32 Tão <formosa e>[↑ nobre e tão] 38 Tão nobre, e tão desgraçada! desgraçada! 33 Por amores do teu rei 33 <Por amores do teu rei>[↑ Por 39 Por vingança de um trédor vingança de um trédor] 34 Serás hoje ainda escrava! 34 Serás hoje ainda escrava! 40 Serás dentro em pouco escrava! 17 La mejor de las partidas, 35 Eras das sete partidas 35 < Eras das sete partidas 16 En el mundo tan nombrada, 36 No mundo a mais nomeada, 36 Do mundo a mais nomeada, 21 Dotada de hermosura, 37 Mais do que todas formosa, 37 Mais do que todas formosa, 22 Y en proezas estremada, 38 E em proezas estremada; 38 Em proezas estremada; > 31 El triste rey don Rodrigo 43 O triste rei Dom Rodrigo 45 O triste de dom Rodrigo 47 O triste de dom Rodrigo 34 Sale á la campal batalla, 44 Ao campo vai dar batalha 46 Ao campo vai dar batalha, 48 Ao campo vai dar batalha, 41 Maldito de tí, don Oppas, 45 Mas o traidor de Dom Oppas 47 Mas lo tr<ai>/e\dor de dom Oppas 49 Mas lo trédor de dom Oppas 42 Traidor y de mala andanza 46 Tudo alli lhe atraiçoára. 48 Tudo lhe atraiçoára. 50 Tudo alli lhe atraiçoára. 317 O quadro que apresentámos fala por si. Faremos apenas algumas observações sobre duas das quatro passagens transcritas. Quanto à primeira, na sua evolução podemos apreciar como, por um lado, se vai disfarçando a relação existente entre os versos de Veiga e o texto antigo e, por outro, como esses versos adquirem uma invejável patina toponímica medieval: 969 Ochoa En Ceuta está don Julian=> A Dom Julião está em Ceuta => B Dom Julião lá em Ce<u>/i\ta=> C Dom Juliano lá em Ceita. A ideia do toque medievo nasce, como vemos, em B. Nesse testemunho, existe uma nota de rodapé que, remetendo para o verso em causa, apresenta uma sua variante, provinda, teoricamente, duma outra versão que, do mesmo romance, Veiga possuía (tal variante, como quase sempre acontece no Romanceiro do Algarve, afinal é apenas o estádio anterior do verso que está no texto, antes de ele ser retocado). Diz essa pretensa variante: “Juliano está em Ceuta”. Depois, num segundo momento (contemporâneo daquele em que, no texto, Veiga emendou o verso), a palavra “Ceuta”, na nota, foi, também aí, mudada para “Ceita”. E, além disso, com um sangue-frio que teria feito corar Judas, o editor acrescentou: “(Ceita, como então se escrevia)”. Em C, a nota passa a ter a seguinte redacção: “Juliano está em Ceita. Nesta mesma variante se repete Ceita, 970 como então se escrevia”. 971 Que descoberta, portanto: na boca dos camponeses do Algarve, permanecia viva a forma antiga, medieval, genuína, do topónimo! Que honra para eles, para a sua província (que o resto de Portugal considerava atrasada), e, obviamente, para o próprio colector... Quanto à terceira das passagens que acima comparámos, assistimos à sua quase desaparição, pois, dos 16 versos que ela apresenta em A (vv. 23-38), acaba, em C, reduzida a apenas 4 (vv. 37-40). Como dissemos, nesta passagem verificava-se, em A, a influência de dois textos de Ochoa, os nºs VIII e IX dos “romances del rey Rodrigo”. Na evolução sofrida pelo texto, a marca proveniente do nº IX desapareceu de todo, já que a série de três quadras paralelísticas ficou reduzida a apenas uma. 969 970 972 Tipo de transformação que já encontrámos no Dom Rodrigo e no Cid e Búcar. Como se depreende, nesta frase o termo “variante” é usado no sentido de “versão”. Ao falar da repetição de “Ceita” Veiga refere-se, obviamente, ao facto de a mesma palavra aparecer nos vv. 1 e 2. 971 972 Romanceiro do Algarve, p. 10. É possível que a eliminação de tais quadras paralelísticas (cuja introdução fora, aliás, o único aspecto em que o testemunho B ganhara, através do trabalho de Veiga, um toque tradicional) se deva à preocupação de evitar as repetições lexicais, preocupação que se faz sentir também no Dom Rodrigo e no Cid e Búcar, como vimos, e que, tem como consequência a perca duma característica básica do estilo oral. Quanto à influência do nº VIII, um dos seus aspectos mais evidentes —o “Hispanha, Hispanha, ái de ti” (<“España, España, ¡ ay de tí!”)—, acabou por ficar quase irreconhecível: “Triste Hispanha, flor do mundo”. E os versos sobre a “formosa” Espanha, “em proezas estremada”, “a mais nomeada” das “sete partidas” do mundo (claríssima tradução dos vv. 16-17 e 21-22 de Ochoa), pura e simplesmente desapareceram. Claro que, mesmo depois da evolução que o texto sofreu, o seu carácter falso continuou visível, nomeadamente através da sobrevivência (impossível de admitir na tradição) de todos os nomes das personagens, incluindo os exóticos “Cava” e “Oppas”. E Veiga (embora menos perspicaz que Teófilo Braga, cuja opinião sobre estes fósseis lexicais já transcrevemos) não deve ter deixado de pensar no perigo que eles poderiam representar sob a lupa de algum crítico mais atento. Terá sido talvez por isso que, no prólogo deste romance, escreveu o seguinte: Assentando não dever alterar o estilo do povo, para o que me não julguei autorisado, fiz quanto possivel por conserval-o em todos os romances que delle alcancei; e por isso em muitos se notarão certos termos, e modos de dizer pouco usados hoje, mas que os bons apreciadores receberão sem duvida 973 com agrado. Além disso, em nota de rodapé, apresenta —para afastar suspeitas, sem dúvida— uma pretensa variante de “Cava”, produto de corruptela popular: “Dona Clara”. No entanto, no texto, manteve a improvável “Cava”, não resistindo a mostrar como a tradição da sua província tinha mantido intactos (para cúmulo e espanto dos lisboetas) os nomes das personagens e, como vimos, até a fonética original do topónimo “Ceita”. Mas, claro, não é apenas pelo léxico que este romance é notável. Não: trata-se duma importante descoberta, algo até hoje desconhecido, antiquíssimo e que só no Algarve se conserva, como Veiga faz questão sublinhar: O romance algarvio do Conde de Ceuta [...], viva tradição popular dos derradeiros alentos da monarchia wisigothica, resurgindo do mal aventurado esquecimento em que jazia, e offerecendo-se como verdadeira novidade litteraria, com quanto haja logrado muitos seculos de recondita existencia, apparece hoje impresso pela primeira vez. Se a restituição deste perdido monumento constitue ou não um bom serviço ás lettras, outros, e não eu, o dirão com mais autorisada palavra. 973 Op. cit., p. 3. 319 Como regatear elogiosos a um colector assim? Sobretudo quando sabemos que, para recolher este diamante, ele teve de calcorrear muitas terras, incluindo aldeias bem afastadas, como Veiga não deixa de explicar: “cidades inteiras ha que o desconhecem; e onde melhor o encontrei, posso dizer que foi na gente camponeza mais arredada das maiores povoações”. 974 E, um pouco mais abaixo, voltará a falar sobre o trabalho que lhe deu encontrar versões deste romance, e, en passant, sobre o método filológico rigoroso que teve de aplicar, para fixar o texto que oferece aos leitores: bem poucas memorias já delle restavam, e por isso me foi mister procural-o muito, até conseguir, como consegui, varias lições, que, simultaneamente cotejadas, podéram produzir esta, que na essencia não differe de nenhuma, e 975 de todas mais ou menos se aproxima. Depois de tantas provas a favor da genuinidade do D. Julião, restava só dar mais uma: frisar que, ao contrário do que pudesse parecer, o texto algarvio, para além do tema comum, nada tinha a ver com um certo romance antigo que algum leitor mais erudito (e maldoso) poderia conhecer... do livro de Ochoa: No Romancero castelhano do illustre litterato D. Eugenio Ochoa, na collecção dos romances de elrei Rodrigo, acha-se um anónimo, o oitavo, que, comquanto defira mui sensivelmente deste, comporta todavia o mesmo assumpto; e assim aqui o indico para poder ser cotejado com este, que é inquestionavelmente portuguez, e algarvio de nação. Qual dos dois parecerá ser mais antigo e de melhor estilo? Quanto a mim, se me não chamassem vaidoso das cousas da minha terra, preferiria á castelhana 976 esta lição algarvia. Parece depreender-se destes surpreendentes parágrafos que Estácio da Veiga, mesmo depois de transformar tanto o seu texto em relação ao original, não deveria, contudo, estar completamente seguro dos resultados do seu método editorial. Por um lado, decide lançar mão do conhecido estratagema de “com a verdade me enganas”: depois da referência ao texto de Ochoa, seria impossível que qualquer leitor fosse pensar ter-se ele inspirado no 974 975 976 Op. cit., p. 4. Loc. cit. Op. cit., p. 5. mencionado texto para escrever o seu, pois, nesse caso, Veiga teria de ser a última pessoa interessada em falar na semelhança entre ambos. Por outro lado, decide arrumar de vez a questão, decidindo (sem apresentar provas do facto) que o romance de que publica uma versão “é inquestionavelmente portuguez, e algarvio de nação”, e que (neste aspecto, baseando-se numa prova vaga: “ser mais antigo e de melhor estilo”) a sua versão é preferível à castelhana. Finalmente, Estácio da Veiga decide não facilitar mesmo nada as coisas ao possível adversário: pelo motivo que já vimos, revela a existência do paralelo na obra de Ochoa, mas acaba por não transcrever esse texto, receoso provavelmente de que o seu uso pelo leitor pudesse ter um resultado não desejado. Sublinhe-se que, num primeiro momento, Veiga pensou, efectivamente, em transcrever a versão castelhana, em apêndice ao seu texto, seguindo, assim, um processo que, como dissemos, Garrett usara várias vezes no seu Romanceiro. De facto, no espólio, guarda-se uma versão do prólogo do D. Julião 977 anterior à publicada no Romanceiro do Algarve, e que, em relação a esta, apresenta várias diferenças, possuindo, além disso, o próprio manuscrito numerosas emendas nas entrelinhas. Vejamos a forma que, aí, reveste a passagem acima citada: No Romanceiro castelhano de D. Eugenio Ochoa, [↑ na collecção dos romances del rei Rodrigo, <*u>] acha-se um romance anonimo, [↑ o 8º,] que, comquanto defira mui sensivelmente deste, comporta todavia o mesmo assumpto, <o qual em seguida appresento>[↑ entretanto aqui o indico] para com <elle>[↑ este] poder ser cotejad<a>/o.\ <a licção algarvia.>[<↑ esta licção.>] Qual dos dois parecerá mais antigo, e de melhor estylo? Cá por mim, se me não chamassem vaidoso das cousas da minha terra, preferiria [↑ á castelhana] 978 esta licção algarvia [.] <á castelhana.> “Seria arriscar demasiado” —terá pensado Veiga— enquanto cortava a expressão “o qual em seguida appresento”. Para os raros leitores do Romanceiro do Algarve que possuíssem o Tesoro de Ochoa, a referência de que, ali, existia uma versão parecida com a sua bastaria para o proteger de suspeitas de plágio, sobretudo quando essa referência (numa inteligente tentativa de condicionar a priori o juízo do leitor) ia acompanhada por uma declaração ex cathedra de que ambos os textos se limitavam a partilhar o mesmo assunto, mas eram independentes. Quanto aos outros leitores, os que, não possuindo o livro de 977 978 5 D / 62 – 64. 5 D / 62c. 321 Ochoa, não poderiam cotejar os textos, melhor ainda: era preferível que Veiga não fosse arranjar inimigos onde os não havia. Repare-se, também, que na primeira versão do prólogo, a frase categórica “que é inquestionavelmente portuguez, e algarvio de nação” ainda não existia, mas surgirá na versão impressa: é que (terá pensado Veiga) os cuidados nunca são demais. Para concluirmos a análise do D. Julião, resta-nos tentar descobrir o que terá levado Estácio da Veiga a fabricar esta falsificação. Um dos motivos parece-nos ser algo de que já falámos várias vezes e que, no nosso entender, explica muitas coisas no Romanceiro do Algarve: o amor de Veiga pela sua província e a vontade de a dignificar. Que grande presente para a tradição oral da sua terra atribuir-lhe a posse d’ “esta reliquia litteraria” de “immemorial idade”, ausente do Romanceiro de Garrett, e tão, tão antiga, “que bem póde ser que [...] nascesse ella mesmo muito antes de constituida a nossa monarchia”! 979 O outro motivo que terá levado Veiga a escrever este romance liga-se provavelmente à fama que teve no século XIX, em Portugal, a história de Rodrigo. Tal fama parece, em última análise, ter como fonte a Monarquia Lusitana, de Frei Bernardo de Brito, onde se conta que Rodrigo não morreu na batalha de Guadalete, e, pelo contrário, fugiu para o território onde hoje é Portugal, trazendo consigo uma imagem de Nossa Senhora, a mesma que, séculos depois, foi achada por D. Fuas Roupinho, na Nazaré (onde Rodrigo, aliás, teria morrido). Além do mais, Brito menciona ainda que a Cava era portuguesa, nascida em Idanha, razão por que essa vila se chamava, em latim, Cava Juliani... 980 Por outro lado, em 1629, Leitão de Andrada publicou quatro oitavas que, alegadamente, seriam fragmento dum Poema da Cava antiquíssimo, coevo dos acontecimentos narrados. 981 Não obstante João Pedro Ribeiro, logo em 1810, na melhor linha iluminista, ter acusado de apócrifo tal poema, 979 980 982 o texto continuou a ser publicado, Op. cit., p. 4. O próprio Veiga não se esquece de recordar esse facto, que constituiria mais uma achega para provar que o D. Julião tinha de ser português (Romanceiro do Algarve, p. 9, nota 1). 981 982 Miguel Leitão de Andrade, Miscellanea, cit., pp. 333-4. Ver João Pedro Ribeiro, Dissertações Chronologicas e Criticas sobre a historia e Jurisprudencia Ecclesiastica e Civil de Portugal publicadas por ordem da Academia R. das Sciencias, I, Lisboa, Na Typographia da Mesma Academia, 1810, p. 181. Ribeiro, aliás, como já atrás vimos, nega a autenticidade de todas as chamadas “cinco relíquias da poesia portuguesa arcaica”, em cujo número se integra o Poema da Cava. nomeadamente na obra de Balbi, de grande prestígio da época, 983 ou em artigos de revistas. Costa e Silva, na sua conhecida história da literatura, não deixa de o incluir, 985 984 e Teófilo 986 Braga sempre defendeu a sua autenticidade, publicando-o no Cancioneiro Popular. Além disso, a figura de Rodrigo é o tema de, pelo menos, três obras românticas 987 portuguesas: duas baladas —uma de Castilho uma peça de teatro, de Campos e Melo. Senhora da Nazaré) 990 989 e Sublinhe-se que o poema de Castilho (Rimance da se tornou célebre, tendo sido admirado até por Antero, que o incluiu 991 no seu Tesouro Poético da Infância. O próprio Estácio da Veiga se lhe refere elogiosamente, na introdução do Romanceiro do Algarve. 983 988 e outra de António de Serpa Pimentel— 992 Ver Adrien Balbi, Essai statistique sur le royaume de Portugal et d’ Algarve comparé aux autres états de l’ Europe, II, Paris, Chez Rey et Gravier, Libraires, 1822, pp. i-ii. 984 Anónimo, “Resumo Historico da Literatura Portugueza”, O Cidadão Literato, I, nº 2 (Fev. de 1821), pp. 86-89, e nº 3 (Março de 1821), pp. 156-161 (nas pp. 86-7, refere-se ao Poema da Cava, de que publica três estrofes); Anónimo, “Lingua Portugueza no Seculo Oitavo”, Universo Pittoresco, I, nº 1 (1/1/1839), p. 14 (publica o poema, acompanhado por notas esclarecedoras do léxico); e Anónimo, “Das Origens do Idioma Patrio, e dos Nossos Primeiros Monumentos Litterarios”, Museu Pittoresco, I (1842), nº 15, pp. 114-116 (fala do poema, que transcreve). 985 José Maria da Costa e Silva, Ensaio Biographico-Critico sobre os Melhores Poetas Portuguezes, I, Lisboa, Imprensa Silviana, 1850. Transcreve o poema (pp. 83-84) e dedica-lhe longos comentários (pp. 8285). 986 987 Braga, Cancioneiro Popular, cit., pp. 1-2. Incluída em Antonio Feliciano de Castilho, Quadros Historicos de Portugal, Lisboa, Na Typographia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1838, pp. 50-51. Foi republicada, pelo menos, em O Futuro, 8/8/1858, pp. 1-3, e, mais tarde, na obra de Castilho O Outono. Collecção de poesias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1863, pp. 153-171. 988 A[ntonio] de Serpa [Pimentel], O Rei Rodrigo, O Farol, [II], nº 31 (21/9/1848), p. 56. Republicada nas Poesias do autor, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1851, pp. 17-19. 989 Antonio Firmino da Silva Campos e Mello, D. Rodrigo, drama original em cinco actos, Lisboa, Typ. de Antonio José da Rocha, 1842. 990 991 É a versificação da lenda contada por Frei Bernardo de Brito. Anthero de Quental, Thesouro Poetico da Infancia, colligido e ordenado por..., Porto, Ernesto Chardron Editor, 1883, pp. 61-78. 992 Romanceiro do Algarve, p. xii. 323 O mesmo Veiga, também na introdução do seu romanceiro, fala do Poema da Cava, e, embora deixe claro que o acha “muito posterior ao XI seculo”, a verdade é que não lhe chama falsificação do séc. XVII (como ele, certamente, é). E, logo a seguir, afirma: Eu creio firmemente que mesmo composições muito anteriores áquelle seculo [i. e., o “XI seculo”] nos terá conservado a tradição oral, mas não decerto com o genuino relevo das feições primitivas, que sucessivamente alteradas vão 993 sendo pela passagem de umas para outras gerações. E, portanto, quem poderia dizer que algo como o D. Julião não existia, de facto, nalguma aldeia da Serra do Caldeirão? Numa dessas aldeias recuadas —onde Veiga sabia muito bem que deveria ter ido e que não fora—, entre a “gente camponeza mais arredada das maiores povoações”, não os camponeses que ele inventa como informantes no prólogo do D. Julião, mas os verdadeiros? Porém, já que ali não foi, pode, pelo menos, inventar algo que lá poderia ter existido. É que, terá pensado ele, nem seria uma coisa assim tão despropositada inventar que um poema sobre D. Rodrigo existia no Algarve: Que esta tradição se haja conservado no Algarve, cujas terras do mesmo modo que as de Andaluzia fôram saqueadas por Tarek-ben-Zeyad, ou Tarik, depois da tomada de Carteia, não é de admirar; e tanto mais porque os disturbios populares e guerras civis que originaram a quéda de Witiza, e elevaram ao throno dos godos o celebre Ruderico, ou D. Rodrigo, tiveram 994 incremento em Andaluzia: são pois tradições de tal natureza, que jámais se 995 apagam nas proprias localidades. O Caso da Descrição duma Bela Pastora O D. Julião, como vimos, foi traduzido dum texto espanhol. Uma origem similar explica a existência de outros quatro dos romances de Estácio da Veiga pertencentes ao 993 994 Op. cit, pp. xvi-xvii. Como vimos, a este facto se refere Veiga na nota 4 do testemunho B (retomada depois em C), a propósito da presença, no seu texto, dos versos “Andalusia não hade / Dar-te mais vida, mais alma!”. 995 Romanceiro do Algarve, p. 5. grupo de romances inventados (Descrição duma Bela Pastora, Os Calvos, Cativo em Fuga Morre no Mar e Cavaleiro Lamenta-se pela Ausência da Amada), dos quais os dois primeiros são tradução de romances de Quevedo. Caso escandaloso —devido ao facto de todos os manuscritos se terem conservado, dando-nos a possibilidade de, sem apelo, provar a fraude e seguir o seu percurso completo— é o da Descrição duma Bela Pastora. Sobre este texto, informa Estácio da Veiga, no prólogo respectivo: Esta chácara não é das mais vulgares no Algarve; ha todavia quem a saiba e cante em varias povoações, mas tão desalinhadamente, que faz lastima ouvila. A lição, que se segue, alcancei-a em Tavira, e é de quantas obtive a que mais completa, e sem refacimentos, me parece. Sendo muito meus conhecidos os romances do poeta castelhano D. Francisco de Quevedo [...], lembrou-me ter entre elles visto um, que algum tanto com este se assimilhava: com efeito, percorrendo de novo os romances do nobre poeta, sem muito custo observei, que o 11º da sua edição de 1661, contêm o mesmo assumpto, postoque de diverso modo ataviado. Será pois esta lição algarvia imitação da castelhana? Estou assás inclinado a crêl-o e, ainda mais, que este romance é muito do tempo do nosso Rodrigues Lobo, cuja linguagem e versificação não deixam de ter com a desta lição algumas relações de 996 similhança. Acontece que o manuscrito mais antigo que deste romance se conserva no espólio mostra claramente que o poeta “do tempo do nosso Rodrigues Lobo” se chamava... Estácio da Veiga. Se não, vejamos, o testemunho A: 997 A donzella dos olhos paladinos Olhos paladinos, 2 Que por toda Europa Desventuras matam, 4 E aventuras logram. É gala e não culpa 6 O seres traidora, Que assim são no mundo 996 997 Op. cit., p. 137. 5 C / 39. 325 8 Todas as formosas! Rica e avarenta 10 É a linda bocca, Onde lhe eu bebera 12 Um sorriso agora. Suas roseas faces, 14 Só do que lhes sobra, Ao verão emprestam 16 O que em Maio adornam. Nos jardins de Chypre 18 Nunca vi taes rosas Como as que ella tem 20 Nas faces mimosas. Seus cabellos soltos 22 Ao romper da aurora Negros e tão bellos 24 Sua tez lhe adornam. Um suave fogo 26 Suas mãos vigora E em amores arde 28 Quem lhe nellas toca. Em toda esta aldeia 30 Onde o mar assoma, Nunca vi taes olhos 32 Em outra pastora! Neste mundo, Rosa, 34 Todos te enamoram, Mas ninguem no mundo 36 Como eu te adora. Aparato genético Antetítulo [marg. sup. Romance do Algarve] Título <A donzella dos olhos paladinos>[ A Aldeana] 1 Olhos <paladinos,>[↑ matadores] 2 <Que por toda Europa>[↑ Na aldeana moram] 3 <Desventuras matam,>[↑ Tão formosa luz] 4 <E aventuras logram.>[↑ Não nasce da aurora] 5 <É gala e não culpa>[↑ Se ella assim não fôsse] 6 <O seres traidora,>[↑ Como é traidora] 7 <Que assim são no mundo>[↑ Fora menos falsa] 8 <Todas as>[↑ Porem mais] formosa<s>! 10 <É a>/Sua\ 11 <Onde lhe eu bebera>[↑ Um sorriso brando] 12 <Um sorriso agora.>[↑ Sempre nella mora.] 15 <E>/A\ A ideia inicial do verso deve ter sido E ao verão emprestam. No entanto, tal não chegou a ser escrito, e, ainda antes de escrever o a de ao, Estácio da Veiga emendou logo o E para A (início de Ao). Portanto, ao contrário do que costumamos fazer, decidimos não adoptar no texto a forma anterior à emenda. 16 <em>/que\ Deve tratar-se de lapso de escrita. 23 <Negros>[↑ Loiros] 27 E <em>/m\ O m da sobreposição foi escrito de modo a unir-se com o E, formando Em. ante 30 <Olhos que mais fallem> A eliminação deste verso é seguida imediatamente pela escrita do v. 30, na linha abaixo. Uma vez que a lição Olhos que mais fallem não se pode ligar sintacticamente com o contexto da quadra em que se integraria, adoptámos no texto a segunda forma desta passagem (30, em lugar de ante 30). Nest<e>/a\ <mundo,>[↑ aldeia,] 33 Como vemos, o romance começou, logo no testemunho A, a sofrer uma grande modificação, sobretudo nos versos 1-12, que ficaram irreconhecíveis. Tal transformação continua em B, e, um pouco ainda, em C, dando como resultado um texto muito longe já da lição inicial. Vejamos em seguida, em colunas paralelas, o poema, tal como surge nos três 998 testemunhos que dele existem: A, B Quevedo 1000 998 999 e C. 999 Na primeira coluna, damos o romancilho de que, segundo Veiga (como vimos), “algum tanto com este se assimilhava”. 5 C / 38. Romanceiro do Algarve, pp.139-140. 1000 Francisco de Quevedo Villegas, Poesias, [III], Brusselas, De la Emprenta de Francisco Foppens, impressor y mercader de libros, 1661, p. 149. 327 Quevedo Testemunho A Testemunho B <A donzella dos olhos paladinos> [ A Aldeana] Pintura no vulgar de una hermosura Testemunho C A Aldeana A Aldeana Tus niñas, Marica, Con su luz me asombran; Y mirando à penas Dan à mirar glorias. Olhos <paladinos,>[↑ matadores] Ojos Paladines, Que por toda Europa 2 4 6 Rica, y avarienta, Tienes essa boca, Pues de risa, y perlas Nunca dà limosna. 4 <O seres traidora,>[↑ Como é traidora] 8 <Todas as>[↑ Porem mais] formosa<s>! Rica e avarenta 10 <É a>/Sua\ linda bocca, <Onde lhe eu bebera>[↑ Um sorriso brando] 12 <Um sorriso agora.>[↑ Sempre nella mora.] Essas dos mexilllas, Suas roseas faces, De lo que les sobra, 14 Só do que lhes sobra, 2 Do que a mesma aurora. 6 Se ella assim não fôra, 4 Outra mais formosa! Rica <e sempre avara>[↑ de perfumes] 10 Sua <ardente>[↑ linda] bocca, Um <sorriso>[↑ risinho] brando Do que a mesma aurora! Se varia não fôsse, 6 Não houvera o mundo 8 Ái, quando elles olham Bem mais luz derramam Se <ella assim>[↑ varia] não fôsse, <Que assim são no mundo>[↑ Fora menos falsa] Pues tendràs dos caras, Que seràn hermosas. <E aventuras logram.>[↑ Não nasce da aurora] Quando elles olham Olhos matadores, Bem mais luz derramam <É gala e não culpa>[↑ Se ella assim não fôsse,] Es gala, y no culpa, En tí el ser traïdora, 2 <Desventuras matam,>[↑ Tão formosa luz] Desventuras vencen, Y aventuras logran. <Que por toda Europa>[↑ Na aldeana moram] Olhos matadores, Se ella assim não fôra, Não tivéra o mundo 8 Outra mais formosa. Rica de perfumes 10 Sua linda bocca, Um sorriso brando 12 Sempre nella mora. 12 Sempre nella móra. Nas mimosas faces Nas mimosas faces 14 Da gentil pastora 14 Da gentil pastora Prestan al Verano, Lo que à Mayo adorna. Jardines de Chipre Son à puras Rosas; Y de Falerina Por lo que aprisionan. Tu cabello bate Moneda en coronas, Indias son tus sienes, Minas son tus cofias. El nevado fuego, Que tus manos forman Yà amenaça yelos, Quando rayos forja. Ao verão emprestam 16 O que em Maio adornam. Os amores brincam 16 Com jasmins e rosas. Os amores brincam 16 Com jasmins e rosas. Nos jardins de Chypre 18 Nunca vi taes rosas Como as que ella tem 20 Nas faces mimosas. Seus cabellos soltos 22 Ao romper da aurora <Negros>[↑ Loiros] e tão bellos 24 Sua tez lhe adornam. Um suave fogo 26 Suas mãos vigora E <em>/m\ amores arde 28 Quem lhe nellas toca. Suas loiras tranças 22 Pelas costas soltas Valem mais que o oiro, 24 Inda mais namoram. <E em>/Um\ suave fogo Suas loiras tranças, 22 Pelas costas soltas Valem mais que o oiro, 24 Inda mais namoram. Um suave fogo 26 Suas mãos vigora, 26 Suas mãos vigóra; Com amores arde Com amores arde 28 Quem lhe nellas toca. 28 Quem lhe nellas toca. 28a Suas brandas fallas, 28a Suas brandas fallas, 28b Sua voz canora, 28b Sua voz canora, 28c O amor derramam 28c Grato amor derramam 28d Que lhe n’ alma sobra. 28d Que lhe n’ alma sobra. 28e Quando ella canta 28e Quando ás vezes canta 28f <Seu cantar se dobra>[↑ Ao som da viola] 28f Ao som da viola, 28g Té o mar não quebra 28g Té o mar não quebra 28h Na praia arenosa; 28h Na praia arenosa; 28i As aves se calam, 28i As aves se calam, 28j O vento não sopra, 28j O vento não sopra, 329 28k Quêdo fica tudo 28k Quêdo fica tudo 28l Somente ella folga. 28l Sómente ella folga. 29 Em toda esta aldeia 29 Em toda esta aldeia 30 Onde o mar assoma, 30 Onde o mar assoma, 30 Onde o mar assoma, Nunca vi taes olhos Nunca vi taes olhos Em toda esta aldeia 32 Em outra pastora! Todos te codician, Y te invidian todas, pero yo entre todos Soy, quien mas te adora. Que es cosa, y cosa, Pena, y Parayso, Infierno, y Gloria. Nest<e>/a\ <mundo,>[↑ aldeia,] Rosa, 34 Todos te enamoram, Mas ninguem no mundo 36 Como eu te adora. 32 Em outra pastora! Mais formosas graças 32 Não nas tem pastora! 331 Como vemos, o poema de Quevedo é, sem sombra de dúvida, a fonte de onde deriva a Descrição duma Bela Pastora, que no início (primeiro estádio de A) mais não é que uma tradução quase literal do texto espanhol. Temos à nossa frente, portanto, algo mais do que dois simples poemas que “algum tanto [...] se assimilhava[m]”: temos as provas duma falsificação, provas que Veiga, no seu cuidado de tudo guardar, é o próprio a fornecer. E se ele não estaria à espera de que os seus manuscritos viessem a ser lidos por outrem, já o mesmo se não diga sobre o prólogo que escreveu para acompanhar o presente romance. Ora no entanto, aí, como vimos, Estácio da Veiga forneceu a pista inicial para a descoberta da sua fraude. Possivelmente, ele terá raciocinado aqui como no caso do D. Julião: “com a verdade te engano”. Ninguém iria pensar —julgava o editor algarvio— que, se ele tivesse cometido um plágio, fosse ele próprio o primeiro a apontar a semelhança existente entre a cópia e o original... Ainda assim, e mesmo escudado atrás da cortina de fumo suplementar constituída pela referência às semelhanças entre o estilo deste poema e o de Rodrigues Lobo, Estácio da Veiga terá achado que era preferível não arriscar demasiado. De facto, aqui, tal como no D. Julião, há prova, nos manuscritos, de ele ter pensado em publicar também o texto espanhol, juntamente com a versão “tradicional” por si “recolhida”. Com efeito, o rascunho do prólogo existente no espólio termina com esta frase: “Em seguida transcrevo o romance castelhano para poder ser com este comparado”. 1001 Mas, na versão impressa, tal frase desapareceu... e, claro, o texto de Quevedo não aparece transcrito. O caso da Descrição duma Bela Pastora é rico em ensinamentos. Ensina-nos como Veiga trabalhava, como ele poderia partir dum texto, traduzi-lo, e, depois, graças à sua extraordinária facilidade versificatória (não nos esqueçamos de que foi prolífico poeta), 1002 ir-se afastando progressivamente do original, acabando por chegar a algo cuja origem é quase irreconhecível. Além disso, o presente caso dá também ensinamentos para a compreensão do nascimento de outros poemas do Romanceiro do Algarve que podemos suspeitar serem produto duma tradução, mas de cujo processo de formação se não conservaram todos os testemunhos. É o caso, sobretudo, do D. Julião, do qual, como atrás vimos, o primeiro testemunho que possuímos pertence já a um momento adiantado da evolução do texto. O 1001 1002 5 C / 40r. Ver, no Apêndice nº 1, a parte relativa à poesia original de Estácio da Veiga. caso da Descrição duma bela Pastora reforça o que assinalámos a propósito do D. Julião: a de que deve ter existido um testemunho anterior a A em que a dependência do texto “algarvio” em relação a Ochoa estaria mais clara, em que se veria que o D. Julião de Veiga, no primeiro estádio, mais não era que a tradução do texto espanhol. E que, portanto, a influência de Ochoa é seminal para o nascimento de texto “algarvio”, não se tendo apenas feito sentir a meio do processo, servindo de diapasão pelo qual Veiga teria apenas retocado o texto supostamente recolhido da tradição. Imagine-se o que saberíamos nós sobre a origem da Descrição duma Bela Pastora se o testemunho A se tivesse perdido, e apenas conhecêssemos B? Como poderíamos suspeitar (ou, mesmo que suspeitássemos, como poderíamos prová-lo) que Olhos matadores, 2 Quando elles olham Bem mais luz derramam 4 Do que a mesma aurora. é produto da tradução de Ojos Paladines, 2 Que por toda Europa Desventuras vencen, 4 Y aventuras logran. se não possuíssemos o estádio intermédio: Olhos <paladinos,>[↑ matadores] 2 <Que por toda Europa>[↑ Na aldeana moram] <Desventuras matam,>[↑ Tão formosa luz] 4 <E aventuras logram.>[↑ Não nasce da aurora] ? Descoberta a origem inegável da Descrição duma Bela Pastora, tentemos agora descobrir o motivo da sua criação por Estácio da Veiga. Tal como nos restantes romances 333 falsos, é claro que uma das razões deve ser a certeza de que dum poema assim mais nenhum colector tinha (nem teria) outra versão. Mas que o terá atraído especificamente na Pintura no vulgar de una hermosura e originado a ideia de inventar a sua existência na tradição oral algarvia? É muito possível que tenha sido algo que já antes encontrámos, na Fonte das Almas: o modo idealizado como Veiga acha que devem ser representados os camponeses da sua província. Além disso, encontramos aqui o topos da pastora requestada pelo homem —homem tendencialmente culto e/ou dum meio não rural—, que, embora de origem pelo menos medieval, teve muita voga ainda no séc. XVIII. E, na poesia original de Estácio da Veiga, encontramos bastos exemplos de poemas de gosto arcádico. Dissemos no parágrafo anterior que no poema de Quevedo e, claro, na tradução de Veiga encontrávamos o modo como este último “acha que devem ser representados os camponeses da sua província”. Ao escrever isto, temos em mente a dúvida que já antes exprimimos: será que poemas como este apresentam apenas uma visão falsa do Algarve, que Veiga está consciente de ser falsa, querendo apenas impressionar com ela os leitores do seu romanceiro, público citadino e extra-algarvio? Ou será que aqui deparamos (ou deparamos também) com o produto duma espécie de auto-engano de Estácio da Veiga, que, ao visitar o seu Algarve (ou ao recordá-lo), tem tendência a vê-lo através de lentes cor-de-rosa? A dúvida voltou a surgir-nos quando tentámos determinar quais os aspectos do poema de Quevedo que Veiga tinha abandonado ao escrever o seu próprio romance, quais os que lá tinha deixado ficar e, sobretudo, quais os aspectos novos que lá introduzira. O mais saliente dos aspectos eliminados é o dos jogos engenhosos, tão tipicamente barrocos, de que não há vestígio logo no primeiro estádio de A. Estamos a pensar em versos como Es gala, y no culpa, En tí el ser traïdora, Pues tendràs dos caras, Que seràn hermosas ou Tu cabello bate Moneda en coronas, Indias son tus sienes, Minas son tus cofias. Esta desaparição, embora talvez, em parte, produto duma certa dificuldade de tradução, não deixará de exprimir também a ideia que Veiga, tal como qualquer estudioso romântico, tinha da simples e desafectada poesia do povo — e a Descrição duma Bela Pastora é, não o esqueçamos, um poema que ele recolheu da tradição oral... Olhando, agora, para os aspectos que Veiga introduziu no poema, vemos que o mais importante deles (até pela quantidade de versos novos, não traduzidos de Quevedo, a que obrigou) é a inclusão da pastora cantando e tocando viola: 28a Suas brandas fallas, 28b Sua voz canora, 28c Grato amor derramam 28d Que lhe n’ alma sobra. 28e Quando ás vezes canta 28f Ao som da viola, 28g Té o mar não quebra 28h Na praia arenosa; 28i As aves se calam, 28j O vento não sopra, 28k Quêdo fica tudo 28l Sómente ella folga. Para lá do uso dum topos arquiclássico (o poder mágico que a música e/ou o canto possui/em sobre o mundo envolvente), o essencial destes versos criados por Veiga parecenos ser pura e simplesmente a acção da personagem que toca viola e canta. Esta actividade parecia a Estácio da Veiga algo tão adequado para o romanceiro algarvio, que voltamos a encontrá-la em mais três romances falsos por ele construídos. 1003 O que o atraía neste pormenor era possivelmente as associações medievais que tal imagem despertaria num público (a começar por ele próprio) habituado à personagem do trovador, cantando xácaras no seu arrabil, que enchia baladas e dramas históricos. E, naturalmente, uma sobrevivência medieval era algo de extremamente adequado para aparecer num poema recolhido da boca 1003 Referimo-nos a Cativo em Fuga Morre no Mar, Cavaleiro Lamenta-se pela Ausência da Amada e A Serrana Fiel (neste último caso, a personagem não toca precisamente uma viola, mas sim uma guitarra). 335 do povo algarvio, o qual, ao contrário do de Lisboa, mantinha vivos os usos pátrios, bem enraizados na Idade Média. Além disso, o facto de, como neste romance, o canto aparecer posto na boca duma camponesa associa-se também, sem dúvida, à ideia de que o povo (sobretudo o rural) é alegre e amigo de cantar e que as suas canções são belas e aprazíveis, ao contrário dos habitantes citadinos, que, ou não cantam, ou, como vimos em Herder, cantam coisas horríveis. Uma personagem rural cantando aparece também na Serrana Fiel (outro dos romances inventados por Veiga), e as canções populares são um dos aspectos que, como veremos, mais ficaram na retentiva do autor ao assistir às festas do São João, quando regressou à sua terra, em 1856, depois de 11 anos de ausência em Lisboa. Assim, medievalismo e alegria do povo parecem coisas muito convenientes para serem acrescentadas a um poema que, como a Descrição duma Bela Pastora, pretende fornecer uma visão idealizada do Algarve. E, para tal visão ser perfeita, não falta sequer a pincelada final dos cabelos da gentil pastora, os quais, começando por ser “negros” (escolha bem verosímil, atendendo ao tipo corrente do povo algarvio), passam, logo no segundo estádio do testemunho A, a ser “loiros”. Estácio da Veiga, como se vê, não resiste a atribuir aos camponeses algarvios todos os tópicos da perfeição clássica. E não nos escape um último pormenor: de todas as versões que deste romance Estácio da Veiga possuía, a melhor (aquela que ele publica) foi a recolhida em... Tavira, sua cidade natal. 1004 O Caso de Os Calvos O caso deste romance é parecido com o do anterior. Trata-se dum texto que tem a sua origem clara num romance de Quevedo, embora a parte propriamente inventada por Estácio da Veiga seja aqui bastante maior do que na Descrição duma Bela Pastora. Vejamos, em colunas paralelas, o poema de Quevedo 1004 1005 (transcrevemos apenas os versos — “Ha [...] quem a saiba e cante em varias povoações, mas tão desalinhadamente, que faz lastima ouvil-a. A lição, que se segue, alcancei-a em Tavira, e é de quantas obtive a que mais completa, e sem refacimentos, me parece” (Romanceiro do Algarve, p. 137). 1005 Francisco de Quevedo Villegas, Poesias, [III], cit., p. 350. e os termos soltos, em rima— de que há reflexo no poema de Veiga), o testemunho A de Os 1006 Calvos e o testemunho B: 1006 1007 1007 Cota: 5 C / 36. Romanceiro do Algarve, pp. 135-6. 337 Quevedo Testemunho A Varios linajes de Calvas Testemunho B Os calvos Os calvos Romance Madres, las que teneis hijas, 2 Ansi Dios os dè ventura, Mães [,] que tendes vossas filhas, 2 Que no se las deis à calvos, 4 Sino à gente de pelusa. Mães, que tendes vossas filhas, Assim Deus vos dê ventura, 2 Não lhes deis maridos calvos, 4 Escarmentad en mi todas, Não lhes deis maridos calvos, Se lhes quereis dar fortuna. <Em mim ponde os vossos olhos> 4 Que me casaron à zurdas, 6 Con un capon de cabeça, 8 Desbarbado hasta la nuca. Ái pobre de mim, coitada, 6 Que me cazei ás escuras Desbarbado até á nunca! 1009 <Cazai, mães,>[↑ Mães, casai] as vossas filhas, 10 Mas não lhes deis amarguras; 1008 1009 Este riscado é imediatamente anterior à escrita do verso seguinte, na linha de baixo. Sic, por “nuca”, obviamente. Que me cazei ás escuras Com um capão de cabeça Com um capão de cabeça 8 Se lhes quereis dar fortuna. 1008 Ai pobre de mim, coitada, 6 Assim Deus vos dê ventura! 8 Desbarbado até á nuca! Mães, cazai as vossas filhas, 10 Mas não lhes deis amarguras; 9 Antes que calvi casadas, Para com calvos cazal-as, Para com calvos cazal-as, 10 Es mejor verlas difuntas. 12 Melhor é vêl-as defuntas. 12 Melhor é vêl-as defuntas. Ponde em mim os vossos olhos, 14 Se entendeis minha tristura, Se[m] ser turca me cazaram 16 Com homem de meia lua! Ay calvas de Mapamundi, Ha calvas de mappa-mundi, 38 Que con mil lineas se cruçan; 18 Que com mil linhas se cruzam, Con zonas, y paralelos 40 De carreras, que las surcan. Com zonas e parallelos, 20 Com cidades e com ruas. Deus nos livre de taes calvas, 22 <E mais de outras, como ha muitas,> [↑ Dessas <desertas>[↑↑ nefandas] planuras,] Que nos fazem parecer 24 Mancebas de padre-cura. Ai, fugi, fugi meninas, 52 Judas 26 Desses depenados Judas, Ponde em mim os vossos olhos, 14 Se entendeis minha tristura. Sem ser turca me cazaram 16 Com homem de meia lua! Ha calvas de mappa-mundi, 18 Que só com mil linhas se cruzam, Com zonas e parallelos, 20 Com cidades e com ruas. Deus nos livre de taes calvas, 22 Dessas nefandas planuras, Que nos fazem parecer 24 Mancebas de padre-cura. Ái, fugi, fugi, meninas, 26 Desses depennados Judas, Que nos dão cruz e calvario Que nos dão cruz e calvario 28 Em vez de nos dar venturas. 28 Em vez de nos dar venturas! 339 Se <os>/o\ marid<os>/o\ <já>[↑ <*nos>/já\] vem calv<os>/o\ 30 E a bola <já> nos traz madura, Ai, como, minhas meninas, 24 tonsura 32 Como fazer-lhe a tonsura?... Se o marido já vem calvo 30 E a bóla nos traz madura, Ái como, minhas meninas, 32 Como fazer-lhe a tonsura?... Como podemos observar, o estádio de evolução do texto que se reflecte no mais antigo testemunho conservado (A) não deve ser o inicial, pois aí a maior parte do poema já não apresenta qualquer correspondência discursiva com o texto espanhol. Tal como ensina o caso da Descrição duma Bela Pastora, deve ter existido um manuscrito anterior ao actual A, contendo um texto que consistiria em algo muito mais próximo da tradução literal. O verso ante 5 de A (“Em mim ponde os vossos olhos”), riscado e imediatamente substituído, se (tal como sucede com a emenda do v. 22) não for fruto de uma reelaboração imediata feita em A, contemporânea do momento da primeira escrita deste testemunho, pode constituir um erro de cópia. A ser assim, o verso ante 5 deixaria transparecer que A é a passagem a limpo de um testemunho onde esse verso (tradução do v. 5 de Quevedo: “Escarmentad en mi todas”) existia e onde já tinha sido substituído por outro (“Ai pobre de mim, coitada”). É possível, portanto, que esse perdido testemunho contivesse algo parecido com o testemunho A da Descrição duma Bela Pastora, ou seja, um testemunho apresentando duas fases de escrita: a primeira, na linha, com a tradução mais ou menos literal do texto de Quevedo; e a segunda, na entrelinha, reelaborando o texto traduzido. Tal como acontece no D. Julião e na Descrição duma Bela Pastora, no prólogo de Os Calvos encontramos a referência à fonte do poema, sem dúvida pelos mesmos calculados motivos: Este gracioso romance, com assimilhar-se a um dos que na collecção de Quevedo vem sob o titulo de Varias [sic] linages de Calvas, não se póde comtudo dizer que fôsse traduzido da lição castelhana. Esta do Algarve segue até certo ponto o mesmo dominante rhytomo [sic], é menos desenvolvida, mas sem duvida mais chistosa e concisa, e canta-se sem estribilho obrigado; o que não acontece á de Quevedo, que, da 15ª estrophe em diante, muda de consoante, e é seguida de quatro sextinas sujeitas ao seguinte estribilho: Calvos van los hombres, madre, Calvos van. Mas ellos cabellaran. O que talvez possa parecer verosimil, é que o menestrel algarvio, tendo conhecimento da composição castelhana, aproveitaria della alguma cousa para construir a sua. Seja como fôr, o povo do Algarve proclama este romancesinho como propriedade que exclusivamente lhe pertence, e a 1010 ninguem o cederia em troca do melhor romance de Castella. 1010 Romanceiro do Algarve, p. 134. 341 As afirmações de Estácio da Veiga têm, neste caso, uma dose de verdade um pouco maior do que na Descrição duma Bela Pastora. Com efeito, embora seja mentira que o seu texto não é (ou melhor, não começou por ser) “traduzido da lição castelhana”, é um facto que a actuação de Veiga foi sobretudo a de “aproveitar” da poesia de Quevedo (muito mais extensa, pois tem 99 versos, face aos apenas 32 do texto “algarvio”) “alguma cousa para construir a sua”, que (quase se nota o sorriso de orgulho com que estas palavras estão escritas) é “sem duvida mais chistosa e concisa” que o original. Agora onde, é indesmentível, o nosso autor continua falso como Judas é ao deixar implícito que Os Calvos se devem a um “menestrel algarvio”, popular, e que “o povo do Algarve” canta este romance “como propriedade que exclusivamente lhe pertence” (expressão feliz, que definiria bem, aliás, a essência do texto tradicional). Esta última afirmação de Veiga, além de pretender enganar o leitor, será também uma espécie de wishful thinking: talvez de modo inconsciente, exprimirá a sua aspiração de que este poema (e outros, muitos!, dos do Romanceiro do Algarve) venha um dia a ser cantado, tornado seu, pelo povo, facto que, para um teórico romântico, deveria ser a maior honra a que um poeta podia aspirar. Note-se que Veiga procurou algo duma aura, se não tradicional, pelo menos popular, 1011 ao conseguir (e promover?) que 6 poemas seus (apresentados, esses sim, como originais) fossem musicados: O Astro d’ Esperança, 1013 Adeus, Lisboa!, 1011 Canto Patriotico. Aos bravos voluntarios de Zambezia, 1014 1012 Não Usamos estes termos no sentido que lhes dá Pidal, nomeadamente em Estudios sobre el romancero, Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1973, pp. 344-5. 1012 Impresso numa partitura: O Astro d’ Esperança / Novo hymno /dedicado por seus auctores / á augusta espoza / do / Senhor Dom Miguel de Bragança / a Senhora / Dona Adelaide Sophia / Princeza de Loewenstein-Werteim. / Muzica de Dona Maria Carlota Tulli da Costa / e / poezia / de S. P. M. Estacio da Veiga. / 1851. / Lith. de Lopes & Bastos. R. N. dos M. es Nº 14. Lx.ª 1852. Desta partitura (de 4 pp.) existem dois exemplares na parte do espólio pertencente ao Museu (cotas: 12 / 3 e 12 / 4). 1013 É uma pagela (Lisboa, Typ. Franco-Portugueza, s/ d.). O poema (não acompanhado de música), tem o subtítulo: “Melodia de F. A. N. dos Santos Pinto. / Cantada por M. elle Estelle Baudier / no 1º de Maio de 1859”. No espólio pertencente ao Museu Nacional de Arqueologia, há dois exemplares desta pagela, um impresso em papel verde (12 / 1) e outro cor-de-rosa (12 / 2). Em casa da família do autor, há uma cópia manuscrita deste poema, onde o subtítulo é mais explícito: “Melodia de F. A. N. dos Santos Pinto, cantada na sala do Café Concerto por Estelle Baudier no dia 1 de maio de 1859”. Trata-se dum manuscrito, sem a música, integrado num conjunto de caderninhos com poemas, que parecem formar uma obra (sem título). Este poema está no caderninho nº 19. 1015 Chores, Hymno cantado pelas orfãs da Casa Pia de Belem na occasião da primeira visita de SS. MM. o Senhor D. Pedro V e a Senhora D. Estephania áquella Pastores. 1016 e O Anjo e os 1017 Repare-se como, nos comentários acima transcritos, Veiga dá tanta importância a questões versificatórias, sublinhando que o poema algarvio, ao contrário do de Quevedo, não “muda de consoante” nem de métrica. Aliás, da segunda parte do texto espanhol (em que a versificação muda em relação à da primeira) Veiga não aproveitou nada, nem do discurso nem das ideias. Como já dissemos, em todos os seus romances, Veiga preocupou-se sempre em seguir as regras próprias da forma fixa romancística, quanto à métrica e à rima. Muitas O texto em questão foi sem dúvida escrito para ser cantado, pela própria, numa festa de despedida por uma cantora lírica que viera actuar a Lisboa. Era um tipo de festa então bastante corrente, de que fazia sempre parte que a cantora (ou o cantor) cantasse algo, em português, especialmente composto para a ocasião, texto que, além disso, era também muitas vezes impresso em pagelas, as quais se distribuíam durante a sessão ou, caso esta fosse num teatro, se chegavam a lançar por sobre a plateia. Existem vários outros casos de poesias de Veiga escritas para ocasiões similares que nos chegaram inéditas ou através da sua publicação em revistas. De uma dessas poesias existe cópia integrada no manuscrito inédito das Tentativas Poeticas, de 1850-51 (pp. 69-73). Tem o título Clara Novello (nome duma célebre cantora da época) e está acompanhado pela seguinte indicação: “Distribuida impressa no theatro de S. Carlos, em 18 de junho de 1851; publicada na Semana Theatral nº 16 [não conseguimos encontrar este fascículo da presente revista]; e reimpressa a 8 de julho do mesmo anno e distribuida na Assembléa Philarmonica, e escripta no album de Mme Clara Novello”. 1014 Foi publicado (só o texto) no Diario de Noticias, 27/3/1869, p. 2. Aí se diz o seguinte: “O nosso amigo e conhecido poeta sr. Estacio da Veiga dedicou aos voluntarios que vão para a Zambezia o seguinte hymno que já está posto em musica pelo sr. Gomes Ribeiro, mestre da banda dos filhos dos soldados.” 1015 Acompanhado por música da autoria de José Veloso Dantel e Hortas, o poema foi incluído, com o subtitulo de “romanza”, em Cesar das Neves e Gualdino de Campos, Cancioneiro de Musicas Populares contendo letra e musica [...] Collecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano por.... coordenada a parte poetica por ..., II, Com uma apreciação crítica do Exmº. Snr. Dr. Sousa Viterbo, Porto, Empresa Editora Cesar, Campos & Cª., 1895, texto nº 208, pp. 88-92. O texto (sem a música) fora inicialmente publicado n’ A Semana, I, nº 19 (Maio 1850), p. 152, tendo saído, depois, em Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças para 1854, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, pp. 126-127. 1016 Manuscrito inédito, sem a música, na posse da família de Estácio da Veiga. Pertencente ao conjunto de caderninhos acima referido, está integrado no caderninho nº 34. 1017 da Veiga. Manuscrito inédito, acompanhado por uma pauta com a música, na posse da família de Estácio 343 das versões por ele recolhidas sofreram, aliás, grandes modificações de modo a obedecerem a tais regras, sobretudo a da regularidade de rima. 1018 Quanto à linguagem do texto, não deixa de ser curioso que Veiga tenha pensado que um poema com termos como “mappa-mundi” (v. 16) ou “nefandas planuras” (v. 22) alguma vez pudesse ser tomado como tradicional. Tal parece mostrar que o autor tinha uma concepção da linguagem popular algarvia pouco de acordo com a realidade, ou, então, que pretendia fazer crer ao leitor que essa linguagem era muito mais cuidada do que alguma vez deve ter sido. 1019 Com a inclusão de Os Calvos no seu romanceiro, Estácio da Veiga visaria, talvez, mostrar que os camponeses da sua província, além de amigos de cantar (como provavam as personagens da Descrição duma Bela Pastora e d’ A Serrana Fiel), eram também pessoas “chistosa[s]”, ambas elas características que um lugar-comum citadino costuma considerar próprias do povo rural. Será este aspecto um reflexo da visão do próprio Veiga ou uma sua tentativa calculada de ir ao encontro das expectativas dos leitores lisboetas? 1018 Estácio da Veiga refere-se mais duma vez ao assunto, como sendo um modo de reconhecer se uma versão é perfeita. Por exemplo, das suas versões de Dona Aldonça (Fonte Fecundante + Infanta Parida), diz ele que, embora posteriores em data de recolha à versão de Garrett, não são piores que esta última (no modo de pensar de Veiga, a posição cronológica, por si só, como já vimos, implicava a inferioridade da versão mais recente), pois, tal como o texto de Garrett, “satisfaze[m] ao consoante ou assoante a que é obrigado todo o romance de forma regular” (Romanceiro do Algarve, p. 76). 1019 A elevação do nível de língua é algo comum a todos os textos que Veiga publicou, e encontra-se bem atestada no caso do Dom Rodrigo ou do Cid e Búcar. VIII A BALADA ROMÂNTICA E AS SUAS RELAÇÕES COM OS ROMANCES FALSOS DE ESTÁCIO DA VEIGA A Questão dos Romances Falsos O aspecto mais original (não no melhor sentido do termo) do Romanceiro do Algarve é, como vimos, o elevado número de romances falsos que inclui (11 —ou, pelo menos 10—, num total de 34), 1020 o que corresponde à elevada cifra de 32,4% (ou 29,3%), sem igual noutros romanceiros portugueses. Este surpreendente facto não se pode dever, cremos, a um especial espírito embusteiro de Estácio da Veiga, o qual, nos seus estudos arqueológicos se revela, pelo contrário, autor credível e de boa-fé, quer no que diz respeito às escavações quer às obras que sobre elas escreveu. De facto, os comentários que especialistas da matéria fazem sobre Veiga sublinham o grande cuidado e honestidade com que ele levou a cabo o seu labor e mesmo a novidade científica que representou na evolução da Arqueologia do nosso país. Maria Luísa E. V. Silva Pereira escreve: Ao definir e seguir um programa de trabalhos arqueológicos que incluía prévio conhecimento dos locais a explorar através de questionários aos governadores civis e às pessoas amigas, trabalhos de campo propriamente dito, [...] levantamento topográfico, desenho de alçados, plantas de monumentos ou estruturas, [...] reprodução sistemática de estruturas e objectos exumados, e ensaio de fotografia [...], [Estácio da Veiga] inaugura com as escavações de Mértola (e subsequentemente do “seu” Algarve natal) a arqueologia científica [...]. Assim, as escavações de Mértola marcam o fim de uma época e o nascimento de outra. Tinha terminado a arqueologia romântica 1020 A dúvida está, conforme dissemos, na Pastora Morre de Amor. baseada na recolha do ‘objecto’ raro ou curioso, ou na formação de colecções 1021 “ad hoc”. Para que não se pense ser a “voz do sangue” que fala pela boca da autora (bisneta de Veiga, como dissemos), vejamos dois comentários de outros autores: trabalho raro, este [as Antiguidades Monumentaes do Algarve, de Veiga], ainda hoje, num País [...] onde as monografias de fundo continuam a escassear [...] Estácio da Veiga [...] empreende [...] a cartografia arqueológica de uma região geograficamente bem delimitada, o Algarve e à volta da localização de monumentos e sítios, na sequência de numerosas escavações empreendidas, foram emergindo ideias, teorias, explicações e, de um certo modo, uma dada perspectiva global, um redimensionamento do passado, 1022 subjectivado pelo presente, talvez inéditos em Portugal. O que é decisivo em Estácio da Veiga é a perspectiva global que imprime aos seus trabalhos, a busca de uma realidade que seja possível controlar (através da cartografia) e entender (através da classificação e ordenação dos 1023 “característicos”, para usar uma palavra que muito lhe agradava). Até Leite de Vasconcelos, cuja “lenda negra” conta não ter, no mínimo, facilitado os projectos arqueológicos de Estácio da Veiga, 1024 escreveu que este: deixou-nos nas collecções archeologicas que organizou, e sobretudo nas Antiguidades monumentaes do Algarve e nas Memorias de Mertola, importantissimos materiaes, que eternizarão e tornarão sempre venerando e 1025 sympathico o seu nome. 1021 Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, “Prefácio” in Cláudio Torres e Santiago Macias (coordenadores), Museu de Mértola. Basílica paleocristã, Mértola, Campo Arqueológico de Mértola, 1993, pp. 6-22; citações retiradas das pp. 8-9. 1022 Victor dos Santos Gonçalves, Estácio da Veiga: Um programa para a instituição dos estudos arqueológicos em Portugal (1880-1891), Lisboa, Congresso Nacional de Arqueologia / Centro de História da Universidade de Lisboa / Cooperativa Editora “História Crítica”, 1980, pp. vii, viii e ix. 1023 Victor S. Gonçalves e Ana Catarina Sousa, “Estácio da Veiga, Mafra e a sua Arqueologia”, in Estácio da Veiga, Antiguidades de Mafra, s/ l., Mar de Letras, 1996, pp. 5-35; cit. extraída da p. 7. 1024 Victor S. Gonçalves e Ana C. Sousa, op. cit., pp. 6-7, falam mesmo n’ “a aversão que Leite de Vasconcellos sentia por ele”. 1025 J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, cit., I, p. 286. 347 Aliás, Vasconcelos publicou, no Archeologo Português, os capítulos 1026 que Veiga escreveu para o V vol. das Antiguidades Monumentaes do Algarve (que deixou inacabado), facto que mostra bem como considerava cientificamente válidos os estudos arqueológicos daquele autor. Não sendo, portanto, fruto duma idiossincrasia embusteira de Estácio da Veiga, os 11 romances falsamente atribuídos por ele à tradição oral parece terem de explicar-se por outro motivo. Segundo cremos, pela influência de uma corrente poética que, na literatura escrita portuguesa do seu tempo, apresenta (pelo menos em número de textos) uma grande importância: a balada romântica. É lendo os textos falsos de Veiga à luz desse movimento que, pensamos, a sua existência poderá ser adequadamente perspectivada. A Balada Romântica Ao longo das pesquisas que levámos a cabo sobre a história da literatura oral no nosso país (cujos resultados foram atrás apresentados no capítulo IV), folheámos perto de centena e meia de revistas e jornais, de entre 1820 e 1870. Ora, enquanto fazíamos esse trabalho, fomo-nos apercebendo da existência duma realidade que só vagamente conhecíamos e de cuja força não suspeitávamos: a balada romântica. Trata-se de poemas narrativos curtos ou não muito longos, em geral portugueses (mas, em muito menor número, também traduzidos de outras línguas), cujas histórias estão localizadas quase sempre em épocas antigas, sobretudo na Idade Média. O facto de serem (tal como os romances tradicionais cujo rasto procurávamos) narrativas em verso despertou a nossa atenção, e mais ainda a época em que a acção desses textos maioritariamente se passava, devido, claro, às ligações existentes entre romanceiro e Idade Média, as quais, no Romantismo, eram ainda mais sentidas que hoje, pois, na época, os textos tradicionais eram valorizados apenas enquanto sobrevivências medievas. Além disso, no panorama que se ia assim desdobrando à nossa frente, apercebíamo-nos também dum certo número de baladas que eram (ou diziam ser) versificações ou reversificações de textos recolhidos da tradição oral, nomeadamente de romances, algo que, como se imaginará, mais ainda nos interessou. 1026 Ver Apêndice nº 1, no fim deste trabalho. Decidimos, então, tomar nota das baladas (portuguesas ou traduzidas) que íamos descobrindo nas nossas pesquisas, sem ter, no início, um objectivo definido, além da curiosidade de ver o que dali “sairia”. E o que acabou por “sair” foram dois corpora (ver, no fim desta tese, os Apêndices nºs 2 e 3) que individualizam um movimento cuja existência, peso e amplitude cronológica são indiscutíveis. Mesmo deixando de lado, neste momento, os textos traduzidos (incluídos naquilo a que chamaremos, de ora em diante corpus B), temos, no que diz respeito a poemas de autor português (ou seja, o corpus A), 285 baladas diferentes (mais 102 republicações, o que faz o total de 387 items), devidas a 107 poetas, e publicadas (excluindo os extremos menos característicos) entre meados dos anos 30 e meados dos anos 60. Admitimos que a grande maioria desses poemas tem, segundo o gosto de hoje, uma qualidade muito discutível, mas o simples facto de existirem deveria ter como consequência que fossem estudados, pelo menos enquanto sinal duma época. Um Movimento mal Conhecido Ora, parece ser bem pouca a atenção que o movimento baladístico tem recebido da parte dos estudiosos da literatura portuguesa. Essa pouca atenção surge frequentemente acompanhada por uma atitude negativa sobre o valor literário —quando não social— da balada romântica, atitude que, de modo mais ou menos explícito, justifica o pouco espaço que os referidos estudiosos lhe concedem. E, atrevemo-nos a supor, explica também o pouco tempo que à sua investigação a maioria desses estudiosos dedicou, como parece mostrar o facto de citarem quase sempre os mesmos três ou quatro poetas enquanto representantes do género baladístico, e de também não variarem as duas ou três obras cujos títulos apresentam. A atitude displicente com que a balada romântica tem sido olhada encontra-se já nalguns autores românticos, que, nos anos 50, se referem ao movimento como algo ultrapassado, e dele falam com distanciação crítica, sublinhando o ridículo de certos aspectos cuja menção se tornou um Leitmotiv nos autores sucessivos. Por exemplo, numa comédia de Costa Cascais estreada provavelmente em inícios da década de 50, 1027 existe uma personagem (um mascarado num baile de máscaras) que se descreve caricaturalmente a si 1027 J. da Costa Cascaes, O Extrangeirado, in Theatro, III, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904, pp. 39-57. A acção da peça passa-se em 1845. Publicada apenas postumamente, esta peça (ao contrário de quase todas as outras do volume) não traz indicação de data de estreia; porém, pela sua situação dentro do volume, pareceria ter sido estreada em inícios dos anos 50. 349 própria com todos os lugares-comuns (até os arcaísmos linguísticos) das personagens dos dramas históricos românticos (género que, em seguida, critica) e também, acrescente-se, de tantas e tantas baladas: Sou mui nobre cavalleiro, Monto meu corcel fouveiro, E já fui á Palestina, Terra muito papa-fina. Capacete e acicates, Trago-os sempre commigo. E chamo-me D. Rodrigo. [...] 1028 Sou trovador. E, em 1852, Silva Túlio, num artigo que mistura referências às poesias recolhidas da oralidade e às baladas românticas (numa indefinição genológica que, aliás, é frequente na época, como veremos), escreve: ... muitos se afadigam a desentranhar do pó da tradição os chamados cantos populares, a ressuscitar nos seus poemas o viver de gerações que foram ha seculos. Mas que nos importa a nós tudo isso? Que aproveita ao povo de agora que vós lhe deis em chacaras e em balladas o que chamaes a poesia popular, a poesia nacional do paiz? [...] Deixai o passado, ao tumulo e voltae 1029 os olhos para a geração de que sois. Por alturas da Questão Coimbrã, encontramos uma crítica bem mais acerba contra o movimento baladístico, sustentada por uma posição ideológica ainda mais claramente marcada. Assim, em 1865, Germano Vieira de Meireles, depois de censurar os assuntos banais tratados em muita poesia romântica, escreve: No meio de este funesto anno mil da poesia houve um interim, um parenthesis divertidissimo. Foi o cyclo das chacaras, balladas e solaus moyenâge [sic]. 1028 1029 Op. cit., p. 54. “Poesia Popular. Sejamos deste Seculo!”, A Semana, II, nº 41 (Abril 1852), pp. 453-454 (a citação é extraída da p. 454). O artigo não está assinado, mas pelo que diz, vê-se ser do director da revista, lugar que, nessa época, era ocupado por Silva Túlio. Construia-se um solau como na grande tragedia do Fausto engendrava homunculos, no recesso do gabinete, não sei que tragico personagem. Que importava a vida e a poezia? Bem medidos es [sic, por “e”] pautados aquelles ridiculos versinhos, pespontados d’ assi e outros piegas archaismos, e 1030 tinhamos solau e chacara! Mas parece ser Teófilo Braga o autor que mais contribuiu para desqualificar a balada romântica. O seu desprezo por ela, intimamente motivado por a encarar como género típico duma época de decadência social, política e literária, faz-se sentir em várias obras. Vejamos quatro exemplos, três dos quais, aliás, atestam outra vez a ligação frequente que, no espírito da época, havia entre baladas românticas e poesias (sobretudo romances) recolhidas da tradição, algo que nos parece muito importante para a compreensão do caso de Estácio da Veiga e dos seus 11 poemas falsos, e de que voltaremos a falar mais à frente: Quando os nossos poetas quizeram imitar o que na Allemanha faziam Uhland e Bürger, trovavando [sic] os seus poemas sobre as tradições nacionaes, mostraram-se a nú, mediocres e sem alma. É vêr essa infinidade de solaos, 1031 xacaras de accalentar netos, balladas, e outros prenuncios do ultraromantismo em Portugal, que se cansou de andar a tombos com uma edade media de papelão. Para que ennumerar aqui nomes odiosos, de falsos sacerdotes da arte? A poesia do povo precisa de uma extraordinaria boa-fé 1032 para ser entendida. A peor consequencia d’ este erro de Garrett [o de escrever os “romances reconstruídos”], foi a moda da poesia do povo, não consultada nas fontes vivas da tradição oral, mas na imaginação esteril de desesperados metrificadores [...] Todos os jornaes litterarios regorgitavam com romances de juras e emprazamentos, de espectros que se revolviam nas campas, assignados por Latino Coelho, Antonio de Serpa, João de Lemos, Passos, e 1030 G[ermano] V[ieira de Meireles], “Odes Modernas por Anthero do Quental”, O Seculo XIX, 23/8/1865, pp. 1-2 (citação extraída da p. 2). O artigo tem uma segunda parte publicada em 26/8/65, pp. 1-2, e uma terceira (e última) em 30/8/65, pp. 1-2. Grande parte destes textos é transcrita em Alberto Ferreira e Maria José Marinho, Bom Senso e Bom Gosto (A Questão Coimbrã), I: 1865/1866, 2ª ed., Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985, pp. 479-88. A passagem que citámos aparece nesta colectânea na p. 482. 1031 Alusão clara à famosa balada de Castilho O Acalentar da Neta, publicada pela primeira vez em 1838 (ver Apêndice nº 2). 1032 liii. Theophilo Braga, Floresta de Varios Romances, [Lisboa], Typ. da Livraria Nacional, 1868, p. 351 outros tantos [...] Esqueceu-se a legitima poesia popular; foram após as 1033 balladas tristes, que se cantavam nos theatros, nas salas e nas serenatas. ... facil foi á mediocridade apossar-se dos caracteres exteriores da vida medieval; pintando castellos e pontes levadiças, juras á meia noite e despedidas de cruzados partindo para a terra santa, torneios e banquetes, terrores de claustro e aventuras galantes, tudo isto recortado como se fosse de 1034 cartão, aí estavam fórmas novas da Arte romantica. Foi pelo Romanceiro que Almeida Garrett começou a obra do Romantismo em Portugal; a sua falta de respeito scientifico fez com que fosse imitado mais desgraçadamente, pelos noveis escriptores que inventaram tradições de 1035 sua phantasia e as metrificaram em redondilhas de estylo popular. A visão negativa sobre a balada romântica dir-se-ia ter ficado definitivamente estabelecida por estas e outras passagens de Teófilo, dispensando os estudiosos posteriores de se preocuparem com um movimento de qualidade tão inferior. E essa visão parece continuar hoje, mesmo numa história da literatura portuguesa como é a dirigida por Carlos Reis. De facto, aí as referências à balada romântica limitam-se às poucas linhas seguintes, que claramente ecoam as posições e até a linguagem de Teófilo Braga: A par do romance histórico (e também do drama histórico [...] ), a Literatura ultra-romântica cultiva avassaladoramente o lirismo, pela palavra empolada de trovadores e bardos em que se escutam, não raro, ecos de medievalismo, cruzados com um sentimentalismo de raiz lamartiniana: sucedem-se as xácaras, as baladas fúnebres e os solaus, retoma-se incessantemente uma 1036 entoação melodramática, mais do que autenticamente lírica. Tanto quanto sabemos, o único autor que dedicou à balada romântica a atenção que, pelo menos, o seu peso numérico justifica foi Júlio Nogueira, no âmbito duma importante 1033 1034 Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, cit., pp. 355-356. Theophilo Braga, Theoria da Historia da Litteratura Portugueza, Porto, Imprensa Portugueza, Editora, 1872, p. 81. Na 3ª ed. (Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1881, p. 145), esta passagem aparece sob uma forma mais compreensível: “...de cartão, aí estava a receita infallivel para contrafazer a Arte romantica”. 1035 Theophilo Braga, Manual da Historia da Litteratura Portugueza desde as Origens até ao Presente, Porto, Livraria Universal, 1875, p. 457. 1036 Carlos Reis e Maria da Natividade Pires, História Crítica da Literatura Portuguesa, V: O Romantismo, Lisboa, Editorial Verbo, 1993, p. 252 (os sublinhados são do original). tese de licenciatura dedicada ao tema da Idade Média no nosso Romantismo literário. 1037 Nogueira parte, porém, dum corpus de baladas não muito extenso (facto, aliás, perfeitamente compreensível, tendo em atenção que o seu estudo abrange todos os géneros da literatura), pelo que as suas conclusões, sobretudo quanto à cronologia do movimento e ao respectivo período cimeiro, nos parecem necessitar certa correcção. Cronologia, Baladas e Baladistas, Versificação. Lugar de Estácio da Veiga no Movimento Baladístico A balada romântica constitui, só por si, um tema merecedor de atenta e demorada investigação. 1037 1038 Não é, claro, a essa investigação que dedicaremos as páginas seguintes, nas Júlio Taborda Azevedo Nogueira, Idade Média e Romantismo. Contribuição para o estudo da corrente medievalista no movimento romântico português, dissertação de licenciatura em Filologia Românica, Coimbra, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1972. 1038 Bem sintomático da necessidade de investigação que a balada romântica apresenta é a falta de conhecimentos seguros que existe à volta das obras de Serpa Pimentel, não obstante ele seja em geral apontado como o autor fundamental para o início do género baladístico. De facto, os estudiosos não estão de acordo nem quanto à data da edição nem quanto ao título de tais obras. Por exemplo, Inocêncio fala em três livros: Soláos, publicado em 1839, Tradições Cavalleirosas da Minha Patria: Primeira epocha, publicado em 1840, e Cancioneiro; parte primeira: saraos[sic], publicado em 1849 (Dicionario Bibliographico, cit., IV, p. 356); Jacinto do Prado Coelho e António Coimbra Martins referem ambos apenas os Solaus, 1839 [verbetes “Romantismo” e “Solau”, respectivamente, in Jacinto do Prado Coelho, Dicionário de Literatura (org.), 3ª ed., Porto, Figueirinhas, 1983, III, p. 963, e V, p. 1038]; António José Saraiva e Óscar Lopes falam de Solaus, 1839, e Cancioneiro (Solaus), 1840 (História da Literatura Portuguesa, 16ª ed., Porto, Porto Editora, s/d., p. 780), e o mesmo faz S. M. Gonçalves Castelão, acrescentando, porém, referência a um “drama inédito” (!): Tradições Cavaleirosas da Minha Pátria [“Serpa Pimentel” in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, cit., pp. 420-1]. Pela nossa parte, apenas, pudemos ver duas obras, com os títulos e datas seguintes: Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. 1ª epocha, publicada em 1840, e Cancioneiro. Parte primeira: Solaos, publicada em 1849. As restantes, nomeadamente os Solaus de 1839, não existem na Biblioteca Nacional nem na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, e não aparecem referidas na PORBASE. O Cancioneiro (Solaus) de 1840 mencionado por Saraiva e Lopes é, possivelmente, uma simples confusão com as Tradicções Cavalleirosas, obra que, publicada, de facto, em 1840, é omitida por aqueles autores, e cujos textos, individualmente, têm o antetítulo de “soláo”. Mas os Soláos de 1839, referidos por Inocêncio, são mais difíceis de explicar como confusão (com o Cancioneiro de 1849), porque o ilustre bibliógrafo fala de ambas as obras. No entanto, a terem existido os Soláos de 1839, é estranho que Serpa 353 quais, pelo contrário, fazendo o possível por não nos deixarmos arrastar pelo fascínio do tema, tentaremos centrar a nossa análise num aspecto: o contributo que o movimento baladístico pode fornecer para perspectivarmos melhor o caso do Romanceiro do Algarve e, sobretudo, dos 11 romances falsos que contém. Para formar os nossos corpora, começámos as investigações no ano de 1820 (embora tivéssemos feito pesquisas pontuais nalguns anos anteriores) e fomos até 1870. O último destes anos justifica-se, obviamente, por ser o da publicação do Romanceiro do Algarve; o primeiro ano referido, por ser o da revolução liberal, e o nascimento do Romantismo estar, em certa medida, ligado a esse movimento político. Os nossos corpora são fruto de anos de pesquisas, que nos levaram a folhear mais de 75 jornais e revistas (em muitos casos a colecção completa, que compreende vários anos) e 53 livros (alguns com mais duma edição). Estes números correspondem, apenas, às obras de que, efectivamente, extraímos material para os corpora, e não englobam muitos mais títulos (dezenas, sem exagero) que também consultámos mas em que não encontrámos Pimentel se lhes não refira no prefácio das Tradicções Cavalleirosas, e mais estranho ainda que, em tal prefácio, o autor assuma o tom de quem apresenta o seu primeiro livro, e não um segundo (que, para mais, surgindo apenas um ano depois do primeiro, marcaria um verdadeiro sucesso comercial, perfeitamente de assinalar). De facto, no texto introdutório das Tradicções, Pimentel modestamente diz ter sido seu único propósito mostrar “a alguem de mór esfera, e talentos o quanto fôra valiosa a restauração da nossa primitiva, e original poesia, não ataviada com o explendor contrafeito de alheios ornatos, — pura, modesta, simples, como as practicas, e os corações d’ aquelles nossos esquecidos avós. Abundoso, e formosissimo campo de cavalleirosas façanhas offerece a minha patria á imaginação do poeta; — se por ventura me não é dado colher o delicadissimo beijo, e pura flôr d’ aquellas suaves toadas, e melancholicos soláos dos antigos menestreis, licito me seja ao menos lidar por imital-os. — E releve-me o minguado da execução polo sincero, e grandioso desejo” (pp. [i]-[ii]). É óbvio que estas palavras não podem ser de alguém que está a prefaciar o seu segundo livro de solaus. Repare-se, por outro lado, na data que cada um dos poemas (com excepção de dois: Engracia Ramila e O Cid, não datados) traz na ed. de 1849. Se virmos bem, só 3 desses poemas (D. Martim, A Virgem Martyr Santa Comba e O Corujão do Bussaco) têm uma data anterior a 1839, pelo que só 3 do total de 21 textos datados contidos na ed. de 1849 estariam já na hipotética 1ª ed. de 1839. Não deixaria, portanto, de ser estranho que essa 1ª ed. apenas contivesse 3 poemas ou, então, que todos os restantes tivessem sido eliminados na 2ª, de 1849. Será, então, que, pura e simplesmente, a edição de 1839 não existiu, sendo fruto duma gralha (por “1849”)? Independentemente da questão dos Soláos de 1839, repare-se que, de qualquer modo, o papel de Serpa Pimentel no nascimento do género baladístico terá de ser repensado. Na verdade, Castilho e Morais Sarmento publicaram várias baladas logo em 1838, isto para não falar, claro, das quatro traduções de 1834-35 (feitas por “V.” e por Herculano). nenhuma balada. Ainda assim, não obstante, o muito tempo que dedicámos a esta investigação, não temos a ilusão de ter reunido todas as baladas românticas existentes. Sabemos que em várias revistas ou jornais da época que não tenhamos consultado se podem descobrir novas baladas ou a republicação de outras já conhecidas. É possível, além disso, que alguns anos estejam sub-representados nos corpora, e que, provavelmente, mais investigações, sobretudo na imprensa, permitam fornecer uma imagem mais consentânea com a realidade. 1039 De qualquer modo, pensamos que os corpora que pudemos formar garantem à nossa análise conclusões razoavelmente alicerçadas. Uma vez que o nosso interesse pela balada romântica se relaciona intimamente com a questão dos 11 falsos romances tradicionais publicados por Estácio da Veiga, decidimos, durante as nossas pesquisas, não tomar nota das baladas cuja acção se desenrolasse claramente na actualidade, a não ser que estivessem localizadas em meios populares (o romance de Veiga Descrição duma Bela Pastora, embora não situado, nem explícita nem implicitamente, numa época antiga, passa-se numa aldeia). 1040 Temos consciência, claro, de que, ao tomar essa decisão, condicionámos os corpora, pelo que, se as listas assim formadas servem indiscutivelmente o objectivo que nos propúnhamos estudar (os referidos poemas falsos de Estácio da Veiga), poderá, no entanto, argumentar-se que, ao excluirmos as baladas ambientadas no séc. XIX, falseámos a representatividade dos corpora enquanto imagem do movimento da balada romântica. Devemos, no entanto, referir que, de qualquer modo, o número de textos ambientados no séc. XIX nos pareceu muitíssimo pequeno. Esta impressão, pela sua subjectividade, vale pouco, mas é corroborada pelo facto provado de serem muito poucas as baladas cuja acção se passa nos séculos imediatamente anteriores, os XVIII e XVII. De facto, ao séc. XVIII 1039 É o caso de, por exemplo, no corpus A, o ano de 1837, que, como veremos, não apresenta qualquer item, mas que, pela sua situação, num conjunto de 5 anos em que o número de items vai sempre aumentando, seria de esperar que apresentasse uma quantidade de items superior à do ano anterior (que tem 4 items) e inferior à do seguinte (12 items). Surpreendem, também, por exemplo, os números muito baixos referentes aos anos de 1855 e 1856 (respectivamente, 1 e 2 items), que parecem deslocados no contexto em que se integram (1854 e 1857 apresentam, respectivamente, 5 e 6 items). É possível que mais investigações permitam corrigir estas aparentes anomalias. 1040 Sendo os costumes do povo rural encarados, durante o Romantismo (e não só), como sobrevivências de algo muito antigo, mesmo medieval, compreende-se a espécie de equivalência que, em Veiga e na balada romântica em geral, existe entre acções passadas na Idade Média e acções passadas no séc. XIX mas localizadas em ambientes rurais, sobretudo quando ligadas a tradições populares. 355 pertence, tanto quanto podemos determinar, a acção de apenas três baladas, XVII a acção de outras três. 1041 e ao séc. 1042 A clara maioria das baladas passa-se na Idade Média, o que não causa qualquer surpresa, já que se trata da época preferida pelo Romantismo em toda a Europa. Uma parte menor das baladas, mas ainda assim importante, passa-se nos sécs. XV e XVI. 1043 Como atrás dissemos, tomámos nota também das traduções portuguesas de baladas estrangeiras (o corpus B), desde que estivessem traduzidas em verso, pois, embora não pertencentes à nossa literatura, fazem indiscutivelmente parte do conjunto de poemas narrativos de ambiente antigo que o leitor da época tinha à sua frente. Além disso, o seu papel no início do movimento baladístico português parece, como dentro em pouco veremos, decisivo. Comecemos por apresentar um resumo dos números de baladas presentes nos nossos corpora: Baladas portuguesas originais 1044 (corpus A) Items: 387 Textos novos: 285 Republicações: 102 Baladas traduzidas (corpus B) Items: 58 Textos novos: 43 1041 O Massinga (de Morais Sarmento, 1845), Caçada Real (de Palmeirim, 1849) e O Conde dos Arcos (de A. F. Barata, 1866). 1042 O Desacato (de Costa Cascaes, 1842) e O Manoelinho d’ Evora e Martim Affonso de Lucena (ambas de Sarmento, 1845). 1043 O interesse por esta época, pouco típico do Romantismo a nível europeu, nasce, no caso português, sem dúvida do facto de nesses séculos se situarem as Descobertas, que para muitos (já no Romantismo) constituem a idade de ouro da História de Portugal. 1044 Temos consciência de que algumas das baladas constantes deste grupo não devem ser originais portugueses mas sim traduções, sendo os poetas que as assinam seus simples tradutores. Conseguimos aperceber-nos de alguns casos desses, que colocámos no corpus B (Apêndice nº 3): ver Lewis, 1834; Anónimo, 1848; e Lewis, 1858. Republicações: 15 Total dos corpora A e B Items: 445 Textos novos: 328 Republicações: 117 De modo a podermos apreciar a cronologia do movimento baladístico, apresentamos seguidamente uma sua lista ordenada por anos: Panorama da balada romântica (1828 – 1870) TOTAL ANO Items Textos ORIGINAIS Republ. Items novos Textos TRADUÇÕES Republ. Items novos Textos novos 2 2 1834 2 2 2 2 1835 2 2 2 2 1836 4 3 2 2 1838 12 12 4 4 1839 16 10 6 4 1840 28 1841 2 1828 2 Republ. 2 1829 1830 1831 1832 1833 1 2 1 1 8 8 6 10 6 4 21 7 28 21 7 21 14 7 19 12 7 2 1842 13 11 2 12 11 1 1 1843 18 15 3 18 15 3 1844 13 12 1 12 11 1 1 1 1845 16 13 3 15 12 3 1 1 1846 12 11 1 11 10 1 1 1 1847 6 6 5 5 1 1 1837 2 1 357 1848 39 38 1 25 25 1849 53 36 17 53 36 17 1850 22 14 8 16 12 4 1851 20 14 6 20 14 6 1852 7 4 3 6 4 2 1 1853 16 7 9 14 5 9 2 2 1854 5 4 1 5 4 1 1855 1 1 1 1 1856 2 2 2 2 1857 6 6 6 6 1858 18 10 8 17 9 8 1 1 1859 11 8 3 9 7 2 2 1 1860 11 5 6 8 5 3 3 1861 8 5 3 7 4 3 1 1 1862 11 8 3 8 6 2 3 2 1863 10 1864 4 4 3 3 1 1 1865 5 4 5 4 1 1866 17 15 17 15 2 1867 4 2 4 2 2 1868 8 5 7 5 2 1869 1 1 1 1 1870 1 1 1 1 3 13 1 6 2 4 1 1 3 1 10 10 2 14 1 1 Como vemos, os dados do nosso corpus apontam para que, ao contrário do que se costuma afirmar (mesmo durante a época em causa), 1045 1045 a Adozinda não parece ter tido Em 1838, nas palavras introdutórias que escreve para certa balada de Morais Sarmento (Fernam Rodrigues), um autor anónimo (provavelmente membro da redacção da revista) afirma: “É com a maior satisfação que nós vemos resurgir este genero de poesia d’ antigos e ditosos tempos, tão proprio para popularisar feitos honrosos da historia patria. Ao Snr. J. B. d’ A. Garret[sic] deve-se indubitavelmente o renascimento desta poesia nacional, a sua Adosinda é, como já dissemos, um primor d’ arte” [Revista Litteraria, I, nº 6 (30/9/1838), p. 339]. Poderia pensar-se que, ao falar da Adozinda e de “esta poesia nacional”, o autor anónimo se referia ao papel de Garrett enquanto iniciador do movimento de interesse pelo romanceiro e não enquanto iniciador do movimento da balada romântica. No entanto, uma menção que logo a seguir surge a Castilho (“o Sr. A. F. de Castilho, brilhante ornamento da nossa litteratura, tambem não desdenha enriquecê-la com valiosas producções neste estilo”), poeta que, como sabemos, não publicou textos de romances consequências para o nascimento e menos ainda para o desenvolvimento subsequente do género baladístico. 1046 O mesmo se diga do Romance de Bernal e Violante, que, embora, pela sua extensão, esteja muito mais perto daquilo que veio a ser a balada romântica tipo, só voltou a ser republicado em 1836, quando o movimento baladístico já estava em curso. O vazio de baladas que se verifica durante 5 anos (de 1829 a 1833, inclusive) mostra que os dois citados poemas de Garrett não tiveram imitadores. 1047 Pelo contrário, quando, em 1834 e 1835, voltamos a encontrar baladas, estamos perante traduções de 4 textos ingleses ou alemães, traduções que formam 100% do total de items baladísticos desses anos. Em 1836, as traduções ainda representam 50% dos textos do corpus; nesse ano surge, aí sim, a republicação do Romance de Bernal e Violante, que, deste modo, mais do que impulsionar a nova moda, parece arrastado por ela. Mas, em 1838 e 1839, as traduções já representam apenas 33,3% do corpus anual, e, nos anos posteriores, nunca mais atingem sequer este valor. 1048 Pareceria, então, que, depois de terem suscitado o renascimento (talvez pudéssemos mesmo dizer o verdadeiro nascimento) do género baladístico português, as traduções vão diminuindo à medida que o modelo vai sendo imitado pelos poetas nacionais, imitação que se revela muito veloz. De facto, em 1838, encontramos logo 12 items, dos quais 8 já são baladas portuguesas. Neste tradicionais, mostra que o autor anónimo, quando falava de Garrett e da Adozinda, se referia de certeza à origem do movimento baladístico. 1046 De facto, nesse aspecto, a Adozinda, com a sua relativa complexidade de acções, a sua abundância de descrições e, consequentemente, a sua extensão (63 páginas na ed. de 1843), está mais ligada ao passado do que ao futuro: faz lembrar mais a tradição dos longos poemas arcádicos, em vários cantos (por exemplo, o Oriente, de José Agostinho de Macedo, ou as primícias arcádico-românticas do próprio Garrett: Camões e Dona Branca), do que os poemas que formam o grosso do movimento baladístico, cuja extensão não ultrapassa algumas páginas. 1047 O exemplo da Adozinda parece fazer-se sentir na génese de três longos poemas narrativos, em vários cantos, da autoria de Costa e Silva: Isabel, ou a Heroina de Aragom (1832), Emilia, e Leonido (1836) e O Espectro (1838). Embora a sua grande extensão e a sua linguagem arcádica mais os aproxime da Dona Branca, a verdade é que neles se sente, também, a marca da Adozinda: no facto de estes poemas estarem inspirados em textos tradicionais (Isabel e O Espectro em romances; Emilia, e Leonido numa balada de Walter Scott, que Costa e Silva parece julgar ser recolhida da oralidade), textos que, além disso, Costa e Silva transcreve na introdução, ou seja, exactamente como Garrett fizera na Adozinda. Além disso, Costa e Silva menciona expressamente o modelo da Adozinda (ver Isabel, pp. iii-iv). 1048 De facto, o mais que sobem é até 27, 3%, em 1860 e 1862 (ex aequo), seguido por 1864 (25%) e 1859 (18,2%). Pelo contrário, descem até 6,25% (em 1845) ou, inclusive, 0%, vazio que se verifica num total de treze anos (1843, 1849, 1851, 1854-57, 1861, 1863, 1865-67 e 1869). 359 ano de 1838 surgem mesmo representados (com textos de Castilho e Morais Sarmento) os três aspectos temáticos principais que o género baladístico virá a desenvolver ao longo do seu trajecto: a balada que versifica episódios da História de Portugal (Castilho e Sarmento), a balada que versifica lendas (Castilho) e a balada de tema totalmente ficcional (Castilho). De modo a apercebermo-nos de quais os pontos cimeiros do movimento baladístico, vejamos, ordenados por número de items publicados, os anos mais produtivos: Principais anos, atendendo ao número de items baladísticos publicados Lugar Ano Nº de items 1º 1849 53 2º 1848 39 3º 1840 28 4º 1850 22 5º 1841 21 6º 1851 20 7º ex aequo 1843 e 1858 18 8º 1866 17 9º ex aequo 1839, 1845 e 1853 16 10º ex aequo 1842 e 1844 13 11º ex aequo 1838 e 1846 12 12º ex aequo 1859, 1860 e 1862 11 13º 1863 10 14º ex aequo 1861 e 1868 8 15º 1852 7 Segundo o nosso corpus, o período áureo da balada romântica está, pois, compreendido entre 1839 e 1853. Nestes 15 anos se publicaram 300 items, o que representa nada menos que 67,4% do total, ficando os restantes 32,6% repartidos por um total de 28 anos (1828-1838 e 1854-1870). O referido período áureo distingue-se, além de pelo número total de items que apresenta, também pelo facto de, nele, o número de items publicados por ano não ser inferior a 13, exceptuando três anos: 1846 (com 12 items), 1847 (com 6) e 1852 (com 7). O período dos 28 “anos magros”, por seu lado, caracteriza-se, além de, como vimos, por uma quantidade muito menor de items, também pelo facto de o total de items publicados em cada ano nunca ser superior a 11, com excepção de três anos: 1838 (12 items), 1858 (18) e 1866 (17). O período áureo não é homogéneo, e, pelo contrário, apresenta dois cumes de dois biénios cada: um primeiro, inferior, em 1840-41 (com, respectivamente, 28 e 21 items) e outro, superior, em 1848-49 (com, respectivamente, 39 e 53 items). Ao primeiro desses núcleos está associado o ano de 1843 (18 items), e ao segundo núcleo estão claramente associados os anos de 1850 e 1851 (com 22 e 20 items, respectivamente), os quais, de modo claro, pertencem já à fase descendente. Estes sete anos (1840-41, 1843, 1848-49, 1850, 1851) ocupam por si só, como pudemos verificar na tabela anterior, os primeiros 6 lugares da “classificação”. Qual o lugar que os falsos romances tradicionais escritos por Estácio da Veiga ocupam na cronologia do movimento baladístico? Como se sabe, antes de surgirem no Romanceiro do Algarve, 3 desses romances (que, no fundo, são baladas românticas) tinham saído já na imprensa: A Serrana em 1858, A Moira Encantada em 1859, e A Senhora dos Martyres em 1860. Como vemos, então, as primeiras baladas de Veiga são publicadas já no período descendente do movimento baladístico: 1859 e 1860 ocupam, como podemos ver na tabela anterior, o 12º lugar. Claro que o ano de 1858 (em que surge a primeira balada de Estácio da Veiga) ocupa, graças aos seus 18 items, o 6º lugar, e pareceria constituir um momento de recuperação na lenta —ainda que contínua— decadência do género. De facto, será preciso recuarmos até 1851 (com os seus 20 items) para encontrarmos um ano em que se tenham publicado mais items do que em 1858. Trata-se, porém, duma recuperação perfeitamente ilusória, pois, nos anos seguintes, até ao fim do nosso corpus (1870), nunca mais se volta a atingir o número de items de 1858 (18, como dissemos). Aliás, o único ano que se aproxima desse número (1866, com 17 items) representa uma realidade bem enganadora, pois, destes 17 items, 14 são devidos a uma única obra, nascida perfeitamente fora de tempo: o Cancioneiro Portuguez de A. F. Barata, remake do Romanceiro Portuguez 361 de Morais Sarmento, com todo o sabor requentado de algo que chega com 15 anos de atraso. 1049 As baladas de Estácio da Veiga surgem, portanto, num momento em que publicar baladas (entenda-se: baladas assumidamente originais) já não era nenhuma novidade e menos ainda uma moda. Porém, seria quase novidade, agora que Garrett tinha falecido, aparecerem a lume romances recolhidos da tradição oral. Assim, parece que, se A Serrana, A Moira Encantada ou A Senhora dos Martyres tivessem sido publicadas como aquilo que são (isto é, como baladas de Estácio da Veiga) não teriam tido nenhum acolhimento especial. Pelo contrário, enquanto romances recolhidos da tradição oral (aquilo que afirmam ser), chamam a atenção, sobretudo ao serem publicados com uma introdução explicativa, que os situa como etnotextos, algo semelhante ao que Garrett fizera, mas que, desde a morte dele, se não voltara a ver. Aliás, parece ser a esse vazio que, em 1861 (ou seja, mais ou menos na mesma época em que surgiram as três baladas/romances falsos), o redactor de certo jornal alude, ao publicar um romance de Estácio da Veiga, Santo António e a Princesa (esse, aliás, verdadeiramente recolhido da tradição, embora retocadíssimo): O genero a que hoje se dedica o consciencioso escriptor [i. e., Veiga], é de muito interesse e encanto, mas quasi olvidado pelos nossos engenhos, é portanto mais recommendavel o seu merecimento e ainda mais digno da 1050 curiosidade publica. A quase novidade representada pelos pretensos romances tradicionais de Estácio da Veiga ajuda a explicar que dois deles (precisamente os que mais cor local, maior ligação ao 1049 O livro de Barata, colecção de baladas sobre episódios histórico-lendários nacionais (tal como o livro de Sarmento), segue o modelo deste, como vemos, até no título. Além disso, tal como n’ O Romanceiro Portuguez, cada balada é precedida por uma introdução, em que se apresenta o texto cronístico que o poeta versificou. Embora, como pudemos observar pela lista cronológica da publicação de baladas, a segunda parte dos anos 60 seja já de aberta decadência, não se deve pensar que as baladas acabam em 1870. Este ano é apenas aquele em que, pelas razões a seu tempo explicadas, parámos as nossas pesquisas. A publicação de baladas deve ter continuado, ainda que, provavelmente, com pouca expressividade, e assinadas por autores cada vez mais epigonais. De qualquer modo, em princípios do séc. XX, ainda saiu um livro totalmente ocupado por baladas: Antonio A. dos Santos Silva, Romances Historicos e Lendas, Porto, Typ. a vapor de Arthur José de Souza & Irmão, 1903. 1050 A Epoca, 15/6/1861, p. 1. Algarve apresentam: A Senhora dos Martyres e A Moira Encantada) sejam, num curto espaço de tempo, republicados na imprensa (juntamente com os respectivos artigos introdutórios) três e duas vezes, respectivamente. 1051 Para nos apercebermos bem do que significam, no corpus global da balada romântica, essas republicações dos dois falsos romances tradicionais / baladas de Estácio da Veiga, vejamos uma lista com as baladas que foram objecto de mais publicações: Baladas portuguesas mais publicadas Lugar Título Autor 1º Bernal e Violante Garrett 2º Adozinda Garrett ex aequo Tomada Coimbra 1051 Castilho Nº total de Ano da publicação publicações (e anos das republicações) 5 1828 (1836, 1843, 1853, 1863) 1828 (1843, 1853, 1863) 4 1838 [1839 (2 vezes), 1863] A Senhora dos Martyres foi republicada uma vez no próprio ano em que saiu (1860) e, depois, também em 1861 e 1862; A Moira Encantada foi republicada duas vezes em 1861. Quanto à Senhora dos Martyres, sublinhe-se que a republicação de 1862 se fez no mesmo jornal onde o poema inicialmente saira (A Nação). Neste segundo momento, a balada é antecedido por umas linhas da redacção, bem significativas do agrado com que o público recebera o poema: “Vamos reproduzir um folhetim, que ha tempos aqui inserimos, em consequencia de se ter extrahido toda a edição da folha em que então apparecêra, e de não podermos de outro modo satisfazer ao desejo que varias pessoas nos tem manifestado de o possuirem”. Note-se que A Senhora dos Martyres parece ser, aliás, o romance de Estácio da Veiga que maior sucesso conseguiu. De facto, no período posterior àquele em que termina o nosso corpus (1870), sabemos que esse poema foi republicado, pelo menos, por Victor Eugenio Hardung (Romanceiro Portuguez, coordinado, annotado e accompanhado d’ uma introducção e d’ um glossario por..., II, Leipzig, F. A. Brockhaus, 1877), por Puymaigre, em tradução (Romanceiro. Choix de vieux chants portugais. Traduits et annotés par..., Paris, Ernest Leroux, Éditeur, 1881, pp. 59-62) e por Antero (Thesouro Poetico da Infancia, cit., pp. 102-6). Voltou também a sair na imprensa pelo menos duas vezes: na Revista do Minho, VII, nº 18 (1892), pp. 77-8, e n’ O Elvense, em data que não podemos determinar (ver Leite de Vasconcellos, Romanceiro Português, cit., nº 629; este item constitui a republicação da balada de Veiga, embora com o início truncado, a partir da sua transcrição no referido jornal alentejano). É possível que o sucesso desta balada se explique pelo facto de ela ir ao encontro de um certo gosto burguês, condescendente e enternecido, pela “ingénua religiosidade popular”. O texto poderá também ter agradado pelas ligações que apresenta com uma época áurea da História pátria, a das lutas entre Portugueses e Mouros, além de que, aqui, vence o português, embora comece por estar numa posição de dominado, e o mouro, mais que vencido, é convencido pela força evidente da religião cristã. 363 Santa Comba S. Pimentel 1840 [1840 (2 vezes), 1849] 2º D. Martim S. Pimentel 1840 [1840 (2 vezes), 1849] ex aequo Por Bem Garrett (cont.) Srª dos Martyres E. Veiga 1860 (1860, 1861, 1862) Srª da Nazareth Castilho 1838 (1858, 1863) 4 Duarte d’ Almeida M. Sarmento 1846 (1853, 1858, 1863) 1839 [1841 (2 vezes)] Egas Moniz S. Pimentel 1840 (1840, 1849) Cindasunda S. Pimentel 1840 (1840, 1849) Infante de Granada M. Leal 1840 (1845, 1858) Noite San’ João Garrett 1843 (1853, 1863) 3º Anjo e a Princeza Garrett ex aequo Chapim d’ Elrei Garrett 1843 (1853, 1863) Rosalinda Garrett 1843 (1853, 1863) Miragaia Garrett 1843 (1853, 1863) O Diabo G. Amorim 1849 (1858, 1866) Aposta do Rei F. Palha 1850 (1852, 1858) Infanta de Castella F. Palha 1850 (1852, 1858) Marianninha G. Amorim 1856 (1858, 1866) Moira Encantada E. Veiga 1859 [1861 (2 vezes)] 3 1843 (1853, 1863) Como podemos observar, A Senhora dos Martyres ocupa um destacado 2º lugar ex aequo e A Moira Encantada um 3º lugar ex aequo. Repare-se, além disso, que esses dois poemas de Veiga saem numa época já tardia, quando faltam cerca de 10 anos para o fim do nosso corpus, pelo que o mérito de, por exemplo, A Senhora dos Martyres (publicada em 1860) sair 4 vezes é, em termos relativos, maior que, por exemplo, o d’ A Tomada de Coimbra, que saiu 4 vezes também, mas foi publicada muito antes (em 1830), pelo que teve muito mais tempo para atingir o referido total de publicações. Note-se, ainda, que essas duas baladas de Estácio da Veiga conseguem a respectiva “classificação” apenas através das publicações que tiveram na imprensa. Pelo contrário, qualquer uma das outras baladas incluídas na lista anterior foi publicada, pelo menos, uma vez num livro dos respectivos autores, e algumas delas conseguem a sua “classificação” sobretudo graças a esse facto (A Noite de San’ João, O Anjo e a Princeza, O Chapim d’ Elrei e Rosalinda constituem um caso extremo, pois não apresentam no nosso corpus qualquer publicação em jornais, surgindo apenas graças à sua inclusão nas várias edições do Romanceiro de Garrett). Em princípio, a inclusão das baladas em obras do próprio autor deve mostrar menos a popularidade dos textos do que a sua republicação na imprensa, sobretudo porque essa republicação se não costumava dever à vontade do autor mas apenas à dos redactores, que, com toda a sem-cerimónia, transcreviam nos seus periódicos certos textos que tinham lido na “concorrência” e que achavam susceptíveis de agradar aos seus leitores. E, já que vimos a lista de primeiros lugares das baladas portuguesas, aproveitamos para fornecer, igualmente, a mesma lista em relações às baladas estrangeiras traduzidas para português: Baladas traduzidas mais publicadas Lugar Título Autor Tradutor Nº total de Ano de publicação publicações (e anos das republ.) Romance 1º Affonso e Isolina V. Lewis Aphonso e Imogina 5 1836 (1838, 1858) Lobo 1847 Herculano 1834 (1850, 1860) Cav. Toggenburgo Herculano 1835 Cav. Toggenburg Schiller Varnhagen 1838 Leonor 2º Herculano 1834 Bürger Cav. Togenburgo Monteiro ex aequo A Noiva do Sepulcro Anónimo Herculano 1848 3 1838 (1850, 1860) O Caçador Feroz Bürger Herculano 1839 (1850, 1860) O Mergulhador Schiller P. 1839 (1839) Sousa Jr. 1850 O Mergulhador Quanto a número de items publicados, mesmo tendo em atenção apenas os 3 romances falsos divulgados na imprensa (com as respectivas republicações), Estácio da 365 Veiga continua bastante bem situado na lista dos baladistas mais publicados, ocupando um honroso 9º lugar, num total de 107 poetas diferentes. 1052 Vejamos os primeiros 10 lugares: Autores de baladas com mais items publicados Lugar Nome Número de items (textos novos + republ.) 1º José de Serpa Pimentel 46 (24 + 22) 2º Garrett 30 (10 + 20) 3º Morais Sarmento 22 (14 + 8) 4º Gomes de Amorim 16 (12 + 4) ex aequo Mendes Leal 16 (10 + 6) 5º António F. Barata 15 6º Maria Peregrina de Sousa 14 (10 + 4) 7º Castilho 10 (4 + 6) ex aequo António Serpa Pimentel 10 (6 + 4) 8º Pereira da Cunha 9 9º Estácio da Veiga 8 (3 + 5) 10º Rodrigues Cordeiro 7 (6 + 1) ex aequo João Dubraz 7 (6 + 1) João de Lemos 7 (5 + 2) Tenha-se presente que, conforme dissemos, apenas considerámos, no que diz respeito a Estácio da Veiga, os três romances falsos / baladas publicados antes do Romanceiro do Algarve. Se no nosso corpus incluíssemos também esta obra de 1870, então, o contributo de Veiga para o movimento baladístico (mesmo deixando de lado os textos que são fundamentalmente traduções/adaptações) seria acrescentado com mais uma ou duas baladas 1053 e com as 3 republicações (em 1870) dos romances antes publicados na imprensa, 1052 Além das baladas pertencentes a estes 107 poetas, o corpus apresenta ainda 12 textos sem indicação de nome de autor. 1053 O Frade e a Freira teria quase certamente que ser incluído. A atribuição a Veiga de Pastora Morre de Amor é que seria, como atrás vimos, mais contestável. atingindo um total de 12 ou 13 items. O autor algarvio subiria, assim, para o 7º lugar, destronando Castilho e António de Serpa Pimentel. Para concluir a análise da posição ocupada por Estácio da Veiga e os seus falsos romances tradicionais, no seio do movimento baladístico, vejamos a questão do ponto de vista versificatório: Baladas segundo o tipo de versificação Baladas portuguesas originais (corpus A) (total: 285) Em quadras de tipo tradicional: 1055 Em outros 1054 76 (26,6%) / Em vários tipos de estrofes de heptassílabos: 71 (24,9%) Em sextilhas de heptassílabos: 48 (16,8%) 1056 Em outros / Em vários metros: 48 (16,8%) Romances: 42 (14,7%) Total de baladas em heptassílabos, incluindo os romances: 237 (83,1%) Baladas traduzidas (corpus B) (total: 43) Em outros / Em vários tipos de estrofes de heptassílabos: 15 (34,8%) Em quadras de tipo tradicional: 12 (27,9%) Em outros / Em vários metros: 10 (23,2%) Romances: 5 (11,6%) Em sextilhas de heptassílabos: 1 (2,3%) 1054 1055 Designamos assim as quadras de heptassílabos com esquema rimático ABCB. Entenda-se: em outros tipos de estrofes de heptassílabos que não sejam as quadras de tipo tradicional ou as sextilhas. 1056 romances. Entenda-se: em outros metros que não sejam nem os heptassílabos nem os bi-heptassílabos dos 367 Total de baladas em heptassílabos, incluindo os romances: 33 (76,7%) Baladas portuguesas + Baladas traduzidas (corpora A + B) (total: 328) Em quadras de tipo tradicional: 88 (26,8%) Em outros / Em vários tipos de estrofes de heptassílabos: 86 (26,2%) Em outros / Em vários metros: 58 (17,7%) Em sextilhas de heptassílabos: 49 (14,9%) Romances: 47 (14,3%) Total de baladas em heptassílabos (incluindo os romances): 270 (82,3%) A principal conclusão a tirar é que, na balada romântica, o heptassílabo é, por esmagadora maioria, o metro mais usado, sendo a quadra a estrofe preferida. Este duplo aspecto tem, sem dúvida, a ver com o facto de, como dissemos no capítulo III, o heptassílabo andar, desde o Arcadismo, associado à ideia de poesia popular, sobretudo quando agrupado em quadras de rima ABCB. A concepção do heptassílabo enquanto verso popular (e, portanto, de acordo com as teorias românticas, nacional) por excelência é defendida expressamente por Garrett, logo em 1828, como adiante diremos. 1057 Este autor escreve, aliás, no metro em causa as duas primeiras baladas do movimento (a Adozinda e o Romance de Bernal e Violante), sendo a segunda destas em quadras de tipo tradicional. O carácter “popular” do heptassílabo parece estar já de tal modo interiorizado que, em 1843, Andrade Ferreira, ao reversificar uma versão do Falso Cego que lhe chegara da tradição em versos de 5 sílabas, resolve não manter o verso do original, adoptando, isso sim, o de 7 sílabas. 1057 1058 1058 Ver Adozinda, cit., pp. ix, xv, xvi e xxi. J[osé] M[aria] d’ A[ndrade] F[erreira], O Cego Peregrino. Rimance, O Panorama, II, 2ª série, nº 58 (4/2/1843), pp. 35-36, e nº 84 (5/8/1843), pp. 247-248. A versão em que se “funda” esta balada é, de facto, em pentassílabos, como se vê pelo excerto citado em nota por Andrade Ferreira: “Abri essa porta, / Fechai o postigo, / Botai cá um lenço, / Que eu venho ferido” (p. 35). E, em 1845, Pereira Caldas (poeta do grupo do Trovador) vai dedicar ao heptassílabo um estudo monográfico, 1059 que, de certo modo, constitui a consagração do carácter português (ou, como ele aponta, mais propriamente ibérico em geral) desse verso: Os pequenos metros octonarios ou de redondilha maior, como os nossos antigos escriptores lhes chamavam, são, sem duvida, a primitiva e mais 1060 adequada forma da nossa poesia eminentemente nacional. O heptassílabo (em geral agrupado em estrofes, nomeadamente quadras, de rima não seguida) quase se pode dizer que, a par da acção situada na Idade Média, constitui um dos sinais identitários da balada romântica. Ora, no aspecto versificatório, Estácio da Veiga afasta-se de quase todos os outros baladistas, pois os três textos seus presentes no corpus são verdadeiros romances, em heptassílabos, de rima seguida do princípio ao fim. As mesmas características surgem, aliás, em todos os textos do Romanceiro do Algarve, constituindo excepção parcial apenas A Aldeana e O Frade, por estarem escritos em pentassílabos, ainda que de rima seguida (são romancilhos, portanto). E Veiga tem perfeita consciência do 1059 Por vezes, o autor não usava o último apelido. É o que acontece na obra que aqui nos interessa, cuja descrição bibliográfica é a seguinte: J[osé] J[oaquim] da S[ilva] P[ereira], Da Poesia Antiga: ou da antiguidade e belleza dos versos octosyllabos, Porto, Typographia da Revista, 1845. Trata-se duma separata da Revista Litteraria, 2ª série, vol. XII, segundo informação de Inocêncio (Diccionario, cit., IV, pp. 397-8), que não pudemos comprovar, porque tal volume falta na colecção da Biblioteca Nacional e na da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. No fim da separata (p. 21), o texto está datado de “Coimbra, Março 1845”. O exemplar do opúsculo que consultámos (na Biblioteca Nacional) tem, depois da referida data, a indicação manuscrita, a tinta, de “(Continúa)” (a tinta é a mesma com que, na capa, está escrita uma dedicatória assinada pelo autor). Ora o referido vol. XII foi o último da Revista Litteraria (ver Inocêncio, loc. cit.), tendo, portanto, o artigo ficado incompleto, e não parece ter continuado noutro periódico. Note-se que o início do artigo saíra na Revista Academica (Coimbra), nº 2 (2/4/1845), pp. 28-30, mas que, naquele periódico, o texto não continuara a sua publicação. Depois, a parte publicada na Revista Academica foi transcrita (com pequenos retoques) na mencionada Revista Litteraria, que, além disso, acrescentou outra grande parte, até aí inédita. 1060 Op. cit., p. 1. Ao falar em “octonarios”, Pereira Caldas segue, claro, o modo de contagem de sílabas usado em Portugal antes da reforma de Castilho. O carácter não apenas português mas ibérico do heptassílabo está atestado em três passagens da obra de Caldas: “o romance octosyllabo é, de certo, primitiva e essencial fórma da poesia popular dos peninsulares” (p. 9); “nos pequenos metros octonarios se acha a primitiva fórma poetica, com que entre os peninsulares fôra concebida a versificação popular” (p. 11); “A sua [dos heptassílabos] verdadeira origem [...] vai, sem duvida, entroncar-se ufana no primeiro balbuciar das linguas peninsulares” (p. 17). 369 carácter distinto destas duas baladas, como mostra o facto de ter agrupado os versos delas de 1061 modo diferente do dos outros textos seus. O cuidado com a correcção versificatória é, como vimos a seu tempo, uma das características, dos textos publicados por Veiga, autor que, aliás, usa sempre o termo “romance” (e o seu derivado “romanceiro”) de forma terminologicamente correcta. Nisso distingue-se da esmagadora maioria dos seus contemporâneos, a começar logo por Garrett, o qual, como sabemos, chama “romances” à Adozinda e ao Bernal e Violante, coisa que eles, porém, não são, pois não obedecem à rima obrigada, própria do género. E vários poetas posteriores aplicam o termo “romance” a baladas que nem sequer são em heptassílabos. 1062 Tanto quanto sabemos, o único autor que, além de Veiga (e antes dele, servindo-lhe, talvez, de modelo), mostra expressamente ter noção clara das características não só métricas mas também rimáticas do romance é Castilho. 1063 É muito possível que a falta de propriedade com que o termo “romance” surge usado na poesia romântica portuguesa seja consequência de dois factos que pudemos observar no capítulo III: i) os romances serem muito raros nos nossos poetas arcádicos, e 1061 A Aldeana tem os versos agrupados em quadras e O Frade em dísticos. Pelo contrário, os restantes textos do livro têm os versos agrupados em tiradas. 1062 Entre os vários casos presentes no Apêndice nº 2, citem-se, por exemplo, Moraes Sarmento, Fr. Luiz de Souza. Romance historico (1840), que é em oitavas camonianas, ou Costa Cascaes, Romance do 4º Acto do Drama Original — O Alcaide de Faro (1848), em versos de 5, 7 e 10 sílabas. 1063 Escreve Castilho: “A chacara, o romance popular, popularissimo, das Hespanhas, esse formoso e invejado exclusivo das nossas gentes, tinha por formula quasi consagrada e indispensavel o verso seti-syllabo em quadras, com rima toante, ainda que algumas vezes se enfiava toda a narração, só com um ou outro lapso, em rimas perfeitas, que comummente não passavam do ia. Renasceu este genero em nossos dias, porém tão desfigurado que faz pena. [...] sobre tudo não se curou de o revestir com coisa que se assimilhasse, por pouco que fosse, á sua rima. Sob o nome de chacara se fizeram uns pequenos poemas, talvez de maior valor poetico absoluto, mas que não eram chacaras [...] É pois esta uma rica mina, que está ainda para explorar [...] Áquelles, que a tal empreza houvessem de pôr peito, aproveito eu esta occasião para lembrar, que a rima é uma das principaes feições por onde a chacara genuina se contrasta e reconhece, e que substituir-lhe consoantes variadas é matal-a. Como porém ousaremos rimar em toantes? Não é necessario; rimae cada quadra em consoantes, e cada quadra com as outras do canto em toantes, ou todas as quadras em consoantes perfeitos, e os mesmos se quizerdes” (A. F. de Castilho, Tractado de Metrificação Portugueza para em Pouco Tempo, e até sem Mestre, se Aprenderem a Fazer Versos de Todas as Medidas e Composições, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851, pp. 113-4). ii) os poucos romances que aparecem no Arcadismo já não seguirem as duas características mais típicas do género (narratividade e versificação em heptassílabos), sendo 1064 sobretudo líricos e em decassílabos. A Teoria da Imitação da Poesia Oral pela Poesia Escrita Através de tudo o que deixamos exposto, conclui-se que os romances falsos / baladas de Estácio da Veiga possuem uma filiação determinada, não sendo fruto do acaso nem da completa inventiva do seu autor. E conclui-se também que, na época em que esses textos falsos surgem na imprensa, o facto de serem publicados como romances tradicionais e não como baladas de autor constitui, só por si, meia garantia de sucesso. Porém, não nos parece que a busca do sucesso explique, só por si, que Veiga tenha escrito textos daquele tipo, ou seja, não nos parece que apenas a vontade de ser original explique que ele tenha pensado em escrever (e publicar) alguns textos falsamente tradicionais. Pelo contrário, o movimento baladístico possui uma faceta que, julgamos, ajuda a iluminar a criação, por Veiga, dos romances falsos. Referimo-nos à ligação existente entre muitas baladas românticas e a literatura oral. Com efeito, um grande número de baladas do nosso corpus apresentam-se como a reversificação de romances tradicionais ou como a versificação de lendas ou contos populares. Tal facto se, em bastantes casos, é evidente ou provável, noutros é, sem dúvida, falso. Além disso, existem mesmo algumas baladas que se apresentam como verdadeiros textos recolhidos da oralidade, algo que as suas características versificatórias, estilísticas e conteudísticas desmentem. Antes de vermos com um pouco mais de atenção as modalidades que revestem essas relações entre baladas de autor e poemas orais, comecemos por tentar situar tais ligações no âmbito teorético do Romantismo. 1064 Conforme vimos, já na Fénix Renascida a maioria dos (numerosos) romances que surgem são líricos, embora mantenham a versificação heptassilábica. 371 Nascimento da Teoria da Imitação da Poesia Oral pela Poesia Escrita Conforme vimos no I capítulo, um dos teóricos fundacionais do movimento romântico —Herder— defendeu, pelo menos desde 1773, que a poesia escrita devia imitar a poesia oral, de modo a reformar-se. A poesia popular seria capaz de infondere un poco di semplicità nei nostri canti lirici, nelle nostre odi e canzoni, [...] abituare a soggetti più semplici e ad argomenti più nobili [...], in breve di liberarci da questi ornamenti oppressivi, divenuti per noi pressoché legge. [...] in che stile oraziano artificioso siamo caduti [...] noi tedeschi — Ossian, i canti dei selvaggi, degli scaldi, romanze e poesie provinciali 1065 potrebbero portarci su strade migliori. E Bürger, poeta que começava a tornar-se famoso (publicara já, em 1773, a balada Lenore), impressionado pelas ideias de Herder, escreveu, em 1776, o artigo “Desabafo do Coração sobre a Poesia Popular”. 1066 Ali defende, também ele, que a poesia culta deve deixar modelos eruditos, franceses ou greco-latinos, e aprender com a poesia popular alemã; será esse, aliás, o único modo de os poetas se tornarem verdadeiramente apreciados pelo público: Questi antichi canti popolari offrono al poeta che si sta formando un importantissimo studio preliminare del “naturalmente poetico” nell’arte, in particolare in quella lirica ed epico-lirica. [...] Con questo intento ho spesso teso l’orecchio per ascoltare il suon magico delle ballate e delle canzoni di strada che risuonano al crepuscolo sotto i tigli del paese, fra gli stenditoi biancheggianti e nei filatoi. [...] Da questa esperienza è facile e davvero meraviglioso apprendere il modo di eseguire la ballata e la romanza, o la poesia lirica ed epico-lirica. [...] Siamo tedeschi! Tedeschi che devono rendere digeribile e nutriente per il popolo tutto non la poesia greca, latina o di qualunque altro popolo tradotta in lingua tedesca, bensì la poesia tedesca in tedesco. Voi poeti, voi che non avete fatto ciò e che per questo motivo veniti letti poco o nulla, non accusate 1067 il pubblico freddo e pigro, ma voi stessi! 1065 “Sobre Ossian e as Canções dos Povos Antigos. Resumo duma correspondência”, apud Clelia Parvopassu e Alberto Rizzuti (orgs.), “A salti e lanci”, cit., pp. 133-4. 1066 “Herzensausguß über Volks-Poesie”; tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 143-150. 1067 Op. cit., pp. 146 e 147. Sublinhe-se que o artigo termina com uma balada do próprio Bürger, escrita com o objectivo de ilustrar a sua teoria. Bürger, como se sabe, é considerado o criador da balada artística alemã (Kunstballade), e os seus textos tornaram-se famosíssimos por toda a Europa romântica, exercendo enorme influência. Apresentam frequentemente temas e recursos estilísticos mais ou menos ligados à poesia popular e, na maioria, estão ambientadas na Idade Média, entendida como a época em que a essência nacional estava mais viva. 1068 Em 1777, ou seja, no ano seguinte ao do artigo teórico-prático de Bürger, Herder vai referir-se a este poeta. Segundo Herder, em Bürger, “che conosce a fondo la lingua e il cuore” do povo alemão, reside a esperança de vir a nascer um dia “un canto tedesco eroico o d’azione pieno di tutta la forza e tutto il movimento di queste piccole canzoni” (as canções populares). 1069 Conforme podemos observar, estamos em presença dum conjunto de ideias que andava no ar e era defendido por vários. Mas que também tinha os seus oponentes. O mais famoso de todos, Friedrich Nicolai, figura de proa do Iluminismo alemão, publicou em 1777-78, com propósitos claramente polémicos, o Pequeno Almanaque Elegante (Kleyner feyner Almanach). Trata-se duma antologia, em dois volumes, de poesias populares ou popularizantes, em que misturou textos bons e textos maus, de modo a desmentir os que defendiam a superioridade da poesia popular e a necessidade de ela servir de modelo. Na introdução de cada volume, 1070 mete a ridículo tais defensores, aludindo claramente aos escritos de Herder e Bürger. E, em passagens provocatórias (embora ricas em pontos dignos de reflexão), escreve que estaria errado dizer que il popolo canta canzoni meglio di Omero e di Ossian e di Ariosto, e chi non canta come il popolo è maledetto! Sarebbe [...] pura follia, poichè il popolo canta bene e male, non meno di tutti i poeti istruiti. E adverte os poetas cultos contra os perigos da imitação do popular: Qui [no Almanach] ci sono molti autentici antichi canti popolari, [...] come li cantano onesti garzoni, gente della montagna e cantastorie. Siano essi buoni o 1068 Ver João da Providência Sousa Costa, A Balada. A balada popular, a balada artística alemã, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1918, e Wolfgang Kayser, Geschichte der deutschen Ballade, Berlin, Junker und Dünnhaupt Verlag, 1936. 1069 Herder, “Da Semelhança entre a Poesia Medieval Inglesa e a Alemã, juntamente com Várias Coisas que daí se Seguem”, apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 205. 1070 Tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 153-163 e 164-168. 373 cattivi, basta, sono autentici. Se ora voi, cara gente istruita, volete abbandonare i vostri canti eruditi e accogliere quei canti popolari, o se potete imparare qualcosa da loro, davvero!, tutto mi può stare bene. Soltanto non fate mescolanza ermafrodita o abborracciamenti alla moda, che non possono far piacere né ai garzoni né agli uomini istruiti, dato che non sono né canti 1071 popolari né poetare erudito. E, quase a concluir, escreve: io credo che ogni cosa rimarrà com’è, e i canti popolari saranno sempre canti per il popolo e il poetare erudito sará sempre poetare per eruditi, fino al 1072 giorno del guidizio universale. Ideias com que, obviamente, os teóricos e poetas românticos não concordaram, facto que esteve na origem de muita poesia mais ou menos popularizante (ou assim apresentada) por essa Europa fora — e nomeadamente em Portugal, com boa parte dos textos pertencentes ao movimento baladístico. E os resultados, como se sabe, do ponto de vista estético, não foram os melhores. 1073 E, já que falámos de teóricos românticos, diga-se ainda, para sermos honestos, que o próprio Herder parece não ter ficado contente com os resultados que via da influência da poesia popular na culta, e nomeadamente na obra de Bürger. Repare-se, aliás, que as afirmações dele sobre Bürger que atrás transcrevemos (e também toda a passagem em que elas se integram), mais do que um elogio da poesia já escrita por esse poeta, exprimem, isso sim, a ideia de que ele tem condições para, no futuro, vir a escrever a tal poesia culta redimida pelo exemplo da poesia popular. Mas a opinião de Herder sobre a obra verdadeiramente produzida por Bürger parece não ter sido muito lisonjeira, pois, numa carta particular escrita em 1779, mete essa obra no mesmo saco do Kleyner feyner Almanach de Nicolai: 1071 1072 1073 Op. cit., p. 165. Op. cit., p. 167. As baladas tradicionais, diz um seu grande conhecedor, “are extremely difficult to imitate by the highly civilized modern man, and most of the attempts to reproduce this kind of poetry have been ridiculous failures” (Child, cit. por Walter Morris Hart, “Professor Child and the Ballad”, in Francis James Child, The English and Scottish Popular Ballads, V vol., New York, Dover Publications, Inc., 1965, pp. 755-807; citação extraída da p. 757). [I canti popolari] non [...] sono scritti nel modo in cui fanno cattiva poesia popolare Bürger, l’ Almanach, ecc., che mi danno ai nervi, davvero, con le 1074 loro ninne nanne! A Teoria da Imitação da Poesia Oral pela Poesia Escrita em Portugal A mais antiga atestação desta teoria em Portugal que encontrámos parece estar numa carta de Garrett a Duarte Lessa, escrita em 1824: Lembra-se das nossas conversas de Londres sobre antigualhas portuguesas e o muito que delas se podia aproveitar quem de nossas legendas e velhas histórias e tradições fizesse o que tão bem fazem ingleses e alemães, que é vesti-las dos adornos poéticos, e sacudir-lhes a poeira dos séculos com bem assisada escolha e apropriado modo? Pois desde então (e já de mais tempo me fervia isto na cabeça) não fiz eu senão pensar no jeito com que me haveria para armar assim uma coisa que se parecesse, mas que de longe, com tanta coisa boa que por cá [refere-se à França —onde está no momento de escrever esta carta— ou, mais provavelmente, aos países estrangeiros em geral, incluindo a Inglaterra] há por estas terras de Cristo, e que pelas nossas, de tão ricos que somos, se esperdiçam e andam a monte, por desacerto de letrados e 1075 barbarismo de ignorantes. Dizemos que a referida teoria “parece estar” atestada nesta carta porque, de facto, no seguimento das frases transcritas, Garrett explica ao amigo que foi lendo a Crónica de D. Afonso III de Duarte Nunes de Leão que lhe veio a ideia de escrever a D. Branca. Claro que essa crónica nada tem de oral, mas não deixa de ser verdade que o assunto das mencionadas conversas de Londres poderá não se ter restringido a obras escritas. Com efeito, a expressão “nossas legendas e velhas histórias e tradições” é, naturalmente, susceptível de também se aplicar a lendas e poemas orais. De qualquer modo, não deixa de ser extremamente significativo que esta primeira (possível) atestação da teoria da imitação da poesia oral por parte da escrita surja num contexto em que o modelo a imitar é uma lenda de origem hipoteticamente popular integrada numa obra escrita, antiga, sobre a Idade Média. É que, como veremos mais adiante, muitas vezes as baladas românticas irão precisamente versificar textos de obras historiográficas 1074 1075 Carta a Ildefons Kennedy, apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 37. Carta datada do Havre, 19 de Novembro de 1824, in Garrett, Obras, cit., I, p. 1383. 375 antigas, sobretudo daquelas que, olhadas pelo Homem oitocentista como dignas de pouco crédito científico, se apresentavam, pelo contrário, ricas em narrativas mais ou menos lendárias. Em 1826 é publicada a Dona Branca, longo poema em que, para lá da referida fonte teoricamente lendária (mas extraída duma obra escrita), haveria, segundo Garrett, uma grande influência das tradições populares, visível no facto de “todo o seu maravilhoso [ser] tirado das fábulas populares, crenças e preconceitos nacionais”. 1076 Porém, na Dona Branca não se encontra vestígio de “fábulas populares”, no sentido que a expressão poderia ter de “narrativas ficcionais recolhidas da tradição”. Nesta obra existem, é verdade, marcas de “crenças e preconceitos nacionais”, mas não sob a forma de textos (narrativos ou líricos), apenas, sim, enquanto motivos, como a crença em bruxedos e encantamentos. E até certos aspectos que se ligam a narrativas orais (sobretudo o tão exageradamente celebrado uso das fadas, que aparecem, de facto, como personagens do poema de Garrett) já atrás vimos que seguem muito mais uma tradição escrita estrangeira do que uma possível influência oral portuguesa. Influência oral que, de qualquer modo, mesmo que se tenha verificado, não está patente na história narrada pelo poema e menos ainda na sua linguagem (claramente arcádica), mas apenas enquanto algo exterior, ornamental, como as referências às mouras encantadas. De facto, como atrás também vimos, as mouras 1076 Garrett, Dona Branca, in Obras, cit., II, p. 606. O poema começa, aliás, com umas passagens que se fizeram famosas, onde o narrador explicitamente “abjura” o maravilhoso greco-romano dos poetas clássicos e neoclássicos: Áureos numes de Ascreu, ficções risonhas Da culta Grécia amável, crença linda De Vénus bela [...] [...] — do magano Jove [...] [...] — de Baco alegre, Do louro Apolo, e das formosas nove Castas irmãs [...] [...] Gentil religião, teu culto abjuro, Tuas aras profanas renuncio; Professei outra fé, sigo outro rito, E para novo altar meus hinos canto. (Op. cit., II, p. 465) aparecem na Dona Branca apenas enquanto algo em que o povo crê, algo tradicional, muito antigo, a que alude o narrador, mas sem que o conteúdo das lendas protagonizadas pelas ditas mouras seja minimamente usado no poema como matéria narrativa. O uso dum modelo popular para a poesia escrita só aparece indiscutivelmente atestado em 1828, na Adozinda. E, neste caso, a questão do modelo oral faz-se sentir não só na prática (como é sabido, naquela obra publicam-se duas baladas que reversificam romances orais), mas também enquanto reflexão teórica. De facto, na introdução da Adozinda, Almeida Garrett, conforme vimos a seu tempo, começa por afirmar que a poesia portuguesa mais antiga foi a lírica trovadoresca: a nossa poesia primitiva e eminentemente nacional, a que do princípio, e para assim dizer, do primeiro balbuciar de nossa lingua, nos foi commum com todos os outros povos que mais ou menos nos approximámos da lingua provençal [...] é a poesia dos trovadores. — Singela, romanesca, apaixonada, 1077 de uma especie lyrico-romantica que não tem typo nos poetas antigos. No entanto, algumas páginas mais à frente, mostra-se duvidoso de tal precedência. E, depois de mencionar “as canções antiquissimas conservadas nos dous cancioneiros, o do Collegio dos Nobres [...] e o de Resende”, refere a existência de “outras poesias mais antigas talvez, os romances populares historicos ou Chacras, que por tradição immemorial se conservam entre o povo”. 1078 Seja como for —e já sabemos que, em 1843, na remodelação deste texto, o autor passa a afirmar a clara precedência do romanceiro 1079 —, o importante é que a “poesia primitiva” dos países europeus não é a greco-latina (“não tem typo nos poetas antigos”). Foi a essa primitiva poesia que os poetas europeus modernos, românticos, “enfastiados dos Olympos e Gnidos, saciados das Venus e Apollos de nossos paes e avós”, 1080 decidiram regressar (ainda que polindo-a um pouco pelo modelo clássico): 1077 1078 1079 Adozinda, cit., pp. x-xi. Op. cit., p. xvi. Quando a introdução da Adozinda foi republicada no I vol. do Romanceiro, a primeira das frases citadas aparece transformada em: “A nossa poesia primitiva e eminentemente nacional [...] foi seguramente o romance historico e cavalheresco, ingenua e ruda expressão do enthusiasmo de um povo guerreiro; logo vieram esses trovadores de Provença e nos ensinaram modos mais cultos porêm menos originaes e menos cunhados do sêllo popular: era coisa mais de côrte” (Romanceiro, I, p. 6). E, na segunda afirmação, Garrett omite o “talvez”, passando a dizer decididamente que, além dos cancioneiros trovadorescos, há “outras poesias mais antigas, os romances populares ou xacaras” (p. 11). 377 A poesia romantica, a poesia primitiva, a nossa propria, que não herdámos de Gregos nem Romanos, nem imitámos de ninguem, mas que nós modernos creámos, a abandonada poesia nacional das nações vivas, resuscitou bella e remoçada, com suas antigas gallas porêm melhor talhadas, com suas feições primeiras porêm mais compostas. [...] Não ficou menos natural nem menos nacional, porêm muito mais amavel e incantadora a nossa poesia primitiva 1081 assim resuscitada por Sir W. Scott e alguns poucos mais. E é no grupo desses “poucos mais” que Garrett entra, com a Adozinda e o Romance de Bernal e Violante. Trata-se de baladas que obedecem a duas características que, durante o Romantismo, são consideradas necessárias na poesia escrita que se queira renovada pelo modelo da poesia oral: além de estarem, obviamente, ligadas a uma origem tradicional, estão ligadas também à Idade Média. De facto, os textos de que tais baladas procedem foram recolhidos da boca do povo, de “amas-seccas e cuzinheiras velhas” antiquissimas de nossa infancia poetica”. 1082 e são “peças 1083 Ora as baladas que se publicam em 1828, além dessa dupla característica, apresentam uma terceira: estão escritas em versos de 7 sílabas (Garrett chama-lhes de 8, uma vez que Castilho ainda não introduzira a nova terminologia, baseada, como sabemos, no modelo francês de escansão). É esse, afirma ele, o metro nacional por excelência, próprio da poesia primitiva e da poesia popular (que, segundo o Romantismo, são o mesmo, claro) e, portanto, aquele que a poesia moderna, romântica, regenerada pelo modelo oral, deve adoptar. E trata-se de uma característica tão importante das baladas que aqui publica que Garrett começa por sublinhá-la logo ao iniciar o segundo parágrafo da introdução, ainda antes de referir qualquer outra característica da sua obra: Creio que é ésta a primeira tentativa que se faz de escrever em Portuguez poema ou romance, ou coisa assim de maior extenção, n’ este genero de versos pequenos, octosyllabos, ou de redondilha, como lhe chamavam d’ antes os nossos. No meu resummo da historia da lingua e da poesia portugueza, que vem impresso no primeiro volume do Parnaso Lusitano [...] toquei eu de leve [...] sôbre a belleza d’ estes nossos versos octosyllabos, que 1084 nos são proprios a nós hespanhoes, tanto portuguezes como castelhanos. 1080 1081 1082 1083 1084 Adozinda, p. xii. Op. cit., pp. xiii e xiv. Op. cit., p. xxiv. Op. cit., p. xxvi. Op. cit., pp. viii-ix. E, ao longo da introdução, volta a referir-se várias vezes a “estes nossos metros primitivos”, 1085 à sua incontestada antiguidade, à sua ligação às épocas mais recuadas da língua, ao facto de (como é que isso surpreenderia um romântico?) serem os versos usados pelo povo em sua poesia: os nossos mais rudos camponezes improvisam em seus serões e festas com uma facilidade que deve espantar os estrangeiros: mas observe-se que o metro d’ estes improvisos é sem excepção alguma o da redondilha de oito syllabas. A causa é obvia; é a medição mais natural que lhes appresenta a musica da lingua. Não so as canções antiquissimas conservadas nos dous cancioneiros, o do Collegio dos Nobres [...] e o de Resende, são todas ou quasi todas n’ este metro, mas tambem outras poesias mais antigas talvez, os romances populares historicos ou Chacras, que por tradição immemorial se conservam entre o 1086 povo, principalmente nas aldeias. Portanto, não admira que seja esse o verso que Garrett considera adequado para a balada, a parte da poesia moderna que se inspira na popular: Depois de muitas tentativas, de exame longo e reflectido, eu por mim convenci-me de que o metro proprio e natural de nossa lingua para este 1087 genero de poesia (e tambem para outros) é o dos versos octosyllabos. Segundo Garrett, “não é [...] em nenhum sentido novo o genero romantico em nossa litteratura”, 1088 pois ao longo dos séculos teria havido vários poetas que seriam românticos (o Camões lírico, Rodrigues Lobo ou Corte-Real). Portanto, a Adozinda não traz novidade — a não ser num ponto: Se reclamo prioridade é somente em ter instaurado as antigas e primitivas fórmas metricas da nossa lingua em uma especie de poesia que tambem foi a 1089 primitiva nossa. Temos, então, enunciadas as que parecem ser para Garrett as três características da balada romântica: estar escrita em heptassílabos, e ser feita a partir dum texto que, vivo hoje na tradição oral, venha da Idade Média. 1085 1086 1087 1088 1089 Op. cit., p. ix. Op. cit., p. xvi. Op. cit., pp. xiv-xv. Op. cit., pp. xx-xxi. Op. cit., p. xxi. 379 Claro que o seu exemplo era difícil de ser seguido, pelo menos em todos os aspectos. No meio burguês e urbano em que vivia a maioria dos poetas, só a muito custo (ou assim pensavam eles) poderiam achar romances tradicionais. Um artigo semianónimo, perdido num jornal hoje esquecido, apresenta o assunto do modelo oral da poesia culta duma maneira com que muitos poetas da época deveriam concordar. O autor começa por dizer algo que é um lugar-comum no Romantismo: a poesia, para ser poesia, e não adella de emprestados ouropeis de uma sociedade morta, mumia engrinaldada com as rosas que serviram a um culto extincto, deve ir procurar no povo e nas suas crenças, as suas galas e a sua 1090 vida. Ora no povo há uma enorme riqueza de literatura. E surge a imagem idílica dos serões no campo, tantas vezes glosada: Sentado no preguiceiro, junto da lareira em que crepita um fogo soberbo; o camponez encurta as enfadonhas noites de inverno, ora com a lenda de um santo, ora com a façanha de um guerreiro; com uma trova de paladinos, ou 1091 com um conto de fadas. Portanto, recolher literatura oral e, a partir dela, compor novos textos, textos de literatura escrita, culta, não deveria ser um problema. O autor que assina estas linhas também teve, como Garrett, a sua Brígida: Se ainda tivesse uma velha creada, que, quando eu era criança, me esconjurava com todas estas tradições a rabugem do somno, que de historias não vos poderia contar, que de singelas trovas não reproduziria?... Narravame tudo com uma graça, uma naturalidade, que lh’ a invejariam, se a ouvissem muitos dos nossos prosadores: dava aos seus contos phantasticos mais interesse, que não teem essas estopadas romanticas-historicophilosophico-regeneradoras, e não sei que mais, que em dósis extraordinarias, 1092 para consumo do tempo e da paciencia, nos lançam á cara todos os dias. Pois é: “Se ainda tivesse...” Mas a verdade é que 1090 1091 1092 R., “O Minho Poetico”, O Pirata, II, nº 17 (Out. 1851), p. 129. Loc. cit. Art. cit., p. 130. a minha pobre velha morreu, e com ella perdi eu o meu romanceiro. Para o arranjar de novo, forçoso me seria percorrer a provincia, para o que se me 1093 sobeja a vontade, falta-me tudo o mais. Portanto, o articulista termina, fazendo votos para que outros (não ele, que não pode sair de Lisboa...) formem “uma collecção completa de todas as tradições do Minho e de todo o resto de Portugal”, que seriam de grande “valor para a litteratura [escrita, subentende-se], sobretudo para a poesia”, e que “nos livraria por muito tempo de pagar juros a Victor Hugo, Chateaubriand, Lamartine, André Chenier, Aimée Martin, &c.” 1094 Difícil ou não, a verdade é que alguns poetas, seguindo na vereda traçada pela Adozinda e, sobretudo, pelo Romance de Bernal e Violante, se abalançaram a recolher romances (ou a ler romances recolhidos por outros) e a reversificarem-nos. Na recolha e nas sugestões para o seu aproveitamento baladístico há mesmo provas de esses poetas terem sido coadjuvados por amigos. É o caso do próprio Garrett, a quem Gomes Monteiro, ao enviar uma versão de “D. Silvana”, 1095 tal “como corre n’ esta cidade [o Porto] na bôca das velhas de bom tempo”, sugere: “Este póde dar um lindo poema”. 1096 É o caso também de Costa e Silva, que decidiu escrever Isabel, ou a Heroina de Aragom por conselho de um amigo, o qual, inclusivamente, “offerece[u]-se-me pera ajudarme na pesquiza dos necessarios Romances”. 1097 E numa época extremamente tardia (1864), Teófilo Braga ainda se mostra, também ele, partidário da teoria de que a poesia oral deve contribuir para reformar a poesia escrita. Com efeito, num artigo em que comenta já de modo “moderno”, comparativista, uma versão do Lavrador da Arada, integrando esse romance no conjunto de lendas internacionais sobre a hospitalidade devida aos pobres e viandantes, termina escrevendo algo que parece vir da pena de Herder: 1093 1094 1095 Loc. cit. Loc. cit. Trata-se dum Conde Alarcos, como se vê pelo facto de, mais à frente, Monteiro dizer que, no romanceiro de Durán, 1832 (que, a pedido de Garrett, lhe envia pelo mesmo correio), está “o romance do conde Alarcos, que é o portuguez de D. Silvana” (carta datada do Porto, 11/9/1839, apud Gomes de Amorim, Garrett. Memorias biographicas, cit., II, p. 527). 1096 1097 p. iv. Op. cit., pp. 526 e 527. Joseph Maria da Costa e Silva, Isabel, ou a Heroina de Aragom, Lisboa, Impressão Regia, 1832, 381 De todos os poetas portuguezes, depois de Garrett, o que tem um gosto delicado, uma intuição viva do sentimento do povo é indubitavelmente o sr. Castilho. Se o poeta dos Fastos [sic, por Quadros] Historicos seguisse a indole da sua musa, excederia Uhland, Bürger, Scott. [...] só o sr. Castilho nos poderia fazer rivalisar com as littteraturas estrangeiras n’ estas restaurações. E que ceara tão rica de legendas, como as da nossa historia, e tão mal 1098 aproveitadas na quasi totalidade. Aliás, no mesmo ano de 1864, Braga “aproveita”, precisamente, a referida versão do Lavrador da Arada, e a partir dela compõe uma balada. 1099 Portanto, uma parte (é verdade que pequena) das baladas românticas consiste precisamente na reversificação de romances tradicionais. Outros poetas (claramente em maior número) irão, porém, voltar-se para os contos e as lendas (sobretudo estas), talvez porque mais fáceis de encontrar, ou, pelo menos, de encontrar em “boas condições”. De facto, a estrutura prosística, mais fluida, mascara bem melhor o desgaste da memória verificável nos romances, desgaste a que, já no séc. XIX, os colectores se referem com insistência. Além disso, as lendas, ao relacionarem-se directamente com determinados lugares, sobretudo rurais, apresentam o interesse suplementar duma maior cor local. É possível ainda que, nalguns desses poetas, a ideia de versificar contos ou lendas tenha, pelo menos em parte, a ver com uma teoria romântica (a que adiante nos referiremos com mais pormenor), segundo a qual, como a literatura oral mais antiga teria sido sempre em verso, a existência de contos ou lendas explicar-se-ia pela redução a prosa (acontecida numa época posterior) de antigos textos versificados. Assim, para alguns desses poetas, a escrita de baladas inspiradas em contos seria como que a reconstituição da forma primitiva do texto, reconstituição em que, obviamente, como se imaginará, não eram guiados por preocupações de método científico. Um vestígio de tal posição parece-nos estar atestado nas considerações de Garrett (que adiante veremos) sobre 1098 Theophilo Braga, “Poesia Popular”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 5º ano (1864), pp. 302-307 (citação extraída da p. 307). Este artigo é republicado duas vezes, nos dois anos seguintes, embora com outro título e com vários acrescentos [“Lenda Popular da Hospitalidade”, Jornal do Commercio, 24/5/1865, p. 2; e idem, O Instituto, XIII, nº 5 (1866), pp. 115-8]. Na parte referente a Castilho e à imitação da poesia oral apenas foram feitas ligeiras mudanças vocabulares. 1099 Parabola do Bispo á Mesa do Ágape in Tempestades Sonoras, Porto, Em Casa da Viuva Moré — Editora, 1864, pp. 43-6. o modo como, ao escrever a balada O Chapim de Elrei, quis reconstruir um texto que lhe chegara da tradição oral parte em verso, parte em prosa. Por último, outros poetas, ainda menos dispostos a fazer recolhas, decidem seguir o exemplo de Garrett na D. Branca, e viram-se para lendas que encontram em obras escritas, nomeadamente a mina que, nesse aspecto, é a Monarquia Lusitana. Como explicitação do que atrás afirmámos, indicamos em seguida as baladas do nosso corpus que consistem na versificação de textos originários da tradição oral. Inicialmente, daremos as que reversificam romances, e, depois, as que versificam lendas e contos. Baladas Românticas que (Re)versificam Textos Tradicionais Reversificação de Romances Tradicionais Garrett, 1100 Adozinda. Baseia-se numa versão tradicional de Silvana + 1101 Delgadinha. Garrett, Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular 1102 antiquissima, e no mesmo stylo. Reversifica um texto tradicional de Bernal Francês + 1103 Aparição. 1100 [Almeida Garrett], Adozinda. Romance, Londres, Em Casa de Boosey & Son e de V. Salva, 1828, pp. 1-101. Republicado em J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I: Adozinda e Outros, Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim. Úteis, 1843, pp. 23-95. Republicado em todas as reedições deste volume (que, a partir da 2ª ed., passa a intitular-se apenas Romanceiro, I). 1101 1102 Que se transcreve nas pp. 107-113. Adozinda, cit., pp. xxxiii-xlvii. Republicado em J. B. L. d’ Almeida Garrett, Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular antiquissima, e no mesmo estylo, O Correio das Damas, I, nº 22 (15/11/1836), pp. 173-176. Ao contrário do que acontece em 1828, nesta republicação não se inclui o texto recolhido da tradição. Ao ser republicado novamente no Romanceiro, I, cit., pp. 103-118, a balada passa a intitular-se Bernal-Francez. Romance. É incluída, com o mesmo título e subtítulo, nas edições seguintes desta obra. 1103 Que se transcreve nas pp. xxvi-xxxii. 383 Morais Sarmento, Joam Pires (por Cognome) da Bandeira. 1104 Apresenta, no final, uma passagem em que (por várias palavras e mesmo pela rima, que, neste lugar, passa a ser, nos versos pares, sempre em –i) 1105 parece haver influência do romance tradicional da 1106 Aparição. Garrett, Rosalinda. Romance. 1107 Reversificação de cenas dos romances Conde Claros e a Princesa Acusada e Conde Ninho. Andrade Ferreira, O Cego Peregrino. Rimance. 1108 Reversifica (em quadras de heptassílabos) uma versão tradicional (pentassilábica) do Falso Cego. 1104 1109 A balada apresenta J[sic, por I, de Ignacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], Joam Pires (por Cognome) da Bandeira ou o Alferes d’ Affonso 5º. Romance historico, Revista Litteraria, IV, nº 20 ([Agosto] 1839), pp. 169186. 1105 1106 Até àquele momento, o poema é em quadras de heptassílabos, de rima variável. Op. cit., p. 186. Luiza, mulher de Joam, fizera-se freira durante a ausência dele, por este ter sido dado como morto na guerra. Joam acaba por regressar, vai ao mosteiro (em que Luiza acabava de proferir os votos) e ela diz-lhe (p. 186): “Vive, nobre cavalleiro, Vive tu que eu já vivi, E sê tu fiel herdeiro D’ este amor, por que eu morri: De ser freira n’ um mosteiro Juramento proferi: Adeus, nobre cavalleiro, Vive tu, que eu já morri.” 1107 J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I, cit., pp. 183-9. É republicado nas edições seguintes desta obra. 1108 J[osé] M[aria] d’ A[ndrade] F[erreira], O Cego Peregrino. Rimance, O Panorama, II, 2ª série, nº 58 (4/2/1843), pp. 35-36, e nº 84 (5/8/1843), pp. 247-248. 1109 O poema é acompanhado pela seguinte nota: “Funda-se a nossa breve composição nas antigas trovas do cego, que principiam.[sic] Abri essa porta, Fechai o postigo, Botai cá um lenço, muitos pormenores inventados (sobretudo na segunda parte, cujo final, de enredo complicado, é todo novo). 1110 Rodrigues Cordeiro, O Conde Alarcos (lenda popular). apresente como simples retocador, versão tradicional do romance. 1112 1111 Embora o autor se a verdade é que esta balada reescreve, de facto, uma 1113 Que eu venho ferido, &c.” Andrade Ferreira conhecia este romance sem dúvida da tradição oral, uma vez que, na época, não havia nenhuma sua versão publicada. 1110 Porém, nalgumas passagens, sentem-se ainda claros ecos da versão tradicional que serviu de base ao poema. Vejam-se os seguintes exemplos: “‘Acordai, ó minha mãe, Deixai já tanto dormir: Não ouvis lá fóra o cego Com seu estranho pedir?’ —” (p. 35) e “— ’Pega na róca, ó filha, E na estriga de linho, Sabe o cego seus int’resses, Vai ensinar-lhe o caminho.’ —” (p. 36) 1111 A. X. R[odrigues] Cordeiro, O Conde Alarcos (lenda popular), Revista Academica (Coimbra), nº 17 (S/ d.; 1845?), p. 272. 1112 Em nota ao texto, Rodrigues Cordeiro escreve: “Esta lenda, chácara, ou soláo, ou como lhe quizerem chamar, ouvi-a gargantear em Coimbra, e assentei que a não devia deixar morrer entre o povo. Ahi vai pois; a tradicção que conserva, estragando, tinha-lhe desfigurado muitas côres primitivas — uns versos errados — outros incompletos no sentido — alguns visivelmente desdizendo da epocha de quasi todos. — Estes defeitos intentei suppri-los conservando tudo o que poude [sic], e modelando o que lhe accrescentei pela antiga singeleza. Como não achei nome á Princeza baptisei-a, e chamei-lhe Maria. Isto é bastante para dizer que não me responsabiliso pela verdade historica do Romance”. Não é possível saber, claro, qual o estado da versão que Cordeiro possuiu. A verdade, porém, é que, do ponto de vista discursivo, se vê que dela “conservou” muito pouco e, pelo contrário, lhe “accrescentou” muitíssimo. 1113 oral. Nenhuma das suas quadras é como as tradicionais. No entanto, baseia-se sem dúvida num texto 385 Garrett inclui, n’ O Arco de Sant’ Ana, uma quadra 1114 que é a reversificação duma 1115 passagem do romance tradicional de Claralinda. Bulhão Pato, D. Claros. Romance. 1116 Inspira-se numa versão do romance do Conde 1117 Claros e a Princesa Acusada. 1114 Almeida Garrett, O Arco de Sant’ Ana, apud Obras, I, Porto, Lello & Irmão—Editores, s/ d., p. 247 (a 1ª ed. do vol. I deste romance data de 1845). 1115 A quadra, cantada por uma personagem, diz o seguinte: “Que cavalos são aqueles / Que além ouço relinchar? / ‘Vossos são, dom cavaleiro, / Que se enfadam de esperar’”. Os três primeiros versos parecem adaptados (para os aplicar à acção de O Arco de Sant’ Ana) da conhecida passagem do romance tradicional que referimos. Note-se, porém, que Garrett não possuía (ou pelo menos nunca publicou) nenhuma versão deste romance. 1116 R. A. de Bulhão Pato, D. Claros. Romance, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, II, nº 39 (4/7/1850), pp. 471-472, e nº 41 (18/7/1850), pp. 496-497. Republicado (ou pré-publicado?) nas Poesias do autor (Lisboa, Typographia da Revista Universal, 1850, pp. 73-86). 1117 A história que surge na balada de Pato é a seguinte: um cavaleiro (em certas passagens, chama- se-lhe conde), D. Claros de Montalvan, apaixonado da infanta D. Branca, “brinca” com ela no jardim. Um caçador vê-os, mas promete não dizer nada. Posteriormente, um pagem canta ao rei uma canção sobre os amores da infanta com um rapaz que a encontrara no jardim, mas o rei não percebe a alusão. Porém, mais tarde, D. Branca aparece muito triste: o conde vai ser degolado por “atentar / Contra a pureza da infanta”; tal sentença deve-se a ela se ter queixado ao rei seu pai. D. Branca desmaia ao ver D. Claros que vai para o patíbulo, e pede ao pai que perdoe ao conde. Tudo acaba em bem, com um casamento. A fonte desta balada pareceria ser a versão velha do romance (Romance del conde Claros de Montalván), presente no Cancionero de romances, sem data (fols. 83-91v), que Bulhão Pato poderia ter conhecido através da sua reprodução, por exemplo, em Durán (aliás, como se pode ver no Apêndice nº 3, feita por Pato chegou-nos também a tradução do Romance del rey moro que perdió Alhama, o qual, obviamente, ele só pode ter conhecido por uma fonte escrita). Sinais inequívocos da origem escrita da presente balada parecem ser o nome de “D. Claros de Montalvan” que a personagem aqui tem e igualmente o facto de os amantes serem descobertos por um caçador (e não por um pagem, como nas versões tradicionais), tal como no texto quinhentista. No entanto, o texto velho do Conde Claros conta a história de modo diferente do que aparece em Bulhão Pato. Na verdade, entre outras coisas, na versão velha, a condenação do conde não é fruto duma queixa da infanta (como acontece na balada de Pato), mas sim do conhecimento que o rei tem, através da denúncia que lhe é feita pelo caçador. Por outro lado, no texto velho, a infanta não espera (ao contrário do que faz no poema de Pato) que o conde passe junto dela, no caminho para o cadafalso, nem desmaia ao vê-lo, mas, pelo contrário, é ela que vai ao seu encontro, decidida a impedir a execução. As aparentes faltas de lógica que se notam na balada de Pato (o rei não entende as alusões do pagem, pelo que, para explicar a condenação à morte do conde, é preciso inventar que foi a infanta quem o denunciou, embora esta, depois, apareça muito triste por ele ir ser 1118 Francisco Palha, A Infanta de Castella. Lenda popular. Narra uma história em que (juntamente com muitos pormenores inventados) se sucedem acções derivadas de 1119 Infantina, Cavaleiro Enganado, Dom Boso e a Irmã Cativa e Conde Alarcos. 1120 Pereira da Cunha, O Conde Alarcos. Reversifica uma versão do romance do 1121 mesmo título. castigado), assim como a irregularidade narrativa que, nesse ponto, se observa no poema (a denúncia da infanta é objecto duma elipse, e só tomamos conhecimento dela quando a infanta aparece a chorar), talvez sejam fruto duma versão tradicional mal recordada, que Bulhão Pato tivesse, efectivamente, ouvido, e que estaria, portanto, na origem do seu poema. No entanto, parece inegável que Pato conhecia também a versão velha e dela se serviu, pelo menos como complemento. 1118 F[rancisco] Palha, A Infanta de Castella. Lenda popular, A Semana, I, nº 3 (Janeiro 1850), pp. 23-24, nº 4 (Janeiro 1850), pp. 30-32, nº 5 (Fevereiro 1850), pp. 39-40, e nº 6 (Fevereiro 1850), pp. 47-48. Republicada nas Poesias do autor (Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1852, pp. 55-85), e na 2ª ed. da mesma obra (Lisboa, Typographia de J. Germano de Sousa Neves, 1858, pp. 33-54). 1119 Alguns versos deixam ver que Palha usou como base do seu poema uma versão oral (aliás, a junção dos três primeiros temas referidos é já prova disso, pois, como se sabe, estão separados nos romanceiros antigos, os únicos em que, em 1850, aqueles temas se encontravam registados). São estas as passagens em que ecoa o texto tradicional que Palha possuiu: “os teus cães cançados”, “com pente de prata fina / Teus cabellos pentear”, “sete fadas me fadaram”, “os annos hoje findaram” (p. 23), “ria do cavalleiro, / Que menina foi achar / [...] /Respeito soube guardar” e “Ao descer essa collina / Uma espora vi saltar”, “Dourada espora em chegando / Sei que meu pae te ha de dar” (p. 31). Ao regressar ao palácio, a infanta diz ao rei que quer casar com um conde por quem, antes de ser encantada pelas fadas, estava apaixonada. Esse conde, entretanto, tinha casado. O rei manda chamá-lo e ordena-lhe que mate a mulher e case com a infanta. Assim se une, à história anterior, o Conde Alarcos. No fim, a infanta morre. Na parte relativa ao Conde Alarcos, há as seguintes passagens de origem claramente tradicional: “Sentaram-se ambos á mesa / [...] / Nem um nem outro comia!” “o pranto / [...] era tanto / Que pela mesa corria”, “Se tuas penas contasses / Minhas penas contaria”, “Que eu a morte não mer’cia” (p. 39), “Eu mettida n’ um convento / Nem sol nem lua veria”, “Quer que vá tua cabeça / N’ esta dourada bacia!”, “Mamae, — mamae, meu menino / Este leite de agonia!... / Que amanhã por esta hora / Has de ter mãe e senhora, / De mais alta senhoria!...” (p. 40) e “Por casados descasar; / Coisa que Deos não consente” (p. 47). 1120 Antonio Pereira da Cunha, O Conde Alarcos, Revista Popular, III, nº 34 (23/4/1850), pp. 272- 274. 1121 Nalgumas passagens do poema, reconhecem-se vestígios da versão tradicional que, sem dúvida, esteve na sua origem: “Cousa que nunca fazia, / Portas, janellas corria”, “Conta-me as tuas tristezas, / Que as minhas te contarei”, “— ‘Cal’-te, conde, cal’-te, conde, / Que isso remedio ha-de ter’”, “Bebo a agua por 387 1122 Francisco Palha, A Aposta do Rei. Lenda popular. romance Aposta Ganha. Reversifica uma versão da 1123 1124 Augusto P[ereira?] S[oromenho?], Affonso e Isaura. Narra uma história muito parecida com a do romance Regresso do Marido, em que se deve ter inspirado. 1125 medida, / E, por onças, como o pão”, “Adeos, ó douradas salas / [...] / Adeus, vasta galeria, / [...] / Adeus, ó lyrios e rosas”, “Bebe este leite, menino” e “Dobram sinos á porfia / Nas altas torres da sé. / Quem morreu? quem morreria? / Foi a infanta [...].” Note-se que o poema de Cunha acaba de modo completamente distinto do romance do Conde Alarcos, quer na versão velha quer nas tradicionais: o rei arrepende-se e manda recado ao conde para que não mate a condessa e vá ao paço. O conde vai. O rei pede-lhe perdão. O conde diz que é demasiado tarde — e mostra ao rei a cabeça da esposa. O poema foi reimpresso em Pereira da Cunha, Selecta, Lisboa, Typographia Universal, 1879, pp. 4252. Nas pp. 191-200, há uma nota sobre este texto. Aí o autor fala da sua amizade com Garrett. Um dia, este disse-lhe: “‘Li o seu Conde Alarcos e gostei; comprehendeu-me o pensamento, de que proveio Adozinda, e vêse que sentia o que escreveu [...] É verdade que o assumpto tambem devia inspiral’o. Conta-se assim o romance lá pelo norte do Minho?’ — ‘Foi assim— respondi eu — que o ouvi na minha infancia’ [...] Foi este elogio de Garrett que obstou a que estes versos ficassem excluidos, como outros, da presente selecção [...] Eu procurei conservar-lhe toda a sua cruel simplicidade, como a lição oral nol’o ensinou. Por ella só me guiei; nem podia, se o tentasse, recorrer a outra origem, porque ignorava qual fosse” (p. 198). Custa, porém, a acreditar que o nome do conde (“Alarcos”) tivesse chegado a Pereira da Cunha através da tradição oral. 1122 F[rancisco] Palha, A Aposta do Rei. Lenda popular, A Semana, I, nº 18 (Maio 1850), pp. 143- 144. Republicada nas Poesias do autor, cit., pp. 87-94, e na cit. 2ª ed. da mesma obra, pp. 55-60. 1123 Embora o estilo do poema esteja muito longe do tradicional e a história tenha sido bastante aumentada nos pormenores, alguns dos versos deixam transparecer uma versão necessariamente oral (já que, em 1850, não as havia impressas, antigas ou modernas): “Porém hoje, madre minha, / Fiz uma aposta real! / [...] / Dou [...] / Meu cavalo, e meu punhal”, “Logo que o gallo cantar!” (p. 143), “Quem sois vós — por esta hora, / Tão de noite!... a passear?! / — Tecedeirinha, senhora, / Das bandas d’ além do mar!”, “— Calla-te ahi, ó moirinha, / Não te queiras diffamar!” (p. 144). No final, não tem incorporação de outros temas: a jovem é abandonada pelo sedutor. 1124 1125 Augusto P. S., Affonso e Isaura, Miscellanea Poetica, II, nº 5 (4/9/1851), pp. 37-38. Trata-se da história dum cavaleiro que, ao regressar da Palestina, vai disfarçado ver a noiva e lhe diz que o noivo se casou por lá. Ela desmaia. Ele dá-se, então, a conhecer e explica que procedeu assim para a pôr à prova. Casam. O texto acaba com um dístico que se encontra muitas vezes como fórmula de fecho em versões de contos tradicionais: “Victoria e Victoria / Acabou-se a historia”. Maria Peregrina de Sousa, Origem do Cannavial. 1126 Tem como origem uma versão tradicional do romance Princesa Peregrina + Conde Ninho, porém com a linguagem quase totalmente alterada, e com grandes acrescentos na história, sobretudo no começo e no final. 1127 1128 Teófilo Braga, Parabola do Bispo á Mesa do Ágape. Reversifica uma versão do 1129 Lavrador da Arada. Versificação de Contos Tradicionais A ideia de versificar contos e lendas —de que, como veremos, existem muitos exemplos no nosso corpus— pode ter nascido, simplesmente, da extensão à parte em prosa da literatura oral daquilo que antes já vimos ter sido feito em relação aos romances. 1126 Maria Peregrina de Souza, Origem do Cannavial, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 12, pp. 177- 179. Republicado em Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1861, Lisboa, Typographia Franco-Portugueza, 1860, p. 214. 1127 Mesmo assim, duas passagens ecoam ainda a letra da versão oral que esteve na sua base: “Cavalleiro mora aqui; / Aqui deve de morar” ou “Palavras não eram ditas, / A Princeza a espirar”. 1128 Theophilo Braga, Tempestades Sonoras, Porto, Em Casa da Viuva Moré — Editora, 1864, pp. 43-6. A presente balada está integrada no poemeto narrativo-dramático Ceas de Nero, uma das partes das Tempestades Sonoras. Dado que as Ceas de Nero, como o título deixa prever, se passam em Roma, no tempo daquele imperador, pareceu-nos, depois de algumas hesitações, que não se justificava incluir a Parabola do Bispo á Mesa do Ágape no nosso corpus de baladas de ambiente medieval, razão por que nele se não encontra. 1129 Nas Ceas de Nero, surge, em dado momento, a Parabola do Bispo á Mesa do Ágape, cujo título se explica por ser um bispo cristão o seu narrador. A origem da Parabola deve estar na versão do Lavrador da Arada que Braga publicou em 1864, o mesmo ano das Tempestades Sonoras [ver Theophilo Braga, “Poesia Popular”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 5º ano (1864), pp. 306-307]. O presente poema de Braga mostra uma maneira “moderna”, “científica” de entender o facto de usar romances tradicionais como base de baladas cultas. Na verdade, como o autor escreve noutro lugar, defendendo-se duma crítica de Camilo (segundo o qual o tema do Lavrador da Arada vinha perfeitamente fora de propósito num poema passado no tempo de Nero, entre os primeiros cristãos), “foi sobre a autenticidade canonica que estudámos a lenda de Jesus Peregrino para representar a confraternidade christã, nas Ceias de Nero [...] As citações de S. Matheus [,] S. Lucas e S. João [a que antes aludira neste artigo] mostram que a parabola, embora pertença ‘áquella ordem de lendas da edade media, que vieram com a sua rudeza primitiva até nós’ [,] já estava em formação no primeiro seculo da egreja” e, portanto, faria todo o sentido incluí-la num poema que se passa nessa época (“Lenda Popular da Hospitalidade”, Jornal do Commercio, 24/5/1865, p. 2). 389 Não é, no entanto, impossível que para essa prática tenha contribuído a teoria romântica de que as lendas históricas eram prosificações de antigos poemas narrativos, cuja armadura versificatória se tinha perdido. Assim, faria algum sentido “reconstruir” a sua forma versificada, não, claro, do modo mais ou menos científico com que, por exemplo, Pidal o tentou fazer para as gestas prosificadas, mas sim adoptando o princípio único (ou quase) que rege os autores românticos quando lidam com a literatura oral: a preocupação estética. Diga-se que a teoria das lendas enquanto prosificação de cantos históricos parece ter nascido no séc. XVII, com o holandês Perizonius, 1130 e foi defendida veementemente pelo historiador oitocentista alemão Niebuhr na sua História Romana (1810-1812). Aí explica ele que os textos históricos romanos mais antigos eram cantos populares, transmitidos oralmente, que se perderam, mas que, antes disso, foram prosificados pelos historiadores, sobretudo Tito Lívio. A parte mais ou menos maravilhosa da História de Roma 1131 viria de tais cantos, e “celui qui dans la partie épique de l’ histoire romaine ne reconnaît point les chants [...] sera tous les jours plus isolé”. 1132 Curiosamente, um poeta inglês oitocentista, Macaulay, pôs em prática as teorias de Niebhur sobre as origens da matéria de Tito Lívio, escrevendo um livro que é, literalmente, a versificação de episódios da obra do historiador romano. 1133 No prefácio, mostra-se firme partidário das ideias perozinianas, que, segundo afirma, eram, no séc. XIX, geralmente aceites e estavam atestadas pelo estudo dos cantos de todos os povos europeus. 1134 Segundo Macaulay, a literatura latina teve, também ela, uma “ballad-poetry”, que desapareceu, 1135 mas de que “numerous fragments” podem ser reconhecidos “in the early history of Rome”. 1136 Assim, 1130 Ver B. G. Niebuhr, Histoire romaine, traduit de l’ allemand sur la troisième édition par M. P. A. de Golbéry, I, Bruxelles, Société Belge de Librairie, 1842, p. 236. Perizonius é o nome latino de Jakob Voorbroek, que parece ter apresentado a mencionada teoria nas Animadversiones historicae (1685). 1131 Segundo Niebhur (op. cit., pp. 239-240), sobretudo os episódios relativos a Rómulo, a Túlio e aos Tarquínios, que constituiriam a prosificação de três distintos cantos. 1132 1133 1134 1135 1136 Op. cit., p. 237. Lord Macauley, Lays of Ancient Rome, London, Longmans, Green, Reader, & Dyer, 1877. Ver p. 9. Nas pp. 10ss, Macaulay resume essa teoria, aplicando-a à História de Roma. Ver p. 14. Op. cit., p. 24. The lost ballad-poetry of Rome was transformed into history. To reverse that process, to transform some portions of early Roman history back into poetry 1137 out of which they were made, is the object of this work, isto é o livro de versos que ele escreveu, o qual, por exemplo, começa com uma balada sobre Horatius, de que Macaulay diz: “There can be little doubt that among those parts of early roman history which had a poetical origin was the legend of Horatius Cocles.” 1138 Não queremos afirmar que é apenas (nem sequer talvez sobretudo) esta teoria que explica a decisão dos poetas portugueses românticos de versificarem contos e, sobretudo, lendas. No entanto, é bem possível que tais ideias andassem “no ar” e ajudassem os nossos baladistas a ir nessa direcção. Parece-nos que elas poderão ter tido influência, por exemplo, no desembaraço com que Estácio da Veiga, logo no início da sua tarefa de colector e editor de poesia tradicional, se propõe (como observámos na carta a Vaz Velho), sem quaisquer sinais de má-consciência, “reduzir a versos” as lendas orais que “vierem em prosa”, de modo a podê-las publicar. Vejamos agora a lista dos contos versificados existentes no nosso corpus de baladas românticas: 1139 Garrett, O Chapim d’ Elrei ou Parras Verdes. Xacara. No prólogo desta balada, o autor diz ter, nela, tentado reconstruir um conto que, em fragmentos, “parte em prosa, parte em verso”, lhe chegou da tradição oral de Évora. 1140 Refere-se, sem dúvida, a versões de AT 891 B*, The King’s Glove. Tal conto, além de narrar a mesma história que a balada em 1137 1138 1139 Op. cit., p. 32. Op. cit., p. 37. Romanceiro e Cancioneiro Geral, I, cit., pp. 163-5. É republicado nas edições seguintes desta obra. 1140 “Foi verdadeiramente reconstruida ésta xacara dos fragmentos soltos da composição popular antiga, como hoje se reconstruiria das pedras cahidas de uma tôrre velha, — não exactamente o mesmo edificio, porque o cimento e algum enchume novo aqui ou ali, sería mister empregar; mas quasi a mesma coisa, — na fórma e nos materiaes a mesmissima. Vieram-me de Evora os fragmentos por intervenção do sr. Rivara [...]: são parte em prosa, parte em verso, estado em que alguns d’ estes fosseis se desinterram ás vezes. Verifiquei depois que pelas vizinhanças de Lisboa se incontravam na mesma fórma e quasi os mesmo” (op. cit., pp. 159-160). 391 apreço, também costuma, na tradição portuguesa (nomeadamente alentejana), 1141 incluir algumas pequenas partes versificadas, as quais, aliás, embora retocadas, se reconhecem n’ O 1142 Chapim d’ Elrei. Note-se que a ideia de Garrett ao escrever esta balada, mais do que a simples decisão de pôr em verso um conto, talvez seja o convencimento de que estaria a “reconstruir” (termo que ele próprio usa) um texto em verso, que lhe teria chegado às mãos 1141 Versões alentejanas podem ler-se, por exemplo, em António Thomaz Pires, Contos Populares Alentejanos Recolhidos da Tradição Oral, ed. crítica e introdução de Mário F. Lages, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 1992, nº 64 (versão de Elvas); e em Manuel Viegas Guerreiro e António Machado Guerreiro (orgs.), Literatura Popular do Distrito de Beja, s/l., Ministério da Educação e Cultura, DirecçãoGeral da Educação de Adultos, Coordenação Distrital de Beja, 1986, pp. 20-21 (versão de Vila Nova da Baronia, concelho de Alvito). 1142 No conto, as passagens em verso constituem declarações da rainha, do rei e do pretenso amante da rainha, e são muito parecidas em todas as versões. Vejamos, em colunas paralelas, as passagens em causa na citada versão de Elvas (Tomás Pires) e na balada de Garrett (inspirada, segundo ele, numa versão de Évora do conto): Versão de Elvas Garrett Já fui querida e estimada, Já fui vinha bem cuidada, Agora não o sou nem serei, Bem querida, bem trattada, Porque ou porque não, Como eu medrei! Isso é que eu não sei. Ora não sou nem serei: O porquê não sei Nem n’ o saberei! Eu na minha vinha entrei, Minha vinha tam guardada! Rasto de ladrão achei, Quando n’ ella entrei Se provou ou não das uvas Rastos do ladrão achei, Isso é que eu não sei. Se elle me roubou não sei: Como o saberei? Eu é que fui o ladrão, Eu fui que na vinha entrei, Eu na tua vinha entrei, Rastos de ladrão deixei, Parras verdes levantei, Parras verdes levantei, Com esta me cortem as goelas Uvas bellas Se nas uvas eu toquei. N’ ellas — vi: Assim Deus me salve a mi Como, d’ ellas Não comi! (XI, est. 3, 5 e 7) numa fase já adiantada do seu processo de dissolução em prosa. Três razões parecem apontar no sentido de tal hipótese: (i) as palavras usadas por Garrett para falar na escrita da sua balada, nomeadamente quando fala em “fragmentos” e, sobretudo, em “reconstruir”; (ii) a experiência que Garrett (como todos os colectores) sem dúvida teve de recolher versões de romances mal recordadas, que são semi-prosificadas pelos informantes; (iii) a teoria de que atrás falámos sobre a origem poética de textos que até nós chegaram apenas em prosa. 1143 E. de Barros, O Jogador. Conto popular. Versifica a “acção preparatória” do conto tradicional conhecido entre nós por Branca Flor (AT 313, The Girl as Helper in the Hero’s Flight). 1144 António Francisco Barata, O Conto da Avósinha. tradicional (AT 307, The Princess in the Shroud). 1145 Versificação dum conto 1146 José Inácio de Araújo, Os Ladrões e os Defuntos. Conto de minha avó. 1147 Versificação dum conto jocoso tradicional (AT 1654, The Robbers in the Death Chamber). 1148 1143 E. de Barros, O Jogador. Conto popular, Preludios-Litterarios, II, nº 11 (Abril 1860), p. 88, e nº 12 (Abril 1860), p. 95. 1144 A balada conta a história dum rapaz que sai de casa para ir correr mundo. Joga com o Diabo e este acaba por lhe ganhar a alma. O rapaz benze-se e o Diabo foge. Tudo acaba em bem, com o regresso do rapaz a casa. O acto de o rapaz se benzer e a sua consequência não se encontram nas versões conhecidas deste conto, pelo que devem ser invenção de Barros. Como, à data, não havia, em Portugal, textos publicados do conto em causa, a fonte desta balada deve ter sido a tradição oral. 1145 A. F. Barata, O Conto da Avósinha, A Pobre Lyra, Elvas, Typographia da Voz do Alentejo, 1861, pp. 25-34. 1146 Na época, não havia deste conto versões portuguesas publicadas. Assim, a fonte de Barata deve ter sido a tradição oral. 1147 J[osé] I[gnacio] de Araujo, Os Ladrões e os Defuntos. Conto de minha avó, Diario de Noticias, 24/3/1867, p. 1. 1148 Este conto só poderia ter chegado ao conhecimento de Araújo através duma versão oral, uma vez que, à época, não existia nenhuma publicada. 393 1149 José Inácio de Araújo, Os Cabellos da Barba. Conto de minha avó. Versificação 1150 dum conto jocoso tradicional (sem número no catálogo de Aarne/Thompson). Versificação de Lendas a partir duma (Provável) Fonte Tradicional Costa Cascais, O Desacato, ou o Calado é o Melhor. 1151 Versificação da lenda 1152 sobre a “maldição” que caíra sobre as obras da igreja de Santa Engrácia (Lisboa), durante séculos inacabada. Serpa Pimentel, S. Thiago e Belzebut. Solao. 1153 Embora o autor nada diga sobre a questão, talvez esta balada versifique uma lenda ou conto tradicionais. 1154 Pereira da Cunha, A Moira de Sancta Luzia (Tradicção da minha terra). 1155 Versificação duma lenda de moura encantada, ligada ao monte de S. Luzia, perto de Viana 1156 do Castelo. 1149 J[osé] I[gnacio] de Araujo, Os Cabellos da Barba. Conto de minha avó, Diario de Noticias, 5/5/1867, p. 1. 1150 1151 A fonte deste poema deve ter sido uma versão oral. J[oaquim] da C[osta] Cascaes, O Desacato, ou o Calado é o Melhor. Romance historico, O Panorama, 2ª série, I, nº 25 (18/6/1842), pp. 197-199. O texto foi republicado —com o acrescento de “(16301631)” ao subtítulo— em Joaquim da Costa Cascaes, Poesias, I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, pp. 57-79. 1152 O “desacato” ao Santíssimo e o estranho silêncio mantido até ao fim pelo acusado (mesmo sob risco de ser condenado à morte, como, de facto, aconteceu) são históricos, mas a tradição oral acrescentou-lhes, sem dúvida, pormenores, nomeadamente a maldição lançada pelo acusado sobre as obras da igreja. 1153 Serpa Pimentel, S. Thiago e Belzebut. Solao, Revista Universal Lisbonense, III, nº 44 (20/6/1844), pp. 528-531. Republicada em J[osé] F[reire] de Serpa Pimentel, Cancioneiro. Parte primeira: Solaos, Coimbra, na Imprensa de E. Trovão, 1849, pp. 41-56. 1154 A balada conta que Santiago e o Demónio apostam sobre o destino final de três seres humanos: uma donzela e dois cavaleiros (um mouro e um cristão) que por ela estão apaixonados. No fim, vão os três para o Céu, e o Diabo, tendo perdido a aposta, serve de cavalgadura a Santiago, durante três dias. É sobretudo a parte final (com a jocosa actualização da aposta) que nos faz suspeitar ter esta balada a ver com qualquer texto tradicional. 1155 A. Pereira da Cunha, A Moira de Sancta Luzia (Tradicção da minha terra), Revista Universal Lisbonense, III, nº 45 (27/6/1844), pp. 541-543. 1157 Serpa Pimentel, Engracia Ramila. Soláo. encantada, localizada perto de Coimbra. Versificação duma lenda de moura 1158 1159 Gama Lobo, A Moura Encantada. Versifica a lenda duma moura que aparece, na noite de S. João, num castelo de Segóvia. 1160 Costa Cascais, Pedro Sem. agora já não tem”. 1156 Versifica a lenda do famoso Pedro Sem, “que teve e 1161 Um cavaleiro encontra, naquele lugar (que na época era ermo), uma donzela, na noite de S. João. Esta pede-lhe que jure ser dela para sempre. Ele assim faz. Entram, então, nos paços da jovem, mas estes transformam-se em rochedos (ela era uma moura encantada) e os apaixonados lá ficam para sempre. “Em fatal encantamento / Jazem ambos sepultados / Em minas d’ oiro e prata” (p. 543). Ainda hoje lá aparecem, precisamente na noite de S. João, sobre os rochedos, “A seccar barras doiradas, / E brilhante pedraria” (loc. cit.). 1157 J. F. de Serpa [Pimentel], Engracia Ramila. Soláo, Revista Academica (Coimbra), nº 7 (15/6/1845), pp. 105-108. Republicado no Cancioneiro do autor, cit., pp. 103-114. 1158 Em nota, diz Serpa Pimentel: “Este soláo é tirado de um conto ou tradicção, que por velhas e moças d’ aquelles contornos de Falla, juncto a Coimbra, temos ouvido sobejas vezes relatar. Só lhe acrescentámos o nome do captivo, que o conto não refére; os ciumes dos esposos; e as flores da poesia, em que fizemos por imitar a singeleza das narrações, que ouvimos” (p. 105; sublinhado do original). O poema conta que, na referida aldeia, há uma “fonte da moura”, onde vive uma encantada, com os seus imensos tesouros, os quais oferecerá a quem lhe quebrar o encanto. Um cavaleiro (que esteve cativo no norte de África) volta, com instruções para proceder ao desencantamento, mas não as segue, pelo que dobra o encanto da moura. Ainda hoje esta “o seu ouro assoalha / Nas manhãs de san João” (p. 114), mas nunca mais ninguém a soube salvar. A parte da balada relacionada com a história do cativo até chegar ao local onde está a moura faz parte, sem dúvida, d’ “as flores da poesia” a que alude Pimentel, mas o resto é similar ao que se passa noutras lendas deste tipo. 1159 Manoel da Gama Lobo, A Moura Encantada, Revista Recreativa, I (1846), nº 13, pp. 102-105, nº 14, pp. 110-112, nº 24, pp. 190-191, e nº 29, pp. 231-232. 1160 J[oaquim] da C[osta] Cascaes, Pedro Sem, Revista Universal Lisbonense, VII, nº 5 (6/1/1848), pp. 56-57. 1161 Comerciante portuense que, tendo sido imensamente rico, caiu depois em total ruína, devido a um castigo divino pela sua arrogância blasfema (ver, por exemplo, J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas, cit., II, pp. 718-9). O poema de Cascaes começa assim: 395 1162 Alexandre Braga, Saluquia. Versificação da lenda (etiológica) da moura Salúquia, que se suicida ao ver o seu castelo (vila de Moura) conquistado pelos cristãos. Moraes Pimentel, O Castello de Celorico. 1164 1163 Versifica a lenda da truta durante o cerco a Celorico, no início do reinado de D. Afonso III, sendo alcaide Martim de Freitas, que dera voz por D. Sancho II. 1165 1166 Garrett, Por Bem ou as Pegas de Cintra. Versificação da lenda etiológica sobre a decoração da Sala das Pegas (Palácio da Vila, Sintra). 1167 A. C. L., A Moura Encantada. Versificação da lenda duma moura encantada. 1168 “Quereis ouvil-o, singello, O fallar do coração? Abri o livro do povo, O livro da tradicção.” Foi republicado na obra do autor Poesias, II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894 (na capa: 1898), pp. 71-79. 1162 1163 Alexandre Braga, Vozes d’ Alma, Porto, Typ. de J. L. de Sousa, 1849, pp. 21-38. Uma versão desta lenda pode ver-se, por exemplo, em Gentil Marques, Lendas de Portugal, III, [Lisboa], Círculo de Leitores, 1997, pp. 115-120. 1164 1165 P. A. de Moraes Pimentel, O Castello de Celorico, A Patria, 27/4/1850, pp. 1-2. É possível que a lenda em questão tenha chegado ao conhecimento de Pimentel através de qualquer obra escrita, e não directamente da tradição oral, pelo que esta balada deveria ser classificada no subgrupo seguinte. Porém, a verdade é que não pudemos esclarecer tal facto. 1166 A[lmeida] G[arrett], Por Bem ou as Pegas de Cintra, A Illustração. Jornal universal, II, nº 5 (Agosto 1846), p. 70. Republicado em J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I: Romances da Renascença, 3ª ed., Lisboa, Viuva Bertrand e Filhos, 1853, pp. 271-5. 1167 A. C. L., A Moura Encantada, O Bardo. Jornal de poesias ineditas publicadas desde Março de 1852 a Março de 1854, Porto, Na Typographia de Sebastião José Pereira, 1854, pp. 355-7. 1168 Narra, de facto, a história duma moura encantada numa serra, que mata os rapazes que encontra e por ela se apaixonam. Informa ainda que, nos penedos onde a moura vive, estão (como habitualmente) enterrados tesouros, mas (desta vez) também três vasos cheios de peste, motivo esse pelo qual “ninguem se atrevera na terra a cavar” (p. 356). Este segundo aspecto corresponde à lenda das duas talhas, que não costuma estar ligada, como aqui, à narrativa do aparição duma moura encantada, embora tenha a ver, sempre, com a Henrique Augusto, A Quinta do Preto (Tradição popular). lenda etiológica duriense. 1169 1170 1171 Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 4º: A Visão do Regato. história de fantasmas. Versificação duma Versificação duma 1172 saída dos Mouros de Portugal (duas versões dela podem ler-se, por exemplo, nos Contos Populares e Lendas de Leite de Vasconcellos, cit., II, pp. 769-770). 1169 Henrique Augusto, A Quinta do Preto (Tradição popular), A Grinalda, I (1855[-1857]), nº 1, pp. 13-15. 1170 O poema começa: “Historias escritas de reis, ou de fadas Encerram prodigios que a gente não crê; Mas quando p’ra netos d’ avós são passadas, não sendo impossiveis, merecem ter fé.” 1171 Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 4º: A Visão do Regato, A Grinalda, I (1855[-1857), nº 6, pp. 93-96. 1172 Trata-se duma história de amor e morte, cuja heroína aparece ainda hoje como fantasma. Segundo o autor-narrador, foi-lhe contada por uma velha. O poema começa assim: “Eu julgo que sabe de contos horriveis, Quem junto das moças, em volta do lar, Nas noites de inverno, tão grandes — terriveis As vozes do povo tem ido escutar.” (p. 93) Como vemos, é aqui representada uma situação de recolha, feita, porém, em condições que são um perfeito tópico e de modo algum garantem a sua veracidade. Como também parece um tópico o facto de, segundo o narrador, o seu informante ter sido uma velha. A introduzir a história, o narrador diz: “Elle [i. e., o conto] é tão singelo — despido de galas, Que adornos estranhos não são para aqui, Mas sim a rudeza mais propria das falas, Que vou relatar-vos tal qual as ouvi.” (p. 94) É óbvio que o simples facto de o relato da possível lenda estar em verso impede que ele seja “tal qual” o narrador o ouviu. Note-se que essa parte da balada (a metadiegese, quando fala a velha, narrando a lenda) é em quadras de tipo tradicional (o resto do texto é em versos de 11 sílabas) e apresenta uma linguagem 397 M. P., S. Domingos da Sovereira. 1173 Versificação duma lenda de milagre ligada à ermida de São Domingos, em Sovereira, perto de Penamacor. 1174 Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 8º: A Cruz Fatal! 1175 O narrador diz que a história lhe foi contada por um “bom velho”, mas tal pode não passar dum tópico sem consequências. 1176 Maria Peregrina de Sousa, As Casarias Medonhas (Conto popular). duma possível lenda. 1177 Versificação 1178 que tenta parecer popular. Esta dupla característica, com o objectivo óbvio de dar verosimilhança à pretensão de a balada ter a sua origem num relato oral, mais não faz que acrescentar as nossas suspeitas sobre a verdade de tal origem. No entanto, embora a situação envolvente possa ser (e provavelmente seja) invenção, é muito possível que a história que nesta balada se narra tenha, com efeito, chegado ao autor pela oralidade, ou que, no mínimo, se baseie em factos comuns a várias lendas de suicidas dos quais se conta que aparecem como fantasmas. 1173 1174 M. P., S. Domingos da Sovereira, A Grinalda, I (1855[-1857), nº 8, pp. 113-115. Existe, de facto, uma lenda tradicional que poderia ser a fonte do poema de M. P. (ver Adelino Cardoso, Etnografia da Beira. Religião e crendices, lendas e costumes de Penamacôr, Viana, Tip. Com. “A Aurora do Lima”, 1937, pp. 69-76). No entanto, não é de afastar a hipótese de, mais rasteiramente, o poema (como acontece no caso de algumas baladas que adiante veremos) proceder duma fonte escrita: a História de S. Domingos de Frei Luís de Sousa (ver, na edição com introdução e revisão de M. Lopes de Almeida, I, Porto, Lello & Irmão—Editores, 1977, as pp. 416-8 e 419-21). 1175 Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 8º: A Cruz Fatal!, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 5, pp. 78-80. 1176 Trata-se duma história de fantasmas que aparecem num ermo, junto a um cruzeiro. Aplica-se a esta balada o fundamental daquilo que atrás escrevemos a propósito de Contos Fantasticos. 4º: A Visão do Regato e que, portanto, justifica a presença do texto neste grupo e não no seguinte (o das baladas totalmente inventadas, mas que pretensamente se baseiam em lendas orais). 1177 Maria Peregrina de Souza, As Casarias Medonhas (Conto popular), A Grinalda, III (1860[- 1862]), pp. 33-35. 1178 Um espectro aparece ao narrador e leva-o ao local onde está um tesouro enterrado. A linguagem tem alguns regionalismos, claramente usados para dar “cor local”. A fonte desta balada parece ser o cruzamento (talvez da autoria de D. Maria Peregrina) dum tópico extraído das lendas de fantasmas com alguma lenda das que se contam sobre tesouros escondidos. Almeida e Araújo, A Moura da Fonte. moura encantada. 1179 Versificação duma possível lenda de 1180 António Francisco Barata, Ouro e Peste (Conto). 1181 Versificação da lenda das duas 1182 talhas. João Francisco Dubraz, excerto dum poema sem título. 1183 Versificação da lenda da moura encantada do castelo de Campo Maior. Versificação de Lendas a partir duma (Provável) Fonte Escrita 1184 Castilho, Rimance da Senhora da Nazareth. Versificação duma lenda, em parte, etiológica, do rei Rodrigo (que, tendo escapado da batalha de Guadalete, fugiu para Portugal, 1179 Francisco Duarte d’ Almeida e Araujo, Minhas Lembranças. Poesias, Lisboa, Typographia do Panorama, 1864, pp. 237-239. 1180 A balada narra os amores duma moura com um cavaleiro cristão. Ele tem de partir, mas promete voltar para a levar consigo. Porém, não cumpre a promessa. Ela morre e ainda hoje o seu fantasma surge à meia-noite. No mínimo, parece-nos que Araújo se baseou em motivos existentes em lendas tradicionais. 1181 1182 A. F. Barata, Cancioneiro Portuguez, Coimbra, Imprensa Litteraria, 1866, pp. 131-145. Trata-se duma lenda a que já atrás nos referimos. Segundo ela, os Mouros, ao partirem de Portugal, deixaram os seus fabulosos tesouros dentro duma talha. Sabe-se onde ela está, o pior é que, ao lado, há outra talha, dentro da qual os Mouros meteram a peste. Por isso, até hoje ninguém se decidiu a destapar uma das talhas, com medo de se enganar. Como já dissemos, versões desta lenda podem ler-se, por exemplo, nos Contos Populares e Lendas de Leite de Vasconcellos, II, pp. 769-770. 1183 J[oão Francisco] Dubraz, Recordações dos Ultimos Quarenta Annos. Esboços humoristicos, descripções, narrativas historicas e memorias contemporaneas, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1868, p. 16. O texto apresenta-se como excerto (são duas oitavas de heptassílabos) dum poema publicado n’ A Voz do Alemtejo, 1/1/1865, facto que não pudemos comprovar, ao não conseguirmos encontrar o referido jornal. 1184 Antonio Feliciano de Castilho, Quadros Historicos de Portugal, Lisboa, Na Typographia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1838, pp. 50-51. O texto está integrado numa nota relativa ao “quadro” intitulado “D. Fuas Roupinho” (pp. 49-52). 399 e cá morreu, na Nazaré) e da lenda de D. Fuas Roupinho. Lusitana, de Fr. Bernardo de Brito. 1185 A fonte é a Monarquia 1186 A mesma Monarquia Lusitana é também a fonte da lenda etiológica (da família Figueiredo e/ou da aldeia de Figueiredo das Donas) de Goesto Ansures, 1187 de que conhecemos duas versificações: Serpa Pimentel, Goésto Anzur, ou o Brasão dos Figueiredos; e Morais Sarmento, Gaésto Ansor. 1188 1189 Serpa Pimentel publica em 1840 três baladas que parecem versificar outras tantas lendas de origem livresca. A segunda delas (pelo menos) tem como fonte a Monarquia Lusitana, de Brito: A Torre d’ Hercules, 1190 Cindasunda ou o Brasão de Coimbra 1191 eA 1192 Virgem Martyr Santa Comba. Foi republicado em Antonio Feliciano de Castilho, Rimance da Senhora da Nazareth, O Futuro, 8/8/1858, pp. 1-3, e, com o título de Senhora da Nazareth (Chacara), na obra do autor O Outono. Collecção de poesias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1863, pp. 153-171. Este poema foi muito apreciado no séc. XIX: por exemplo, Estácio da Veiga (na introdução do Romanceiro do Algarve, p. xii), refere-se ao “muito acolhimento” que ele “conquistou para este genero de poesia” (a que pretende “fazer reviver as nossas velhas crenças e tradições”)¸ e o próprio Antero o incluiu na sua conhecida antologia destinada ao público infantil (ver Thesouro Poetico da Infancia, cit., pp. 61-78). 1185 Rodrigo trouxe consigo uma imagem de Nossa Senhora (feita por S. José em Nazaré, Palestina). Ao chegar ao local da costa portuguesa hoje chamado Nazaré, o rei constrói aí uma ermida, para a referida imagem. Muitos anos depois, D. Fuas Roupinho, andando à caça naquela zona, é salvo de cair ao mar por um milagre de Nossa Senhora da Nazaré. 1186 Na mesma fonte se inspirara já o lusófilo inglês Southey para escrever o longo poema narrativo Roderick, the Last of the Goths: A tragic poem, publicado em 1814 (ver Robert Southey, The Poetical Woks of... Complete in One Volume, new ed., London, Longman, Brown, Green, and Longmans, 1850, pp. 628-726). Na nota 1 ao Roderick (pp. 636-40), há a tradução dum longuíssimo excerto da crónica de Brito. 1187 Na Monarquia Lusitana, aparecem também pela primeira vez as famosíssimas Trovas do Figueiral, poema apócrifo que teria como base o salvamento das donzelas pelo dito Goesto Ansures. 1188 1189 J[osé] F[reire] de Serpa Pimentel, Cancioneiro, cit., pp. 81-4. Ignacio Pizarro de M[oraes] Sarmento, O Romanceiro Portuguez, II, cit., pp. 1-45. No posfácio que acompanha o texto, indica-se explicitamente como sua fonte a Monarquia Lusitana. 1190 José Freire de Serpa Pimentel, Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. 1ª epocha, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1840, pp. 1-2. O poema (com o antetítulo de Soláo I) é sobre uma lenda, sem Outra obra de Fr. Bernardo de Brito (a Crónica de Cister) é a fonte da lenda dos amores de Gonçalo Hermigues (o “Traga-Mouros”) e Ouroana. 1193 Dela temos no nosso corpus as seguintes versificações baladísticas: António Maria do Couto, Gonçalo Hermigues; Anónimo, Chacara do Traga-Mouros; 1194 1195 Alexandre Braga, Gonçalo Hermigues; 1196 e Morais Pimentel, Gonçalo Hermigues. 1197 Noutra obra histórica, desta feita de Fr. Luís de Sousa, se inspira o poema de João 1198 de Lemos Nossa Senhora do Pranto, versificação duma lenda de milagre. 1199 Como 1200 informa o próprio autor, a fonte desta balada é a História de S. Domingos. dúvida erudita, que conta a passagem de Hércules por Coimbra, onde teria construído uma torre e se teria apaixonado por cinco donzelas. É republicado no Cancioneiro do autor, cit., pp. 177-181. 1191 Op. cit., pp. 9-15. A balada (com o antetítulo de Soláo III) é sobre a lenda erudita de Cindasunda, donzela sueva cujo casamento com o rei dos Alanos selou a paz entre os dois povos. A sua figura aparece representada no brasão de Coimbra, cidade cuja fundação estaria ligada a tal casamento. Este poema foi republicado duas vezes: na Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 8 (18/4/1840), pp. 114-120; e no Cancioneiro do autor, cit., pp. 1-16. 1192 Op. cit., pp. 17-21. O poema (de antetítulo Soláo V) é sobre a lenda de Santa Comba, jovem goda, cristã, que vivia perto de Coimbra. Um rei mouro apaixona-se por ela, e, ao não ser correspondido, manda-a crucificar. Foi republicado três vezes: na Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 15 (6/6/1840), pp. 236-240; n’ O Ramalhete, nº 128 (16/7/1840), pp. 222-224; e no Cancioneiro do autor, cit., pp. 85-96. 1193 Nesta crónica surge também pela primeira vez a canção apócrifa que Hermigues teria escrito à amada (“Tinhera bos, nam tinhera bos”), uma das famosas “cinco relíquias” da poesia antiga portuguesa.. 1194 A[ntonio] M[aria] do Couto, Gonçalo Hermigues, o Tragamouros. Romance historico, O Panorama, I, 2ª série, nº 44 (29/10/1842), pp. 349-351. 1195 1196 1197 1198 [Anónimo], Chacara do Traga-Mouros, O Jardim Litterario, I (1847), nº 2, p. 8. Alexandre Braga, Vozes d’ Alma, Porto, Typ. de J. L. de Sousa, 1849, pp.1-13. P. A. de Moraes Pimentel, Gonçalo Hermigues, O Portugal (Porto), 23/6/1851, pp. 1-4. J. de Lemos, Nossa Senhora do Pranto, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 7), pp. 97-101. 401 Tratados linhagísticos ou, talvez, a Monarquia Lusitana ou obra do género, devem ser a fonte de três baladas do nosso corpus que versificam lendas genealógicas: Ribeiro de Sá, As Armas dos Menezes; Pereira da Cunha, Vasconcellos; 1201 1202 1203 e Serpa Pimentel, Caio Carpo, ou o Brasão dos Pimenteis. 1199 Sobre uma aparição de Nossa Senhora do Pranto e um milagre que estão na origem da fundação do mosteiro daquela invocação existente em Aveiro 1200 Escreve Lemos: “Esta legenda, ou como lhe quizerem chamar, foi colhida em Frei Luiz de Sousa e tão textualmente que mais não pôde ser” (p. 97, em nota; sublinhados do original). Ver a cit. ed. da História de S. Domingos, I, pp. 927-8. 1201 L[uiz] A[ntonio] Ribeiro de Sá, As Armas dos Menezes, Revista Universal Lisbonense, VII, nº 13 (2/3/1848), pp. 151-152. 1202 Pereira da Cunha, Vasconcellos, A Illustração. Jornal universal I, nº 11 (Fevereiro 1846), pp. 180, 182-183 e 186-7. 1203 Pimentel é um dos apelidos do autor, claro. A imodéstia parecerá menor se tivermos em conta que, na época ele era habitualmente conhecido por José Freire de Serpa (ou mesmo só por José Freire), portanto, sem Pimentel. Aliás, era como “José Freire de Serpa” que assinava, por vezes, os seus versos. A balada narra um milagre que se teria dado em Leça, no dia de S. João, e que, no tempo de Serpa Pimentel, ainda seria celebrado anualmente pelo povo: um rei mouro convertera-se ao cristianismo, depois de lutar (e perder), nas águas do mar, com Santiago. É muito possível que tenha existido (não o pudemos confirmar) qualquer celebração solsticial, na praia de Leça, consistindo, talvez, num “banho santo”. Esse tipo de banhos rituais na noite ou madrugada de S. João, destinados a curar doenças (e, sobretudo, a proteger delas), está bem atestado em vários lugares de Portugal, nomeadamente nas praias da Foz do Douro, perto, portanto, de Leça (ver Ernesto Veiga de Oliveira, “O S. João em Portugal”, Festividades Cíclicas em Portugal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1984, pp. 119-169; sobre os “banhos santos”, ver pp. 139-141). Também não nos parece impossível que a essa hipotética festa da praia de Leça andasse ligada qualquer lenda como a narrada por Serpa Pimentel. No entanto, a ligação dessa lenda com a família Pimentel é que nos parece mais duvidosa. Segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (XXI, p. 664), o brasão dos Pimentéis apresenta duas modalidades, de acordo com o ramo da família: o ramo mais comum possui um brasão esquartelado, tendo, no primeiro e no quarto quartéis, três vieiras de prata; o outro ramo da família usa um brasão inteiro, com cinco vieiras. Como timbre, ambos os brasões têm um touro. As vieiras devem ser alusão a Santiago, mas não sabemos em que medida essa alusão será explicada pelos linhagistas através duma história como a contada por Serpa Pimentel (o verbete relativo à família, na Enciclopédia acima referida, pp. 663-4, não apresenta nenhuma lenda). De qualquer modo, tendo em atenção que possa, de facto, existir algum tratado genealógico onde essa lenda surja, tendo Serpa Pimentel ido aí buscar o assunto da sua balada, decidimos colocar Caio Carpo, ou o Brasão dos Pimenteis no presente grupo, e não no grupo das baladas que, embora se apresentem como versificação de lendas, narram, afinal, um enredo totalmente inventado pelo autor do poema. Duma fonte escrita deverá vir também M., O Convento da Peninha (Lenda), 1204 que se apresenta como a versificação da lenda duma aparição de Nossa Senhora a uma pastora, em Sintra, no reinado de D. João III. Finalmente, uma obra escrita (embora relatando uma lenda tradicional) foi a fonte 1205 de Simões Dias, O Christo da Veiga. Na verdade, esta balada é, no fundamental, a reversificação (não a simples tradução) do famoso poema de Zorrilla A buen juez mejor 1206 testigo. O texto espanhol (e, portanto, a balada portuguesa) narra a lenda ligada a uma imagem de Cristo existente na igreja do Cristo de la Vega, em Toledo. Baladas Românticas que se Apresentam como a Versificação de Textos Tradicionais, mas que o não são (ou Parecem não o ser) Na teoria romântica das desejáveis relações entre a literatura escrita e a oral, a ideia de Herder e de Garrett, como vimos, é que a primeira daquelas tome como modelo a segunda, e dela extraia características. Por exemplo, no caso das cinco baladas garrettianas atrás mencionadas, tais características incluem tema, nível de linguagem e mesmo versificação. Ao escolherem lendas registadas em obras escritas, como também vimos, alguns autores, continuando, teoricamente, a seguir as ideias de Herder, começam, porém, na realidade, a afastar-se delas. No grupo que agora iremos ver, as baladas, embora afirmem tomar por modelo textos orais (mais precisamente lendas), são, com muita (ou mesmo total) probabilidade, produto exclusivo da inventiva dos seus autores. Assistimos, portanto, a mais um passo em frente no caminho da sobreposição do escrito sobre o oral no âmbito das preconizadas relações entre literatura oral e literatura escrita. No caso presente, as baladas contam histórias inventadas, iguais às que surgem noutras baladas localizadas na Idade Média que se 1204 1205 M., O Convento da Peninha (Lenda), O Estudo, nº 25 (3/8/1868), p. 2. J. Simões Dias, As Peninsulares. Canções meridionaes, Elvas, Typographia da Democracia Pacifica, 1870, pp. 194-208. 1206 Ver José Zorrilla, Obras, nueva edicion corregida, y la sola reconocida por el autor, con su biografia por Ildefonso de Ovejas, I: Obras poéticas, Paris, Baudry, Libreria Europea, 1852, pp. 70-6. O próprio Simões Dias (p. 220) informa sobre a sua fonte. 403 podem ler em revistas e livros — a única diferença é que afirmam ser a versificação de lendas tradicionais, mas isso constitui já apenas um tópico, uma simples marca do género, ao mesmo nível que o cenário medieval ou a versificação em heptassílabos. Almeida Garrett, Noite de San’ João. Romance. 1207 Garrett não afirma que esta balada seja a versificação duma lenda, apresentando-a, isso sim, como um poema inspirado em cantigas tradicionais. 1208 Porém, como, no nosso corpus, não existem outros textos que se auto-apresentem com as mesmas características e como, de qualquer modo, Garrett exagera, segundo nós, a proximidade entre a sua balada e as presumíveis cantigas do povo, 1209 decidimos colocá-la neste grupo. 1210 Almeida Garrett, Miragaia. Ao falar deste “romance reconstruído”, Garrett não é muito claro, mas das suas palavras parece depreender-se que se trata da versificação de uma lenda etiológica, em prosa, que ouviu na tradição oral, lenda em que existiriam algumas partes em verso. 1207 1208 1211 Segundo Menéndez Pidal, porém, a fonte da Miragaia é o famoso Romanceiro, I, 1843, pp. 134-8. Foi republicada nas edições seguintes desta obra. Escreve Garrett: “Este romance é e não é de minha simples composição. Estavam-me na saudosa memoria as vagas reminiscencias d’ aquelles cantares tão graciosos com que, na minha infancia, ouvia o povo do Minho festejar a abençoada noite de san’ João; estavam-me as fogueiras e as alcachofas de Lisboa a arder tambem na imaginação; e eu era muito longe de Portugal, e muito esperançado de me ver n’ elle cedo: aqui está como e quando fiz ésta cantiga. [...] O romance é tam feito dos dittos e cantares do povo que nem uma idea nem talvez um verso inteiro tenha que seja bem e todo meu” (Romanceiro, I, pp. 133-4). 1209 É verdade que os motivos tratados neste poema são tradicionais: a noite de São João e seus festejos, a ideia de que até os mouros celebram este santo (a acreditarmos no que diz uma famosa quadra tradicional, de que Garrett, aliás, transcreve uma versão como epígrafe desta balada) e as práticas divinatórias ou propiciatórias feitas com alcachofras nessa noite. No entanto, a insipiente história que aqui se narra (uma moura está apaixonada por um cavaleiro cristão, que, ausente, vem ter com ela na noite de São João) e, mais ainda, os versos do poema são sem dúvida de Garrett. 1210 A[lmeida] G[arrett], Miragaia, Jornal das Bellas Artes, I, nº 1 (Outubro 1843), pp. 8–12, e nº 2 (s/d.), pp. 33-37. Republicado em J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I: Romances da Renascença, 3ª ed., Lisboa, Viuva Bertrand e Filhos, 1853, pp. 205-238; e nas edições seguintes desta obra. 1211 “O auctor, ou, mais exactamente, o recopilador, seguiu muito pontualmente a narrativa oral do povo”, e, antes, dissera que “algumas coplas [deste romance] são textualmente conservadas da tradicção popular, e se cantam no meio da historia rezada, ainda hoje repettida por velhas e barbeiros do lugar” (Miragaia, cit., p. 12; itálico do original). Repare-se que as características do texto que Garrett menciona são episódio do rei Ramiro e Gaia, que Garrett teria versificado a partir do relato do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro; 1212 segundo Pere Ferré, trata-se da reversificação do poema culto de João Vaz, sobre o mesmo tema, escrito no séc. XVII. 1213 A verdade é que, tanto quanto se sabe, nunca foi registada na região do Porto (onde Garrett teria ouvido o texto) uma lenda tradicional sobre Ramiro e Gaia. pesquisas, 1215 1214 Assim, enquanto esperamos por outras parece mais prudente considerar a Miragaia a versificação (ou reversificação) dum texto escrito, falsamente atribuído à tradição oral. Pereira da Cunha, Peccado em Noite Benta (Chronica braccharense). 1216 Apresenta- se como versificação da lenda dum crime acontecido na sé de Braga, mas a história, similar à de muitas baladas românticas, mais parece produto da imaginação do seu autor. 1217 parecidas com as do conto que deu origem à balada O Chapim de Elrei, o qual, como vimos, existe, de facto, assim, na tradição. 1212 Ver Ramón Menéndez Pidal, De primitiva lírica española y antigua épica, 3ª ed., Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1977, pp. 137-154. 1213 1214 Ver Pere Ferré, “Oralidad y escritura en el romancero portugués” (inédito), cit. Muito agradecemos a Carlos Nogueira as pesquisas que, acedendo ao nosso pedido, levou a cabo em monografias locais recentemente publicadas, assim como as consultas que fez a estudiosos das tradições de Vila Nova de Gaia. Tudo veio confirmar, infelizmente, o vazio de dados que pela nossa parte tínhamos encontrado em obras mais antigas. 1215 Recentemente, foram recolhidas no concelho de Vila Velha de Ródão três versões duma lenda que se relaciona de forma evidente com a de Ramiro e Gaia e não parece simples popularização duma fonte escrita: ver Francisco Henriques, Jorge Gouveia e João Carlos Caninas, Contos Populares e Lendas dos Cortelhões e dos Plingacheiros (Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão), Vila Velha de Ródão, s/n., 2001 [= Açafa, nº 4 (2001)], nºs 170, 171 e 172. Estes textos (cujo conhecimento devemos a Isabel Cardigos, a quem muito agradecemos) merecem, sem dúvida, um exame atento, que aqui não lhes podemos dedicar. A comprovar-se a existência verdadeiramente tradicional dessa lenda em Portugal, estaríamos em presença dum etnotexto que tem paralelos noutros países. Sobre o tema da “lenda de Gaia”, existe, na verdade, um conto tradicional (AT 946 A*, Baldak Borisevich), de que se conhecem versões russas e sérvias, e também uma balada, com versões escocesas (Child nº 266), suecas, norueguesas e dinamarquesas (ver F. J. Child, The English and Scottish Popular Ballads, cit., V vol., pp. 1-8; Child resume as versões escandinavas da balada, e também as versões russas e sérvias do conto. Além disso, apresenta uma utilíssima panorâmica do assunto). 1216 A. Pereira da Cunha, Peccado em Noite Benta (Chronica braccharense), Revista Universal Lisbonense, IV, nº 23 (24/12/1844), pp. 276-278. 1217 O marido assassina a mulher, quando esta se encontra com o amante, numa capela da sé. 405 1218 Antónia Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular. história parece completamente inventada pela autora. Não obstante o subtítulo, a 1219 1220 Serpa Pimentel, A Lapa dos Esteios. Soláo. Apresenta-se como versificação duma lenda, mas o cunho erudito da história mostra que, sem dúvida, foi inventada pelo 1221 autor. 1222 Serpa Pimentel, O Corujão do Bussaco. Ballada. tem todo o aspecto de inventada pelo autor. 1218 Versificação duma lenda que 1223 D. A[ntonia] G[ertrudes] Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular, Revista Universal Lisbonense, nº 48 (19/6/1845), pp. 577-8. Republicada na Assembléa Litteraria, nº 34 (29/6/1850), pp. 20-21, e n’ A Beneficencia, nº 17 (1/7/1853), pp. 3-5. 1219 Trata-se duma história de amores, ambientada na época das lutas no norte de África, que se contaria sobre uma antiga mansão, “de nome Torre do Fato”, situada “em logar triste e deserto / Não longe de Benfica”, em Lisboa. A história (um cavaleiro parte para a guerra, é dado por morto, mas regressa, para grande felicidade da mulher, que se julgava viúva) é semelhante a muitas que encontramos na baladística da época, e nada faz crer que verdadeiramente tenha existido como lenda. Aliás, nem sequer sabemos se existiu a torre que dá título à balada. É verdade que existiu, isso sim, até aos anos 80 do séc. XX (e disso podemos dar testemunho pessoal), uma quinta da Torre do Fato (mas sem qualquer vestígio de torre), situada nuns terrenos até essa época não urbanizados, numa zona limitada aproximadamente pelo Largo da Luz, o Paço do Lumiar e Telheiras. Ainda hoje existe uma artéria (actualmente uma normalíssima rua, entre edifícios modernos) com o nome (assim está escrito na placa toponímica) de Azinhaga da Torre do Fato. Antónia Pusich pode, pura e simplesmente, ter inventado uma história a propósito do topónimo Torre do Fato, de evidente patina medieval, sem que fosse necessário que, no seu tempo, existisse na referida quinta qualquer torre e menos ainda uma “lenda popular”. 1220 J. F. de Serpa [Pimentel], A Lapa dos Esteios. Soláo, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, pp. 17-20. Republicada no Cancioneiro do autor, cit., pp. 139-143. 1221 Narra a metamorfose de dois apaixonados (ela em rochedo e ele em freixo), no lugar dos arredores de Coimbra conhecido por Lapa dos Esteios. No imaginário coimbrão, este local devia começar, na época, a consolidar as suas conotações “românticas”, originadas, como se sabe, pela Primavera de Castilho. 1222 J. F. de Serpa [Pimentel], O Corujão do Bussaco. Ballada, O Trovador, cit., pp. 92-94. Republicada no Cancioneiro do autor, cit., pp. 157-160. 1223 Conta a história dum “negro corujão” que vivia na mata do Buçaco e seria a metamorfose dum cavaleiro apaixonado. No Cancioneiro de Serpa Pimentel, incluem-se (além das republicações atrás referidas) mais duas baladas românticas: O Penedo da Saudade. 1224 certamente invenção total do poeta; e A Captiva de Burgos. Apresentada como versificação duma lenda etiológica, é 1225 1226 Apresentada como versificação duma lenda, foi sem dúvida totalmente inventada por Pimentel. 1227 1228 Gomes de Amorim, O Diabo. história recolhida da oralidade, 1229 Embora se apresente como versificando uma tal afirmação parece apenas um tópico literário, não se esforçando o poeta para que o leitor em tal acredite. Pereira da Cunha, 1230 O Poço de Dona Sancha (Tradição popular do Minho). 1231 Apresentando-se embora como versificação duma lenda, é provavelmente total invenção do 1232 autor. 1224 1225 Op. cit., pp. 17-20. Conta a história duma donzela que teria morrido no Penedo da Saudade, enquanto debalde esperava o seu amado, que nunca mais voltou das guerras com os Mouros. 1226 1227 Op. cit., pp. 192-6. Conta uma história de amor e morte, em que um mouro e um cristão disputavam o amor duma jovem moura. Matam-se mutuamente em combate. A balada diz que, ainda hoje, no lugar da morte, “alta noite, lá se ve / A donzella a suspirar” (p. 196). 1228 F. Gomes de Amorim, O Diabo, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de 1849), nº 21, pp. 166- 167. Republicada na obra do autor Cantos Matutinos, Lisboa, Typographia Progresso, 1858, pp. 176-9. 1229 De facto, no final do poema diz-se: “A minha avó, que Deos haja, / Este conto ouvi contar” (p. 167). 1230 A atribuição deste poema (que foi publicado anónimo) a Pereira da Cunha é feita por Inocêncio (Diccionario, cit., VIII, 1867, p. 275). 1231 [Antonio Pereira da Cunha], O Poço de Dona Sancha (Tradição popular do Minho), Revista Popular, II, nº 8 (28/4/1849), pp. 60-62. 1232 A acção passa-se num castelo à beira do rio Minho, talvez em Caminha (de que o pai de Sancha, a donzela, é capitão-mor). Sancha suicida-se, depois duma história de amores contrariados, afogando-se num poço. Inclinamo-nos a que, de facto, exista ou tenha existido, em Caminha ou algures no Minho, um poço chamado, precisamente, “poço de D. Sancha”, embora não o tenhamos podido confirmar. Também não seria impossível, claro, a existência duma lenda etiológica que explicasse o nome do poço. No entanto, parece-nos 407 Machado Pinheiro, A Noviça. 1233 lenda, tal parece perfeito tópico literário. Apresentada pelo autor como a versificação duma 1234 1235 Luís Ribeiro, O Não. Lenda. É sem dúvida total invenção, não obstante o 1236 subtítulo. Aires de Gouveia, A Sernada. 1237 O poema apresenta-se como a versificação da lenda etiológica de Sernada, aldeia nas margens do Vouga, mas a história que narra é sem dúvida invenção do poeta. 1238 improvável que tal lenda fosse parecida com a que se narra na balada de Cunha, cuja trama desenvolve os lugares-comuns de numerosas histórias ultra-românticas. 1233 J[oão] Machado Pinheiro [Corrêa de Mello], A Noviça, Miscellanea Poetica, II, nº 8 (16/10/1851), pp. 61-64. 1234 O namorado, que partira para a guerra e fora dado por morto, volta no momento exacto em que a namorada se vai fazer monja. Casam. A última estrofe diz: “Ainda hoje no mosteiro Este conto é popular: Ainda hoje boas velhas, Vendo moça suspirar, Vão-lhe o conto da Noviça Logo, logo relatar.” (p. 64) 1235 L[uiz] R[ibeiro], O Não. Lenda, O Portugal, 14/5/1853, pp. 1-2, e 17/5/1853, pp. 1-2. Republicado em Luiz Ribeiro de Sottomaior, Poesias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1862, pp. 176-191. 1236 Conta uma história truculenta, em que um senhor feudal vinga o adultério da mulher (ocorrido enquanto ele estivera na Palestina), matando-a a ela e ao amante. Afiança-se que a história se passou num castelo da Serra da Estrela, e que “Inda hoje se podem ver / Os restos do castello [...] / E dizem que, n’ alta noite, / Ha quem veija apparecer / Dous brancos, negros phantasmas / Sôbre as ruinas a gemer”, os fantasmas dos assassinados. 1237 A. Ayres [de Gouvêa], A Sernada, O Novo Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por alguns academicos, Coimbra, Imprensa de E. Trovão, 1856, pp. 82-9. 1238 Admitimos que possa existir uma tradição popular, narrativizada ou não, que “explique” ser “serenada” (no sentido de “serenata”) a origem do topónimo Sernada. Mas sem dúvida nada tem a ver com isso 1239 António Varajão, Lenda Popular. Apesar do título, parece uma simples balada neomedieval. 1240 Francisco Xavier da Silva, O Castello dos Mouros em Cintra. Lenda popular. Não obstante o subtítulo, esta balada não parece contar nenhuma lenda tradicional, mas sim uma história totalmente inventada pelo autor. 1241 Almeida e Araujo, Bemfica! Embora esta balada se apresente como a versificação duma lenda etiológica [facto ainda mais assumido quando é republicada: 1242 Bemfica (Lenda popular)], a história que narra é tipicamente neomedieval. 1243 Costa Goodolphim, Dona Urraca. Romance historico. Apresenta-se como a versificação duma lenda tradicional sobre o rei Ramiro II de Leão, mas essa proveniência oral deve ser falsa, tendo-se o autor baseado muito provavelmente no Livro de Linhagens do conde D. Pedro e também na balada de Garrett Miragaia, atrás mencionada. 1244 a história contada no poema de Aires de Gouveia, lista de lugares-comuns neo-góticos, a que não falta o do cavaleiro chegado das Cruzadas cantando uma “serenada”. 1239 1240 A[ntonio] de M[ello] Varajão, Lenda Popular, A Saudade. Jornal poetico, I, 1859, pp. 19-22. F[rancisco] X[avier] da Silva, O Castello dos Mouros em Cintra. Lenda popular, Aurora Litteraria, III, nº 10 (16/12/1862), pp. 77-78. 1241 Francisco Duarte d’ Almeida e Araujo, Minhas Lembranças. Poesias, Lisboa, Typographia do Panorama, 1864, pp. 134-141. 1242 1243 Restauração, 7/2/1865, p. 1, e 9/2/1865, p. 1. Costa Goodolphim, Primeiros Versos, Lisboa, Typ. de Vicente Alberto dos Santos, 1865, pp. 147-181. 1244 A história narrada por Goodolphim é a mesma que a da Miragaia, só que, no presente caso, a acção está localizada em Espanha e a rainha chama-se Urraca. Menéndez Pidal (De primitiva lírica española y antigua épica, cit., pp. 147-150) refere a existência em Espanha duma lenda semelhante à lenda de Gaia, ainda que a conheça apenas dum texto escrito medieval. De qualquer modo, pareceria possível ter sido, de facto, a oralidade a fonte de Goodolphim. Porém, o facto de o rio onde D. Urraca morre afogada se chamar, segundo a balada, Aldora, topónimo que derivaria de “Urraca”, é extremamente suspeito, uma vez que Aldora se chama exactamente a mulher de Ramiro na versão do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro [ver José Mattoso (org.), Narrativas dos Livros de Linhagens, Lisboa, I.N. / C.M., 1983, pp. 49-61]. 409 Baladas Românticas falsamente Apresentadas como Recolhidas da Tradição Oral Se, nas baladas do grupo anterior, a falsidade não estava no texto da balada em si mas na pretensa lenda oral que lhe servia de fonte, há alguns textos que avançando mais um passo, chegam à fraude total: as baladas cujo autor se apresenta como simples colector, afirmando que as recolheu da tradição oral. No nosso corpus existem apenas três baladas pertencentes a este tipo, mas a análise dos seus casos é, sem dúvida, rica em ensinamentos. Comecemos pelo pretenso romance tradicional do castelo de Almourol, cuja fortuna é inesperadamente fecunda. Tudo parece começar em 1843, quando o conde de Melo publica 1245 um conto onde transcreve uma falsa balada oral. 1246 O início do conto apresenta o narrador sendo conduzido, de barco, até ao castelo de Almourol. A dada altura, o barqueiro começa a cantar a dita balada, que alude à fuga da filha do alcaide do castelo, acompanhada por um mouro, escravo do alcaide. O narrador fica excitadíssimo (“Uma xacara! um romance popular! Oh! isto era um thezoiro que eu não devia, que eu não podia perder”) e pede ao barqueiro que lhe cante todo o “romance popular”. O barqueiro não sabe mais versos, mas oferece-se para o levar à vila de Constância, ali próxima, onde há uma velhota que sabe o romance todo. O narrador concorda. Chegados a Constância, a velhota diz que já se esqueceu dos versos, mas que se lembra da história, que, efectivamente, conta ao narrador. O resto do conto (que é a sua parte mais extensa) é apresentado como o reconto do relato da velhota. Por aí, fica a saber-se que o mouro fora raptado enquanto criança, na Palestina, pelo alcaide, o qual, para mais, lhe assassinara a mãe e a irmã. A fuga da filha do castelão com o mouro é, portanto, o castigo dum velho crime. O alcaide (que dá pelo nome muito adequadamente arcaico de D. Ramiro) morre de desgosto. Como vemos a lenda não tem a menor aparência de tradicional, 1247 eo mesmo se diga do pretenso “romance popular” (na verdade, um poema em quadras). 1245 1246 1247 C[onde] de Mello “O Castello d’ Almourol”, Jornal das Bellas Artes, I (1843), pp. 67-75 e 83-7. Art. cit., pp. 72-3. Pinho Leal (Portugal Antigo e Moderno. Diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico, I, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873, pp. 155-6) narra a mesma história (sem indicar a fonte de que se serviu) e diz que ela é “conservada por tradição, entre o povo d’ estes sitios, e narrada por alguns escriptores antigos”. Porém, o Três anos depois, em 1846, um autor anónimo publica o conto “O Castello de Almourol”, 1248 que explicitamente se apresenta como um resumo do conto do conde de 1249 Melo. Passam outros três anos, e, em 1849, Gomes de Amorim publica a balada O 1250 Castello de Almourol, que põe em verso a parte medieval do conto do conde de Melo (a história do castelão e da filha, não a parte passada no séc. XIX). Sem dúvida para frisar que se trata da versificação duma lenda tradicional, a balada de Amorim começa do seguinte modo: Rica terra é esta minha! Tão rica de tradições! Contos de fadas, de mouros, Encantados castellões; Feitiços de velhas bruxas, Que tomam muitos serões; Combates de cavalleiros, Extremados campiões! 1251 Finalmente, em 1863, no que calha a ser o 20º aniversário da publicação do conto 1252 do conde de Melo, Sá Magalhães dá a conhecer O Castello de Almourol, longo poema que se apresenta, também ele, como a versificação da lenda do referido castelo, que —escusado seria dizê-lo— é, apenas, a história neomedieval inventada pelo conde de Melo. E não foi só resumo que faz da “lenda” segue o modo como ela vem no conde de Melo e nos três autores subsequentes (a que adiante nos referiremos), usando até os mesmos nomes das personagens. 1248 1249 “O Castello de Almourol”, A Illustração. Jornal Universal, II, nº 4 (Julho 1846), pp. 66-7. É, aliás, por tal artigo anónimo que ficamos a saber o nome do autor do conto de 1843, já que, de facto, este texto está assinado apenas “C. de Mello”. É o autor anónimo que fala em Conde de Mello. Trata-se, acrescente-se, do primeiro conde desse título, de seu nome Luiz de Mello Breyner Moura, de que apenas se conhece colaboração dispersa em revistas. 1250 F. G de Amorim, O Castello de Almourol, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de 1849), nº 17, pp. 133-134, nº 18, pp. 141-143, nº 19, pp. 149-150, e nº 20, pp. 157-158. 1251 1252 1863. Op. cit., p. 133. Francisco Bernardino de Sá Magalhães, O Castello de Almourol, Lisboa, Imprensa Nacional, 411 o conto que, à força de repetição, se tornou uma lenda tradicional: a própria balada do conde de Melo (o pretenso fragmento do “romance popular”) ganhou o estatuto de texto oral. Com efeito, o poema de Sá Magalhães tem, como epígrafe, três quadras da referida balada, sem qualquer indicação bibliográfica de fonte, apenas com a informação de serem duma... “canção popular”! O segundo caso de balada falsamente tradicional está contido, também ele, num conto: “O Filho da Montanha”, de Silva Mengo. 1253 Esse conto, de ambiente rústico, tem, no fim a seguinte indicação: Das desgraças de Malvina [personagem principal da história] muito poderiamos dizer; porém a chacara, que abaixo transcrevemos, bem conhecida em grande parte do Alemtejo, melhor do que nossa debil penna o 1254 faria, as descreverá. E segue-se a balada, 1255 que, não obstante o que sobre ela afirma o narrador, é claramente um poema culto. O último exemplo duma falsa balada tradicional faz parte duma novela de Gomes de Amorim, “Viagem ao Minho”. A balada, integrada no cap. XV, chama-se 1256 Marianninha. Como o título da novela indica, a acção passa-se no Minho. Em dado momento, o narrador atravessa o Tâmega, perto de Penafiel, numa barca. O barqueiro (tal como, curiosamente, no conto do conde de Melo) canta, então, a balada. E o narrador tece os seguintes comentários: Estou diante d’ um poeta do XIV ou XV seculo; d’ um desses poetas cujas singelas e admiraveis canções a tradição oral do povo transmittiu até ao visconde de Almeida Garrett, que as colligiu e publicou para gloria sua e da 1253 J[acinto da] S[ilva] M[engo], “O Filho da Montanha”, O Correio das Damas, VI, nº 1 (31/1/1844), pp. 10-11, e nº 2 (29/2/1844), pp. 9-11. 1254 1255 1256 Op. cit., p. 10. Op. cit., pp. 10-11. F. G. d’ Amorim, “Viagem ao Minho”, O Panorama, 3ª série, V (1856), pp. 234-238. A balada propriamente dita está a pp. 237-8; foi republicada na obra do autor Cantos Matutinos, Lisboa, Typographia Progresso, 1858, pp. 164-8, e, novamente, na sua obra Versos, II: Ephemeros, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1866, pp. 107-113. terra cujas são [...] Eis a canção do barqueiro tal qual a pude copiar; não tenho a pretenção de saber a que seculo pertence, com quanto me pareça bastante 1257 antiga pelos estudos que tenho feito do Romanceiro de Garrett. Marianninha (que, versificatoriamente falando, é um romance) conta a história dum conde que, encontrando uma romeira no monte, a quer violar. Ela é salva por um lobo, que mata o conde. Ao vê-lo morto, a romeira, condoída, reza-lhe por alma. Então, o conde ressuscita e oferece-se para casar com ela, em paga da sua compaixão. A história, no início, parece inspirar-se no romance tradicional Vingadora da sua Honra. Aliás, a rima desta balada é em –ia, tal como no referido romance, de que já havia publicada uma versão no III vol. do Romanceiro de Garrett. 1258 Note-se que Almeida Garrett, no prólogo respectivo, 1259 escreve que esse romance existia apenas no Minho e em Trás-os-Montes, pelo que a sua inclusão numa novela de ambiente minhoto poderá ter parecido muito adequada a Gomes de Amorim. Além duma balada falsamente apresentada como recolhida da oralidade, Marianninha constitui, portanto, também, a reversificação (não assumida) dum romance tradicional. Finalmente, tal como a balada do conde de Melo, Marianninha acabou por ser tomada como tradicional, só que, desta vez, por alguém de bem mais elevado coturno que o pouco erudito Sá Magalhães: nada menos que pelo maior conhecedor do romanceiro no seu tempo — Teófilo Braga. De facto, este autor, dando crédito à ficção inventada pela novela de Amorim, incluiu Marianninha no seu Romanceiro Geral Portuguez, como sendo, precisamente, uma “versão [tradicional, claro] da Margem de Tamega, Douro, da Romeira”, 1260 i. e., da Vingadora da sua Honra. 1257 1258 1259 1260 Op. cit., p. 237. Romanceiro, cit., III, pp. 4-6. Ver op. cit., p. 3. Romanceiro Geral Portuguez, I, Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1906, pp. 411-4. Pelo menos mais uma balada romântica (a D. Ignez de Castro de Alexandre Gomes Monteiro, 1842 — ver Apêndice nº 2) foi confundida por Braga com um romance tradicional e publicada como tal (nos Cantos, pp. 345-7, e, depois, no Romanceiro Geral Portuguez, II, pp. 340-1). Neste caso, contudo, parece que a confusão nasceu de alguém ter dado um manuscrito com tal balada a Teófilo Braga e de, a este, a caligrafia ter parecido setecentista (ver a nota que, no referido apêndice, colocámos a D. Ignez de Castro, 1842). 413 Não sabemos se este tipo de baladas (as falsamente atribuídas à tradição) aparecem apenas incluídas em contos e novelas ou se foi por coincidência que só nesse contexto as encontrámos. A verdade é que, como vimos atrás no cap. IV, é integrados também num texto em prosa (uma narrativa de viagens) que surgem os primeiros casos nossos conhecidos de canções falsamente atribuídas à tradição oral portuguesa: as que Julia Pardoe “recolheu” durante as festas dum casamento campestre, em 1833. E, anos depois, Castilho incluiu, num conto confessadamente de sua autoria, passado na Serra da Estrela, uma quadra que teria ouvido cantar na região, mas que não parece de modo algum tradicional. 1261 Seja como for, existam ou não apenas dentro de narrativas em prosa, os referidos poemas pretensamente tradicionais devem ter sido incluídos nesses textos de autor com o objectivo de lhes dar cor local. Trata-se dum uso perfeitamente similar ao que vimos no capítulo IV, de integrar romances ou canções tradicionais em contos (como fizeram Pereira da Cunha ou Raposo de Almeida) e em peças de teatro (como Garrett, Mendes Leal ou Costa Cascais). Uma Longa Série de Indefinições Com o terceiro grupo de baladas a que nos referimos (as que constituem um falso produto de recolha na oralidade) entramos, obviamente, na questão das fraudes literárias, a mesma questão que se nos deparou a propósito dos 11 romances pretensamente orais publicados por Estácio da Veiga, os quais, como vemos, estão em boa companhia. Parece-nos que a questão das falsas baladas tradicionais (incluindo os textos de Veiga) se compreende melhor quando encarada como um aspecto do problema, mais vasto, da indefinição de fronteiras de tudo quanto diz respeito à literatura oral, indefinição que repetidamente encontramos nesta época, em Portugal, revestindo várias modalidades. Essa indefinição começa logo no momento em que se publicam os textos orais, que, como vimos a seu tempo, são, em geral, bastante reelaborados pelos respectivos colectoreseditores, os quais, assim, se tornam, em boa medida, seus co-autores. Esse retoque, aliás, parecia perfeitamente óbvio aos colectores, tendo em atenção o estado de inferioridade 1261 Antonio Feliciano de Castilho, “O Rabequista”, Revista Universal Lisbonense, I, nº 35 (2/6/1842), pp. 421-3; a quadra está na p. 422. estética que, na sua opinião, os textos apresentavam. O mau estado da tradição é um lugarcomum nos comentários de todos eles, desesperados por não encontrarem na poesia oral as qualidades que a fariam superior à poesia escrita e que, fazendo fé nos teóricos (os quais, como Herder, na sua maioria nunca fizeram recolhas), esperariam que os textos orais necessariamente possuíssem. Logo em 1828, Garrett escrevia sobre os textos recolhidos pela “jovem menina” de Lisboa estas desabridas palavras: Depois de muitos trabalhos e indagações, de conferir e estudar muita cópia barbara, que a grande custo se arrancou á ignorancia e acanhamento de amasseccas e cuzinheiras velhas, hoje principaes depositarias d’ este genero de archeologia nacional, —galantes cofres, em que para descubrir alguma coisa é necessario esgravatar como o pullus gallinaceus de Phedro,— alguma coisa se pôde obter informe, e mutilada pela rudeza das mãos e memorias por onde passou; mas emfim era alguma coisa, e forçoso foi contentar-me com o pouco 1262 que me davam e que tanto custou. E, assim, para Garrett, será óbvio (até aos anos 40) que publicar os textos tradicionais por si próprios não faz sentido, pois o estado lastimoso destes (fragmentarismo, versificação oscilante, faltas de lógica, saltos na narrativa...) afastava-os muito daquilo que, na poética contemporânea, era concebido como um bom poema. Ora, onde considerariam os poetas que acabavam as versões tradicionais retocadas e começavam as baladas de autor em que se reescreviam romances provenientes da oralidade? Rodrigues Cordeiro, como a seu tempo vimos, publicou a balada O Conde Alarcos (lenda popular), 1263 de que se apresenta como simples colector e retocador. Porém, a verdade é que o texto é, claramente, uma reescrita do romance, uma balada original, pois nenhuma das quadras em que está dividido é semelhante às das versões tradicionais. 1264 Por seu lado, Pereira da Silva publicou uma versão do Regresso do Marido, que, embora retocada e com acrescento de várias quadras, está, sem dúvida, muito mais próxima da tradição do que a balada de Cordeiro. No entanto, ao contrário de Cordeiro, Pereira da Silva assinou a sua como se fosse exclusivo autor dela, e nem num subtítulo nem numa nota acrescenta qualquer coisa que revele o carácter da sua fonte. Poderemos sempre considerar que, no fundo, se trata duma questão de ponto de vista: para Pereira da Silva, se o texto estiver retocado, passa a ser do seu retocador, 1262 1263 Adozinda, cit., pp. xxiv-xxv. A. X. R[odrigues] Cordeiro, O Conde Alarcos (lenda popular), Revista Academica (Coimbra), nº 17 (S/ d.; 1845?), p. 272. 1264 João Xavier Pereira da Silva, O Encontro. Xácara, O Ramalhete, nº 67 (2/5/1839), pp. 129-131 415 enquanto para Cordeiro, por mais que o colector transforme o texto, este nunca lhe pertence, é sempre um texto tradicional. A verdade é que, qualquer que seja o motivo para os dois procedimentos, encontramos, na mesma época, duas concepções muito diferentes das fronteiras entre texto oral e texto de autor. E a questão complica-se: se, nos dois casos anteriores, tudo podia estar na diferença de opinião entre pessoas distintas, como compreender um caso como o de Francisco Palha? Conforme se viu, nas Poesias 1265 deste autor há uma secção intitulada “Romances Populares”, constituída por três poemas: A Infanta de Castella, A Aposta do Rei e Dona 1266 Guiomar. Os dois primeiros são baladas que reversificam romances tradicionais, não podendo de modo algum considerar-se simples versões retocadas (ainda que muito) de textos orais. Pelo contrário, o terceiro dos mencionados poemas (Dona Guiomar) é uma versão da Donzela Guerreira, que, tirando o final (a partir do momento em que D. Marcos abandona a guerra), é bastante parecida com as versões tradicionais. Ou seja, duas situações claramente diferentes foram resolvidas do mesmo modo por Palha: considerando-se autor de ambos os tipos de texto. Estamos, de facto, perante uma verdadeira indefinição de fronteiras entre texto tradicional e texto de autor, e não parece que tudo se possa resolver apenas recorrendo à figura do falsário ou plagiador. Tal indefinição é favorecida, obviamente, pelo facto de, na mesma época, existirem baladas produto da exclusiva invenção dos autores e outras que são reenversamentos de romances tradicionais. Além disso, tais géneros diferentes são, por vezes, praticados pelos mesmos poetas. Com efeito, no grupo dos poetas que reversificam romances, cinco escreveram também baladas sem qualquer fundo tradicional, como se pode ver consultando, no Apêndice nº 2 os nomes seguintes, nos anos indicados: Garrett, 1845; Rodrigues Cordeiro, 1843, 1848 (três items) e 1852; Bulhão Pato, 1849; Pereira da Cunha, 1840, 1843, 1849 e 1850; e Maria Peregrina de Sousa, 1842 (3 items), 1843, 1854, 1857/60, 1860/62 e 1869. E, no Apêndice nº 3, os nomes de Rodrigues Cordeiro, 1848 e Bulhão Pato, 1850. Além disso, a indefinição de fronteiras entre romances tradicionais e baladas que reversificam romances tradicionais é um produto, também, do facto de, na mesma época, coexistirem dois movimentos em princípio (mas só em princípio...) diferentes: o de publicação de romances recolhidos da oralidade e o de publicação de baladas de autor. A 1265 1266 F[rancisco] Palha, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1852. Op. cit., respectivamente pp. 55-85, 87-94 e 97-109. confusão que se podia verificar entre as duas coisas está bem exemplificada com o caso do Bernal Francês reversificado por Garrett. Quando sai em 1828, o Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular antiquissima, e no mesmo stylo assume-se como uma reescrita: pelas palavras da introdução, pelo facto de no mesmo livro se publicar (“para ver e conbinar”) o texto tradicional que serviu de fonte à balada, e pelo próprio subtítulo desta. Quando a balada é objecto de republicação, em 1836 (no Correio das Damas), as palavras introdutórias do autor e a versão tradicional base já são omitidas, apresentando-se apenas o texto de Garrett, que, no entanto, continua a ter o subtítulo aclaratório. Pelo contrário, quando a balada é incluída no I vol. do Romanceiro (1843), o seu título e subtítulo passam a ser Bernal-Francez. Romance, ou seja, exactamente os mesmos com que a versão tradicional aparecerá em 1845 (n’ A Illustração) e em 1851 (no Romanceiro, II). Claro que Garrett nunca esconde que a sua balada é uma reescrita do texto tradicional, mas a verdade é que a confusão está servida. Essa confusão, aliás, existe no Romanceiro de Garrett desde os alicerces. Conforme sabemos, o I vol. desta obra não inclui textos tradicionais, mas, no máximo, baladas que reescrevem textos tradicionais (três romances, é verdade, mas também um conto, como se viu). No entanto, o volume é apresentado com o título de Romanceiro (como se fosse uma colecção do género do Romancero de Durán, 1828-1832) e será acompanhado, mais tarde, por dois volumes, com o mesmo título, que, para complicar, incluem —esses sim— versões de romances tradicionais. Para acabar de turvar as águas, duas das baladas do vol. I nem sequer são reversificações de textos tradicionais (romances ou contos que fossem), constituindo poemas completamente originais de Garrett, foram tradicionais. 1267 e quatro dos poemas do III vol. são textos que nunca 1268 É óbvio que Garrett, como a seu tempo vimos, explica, no I vol., que este 1267 Com efeito, a Noite de San’ João. Romance e O Anjo e a Princeza. Legenda nada têm a ver com textos orais: o primeiro narra uma história em que surgem usos e superstições populares, mas sem suporte literário oral; e o segundo nem sequer se relaciona com tradições populares. 1268 Referimo-nos aos poemas A Ama, Avalor e Cuidado e Desejo, todos de Bernardim Ribeiro, e a O Marquez de Mantua, de Baltazar Dias. Para sermos rigorosos, talvez nesse número de textos não tradicionais se devesse incluir o Dom Duardos. É claro que este romance existe, ainda hoje, na nossa tradição oral, mas o texto publicado por Garrett parece ser apenas uma tradução portuguesa, retocada, do texto original vicentino. 417 é a primeira parte, ou mais exactamente a introducção [do Romanceiro], e [...] apenas contêm o que eu [...] designarei com o título de Romances da renascença [...] 1269 Os textos originaes d’estes [...] sahirão em seguimento d’este volume. E, na introdução do II vol., fala ainda mais claramente, dizendo: o primeiro livro d’ esta collecção [...] só deve considerar-se como introducção a este que agora chamo segundo, mas que em realidade vem a ser o primeiro 1270 do Romanceiro. Pode ser que, para Garrett, a distinção entre baladas que reversificam romances e romances tradicionais tenha sido (pelo menos a partir de dado momento) clara. Mas a verdade é que as suas distinções especiosas entre I vol. que não é o I vol. mas sim apenas a introdução da obra, e II vol. que afinal é o I vol. e não o II são feitas em frases perdidas no fim duma longa introdução, e não tiram um facto: quer se queira quer não, o Romanceiro de Garrett junta, na mesma obra, romances tradicionais e baladas que os reversificam. E, para mentes menos lúcidas que a de Almeida Garrett, o mal está feito e, para mais, canonizado com a chancela do Mestre. É assim que, como acima vimos, escritores como Pereira da Silva e Francisco Palha assinam como seus certos textos que são, apenas, versões retocadas de romances tradicionais; é assim que Morais Sarmento publica O Romanceiro Portuguez (1841 e 1845), que, não obstante o seu título, apenas contém baladas originais; é assim que Lopes de Mendonça 1271 1269 1270 e Inocêncio 1272 chamam “romances populares” a baladas que são da total Op. cit., I, pp. xxii-iii. Romanceiro, II, p. xliv. Algumas páginas antes, Garrett dissera já algo muito parecido: “A primeira parte e volume do presente Romanceiro deve ser considerada como a introducção d’ esta segunda e das que se lhe seguem” (p. ix). 1271 “O sr. Pereira da Cunha [...] asseguram-nos que possue na pasta um volume de romances populares, que tenciona publicar com o titulo de Album Heraldico, visto que o assumpto versa sobre as legendas dos appelidos que se tornaram illustres na historia” (A. P. Lopes de Mendonça, Memorias de Litteratura Contemporanea, Lisboa, Typographia do Panorama, 1855, p. 282). A obra nunca foi publicada, mas dela deveria fazer parte a balada Vasconcellos (1846, q. v.), que, conforme antes dissemos, apresenta a lenda genealógica do referido sobrenome e não apresenta quaisquer características “populares”. A serem assim os restantes textos, o Album Heraldico seria um livro do género do Romanceiro de Morais Sarmento. 1272 Inocêncio, conforme atrás dissemos, identifica Pereira da Cunha como o autor de O Poço de Dona Sancha, balada que não é, de modo algum um romance tradicional, e que, na melhor das hipóteses, autoria de Pereira da Cunha; é assim que Estácio da Veiga, ao traçar, na introdução do Romanceiro do Algarve, o panorama da recolha do romanceiro português, integra também nesse panorama várias referências ao movimento da balada romântica, falando duma balada de Castilho, da tradução duma balada de Lewis feita por Herculano, e das baladas de Morais Sarmento e Serpa Pimentel: o visconde de Almeida Garrett [...] foi quem neste paiz, primeiro que ninguem, desenrolou o estandarte da revolução, que restituiu aos nossos primitivos poemas todos os fóros da sua nacional realesa, sendo auxiliado nesta importante empreza com interessantes e valiosos conhecimentos, que lhe ministraram os srs. Alexandre Herculano, e A. F. de Castilho, como elle 1273 proprio se ufana de proclamar. Muitos homens de lettras se empenharam depois nesta bem vinda cruzada em fazer reviver as nossas velhas crenças e tradições. O sr. A. F. de Castilho com a sua interessante Chácara da Nazareth, conquistou para si novos applausos, e para este genero de poesia muito acolhimento. O sr. Alexandre Herculano com a sua linda chácara de Affonso e Isolina, distribuída em quadras de octosyllabos, e as Lendas e Narrativas em prosa, mas naquella prosa opulenta, que a sua penna sabe escrever, não menor interesse por este genero conseguiu despertar no espirito publico; de modo que esta litteratura meio esquecida, meio proscripta, começou a fazer-se rediviva, tratada por mão de tão inimitaveis cultores. Outros talentos, que de feito muita acceitação merecem, tambem de coração se empenharam por este difficil, mas proveitoso estudo. Entre outros 1274 appareceu o sr. Pizarro com o seu Romanceiro Historico, obra que logo fez a volta dos mais elegantes salões, ganhando mesmo popularidade em todas as constitui a versificação duma lenda tópica (se não for, como suspeitamos, apenas uma balada que falsamente se apresenta como a versificação duma lenda). Ora Inocêncio chama a esta balada (e também a um D. Sapo, texto do mesmo autor de que não tinha “conhecimento ocular” e que nós também não encontrámos) nada menos que “romances em verso de tradição popular” (I. P. da Silva, Diccionario ..., cit., VIII, 1867, p. 275). 1273 Como vimos a seu tempo, está provado que Castilho ajudou, de facto, na recolha de textos para o Romanceiro de Garrett, coisa que este lhe agradece nas pp. xv-xvi do I vol. Igual agradecimento faz a Herculano, mas, pelas suas palavras, não nos parece que a colaboração do distinto historiador tenha consistido na recolha de versões tradicionais. Se não, vejamos o que escreve Garrett: “O Sr. Herculano, bibliothecario da Real bibliotheca da Ajuda [...], tambem me tem ajudado não pouco com os preciosos achados que, no seu incessante lavrar das minas archeologicas, tem incontrado e repartido commigo. Por seu favor tornei a examinar, no Ms. original, o famoso cancioneiro ditto Do[sic] collegio dos Nobres, hoje na bibliotheca Real: e com éstas e com as collecções allemans e francezas [...] tenho collacionado as nossas rhapsodias populares” (op. cit., I, pp. xviii-xix). 1274 Sarmento. Sic. Refere-se, obviamente, a O Romanceiro Portuguez, de Ignacio Pizarro de M[oraes] 419 classes; e bem assim se apresentou o sr. José Freire de Serpa, hoje visconde de Gouvêa, contribuindo para a propaganda dos primitivos estilos populares 1275 com a publicação dos seus Soláos. A transcrição foi longa, mas não a quisemos truncar, para que se pudesse apreciar o raciocínio de Estácio da Veiga na sua integralidade. Como vemos, é verdade que, de modo explícito, Veiga não diz que os romances tradicionais são o mesmo que as baladas de autor, mas, no mínimo, não mostra delimitar as fronteiras entre uma realidade e outra, e, ao falar da primeira, parece-lhe perfeitamente natural falar da segunda. Se, portanto, os limites entre texto tradicional e texto de autor que reversifica o texto tradicional não se mostram claros, na época, não admira o aparecimento duma classe de baladas que, como vimos, constitui não a reversificação de romances tradicionais (que, em última análise, ainda se poderia encarar como parte do processo de retoque, embora levado ao extremo), mas sim a versificação de lendas ou contos tradicionais. Esta transformação dum texto oral e em prosa num texto de autor e em verso pode, em boa medida, ser o passo decisivo no caminho da falsificação. Claro que os autores de tais baladas dizem a verdade quando afirmam que se basearam em textos tradicionais, mas uma mente a quem parece óbvio que um texto oral possa ser recolhido para ser posto ao serviço da literatura de autor, para que esse texto em prosa passe a ser um poema do poeta fulano, uma mente que, portanto, mostra tão pouco respeito pela literatura tradicional, essa mente já está predisposta, mesmo sem dar por isso, a continuar na senda da falta de respeito pelos textos orais, explorando-os na criação individual. Assim, mais um pequeno passo e estamos nas baladas totalmente originais, mas apresentadas como versificação de lendas ou contos que, afinal, nunca existiram. Daí até às baladas de autor apresentadas, elas próprias, como textos recolhidos da tradição o passo é ainda menor. E talvez a indefinição seja até bastante mais substancial do que, à primeira vista, parece. De facto, vimos atrás um grupo de baladas que, embora apresentadas pelos seus autores como a versificação de textos tradicionais (nomeadamente de lendas), são, na verdade, textos totalmente inventados. Nesse caso, a questão das fronteiras entre tradicional e individual põe-se, conforme dissemos, no que diz respeito à história que a balada versifica e não à balada propriamente dita, uma vez que ela, em si, é apresentada pelo respectivo autor como um texto individual, não recolhido da oralidade. Porém, é possível que, nesse grupo de baladas, haja algumas que levem a indefinição mais longe do que julgámos. Referimo-nos às 5 baladas que têm o subtítulo (ou título) “lenda” ou “lenda popular”: Antónia Pusich, A 1275 Romanceiro do Algarve, pp. xi-xii. Torre do Fato. Lenda popular; Luís Ribeiro, O Não. Lenda; António Varajão, Lenda Popular; Francisco Xavier da Silva, O Castello dos Mouros em Cintra. Lenda popular; e Almeida e Araújo, Bemfica (Lenda popular). A nossa ideia inicial foi que os autores, ao usarem esse subtítulo (ou título), se queriam referir ao texto em que, alegadamente, se teriam inspirado para escrever as ditas baladas. Mas pode ser que a indefinição seja bem maior, e que, de facto, eles estejam a afirmar, isso sim, que as próprias baladas em causa são textos populares, recolhidos da tradição. Nesse caso, portanto, essas 5 baladas constituiriam outros tantos exemplos de textos falsamente atribuídos à tradição oral, a juntar, assim, aos 3 textos do grupo das pretensas baladas tradicionais (as do conde de Melo, Silva Mengo e Gomes de Amorim) e, obviamente, aos 11 romances falsos de Estácio da Veiga. Claro que, aos nossos olhos de hoje, “lenda” (ou “lenda popular”) é um termo inadequado para classificar um texto em verso, e, daí, a ideia que inicialmente tivemos de, com a palavra “lenda”, os autores se estarem a referir a algo que não a balada propriamente dita. Mas a verdade é que, no nosso corpus, existem alguns casos em que, sem dúvida, os respectivos autores usam o termo “lenda” para designar um texto versificado. É o que se passa com Rodrigues Cordeiro e o seu O Conde Alarcos (lenda popular), e com dois textos de Francisco Palha: A Infanta de Castella. Lenda popular e A Aposta do Rei. Lenda popular. Estamos, de facto, perante a reversificação de três romances, e, portanto, quer se refira à balada em si, quer ao romance em que esta se inspira, o termo “lenda” surge aqui aplicado, sem sombra de dúvida, a um texto em verso. A mesma imprecisão terminológica aparece, aliás, no próprio Romanceiro do Algarve. Como vimos, a sua segunda parte, a que inclui os romances religiosos, tem o título genérico de “Lendas christans”, e várias vezes Estácio da Veiga designa do mesmo modo cada um desses romances, individualmente. 1276 Aliás, curiosamente, na lombada do Romanceiro do Algarve, o que está escrito, no original brochado, é... Lendas do Algarve. 1276 1277 Por exemplo, do primeiro deles, A Senhora da Piedade, escreve Veiga: “Esta lenda é manifestamente do Algarve” (p. 159). 1277 Do Romanceiro do Algarve conhecemos 7 exemplares: dois na Biblioteca Nacional, um na biblioteca do Museu Nacional de Arqueologia (pertenceu a Leite de Vasconcelos e tem algumas breves notas ou traços a lápis, em geral assinalando a linguagem retocada dos textos), um na biblioteca da Região de Turismo do Algarve, em Faro (pertenceu a colecção de Lyster Franco), um que é propriedade de Maria Luísa E. V. Silva Pereira (Lisboa), outro incluído na biblioteca particular de Pere Ferré (Faro), e outro que nos pertence. Com excepção do nosso exemplar (que nos foi oferecido por José Camões, cuja generosidade muito 421 Não se pense, porém, que, na terminologia de Veiga, “lenda” é palavra usada apenas enquanto sinónimo de “romance”. Não: sobre A Senhora dos Martyres, diz Estácio da Veiga ser “uma lenda convertida em romance”, 1278 o que, obviamente, mostra que, para ele, “lenda” pode significar, também, aquilo que nós designamos com esse termo. Concluindo: dos “romances” em oitavas camonianas (como o Frei Luiz de Souza de Morais Sarmento) até aos 11 romances falsamente tradicionais publicados por Estácio da Veiga, passando pelas baladas que versificam lendas, as que se apresentam como recolhidas da oralidade (sem o serem), e o Romanceiro do Algarve designado como Lendas do Algarve, talvez estejamos, afinal sempre (e apenas?) perante diferentes avatares duma única e generalizada indefinição de fronteiras. Dois Casos de Influência Textual da Balada Romântica no Romanceiro do Algarve Além da influência a nível geral que o movimento da balada romântica deixou nos 11 romances falsos de Estácio da Veiga, há pelo menos três casos em que essa influência se dá a um nível mais profundo. Trata-se dos romances Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura, A Moura Encantada de Tavira e A Senhora dos Mártires Salva um Cativo. Vejamos, como exemplo, os dois 1279 primeiros casos: agradecemos), todos estão encadernados, pelo que a lombada original se perdeu, sendo substituída por uma lombada de couro com a inscrição “Romanceiro do Algarve”. 1278 1279 Romanceiro do Algarve, p. 163. O caso de A Senhora dos Mártires Salva um Cativo é extremamente interessante. No espólio, existem três versões dum texto (meio oração, meio canção narrativa) sobre um milagre de Nossa Senhora, que salva um cativo da Barbaria. Existe também uma versão duma lenda, em prosa, sobre o mesmo milagre. As versões do texto versificado contam a história de modo muito fragmentário, pelo que Veiga, insistiu com um seu amigo de Castro Marim para que lhe conseguisse uma “boa” versão (ver carta a Sebastião Nogueira Mimoso, atrás citada). Como nada conseguiu (sobretudo porque estava à espera que lhe descobrissem um romance sobre tal tema, coisa que nunca deve ter existido na tradição, apenas a referida oração/canção narrativa), Estácio da Veiga decidiu escrever ele próprio um romance, versificando a lenda em prosa (de que possuía uma versão, como dissemos). Na tradição oral de Castro Marim, a lenda, de facto, existe (e dela pudemos recolher, recentemente, várias versões), mas o romance, tendo sido criado por Veiga (como mostram os próprios manuscritos), nunca O Caso de Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura Este é, dos três casos, aquele em que a influência do género baladístico é mais clara. É que este romance 1280 consiste, nem mais nem menos, na reversificação (melhor diríamos, na “romancização”) duma balada romântica, de autor perfeitamente conhecido. A sua origem está, de facto, num poema de João Dubraz, publicado em 1848, numa revista. 1281 Trata-se dum longo poema narrativo, onde, em dado momento, uma personagem canta um texto, que constitui, por si próprio, uma história. E é essa parte que foi transformada por Veiga num romance. Originalmente, o poema era em quadras de tipo tradicional. Ora, Estácio da Veiga parece ter estado convencido de que a forma versificatória “romance” era própria de toda a poesia primitiva portuguesa e que as restantes formas se deviam simplesmente à corrupção introduzida pela oralidade. 1282 Ao olhar para o texto em causa, Veiga considerou-o “um dos taes romances quasi desfigurados”, 1283 e decidiu modificá-lo completamente, de modo a que se tornasse um romance. Vejamos o começo do poema original: O captivo teve existência tradicional, e dele não encontrámos qualquer rasto. Da nossa recolha parece poder-se concluir também que, no seu romance, Veiga combinou duas lendas (o milagre da salvação do cativo e o milagre da criação duma fonte, pela mesma Senhora dos Mártires) que, na tradição, andam separadas. Esperamos, um dia, dedicar um estudo a esta questão, para que aqui nos falta tempo. Não queremos, porém, deixar de agradecer desde já ao nosso colega de Faculdade Luís Faísca, com cuja companhia contámos durante a recolha em Castro Marim, e que, sendo natural dessa vila, muito facilitou todos os contactos com os informantes. 1280 1281 Romanceiro do Algarve, pp. 98-100. J[oão Francisco] Dubraz Dom Florisel (O Farol, [I], nº 6 (29/4/1848), p. 48, nº 7 (6/5/1848), pp. 55-56, nº 8 (13/5/1848), pp. 63-64, e nº 9 (20/5/1848), p. 72; a parte correspondente ao Cativo é a que está no nº 8). 1282 Esta ideia, em última análise, deve ter-lhe chegado através de Garrett. No entanto, embora, como atrás vimos, este autor tenha considerado os romances os textos mais antigos da poesia portuguesa, não conhecemos palavras suas em que se diga que as restantes formas versificatórias não passavam de degenerescências daquela. 1283 Romanceiro do Algarve, p. 96. 423 Sendo nas terras de mouros 2 Surprehendido um paladim Por escravo foi levado 4 Ao nobre Miramolim. Tinha o rei mouro uma filha 6 D’ extremada formosura, Lindos olhos, gentil corpo, 8 Branca tez, doce candura. Certo dia de seu quarto 10 Zulima vio o christão: D’ amores logo rendido 12 Teve a moura o coração. 1284 Face a isto, que fez Estácio da Veiga? Adoptou a rima da primeira quadra como assonância obrigada, e aplicou-a ao resto do texto, que passou, deste modo, a ser um romance perfeito, em -i: Sendo em terra de moiros 2 Surprehendido um paladim Como escravo foi levado 4 Ao nobre Miramolim. Tinha o rei moiro uma filha 6 Mais alva que um jasmim, 1 Os seus olhos eram lindos, 8 O seu corpo era gentil. Certo dia olha Celima 10 3 4 Para as terras de Safim, 5 Viu estar o pobre escravo, 12 1284 Que se passeava alli. 2 6 7 1285 J. Dubraz, Dom Florisel, O Farol, [I], nº 8 (13/5/1848), p. 63. E, em notas de rodapé, como se fossem variantes, apresenta o seguinte: 1 2 3 4 5 6 7 D’ extremada formosura, Lindos olhos, gentil corpo, Branca tez, dôce candura. Certo dia do seu quarto Zulima viu o christão, De amores logo rendido Teve a moura o coração. 1286 Como é evidente, as “variantes” são pura e simplesmente os versos originais de Dubraz. Poder-se-ia pensar que estávamos, mais uma vez, em presença dum exemplo extremo do método editorial de Veiga, que pura e simplesmente apresentaria como tradicional um texto que se limitou a tirar duma revista. De facto, provavelmente, é apenas a sua imaginação que o leva a escrever que “corre elle em diversas povoações do Algarve, com muitas variantes, pela maior parte inacceitaveis”. 1287 No entanto, parece que o autor da fraude original não foi Veiga, mas sim o seu correspondente e colaborador de Castro Marim Sebastião António Nogueira Mimoso, que, a fazermos fé nas palavras de Veiga, lhe remeteu esse texto, como tendo sido recolhido na tradição. 1288 Claro que seria possível admitir a hipótese de o texto (proveniente, isso não há dúvida, da fonte escrita que vimos) ter, verdadeiramente, corrido na oralidade, com pouca ou nenhuma tradicionalização, pelo que Mimoso teria actuado de boa-fé, limitando-se a 1285 1286 5 E / 21r. 5 E / 21r. Na versão publicada no Romanceiro do Algarve (em que o texto do romance apresenta várias diferenças em relação ao manuscrito), apresentam-se apenas, em nota, estes sete versos de “variantes” (os quais aí apresentam só uma diferença de grafia em relação às “variantes” que acima transcrevemos). No manuscrito, porém, existem, já perto do fim do romance, mais algumas notas com “variantes”, em que se reconhecem indesmentivelmente outras duas quadras do poema de Dubraz. 1287 1288 Romanceiro do Algarve, p. 96. Ver loc. cit., nomeadamente a nota de rodapé. 425 enganar-se sobre a sua origem e antiguidade. No entanto, há um facto que aponta em sentido contrário. O texto de Dubraz tinha, dentro do longo poema de que faz parte (Dom Florisel), um título próprio: O Captivo (foi, aliás, esse título que nos chamou imediatamente a atenção quando folheávamos a revista em causa). Ora no testemunho mais antigo que, no espólio, existe do Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura o texto intitula-se, também ali, O Captivo. O título dado no manuscrito, sublinhe-se, não parece poder ter sido criado independentemente do título que o poema tinha na revista. Com efeito, no texto, a personagem é designada apenas por “um paladim”, facto que, aliás, produziu o título com que Veiga o veio a publicar: O Paladim Captivo. Mesmo que o texto tivesse existido na oralidade, parece impossível que, por muito próximo que a sua letra continuasse da versão da revista, até o título se tivesse conservado, e, para mais, intacto. Assim, a recolha desse texto da tradição deve ter sido, muito provavelmente, uma burla imaginada por Sebastião Mimoso. Dizemos que deve ser dele pois, a ter sido Estácio da Veiga o autor da proeza, parece impossível que a tivesse atribuído a outrem, tanto mais que o poema lhe parece algo de grande antiguidade, e sublinha a importância do achado: Deverá [...] inscrever-se a renascença deste romance na época comprehendida entre a tomada de Ceuta e a posse de Tanger? É possivel; nem parece mais moderno. [...] Posso com boas razões julgar que este era um dos taes romances quasi desfigurados e perdidos, que, se não se lhe acudisse agora, passado algum tempo já talvez ninguem o arrancaria do abismo do esquecimento em que se 1289 ía prostrando. Aliás, Estácio da Veiga foi vítima doutra burla perfeitamente similar a esta, até mais escandalosa, dada a celebridade do autor do poema. Referimo-nos ao caso de O Acalentar da Neta, balada romântica de Castilho, que foi enviada a Veiga por um seu colaborador, como proveniente da oralidade. Com efeito, no espólio existe uma cópia desse poema, remetido, de Olhão, por João Lúcio Pereira, juntamente com outros dois romances, esses, sim, tradicionais. Num primeiro momento, Veiga nem deu por que se tratava dum poema de 1290 autor, e só mais tarde se apercebeu do facto. 1289 1290 1291 Também nesse caso se não trata duma Loc. cit. Na carta de Pereira que veio juntamente com os textos, Estácio da Veiga anotou, no final, os romances enviados: “Veiu o romance da D. Branca, o de Fr. João, com o nome de —Morena— e outro que começa Dorme, dorme, minha neta” (7 / 1c). incipiente tradicionalização dum texto escrito, pois o poema, embora muito longo, não apresenta qualquer diferença em relação ao publicado. 1292 O facto de a sua acção se localizar na Idade Média e de a versificação ser de tipo tradicional (o poema de Dubraz é em quadras de heptassílabos, com rima ABCB, como se viu; o de Castilho é um romance) devem ter sido factos suficientes para Sebastião Mimoso e João Lúcio Pereira pensarem que os textos em causa poderiam ser tomados por orais. Esta ideia e, também, o facto de Estácio da Veiga se ter deixado enganar em ambos os casos mostra, mais uma vez, como as fronteiras entre balada romântica e romance tradicional eram difíceis de sentir. O Caso de A Moura Encantada de Tavira O segundo texto do Romanceiro do Algarve onde a influência da baladística romântica é mais nítida é A Moura Encantada de Tavira. Trata-se dum texto com muito pouca narratividade (característica que, aliás, se encontra em geral nos textos que Veiga inventou de raiz, isto é, que não são traduções ou imitações de poemas já existentes), 1293 onde se apresenta um cavaleiro cristão, D. Ramiro, apaixonado pela moura que, na noite de S. João, aparece no dito castelo. Hesita em subir a muralha para a desencantar e, quando a isso se decide, já é tarde: a moura desapareceu. Vimos atrás como um dos grupos das baladas românticas é constituído por textos que põem em verso lendas tradicionais. Ora o presente romance, embora não o possamos materialmente provar, tem todo o aspecto de se basear na lenda duma moura encantada que se contaria a propósito do castelo de Tavira. Nas nossas pesquisas, inclusive em monografias regionais, não encontrámos referência a essa lenda. Mesmo Ataíde Oliveira, n’ As Mouras 1291 De então deve datar a nota que pôs no fim do manuscrito do poema: “É este romance composição de A. F. de Castilho, e por isso não pode ir na collecção dos do Algarve” (5 B / 3d). 1292 O Acalentar da Neta foi publicado em volume nas Excavações Poeticas de Castilho (Lisboa, Typographia Lusitana, 1844, pp. 264-274). Anteriormente, já saíra, pelo menos, uma vez numa revista [O Panorama, II, nº 74 (29/10/1838), pp. 310-312]. 1293 É precisamente o facto de apresentar uma narrativa de certo modo elaborada que nos faz pensar que Pastora Morre de Amor constitui um texto que não deve ser totalmente inventado por Estácio da Veiga, embora, como já dissemos, desconheçamos a sua fonte. 427 1294 Encantadas, embora tenha um capítulo intitulado “A Moura do Castelo de Tavira”, 1295 limita-se a transcreve o romance de Veiga, com alguns comentários que nada acrescentam ao assunto, e não refere nenhuma lenda em prosa. Pode ser, no entanto, que ela tenha existido, embora Ataíde Oliveira, face ao poema de Estácio da Veiga, o tenha considerado mais ou menos como a forma originária da lenda (ou a sua forma literariamente mais perfeita, o que acabaria por ter a mesma consequência) e, portanto, tenha achado dispensável transcrever a sua forma em prosa. De qualquer modo, seja ele a versificação duma lenda que, verdadeiramente, existiu, seja apenas a aplicação feita por Estácio da Veiga, à sua cidade natal, dum modelo que, como é sabido, se repete em numerosos lugares de Portugal, é um facto que ao autor algarvio não faltaram modelos de poemas deste tipo. Na verdade, no nosso corpus existem, conforme vimos, sete baladas que consistem na versificação de lendas de mouras encantadas: Pereira da Cunha (A Moira de Sancta Luzia), Serpa Pimentel (Engracia Ramila), Gama Lobo (A Moura Encantada), Alexandre Braga (Saluquia), Almeida e Araújo (A Moura da Fonte), A. C. L. (A Moura Encantada) e J. Dubraz (poema sem título). Em última análise, este subgrupo de baladas sobre lendas de mouras é produto das referências que, como a seu tempo vimos, Garrett faz a tais lendas logo na D. Branca: E vós, formosas mouras encantadas, Na noite de São João ao pé da fonte Áureas tranças com pentes de oiro fino Descuidadas penteando 1296 [...] e, mais ainda, das afirmações do mesmo autor sobre o carácter tipicamente português dessas lendas, que por isso mesmo interessaria usar na poesia romântica nacional: 1297 A nossa mythologia popular tem mais outra especie de entes sobrenaturaes, que é privativa nossa. — São as moiras-incantadas, que nem 1294 Francisco Xavier d’ Ataíde Oliveira, As Mouras Encantadas e os Encantamentos no Algarve, 2ª ed., prefácio de João Corpas Viegas, “Palavras Necessárias” por José Maria da Piedade Barros e “Breve Biografia [de] Ataíde Oliveira” por João Valadares d’ Aragão e Moura, Loulé, “Notícias de Loulé”, 1994 [a 1ª ed. é de Tavira, Typographia Burocratica, 1898]. 1295 1296 Op. cit., pp. 193-198. Almeida Garrett, Dona Branca, in Obras, cit., vol. II, canto III, 3, p. 499. são bruchas, duendes, nem fadas, mas lindas e amaveis creaturas que se divertem a incantar, a excitar os desejos dos pobres mortaes — e ás vezes, 1298 tam boas são! a satisfazê-los. Produto de versos e frases como estes (e, por sua vez, possíveis influenciadores das baladas românticas acima mencionadas) são os seguintes versos de Costa e Silva, em Emília e Leonido (1836): [...] encantadas Mouras, Recobrando a belleza, e fórma antiga, Dia de São João, com aureo pentem Longas tranças sulcando, em torno ás fontes, Á meia noite, módulas suspiram, 1299 Namorados Mancebos seduzindo. E, a propósito dos presentes versos, afirma Costa e Silva: “Destas, e de outras mythologias Nacionaes poderão tirar-se lindissimas feições”, isto é, motivos para poesias. 1300 Além das baladas sobre mouras encantadas, cuja linhagem visivelmente se reconhece n’ A Moura Encantada de Tavira, há também no nosso corpus várias baladas que, tal como acontece neste romance de Estácio da Veiga, tratam de amores entre cavaleiros cristãos e jovens mouras. De facto, vejam-se, no Apêndice nº 2, os sete poemas seguintes: Fernando Mousinho de Albuquerque, A Noute de S. João (1840-41), Garrett, Noite de San’ João (1843), Serpa Pimentel, S. Thiago e Belzebut (1844), Couto de Albuquerque, Dom Ramiro (1846), Serpa Pimentel, A Moura no Deserto (1848) e A Captiva de Burgos (1849), e Bulhão Pato, Zilla (1849). Note-se que as baladas de Mousinho de Albuquerque e de Garrett, como se depreende logo dos títulos, se passam durante a noite de S. João (tal como o poema de 1297 Garrett mencionara imediatamente antes a crença “do vulgo” português nas “sombras de finados” e nas “bruchas”, que “são cosmopolitas”, ou seja, comuns a vários povos. 1298 1299 Adozinda, cit., p. 117. José Maria da Costa e Silva, Emilia, e Leonido, ou os Amantes Suevos, Lisboa, Typographia de A. S. Coelho & Comp.ª, 1836, p. 164. 1300 Op. cit., p. xxxii. 429 Estácio da Veiga), e que na mesma balada de Mousinho de Albuquerque e na de Couto de Albuquerque o cavaleiro cristão se chama D. Ramiro, tal como o do poema de Veiga. 1301 É, pensamos, do cruzamento dos dois mencionados tipos de balada romântica (sobre aparições de mouras encantadas e sobre amores entre mouras e cristãos) que se originou A Moura Encantada de Tavira. Note-se também que este poema de Estácio da Veiga começa dum modo que parece eco (inclusive textual) da Noite de San’ João de Garrett. 1302 Por outro lado, tenha-se presente que, no séc. XIX, as lendas de mouras eram consideradas algo muito típico do Algarve (e ainda hoje haverá quem assim pense). 1303 Andrade Ferreira afirma-o claramente: a poesia sempre diversificou de provincia para provincia, como ainda hoje diversifica: em cada uma existe com o seu cunho natural; e no Algarve, as mouras encantadas, as talhas encerrando ramo de peste e thesouros prodigiosos, e os contos mouriscos, assentam n’ um maravilhoso mui differente do maravilhoso da provincia do Minho, onde fortalece as lendas 1304 dos santos, os milagres e os contos religiosos da hospitalidade. E Hardung, no seu Romanceiro, em nota ao texto de Estácio da Veiga, escreve: “O lindo romance da Moira encantada [...] é expressão pura do genio algarvio”. 1301 1305 Este nome devia ser considerado, no Romantismo, muito tipicamente medieval, algo para que deve ter contribuído, como se imaginará, a Miragaia de Garrett (1843). 1302 Cf. “Meia noite além resôa / Cêrca das ribas del mar, / Meia noite já é dada” (Veiga, vv. 1-3) e “Meia-noite já é dada” (Garrett, v. 1). A balada de Veiga tem ainda um verso (o nº 33) que é textualmente igual a outro muito célebre de Garrett: “Cavalleiro de armas brancas”. Este último constitui algo que, como atrás vimos, surge também no Cid e Búcar publicado por Veiga, sendo, aí, introdução devida à pena do editor. 1303 Isto embora as numerosas lendas de mouras que surgem, por exemplo, nos Contos Populares e Lendas de Leite de Vasconcelos tenham sido recolhidas de norte a sul de Portugal continental, não se vendo que o Algarve esteja mais representado que outras províncias (cf. J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas, cit., II). 1304 José Maria d’ Andrade Ferreira, Curso de Litteratura Portugueza, Lisboa, Livraria Editora de Mattos & Compª., 1875, pp. 111-2. 1305 Victor Eugenio Hardung, Romanceiro Portuguez, coordinado, annotado e accompanhado d’ uma introducção e d’ um glossario por..., II, Leipzig, F. A. Brockhaus, 1877, p. 34, n.1 É, aliás, pela ligação privilegiada entre o Algarve e as lendas de mouras que Veiga atribui uma origem algarvia à Infantina. No prólogo respectivo, escreve mesmo que esse romance poderia talvez attribuir-se proximamente aos tempos do nosso terceiro Affonso, quando desertos os castellos e arruinados os muros do Algarve, aquelles, estes, e até as cisternas, e os proprios poços, começaram a ser povoados por uma invasão de moiras e moirinhos encantados dos que ainda 1306 hoje alli respiram no ambiente das tradições feiticeiras moiriscas. Veiga conta, depois, uma lenda de moura encantada relativa à cisterna do castelo de Silves e menciona também a lenda que, segundo ele, anda ligada ao castelo de Tavira. E conclui, dizendo que “muitas outras apparições similhantes se manifestam com profusão em diversos logares da provincia”. 1307 Finalmente, observe-se que o S. João em Tavira e os festejos populares dessa noite (sobretudo os bailes à roda dos mastros) 1308 traziam a Estácio da Veiga recordações muito gratas, referentes, sobretudo, ao ano de 1856, quando passou uma temporada no Algarve, depois de 11 anos de exílio em Lisboa, para onde partira na adolescência. A essas festas se refere ele mais duma vez, nomeadamente no prólogo d’ A Moura Encantada de Tavira. 1309 Repare-se também que o primeiro dos romances que publicou (a Serrana Fiel), texto devido à sua total inventiva, se passa no dia de S. João, no Algarve, entre bailes e cantorias. Por tudo isto, uma história como a que se conta n’ A Moura Encantada de Tavira terá parecido a Estácio da Veiga extremamente própria para mostrar o tipicismo da sua terra, 1310 facto que explicará, estamos certos, o facto de este romance ter sido o segundo que ele publicou, logo em 1859. 1306 1307 1308 1311 Romanceiro do Algarve, p. 38. Op. cit., p. 39. Sobre os mastros (e sua elaborada decoração) e os bailes que à sua volta se faziam no Algarve (e que, ao que parece, aqui eram mais correntes do que noutras regiões de Portugal), ver, por exemplo, Ernesto Veiga de Oliveira, Festividades Cíclicas em Portugal, cit., pp. 127-8. 1309 1310 Está incluído no artigo “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2. O mesmo pensaram, pelo menos, outros dois autores algarvios, que, em época posterior, puseram, também eles, em verso duas lendas de mouras. De facto, Ataíde Oliveira, transcreve (n’ As Mouras Encantadas, cit., pp. 92-102) uma longa balada de J. P. de Sousa Macário, sobre a história da moura Cássima (lenda ligada a uma fonte, perto de Loulé, que o mesmo Oliveira publica nas pp. 61-70). Além disso, um dos 431 A ideia de pôr em verso lendas do Algarve é algo que, como vimos, está presente logo no que parece ser a mais antiga atestação do interesse de Estácio da Veiga pela literatura oral: a carta a Vaz Velho, pedindo-lhe que, em Tavira, recolha “lendas, xacaras, romances, ou solaos [...] quer em prosa, ou em versos” e lhos envie. Ora, nessa carta, recorde-se, Veiga observa sobre “taes antigualhas”: “as que [...] vierem em prosa, farei quanto em mim couber para as reduzir a versos, adequando-lhes a forma e estylo que mais conheça em relação com o seu respectivo assumpto e a epocha”. No espólio não se conserva qualquer carta ou outro manuscrito relacionado com Vaz Velho, pelo que não é possível dizer se foi através dele que chegou a Veiga a lenda da moura de Tavira, 1312 a qual, de qualquer modo, entra perfeitamente dentro da categoria das “lendas [...] em prosa”, por ele “reduzidas a versos”. capítulos d’ As Mouras Encantadas (pp. 103-121) é sobre “A Moura de Salir”, e aí, além da lenda em prosa, publica-se também (pp. 109-110) uma balada que a versifica. Sobre esta balada diz Ataíde Oliveira (p. 109) que o poeta “reduziu a forma métrica os versos que encontrou entre o povo, conservando as assoantes”. Não sabemos em que medida terá alguma vez existido, na oralidade, um poema sobre essa lenda, mas, se existiu, é quase certo que deve ter sido constituído pela tradicionalização duma balada culta. De qualquer modo, o poema publicado por Ataíde Oliveira nada tem de estilo tradicional. Sobre ele informa o mesmo Oliveira (p. 279) que o autor foi o seu amigo Joaquim António Teixeira, “escrivão de direito”. Na p. 121, transcreve-se ainda a música que para essa balada fez o “habilíssimo regente” da filarmónica de Salir (p. 109). Note-se que este poema aparece também no Romanceiro Popular Português de Maria Aliete Galhoz (nº 1082), tendo sido transcrito dum “papel velho” encontrado em Salir, em 1977, por Viegas Guerreiro, que não deve ter reconhecido a sua origem. O texto em causa não apresenta vestígios de tradicionalização. Do segundo dos poetas citados (Joaquim António Teixeira) não encontrámos vestígio de obras publicadas. O primeiro deles, que Oliveira indica como J. P. de Sousa Macário, deve ser o Joaquim Pinto de Sousa Macário de quem Inocêncio (op. cit., XII, p. 135) refere uns Recreios Poeticos (Coimbra, Imp. da Universidade, 1866), que, porém, não conseguimos encontrar nem se encontram registados na PORBASE. 1311 1312 Ver “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2. Mesmo que Vaz Velho lha tenha enviado, parece que Veiga já a deveria conhecer antes, porque, a fazermos fé nas suas palavras, “esta é uma das tradições algarvias, que mais de perto conheço, poisque della ouvi sempre falar desde os meus primeiros annos” (Romanceiro do Algarve, p. 33). IX O ROMANCEIRO DO ALGARVE, PRODUTO DO SEU EDITOR E DA ÉPOCA EM QUE FOI ORGANIZADO O título deste capítulo, de tão óbvio, pode parecer um truísmo, mas talvez não seja demasiado sublinhar a realidade aí expressa, que ajuda não só a compreender a adopção por Estácio da Veiga de determinado método editorial, mas até, talvez, a admitir a sua inevitabilidade. Um Método Editorial Criativo, necessariamente Logo em 1871 (ou seja, no ano seguinte à saída do Romanceiro do Algarve), Teófilo Braga dedicou à obra umas páginas desapiedadas, onde, sobretudo, critica os retoques a que Estácio da Veiga submeteu os textos tradicionais. “O Romanceiro do Algarve —denuncia ele— está adulterado, aperfeiçoado pelo collector, que formou versões novas com as variantes que recebia”. 1313 E, escandalizado, transcreve 1314 passagens dos prólogos de quatro romances (D. Julião, Nau Cathrineta, A Pastora e O Frade) em que Veiga, candidamente, explica serem esses textos versões factícias. O interesse maior destas palavras de Braga talvez esteja na incapacidade que ele revela de perceber como é que alguém afirmava, sem problemas, que publicava versões factícias. Os 10 anos que medeiam entre a conclusão do Romanceiro do Algarve e a sua publicação tinham trazido muitas mudanças no conceito de como devia ser organizada uma 1313 Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, cit., p. 372 (itálico do original). Muitos anos depois, Teófilo voltará a publicar sobre Veiga algumas afirmações extremamente críticas, também a propósito do seu método editorial [ver Historia da Poesia Popular Portugueza. Cyclos épicos, 3ª ed. reescrita, Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1905 (reed. facsimilada, com pref. de João David Pinto-Correia, Lisboa, Vega, 1987), p. 527]. 1314 Ver Epopêas, cit., pp. 372-373. colectânea de textos orais — e a obra de Veiga surge claramente desfasada em relação aos novos tempos. A verdade, porém, é que, quando ela nasceu, não só o estabelecimento de versões factícias era prática comum a quase todos os editores europeus, 1315 como o retoque dos textos era considerado algo natural. E, mesmo que Estácio da Veiga tivesse sonhado proceder de modo diferente, a verdade é que, em 1860, o público português não parecia estar preparado para aceitar uma obra respeitadora da poesia popular. Se não, vejamos um episódio muito instrutivo. Uma Polémica Reveladora Em 9 de Junho de 1859, sai, no jornal miguelista A Nação, um pequeno artigo, não assinado, em que se informa ir ser publicada em breve a tradução portuguesa do “interessante romance” de George Sand Lélia, referindo-se também “a boa nomeada que este romance tem alcançado”. 1316 A 28 do mesmo mês, surge n’ A Nação um novo artigo, também não assinado (talvez de Estácio da Veiga), 1317 em que se desdiz o elogio anterior. 1318 O motivo é que, entretanto, no jornal tinham sabido que o referido romance estava no Index e, por isso, decidem avisar os leitores para o perigo da sua leitura. 1319 Ora no mesmo número do jornal em que sai tal palinódia, publica-se também (esse, sim, assinado por Veiga), o artigo “Cantos Populares do Algarve. Recordações”. 1315 1320 Nele, A única excepção conhecida antes dessa época é constituída pelo escocês William Motherwell, a que já nos referimos, autor de Minstrelsy, Ancient and Modern (1827). 1316 1317 “Lelia”, A Nação, 9/6/1859, p. 3. De facto, no espólio de Veiga (cota: 5 E / 7) existe o rascunho, incompleto, dum texto em que se apresentam as razões por que o jornal se referira à publicação de Lélia. Note-se, porém, que este texto não corresponde, do ponto de vista discursivo, ao artigo “A Lelia” saído, efectivamente, n ’A Nação de 28/6/1859. 1318 1319 “A Lelia”, A Nação, 28/6/1859, p. 2. No artigo, frisa-se que, na notícia de 9 de Junho, apenas tinham elogiado a obra e não propriamente aconselhado a sua leitura, acrescentando: “constava-nos que o traductor se propunha remover da traducção algumas partes do original, onde a immoralidade era mais escandalosa”. 1320 pp. 1-2. S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, 435 além dum texto introdutório sobre as festas de S. João no Algarve, o autor publica A Moira Encantada (que afirma ser um romance oral, recolhido em Tavira, em 1856) e, também, 16 quadras tradicionais, por si recolhidas durante os bailes de S. João, igualmente em Tavira. Daí a dias, a 4 de Julho, o Archivo Universal, jornal de orientação política liberal, investe contra A Nação, a propósito dos dois artigos de 28 de Junho. Num artigo não assinado, depois de sarcasticamente se referirem à palinódia a respeito de Lélia, afirmam não querer entrar em discussões sobre o Index “e o modo porque elle vê e condemna tudo e todos que valem, pensam e escrevem”. No entanto, fazem notar à Nação que mal andou tão orthodoxo periodico publicando no mesmo numero, em que o sacro furor transbordava em imprecações, estas duas quadras, de orthodoxia, e de moralidade muito mais que duvidosa. São João váe embarcado Com vinte e quatro donzellas, Todas olham para elle Elle para todas ellas. São João leva a seu lado Mais vinte e quatro viuvas, Mas ao embarcar tal tropa S. João perdeu as luvas. Realmente quem pecca contra a repeitabilidade do santo, a moral, a sisudez, a poesia e o senso comum, deveria ser mais tolerante para com Jorge Sand e o seu traductor, que talvez tenham peccado muito contra o index, mas que estão 1321 puros destes peccados de parvoice. As quadras transcritas pelo Archivo Universal são, como se imaginará, duas das que se incluem no artigo de Estácio da Veiga sobre o S. João... Veiga, portanto, não podia deixar de acusar o golpe e, no dia 6, sai n’ A Nação um artigo que, embora não assinado, é sem dúvida dele. Aí defende as “pobres quadras de poesia popular, que haviamos publicado n’ um folhetim” e, ao mesmo tempo, ataca a irreligiosidade de que dá mostras o Archivo. Eis alguns excertos mais intimamente ligados à questão das quadras, interessantes também pelo facto de, por detrás da ironia e dos ataques à revista opositora, se sentir o conceito que, no fundo, o próprio Veiga tem do povo e da poesia tradicional — é “inocente”, “rude”, “faltalhe a arte”: 1321 Anón., s/título, Archivo Universal, 2ª série, nº 1 (4/7/1859), p. 16. Nos seus innocentes folguedos pode o povo dedicar a Sam João, por que muito lhe quer, quadras que denotam confiança com o Sancto, mas não 1322 revelam intenção de falta de respeito. [...]. Não se espante o lerdo Archivo da parvoice de taes trovas; bem sabe que o povo rude não pode intentar obras de tanto vulto, como a apotheose dos livros condemnados pela Egreja. O povo é naturalmente poeta, improvisador, e essencialmente inclinado ao maravilhoso; mas o que hade ser? — Falta-lhe a arte com que o Archivo sabe 1323 avaliar as composições alheias. No dia 11, sai novo artigo no Archivo Universal. Aí, depois de responderem aos ataques de Veiga sobre matéria de religião, passam a falar de poesia tradicional: o povo compoz e conservou com egual bohonomia as insulsezas e as sublimidades, as joias do cancioneiro [sic] de Garrett, e os calhaus do cancioneiro folhetinista da Nação; o primeiro colheu e aproveitou, estudando, esmerilhando, apurando; o segundo agarrou tudo o que se achava no chão, alfarroba bixosa, figo secco, quadras de S. João, e lançou sobre o Algarve as culpas de semsaboria que mais de direito cabem ao collector do que aos 1322 Está bem atestada a existência, na tradição oral, de várias quadras que apresentam S. João como uma personagem brejeira, perfeitamente similares às que parecem ter surpreendido o Archivo Universal. Consiglieri Pedroso, por exemplo, publicou duas quadras que são muito semelhantes às duas quadras transcritas, como exemplo de imoralidade, pelo Archivo, e a semelhança é quase total do que diz respeito à quadra das “luvas”, cujo itálico, da responsabilidade do Archivo, mostra ter sido a que mais desagradou ao jornalista (ver C. Pedroso, “Contribuições para um Romanceiro e Cancioneiro Popular Português”, Contribuições para uma Mitologia Popular Portuguesa e Outros Escritos Etnográficos, org. de João Leal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1988, pp. 362 e 364). Mais exemplos podem ver-se no Cancioneiro Popular Português, de Leite de Vasconcelos, cit., III, pp. 334, 338, 350 e 352. Nos Ensaios Ethnographicos, cit., do mesmo autor, I, há também cantigas desse tipo; e aí se encontram as seguintes palavras, que parecem escritas para corroborar a defesa que Veiga se viu obrigado a fazer do povo de Tavira: “O S. João é um dos santos, senão o santo, que o nosso povo mais ama. Por isso este o identifica com os seus costumes” (p. 66). Sobre o aspecto malicioso das celebrações populares do S. João, leia-se o que escreve Ernesto Veiga de Oliveira: esta “festa, por toda a parte, contém um elemento marcadamente licencioso, por vezes expresso, na alusão sempre presente ao carácter brejeiro do santo, aos amores, etc. [...] A licenciosidade colectiva, em determinadas celebrações cíclicas, como o Carnaval, parece, segundo as teorias mitográficas, ser de origem ritual, como vestígio de actos de purificação dos espíritos nocivos, ou de estímulo de forças renascidas. Tal pode ser o sentido das licenciosidades positivas ou difusas da noite de S. João” (“O S. João em Portugal”, Festividades Cíclicas em Portugal, cit., pp. 119-169; citação extraída da p. 124). 1323 “Esperteza Digna de Archivo”, A Nação, 6/7/1859, p. 3. No espólio de Veiga, existe o rascunho deste artigo (cota: 5 E / 8). 437 inventores; se é que a colheita não foi da lavra propria, porque nos parece 1324 menos obra dos Algarvios, do que do seu amarellento e estirado Homero. Mais do que a desconfiança sobre a autoria das quadras (que parece sobretudo estar aqui para levar ao auge o ataque contra Estácio da Veiga), o fundamental desta passagem parece ser a defesa da adopção dum método editorial bem “criativo” no momento de a literatura oral ser publicada. O problema, segundo o jornalista, não estaria tanto na poesia do povo, mas sim no seu editor, pois, ao contrário de Garrett, Veiga não soubera “esmerilhar” e “apurar” os textos, tendo publicado os materiais tal como os recolhera da oralidade: “agarrou tudo o que se achava no chão, alfarroba bixosa, figo secco, quadras de S. João”. Frase cruel, sem dúvida, mas muito provavelmente bem representativa daquilo que, ao leitor urbano da época, parecia a literatura oral quando lida sem retoques. Por cruel que seja (e é) contra a poesia tradicional, o ataque, no entanto, parecia acabar por se orientar contra Veiga e os seus fracos dotes poéticos, que ele teria querido disfarçar, atribuindo as quadras ao povo. Essa insinuação e esse ataque voltam, aliás, a surgir mais à frente, quando, depois de o Archivo Universal dizer que só publica poesia de bons poetas (e cita Castilho, Gomes de Amorim, etc.), acrescenta ter “cerr[ado] [...] a porta ao poeta das quadras de S. João, e aos que as podessem escrever eguaes”. Mas, tal como nos lacraus, as mais depreciativas opiniões sobre a poesia oral estavam guardadas para o fim do artigo. Aí, o jornalista do Archivo explica com desprezo que, se o seu jornal não publica poemas tradicionais, não é porque lhe falte poesia popular da força daquella, que tanto extasia o escriptor da Nação; quanta della queira encontra-a [o Archivo Universal] ao pé da porta da typographia. Basta-lhe descer a escada ou chegar á janella. Tanta e tão egual á do S. João das luvas, que não atinou ainda porque sem ter o trabalho de ir ao Algarve, o bardo auricrinito, a não veio procurar mais perto. Passados pela sua bocca ficaria tão appetitosa e chata, como os figos da sua terra. E se é preciso anzol para erguer até á altura do Bairro Alto o enthusiasmo daquella eiroz poetica alli lhe atiramos esta quadra que no caminho ouvimos e que porque nos parece não desdizer das suas lhe pomos ao lado. 1324 Anónimo, “O Archivo Universal e a Nação”, Archivo Universal, 2ª série, nº 2 (11/7/1859), pp. 30-31 (citação extraída da p. 31). Cancioneiro do Bairro Alto 1325 Por aquella parede acima Vai um caracol abaixo Tem-te, caracol, não caias Apega-te á confiança Cancioneiro das 1326 Escadinhas da Barroca São João leva a seu lado Mais vinte e quatro viuvas, Mas ao embarcar tal tropa S. João perdeu as luvas. No primeiro artigo do Archivo Universal, a poesia tradicional ficara mal parada com as referências à sua imoralidade, mas, pelo que agora se vê, não fora propriamente esse aspecto que chocara o jornalista liberal. Com grande probabilidade, ele nem repararia na pretensa imoralidade das quadras, se ela não viesse mesmo a jeito para criticar a Nação com as suas próprias armas. Aquilo que mais parece ter desagradado ao jornalista é a pretensa falta de lógica da segunda das quadras algarvias que citou no artigo de 4 de Julho (falta que, aliás, já aí criticava ao falar de “parvoice”). Mas é agora, pela comparação com a quadra que, teoricamente, o jornalista ouvira entre os habitantes incultos do Bairro Alto, que se 1325 O Archivo Universal, segundo se indica no próprio jornal, era impresso na “Typograhia Universal, rua dos Calafates 113”, a actual Rua do Diário de Notícias, situada precisamente no Bairro Alto (ver Eduardo O. P. Q. Velloso, Roteiro das Ruas de Lisboa e Immediações, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1864, p. 27). 1326 Não conseguimos entender a alusão a esta artéria, situada junto ao Largo de S. Domingos, com a qual nem A Nação nem Estácio da Veiga parecem ter a ver. De facto, a redacção e a tipografia de A Nação eram na “R. da Praga nº 12”, a actual R. do Cardal de S. José, paralela à R. de S. José (ver Eduardo O. P. Q. Velloso, op. cit., p. 92), relativamente distante das tais escadinhas. Quanto à morada de Estácio da Veiga, pelo menos três anos antes deste artigo era na R. dos Douradores, 31 (ver o Almanach de Portugal para 1856, Lisboa, Imprensa Nacional, 1856, p. 565), longe, também ela, das Escadinhas da Barroca. É claro que, entretanto, Veiga poderá ter mudado de casa, passando a residir nas referidas Escadinhas; infelizmente, o Almanach de Portugal, obra que possui, ministério por ministério, a lista nominal de todos os funcionários públicos, com a indicação da morada particular de cada um, parece ter sido publicado apenas em 1855 e 56 (pelo menos, não existem outros anos na Biblioteca Nacional), pelo que não podemos saber onde residiria Veiga no ano de 1859. Nas “Escadinhas da Barroca[,] junto ao Rocio[,] nº 19”, existia, pelo menos em 1834, uma certa Typographia Transmontana, em que se imprimia o Semanal de Poezias, conforme se diz nos números desse periódico. Será que tal firma continuava a existir em 1859, e que, por qualquer motivo, estava relacionada com A Nação? Seja como for, parece óbvio que, ao falar no “Cancioneiro das Escadinhas da Barroca” o jornalista do Archivo quer referir-se a Estácio da Veiga e/ou à Nação. 439 indica verdadeiramente o maior pecado da poesia oral: o de não obedecer às regras que estão na base da poesia escrita, incorrendo, portanto, em faltas de lógica e de rima. Poderia, claro, pensar-se que, mais uma vez, o Archivo Universal se limita a exagerar, com o objectivo de, agora pela chalaça, vencer o seu contendor. E que finge apenas não entender que a falta de sentido e de rima nos versos da quadra do “Cancioneiro do Bairro Alto” é um duplo recurso estilístico, sabiamente destinado a provocar o riso, e não um fruto involuntário da “parvoice” do povo, que, ao invés da gente instruída a que pertence o jornalista do Archivo, não sabe pensar com lógica. Podemos, repita-se, considerar que se trata de novo fingimento do jornalista. Mas a verdade é que, se procurarmos um pouco na memória, nos aperceberemos de que já antes nos apareceu uma quadra do tipo da que o Archivo citou, e apresentada, também essa, num artigo de jornal, a propósito, exactamente, de faltas de lógica. De facto, quando esboçámos a história do cancioneiro e dos outros géneros tradicionais não romancísticos, surgiu-nos, na Revista Universal Lisbonense, no ano de 1842, uma notícia em que se criticava a má qualidade do libreto duma ópera então recém-estreada. 1327 Ora, para mostrar a falta de sentido e as rimas deficientes de tal libreto, surge, dir-se-ia que com toda a naturalidade (como no artigo do Archivo), a comparação com a literatura popular, na sua modalidade de quadras disparatadas, cuja propositada falta de lógica o jornalista da Revista Universal Lisbonense parece (tal como o do Archivo) não entender. No caso de 1842, as quadras são atribuídas à tradição beirã, que, desde Gil Vicente, era considerada o nec plus ultra da rusticidade ingénua. Ei-las: Semeei no meu quintal Amorinhos de Izabel; Nasceu-me um pé de um burro, Com uma candêa na mão. Ó almas do purgatorio, Que estaes á borda do rio; Virae-vos da outra banda, Que vos dá o sol nas costas. 1327 1328 1328 Anónimo, artigo sem título, Revista Universal Lisbonense, II, nº 12 (8/12/1842), pp. 151-2. Art. cit., p. 152. Já são, como vemos, duas ocasiões em que pessoas instruídas citam este tipo de quadras parecendo não entender a intencionalidade da sua falta de lógica e de rima, e parecendo considerá-las simples fruto da falta de preparação escolar do povo rude. Ou seja, para ser apenas produto de simulação, de alguém que finge não entender a lógica de tal falta de lógica, já começam as ser demasiadas coincidências. E um terceiro caso de reflexões duma pessoa instruída sobre esse tipo de poemas parece vir mostrar que, de facto, a forma mentis de tais pessoas as tornava incapazes de compreender este recurso. Dir-se-ia, pois, ser genuíno o choque que lhes causa quadras assim, as quais, aliás, pareciam vir dar razão à ideia, bem enraizada no Romantismo, de que o povo é ingénuo e simples, se deixa levar apenas pelo coração, é (como diz Veiga) “essencialmente inclinado ao maravilhoso” — em resumo, não sabe pensar. De facto, num interessante artigo de José Manuel Pedrosa dedicado a este tipo de textos (que existem noutras tradições europeias, nomeadamente de Espanha), 1329 voltamos a dar com uma declaração que está na mesmíssima linha da dos dois citados jornalistas portugueses. De facto, um literato oitocentista espanhol escreveu sem pestanejar: hoy mismo se oye al pueblo cantar coplas sin sentido y sin gramatica, lo cual prueba que si son obras suyas, no tiene ni gramatica ni sentido, y si son obra 1330 de otro, al pasar por el pueblo han perdido el sentido y la gramatica. A 18 de Julho, Estácio da Veiga surge com novo artigo, tentando rebater as opiniões do confrade — mas vê-se que o ataque à sua falta de perícia editorial o atingiu bem fundo. É que, ao publicar sem retoques (ao que nos parece) as referidas quadras, Veiga deixara-se arrastar talvez pelas recordações mágicas daquela noite de S. João em Tavira, e, de facto, não corrigira (ou não corrigira suficientemente) os textos recolhidos da boca do povo! Ao contrário de Garrett, não soubera transformar esses textos em jóias dignas de figurar num jornal lido por gente instruída! Deixara passar até (segundo o Archivo) faltas de lógica, algo que, ainda por cima (como vimos na análise dos textos do Romanceiro do Algarve), era uma das principais preocupações de Veiga ao “arranjar” os textos para publicação! 1329 José Manuel Pedrosa, “Canciones disparatadas y rimas frustradas: notas sobre un recurso poético del cancionero popular (siglos XVII al XX)”, Boletín de la Biblioteca de Menéndez Pelayo, 72 (1996), pp. 39-67. 1330 Frase de José Selgas, no epílogo a Melchor de Palau, Poesías y cantares, Barcelona, Biblioteca del siglo XIX, s/d., p. 174 (apud Pedrosa, art. cit., p. 50). 441 Era, de facto, algo demasiado embaraçoso para um autor que dir-se-ia aspirar a ser o novo Garrett, pelo menos o Garrett do Algarve. Estácio da Veiga escolhe, então, fugir à crítica do Archivo, atribuindo a falta de qualidade dos textos à diferença de origem que existiria entre as suas quadras e os romances de Garrett: estes últimos viriam de fontes escritas (afirmação que, como se sabe, não corresponde à realidade), enquanto as quadras de Tavira, além de orais, seriam improvisadas (o que também não é certo). 1331 O modo como, no artigo, por mais duma vez, Veiga se refere à poesia tradicional, o seu tom de quem quase pede desculpa pelas deficiências dos textos publicados, exprime provavelmente a sua mais profunda opinião sobre aquela poesia e acaba, afinal, por dar razão, pelo menos em parte, às críticas desdenhosas do Archivo Universal. Vejamos um excerto do artigo, em que se mostra tudo aquilo que acabamos de dizer: 1332 a respeito da religião poetica do povo [...] dir-lhe-emos que o achamos leigo [...] e com tacto muito mais grosseiro, do que o mais grosseiro improvisador de aldêa; pois que começa por querer comparar uma cantiga improvisada com toda a natural liberdade do folguedo popular, com os romances tradicionaes e escriptos, que João Baptista de Almeida Garrett coordenou para o seu magnifico romanceiro. ¿Quereria talvez encontrar o oiro de lei, de que nos falla, n’ umas pobres quadras compostas por gente camponeza, que as improvisa, porque sente, mas que não as corrige porque ignora a arte poetica por que estudou o noticiarista aggressor dos seus innocentes brinquedos? Se nos seios do povo teve o sr. noticiarista occasião de saber que ha bom oiro de lei, tambem deve saber que não é elle frequente nestes cantares, e que nem 1333 por isso se tornam indignos de publicação. A polémica ainda se arrasta por mais quatro artigos, em que penosamente vai esmorecendo. 1331 1334 Mas o fundamental já estava dito: a poesia tradicional tem algum interesse, Na verdade, as ditas quadras estão bem longe de ser improvisadas, uma vez que paralelos seus quase perfeitos se encontram em várias colecções (por exemplo, a de C. Pedroso e a de L. de Vasconcelos, como dissemos). 1332 1333 Nesta parte do artigo, Estácio da Veiga apostrofa directamente o jornalista adversário. “Últimas Palavras ao Archivo Universal”, A Nação, 18/7/1859, p. 3. O artigo não está assinado, mas a expressão “as rapsodias, que colligimos no Algarve” revela ser da autoria de Veiga. 1334 Anónimo, “Parallelo entre Duas Summidades Litterarias”, Archivo Universal, 2ª série, nº 4 (25/7/1859), p. 63; [Estácio da Veiga], “Ainda Algumas Palavras ao Archivo Universal”, A Nação, 2/8/1859, p. 3 (embora não assinado, este texto é, sem dúvida, de Veiga, pois alude ao que escreveu no artigo anterior); se o seu colector, no momento de a publicar, fizer uso dum método editorial fortemente interventivo, para corrigir aquilo que nela existe de contrário à poesia romântica escrita. Um Romanceiro ou um Livro de Baladas Românticas? Extremamente significativo da opinião do articulista do Archivo e, provavelmente, do geral das pessoas do seu meio sociocultural (ou seja, a pequena e média burguesia lisboeta), é o facto de, como se viu, nunca ao longo da série de artigos da polémica ele ter atacado a qualidade d’ A Moura Encantada de Tavira, embora este poema, publicado —não o esqueçamos— no mesmo artigo das quadras, ser apresentado por Veiga como provindo, tal como elas, da boca do povo. A verdade é que, possuindo um estilo bem longe do tradicional, A Moura Encantada está ao nível da balada romântica tipo e, por esse facto, não deve ter sido achada passível de crítica pelo jornalista do Archivo, o qual, pelo contrário, vê má qualidade nas quadras de S. João, e por isso finge suspeitar que, elas sim, são de Veiga. Não era, portanto, preciso mais para que o futuro organizador do Romanceiro do Algarve visse robustecida a opinião (que já tinha, como se vê pelo estilo d’ A Moura Encantada e também de A Serrana Fiel, publicada um ano antes) de que, para agradar ao público lisboeta, o melhor eram as baladas inventadas, similares às do tipo romântico. A defesa que o articulista do Archivo faz do Romanceiro de Garrett (e, quem sabe?, talvez estivesse até a pensar mais no I vol. do que nos restantes) mostra bem que aprova o método editorial criativo e que, na sua opinião, só assim se admite a publicação de poesias tradicionais: reelaboradas por grandes poetas. Poesia popular não transformada (ou pouco transformada), como as quadras de Tavira, era algo impossível de agradar àquele tipo de público — que constituía, claro, o público que Estácio da Veiga queria atingir com os seus artigos e o seu projectado romanceiro. Por mais que Veiga tenha achado que o Archivo exagerava as suas críticas às quadras populares apenas com o fim último de atacar A Nação e o miguelismo, a verdade é que —convencido da razão do jornalista adversário ou receoso de mais críticas escandalizadas—se não atreveu a incluir as ditas quadras nas duas republicações que fez do Anónimo, “Ponto Final”, Archivo Universal, 2ª série, nº 6 (8/8/1859), p. 95; e Anónimo, “Parece-nos que se Acaba desta Vez”, A Nação, 11/8/1959, p. 3. 443 artigo. 1335 Com efeito, nessas republicações só saíram a balada A Moura Encantada de Tavira e a introdução em prosa, pensada para agradar ao público romântico, em que, de envolta com referências às saudades da terra natal e protestos de admiração pelo espírito alegre do bom povo de Tavira, se afirma o carácter tradicional da dita balada e a sua pretensa recolha da oralidade. E quando Veiga voltou a publicar, na imprensa, outro texto de lírica tradicional, em vez de quadras soltas, escolheu algo que lhe parecia mais adequado ao gosto do público: a 1336 cantiga A Engeitada, de linguagem semiculta (ainda mais acentuada nesta versão, sem dúvida devido aos retoques de Veiga) e tema sentimental, próprio para comover: o sujeito da enunciação é uma enjeitada, a quem “os [s]eus paes [...] abandonaram”, e que vive da caridade pública, à qual se dirige, agradecida: “Para pagar teus affectos / Só tenho prantos de amor”. Além disso, exprime-se com voos líricos semelhantes aos de qualquer poeta ultraromântico: “Sou filha das pobres hervas, / Neta das aguas correntes”. Se literatos e semiliteratos lisboetas, a fazer fé no articulista do Archivo Universal, queriam uma poesia oral bonitinha, moralmente perfeita, cheia de bom-senso e com todas as característica da poesia escrita da época, então, com A Engeitada, ficaram bem servidos. 1337 Claro que Veiga já conhecia estes gostos (que, como mostra desde o início o seu método editorial, ele próprio partilhava), e, exceptuando o deslize das quadras de S. João, os textos que publicou na imprensa como fruto da sua colheita eram coisas que, pela sua linguagem e tema, se mostravam capazes de agradar aos leitores lisboetas e dar-lhes, ao mesmo tempo, uma boa imagem, muito típica, idílica e amaneirada, do Algarve, a província perdida no extremo continental do país, tão pouco conhecida e tão mal considerada. Vejamos quais foram, de facto, os textos escolhidos por Veiga para começar a divulgar, na imprensa, a sua recolha. O primeiro romance publicado foi A Serrana Fiel, 1338 de linguagem semelhante à das baladas românticas, texto de que não havia o perigo de haver versões publicadas — porque, como se sabe, foi inventado por Estácio da Veiga. Nele temos 1335 Com o título mudado para “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, o artigo de A Nação foi republicado na Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92, e n’ A Epoca, 23/6/1861, pp. 1-2. 1336 “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp. 9-10. 1337 A Engeitada, ao contrário das quadras, teve boa recepção, e até foi republicada por Braga (ver Cancioneiro Popular colligido da tradição, cit., pp. 147-8) e por Antero (Thesouro Poetico da Infancia, cit., pp. 22-3). 1338 “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2. uma camponesa algarvia, alegre, cantadeira e tocadora de guitarra, que, calçada ao gosto medieval (“com seu borzeguim de seda”) e coroada de flores, vai, pelos campos, até ao baile de S. João. Aí, embora requestada pelos mancebos, mostra-se inabalavelmente fiel ao seu amado (um Dom Beltrão, de garrettiano sabor), que, no fim, para alegria de todos, volta “de matar moiros / Dos campos de Marzagão”. 1339 Com a Moura Encantada de Tavira, 1340 o segundo dos romances publicados por Veiga (também ele sem possibilidades de aparecer “repetido” na colectânea de outro autor, por razões óbvias) temos novamente os festejos de S. João, desta vez os da noite, situados também numa época antiga (com cavaleiros —neste caso um não menos garrettiano D. Ramiro— que vão combater com os Mouros), misturados com uma lenda de mouras encantadas, muito típica do Algarve, passando-se, neste caso, a acção na própria cidade natal de Estácio da Veiga. No terceiro texto publicado (A Senhora dos Mártires Salva um Cativo), 1341 mais uma vez completamente original e de linguagem culta, volta o cenário algarvio, também aqui antigo, com um milagre ingénuo, próprio para enternecer os leitores citadinos, sobretudo os bons católicos d’ A Nação (onde o artigo saiu), que sem dúvida apreciaram a fé sem complicações que o bom povo rural —ao transmitir tal romance— mostrava manter, naquela conturbada época de ateísmo galopante e ataques à Igreja Católica. 1342 O quarto texto a ser publicado por Veiga foi o texto lírico A Enjeitada, cujas características já referimos. No quinto e último artigo, Santo António e a Princesa recolhido da tradição, 1339 1344 1343 (texto verdadeiramente mas de origem culta, de estilo muito pouco tradicionalizado, e, para A escolha desta cidade para a incluir no poema deve-se, provavelmente, ao facto de a ela andarem ligados os próprios antepassados de Veiga, tendo-se um deles, inclusive, distinguido na sua defesa contra os Mouros, como o editor não deixa de informar (ver Romanceiro do Algarve, p. 120; as mesmas informações são repetidas no artigo “Apontamentos”, Gazeta do Algarve, 27/10/1874, p. 3 — ver, no Apêndice nº 1, a respectiva nota de rodapé). 1340 1341 “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2. A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim, A Nação, 18/8/1860, pp. 1-2. 1342 “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp. 1343 “Poesia Popular do Algarve”, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), pp. 83-84. 9-10. 1344 Como prova o facto de o manuscrito dele existente no espólio (escrito por uma mão diferente da de Veiga) ter uma ortografia muito deficiente, impossível de ser copiada dum impresso. 445 mais, adicionalmente retocado por Veiga), volta a aparecer um milagre, desta vez ligado a um santo português, um dos mais amados do povo, duplo facto que muito adequado o torna à publicação numa revista literária. Do panorama de artigos que acabamos de observar, pareceria concluir-se que o projecto de Estácio da Veiga (e, portanto, consequentemente, a sua materialização última: o Romanceiro do Algarve) tem, desde o início, duas vertentes: por um lado, as baladas escritas por ele, mais ou menos inspiradas em temas tradicionais; por outro, os romances recolhidos da oralidade e pesadamente retocados. Quanto aos retoques dos romances tradicionais, Veiga segue, sem dúvida, e com toda a boa-fé, o espírito da sua época, embora preocupações de ordem regionalista e uma concepção demasiado “escrita” do que devem ser as regras da poesia oral o tenham feito ir mais longe nas suas transformações do que, por exemplo, Garrett. Quanto à junção de dois tipos de textos patente no Romanceiro do Algarve, ela deve-se talvez à forma mentis de Veiga, ao facto de, tal como a generalidade dos autores do seu tempo (embora não como o Garrett post 1843), ele ter uma concepção apenas estética, literária, do romanceiro — e, portanto, necessariamente ligada à criação. Daí, talvez, o facto de ele parecer não conseguir (ou não querer?) diferenciar entre textos recolhidos da tradição e textos da sua autoria, quando estes últimos são versificações de textos tradicionais ou quando são textos completamente originais mas sobre temas “populares” (como A Serrana Fiel). É possível que tenha sido, pois, com (certa) boa-fé que Veiga formou uma colecção onde juntou coisas (aos nossos olhos) bem diferentes e a publicou sob um título (para nós) enganador. Ora, para poder publicar um romanceiro do Algarve, era necessário, obviamente, afirmar que todos os textos vinham da tradição, tanto os que aí, na verdade, tinham sido recolhidos, como os inventados. Haverá algum remorso no modo como Veiga faz essas afirmações? Poderemos sempre pensar que, se, para ele, o romanceiro era, apenas literatura, o fingimento não podia deixar de lhe estar inerente — como a toda a literatura. Mas não será que Estácio da Veiga chegou demasiado tarde para poder proceder a todas estas operações com total ingenuidade e, portanto, total boa-fé? O modo como ele actuou nos prólogos do D. Julião ou de Os Calvos parece, de facto, mostrar, no mínimo, certa dose de má-fé. Com efeito, quando ele alude à fonte de onde, sub-repticiamente, traduziu os referidos textos, para (como tudo leva a concluir) se proteger, caso o seu plágio venha a ser descoberto pelo leitor, parece mostrar que, pelo menos em parte, sabia estar a fazer algo incorrecto, mesmo segundo a sua visão do problema. Portanto, que parte de boa-fé, que parte de má-fé haverá no Romanceiro do Algarve? Confessamos que isso é algo que, mesmo depois de 8 anos de lidar com o Romanceiro do Algarve, Veiga e os autores do seu contexto cultural, e de virar e revirar a questão, nos custa a decidir. A verdade —escreveu Oscar Wild — nunca é pura e raramente é simples. E muito poucas vezes esta famosa frase, ao vir-nos à memória, nos pareceu chegar tão a propósito como no caso do Romanceiro do Algarve. A Colecção Manuscrita de Estácio da Veiga e o Futuro Seja como for, a verdade é que, ao sair (por motivos alheios à vontade do autor) apenas em 1870, o Romanceiro do Algarve não correspondeu aos desejos dos seus dois possíveis públicos: os leitores comuns, apreciadores de poesia escrita (para quem a obra foi pensada), 1345 e o grupo, então nascente, de estudiosos ou simples amadores da literatura oral vista dum ponto de vista não exclusivamente estético. Na verdade, no espaço de 15 anos (os que medeiam entre as primeiras ideias da recolha de Veiga e 1870) o gosto literário mudara radicalmente. A balada romântica tinha passado de moda, e, embora, como vimos, continuasse a publicar-se, estava já no seu ocaso, pelo que uma obra inteiramente dedicada a tal subgénero não poderia ter sucesso. Assim se explicará, provavelmente, a indiferença com que o Romanceiro do Algarve foi recebido pelos meios literários. 1345 Além do facto de o método adoptado por Veiga no retoque (e na escrita) dos seus romances deixar adivinhar que é este o público que ele tinha em mente, há, no espólio, um apontamento manuscrito (5 D / 36v) que parece indicá-lo expressamente. Trata-se do rascunho do que esteve para ser a primeira página do Romanceiro do Algarve, e que diz assim: Dedicatoria É ás illustres damas algarvias, que tomo a espontanea liberdade de dedicar esta obra, sob o titulo de Romanceiro do Algarve. Ninguem [sic] eu poderia porventura offerecel-a com melhor presumpção de bom acolhimento e estima, por que, nascido na mesma terra, comprazo-me sobremaneira de conhecer até que ponto são elevados o seu natural espirito, intelligencia, e delicado gosto, os quaes as constituem credoras de outras ainda mais grandiosas offertas. 447 E as coisas não lhe correriam melhor da parte dos estudiosos de literatura oral. Os requisitos pedidos a uma colecção de textos recolhidos da tradição tinham mudado muito, mesmo em Portugal. Aqui, desde 1864-65, com os artigos de Teófilo Braga, e, sobretudo, com a publicação das suas primeiras colecções (1867 e 1869), tinham passado a ser de rigor, por um lado, a fidelidade (ainda que aproximativa) à letra da tradição e, por outro lado, uma decidida visão comparativista com outras colecções, nomeadamente de outros países. O mundo era já outro, e assim se compreende a surpresa escandalizada que o Romanceiro do Algarve provocou em Teófilo Braga, que, em 1871, mostra já não entender (e não é uma figura de retórica) que se publique uma obra destas, feita de versões assumidamente factícias e comentada de modo tão impressionista. Desde a nascença, portanto, o Romanceiro do Algarve foi empurrado para o canto das obras imprestáveis. Braga, logo nesse ano de 1871, escreve: “Foi uma infelicidade para esta provincia [o Algarve] o ser explorada pelo snr. Stacio[sic] da Veiga”. 1346 E Leite de Vasconcelos, em 1882, não é menos duro: “O Romanceiro do Algarve serve apenas de indicação para um futuro investigador fazer uma collecção séria e exacta”. 1347 Tal má opinião não fez mais que consolidar-se com a passagem do tempo e o consequente aumento das condições consideradas indispensáveis para que uma colecção de literatura oral possa ser considerada um válido corpus de estudo. Em 1982, numa panorâmica do romanceiro em Portugal, Pere Ferré escreveu: “Estácio da Veiga, com desastrados e abusivos retoques, elabor[ou] um dos mais polémicos romanceiros portugueses”. 1348 E Costa Fontes exemplifica bem a posição dos investigadores actuais, que afastam do seu corpus as versões publicadas por Veiga. Assim, num artigo de 1996 dedicado ao Testamento de Fernando I na tradição portuguesa, afirma explicitamente: “Since Estácio da Veiga tampered considerably with his version, I have omitted it from this study.” 1349 Enquanto obra literária e enquanto obra de etnoliteratura, o Romanceiro do Algarve está, portanto, desde a sua publicação, duplamente ultrapassado — é esse o seu drama. 1346 1347 Theophilo Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, cit., p. 204, nota 1. J. Leite de Vasconcellos, “Romanceiro, choix de vieux chants portugais, traduits et annotés par le Comte de Puymaigre”, cit., p. 72. 1348 Pere Ferré, “Romanceiro”, Quaderni Portoghesi, 11/12 (Primavera/Autunno 1982), p. 17. 1349 Manuel da Costa Fontes, “The Ballad A Morte do Rei D. Fernando and the Cantar de la muerte del rey don Fernando y cerco de Zamora”, Anuario medieval, 8 (1996), p. 113, n. 17. Mas há motivos, parece-nos, para Estácio da Veiga olhar com esperança o futuro. Por um lado, a sua rica colecção de textos (romances, e também, como vimos, lírica tradicional), formada, em grande parte, pelos manuscritos originais da recolha (incluindo muitos romances inéditos) ou, pelo menos, por cópias pouco retocadas, apresenta-se hoje aos nossos olhos como uma importante fonte para o conhecimento da poesia oral portuguesa em meados do séc. XIX. Por outro lado, ao ter conservado os manuscritos de campo e, também, cópias sucessivamente retocadas de muitos deles, 1350 Estácio da Veiga permite uma análise aprofundada do seu método editorial. Nalguns romances, tal análise poderá fazer-se até em condições absolutamente perfeitas, uma vez que a totalidade dos testemunhos chegou até nós, desde o original de recolha até ao texto de 1870, passando por todos os rascunhos e pelo manuscrito enviado à tipografia. Ora uma das maiores surpresas que tivemos como fruto das investigações no âmbito desta tese foi a de encontrarmos em variados editores de poesia narrativa oral, de variados países e, mesmo, épocas, um método de estabelecimento de texto bastante similar ao de Estácio da Veiga, com características que, muitas vezes, se repetem exactamente de autor para autor. Repare-se que foi só depois de termos feito a nossa primeira análise do método editorial de Veiga 1351 que tomámos contacto com os estudos existentes sobre os métodos de Percy ou Scott, pelo que não se pode dever a influência que da leitura de tais estudos tivéssemos recebido o facto de, na nossa análise, termos chegado a conclusões muito parecidas. Há, de facto, e independentemente de quem as examine, assinaláveis semelhanças entre esses métodos. Como vimos, o método editorial de alguns autores foi já estudado, e até (pelo menos nos casos de Percy e Scott) com certa profundidade, mas, tanto quanto julgamos saber, numa perspectiva sobretudo (para não dizer sempre) individual e não inter-autoral. Tal 1350 Um dos aspectos mais surpreendentes do espólio de Estácio da Veiga é o próprio facto de ele ter chegado até nós, de Veiga não o ter deitado fora, depois de publicar o Romanceiro do Algarve. É possível que o projecto (que menciona no fim da introdução, p. xxxviii) de publicar uma nova edição, “ampliada”, da obra explique que tenha conservado os manuscritos originais dos romances que, em 1870, não publicara; mas a conservação dos originais dos romances que na sua obra já tinham saído impressos, e, mais ainda, a conservação das sucessivas cópias desses originais parece algo só explicável por uma espécie de preocupação de antiquário em conservar tudo o que diga respeito ao passado, sem dúvida relacionável com a faceta de arqueólogo de Estácio da Veiga. 1351 Algarve..., cit. A que forma a parte fundamental da nossa Contribuição para o Estudo do Romanceiro do 449 facto levou a que, salvo erro, nenhum dos anteriores estudiosos da matéria pareça ter-se apercebido de algo que pode constituir um ovo de Colombo, mas não deixa de ser inegável: as grandes semelhanças que, quanto ao estabelecimento do texto, existem entre as colecções de Percy, Walter Scott, Garrett e Estácio da Veiga, casos sobre que mais de perto nos debruçámos, e também entre essas obras e as do bretão La Villemarqué, Lönnrot, 1353 1354 do espanhol Amador de los Ríos, Rodrigues de Azevedo, 1352 1356 ou do norueguês Moe. 1352 do finlandês dos portugueses Teófilo Braga 1355 e 1357 Barzaz-Breiz, 1839. O método editorial deste autor não teve ainda, ao que julgamos saber, o estudo que merece, e que, aliás, é perfeitamente possível, pelo facto de se terem conservado os manuscritos originais de grande parte das baladas que publicou. Acontece que La Villemarqué foi durante muito tempo acusado de falsário, de ter pura e simplesmente inventado a maioria dos textos da sua colecção [ver Francis Gouvril, Théodore-Claude-Henri Hersant de La Villemarqué (1815-1895) et le “Barzaz-Breiz” (1839-18451867). Origines [-] Éditions - Sources - Critique [-] Influences, thèse pour le Doctorat d’ Université (Faculté des Lettres de Rennes), Rennes, Imprimeries Oberthur, 1960]. Por tal motivo, Donatien Laurent, feliz descobridor dos manuscritos de La Villemarqué (há mais dum século procurados e cuja existência chegou a ser completamente posta em causa), optou por estudar esses textos não como um modo de conhecer o método editorial criativo do editor bretão, as enormes transformações que, ao serem publicados, os textos recolhidos sofreram (facto que os manuscritos amplamente documentam), mas como um modo de provar que o BarzazBreiz assenta sobre versões recolhidas da tradição. Esta última realidade, embora seja, com efeito, inegável, parece-nos demasiado sublinhada por Laurent (Aux sources du Barzaz-Breiz. La mémoire d’ un peuple, Douarnenez, ArMen, 1989), que, na nossa opinião, não explorou suficientemente o aspecto mais interessante e novo que os manuscritos de La Villemarqué permitiam estudar (o seu método editorial criativo), e a que se poderia ter dedicado sem remorsos, uma vez que a tradição oitocentista bretã já era suficientemente conhecida pelas obras de Luzel, organizadas sobre bases fiáveis, e não muito posteriores ao Barzaz-Breiz. Diga-se ainda que o contexto da recolha de La Villemarqué apresenta muitos pontos de contacto com o contexto da recolha de Estácio da Veiga, pelo que o estudo interrelacionado de ambas promete ser extremamente iluminador. 1353 Kalevala, 1849. Publicado numa língua que não o finlandês apenas existe, ao que sabemos, o interessantíssimo estudo de Thomas A. DuBois sobre o modo como Lönnrot transformou radicalmente uma balada tradicional para a incluir na Kalevala. Publicado primeiro sob a forma dum artigo [“From Maria to Marjatta: The Transformation of an Oral Poem in Elias Lönnrot’s Kalevala”, Oral Tradition, 8, 2 (1993), pp. 247-288], este estudo foi expandido em dois capítulos na obra do autor Finish Folk Poetry and the Kalevala, New York and London, Garland Publishing, Inc., 1995 (pp. 39-91 e, sobretudo, pp. 93-125). 1354 “Romances tradicionales de Asturias”, 1861. Ao método editorial deste autor dedicou algumas palavras Jesus Antonio Cid (Silva asturiana, I: Primeras noticias y colecciones de romances en el s. XIX, estudio y edición de..., Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal, etc., 1999, pp. 75-6). Tanto quanto sabemos, nada mais existe publicado quanto ao método editorial dum autor do romanceiro espanhol. Tais coincidências poderão, de certo modo, explicar-se como imitação da parte dos princípios de Percy que este expressamente enuncia, imitação que poderá ter sido directa (nos casos de Scott e Garrett, por exemplo) ou indirecta (por exemplo, Veiga, que segue Garrett, que teria seguido Percy). Mas, como vimos, Percy não admitiu ter feito certas transformações que realmente fez, sobretudo o aspecto mais radical delas, e, no entanto, também esse tipo de transformações se vai repetir nos autores seguintes. As semelhanças metodológicas entre os vários editores explicar-se-ão, assim, por uma espécie de poligénese: independentemente de conhecerem as obras e os métodos uns dos outros (facto que, de qualquer modo, terá sido importante, nomeadamente na decisão de formarem versões factícias), os editores, pelo facto de terem em comum certas características (semelhanças a nível de classe social, educação, características pessoais, objectivos com que levaram a cabo as suas recolhas...), acabaram por desenvolver um tipo de método editorial que apresenta bastantes (por vezes muitas) semelhanças. Ora, partilhando o Romanceiro do Algarve, como vimos, numerosos aspectos do seu método editorial com o de várias colecções de poesia oral de diferentes países e épocas, para cujo estudo e entendimento bastantes vezes se não dispõe da quantidade de documentos que possuímos no caso de Veiga, arriscamo-nos a dizer que a importância desta obra a nível europeu não é de modo algum menosprezável. É no duplo aspecto indicado (aproveitamento dos manuscritos originais e estudo do método editorial do autor) que, pensamos, faz sentido encarar, hoje, o labor de Estácio da Veiga. É nessa direcção que gostaríamos de contribuir, preparando, num futuro que esperamos não muito distante, quer a publicação dos manuscritos originais da colecção formada por Estácio da Veiga de romances e também de canções, quer o estudo, numa 1355 Ver as pioneiras e interessantes observações que Cristina Carinhas dedicou a aspectos do método editorial de Braga nos Cantos Populares do Archipelago Açoriano, 1869, Cantos Populares do Brazil, 1883, e Romanceiro Geral Portuguez, 1906-1909 [Ana Cristina Porfírio Carinhas, Romanceiro das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (1825-1960). Edição crítica, Tese de Mestrado, Lisboa, F. C. S. H., Universidade Nova de Lisboa, I, 1994, pp. 90-97]. 1356 Sobre o método editorial de Rodrigues de Azevedo (Romanceiro do Archipelago da Madeira, 1880), ver Ana Cristina Carinhas, op. cit., I, pp. 23-25 e 84-87. 1357 Norske Folkeviser, 1912. Escrito numa língua que nos seja acessível, sobre o método editorial de Moe apenas conhecemos o interessante artigo de Velle Espeland “Oral Ballads as National Literature: The reconstruction of two Norwegian Ballads”, que, a nosso pedido, o autor aceitou publicar nos Estudos de Literatura Oral, 6 (2000), pp. 19-31. 451 perspectiva comparada a nível europeu, do método que ele adoptou na edição dos seus romances. Pensamos que os resultados de ambas as tarefas podem ser muito positivos para o conhecimento da literatura oral, e a elas esperamos dedicar-nos, agora que terminámos a presente tese. Mas isso, obviamente, já é outro romance. APÊNDICE Nº 1: BIBLIOGRAFIA DE ESTÁCIO DA VEIGA 1358 Inéditos Localizados 1359 Recolha de Poesia Tradicional Manuscritos que parecem estar relacionados com a formação do Cancioneiro do Algarve, obra de que, em 1870, Veiga dizia estar “já concluida ha quasi dez annos”. 1360 Hoje na posse da bisneta do autor, Doutora Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira (Lisboa), estes manuscritos (que parecem os originais da recolha e/ou cópias suas) constam de um caderno e de numerosos papéis avulsos, com perto de 600 quadras soltas e 6 canções. Poesia Original Em casa da bisneta do autor, existem os seguintes manuscritos inéditos, que, embora contendo vários poemas saídos em periódicos, constam sobretudo de composições não publicadas: 1358 A partir de dado momento, Veiga passou a assinar sempre as suas obras com “S. P. M. Estacio da Veiga”. Por tal motivo, nas espécies bibliográficas adiante citadas, indicaremos o nome do autor apenas quando o texto estiver assinado de modo diferente (ou quando não estiver assinado). 1359 Não fazemos referência aos manuscritos do romanceiro, do cancioneiro narrativo e das canções líricas extensas, cujo inventário foi fornecido no cap. V. 1360 Ver Romanceiro do Algarve, p. xxxviii. Leite de Vasconcelos parece ter chegado a ver a obra, na forma acabada (Ensaios Ethnographicos cit., I, p. 272), que, entretanto, se deve ter perdido. 454 a) Sebastião Philippes Estacio Martins e Veiga, Tentativas Poeticas (datado de 1849). Manuscrito encadernado, de 131 + i-iv [índice] pp. Contém 64 poesias, nenhuma delas com data própria. b) Sebastião Philippes Estacio Martins e Veiga, Tentativas Poeticas (datado de 1850-1851). Manuscrito encadernado, de 190 pp. Inicia-se com uma “Advertencia”, em prosa (pp. 5-12). Contém 51 poesias, datadas de entre 1849 e 1852, ambos inclusive. c) Manuscrito sem título, não assinado, não datado. Composto por 42 cadernos, soltos, numerados de 1 a 43 (faltam os cadernos nºs 7 e 11; por lapso, há dois cadernos com o nº 17), com um total de 164 pp., não numeradas. Os cadernos têm 4 pp. cada, com excepção dos nºs 8 e 12, que apenas têm 2 pp. O presente manuscrito contém 56 poesias, datadas de entre 1844 e 1872 (a maioria pertence aos anos 50). d) Manuscrito sem título, não assinado, não datado. Fragmento dum caderno. Tem 6 pp. Contém 6 poesias, que constituem novas versões de outras tantas que se encontram nas Tentativas Poeticas de 1850-51. e) A Flor de Montelavar [.] Lenda popular. Manuscrito não assinado, não datado. Composto por 2 folhas soltas, cada uma com 4 pp. É apenas um fragmento, uma vez que o texto pára no fim da última página. f) A Rosa do Mosteiro. Poemetto lyrico em quatro cantos. Datado de 1855. Manuscrito encadernado. Começa por um prefácio, não paginado, de 9 pp. O poema em si está paginado de 1 a 70. No fim, há 6 páginas, não paginadas, de notas. No Museu Nacional de Arqueologia, existe o seguinte manuscrito: Arbustos sem Flor. Versos. sem dúvida muito maior. 1361 1362 1361 Manuscrito datado de 1853. É um fragmento de algo No estado actual, é composto por 9 fólios e contém uma única Espólio de Estácio da Veiga, caixa nº 6, doc. 1. 455 1363 poesia, Tavira, seguida por uma série de notas sobre o texto, que ficam incompletas, terminando a meio duma palavra. Teatro No espólio pertencente à família de Estácio da Veiga, há algumas páginas soltas, com fragmentos do texto duma peça, datada de 1860, que parece intitular-se Um Caballero Particular. A sua acção decorre, aparentemente, em Leganés (localidade que de facto existe, nos arredores de Madrid). Ao princípio, parecia-nos que se tratava duma obra original de Veiga, mas investigações posteriores levam-nos a inclinar-nos a que se trate apenas de tradução duma zarzuela do espanhol Carlos Frontaura (que foi musicada pelo famoso Barbieri). 1364 Na posse da família está também um manuscrito, cremos que encadernado, contendo Os Esposos Roubados, comédia em prosa, em um acto, datada de 1851, que não pudemos ver. 1365 História 1362 Leite de Vasconcelos (op. cit., p. 265) refere ter visto, em casa da família de Veiga, já depois da morte do autor, um manuscrito com o mesmo título que este, contendo poemas datados “de 1850 e anos seguintes”. 1363 Este poema (datado de 1849) encontra-se também nas segundas Tentativas Poéticas (de 1850- 51) antes referidas, e foi publicado em A Illustração. Periodico universal, em 1852, como à frente se verá. 1364 Carlos Frontaura, Un caballero particular, juguete cómico-lírico en un acto, representado por primera vez en Madrid, en el teatro de la Zarzuela en junio de 1858, original de D. ..., música de D. Francisco Asenjo Barbieri, s/l., s/ n., 1858. Infelizmente, não pudemos consultar esta obra (cuja referência retirámos do catálogo em linha da Biblioteca Nacional de Madrid), pelo que não estamos seguros de o texto de Veiga se tratar duma sua tradução. 1365 Nos dois momentos em que examinámos o espólio de Veiga em posse de sua família, este manuscrito não se encontrava aí, tendo sido emprestado pela Doutora Maria Luísa E. V. Silva Pereira à Câmara Municipal de Tavira, que planeia publicar a obra. 456 Campanha Peninsular 1808-1809-1811 e 1812. Memoria dos serviços que fez Sebastião Martins Mestre, restaurador do Algarve, e documentos que o comprovam, assim como varios apontamentos posteriormente colligidos para poder ser ampliada a dita memoria, escripta por seu neto. Manuscrito não datado. Arqueologia 1368 Varias Antiguidades do Algarve. 1366 1367 Manuscrito não datado. É a primeira versão daquilo que veio a ser as Antiguidades Monumentaes do Algarve (ver à frente, impressos). Inéditos cujo Paradeiro se Desconhece Leite de Vasconcelos informa ter visto em casa da família de Estácio da Veiga, já depois da morte deste, dois manuscritos, que, porém, hoje ali se não encontram: a) Versos (poemas “desde 1849 até 1863”), 1369 e b) Arbustos sem Flor (poemas “de 1850 e anos seguintes”). 1366 1370 M. N. A., espólio de Estácio da Veiga, caixa nº 2, doc. 6 A / 1 – 36. É possível que seja o mesmo que a “Memoria historica —ou relação documentada dos relevantes serviços patrioticos de Sebastião Martins Mestre desde a restauração do Algarve em 1808, até ao fim da gloriosa campanha peninsular”, que Estácio da Veiga refere na contracapa do Romanceiro do Algarve como estando “preparada para a impressão”. 1367 Por não serem, estritamente falando, obras a ter em conta numa bibliografia de Veiga, não referimos os numerosos apontamentos avulsos que sobre Arqueologia existem no espólio, nem os cadernos contendo as relações de objectos por ele obtidos nas suas escavações (como, por exemplo, um caderno de 98 fólios existente na caixa nº 4, doc. 2). 1368 M. N. A., espólio de Estácio da Veiga, caixa nº 1, doc. 1. 1369 Ver J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, cit., I, p. 266. 1370 J. Leite de Vasconcellos, op. cit., p. 265. Conforme atrás dissemos, com o título de Arbustos sem Flor, encontra-se, no espólio de Estácio da Veiga guardado no Museu Nacional de Arqueologia, um manuscrito muito fragmentário, datado de 1853. 457 Na contracapa do Romanceiro do Algarve, há uma lista de “Obras do autor [...] Preparadas para a impressão”, onde, além de algumas atrás mencionadas, encontramos: a) “Monchique — Memoria economica-descriptiva da serra, thermas, e villa deste nome”, 1371 b) “Narrativas historicas do Algarve”, c) “Flores sem Fruto — Composições poeticas”, d) “A Captiva de Santa Cruz — Drama historico em cinco actos”. Também na contracapa do Romanceiro do Algarve, há uma lista com as “Obras que se preparam para a impressão”, onde constam: a) “Assumptos litterarios—Publicados em diversos periodicos de Portugal e Hispanha” e b) “Catálogo das plantas de Mafra e Ericeira”. 1371 1372 Esta obra aparece também referida com o título de Memoria Descriptiva das Belezas da Serra Incluindo a Villa e as suas tão Nomeadas Thermas (ver Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, “Estácio da Veiga, a Carta Arqueológica e o Museu do Algarve”, in AA. VV., Noventa Séculos entre a Serra e o Mar, Lisboa, IPPAR, Ministério da Cultura, 1997, p. 26; a autora desconhece, também ela, o paradeiro de tal manuscrito de Estácio da Veiga). 1372 Nas Antiguidades de Mafra (Lisboa, Typographia da Academia, 1879, p. 4), Estácio da Veiga informa que, enquanto viveu naquela vila, se empenhou-se na “exploração da flora local, cujo catalogo já conclui[u]”. 458 Impressos 1373 Textos de Poesia Tradicional Recolhidos e Comentados por Estácio da Veiga “Poesia Popular do Algarve”, 1375 1374 O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2. “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, 1376 A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2. Republicado, com o título de “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, na Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92; e, com este mesmo título, n’ A Epoca, 1377 23/6/1861, pp. 1-2. “A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim”, A Nação, 1378 18/8/1860, pp. 1-2. Republicado em O Agapito, 21/8/1860, pp. 1-3; na Estrella d’ Alva, II, nº 20 (Agosto 1861), pp. 149-152; e n’ A Nação, 16/8/1862, pp. 1-2. “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, 1379 Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp. 9-10. “Poesia Popular do Algarve”, 1373 1380 Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), pp. 83-84. A partir de dado momento, Veiga passou a assinar sempre as suas obras com “S. P. M. Estacio da Veiga”. Por tal motivo, nas espécies bibliográficas adiante citadas, apenas quando o texto estiver assinado de modo diferente, indicaremos o nome do autor. 1374 Incluímos também nesta secção os textos que, embora atribuídos à tradição oral por Estácio da Veiga, as nossas investigações permitiram mostrar serem, afinal, de sua autoria. 1375 Inclui o romance Serrana Fiel. 1376 Inclui o romance A Moura Encantada de Tavira e 16 quadras líricas soltas. 1377 Nas duas republicações, o artigo inclui apenas A Moura Encantada, omitindo-se, pois, as quadras 1378 Inclui o romance A Senhora dos Mártires Salva um Cativo. 1379 Inclui a canção lírica popularizada que começa “Não conheço pai nem mãe / nem nesta terra soltas. parentes”. 459 Republicado n’ A Epoca, 15/6/1861, p. 1. [S. P. M. Estacio da Veiga?], 1381 A Santo Antonio. — Cantiga Popular do Algarve, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), p. 80. Romanceiro do Algarve, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1870. Poesia Original S. P. Estacio M. e Veiga, A uma Rosa, O Jardim das Damas, IV, nº 17 (7/10/1848), pp. 269-270.. S. P. Estacio M. Veiga, A uma Rosa do Japão, O Jardim das Damas, IV, nº 25 (23/12/1848), p. 398. S. P. Estacio M. e Veiga, Ao Vêl-a..., O Jardim das Damas, V (1849), nº 2, p. 32. S. E. M. V., 1382 A uma Nuvem, O Jardim das Damas, V (1849), nº 16, p. 256. S. P. Estacio M. e Veiga, A Adelina, Assembléa Litteraria, nº 30 (20/4/1850), p. 237. S. P. Estacio M. e Veiga, A Julia, Apollo, nº 16 (24/4/1850), p. 64. 1380 Inclui o romance Santo António e a Princesa. 1381 Inclui quatro quadras soltas. O artigo não está assinado. Porém, achamos que se justifica a sua atribuição a Veiga, tendo em atenção o local de recolha das quadras e sobretudo que o autor publicou vários artigos na Estrella d’ Alva, nomeadamente no presente fascículo (ver item anterior) e no seguinte (“Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, cit.). 1382 Estas iniciais representam, sem dúvida, “Sebastião Estacio Martins e Veiga”. Tal atribuição é claramente validada pelo facto de, no citado manuscrito das Tentativas Poeticas (1849), de Veiga, estar incluído (p. 124) este poema. 460 1383 S. P. Estacio M. e Veiga, Não Chores, A Semana, I, nº 19 (Maio 1850), p. 152. Republicado in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças para 1854, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, pp. 126-127; e, com o subtítulo de “romanza” e acompanhada por música (da autoria de José Veloso Dantel e Hortas), in Cesar das Neves e Gualdino de Campos, Cancioneiro de Musicas Populares contendo letra e musica [...], collecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano por...., coordenada a parte poetica por ..., II, Com uma apreciação crítica do Exmº. Snr. Dr. Sousa Viterbo, Porto, Empresa Editora Cesar, Campos & Cª., 1895, nº 208, pp. 88-92. S. P. Estacio M. e Veiga, Á Saudosa Memoria da Exmª. Srª. D. Anna Henriqueta de Sousa e Serra, Falecida em Tavira a 2 de Fevereiro de 1850, Assembléa Litteraria, nº 31 (4/5/1850), pp. 247-248. 1384 S. P. Estacio M. e Veiga, A Sultana, A Semana, I, nº 22 (Junho 1850), p. 176. Republicado na Assembléa Litteraria, nº 33 (15/6/1850), pp. 14-15; e no Boudoir, nº 83 (1865). 1385 S. P. Estacio M. e Veiga, A Ella, Assembléa Litteraria, nº 32 (1/6/1850), p. 7. S. P. Estacio M. e Veiga, N’ uma Noite á Beira-Tejo, Assembléa Litteraria, nº 35 (17/8/1850), pp. 29-30. S. P. Estacio M. e Veiga, Ao Eximio Tenor, o Sr. Ambrosio Volpini, Assembléa Litteraria, nº 37 (21/9/1850), p. 46. 1383 Datado de “6 d’ abril de 1850”. 1384 Datado de “22 d’ abril de 1850”. 1385 O presente número do Boudoir falta na colecção da Biblioteca Nacional. Conhecemos esta segunda republicação do poema apenas por um recorte existente em Factos Historicos, manuscrito da Biblioteca Nacional (Reservados, cota: Cod. 13253), datado, no frontispício, de 1866, não paginado (não obstante o seu título, forma parte da miscelânea O Curioso, a que já nos referimos, tendo, na lombada, a indicação “O Curioso, 22”). À margem do recorte do poema de Veiga indica-se o jornal donde provém, o número do fascículo e a data deste, mas não a página. 461 1386 S. P. Estacio M. e Veiga, Á Muito Insigne Artista a Srª. Drusilla Mugnaini, A Nação, 16/9/1850, p. 4. S. P. Estacio M. e Veiga, A Sahida do Brigue Moçambique. Dedicada a Minha Irmã D. M. D. P. E. M. e V., 1387 A Nação, 24/7/1851, p. 4. S. P. M. S.[sic, talvez por Stacio] da Veiga, A Minha Irmã, 1388 Revista Popular, IV, nº 39 (Outubro 1851), pp. 383-384. O Astro d’ Esperança / Novo hymno /dedicado por seus auctores / á augusta espoza / do / Senhor Dom Miguel de Bragança / a Senhora / Dona Adelaide Sophia / Princeza de Loewenstein-Werteim. / Muzica de Dona Maria Carlota Tulli da Costa / e / poezia / de S. P. M. Estacio da Veiga. / 1851. / Lith. de Lopes & Bastos. R. N. dos M.es Nº 14. Lx.ª 1852. Trata-se duma partitura (com 4 pp.). 1390 Tavira, 1389 A Illustração. Periodico universal, nº 6 (31/3/1852), p. 47. 1391 Despedida de Mme. Novello, Revista Popular, IV, nº 25 (Julho 1851), p. 218. Ao Meu Amigo Ernesto Marecos, Vendo a sua Poesia — Morte d’ Alma, 1392 Revista Popular, VI, nº 32 (1854), p. 254. Rosa ou Estrella, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para 1855, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1854, p. 191. 1386 Datado de “Lisboa 13 de setembro de 1850”. 1387 Datado de 13/7/1851. 1388 Datado de “Lisboa 30 d’ agosto de 1851”. 1389 Na parte do espólio pertencente ao Museu Nacional de Arqueologia, existem dois exemplares desta partitura (cotas: 12 / 3 e 12 / 4). 1390 1391 Datado de “Lisboa, 3 de agosto de 1850”. Embora publicada anónima, esta poesia deve ser de Veiga, pois uma cópia sua encontra-se integrada num livro inédito, a que atrás nos referimos, existente em posse da família (Tentativas Poeticas, 1850-51), onde tem o título Despedida d’ uma Distincta Artista ao Publico Lisbonense (pp. 14-5). 1392 A poesia de Marecos a que Veiga se refere tinha sido publicada na mesma revista, vol. VI, nº 9 (3/9/1853), pp. 69-71. 462 Lamentos. N’ um Album, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para 1856, Lisboa, Typographia Universal, 1855, p. 310. Flor ou Beijo, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para 1857, Lisboa, Typographia Universal, 1856, p. 95. Saudades da Minha Terra. Poesia recitada pelo auctor, em 22 de Junho de 1856, 1393 no theatro da cidade de Tavira, O Povo, 2/8/1856, pp. 1-2. 1394 O Tumulo e a Saudade, O Povo, 28/8/1856, pp. 1-3. A Eugenia, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças LusoBrasileiro para 1858, Lisboa, Imprensa Nacional, 1857, p. 321. Pallida!, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças LusoBrasileiro para o Anno de 1859, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, p. 300. Adeus, Lisboa! Melodia de F. A. N. dos Santos Pinto. / Cantada por M.elle Estelle Baudier / no 1º de Maio de 1859, Lisboa, Typ. Franco-Portugueza, s/ d . É uma pagela. Á Exmª Srª D. A. C. L. 1396 1397 no Dia dos seus Annos, 1395 Almanach da Estrella d’ Alva para o Anno de 1862, Lisboa, Typ. de José da Costa Nascimento Cruz, 1861, pp. 109-110. 1393 Datada de “Tavira — 1856 — Abril — 15”. 1394 Datado de “185...”. 1395 No espólio pertencente ao Museu Nacional de Arqueologia, há dois exemplares desta pagela, um impresso em papel verde (12 / 1) e outro em papel cor-de-rosa (12 / 2). Contém apenas o texto (sem a música, portanto). Em casa da família do autor, há uma cópia do poema, onde o subtítulo é mais completo: “Melodia de F. A. N. dos Santos Pinto, cantada na sala do Café Concerto por Estelle Baudier no dia 1 de maio de 1859”. Trata-se dum manuscrito, sem a música, integrado num conjunto de 42 caderninhos com poemas, que parecem formar uma obra sem título a que antes já nos referimos. Este poema está no caderninho nº 19. 1396 Trata-se muito provavelmente da futura mulher de Estácio da Veiga: Amélie Claranges du Lucotte. 1397 Datado de “1860— novembro— 23”. 463 Republicado na Estrella d’ Alva, III, nº 46 (Fevereiro 1863), p. 365. Já não Creio. No album da Exmª. Srª. D. A. C. L., in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1862, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1861, p. 371. No Baile, Estrella d’ Alva, II, nº 7 (Maio 1861), pp. 51-52. 1398 Republicado em A Epoca, 21/5/1861, p. 2. 1399 A uma Poetisa Hispanhola, Estrella d’ Alva, II, nº 28 (Outubro 1861), p. 216. Já não Amas!, Estrella d’ Alva, IV, nº 5 (Maio 1863), pp. 35-36. 1400 Adeus ao Valle das Furnas. Dedicado ao Exmº Sr. Barão das Larangeiras, in Alexandre Magno de Castilho e Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro (orgs.), Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1865, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1864, p. 371. 1401 No Album de ***, Boudoir, nº 12 (7/3/1864), p. 2. Canto Patriotico. Aos bravos voluntarios de Zambezia, Diario de Noticias, 27/3/1869, p. 2. 1402 1398 Datado de “185... dezembro—11”. 1399 Grande elogio da poesia de Carolina Coronado (de quem, em epígrafe, transcreve dois versos). Datado de “1854—junho—29”. 1400 Datado da “Ilha de S. Miguel”, mas sem indicação de dia, mês ou ano. Por um artigo de jornal (”Chegada”, O Algarviense de 11/11/1863, pp. 3-4), ficamos, porém, a saber que Veiga, que estivera algum tempo nos Açores, de lá regressara em princípios de Novembro de 1863, pelo que o poema é, possivelmente, dessa época. 1401 Datado de “Outubro, 1855”. 1402 É acompanhado por uma nota da redacção, em que se diz: “O nosso amigo e conhecido poeta sr. Estacio da Veiga dedicou aos voluntarios que vão para a Zambezia o seguinte hymno que já está posto em musica pelo sr. Gomes Ribeiro, mestre da banda dos filhos dos soldados”. O poema está datado “Mafra— 1869—Março 1”. 464 [S. P. M. Estacio da Veiga], 1403 Ode a Luiz de Camões em 10 de Junho de 1880, Lisboa, Typographia da Casa Progresso, 1880. Sebastião Philippes Estácio Martins [da] Veiga, 1404 Poesias (ou Banalidades Poéticas), prefácio de Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, [Lisboa/Tavira], Edições Colibri/Câmara Municipal de Tavira, 2000. 1403 1405 Este opúsculo saiu anónimo, embora seja atribuído a Veiga por todos os seus biógrafos. A razão de o autor não o ter assinado deve-se, provavelmente, ao tema da obra em causa. Se não, vejamos: no poema, o sujeito da enunciação começa por saudar as comemorações do centenário de Camões, que então se realizavam, mas lastima que cheguem tão tarde, e diz: “Oh, triste e amargo exemplo aos que ora vivem Á patria devotados, consumindo Em perenne holocausto inteira a vida, Dando ás lettras, á sciencia e ás artes dando Quantos alentos seu engenho cria, Quantas memorias seu esforço alcança, Quantas grandezas o seu genio exalta!” (p. 4) Se a Camões , “o mais alto e raro espirito / Que a lusitana terra tem gerado”, “Só hoje inteira a patria se alevanta”, que acontecerá, interroga-se, aos génios da época contemporânea? “Que premios, pois, aos martyres de agora Reserva a sorte, sempre iniqua e varia?” Depois, narra o regresso de Camões a Portugal, vindo do Oriente, e a sua morte. Conclui que, se hoje houvesse outro como ele, também seria desprezado, “Que o genio, em quanto ha vida, affronta aos vivos, / E só é grande e eximio após a morte!”. Deve ter sido para que não dissessem que Veiga se estava a referir a si e a propor-se à glorificação pública (ele que, aliás, se sentia tão pouco apoiado nos seus trabalhos etnoliterários e arqueológicos — e o escrevia) que o opúsculo saiu anónimo. 1404 No frontispício da obra, falta o “da” antes de “Veiga”. Porém, na capa, no verso do anterrosto (ao indicar-se o título da colecção) e no verso do frontispício (na ficha técnica), o nome do autor aparece sempre com a partícula “da”. 1405 Esta obra (cujo manuscrito, na posse na família do autor, está datado de 1848) é o primeiro volume das “Obras de Sebastião Philippes Estácio Martins da Veiga”. No prefácio, diz-se (p. 7) que tal colecção englobará “a obra literária, inédita” de Veiga. No verso do anterrosto, indicam-se os títulos dos restantes volumes da colecção: Tentativas Poética [sic] I, Tentativas Poética [sic] II e Esposas Roubadas. 465 História S. P. Estacio M. e Veiga, “Historia dos Cavalleiros que Jazem na Egreja Matriz de Sancta Maria de Tavira”, O Jardim das Damas, V (1849), nº 1, pp. 2-3, nº 2, pp. 17-18, nº 3, 1406 pp. 33-34, e nº 4, pp. 49-50. S. P. Estacio M. e Veiga, “A Volta de D. João I para Lisboa. 1389”, Assembléa Litteraria, nº 34 (29/6/1850), pp. 22-23. E. V., “A Procissão do Corpo de Deus na Cidade de Tavira, no Principio do XVI Seculo”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2. “Origem e Festas de Abril”, Estrella d’ Alva, II, nº 3 (Abril 1861), pp. 17-18. 1407 Republicado n’ A Nação, 1/4/1862, p. 1. “Festas de Maio”, Estrella d’ Alva, II, nº 5 (Maio 1861), pp. 33-34. 1408 Republicado n’ A Epoca, 14/5/1861, p. 1; n’ A Nação, 1/5/1862, p. 1; e in Alexandre Magno de Castilho e Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro (orgs.), Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1863, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1862, pp. 178-180. “Campanha do Roussillon, e Invasão Hispanhola em Portugal em 20 de Maio de 1801”, Estrella d’ Alva, II, nº 8 (Maio 1861), pp. 58-59. “Festas de Junho entre Gregos e Romanos”, Estrella d’ Alva, II, nº 10 (Maio 1861), pp. 74-75. 1406 Sobre os cavaleiros cristãos que morreram junto de Tavira, num combate com mouros, e a posterior conquista da cidade por Paio Peres Correia. 1407 Sobre as festas de Abril na Roma antiga. 1408 Sobre estas festas na Antiguidade e também no seu tempo, nomeadamente no Algarve. 466 Republicado n’ A Epoca, 13/6/1861, p. 1. “Gibraltar e Olivença. Apontamentos para a historia da usurpação destas duas 1409 praças coordenados por...”, A Nação, 26/1/1863, p. 1, 27/1, p. 1 e 28/1, pp. 1-2. Gibraltar e Olivença. Apontamentos para a historia da usurpação destas duas praças coordenados por..., Lisboa, Typographia da Nação, 1863 S. F.[sic] M. Estacio da Veiga, “Commemoração Dedicada á muito Notavel e 1410 Florescente Villa de Olhão da Restauração. 1808—18 de Junho”, Gazeta do Algarve (Lagos), 28/1/1874, pp. 1-2 e 4/2/1874, pp. 1-2. Republicado, com o título de “18 de Junho”, n’ O Porvir, nº 2 (4/11/1888), pp. 1-2, 1411 e nº 3 (11/11/1888), pp. 1-2. Arqueologia [S. P. M. Estácio da Veiga] 1409 1412 , “Emerita Augusta”, A Nação, 26/9/1859, p. 3. 1413 São excertos do opúsculo com o mesmo título (ver item seguinte), que iria sair brevemente. A partir de 26/2/1863, aparece em vários números d’ A Nação um anúncio publicitando a obra em causa. 1410 Sobre a revolta de Olhão contra os Franceses e o combate da ponte de Quelfes (travado em 18/6/1808). Dá muito relevo à figura de Sebastião Martins Mestre, avô paterno de Veiga. Está datado de “Mafra, 18 de junho de 1871”. 1411 No nº 2 do jornal, p. 2, o artigo não assinado (mas sem dúvida da responsabilidade da redacção) “O Nosso Folhetim” diz: “Chamamos a attenção dos nossos leitores para o folhetim que hoje começamos a publicar. Cópia de um manuscrito que em 1871 foi offerecido á camara municipal d’ este concelho pelo distincto archeólogo algarvio, o sr. Estacio da Veiga”. 1412 Embora não assinada, esta notícia é muito provavelmente de Estácio da Veiga, pela referência que faz a um achado na quinta de Torre d’ Ares, que pertencia a um primo de Veiga, e onde este, aliás, fez escavações. Note-se que no mesmo ano de 1859, há, n’ A Nação, mais algumas curtas notícias arqueológicas, também não assinadas, que talvez se devam a Veiga. Por exemplo, no nº de 30/3/1859, p. 3, sob o título “Archeologia”, dá-se conta de em Espanha (segundo informações dum jornal desse país) se terem descoberto recentemente sepulcros, moedas e uma via, todos romanos. 467 “Municipio de Calahorra. Moeda Romana”, Estrella d’ Alva, II, nº 4 (Abril 1861), pp. 27-28. 1414 “Nota Vigessima [sic] Quinta: Hercules, e os Seus Templos” in Publio Ovidio Nasão, Os Fastos, traducção em verso portuguez por Antonio Feliciano de Castilho, seguidos de copiosas annotações por quasi todos os escriptores portuguezes contemporaneos, Lisboa, Por Ordem e na Imprensa da Academia Real das Sciencias, Tomo I, Parte II, 1862, 1415 pp. 469-78. E. da V., “Vestigios de Edificações Romanas na Aldêa de Quarteira, na Costa do Algarve”, A Nação, 16/4/1862, p. 1. 1416 Povos Balsenses. Sua situação geographico-physica indicada por dous monumentos romanos recentemente descobertos na Quinta da Torre d’ Ares distante seis kilometros da cidade de Tavira, Lisboa, Livraria Catholica [é o que está no frontispício; na capa está 1417 Imprensa Nacional], 1866. “Duas Palavras em Memoria do Principe dos Archeologos [,] A. de Caumont. Elogio lido em sessão publica e solemne de 6 de Maio de 1875, pelo antigo socio...”, Boletim Architectonico e de Archeologia da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, 2ª série, I, nº 7 (1875), pp. 97-100. 1413 1418 Sobre uma moeda romana muitíssimo rara (“um meio bronze” de Augusto, cunhado em Mérida), “encontrad[a] ha dois annos na quinta da Torre d’ Ares, a uma legua de Tavira”. 1414 Sobre esta cidade espanhola na época romana. Dá imagem duma moeda (“que pertence á minha pequena collecção de moedas antigas”, p. 27), a qual prova que Calahorra era município no tempo de Augusto. 1415 Esta “nota” (ao v. 3, p. 59, do poema de Ovídio) versa fundamentalmente sobre ruínas existentes em Budens, perto do Cabo de Vicente. 1416 Fala dumas ruínas há pouco postas a descoberto pelo mar, na praia de Quarteira. Defende que ali foi em tempos uma povoação romana, talvez “a Cartéia dos fenicios [,] karthaginezes e romanos.” 1417 1418 16/4/1874. Sobre a cidade romana de Balsa, situada perto de Tavira. Caumont, arqueólogo francês e estudioso da arquitectura religiosa medieval, falecera a 468 Antiguidades de Mafra ou relação archeologica dos caracteristicos relativos aos povos que senhorearam aquelle territorio antes da instituição da monarchia portugueza. Memoria apresentada á Academia Real das Sciencias de Lisboa, por..., Lisboa, Typographia da Academia, 1879. Republicado em edição facsimilada, com introdução de Victor S. Gonçalves e Ana Catarina Sousa, s/l., Mar de Letras, 1996. Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga, Memoria das Antiguidades de Mertola Observadas em 1877 e Relatadas por..., Lisboa, Imprensa Nacional, 1880. Republicado em edição facsimilada (com, na capa e no frontispício moderno, o título de Memórias [sic] das Antiguidades de Mértola), s/l., Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Câmara Municipal de Mértola, 1983. A Tabula de Bronze de Aljustrel [,] lida, deduzida e commentada em 1876. Memoria apresentada á Academia Real das Sciencias de Lisboa por..., Lisboa, Typographia da Academia, 1880. 1419 Sem título, O Algarve Illustrado, nº 2 (15/6/1880), p. 7. Archeologia. Projecto de legenda symbolica para a elaboração e interpretação da carta de archeologia historica do Algarve, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1885 [é separata do Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, XLI (1885)]. 1419 Trata-se duma carta, datada de Lisboa, 10/6/1880. Promete dar, em breve, notícias sobre o “museu archeologico do Algarve” aos seus “mui estimados conterraneos, por isso que, muito a meu pesar, ficaram privados de assistir a uma instituição que exclusivamente lhes pertencia”. Nos restantes números destas revista existentes na Biblioteca Nacional, nada mais há de Veiga. Como ele próprio informa [ver “Antiguidades Monumentaes do Algarve”, O Archeologo Português, IX, 7-10 (Julho-Out. 1904), p. 204], o Governo deu sempre respostas desfavoráveis às várias diligências feitas a fim de transferir para Faro o Museu Arqueológico do Algarve, que, fundado por Veiga, em Lisboa, em 1880, foi encerrado um ano depois e guardado em caixotes [sobre o museu, ver Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos Silva Pereira, O Museu Archeologico do Algarve (1880-1881). Subsídios para o estudo da museologia em Portugal no séc. XIX, Faro, suplemento dos Anais do Município de Faro, 1981]. 469 Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga, Antiguidades Monumentaes do Algarve. Tempos prehistoricos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886-1891, 4 vols. Estacio da Veiga, Programma para a Instituição dos Estudos Archeologicos em 1420 Portugal, s/ l., s/ n., s/ d. Republicado em fac-símile in Victor dos Santos Gonçalves, Estácio da Veiga: um programa para a instituição dos estudos arqueológicos em Portugal (1880-1891), Lisboa, Congresso Nacional de Arqueologia / Centro de História da Universidade de Lisboa / Cooperativa Editora “História Crítica”, 1980. 1421 “Antiguidades Monumentaes do Algarve”, O Archeologo Português, IX, 7-10 (Julho-Out. 1904), pp. 200-10; X, 1-2 (Jan.-Fev. 1905), pp. 6-14; X, 3-5 (Março-Maio 1905), 1422 pp. 107-18; e XV (1910), pp. 209-33. Botânica Plantas da Serra de Monchique Observadas em 1866, extracto do Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, VI (1869) e VII (1869 [sic]), 2 vols., s/l., s. n., s/ d. 1423 1420 No fim do opúsculo (p. 16), diz-se: “É este o prefacio do quarto volume das Antiguidades monumentaes do Algarve” (trata-se, de facto, das pp. 1-16 desse volume). 1421 Embora a sua descrição bibliográfica possa ser enganadora, este opúsculo consiste na republicação da referida obra de Veiga, com uma introdução de V. Gonçalves (pp. vii-xii). 1422 Leite de Vasconcelos, director da revista, informa (vol. IX, pp. 200-1), que, do projectado V vol. das Antiguidades, Estácio da Veiga “apenas deixou redigidos por inteiro os quatro primeiros capitulos, e parte do 5º”. São esses inéditos que aqui se publicam. 1423 Estes dois opúsculos (de 11 e 22 pp., respectivamente), separatas da referida revista, constituem um catálogo das plantas da Serra de Monchique, com o nome latino e as várias designações que têm em português. 470 Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga, Orchideas de Portugal. Memoria apresentada á Academia Real das Sciencias de Lisboa por..., Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1886. 1424 VARIA Texto sobre o Algarve, 1425 in José Maria Latino Coelho, Encyclopedia das Escolas d’ Instrucção Primaria, composta por distintos escriptores sob a direcção do sr...., Lisboa, No Escriptorio de Francisco Arthur da Silva, 1857, pp. 271-2. “Lelia”, 1426 “A Lelia”, 1424 1425 A Nação, 9/6/1859, p. 3. 1428 1427 A Nação, 28/6/1859, p. 2. A obra inclui 36 estampas ilustrativas das flores que descreve. Inocêncio (Diccionario Bibliographico, cit., VII, p. 221) informa que Veiga foi um dos colaboradores desta Encyclopedia. Ora, nenhum dos textos do livro está assinado, e na introdução também se não diz quem são os colaboradores. Porém, num texto dedicado ao Algarve, dá-se grande relevo a Sebastião Martins Mestre e José Lopes de Sousa, a quem “coube a gloria de serem considerados restauradores do Algarve [...] por haverem com seu proprio esforço, movidos do amor de liberdade patria, expulso daquelle reino [o Algarve], sem auxilio de estrangeiros, as tropas francezas, que no principio do corrente seculo invadiram toda a peninsula hispanica; morrendo o primeiro (sem a menor recompensa honorifica) assassinado em Villa Real de Santo Antonio, em 27 de setembro de 1834, por motivos politicos” (p. 271). São estas (com excepção do Infante D. Henrique) as únicas pessoas cujo nome se cita no texto, o que é caso para fazer pensar, sobretudo pelo destaque que se dá à morte de Mestre, até com indicação do dia. Acontece que Sebastião Martins Mestre foi avô de Estácio da Veiga, e este, tentando reabilitar a memória do seu antepassado (preso por absolutista e assassinado pelas sevícias que praticara contra os liberais), sobre ele escreveu várias vezes, em termos muito parecidos com os do extracto anterior. Por exemplo, na “Commemoração Dedicada á muito Notavel e Florescente Villa de Olhão da Restauração. 1808—18 de Junho” (Gazeta do Algarve, 4/2/1874, p. 1), Veiga diz que a Lopes de Sousa e Martins Mestre deveria ser dado o “titulo de ilustres chefes da restauração do Algarve”, o que lembra muito a expressão “coube[-lhes] a gloria de serem considerados restauradores do Algarve” presente, como vimos, no texto anónimo da Encyclopedia das Escolas d’ Instrucção Primaria. Parece-nos, pois, atribuível a Veiga o referido texto sobre o Algarve. 1426 Embora não esteja assinado, é possivelmente de Veiga. Ver o subcapítulo que dedicámos à polémica de Veiga com o Archivo Universal. 1427 Dá-se notícia da próxima publicação da tradução portuguesa da obra de George Sand com aquele título, referindo-se “a boa nomeada que este romance tem alcançado”. 471 “Esperteza Digna de Archivo”, 1429 A Nação, 6/7/1859, p. 3. “Últimas Palavras ao Archivo Universal”, 1430 A Nação, 18/7/1859, p. 3. “Ainda Algumas Palavras ao Archivo Universal”, [Carta ao jornal], A Nação, 23/5/1860, p. 2. “Necrologio”, A Nação, 12/9/1860, p. 3 1431 A Nação, 2/8/1859, p. 3. 1432 1433 “Monumentos a Luiz de Camões”, A Nação, 20/10/1860, p. 1. 1434 Republicado em A Epoca, 21/10/1860, pp. 2-3. 1435 “Portugal”, Estrella d’ Alva, II, nº 1 (Abril 1861), pp. 2-3. 1428 Embora não esteja assinado, é provavelmente de Veiga. De facto, no espólio (cota: 5 E / 7) existe o rascunho, incompleto, dum texto em que se explica que, em tempos, o jornal elogiara a próxima publicação de Lelia, apenas porque não sabia que “esta obra se achava reprovada pela egreja”. Ora o presente artigo tem como fulcro a mesma questão. Note-se, porém, que o texto manuscrito não corresponde, do ponto de vista discursivo, ao artigo “A Lelia”. 1429 Embora não assinado, é sem dúvida de Veiga, como prova o rascunho deste texto existente no seu espólio (cota: 5 E / 8 r-v). 1430 O artigo não está assinado, mas a expressão “as rapsodias, que colligimos no Algarve” revela ser ele da autoria de Veiga. 1431 Embora não assinado, é sem dúvida de Veiga, pois alude a coisas que escreveu no artigo anterior. 1432 Datado de 19/5/1860. No espólio de Veiga, existe o rascunho desta carta (cota: 5 C / 43 a-c). Tem várias diferenças em relação ao impresso. Fala dos problemas do Algarve e de, em 1856, quando esteve em Tavira, ter proposto à Santa Casa da Misericórdia que aproveitasse o devoluto convento de S. Bernardo para asilo de mendicidade (ver, à frente, o artigo publicado, também n’ A Nação, em 10/4/1862). 1433 Datado Lisboa, 9/9/1860. A propósito da morte do antigo brigadeiro miguelista António José Vaz Velho, natural de Tavira. 1434 Datado de Lisboa, 19/10/1860. É recensão muito elogiosa do vol. I das Obras de Camões organizadas pelo Visconde de Juromenha, que acabava de sair. Refere-se também à estátua do poeta, por Vítor Bastos, cuja inauguração, no Chiado, estava para breve. 1435 Contra o projecto da União Ibérica. 472 Republicado n’ A Nação, 16/4/1861, p. 2; no Almanach da Estrella d’ Alva para o Anno de 1862, Lisboa, Typ. de José da Costa Nascimento Cruz, 1861, pp. 76-79; em Gibraltar e Olivença (q. v.), do próprio Veiga, como prefácio, pp. iv-vii; e n’ A Epoca, 1436 5/3/1863, pp. 1-2. “Brios Heroicos de Portuguezas”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), p. 10. 1437 “Revista Litteraria. Brios Heroicos de Portuguezas, por Antonio Pereira da Cunha”, Estrella d’ Alva, II, nº 26 (Setembro 1861), pp. 198-200. Reproduzido n’ A Nação, 23/1/1862, p. 1. 1438 “Agora sim que o Algarve vai Começar a Prosperar!”, 1439 A Nação, 10/4/1862, p. 3. Estacio da Veiga, “Theatro Normal”, A Nação, 31/5/1862, pp. 1-2. 1440 1441 Estacio da Veiga, “Theatro Anormal”, A Nação, 18/12/1862, pp. 1-2. 1436 Neste último jornal, vem acompanhado por umas palavras introdutórias, muito elogiosas, de F. Teixeira Viegas. 1437 Noticia que vai sair a obra homónima d’ “o nosso bom amigo [António] Pereira da Cunha” e refere o seu tema. 1438 Recensão muito elogiosa. Veiga deixa aqui claramente expressas as suas opiniões anti-iberistas. Datada de “Cintra—1861—Setembro—14”. 1439 Notícia, não assinada, sobre o encerramento definitivo do mosteiro de Nossa Senhora da Piedade, em Tavira, e sua incorporação nos bens nacionais. Diz que a Santa Casa da Misericórdia de Tavira, “a quem foi suscitada em 1858 a idéa de requerer a apropriação do dito mosteiro com suas pertenças, para nelle instituir um asylo de caridade que servisse de amparo aos desgraçados da provincia, não quiz figurar neste assumpto.” Insta a Câmara Municipal a que requeira para si esse mosteiro, para um “asylo de mendicidade, ou um collegio de educação para orfãs desamparadas.” Fala ainda do “vergonhoso estado de abandono e profanação” a que chegou o convento de S. Francisco, em Faro. A possível atribuição deste artigo a Veiga baseia-se nas semelhanças que apresenta com a carta aberta que, por ele assinada, o mesmo jornal A Nação publicara a 23/5/1860 (q. v.). Nessa carta, como dissemos, Estácio da Veiga informava ter proposto, em 1856, à Santa Casa da Misericórdia de Tavira que aproveitasse o devoluto convento de S. Bernardo para asilo de mendicidade. 1440 Crítica, bastante favorável, ao drama de Ernesto Biester Cora ou a Escravatura. Estreado a 22 de Maio daquele ano, era uma peça anti-esclavagista. 1441 Crítica, bastante negativa, ao melodrama de César de Lacerda Homens do Mar. 473 “Apontamentos”, 1442 1442 Gazeta do Algarve, 27/10/1874, p. 3. Este artigo —não assinado— constitui a genealogia de João Valentim Estácio da Veiga e a sua biografia. Em nota da redacção, diz-se que devem este artigo “à obsequiosidade d’ um sobrinho do sr. João Valentim Estacio da Veiga”. Trata-se muito provavelmente de S. P. M. Estácio da Veiga. O nosso autor era, de facto, sobrinho de João Valentim, pois que filho do irmão deste, José Agostinho Estácio da Veiga. Não consta que, na época em que este artigo foi escrito, houvesse outro sobrinho de João Valentim tão adequado para escrever um artigo de jornal como S. P. M. Estácio da Veiga, quer por ter sido jornalista, quer pelo seu interesse por assuntos históricos. Além disso, há vários passos deste artigo que retomam algo a que poderíamos chamar idiossincrasias de Veiga, que, não muito a propósito, aparecem também em escritos por ele assinados. Na verdade, no artigo diz-se que João Valentim era bisneto de Rui Fernandes Estaço, fidalgo da casa real, “cavalleiro da praça de Mazagão [...] ao qual el-rei D. João V conferiu varias tenças por ter vencido na barra de Azamor em combate naval a 19 de agosto de 1727 um corsario mourisco que ameaçava Mazagão”. Ora, no Romanceiro do Algarve (p. 120, n. 1), Veiga, depois de ter falado do “ultimo cerco” posto pelos Mouros a Mazagão (no tempo do domínio português), aproveita para dizer aos leitores: “O meu terceiro avô paterno Roque Fernandes Estaço, fidalgo e cavalleiro da praça de Mazagão, assistiu a este cêrco, bem como em 19 de agosto de 1727, tendo saído da praça contra um navio de guerra mourisco, o foi esperar á barra de Azamor, e ahi o venceu [...] Por este e outros serviços lhe eram pagas varias tenças pelo almoxarifado de Mazagão.” Noutra parte, o articulista anónimo escreve que João Valentim descendia dos Estaços, “que se distinguiram na conquista do Algarve em tempo de el-rei D. Affonso III”. Ora, S. P. M. Estácio da Veiga, numa passagem da Memoria das Antiguidades de Mertola, cit., p. 151, não deixa escapar a ocasião de informar que, por parte do pai, descendia duma família nobre algarvia, que entroncava em “D. Pedro Estaço, rico-homem, que assistiu com el-rei D. Affonso III á conquista de Faro”. Finalmente, o cuidado com que o anónimo articulista, cada vez que fala dum membro da família, acrescenta sempre o epíteto de “fidalgo da casa real”, faz, sem dúvida, lembrar o “moço-fidalgo com exercicio na R[eal] C[asa] de S[ua] M[ajestade] F[idelissima]” que Veiga houve por bem colocar por baixo do seu nome na página de rosto do Romanceiro do Algarve. É de recordar, ainda, que a mesma Gazeta do Algarve em que apareceu este artigo anónimo publicara, em 28/1 desse ano, um artigo claramente assinado por Veiga (“Commemoração Patriotica...”, q. v.). A propósito de tal texto, a redacção do jornal referira-se (p. 3 desse número), aliás, a Estácio da Veiga com palavras muito lisonjeiras, chamando-lhe “distincto escriptor, bem conhecido no meio litterario do paiz”. 474 APÊNDICE Nº 2: BALADAS ROMÂNTICAS DE AMBIENTE ANTIGO OU TEMA POPULAR (1828-1870) Não incluimos no corpus da balada romântica os poemas narrativos muito longos, em vários cantos, ainda que de acções localizadas em épocas antigas (quase sempre —com excepção do D. Jayme— a Idade Média), de que, no período cronológico em análise, existem vários exemplos. Dado que, no entanto, poderá ter interesse, apresentamos em nota a lista daqueles que encontrámos durante as nossas pesquisas. 1443 1443 [Almeida Garrett], D. Branca, ou A Conquista do Algarve, obra posthuma de F. E., París, Casa de J. P. Aillaud, 1826. Joseph Maria da Costa e Silva, Isabel, ou a Heroina de Aragom, Lisboa, Impressão Regia, 1832. A. Feliciano de Castilho, A Noite do Castello, e Os Ciumes do Bardo, poemas, seguidos da Confissão de Amelia, traduzida de Mlle. Delfine[sic] Gay, Lisboa, Typ. Lisbonense, 1836 (desta obra, incluimos, no nosso corpus, Os Ciumes do Bardo, dado ser um poema curto). José Maria da Costa e Silva, Emilia, e Leonido, ou os Amantes Suevos, Lisboa, Typographia de A. S. Coelho & Comp.ª, 1836. José Maria da Costa e Silva, O Espectro ou a Baroneza de Gaia, Paris, Em Casa de Guiraudet e Jouaust, 1838. Fernando Luiz Mousinho de Albuquerque, Reullura, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1840. José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz, O Castello do Lago. Poema, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1841. L[uiz] da S[ilva] Mousinho d’ Albuquerque, Ruy[,] o Escudeiro. Conto, Lisboa, Typ. da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1844. Antonia Gertrudes Pusich, Olinda, ou a Abbadia de Cumnor-Place, poema original em cinco actos, Lisboa, Na Typographia de G. M. Martins, 1848. Thomaz Ribeiro, D. Jayme ou A Dominação de Castella, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1862. Theophilo Braga, A Ondina do Lago. Poema de cavalleria, Porto, Typographia Commercial, 1866. Ernesto Marecos, O Thesouro de Fafnir. Legenda extrahida das tradições germanicas ácerca da morte de Attila, Lisboa, Typographia do Futuro, 1866. 476 Devido à sua extensão relativamente grande, tivemos muitas dúvidas sobre se deveríamos incluir ou não no corpus a Adozinda (referimo-nos ao poema assim intitulado, e não a todo o conteúdo da obra publicada em 1828, uma vez que aí surge também o Romance de Bernal e Violante, cuja pequena extensão lhe garantia necessariamente um lugar no nosso corpus). Decidimo-nos, finalmente, pela inclusão de Adozinda, dado o papel que a este poema costuma ser atribuído nas origens do género baladístico romântico. Tenha-se presente que, no corpus, quando dizemos sobre determinado item que é uma republicação, não se entenda que, necessariamente, o texto se mantém sem alterações em relação ao da primeira publicação. Na verdade, com certa frequência, é precisamente o contrário que se passa, havendo mesmo casos de baladas em que há enormes diferenças entre as duas publicações. Embora não tenhamos procedido a uma comparação sistemática dos textos, apercebemo-nos por vezes dessas remodelações, mas raramente as assinalámos em nota, uma vez que, para o nosso objectivo de estabelecer uma cronologia da balada romântica, tal facto não era relevante. Nenhum dos items presentes neste corpus é citado a partir duma fonte secundária, ou seja, todos eles foram por nós vistos pessoalmente, pelo que garantimos a sua existência. 1828 [Almeida Garrett], Adozinda. Romance, Londres, Em Casa de Boosey & Son e de V. Salva, 1828. Inclui: Adozinda (pp. 1-101). Poema em quatro cantos, rimáticos vários; 1444 em heptassílabos, de esquemas 1445 e Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular antiquissima, e no mesmo stylo (pp. xxxiii-xlvii). Em quadras de tipo tradicional. 1444 1446 Na 2 ª ed., de 1843 (q. v.), os “cantos” passam a chamar-se “cantigas”, pela razão que adiante veremos. 1445 1446 Baseado numa versão tradicional de Silvana + Delgadinha (que se transcreve nas pp. 107-113). Baseado numa versão tradicional de Bernal Francês + Aparição (que se transcreve nas pp. xxvi- xxxii). Por “quadras de tipo tradicional” entendemos quadras de heptassílabos, de esquema rimático ABCB. 477 1836 A. F. de Castilho, A Noite do Castello, e Os Ciumes do Bardo, poemas, seguidos da Confissão de Amelia, traduzida de Mlle. Delfine[sic] Gay, Lisboa, Typ. Lisbonense, 1836. Inclui: Os Ciumes do Bardo (pp. 153-168). Em decassílabos brancos. 1447 J. B. L. d’ Almeida Garrett, Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular antiquissima, e no mesmo estylo, O Correio das Damas, I, nº 22 (15/11/1836), pp. 173-176. Republicação do texto saído em 1828. 1838 Antonio Feliciano de Castilho, Quadros Historicos de Portugal, Lisboa, Na Typographia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1838. Inclui: um poema sem título (pp. 19-20), integrado no “quadro” intitulado “Jornada de Ourique (Anno 1139)” (pp. 17-24). É um romance, 1448 embora os versos estejam agrupados em sextilhas de heptassílabos, sendo além disso diferente a assonância em cada uma das 1449 cinco tiradas que formam o texto; e o Rimance da Senhora da Nazareth (pp. 50-51), integrado numa nota relativa ao “quadro” intitulado “D. Fuas Roupinho” (pp. 49-52). Exceptuando o prólogo e o final, é um 1447 Embora não situado temporalmente de modo explícito, este poema parece de ambiente antigo (o bardo tem um manto — ver p. 153). Note-se que este texto é, na sua maior parte, lírico (monólogos do bardo contra a amada). Como se vê pelo título, este volume inclui, na primeira parte (pp. 1-136), A Noite do Castello, poema narrativo em quatro cantos. Embora de ambiente medieval, a sua grande extensão impede-o de ser colocado no grupo das baladas, e que, por isso, não o tomámos em consideração. 1448 1449 O próprio autor o designa assim (ver p. 23). O poema tem como tema a conquista de Coimbra por Fernando de Leão e é cantado por um cavaleiro, personagem do conto. 478 romance 1450 (embora com os versos agrupados em quadras), com rima igual em cada uma das suas cinco tiradas. 1451 [Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento], Commercial Portuense, 1838. 1452 Dona Lianor, Porto, Typographia 1453 Em quadras de tipo tradicional. 1454 F[rancisco] L[opes] d’ A[zevedo Velho da Fonseca], 1455 Amor e Receio. Conto, Revista Litteraria, I, nº [1] (15/7/1838), pp. 62-70. Em decassílabos brancos. 1450 1456 “Rimance”, aliás, se lhe chama no título e, além disso, na última quadra, v. 1, diz-se, em referência ao próprio poema: “Fenece o rimance da historia mui pia”. 1451 Sobre este poema (versificação duma lenda sobre o rei Rodrigo), ver o que escrevemos atrás, no cap. VIII. 1452 A obra foi publicada anónima. Porém, o exemplar que dela existe na Biblioteca Nacional tem, na capa, a indicação, a lápis, do nome do autor. Além disso, tal poema foi republicado n’ O Romanceiro Portuguez, I, de Moraes Sarmento, em 1841, com o título de O Conde de Ourem (q. v.). 1453 No presente opúsculo, pp. 1-4, há, sobre o poema, um texto em prosa, não assinado, que se vê não ser do autor do poema. Por vários passos desse texto, pareceria que a Dona Lianor saiu numa revista e que o texto seria uma nota dos directores, constituindo o opúsculo, portanto, uma separata. Eis dois extractos do texto introdutório: “O lindo Romance, com que entendemos recrear os nossos leitores” (p. 1) e “Muito sentimos ter de deixar de publicar o nome do auctor de D. Lianor [...] obedecemos forçados á condição que nos foi imposta, e que religiosamente observamos de occultar-lhe o nome” (p. 3). Tenha-se em mente, ainda, que quatro “romances” de Morais Sarmento saíram na Revista Litteraria (os dois primeiros, para mais, igualmente em 1838 — q. v.), e que na mesma revista saíram, também nesse ano de 1838, dois dramas seus, de que se fizeram separatas impressas precisamente pela mesma tipografia (Typographia Commercial Portuense) que imprimiu este opúsculo, separatas essas que, além disso, têm um aspecto gráfico igual ao do presente opúsculo. Pareceria, então, que a Dona Lianor teria saído também na Revista Litteraria; porém, assim não aconteceu (a colecção deste periódico existente na Biblioteca Nacional não tem falhas). É possível, contudo, que essa publicação tenha estado prevista e da composição tipográfica se tenha mesmo feito uma separata (o presente opúsculo), mas que, por motivo que desconhecemos, o texto tenha acabado por não sair na revista. Note-se, de qualquer forma, que o poema ocupa 33 páginas, o que provavelmente seria demasiado para poder sair numa revista. 1454 1455 O poema é sobre Leonor Teles e o assassínio do conde Andeiro. Literariamente mais conhecido pelo seu título: Visconde (e depois Conde) de Azevedo. 479 [Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento], 1457 A Duqueza de Bragança. Romance historico, Revista Litteraria, I, nº [3] (15/8/1838), pp. 165-178. Em quadras de tipo tradicional e em quadras de heptassílabos de rima duplamente cruzada. 1458 1456 Sobre os amores do pagem Eginhardo com Emma, filha de Carlos Magno. Conta o célebre episódio em que Emma transporta o pagem às costas, para ele não deixar pegadas na neve, ao sair dos aposentos dela. No fim, casam. Não é impossível que um tema estrangeiro como este tivesse chegado ao autor português através de qualquer texto poético, talvez francês, pelo que Amor e Receio poderia ser mesmo uma tradução mais ou menos livre. De notar que sobre a história dos amores do secretário de Carlos Magno com a filha deste há um longo poema narrativo do chamado genre troubadour escrito por Millevoye: Emma et Éginard, inicialmente incluído, ao que parece, em Recueil d’ élégies, 1811 (pode ler-se em Millevoye, Oeuvres, précédées d’une notice par M. Sainte-Beuve, Paris, Garnier Frères, s/d., pp. 283-296). O texto de Millevoye deve ter sido famoso em Portugal, já que Garrett o menciona duas vezes (cf. Romanceiro, I, p. xvi, e II, p. 154) como se fosse uma referência perfeitamente clara para os seus leitores. Porém, aquele poema nada tem a ver com o de Azevedo, a não ser, em linhas gerais, a história. O poema português, note-se, embora apresentando um episódio claramente romântico, tem com frequência um tom cómico e uma linguagem pouco “poética”. Vejamos um exemplo (p. 67): “Andava Carlos Magno malucando N’ uma nova Campanha contra os Mouros. Estes Mouros jámais se despegavão Do bestunto do Rei, era o seu fraco!...” Esta linguagem, longe de romântica, é muito mais típica de certos textos satíricos neoclássicos, e não esqueçamos que o poema é todo ele em decassílabos brancos, verso bem arcádico, como se sabe. Aliás, os restantes poemas que se conhecem de Lopes de Azevedo (recolhidos na obra Distracções Poeticas, à frente mencionada quando indicamos a republicação do presente texto em 1868) são neoclássicos. Amor e Receio poderia, então, ser um poema romântico francês, de um qualquer poeta do chamado genre troubadour, que Azevedo tivesse traduzido livremente, dando-lhe uma “demão” neoclássica. De sublinhar que vários dos poemas das Distracções Poeticas são expressamente apresentados como traduções ou imitações de autores estrangeiros. 1457 O poema não está assinado. Na introdução (escrita pela redacção da revista?) que o precede, o autor deste texto é referido como “o nosso ilustre e joven menestrel” (p. 160; itálico do original), parecendo ser alguém que antes já publicara versos na revista. Ora o único poema nela publicado até então fora Amor e Receio. Conto, no nº [1] (15/7/1838), pp. 62-70, que está assinado F. L. D’ A. Porém, A Duqueza de Bragança (remodelada e muito aumentada) aparece, em 1841, no Romanceiro Portuguez, I vol., de Moraes Sarmento (q. v.). 480 [Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento], 1459 Fernam Rodrigues (Cognominado o Passaro), Revista Litteraria, I, nº [6] (30/9/1838), pp. 343-357. Em quadras de tipo tradicional e em quadras de heptassílabos de rima duplamente cruzada. 1460 [Anónimo], Alvina. Romance Mouro, O Mercurio, nº 13 (1/10/1838), p. 104. Em quadras de heptassílabos brancos. 1461 Antonio Feliciano de Castilho, O Acalentar da Neta. Xácara, O Panorama, II, nº 74 (29/10/1838), pp. 310-312. É um romance. 1458 1462 Sobre o famoso episódio da morte de D. Leonor de Mendonça, assassinada por ciúmes (ao que parece infundados) pelo marido, o duque de Bragança D. Jaime. Na introdução (da autoria da redacção da revista?) que precede o poema (pp. 160-164), diz-se que nele “a historia é fielmente seguida, o estilo do romance plenamente sustentado” (p. 160). 1459 O poema não está assinado. Na introdução (escrita pela redacção da revista?) que o precede, o autor deste texto é referido como “o nosso erudito menestrel” (p. 339; itálico do original), pelo que deveria ser o mesmo que, num número anterior da revista, publicara A Duqueza de Bragança (q. v.), ou seja, como vimos, Moraes Sarmento. Além disso —prova decisiva— o poema foi republicado em 1841 (muito aumentado e com o título de Fernão Rodrigues Pereira) n’ O Romanceiro Portuguez, I, de Sarmento. 1460 É uma espécie de continuação da história do duque de Bragança D. Jaime (ver o item anterior: A Duqueza de Bragança), tendo como protagonista um Fernão Rodrigues Pereira, criado do duque, que teria estado ligado ao crime cometido pelo seu patrão. Na introdução (pp. 339-342) do poema, a redacção da revista (?) diz que o texto é um “romance”, acrescentando: “É com a maior satisfação que nós vemos resurgir este genero de poesia d’ antigos e ditosos tempos, tão proprio para popularisar feitos honrosos da historia patria. Ao Snr. J. B. d’ A. Garret[sic] deve-se indubitavelmente o renascimento desta poesia nacional; a sua Adosinda é, como já dissemos, um primor d’ arte [...] o Sr. A. F. de Castilho, brilhante ornamento da nossa litteratura, tambem não desdenha enriquecê-la com valiosas producções neste estilo” (p. 339). 1461 1462 Um mouro andaluz declara o seu amor a uma moura. Uma avó canta à neta, para a embalar, uma cantiga sobre uma dama que, disfarçada de romeiro, vai à Terra Santa à procura do amado, que lá estava cativo dos Mouros. Ele, afinal, morrera e ela, ao sabê-lo, morre também. Acontecem depois várias peripécias, que incluem a aparição de ambos, pedindo a um ermitão missas de sufrágio e até o próprio casamento (que se celebra sendo madrinha Nossa Senhora do Rosário, de quem ambos eram muito devotos). Tudo acaba com eles enterrados na mesma campa, “Que inda agora na 481 1839 J. S. M[endes] Leal-[sic]Junior, Theatro, I: Os Dous Renegados, drama em cinco actos, Lisboa, Typographia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, s/ d. (a peça foi estreada em 1839). Inclui: Poema sem título (p. 132). Em sextilhas de heptassílabos. 1463 [Mendes Leal], Xacara do 5º Acto da Peça Os Dous Renegados, O Mosaico, I, nº 22 (1839), p. 176. Republicação (ou pré-publicação) do item anterior. [Anónimo], O Cavalleiro do Amor. Xacara, O Mosaico, I, nº 1 (14/1/1839), pp. 7-8. Em quadras de heptassílabos. 1464 João Xavier Pereira da Silva, O Encontro. Xácara, O Ramalhete, nº 67 (2/5/1839), pp. 129-131. É fundamentalmente um romance, embora apresente também várias quadras de tipo tradicional. 1465 Antonio Feliciano de Castilho, Jornada de Ourique (Anno 1139), O Correio das Damas, III , nº 17 (25/5/1839), pp. 134-136. Biscaya / Se vai vêr áquella ermida”. A nível temático (mas não quanto ao discurso), o romance, como se vê, tem semelhanças com o romance tradicional do Conde Sol e, sobretudo, com certos romances vulgares de cativos e/ou de milagres. 1463 O poema (designado por “xacara” na didascália) é cantado por uma personagem da peça (Isabel). 1464 Quando neste Apêndice falamos em “quadras de heptassílabos” queremos dizer algo diferente de quando usamos a expressão “quadras de tipo tradicional”. De facto, nestas últimas, como já explicámos, os versos, além de serem heptassilábicos (como na outra forma atrás referida), apresentam uma rima em ABCB. Pelo contrário, por “quadras de heptassílabos” referimo-nos a quadras que, embora, obviamente, formadas por versos heptassilábicos, têm uma rima com um esquema rimático diferente do das “quadras de tipo tradicional”. 1465 Sobre este poema (reversificação duma Bela Infanta oral, muito acrescentada), ver o que escrevemos atrás, no cap. VIII. 482 Republicação do texto sem título saído em 1838. 1466 I[gnacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], O Pagem de Dom Diniz. Romance historico, Revista Litteraria, III, nº [6] (Junho 1839), pp. 363-370. Em vários tipos de estrofes de heptassílabos. 1467 A. F. de Castilho, Jornada de Ourique (Anno 1139). Chacara, A Vedeta da Liberdade, 16/7/1839, pp. 1-2. Republicação do texto sem título saído em 1838. J[sic, por I, de Ignacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], Joam Pires (por Cognome) da Bandeira ou o Alferes d’ Affonso 5º. Romance historico, Revista Litteraria, IV, nº 20 ([Agosto] 1839), pp. 169-186. Em quadras de heptassílabos. 1468 Aires Pinto de Souza de Mendonça e Menezes, Dona Maria Telles de Menezes, Revista Litteraria, IV, nº 24 ([Dezembro] 1839), pp. 577-598. Em quadras de tipo tradicional. 1469 J[sic, por I, de Ignacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], Joam Pires (por Cognome) da Bandeira ou o Alferes d’ Affonso 5º. Romance historico, A Vedeta da Liberdade, 4, 5, 6 e 7/12/1839, pp. 1-2 (de todos os n.ºs). 1466 1467 1468 Na breve introdução que o acompanha, chama-se “chacara” a este poema. Sobre um milagre da Rainha Santa. Sobre Duarte de Almeida, o famoso porta-bandeira português da batalha de Toro (a propósito do título correcto do poema e do nome da personagem histórica, ver o que dizemos aquando da sua republicação em O Correio das Damas, 1841). Quanto a uma possível infuência do romance tradicional Aparição sobre esta balada, ver o que escrevemos atrás no cap. VIII. 1469 É precedido por um prólogo (p. 576), não assinado, ao que tudo leva a crer da autoria dos redactores da revista. Aí se chama ao poema “romance historico” e se diz: “Ja mais d’ uma vez temos dito que este genero é por certo mui proprio para vulgarisar os acontecimentos mais notaveis em que a nossa historia abunda, unindo o util ao deleitoso”. Diz-se que havia na época outros poetas a escrever romances históricos e que “seria de grande vantagem nacional, que continuassem a empregal-os para tratar outros igualmente interessantes assumptos”. 483 Republicação do texto saído em Agosto do mesmo ano. 1840 José Freire de Serpa Pimentel, Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. 1ª 1470 Epocha, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1840. Contém: Soláo I. A Torre d’ Hercules (pp. 1-2). Em sextilhas de heptassílabos; 1471 Soláo II. O Grão Beirão ou as Bodas de Viriato (pp. 3-8). Em sextilhas e dísticos de heptassílabos; 1472 Soláo III. Cindasunda ou o Brasão de Coimbra (pp. 9-15). Em sextilhas, quadras e dísticos de, sobretudo, heptassílabos; 1473 Soláo IV. D. Martim (p. 16). Em quadras de tipo tradicional e dísticos de heptassílabos; Soláo V. A Virgem Martyr Santa Comba (pp. 17-21). Em sextilhas, quadras e dísticos, sobretudo de heptassílabos; 1474 e Soláo VI. D. Egas ou o Castello da Louzan (pp. 22-27). Em sextilhas de heptassílabos. 1470 1471 1475 Não obstante o subtítulo, não parece ter havido mais volumes da obra. Sobre uma tradição, sem dúvida erudita, que conta a passagem de Hércules por Coimbra, onde teria construído uma torre e se teria apaixonado por cinco donzelas. 1472 1473 Sobre a figura histórica do chefe lusitano Viriato. Sobre a lenda erudita de Cindasunda (inventada provavelmente por Frei Bernardo de Brito), donzela sueva cujo casamento com o rei dos Alanos selou a paz entre os dois povos. A sua figura está representada no brasão de Coimbra, cidade cuja fundação estaria ligada a tal casamento. 1474 Sobre a lenda de Santa Comba, jovem goda, cristã, que vivia perto de Coimbra. Um rei mouro apaixona-se por ela, e, ao não ser correspondido, manda-a crucificar. 1475 Sobre os amores infelizes de Egas Moniz Coelho com D. Violante, tal como se depreendem das duas apócrifas canções (a ela dirigidas) que se lhe atribuem, e foram publicados pela primeira vez por Leitão de Andrada (Miscellanea, cit., pp. 334-7). A história contada por Serpa Pimentel tem igualmente em conta certos pormenores fornecidos nos comentários do próprio Andrada. Num dos seus dramas, Serpa Pimentel volta a aludir à personagem de Egas Moniz. Aí, em dado momento, este rei recita um excerto duma das referidas canções apócrifas, e comenta: “Pobre D. Egas traído! Pobre D. Sancho abandonado!” (José Freire de Serpa Pimentel, Theatro, III: D. Sancho II, Coimbra, Na 484 J[sic, por I, de Ignacio] P[izarro] de M[oraes] S[armento], Fr. Luiz de Souza. Romance historico, Revista Litteraria, V, nº 26 ([Fevereiro] 1840), pp. 137-145. Em oitavas camonianas. 1477 Silva Leal J.ºr 1476 [i. e., José da Silva Mendes Leal Jr.], “Historia Portugueza. 5: Gonçalo Mendes da Maia o Lidador (Anno de 1170)”, O Mosaico, II, nº 49 (10/2/1840), pp. 41-43. É um conto. Inclui: Poema sem título (p. 45). Em heptassílabos, agrupados em estrofes de tipos diferentes. 1478 C. de L., A Maldição. Romance, O Cosmorama Litterario, nº 10 (7/3/1840), pp. 7677. Em quadras de tipo tradicional. José da Silva Mendes Leal Junior, Rimance do mui Applaudido Drama O Homem da Mascara Negra Composto por..., O Mosaico, II, nº 53 (9/3/1840), pp. 74-75. Em quadras de tipo tradicional, e sextilhas e oitavas de heptassílabos. F[ernando] L[uiz] Mousinho d’ Albuquerque, Olinda e D. Aleixo. Chácara, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 3 (14/3/1840), pp. 35-37. Em quadras de tipo tradicional. 1479 Imprensa da Universidade, 1846, p. 61). O fragmento em causa é a quinta quadra da segunda daquelas canções (ver Andrada, op. cit., p. 336). 1476 Sobre o episódio da vida de Sousa que é tema do drama homónimo de Garrett, do qual, aliás, já chegou a ser apontado como uma das fontes. 1477 Os primeiros cinco contos da série estão assinados “S. L. J.”. O nome por extenso vem apenas no fim do sexto conto da série, “Martim de Freitas” (nº 58, 13/4/1840, p. 115). Deve tratar-se do famoso Mendes Leal (cujo nome completo era, de facto, José da Silva Mendes Leal Jr.), e não do muito menos conhecido José Maria da Silva Leal. Na verdade, assinados “Silva Leal J.º r” aparecem outros dois textos, um dos quais é sem qualquer dúvida de Mendes Leal [ver, mais à frente, A Infante de Granada, na mesma revista O Mosaico, II, nº 78 (1840)]. 1478 É um poema à morte do Lidador, improvisado por um trovador, personagem do conto. 485 V., O Cavaleiro da Cruz. Romance, O Cosmorama Litterario, nº 11 (14/3/1840), pp. 83-85. Em quadras de tipo tradicional. 1480 T. de C., O Bosque dos Finados. Chácara, O Cosmorama Litterario, nº 13 (28/3/1840), pp. 100-108. Em quadras de tipo tradicional. J[osé] M[aria] de A[lmeida] T[eixeira] de Queiroz, D. Elvira, e D. Ramiro. Balada , Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 6 (4/4/1840), pp. 81-84. Em quadras de tipo tradicional. A[ntonio?] J[osé da?] C[unha?] Salgado, A Vingança. Romance, O Cosmorama Litterario, nº 15 (11/4/1840), pp. 114-115. Em quadras de tipo tradicional. J. Freire de Serpa [Pimentel], Cindasunda ou o Brasão de Coimbra, Soláo, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 8 (18/4/1840), pp. 114-120 1479 O poema tem dedicatória “Ao Illmº Sr. José Freire de Serpa Pimental”, que, a partir de Abril de 1840, iria publicar na mesma Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica alguns solaus. É provável que, antes dessa publicação, tais poemas já fossem conhecidos no meio estudantil coimbrão, dando celebridade ao seu autor, o que justificaria melhor que, neste número de Março da Chronica, Serpa Pimentel surja como dedicatário duma balada medievalizante. 1480 Está claramente inspirado na famosa balada Alonzo and Imogine, de Lewis, cuja história segue na maior parte, embora inove alguns aspectos, nomeadamente o final. Quanto à linguagem, este texto não mostra depender da primeira tradução portuguesa de tal balada (1834), embora essa tradução tenha sido feita por alguém que, curiosamente, também assina “V”. Por outro lado, afasta-se, dum modo geral, de qualquer uma das traduções que Herculano fez da balada de Lewis (ver Apêndice nº 3, anos de 1835 e 1836). No entanto, por vezes, parecem sentir-se no texto de 1840 certos ecos da versão herculaniana de 1835, nomeadamente no início: cf. “Lá se aparta o guerreiro / De sua Dama, a mui formosa” (V., 1840) com “De Isolina a mui formosa / Já se parte o seu guerreiro” (Herculano, 1835). Note-se que o original inglês é, nesta passagem, completamente distinto, não tendo versos que correspondam aos excertos portugueses citados, e o mesmo se diga da tradução francesa (na qual, como dizemos no Apêndice nº 3, se baseou Herculano, sobretudo ao fazer a sua primeira versão). 486 Republicação (ou pré-publicação?) do texto saído no mesmo ano de 1840 nas Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. J. Freire de Serpa [Pimentel], D. Martim. Soláo, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 10 (2/5/1840), pp. 155-156. Republicação (ou pré-publicação?) do texto saído no mesmo ano de 1840 nas Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. [Anónimo], A Virgem do Mosteiro. Balada, O Cosmorama Litterario, nº 19 (9/5/1840), pp. 148-150. Em quadras de tipo tradicional. J. Freire de Serpa [Pimentel], A Virgem Martyr Santa Comba, Soláo, na Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 15 (6/6/1840), pp. 236-240. Republicação (ou pré-publicação?) do texto saído no mesmo ano de 1840 nas Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. [Anónimo], O Dia do Noivado. Xacara, O Mosaico, II, nº 66 (8/6/1840), pp. 183184. Em estrofes de vário tipo, versos de 7, 3 e 4 sílabas. J[osé] M[aria] de A[lmeida] T[eixeira] de Queiroz, Balada, O Ramalhete, nº 124 (19/6/1840), pp. 190-192. Republicação, com outro título, de D. Elvira, e D. Ramiro. Balada, saída em Abril do mesmo ano. J. F. de Serpa [Pimentel], A Virgem Martyr Santa Comba, O Ramalhete, nº 128 (16/7/1840), pp. 222-224. Republicação do texto saído em Junho do mesmo ano. 1481 J. F. de Serpa [Pimentel], D. Martim, Soláo, O Ramalhete, nº 131 (6/8/1840), p. 248. 1481 Dramatica. Indica-se explicitamente que o texto foi transcrito da Chronica Litteraria da Nova Academia 487 Republicação do texto saído em Maio do mesmo ano. 1482 A. Pereira da Cunha, D. Branca, ou o Castello de Gondar. Soláo, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 20 (8/8/1840), pp. 309-319. Em estrofes de vário tipo, de vv. de 7 (sobretudo), 4 e 6 sílabas. 1483 J. Freire de Serpa [Pimentel], D. Egas ou o Castello da Louzan, Soláo, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 23 (19/9/1840), pp. 353-358. Republicação (ou pré-publicação?) do texto saído no mesmo ano de 1840 nas Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. Valdez, Astyr e Elvira, O Ramalhete, nº 146 (19/11/1840), pp. 366-368. Em quadras de tipo tradicional. 1484 Silva Leal J.ºr[i. e., José da Silva Mendes Leal J.ºr], A Infante de Granada. Rimance moirisco, O Mosaico, II, nº 78 (1840), pp. 273-276. É, com pequenas excepções na rima, um romance, embora os heptassílabos estejam agrupados em sextilhas e quadras e a assonância seja diferente em cada uma das seis partes em que o texto se divide. 1485 Silva Leal J.ºr[i. e., José da Silva Mendes Leal J.ºr], Esposa!, O Mosaico, II, nº 79 (1840), p. 281. Em sextilhas de heptassílabos, com repetições simétricas de versos, a lembrar o popular. 1482 Indica-se explicitamente que o texto foi transcrito da Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica. 1483 1484 1485 Com dedicatória “Ao Illmº Sr. José Freire de Serpa Pimental”. A história passa-se no tempo de Viriato. Como se fica a saber por uma sua republicação [ver nota em Mendes Leal, Rimance da Infante de Granada, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 43 (15/5/1845), p. 518], a balada pertence ao I acto de D. Antonio de Portugal. Tal peça, embora se tenha representado, parece nunca ter chegado a ser editada (ver Innocencio Francisco da Silva, Diccionario, cit., V, p. 129). 488 1841 J. F. de Serpa [Pimentel], A Morte de D. Maria Telles, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, II (1840-41), pp. 37-47. Em decassílabos brancos e noutros metros, nomeadamente quadras de tipo tradicional. 1486 J[osé] M[aria] de A[lmeida] T[eixeira] de Queiroz, “Um Mosteiro da Ordem de Cister ou o Cerco de Montemór”, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, II (1840-41), pp. 79-90. É um conto. Inclui: Poema sem título (pp. 81-2). Em sextilhas de heptassílabos. 1487 Fernando Luiz Mousinho de Albuquerque, A Noute de S. João. Chacara, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, II (1840-41), pp. 110-116. Em quadras de tipo tradicional. 1488 [José Freire de Serpa Pimentel], 1489 Ballada do 4º Acto do Drama Original A Actriz Representado pela Primeira Vez em 14 de Abril de 1841, no Theatro Normal de Lisboa, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, II (1840-41), p. 203. Em sextilhas de heptassílabos. João de Andrade Corvo, A Voz da Campa, O Mosaico, III, nº 98 (1841), p. 96. Em sextilhas de heptassílabos (as três primeiras rimam como um romance) e quadras de 7+7+7+1 sílabas. 1486 Sobre o assassínio, pelo infante D. João, de sua mulher, Dona Maria Teles, irmã da famosa Leonor. 1487 O poema é cantado por um cavaleiro, personagem do conto (que se passa no tempo do rei Ramiro). 1488 1489 Sobre os amores entre uma moura e D. Ramiro, cavaleiro cristão. O poema não está assinado, mas foi Serpa Pimentel o autor de A Actriz, peça que nunca chegou a ser impressa (ver Innocencio Francisco da Silva, Diccionario, cit., IV, Lisboa, Imprensa Nacional, 1860, p. 355). 489 Ignacio Pizarro de M[oraes] Sarmento, O Romanceiro Portuguez, ou Colecção dos Romances de Historia Portugueza Compostos por..., I, Lisboa, Typographia do Panorama,1841. Contém: 1490 1491 O Pagem de Dom Diniz (pp. 1-10) Republicação do texto saído em 1839; O Conde de Ourem (pp. 15-76). Republicação do texto, com o título de Dona 1492 Lianor, saído em 1838; Duarte d’ Almeida (pp. 83-114) Republicação do texto, com o título de Joam Pires (por Cognome) da Bandeira ou o Alferes d’ Affonso 5º. Romance historico, saído em 1839 e em Jan./Fev. de 1841; 1493 Fernão Rodrigues Pereira (pp. 121-152) Republicação do texto, com o título de Fernam Rodrigues (Cognominado o Passaro), saído em 1838; 1494 A Duqueza de Bragança (pp. 157-198). Republicação do texto saído em 1838; As Barbas do Viso-Rey (pp. 205-212). Em quadras de heptassílabos; 1496 Frey Luiz de Sousa (pp. 217-232) Republicação do texto saído em 1840; e O Cavalleiro da Cruz (pp. 239-268). Em sextilhas de heptassílabos. 1490 1495 1497 1498 No fim de cada poema, há uma nota, por vezes longa, em que se transcreve a fonte histórica em que se baseia o texto. 1491 No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a [Historia da] Vida [, Morte, Milagres, Canonização e Trasladação] de Santa Isabel, de Fernando Correia de Lacerda (1680). 1492 Foi remodelado quase completamente e muito aumentado em relação ao texto de 1838. No posfácio que acompanha o poema, indica-se como sua fonte a Crónica de D. Fernando e a Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, e as Memórias da Academia da História. 1493 No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a Crónica de D. João II, de Garcia de Resende, e a Crónica de D. Afonso V, de Duarte Nunes de Leão. 1494 No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte um manuscrito sobre a família dos Pereiras, que serviu à História Genealógica da Casa Real, de D. António Caetano de Sousa. 1495 No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a citada História Genealógica da Casa Real. 1496 Sobre um famoso episódio da vida de D. João de Castro. No posfácio que acompanha este poema, indica-se como sua fonte a Vida de D. João de Castro, de Jacinto Freire de Andrade. 1497 No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a vida de Frei Luís de Sousa que (escrita por Frei António da Encarnação) acompanha a edição da segunda parte da História de São Domingos, daquele autor. 490 I[gnacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], Joam Pires (por Cognome) da Bandeira, ou o Alferes d’ Affonso V. Romance historico, O Correio das Damas, IV, nº 13 (25/1/1841), pp. 101-104, e nº 14 (25/2/1841), pp. 108-112 [no nº 14, o poema tem o título de Duarte d’ Almeida (o Decepado) ou o Alferes de Affonso V. Romance historico]. Republicação do texto saído em 1839. 1499 Antonio Carlos da Silva, O Espirito das Trevas, O Ramalhete, nº 187 (9/9/1841), p. 288. Em quadras de tipo tradicional. J[oaquim] da C[osta] Cascaes, Romance do 1º Acto do Drama Original O Vallido, O Mosaico, III, nº 99 (1841), pp. 103-104. É um romance, embora os heptassílabos estejam agrupados em quadras e a assonância seja diferente em cada uma das três partes em que o texto se divide. 1498 1500 Nada tem a ver com o poema (assinado por “V.”) com o mesmo título publicado em 1840. O poema de Sarmento conta a história segundo a qual D. Sebastião não morreu em Alcácer, tendo conseguido escapar para Veneza, onde foi descoberto pelos esbirros de Filipe II e condenado à morte. Trata-se, claro, do episódio do calabrês Marco Tullio, que, em Itália, se fez passar pelo defunto rei e foi morto por isso. No posfácio que acompanha o presente poema, Sarmento indica como sua fonte a História de Portugal de La Clède, e as “memórias de D. João de Castro”, i. e., sem dúvida o Discurso da Vida do sempre Bem-vindo e Aparecido Rei Dom Sebastião (1602), escrita pelo neto do vice-rei do mesmo nome, famoso apoiante da causa do Prior do Crato contra Filipe II. 1499 No nº 14 da revista, onde se publica o “canto II” (e último) da balada, o título do texto, como dissemos, é diferente. Numa “advertencia” (pp. 107-108), assinada por J[acinto da] S[ilva] M[engo] (director da revista), que antecede o referido canto II, diz-se que o título que o poema agora aqui tem é o correcto. O outro título fora erro do autor, que o corrigiu para esta nova publicação, para a qual também remodelou a segunda parte do texto. Silva Mengo informa igualmente que o poema fora já incluído em dois jornais do Porto [Revista Litteraria do Porto (publicação que já descriminámos atrás) e o Athelta (deve tratar-se de gralha, por O Athleta, em cujos poucos exemplares que conseguimos descobrir se não encontra o poema)], num de Lisboa (aí, “traduzido” em prosa) e no jornal brasileiro Brazil (não pudemos consultar esse jornal). Foi deste último que O Correio das Damas extraiu o poema para o publicar. Moraes Sarmento (explica ainda Silva Mengo), ao ver a publicação da primeira parte do poema n’ O Correio das Damas, escreveu à redacção do jornal e comunicoulhe as transformações acima referidas. 491 J. M. C. de C. R., A Camara Negra (Romance), O Mosaico, III, nº 105 (1841), pp. 151-152. Em quadras de tipo tradicional. [Anónimo], Poesia, Revista Litteraria, VII (1841), nº 37, pp. 40-48. Em heptassíbos agrupados em sextilhas, oitavas e, sobretudo, quadras. J[oão Corrêa Manoel d’] Aboim, Tomada de Santarem, Revista Litteraria, VII (1841), nº [42], pp. 535-554. Em heptassílabos agrupados em sextilhas e quadras. 1842 João Corrêa Manoel d’ Aboim, Devaneios Poeticos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1842. Inclui: Um Torneio em Castella (pp. 22-35). Em sextilhas e sobretudo em quadras de tipo tradicional; e Tomada de Santarem (pp. 65-92). Republicação do texto saído em 1841. [Maria Peregrina de Souza], 1501 Erico e Batilde, O Archivo Popular, VI, nº 1 (1/1/1842), pp. 2-3, nº 2 (8/1/1842), pp. 14-15, e nº 3 (15/1/1842), pp. 21-23. Em sextilhas de heptassílabos. 1500 1502 O Vallido só parece ter sido publicado postumamente: J. da Costa Cascaes, Theatro, I, Com uma noticia sobre o auctor e a sua obra dramatica por Maximiliano de Azevedo, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904, pp. 1-75 (o romance está a pp. 13-15). 1501 O texto está assinado apenas “Por huma senhora da cidade do Porto” (p. 2, em nota). É possível saber, porém, que foi escrito por D. Maria Peregrina de Souza. Com efeito, numa carta a Castilho [incluída em Antonio Feliciano de Castilho, “D. Maria Peregrina de Sousa”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 3º ano (1861), pp. 273-312], a autora em causa diz que publicou no Archivo Popular algumas “chacaras” (Bernardo del Carpio, Erico e Batilde, Jacques 1º, Chacara, Um Cavalleiro Portuguez e A Moira de Lissibona) “ainda engeitadas”, i. e., não assinadas. Quanto a Um Cavalleiro Portuguez, esclareça-se que tal poema não saiu no Archivo Popular, mas no Jardim Litterario. Acrescente-se ainda que nem no Archivo Popular nem noutro lugar encontrámos A Moira de Lissibona. 492 J[oaquim] da C[osta] Cascaes, O Desacato, ou o Calado é o Melhor. Romance historico, O Panorama, 2ª série, I, nº 25 (18/6/1842), pp. 197-199. Em quadras de tipo tradicional. [Maria Peregrina de Souza], 1503 1504 Bernardo del Carpio. Chacara, O Archivo Popular, VI, nº 27 (2/7/1842), p. 211, e nº 28 (9/7/1842), pp. 218-220. Em sextilhas de heptassílabos. [Maria Peregrina de Souza], 1505 1506 Jaques[sic] 1º. Chacara, O Archivo Popular, VI, nº 41 (8/10/1842), p. 324, e nº 42 (15/10/1842), pp. 330-331. Em quadras de tipo tradicional. [Anónimo], A Noiva de Hugo. Chacara, 1507 O Archivo Popular, VI, nº 42 (15/10/1842), p. 192. Em quadras de tipo tradicional. A[ntonio] M[aria] do Couto, Gonçalo Hermigues, o Tragamouros. Romance historico, O Panorama, I, 2ª série, nº 44 (29/10/1842), pp. 349-351. Em quadras de tipo tradicional (sobretudo) e em sextilhas. Há uma tirada de sete quadras em que a rima é sempre igual (versificação romancística, portanto). 1502 1503 1508 A acção passa-se na Dinamarca. Sobre a lenda que explicaria a “maldição” das obras da igreja de Santa Engrácia (Lisboa). Foi republicado —com o acrescento de “(1630-1631)” ao subtítulo— em Joaquim da Costa Cascaes, Poesias, I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, pp. 57-79. 1504 O texto não está assinado, dele se dizendo apenas (p. 211): “Esta chácara he composição da mesma senhora portuense, de que já démos no Archivo outras producções”. Trata-se de D. Maria Peregrina de Souza (ver nota a Erico e Batilde, 1842). 1505 Sobre a lenda de Bernardo del Carpio. A fonte deste poema não parece ser o romanceiro velho, mas qualquer reconto moderno de relatos cronísticos medievais. 1506 “Pela senhora portuense, de quem temos dado outras obras no Archivo” (p. 324, em nota). Trata- se de Maria Peregrina de Souza (ver nota a Erico e Batilde, 1842). 1507 O subtítulo vem apenas no índice do volume, p. [4]. 493 J. Freire de Serpa [Pimentel], Dona Lucinda Moniz, ou a Emparedada de Penacova. 1509 Soláo, O Panorama, I, 2ª série, nº 47 (19/11/1842), pp. 375-376. Em sextilhas de heptassílabos e em quadras (a maioria destas últimas, de tipo tradicional). A[lexandre] J[osé] G[omes] Monteiro, D. Ignez de Castro. Romance, Revista Litteraria, VIII (1842), pp. 170-174. É um romance. Os versos estão sobretudo em tiradas (laisses), de rima vocálica, sempre igual. Parte do texto tem os versos agrupados em quadras, mas estruturalmente continua um romance, embora nesta parte a rima seja diferente da rima da parte das 1510 laisses. 1508 Em nota (p. 349), diz-se que o tema é tirado da “Chronica de Cister liv. 6º cap. 1º”. Esta obra de Frei Bernardo de Brito parece ser, aliás, a origem da lenda de Gonçalo Hermigues e seus amores infelizes com Ouroana. Lá se inclui também, aliás, a canção apócrifa que Hermigues teria escrito à amada (“Tinhera bos, nam tinhera bos”). 1509 Sobre a história dum rei mouro que se apaixona por uma cristã que vive emparedada, em penitência. O rei acaba por se converter ao cristianismo. 1510 Teve separata: A. J. G. M., D. Ignez de Castro. Romance, Porto, Typographia da Revista, 1842. Como atrás dissemos, este texto foi republicado por Teófilo Braga, que o apresenta como anónimo (Cantos Populares do Archipelago Açoriano, cit., pp. 345-7). Do poema (a que dá o título de Romance de Dona Inez de Castro. Lição ms. do seculo XVIII) afirma Braga (p. 457) que ele “foi achado entre os papeis velhos de um burguez honrado do Porto, escripto em letra dos fins do seculo XVIII”. No Romanceiro Geral Portuguez, do mesmo Braga (2ª ed., II, cit., pp. 340-1), o poema traz o subtítulo de “(Lição ms. do seculo XVII)”, mas o “XVII” é sem dúvida gralha: no índice do volume, o subtítulo diz “XVIII” (p. 583) e na nota a este romance (incluída no III vol., cit., p. 578) Teófilo afirma que o romance “foi achado entre os papeis de um burguez do Porto [,] antigo contraste de ouro, e escripto em letra do seculo XVIII”. Face ao exposto, duas hipóteses se nos deparam: será que Monteiro publicou com o seu nome um poema que, afinal, era setecentista? Ou será que o poema é, de facto, da autoria de Monteiro, tendo, no entanto, depois da morte deste, sido encontrado por alguém entre os seus papéis e, posteriormente, oferecido a Braga, como tratando-se dum texto inédito antigo? Sabe-se que Monteiro era do Porto, cidade onde nasceu em 1816, mas nem Inocêncio nem Brito Aranha (que se lhe referem por quatro vezes: Diccionario Bibliographico, cit., I, p. 39, VII, p. 41, XV, p. 324, e XX, p. 324) nem a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (XII, p. 540) fornecem a data da sua morte. O mais que se sabe é que, em 1867 (ou pouco antes), ainda estava vivo, pois é dessa data o vol. VIII de Inocêncio, em que se diz (p. 41): “é actualmente Secretario da Alfandega da mesma cidade” [refere-se ao Porto, onde informara ter ele nascido]. De qualquer modo, Monteiro poderia ter falecido 494 Nuno Maria de Sousa Moura, O Bispo de Lisboa, Museu Pittoresco, I (1842), nº 14, pp. 108-109. Em sextilhas de heptassílabos. 1511 N. M. de Sousa Moura, Uma Jornada ao Paiz das Fadas, A Distracção Instructiva, I (1842), nº 2, pp. 30-31. entre 1867 e 1869, pelo que a sua morte se poderia coadunar com a afirmação dos Cantos (que parecem deixar subentender que, em 1869, o tal “burguês honrado do Porto” já tinha morrido). Claro que, como dissemos, Monteiro nasceu em 1816, pelo que talvez não seja provável que tivesse uma caligrafia que leitores de meados do séc. XIX pudessem confundir com a do século anterior. No entanto, como é sabido, as datações de letras feitas por Teófilo Braga não são, de modo algum, de fiar [ver um caso de atribuição errónea corrigido em Pere Ferré “Problemas Textuais do Romanceiro Português: algumas notas”, Quaderni Portoghesi, 11-12 (Primavera-Autunno, 1982), pp. 39-66]. Obviamente que poderá pôr-se, ainda, uma terceira hipótese: a de o manuscrito em causa ter sido escrito por um portuense nascido, efectivamente, no séc. XVIII, mas que se tivesse limitado a copiar o poema quando ele foi publicado em 1842, na Revista Litteraria. Para a não identificação desse escriba com o oitocentista Alexandre Monteiro pareceria apontar a informação que Braga fornece sobre o primeiro, dizendo que ele tivera a profissão de “contraste de ouro” (i. e., “pessoa encarregada, antigamente, de avaliar as jóias e de examinar o toque das peças dos ourives” — Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Lisboa, Verbo, 2001, s. v.). A não ser que o papel de “contraste” pudesse ter sido também uma das atribuições de Monteiro, que, como vimos, segundo informa Inocêncio, foi secretário da alfândega do Porto. De qualquer modo, é um facto que Alexandre Monteiro foi poeta, pelo que poderia, perfeitamente, ter escrito a D. Ignez de Castro, embora tal balada, para lá da edição em separata, não volte a aparecer nas obras que deste autor pudemos consultar: Obras Poeticas e Dramaticas. Camões (Porto, Typographia da Revista, 1848; contém apenas o drama especificado no subtítulo) e Obras Poeticas (Porto, Typographia de Sebastião José Pereira, 1852). Esta última, além duma peça (Odette), inclui também alguns poemas narrativos e outros líricos. Entre os narrativos há, por exemplo, O Pobre Negro (Imitado de Millevoye), pp. 91-7. 1511 Sobre o assassínio do bispo de Lisboa, às mãos dos manifestantes, por não mandar tocar os sinos da sé em sinal de regozijo aquando da morte do conde Andeiro. Na nota (1), p. 108, diz-se: “O assumpto deste romance foi extrahido das memorias de D. João I, da Academia de Lisboa [,] Tom. I”. Trata-se de referência a um manuscrito da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes (não o mais famoso, pertencente à Torre do Tombo) que existe na biblioteca da Academia das Ciências, o qual, no séc. XIX, parece ter passado por ser autógrafo, facto que explicará talvez que Sousa Moura o apresente como fonte do seu poema, não obstante, como se sabe, a Crónica estar publicada desde 1644. Na verdade, no fólio 1v do referido manuscrito (o nº 391, Série Vermelha) diz-se o seguinte: “O caracter deste Manuscrito, a numeração das folhas em conta romana, as abbreviaturas das palavras, etc., mostrão assaz a sua anteguidade, e que he coevo do Author, se acaso não he authographo” (ver Academia das Ciências de Lisboa, Catálogo de Manuscritos. Série Vermelha, I, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1978). 495 Em sextilhas de heptassílabos. 1512 1843 J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I: Adozinda e Outros (“Obras de J. B. de A.-Garret [sic]”, IV) Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim. Úteis, 1843. Contém os seguintes poemas: Adozinda. Romance (pp. 23-95). 1513 Republicação do texto saído em 1828; Bernal-Francez. Romance (pp. 103-118). Republicação do texto saído em 1828 e em 1836, com o título Romance de Bernal e Violante; Noite de San’ João. Romance (pp. 134-8). É um romance, embora a assonância seja diferente em cada uma das tiradas; 1514 O Anjo e a Princeza. Legenda (pp. 149-155). Em quadras de tipo tradicional; O Chapim d’ Elrei ou Parras Verdes. Xacara (pp. 163-5). É um romance; 1512 1515 Embora de ambiente medievo, é poema à clef: no fim diz-se “Tu és a ingrata do conto [que narrei] / E o desgraçado eu o sou”. 1513 As quatro partes em que o poema se divide são aqui chamadas “cantigas”, em vez de, como na 1ª ed. (1828 q. v.), “cantos”. Na nota “L” à Adozinda, Garrett (p. 201) explica que usar a terminologia antes adoptada “era dar-lhe [ao poema] uma pretenção de epopea que o pobre não tinha. Demais, cantiga é o nome popular verdadeiro”. 1514 Deste texto diz Garrett: “Este romance é e não é de minha simples composição. Estavam-me na saudosa memoria as vagas reminiscencias d’ aquelles cantares tão graciosos com que, na minha infancia, ouvia o povo do Minho festejar a abençoada noite de san’ João; estavam-me as fogueiras e as alcachofas de Lisboa a arder tambem na imaginação; e eu era muito longe de Portugal, e muito esperançado de me ver n’ elle cedo: aqui está como e quando fiz ésta cantiga. [...] O romance é tam feito dos dittos e cantares do povo que nem uma idea nem talvez um verso inteiro tenha que seja bem e todo meu” (Romanceiro, I, pp. 133-4). É verdade que os motivos tratados neste poema são tradicionais: noite de São João e seus festejos, a ideia de que até os mouros celebram este santo (a acreditarmos no diz uma famosa quadra tradicional, de que Garrett, aliás, transcreve uma versão como epígrafe desta balada) e as práticas divinatórias ou propiciatórias feitas com alcachofras nessa noite. No entanto, a insipiente história que aqui se narra (uma moura está apaixonada por um cavaleiro cristão, que, ausente, vem ter com ela na noite de São João) e mais ainda os versos do poema são sem dúvida de Garrett. 1515 no cap. VIII. Sobre esta balada (que versifica o conto AT 891 B*, The King’s Glove), ver o que deixámos dito 496 e Rosalinda. Romance (pp. 183-9). É um romance. 1516 J. S. M[endes] Leal Junior, O Homem da Mascara Negra, Lisboa, Imprensa Nacional, 1843. Drama histórico. Inclui: um poema sem título (pp. 29-30). Em sextilhas de heptassílabos; 1517 e outro poema sem título (pp. 33-5). Republicação do texto que, com o título de Rimance do mui Applaudido Drama O Homem da Mascara Negra, saíra em 1840. 1518 A. X. R[odrigues] Cordeiro, D. Elvira. Romance, Revista Litteraria, XI (1843), pp. 247-258. Em versos de várias medidas, nomeadamente heptassílabos, agrupados em sextilhas e quadras (várias das quadras são de tipo tradicional). Mendes Leal Junior, Rimance do Moiro, Universo Pittoresco, III, nº 5 (1843), p. 80. Em quadras de heptassílabos. 1516 1519 Como dissemos no cap. VIII, está baseada em versões tradicionais de Conde Claros e a Princesa Acusada e Conde Ninho. Por se ligarem a este poema de Garrett, podem citar-se aqui os seguintes artigos: Almeida Garrett, Rosalinda. Versões em francez e inglez, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, IV, nº 28 (19/2/1852), pp. 333-336 (as traduções são acompanhado por uma pequena introdução, anónima, em que se diz pertencer o poema original ao vol. I do Romanceiro de Garrett, “restaurador destas riquezas primitivas da litteratura patria”). [Anónimo], “Critica Litteraria. Estudo sobre a Rosalinda do sr. V.[sic] de Almeida Garrett — por Mr. Eduardo Fournier. Paris, 1852”, A Semana, II, nº 39 (Fevereiro 1852), pp. 433-435. Esta recensão da obra de Fournier é, na sua maior parte, a transcrição pura e simples do prefácio e da tradução francesa do poema. Na Biblioteca Nacional não existe a obra de Fournier, que também não vem referida na PORBASE. Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (XI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Limitada, s/d., p. 719) dá-se conta da existência dum livro de Edouard Fournier intitulado La Rosalinda et l’ origine portugaise de la fiancée du roi de Garbe, Paris, 1851, que talvez seja aquele de que trata o presente artigo d’ A Semana. 1517 1518 Este poema é lido pelo conde, uma das personagens. Este poema é recitado por Branca, que, antes de o fazer, se dirige deste modo ao conde: “dirte- hei para distrahir-te o rimance de não sei que antigo trovador... tem muita relação com os nossos amores”. 1519 O poema tem a indicação de pertencer à peça O Pagem d’ Aljubarrota, obra publicada apenas em 1846, mas estreada sem dúvida antes. 497 C[onde] de Mello “O Castello d’ Almourol”, Jornal das Bellas Artes, I, nº 5 (1843), pp. 67-75, (e nº 6? — não há essa indicação) pp. 83-7. É um conto. Inclui: Poema sem título (pp. 72-3). Em quadras de tipo tradicional. 1520 [Anónimo], A Victima d’ Amor, O Ramalhete, nº 256 (26/1/1843), pp. 23-24. Em quadras de tipo tradicional. Aires Pinto de Sousa de Mendonça e Menezes, A Despedida. Romance, O Prisma, nº 4 [Janeiro 1842 (sic, por 1843)], pp. 30-31, e nº 5 (Fevereiro 1843), pp. 38-40. Em quadras de tipo tradicional. J[osé] M[aria] d’ A[ndrade] F[erreira], O Cego Peregrino. Rimance, 1521 O Panorama, II, 2ª série, nº 58 (4/2/1843), pp. 35-36, e nº 84 (5/8/1843), pp. 247-248. Em quadras de tipo tradicional. 1522 [Maria Peregrina de Souza], 1523 Chacara, O Archivo Popular, VII, nº 23 (10/6/1843), p. 182. Em sextilhas de heptassílabos. José Osorio de Castro Cabral d’ Albuquerque Junior, A Serra-Negra. Romance, O Ramalhete, nº 281 (20/6/1843), pp. 222-224 e 230-232. Em quadras de tipo tradicional. Antonio Pereira da Cunha, Dom Florentim Barreto. Soláo, Revista Universal Lisbonense, II, nº 48 (17/8/1843), pp. 597-601. Sobretudo em heptassílabos, agrupados em vários tipos de estrofes. 1520 Ver o que sobre esta balada (apresentada falsamente como um romance tradicional) dizemos no capítulo VIII. 1521 Em nota, o autor escreve: “João de Barros dá este nome [“Rimance”] ás trovas populares antigas, persuadido talvez de que provém das rimas ou consoantes: romance deriva da lingua romaã ou dos trovadores provençaes.” 1522 Ver o que no cap. VIII escrevemos sobre esta balada, a qual é a reversificação dum Falso Cego tradicional. 1523 “Da senhora portuense, de quem já temos publicado outras produções” (p. 132, em nota). Trata- se de Maria Peregrina de Souza (ver nota a Erico e Batilde, 1842). 498 A[lmeida] G[arrett], Miragaia, Jornal das Bellas Artes, I, nº 1 (Outubro 1843), pp. 8–12; e nº 2 (s/d.), pp. 33-37. É um romance. 1524 1844 Antonio Feliciano de Castilho, Excavações Poeticas, Lisboa, Typographia Lusitana, 1844. Inclui: Sancta Iria. Chacara (pp. 17-27) Em quadras de tipo tradicional; 1525 e O Acalentar da Neta. Xácara (pp. 264-274). Republicação do texto saído em 1838. J[acinto da] S[ilva] M[engo], “O Filho da Montanha”, O Correio das Damas, VI, nº 1 (31/1/1844), pp. 10-11, e nº 2 (29/2/1844), pp. 9-11. É um conto de ambiente rústico. Inclui: Poema sem título (pp. 10-11). Em quadras de tipo tradicional. 1526 F[rancisco] da C[osta] Nascimento, Elisa, ou a Virgem do Mosteiro. Romance, O Ramalhete, nº 318 (4/4/1844), pp. 11-112. Em sextilhas de heptassílabos. J. V. B. da C., Branca e Hugo. Romance, O Ramalhete, nº 321 (25/4/1844), pp. 129131, nº 322 (2/5/1844), pp. 137-139, e nº 323 (9/5/1844), pp. 145-146. Em sextilhas de heptassílabos, oitavas de decassílabos e quadras de eneassílabos. 1524 1527 Sobre esta balada (versificação duma lenda tradicional ou, então, duma história escrita, extraída, em última análise, dos livros de linhagens), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. 1525 É versificação da lenda hagiográfica sobre a padroeira de Santarém. Nada tem a ver com o romance do mesmo título. 1526 1527 Sobre o poema, falsamente apresentado como tradicional, ver o que dissemos no cap. VIII. Como informa Maria Leonor Machado de Sousa [A Literatura ‘Negra’ ou ‘de Terror’ em Potugal (Séculos XVIII e XIX), Lisboa, Editorial Novaera, 1978, p. 375], “é a versificação do conto ‘Hugo’, publicado no Mos[aico], v. I, nº 34, 1839”, e assinado apenas por “M. P.” 499 [Anónimo], O Engano. Rimance, O Quadro Litterario, nº 1 (13/6/1844), p. 2. Em quadras de tipo tradicional. 1528 Serpa Pimentel, S. Thiago e Belzebut. Solao, Revista Universal Lisbonense, III, nº 44 (20/6/1844), pp. 528-531. Em heptassílabos, agrupados em estrofes de vário género. 1529 A. Pereira da Cunha, A Moira de Sancta Luzia (Tradicção da minha terra), Revista Universal Lisbonense, III, nº 45 (27/6/1844), pp. 541-543. Em quadras de heptassílabos. 1530 F[rancisco] D[uarte d’] A[lmeida e] Araujo, “O Ciume”, O Pantologo, I, nº 12 (26/8/1844), pp. 93-95, nº 13 (2/9/1844), pp. 101-103, nº 14 (9/9/1844), pp. 109-111, nº 15 (16/9/1844), pp. 117-120, nº 16 (30/9/1844), pp. 123-126, e nº 23 (28/4/1845), pp. 182-184. É um conto de ambiente medieval. Inclui: um poema sem título (nº 14, pp. 110-111). Em quadras de tipo tradicional e em sextilhas de heptassílabos. 1531 A. F. S. P., Dona Mincia, O Panorama, III, 2ª série, nº 149 (2/11/1844), pp. 349350. Em quadras de tipo tradicional. 1528 1532 No fim diz “concluir-se-ha”, mas este é o único número da revista que existe na Biblioteca Nacional. 1529 1530 Sobre o poema (talvez inspirado numa lenda tradicional), ver o que dissemos no cap. VIII. Sobre esta balada (versificação duma lenda de moura encantada), ver o que dissemos no cap. VIII. 1531 1532 O poema, a que se chama “rimance”, é cantado por uma das personagens, enquanto toca alaúde. A acção passa-se provavelmente no séc. XV ou XVI, no Norte de África. O tema são lutas entre Cristãos e Mouros. Em nota, diz-se que a fonte do texto é a “Historia de Portugal de La Clede, tomo 8”. Tratase da Historia Geral de Portugal, por Mr. de La Clède, traduzida em vulgar; e illustrada com muitas notas historicas, geograficas, e criticas; e com algumas dissertações singulares, VIII: Contém a continuação do reinado de D. Manoel, e o reinado de D. Joaõ[sic] III, Lisboa, Na Typografia Rollandiana, 1785. 500 L. A. Palmeirim, As Três Encantadas, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 23 (24/12/1844), p. 276. É um romancilho, embora com os versos (pentassílabos) agrupados em quadras. 1533 A. Pereira da Cunha, Peccado em Noite Benta (Chronica braccharense), Revista Universal Lisbonense, IV, nº 23 (24/12/1844), pp. 276-278. Em decassílabos e em heptassílabos, estrofes de vários tipos. 1534 1845 A. X. R[odrigues] Cordeiro, O Conde Alarcos (lenda popular), Revista Academica (Coimbra), nº 17 (S/ d.; 1845?), p. 272. É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras. 1535 Almeida Garrett, O Arco de Sant’ Ana, apud Obras, I, Porto, Lello & Irmão— Editores, s/ d. (a 1ª ed. do vol. I deste romance data de 1845). Inclui (p. 247) uma quadra de tipo tradicional. 1536 Almeida Garrett, Flores sem Fruto (1ª ed.: 1845) apud Obras, II, Porto, Lello & Irmão—Editores, s/d. Inclui (pp. 104-7) o poema O Emprazado (datado de 1841). Em vários metros. 1533 1537 Passa-se no campo, na actualidade. Há referências ao “moinho das três encantadas”, de onde “três moças” foram “do demo furtadas”. 1534 1535 Sobre esta balada (versificação duma suposta lenda), ver o que dissemos no cap. VIII. Sobre esta balada (reescrita do romance tradicional do mesmo nome), ver o que dissemos no cap. VIII. 1536 A quadra, cantada por uma personagem, diz o seguinte: “Que cavalos são aqueles / Que além ouço relinchar? / ‘Vossos são, dom cavaleiro, / Que se enfadam de esperar’”. Os três primeiros versos parecem adaptados (para os aplicar à acção de O Arco de Sant’ Ana) da conhecida passagem do romance tradicional de Claralinda. Note-se, porém, que Garrett não publicou nenhuma versão deste romance. 1537 O poema, não obstante o seu título, nada tem a ver com o rei de Leão Fernando IV, “el Emplazado”, protagonista do famoso romance velho que começa “Válame Nuestra Señora que dizen de la Ribera” (Primav. 64). Ao que sabemos, o presente texto de Garrett é, fora do Romanceiro, o seu único poema 501 Nuno Maria de Sousa Moura, Emma ou a Esperança e a Tumba, com as Cartas de Silvano e Lilia, Seguidas de Outras Poesias, Porto, Typographia Commercial, 1845. Inclui: Xacara (pp. 133-4). Republicação do texto saído em 1842; e O Bispo de Lisboa (pp. 136-140). Republicação do texto saído em 1842. Ignacio Pizarro de M[oraes] Sarmento, O Romanceiro Portuguez, ou Colecção dos Romances de Historia Commercial,1845. Portugueza Compostos por..., II, Porto, Typographia 1538 1539 Contém: Gaésto Ansor (pp. 1-45). Em sextilhas de heptassílabos; 1540 Os Votos Denodados (pp. 57-81). Em quadras de heptassílabos; 1541 O Conde de Abranches (pp. 89-106). Em quadras de heptassílabos; O Massinga (pp. 113-123). Em quadras de tipo tradicional; 1542 1543 O Manoelinho d’ Evora (pp. 135-187). Em quadras de tipo tradicional; 1544 narrativo de tema medieval. Dele diz o autor (nota H, p. 151): “Talvez não devesse colocar-se aqui esta composição, que pertenceria melhor ao Romanceiro. — Romance é ela, mas não no estilo casto e singelo dos nossos romances antigos, como o autor se lisonjeia que são as suas outras composições da mesma natureza. Neste quis-se mais imitar a escola de Schiller, e provar forças por todos ou quase todos os metros que a nossa língua comporta: por isto é que não o quis incluir no Romanceiro a par dessoutros.” 1538 Deste volume, existe na Biblioteca Nacional (Reservados: Cod. 10996 P) o que aparenta ser o manuscrito que serviu para a impressão da obra. Não parece ter emendas e, embora só muito por alto o tenhamos cotejado com o impresso, não encontrámos diferenças em relação a este. 1539 No fim de cada poema, há uma nota, por vezes longa, em que se transcreve a fonte histórica que serviu de fonte ao texto. 1540 Sobre o tema do chamado Cantar dos Figueiredos. No posfácio que acompanha o texto, indica- se como sua fonte a Monarquia Lusitana, Fr. Bernardo de Brito. 1541 No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a Crónica de D. João I, de Fernão Lopes. 1542 Sobre a figura histórica do mesmo nome, que morreu na batalha de Alfarrobeira. No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a Crónica de D. Afonso V, de Fernão Lopes 1543 Sobre um português que foi rei do Pegu, no séc. XVIII. No posfácio que acompanha o poema, indica-se como sua fonte o Índice Cronológico das Navegações, Viagens e Descobrimentos dos Portugueses desde o Princípio do Século XV (1841), do Cardeal Saraiva. 502 e Martim Affonso de Lucena (pp. 197-257). Em quadras de tipo tradicional. 1545 J. F. de Serpa [Pimentel], O Cid. Solao, Revista Academica (Coimbra), nº 15 (s/ d.; 1845?), pp. 235-236. Em heptassílabos, agrupados em vários tipos de estrofes, predominando as 1546 sextilhas. Mendes Leal, Rimance da Infante de Granada, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 43 (15/5/1845), p. 518. Republicação do texto saído em 1840. 1547 J. F. de Serpa [Pimentel], Engracia Ramila. Soláo, Revista Academica (Coimbra), nº 7 (15/6/1845), pp. 105-108. Em sextilhas de heptassílabos. 1544 1548 Sobre a revolta de Évora contra o domínio filipino. Sarmento indica como fonte deste poema a Epanáfora Política, de D. Francisco Manuel de Melo. 1545 Sobre um episódio da guerra da Restauração. No posfácio do texto, indica-se como fonte o Portugal Restaurado, do Conde da Ericeira. 1546 A história que este poema conta é a seguinte: Ximena queixa-se ao rei das afrontas que lhe fez o Cid, e pede-lhe que o mande matar. O rei apresenta ao Cid várias sugestões para que ele repare o mal. Ele recusa todas, mas oferece-se para casar com Ximena, o que esta aceita. O poema pode basear-se nalgum texto historiográfico, ou num conto ou outra narrativa literária. Uma fonte talvez mais provável é o romanceiro (velho ou novo), onde, como sabemos, existem vários textos sobre este episódio da vida do Cid: “Grande rumor se levanta / De gritos, armas y voces”, “Dia era de los reyes, / Dia era señalado”, “En Burgos está el buen Rey / Asentado á su yantar”, “Cada dia que amanece / Veo quien mató á mi padre”, “Delante el Rey de Leon / Doña Jimena una tarde”, “Sentado está el señor Rey / En su silla de respaldo” e “De Rodrigo de Vivar / Muy grande fama corria” (ver Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, Leipzig, Brockhaus, 1871, nºs XI-XVII). Observe-se que, no entanto, em nenhum dos referidos romances está presente o pormenor (que se encontra no poema de Serpa Pimentel) da recusa por parte do Cid das várias sugestões apresentadas pelo rei, e menos ainda é aí atribuída ao Cid a ideia do casamento com Ximena (nos romances, o casamento é sempre sugestão —a única, aliás— do rei, nalguns textos acedendo a um pedido de Ximena, noutros textos, partindo duma ideia dele próprio). Tais aspectos poderão ser, porém, da invenção de Serpa Pimentel. 1547 Diz-se em nota que pertence ao I acto de D. Antonio de Portugal. Esta peça parece ter ficado inédita (ver Innocencio Francisco da Silva, Diccionario, cit., V, p. 129). 1548 Sobre esta balada (talvez versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. 503 D. A[ntonia] G[ertrudes] Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular, Revista Universal Lisbonense, nº 48 (19/6/1845), pp. 577-8. Em quadras de decassílabos, quadras de tipo tradicional heptassílabos. 1549 e quintilhas de 1550 1846 J. da S. Mendes Leal, O Pajem d’ Aljubarrota, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1846. É um drama histórico. Inclui: Rimance do Moiro (pp. 5, 16-17 e 89). Republicação do texto saído em 1843. 1551 L. M. do Couto d’ Albuquerque, Dom Ramiro. Xacara, Revista Recreativa, I (1846), nº 10, pp. 76-78. Em quadras de tipo tradicional. 1552 Augusto Cesar Corrêa de Lacerda, Dom Martim. Xacara, Revista Recreativa, I (1846), nº 1, pp. 5-6. É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras. Augusto Cesar Corrêa de Lacerda, O Spectro. Xacara, Revista Recreativa, I (1846), nº 9, pp. 68-70. É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras. Manoel da Gama Lobo, A Moura Encantada, Revista Recreativa, I (1846), nº 13, pp. 102-105, nº 14, pp. 110-112, nº 24, pp. 190-191, e nº 29, pp. 231-232. 1549 1550 1551 Estas quadras são postas na boca duma personagem que entoa uma canção. Sobre esta balada (suposta versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. Mendo Vasques, o pagem que dá título ao drama, apaixonado de Beatriz, recita (pp. 16-17) este poema, de que se apresenta como autor. Logo a iniciar a peça, Beatriz cantara (p. 5) duas quadras deste poema. Mais tarde (p. 89), Mendo Vasques canta outra estrofe, que parece continuação do mesmo poema. 1552 A história, entre mouros e cristãos, passa-se em Gaia. D. Ramiro, cristão, vem requestar, ao “Alcaçar” de “Alboazar Albucadam”, uma moura. Ela pede-lhe que, se quer a sua mão, renegue a religião cristã. Ele apunhala-a e passa o resto da vida em batalhas contra os mouros. 504 Em quadras e sextilhas de heptassílabos. 1553 Pereira da Cunha, Vasconcellos, A Illustração. Jornal Universal I, nº 11 (Fevereiro 1846), pp. 180, 182-183 e 186-7. É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras e a assonância seja diferente em cada uma das parte em que se divide o texto. 1554 J. Freyre de Serpa [Pimentel], Bernardim-Ribeiro. Soláo, Revista Universal Lisbonense, V, nº 41 (2/4/1846), pp. 487-489. 1555 Em vários tipos de estrofes e em vários metros (a maioria são heptassílabos). J. V. B. da Costa, A Vespora[sic] de San’ João, Revista Universal Lisbonense, VI, nº 4 (18/6/1846), pp. 46-7. Em quadras de tipo tradicional. 1556 A[lmeida] G[arrett], Por Bem ou as Pegas de Cintra, A Illustração. Jornal Universal, II, nº 5 (Agosto 1846), p. 70. É um romance, embora dividido em quadras. 1553 1557 Conta a origem do encanto de uma moura que aparece na noite de S. João, num castelo de Segóvia. 1554 Sobre as origens lendárias do apelido (e família) Vasconcelos. A este propósito, recordem-se palavras de A. P. Lopes de Mendonça (Memorias de Litteratura Contemporanea, Lisboa, Typographia do Panorama, 1855, p. 282): “O sr. Pereira da Cunha [...] asseguram-nos que possue na pasta um volume de romances populares, que tenciona publicar com o titulo de Album Heraldico, visto que o assumpto versa sobre as legendas dos appelidos que se tornaram illustres na historia”. Pareceria, pois, que este romance seria um dos poemas do tal livro inédito. Claro que o presente texto não apresenta quaisquer características “populares”, pelo que, se os restantes poemas da obra fossem como ele, o Album Heraldico seria (excepto na versificação) um livro do género do Romanceiro de Morais Sarmento, nada apresentando, pois, de tradicional. 1555 1556 1557 Sobre os pretensos amores de Bernardim com a infanta D. Beatriz. Sobre várias práticas supersticiosas (fundamentalmente divinatórias) ligadas à noite de S. João. É antecedida pela introdução que depois também saiu no Romanceiro, e que aqui traz a data de “Julho 22—1846”. 505 Ayres Pinto de Sousa [de Mendonça e Menezes], Bernardim Ribeiro, A Illustração. Jornal Universal, II, nº 5 (Agosto 1846), pp. 80, 84 e 88. Em quadras de tipo tradicional. Camilo Castelo Branco, O Pajem de Aljubarrota, Obras Completas do autor, org. de Justino Mendes de Almeida, XI, Porto, Lello & Irmão-Editores, 1990, pp. 58-62. Poema escrito em 1846? 1558 Em vários tipos de estrofes, fundamentalmente oitavas de heptassílabos. 1847 [Anónimo], Chacara do Traga-Mouros, O Jardim Litterario, I (1847), nº 2, p. 8. Em quadras de tipo tradicional, com um refrão de dois heptassílabos emparelhados. 1559 F. B., O Cruzado, O Jardim Litterario, I (1847), nº 7, pp. 55-56. Em quadras de heptassílabos. F. G. de Amorim, O Lidador. Chacara, O Jardim Litterario, I (1847), nº 24, pp. 187-188, e nº 25, pp. 194-196. Em quadras de tipo tradicional. 1558 1560 Na edição que usámos, não se indica a data do poema, dizendo-se apenas, em nota, que se trata duma “poesia recitada no Teatro Académico do Porto em 5 de Abril, por ocasião da récita do drama O Pajem de Aljubarrota”. É referência, obviamente, à peça, já referida, de Mendes Leal, que se editou em 1846, mas cuja data de representação no Porto ignoramos. 1559 Sobre a lenda de Gonçalo Hermigues, que, como vimos já, parece ter nascido com a Crónica de Cister de Frei Bernardo de Brito. 1560 Os poemas de Amorim (narrativos e outros) publicados n’ O Jardim Litterario estavam para sair em breve (segundo se informa numa notícia não assinada, mas que deve ser da redacção da revista, vol. IV —1º semestre de 1849— nº 25, p. 198), incluídos num livro com o título de Ensaios Poeticos, para que se pediam assinantes. Tal obra, porém, ao que sabemos, nunca chegou a ser editada. 506 [Anónimo], Atala ou os Amantes do Deserto. Romance lirico, Periodico Recreativo, nº 4 (1847), pp. 57-61. Em quadras de tipo tradicional. 1561 A[ugusto] Lima, Ardinia. Romance historico, Revista Universal Lisbonense, VI, nº 33 (19/8/1847), pp. 393-396, e nº 34 (29/8/1847), pp. 406-407. Em heptassílabos (quase todo o poema) e eneassílabos (uma pequena parte), agrupados em quadras de tipo tradicional (sobretudo) e em sextilhas. 1562 1848 Ayres Pinto de Sousa [de Mendonça e Menezes], 14 de Agosto de 1385. Aljubarrota. Poesia, Lisboa, Typ. de I. H. C. Semmedo, 1848. Em vários tipos de metros e de estrofes. 1563 J. F. de Serpa [Pimentel], A Lapa dos Esteios. Soláo, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 2), pp. 17-20. 1561 1564 Sobre a história contada no famoso romance do mesmo título (Atala ou les amours de deux sauvages dans le désert) de Chateaubriand (1801). É apenas o início do poema; no fim, diz que continua, mas este é o último número da revista que existe na Biblioteca Nacional. 1562 História de cristãos e mouros. Foi impressa em separata, com o mesmo título e subtítulo (Lisboa, Imprensa da Gazeta dos Tribunaes, 1847). Na separata, tem no fim a data de “Septembro 22, 1842” e, na p. 3, em nota, o autor diz: “Fui, em quanto o essencial, escrupulosamente fiel”, referindo como bibliografia a Chronica de Cister, de Fr. Bernardo de Brito. 1563 Sobre a crise de 1383-85, sobretudo a batalha de Aljubarrota. Talvez seja separata duma revista não identificada. 1564 O Trovador publicou-se entre 1844 e 1848 [ver F(átima) Freitas Morna, “O Trovador” in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, Lisboa, Editorial Caminho, 1997, pp. 559-561 (559)]. O que desta revista existe na Biblioteca Nacional é um exemplar da edição, feita em 1848, que reúne em volume os números antes publicados avulsamente. Dado que esses números não têm data própria de publicação, não a podemos indicar para cada um dos poemas que citamos. Porém, a fim de dar uma ideia da situação cronológica de cada um (mais ou menos próximo de 1844 ou de 1848), fornecemos sempre, antes da 507 Em oitavas de heptassílabos. 1565 J. de Lemos, Trova do Drama Historico em 4 Actos e 8 Quadros D. Maria Paes Ribeira, 1566 O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 5), pp. 76-77. Em sextilhas de heptassílabos. J. F. de Serpa [Pimentel], O Corujão do Bussaco. Ballada, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 6), pp. 92-94. Em quadras de tipo tradicional. 1567 J. de Lemos, Nossa Senhora do Pranto, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 7), pp. 97-101. Em heptassílabos agrupados em décimas, oitavas e nonas. 1568 A. X. R[odrigues] Cordeiro, As Três Damas, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 7), pp. 103-105 Em sextilhas de heptassílabos. 1569 indicação das páginas em que está o poema em causa, o número do fascículo em que ele saiu. Para realizar esse cálculo aproximado, tenha-se presente que a revista constou de 24 números. 1565 1566 Sobre esta balada (suposta versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. Esta peça, estreada em Coimbra, no Teatro Académico, em 1845, parece nunca ter sido publicada (ver Inocêncio, Diccionario Bibliographico cit., III, 1859, p. 397). 1567 Sobre esta balada (alegadamente a versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. 1568 Sobre esta balada (versificação dum passo da História de S. Domingos, de Fr. Luís de Sousa), ver atrás cap. VIII. 1569 Ao ser republicado na obra do autor Esparsas. Ensaios lyricos (I, Lisboa, Livraria de Antonio Maria Pereira, 1889, pp. 1-4), o poema traz a data de 1845. 508 A. X. R[odrigues] Cordeiro, A Tomada de Coimbra, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848 (nº 10), pp. 153-158. Em sextilhas de heptassílabos. 1570 J. Freyre de Serpa [Pimentel], A Moura no Deserto, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 19), pp. 301-303. Em sextilhas de heptassílabos. 1571 A. X. R[odrigues] Cordeiro, O Conde Assassino, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 22), pp. 344-346. Em quadras de tipo tradicional. J. Freyre de Serpa [Pimentel], N’ um Album. A Espada do Trovador. Solao, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 24), pp. 396-375. Em sextilhas de heptassílabos. 1570 Poema sobre a conquista de Coimbra por Fernando III, ajudado por Santiago, que aparece em forma de cavaleiro. Na conquista participa o Cid e o rei arma-o cavaleiro como recompensa. No fim, tem a seguinte nota de rodapé: “Quatro romances populares antigos nos dizem que o Cid foi armado cavalleiro em Coimbra”. Não sabemos a que romances se referirá Cordeiro. Pela nossa parte, apenas conseguimos encontrar dois romances que narrem tal episódio: o que começa “Cercada tiene a Coimbra / Aquese buen rey Fernando” e o que começa “Llegado es el Rey don Sancho / Sobre Zamora esa villa” (neste, o facto é apenas aludido de passagem — vv. 22-3 “Fízoos [...] / [...] caballero en Coimbra”), ambos do romanceiro de Sepúlveda (ver Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, cit., nºs XXIX e LV). Talvez que um dos outros romances a que se refere Cordeiro seja o Afuera, afuera, Rodrigo (C. Michaëlis, op. cit., nº LIV), onde Ximena lança à cara do Cid (quando este vem tirar-lhe Zamora) que ele foi armado cavaleiro pelo falecido rei e que ela própria lhe calçou as esporas. No entanto, neste romance tal acção não é apresentada como tendo sido passada em Coimbra, mas sim “En el altar de Santiago”, o que pareceria referência a Compostela. Ao ser republicado na obra do autor Esparsas. Ensaios lyricos (I, Lisboa, Livraria de Antonio Maria Pereira, 1889, pp. 23-29), o presente poema traz a data de 1846. 1571 O texto é formado por seis sextilhas. Estas, do ponto de vista rimático, estão unidas duas a duas, já que os versos pares de cada um desses grupos de duas estrofes têm rima igual. O poema aproxima-se, pois, da versificação própria do romance. 509 F. G. de Amorim, Duarte Pacheco. Chacara, O Jardim Litterario, II (1º semestre de 1848), nº 16, pp. 127-128. Em quadras de eneassílabos. I. M. da R., D. Ruy, O Jardim Litterario, II (1º semestre de 1848), nº 25, p. 199. Em quadras de tipo tradicional. J[oaquim] da C[osta] Cascaes, Pedro Sem, Revista Universal Lisbonense, VII, nº 5 (6/1/1848), pp. 56-57. Em quadras de tipo tradicional. 1572 L[uiz] A[ntonio] Ribeiro de Sá, As Armas dos Menezes, Revista Universal Lisbonense, VII, nº 13 (2/3/1848), pp. 151-152. É um romance, embora os versos estejam divididos por quadras. 1573 J[oão Francisco] Dubraz, Dom Florisel. Romance Original, O Farol, [I], nº 6 (29/4/1848), p. 48, nº 7 (6/5/1848), pp. 55-56, nº 8 (13/5/1848), pp. 63-64, e nº 9 (20/5/1848), p. 72. Em quadras de tipo tradicional. 1574 A[ntonio] de Serpa [Pimentel], A Filha do Castellão, Revista Popular, I, nº 12 (20/5/1848), pp. 95-96. Em sextilhas, cada uma de versos de 7 e de 3 sílabas. J[oão Francisco] Dubraz, O Caçador (Fragmento d’ um conto inedito), O Farol, [I], nº 10 (27/5/1848), pp. 79-80. 1572 Sobre esta balada (versificação duma lenda tradicional), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. 1573 1574 Sobre a lenda genealógica desta família. Integrado no poema, há (no nº 8) um texto (com o título próprio de O Captivo), apresentado como uma canção entoada por certa personagem. Tal texto, depois de muitíssimo retocado por Veiga, tornou-se o romance O Paladim Captivo por ele incluído no Romanceiro do Algarve (ver através o subcapítulo que lhe dedicámos integrado no cap. VIII). 510 Em heptassílabos agrupados em estrofes de vário tipo. J[oão Francisco] Dubraz, Don Sisnando ou os Encantos do Chevora (Episodio d’ uma obra inedita), O Farol, [I], nº 11 (3/6/1848), p. 88, nº 12 (10/6/1848), p. 95, nº 13 817/6/1848), pp. 103-104, e nº 14 (24/6/1848), pp. 111-112. Em quadras de heptassílabos. A[ugusto?] C[esar?] Corrêa [de Lacerda?], O Castello d’ Alfeisirão, O Farol, [I], nº 17 (15/7/1848), pp. 135-136, nº 19 (29/7/1848), p. 152, nº 22 (19/8/1848), p. 176,e nº 24 (2/9/1848), pp. 191-192. Em estrofes de 12 heptassílabos. J[oão Francisco] Dubraz, O Pagem. Soláo, O Farol, [I], nº 18 (22/7/1848), pp. 143144. Em heptassílabos e pentassílabos, estrofes de vário tipo. Camilo Castelo Branco, Crença, O Nacional, 11/8/1848 (citamos pela sua republicação nas Obras Completas do autor, org. de Justino Mendes de Almeida, XI, Porto, Lello & Irmão-Editores, 1990, pp. 20-25). Em vários tipos de estrofes, todas de heptassílabos. J[oaquim] da C[osta] Cascaes, Romance do 4º Acto do Drama Original — O Alcaide de Faro, Revista Universal Lisbonense, VII, nº 40 (7/9/1848), p. 477. 1575 Em vários metros (5, 7 e 10 sílabas) e vários tipos de estrofes. L. C., O Árabe, O Farol, [II], nº 25 (9/9/1848), pp. 7-8. Em sextilhas de heptassílabos e trissílabos. A[ntonio] de Serpa [Pimentel], O Rei Rodrigo, O Farol, [II], nº 31 (21/9/1848), p. 56. Em sextilhas de heptassílabos. 1575 1576 O Alcaide de Faro só parece ter sido publicado postumamente, em J. da Costa Cascaes, Theatro, II, Com uma noticia sobre o auctor e a sua obra dramatica por Maximiliano de Azevedo, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904, pp. 65-136 (o poema está a pp. 104-105, com o título A Sultana de Granada). 511 A[ntonio] de Serpa [Pimentel], A Virgem Christã, O Farol, [II], nº 35 (18/11/1848), p. 88. Em estrofes de vário tipo, de vv. de 10, 6 e 7 sílabas. 1849 João [Corrêa Manoel] de Aboim, 1577 Poesias, I: O Livro da Minha Alma, Rio de Janeiro, 1849. Inclui: Romance do Drama “Conde Miguel” 1578 (pp. 122-6). Em sextilhas de heptassílabos; Chamma d’ Amor. Ballada alemã (pp. 127-135). Em quintilhas de heptassílabos; 1579 e A Senhora e o Pagem (pp. 139-144). Em sextilhas de heptassílabos. Alexandre Braga, Vozes d’ Alma, Porto, Typ. de J. L. de Sousa, 1849. Inclui: Gonçalo Hermigues (pp. 1-13). Em quadras de tipo tradicional; Saluquia (pp. 21-38). Sobretudo em decassílabos brancos; 1580 1581 Leonardo (Romance maritimo), pp. 201-9. Em decassílabos brancos; e O Triumpho, pp. 67-74. Em sextilhas de heptassílabos. D. João d’ Azevedo [de Sá Coutinho], D. Ramiro [,] Senhor d’ Armamar. Romance, in AA. VV., Collecção de Poesias Offerecidas aos Assignantes da Revista Popular, Lisboa, Imprensa Nacional, 1849, pp. 57-73. Em vários tipos de metros (sobretudo heptassílabos) e de estrofes. 1576 Sobre a morte do rei, que se teria dado no fim da batalha, quando ele, fugindo, atravessava o Guadalete. 1577 1578 1579 1580 Embora esta obra tenha sido publicada no Brasil, o autor era português. Esta peça parece nunca ter sido publicada. A acção do poema, não obstante o subtítulo, passa-se em Espanha. Sobre a lenda dos amores de Gonçalo Hermigues com Ouroana, que, como dissemos já, parece vir da Crónica de Cister de Brito. 1581 Esta balada tem como base uma lenda de moura encantada (ver atrás cap. VIII). Quanto à versificação do texto, note-se que a parte que consiste numa canção entoada por uma personagem é em sextilhas de heptassílabos. 512 A[ntonio] de Serpa [Pimentel], A Filha do Castellão, in AA. VV., Collecção de Poesias Offerecidas aos Assignantes da Revista Popular, Lisboa, Imprensa Nacional, 1849, pp. 28-32. Republicação do texto saído em 1848. J[osé] F[reire] de Serpa Pimentel, Cancioneiro. Parte primeira: 1582 Solaos, Coimbra, na Imprensa de E. Trovão, 1849. Contém: Cindasunda ou o Brasão de Coimbra (pp. 1-16). Republicação do texto saído duas vezes em 1840; O Penedo da Saudade (pp. 17-20). Em sextilhas de heptassílabos; 1583 Bernardim Ribeiro (pp. 21-31). Republicação do texto saído em 1846; Ignez de Castro, ou a Fonte dos Amores (pp. 33-40). Em sextilhas de heptassílabos; 1582 1584 A indicação “Parte primeira” tem a ver com o facto de ser este o vol. I duma projectada obra. Dela se diz na contracapa do presente livro: “Vão publicar-se o 2º Volume, que contem os —Lyricos— e o treceiro[sic] Volume, (primeiro do Theatro) que contem os Dramas: D. Sisnando, (segunda Edição) e O Arabe”. Não conseguimos encontrar o indicado vol. II de tal obra, nem temos notícia de ter sido publicado, e, quanto a poemas líricos do autor, conhecemos apenas uma colectânea, em dois pequenos volumes: J. F. de S. P. [sic], O Infanção das Trovas. Fragmentos de uma historia colligidos por..., Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1843 (é um conto de ambiente medieval, mas tem, intercalados, vários poemas líricos) e O Infanção das Trovas. Segundo fadario. Armonias, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1844 (são só poemas, líricos, nenhum de ambiente medieval). Quanto ao anunciado III vol. da obra de Serpa Pimentel, esclareça-se que saiu, efectivamente um livro dele que, na frontispício, indica conter as duas peças referidas na contracapa do Cancioneiro. Porém, o exemplar que desse livro existe na Biblioteca Nacional —e não parece estar incompleto— contém, afinal, apenas, a primeira de tais peças (ver J. F. de Serpa Pimentel, Theatro de...., 2ª ed., I: D. Sisnando. — O Arabe, Coimbra, Na Imprensa de Trovão, 1850; a peça apresenta, na página em que começa o texto, o seu título completo: D. Sisnando, Conde de Coimbra). Essa peça saira inicialmente em 1838 (José Freire de Serpa Pimentel, Theatro, I: D. Sisnando, Conde de Coimbra, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1838). É possível que o anunciado drama O Arabe fosse, com outro título, a 2ª ed. duma peça que já saira em 1840, formando o II vol. do Theatro de Pimentel: José Freire de Serpa Pimentel, Theatro de..., 2º: O Almançor AbenAfan, Ultimo Rei do Algarve, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1840. Do Theatro do autor há ainda um vol. III: D. Sancho, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1846. 1583 1584 Apresenta-se como a versificação duma lenda. Ver sobre este texto o cap. VIII. É um texto fundamentalmente lírico, em que se evoca a figura de D. Inês. 513 San Thiago e Belzebut (pp. 41-56). Republicação do texto saído em 1844; D. Martim (pp. 57-59). Republicação do texto saído três vezes em 1840; A Moura do Deserto (pp. 61-63). Republicação do texto saído em 1848, com o título de A Moura no Deserto; D. Egas Moniz ou o Castello da Louzan (pp. 65-79). Republicação do texto saído duas vezes em 1840; 1585 Goésto Anzur, ou o Brasão dos Figueiredos (pp. 81-84). Em décimas de heptassílabos; 1586 A Virgem Martyr, Santa Comba (pp. 85-96). Republicação do texto saído três vezes em 1840; Camões na Gruta de Macáo, ou a Vespera dos Luziadas (pp. 97-101). Em sextilhas de heptassílabos; 1587 Engracia Ramila (pp. 103-114). Republicação do texto saído em 1845; A Negra Façanha de Sub-Ripas, ou o Infante D. João (pp. 117-123). Republicação do poema que, com o título de A Morte de D. Maria Telles, saiu em 1840-41; 1588 O Cid (pp. 125-130). Republicação do texto saído em 1845(?); Caio Carpo, ou o Brasão dos Pimenteis (pp. 131-138). Em heptassílabos (sobretudo) e quadrissílabos, estrofes de vário tipo; 1589 A Lapa dos Esteios (pp. 139-143). Republicação do texto saído em 1848; O Romeiro (pp. 145-146). Em quintilhas de heptassílabos; D. Lucinda Moniz, ou a Emparedada de Penacova (pp. 147-155). Republicação do texto saído em 1842; O Corujão do Bussaco (pp. 157-160). Republicação do texto saído em 1848; O Grão Beirão ou as Bodas de Viriato (pp. 161-175). Republicação do texto saído em 1840; A Torre d’ Hercules (pp. 177-181). Republicação do texto saído em 1840; 1585 1586 1587 1588 1589 capítulo VIII. No texto de 1840, omite-se, no título do poema, o apelido “Moniz”. Sobre a lenda contada no chamado Cantar dos Figueiredos. É um poema praticamente lírico, em que fala Camões, lastimando-se da sua vida. I. e., na Revista Academica, nº 15 (s/ d.; 1845?). Sobre esta balada (que se apresenta como a versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no 514 A Espada do Trovador (pp. 193-196). Republicação do texto saído em 1848, com o título de N’ um Album. A Espada do Trovador; A Captiva de Burgos (pp. 192-6). Em sextilhas de heptassílabos. 1590 J.[sic, por I, de Ignacio] F[rancisco] Silveira da Motta, D. Diogo da Cunha. Romance, O Cancioneiro Lusitano, I (1849), nº 1, pp. 9-14, nº 2, pp. 17-19, e nº 3, pp. 33-37. Quase exclusivamente em heptassílabos, agrupados maioritariamente em quadras de tipo tradicional, mas também noutros tipos de estrofes, sobretudo várias sextilhas. [Anónimo], O Juramento, O Cancioneiro Lusitano, I (1849), nº 4, pp. 51-55. Em quadras de tipo tradicional. A[ntonio] de Serpa [Pimentel], Lucrecia Portugueza, A Epoca, II (1849), nº 42, pp. 227-8. Em nonas de heptassílabos. Silva Ferraz, Macias o Namorado. Romance historico, O Litterario Popular, [nº 1] [1849], pp. 7-8, nº 2, pp. 15-16, nº 3, p. 24, nº 4, pp. 31-32, e nº 5, pp. 39-40. Em quadras de eneassílabos. 1591 M[anoel] J[osé] da Silva Rosa Junior, Frey João, o Eremita, A Lyra da Mocidade, nº 1 (1849), pp. 2-5. Em heptassílabos, estrofes de vário tipo. Alexandre José da Silva Braga Junior, O Triumpho, A Lyra da Mocidade, nº 2 (1849), pp. 27-32. Republicação (ou pré-publicação) do texto saído no mesmo ano na obra do autor Vozes d’ Alma. Gomes de Amorim, Bernardim Ribeiro, O Semanario Curioso, nº 1 (1849), p. 8, nº 2 (1849), p. 16, nº 3 (1849), pp. 23-24, nº 4 (1849), pp. 31-32, nº 5 (1849), pp. 39-40, nº 6 1590 1591 em 1850. Sobre esta balada (pretensa versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. Ver a nota que acompanha a referência que, mais à frente, fazemos à republicação deste poema, 515 (1849), pp. 47-48, nº 7 (1849), pp. 55-56, nº 8 (1849), pp. 63-64, nº 9 (1850), pp. 71-72, nº 10 (1850), pp. 79-80, nº 11 (1850), pp. 87-88, e nº 12 (1850), pp. 95-96. Em sextilhas de heptassílabos. F. G. de Amorim, Ibrahim. Romance de amor, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de 1849), nº 1, pp. 6-7, nº 2, pp. 11-12, nº 3, pp. 19-20, nº 4, pp. 26-27, nº 5, pp. 37-39, nº 6, pp. 42-43, nº 7, pp. 50-52,e nº 8, pp. 58-60. Em heptassílabos, agrupados em quadras (só algumas de tipo popular), sextilhas, oitavas e nonas. 1592 F. G. de Amorim, O Castello de Almourol, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de 1849), nº 17, pp. 133-134, nº 18, pp. 141-143, nº 19, pp. 149-150, e nº 20, pp. 157-158. Em heptassílabos agrupados em estrofes de diferentes tipos. 1593 F. Gomes de Amorim, O Diabo, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de 1849), nº 21, pp. 166-167. É um romance, embora os seus versos estejam agrupados em quadras. 1594 Henrique Monteiro, D. Vivaldo, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, I, nº 11 (18/1/1849), pp. 125-129. Em sextilhas de heptassílabos. [Antonio Pereira da Cunha], 1595 O Poço de Dona Sancha (Tradição popular do Minho), Revista Popular, II, nº 8 (28/4/1849), pp. 60-62. É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras. 1592 1593 1594 1596 Passa-se em Granada, no tempo dos Mouros. Em certas partes não é narrativo, mas lírico. Sobre esta balada (pretensa versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. É um poema cómico. Entre as personagens, contam-se um conde “Arnaldo” e uma condessa “Ignez de Alamar”, que recordam nomes do romanceiro. Sobre esta balada (que se apresenta como a versificação dum “caso”), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. 1595 O poema não está assinado. Porém, Inocêncio (Diccionario, cit., VIII, 1867, p. 275) refere este poema como sendo de Pereira da Cunha. Atribui também ao mesmo autor um D. Sapo (e denomina ambos “romances em verso de tradição popular”), de que, tal como do outro, não tem “conhecimento ocular”. Não encontrámos o D. Sapo em nenhuma das revistas ou livros que consultámos. 516 L. A. Palmeirim, Caçada Real, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, I, nº 33 (21/6/1849), pp. 390-392. É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras. 1597 F. Gomes de Amorim, O Jau, O Jardim Litterario, V (2º semestre de 1849), nº 27, pp. 215-216. Em sextilhas de heptassílabos. 1598 F. Gomes de Amorim, Martim Moniz, O Jardim Litterario, V (2º semestre de 1849), nº 28, pp. 223-224. Em sextilhas de heptassílabos. C. J. Dias, O Romeiro, O Jardim Litterario, V (2º semestre de 1849), nº 39, pp. 215216, e nº 40, pp. 319-320. Em sextilhas de heptassílabos. F. Gomes de Amorim, O Adail Lopo Barriga, O Jardim Litterario, V (2º semestre de 1849), nº 50, p. 319. Em nonas de heptassílabos. 1599 A. de Tavares, O Ginete de Batalha. Romance, A Patria, 24/7/1849, pp. 1-2. Em quadras de tipo tradicional. A. P[ereira] da Cunha, A Filha por um Cavallo, A Patria, 7/8/1849, p. 1. Em quadras de vv. de 11 sílabas. 1596 1600 Sobre esta balada (que se apresenta como a versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII. 1597 Sobre os amores de D. João V com a Madre Paula. Linguagem com visos de popular. Tem a seguinte dedicatória: “Ao auctor do Camões — e D. Branca”. 1598 Sobre Camões e o escravo jau (i. e., javanês) que a lenda lhe atribui, e cujo gentílico, no séc. XIX, muitas vezes se interpretou como um nome próprio. 1599 O poema passa-se no tempo das conquistas no norte de África. 517 R. A. de Bulhão Pato, Zilla. Romance, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, II, nº 1 (11/10/1849), pp. 9-10, nº 2 (18/10/1849), pp. 19-20, nº 3 (25/10/1849), pp. 31-32, nº 5 (8/11/1849), p. 56, nº 6 (15/11/1849), pp. 68-69, nº 7 (22/11/1849), pp. 81-82, nº 8 (29/11/1849), pp. 90-91, nº 10 (13/12/1849), pp. 117-118, e nº 11 (20/12/1849), pp. 126-128. Em vários tipos de metros e de estrofes. 1601 Camilo Castelo Branco, A Castelã de Baião. Solau, O Nacional, 30/11/1849 (citamos pela sua republicação nas Obras Completas do autor, org. de Justino Mendes de Almeida, XI, Porto, Lello & Irmão-Editores, 1990, pp. 101-110). Em diversos metros (heptassílabos na grande maioria) e vários tipos de estrofes (sobretudo quadras de tipo tradicional). 1850 D. João de Azevedo, Antonio Pereira da Cunha e João Machado Pinheiro [Corrêa de Mello], Passeios na Povoa, Porto, Typographia Nacional, 1850. Inclui: um poema sem título (pp. 62-69), de Antonio Pereira da Cunha. Em sextilhas de heptassílabos. 1602 J. S. da Silva Ferraz, Macias o Namorado. Romance hespanhol em verso (1409?), Porto, Na Typographia de S. J. Pereira, 1850. Republicação do texto saído em 1849. 1600 1603 Poema narrativo e, em certas partes, lírico. Em nota, diz-se que “este romance” é sobre a “batalha civil do Porto em 1245”. 1601 1602 Sobre amores e desventuras duma moura de Granada. As personagens são mouros e cristãos. Os Passeios na Povoa são compostos por capítulos (cada um de seu autor), sobretudo em prosa, mas com alguns poemas misturados. 1603 O subtítulo desta edição em livro do poema (título diferente do que tem na edição em revista publicada em 1849 — q. v.) talvez indique que o poema é imitação/tradução dum texto espanhol, que não sabemos qual seja. A data que surge no subtítulo não se refere, obviamente, à redacção do (hipotético) poema original, mas sim à morte de Macías, famoso trovador galego, cuja trágica história se narra nesta obra: Macías 518 R. A. de Bulhão Pato, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Universal, 1850. Inclui: Zilla. Romance (pp. 1-41). Republicação do texto saído em 1849; e D. Claros. Romance (pp. 73-86). Em heptassílabos, agrupados em estrofes de vários tipos. 1604 F[rancisco] Palha, A Infanta de Castella. Lenda popular, A Semana, I, nº 3 (Janeiro 1850), pp. 23-24, nº 4 (Janeiro 1850), pp. 30-32, nº 5 (Fevereiro 1850), pp. 39-40, e nº 6 (Fevereiro 1850), pp. 47-48. É um romance. 1605 A. B. da Silva Azevedo, O Pagem do Castellão, Apollo, nº 3 (19/1/1850), pp. 11-12 e nº 4 (26/1/1850), pp. 15-16 É, na sua quase totalidade, um romance. A. Cabral Couceiro, Affonso e Elvira. Chacara, O Jardim Litterario, VI, nº 8 (22/2/1850), pp. 62-63. É um romance, embora os versos estejam agrupados por quadras. Antonio Pereira da Cunha, O Conde Alarcos, Revista Popular, III, nº 34 (23/4/1850), pp. 272-274. Em heptassílabos agrupados em estrofes de vário tipo. 1606 P. A. de Moraes Pimentel, O Castello de Celorico, A Patria, 27/4/1850, pp. 1-2. teria estado apaixonado por uma dama nobre, que se casa com outro; o poeta é, então, preso por esses amores; o marido da senhora vai à cadeia e mata-o. 1604 Inspira-se no romance do Conde Claros e a Princesa Acusada. Sobre esta balada, ver o que deixamos dito no cap. VIII. 1605 Narra uma história em que, juntamente com muitos pormenores inventados, se sucedem acções derivadas dos seguintes temas romancísticos: Infantina, Cavaleiro Enganado, Dom Boso e a Irmã Cativa e Conde Alarcos. Sobre esta balada, ver o que escrevemos no cap. VIII. 1606 Sobre esta balada (reenversamento do romance tradicional Conde Alarcos) ver o que deixamos dito no cap. VIII. 519 Em sextilhas de heptassílabos. 1607 F[rancisco] Palha, A Aposta do Rei. Lenda popular, A Semana, I, nº 18 (Maio 1850), pp. 143-144. É, fundamentalmente, um romance, mas tem uma parte em quintilhas de heptassílabos. 1608 L[uiz] A[ntonio] Ribeiro de Sá, Illusão. Romance, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, II, nº 31 (9/5/1850), pp. 373-374. Em heptassílabos de rima emparelhada, agrupados numa única longa estrofe. 1609 F. Gomes de Amorim, Sigifredo, O Jardim Litterario, VI, nº 21 (24/5/1850), pp. 6263, e nº 22 (31/5/1850). Em estrofes de número variável de heptassílabos. P. A. de Moraes Pimentel, D. Pedro Affonso, A Patria, 8/6/1850, pp. 1-2. Em sextilhas de heptassílabos. D. A[ntonia] G[ertrudes] Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular, Assembléa Litteraria, nº 34 (29/6/1850), pp. 20-21. Republicação do texto saído em 1845. R. A. de Bulhão Pato, D. Claros. Romance, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, II, nº 39 (4/7/1850), pp. 471-472, e nº 41 (18/7/1850), pp. 496-497. Republicação (ou pré-publicação) do texto saído em volume no mesmo ano de 1850. [Anónimo], D. Fernão Mendes Alão, o Bravo, A Patria, 27/7/1850, pp. 1-2. Em sextilhas de heptassílabos 1607 Sobre a lenda da truta durante o cerco a Celorico, no início do reinado de D. Afonso III, sendo alcaide Martim de Freitas, que dera voz por D. Sancho II. 1608 Baseia-se numa versão (certamente oral, já que, em 1850, não as havia impressas, antigas ou modernas) da Aposta Ganha. Sobre esta balada de Palha, ver o que escrevemos no cap. VIII. 1609 O poema (datado, no fim, de 1845) é sobre uma Silvana, que se suicida por amor dum cavaleiro. 520 1851 Luis Augusto Palmeirim, Poesias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851. Inclui: Caçada Real (pp. 291-8). Republicação do texto saído em 1849; As Tres Encantadas (pp. 337-42). Republicação do texto saído em 1844; e O Trovador. Solau (pp. 343-54). Em quadras de quadrissílabos. 1610 A[ntonio] de Serpa [Pimentel], Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1851. Inclui: O Pagem (pp. 5-9). Em sextilhas de trissílabos e heptassílabos; O Rei Rodrigo (pp. 17-19). Republicação do texto saído em 1848; A Virgem Christã (pp. 21-24). Republicação do texto saído em 1848; Lucrecia Portugueza (pp. 25-9). Republicação do texto saído em 1849; e O Canto do Crusado (pp. 31-35). Em sextilhas de heptassílabos. Luiz Ribeiro [de Sottomaior?], O Bem-me-Quer, A Esmeralda, I, nº 29 (1/1/1851), pp. 230-231. Em quadras de tipo tradicional. Alexandre Braga, Poesia. Romance, O Pirata, I, nº 43 (4/1/1851), pp. 341-344. Em oitavas de heptassílabos. José Maria Affonso, A Torre dos Amores. Rimance, Assembléa Litteraria, 2ª série, nº 11 (9/2/1851), pp. 83-84, e nº 12 (16/2/1851), pp. 91-92. É um romance. O. R. D. P. B., A Monja d’ Arouca, Miscellanea Poetica, I, nº 7 (13/2/1851), pp. 4951. 1610 Estes três poemas estão (com muitos outros) inseridos numa parte do livro que tem o título de “Poesias Populares”. Nas pp. 455-6, diz-se, em nota a O Trovador. Solau: “Este genero ‘solau’ foi encetado pelo Sr. José Freire de Serpa, auctor d’ um volume de solaus, apreciaveis pelo singelo perfume de nacionalidade que respiram”. Desse livro, Palmeirim afirma preferir Cindazunda e Dona Lucinda Moniz. 521 Em sétimas de heptassílabos. 1611 J. Pacheco, Rinaldo o Trovador, Assembléa Litteraria, 2ª série, nº 13 (23/2/1851), pp. 100-101. É um romance. A. M. Ventura, A Sombra do Campeador. Xacara, O Jardim Litterario, VII, nº 21 (22/5/1851), pp. 166-167, nº 22 (29/5/1851), p. 175, nº 23 (5/6/1851), pp. 182-183, nº 24 (13/6/1851),e pp. 191-192. Em quadras (sobretudo) e sextilhas, de vv. de 7 (sobretudo), 5 e 10 sílabas. Várias das quadras são de tipo popular. [José Maria Affonso], A Torre dos Amores. Rimance, O Domingueiro, nº 3 (8/6/1851), pp. [3]-[4], nº 4 (15/6/1851), p. [4], e nº 5 (22/6/1851), p. [4]. Republicação do texto saído no mesmo ano. P. A. de Moraes Pimentel, Gonçalo Hermigues, O Portugal, 23/6/1851, pp. 1-4. É sobretudo em heptassílabos (quadras de tipo tradicional e sextilhas), mas também em quadras de eneassílabos. 1612 P. A. de Moraes Pimentel, Nuno Gonçalves de Faria, O Portugal, 22/7/1851, pp. 12. Em sextilhas de heptassílabos. 1613 Augusto P[ereira?] S[Soromenho?], Affonso e Isaura, Miscellanea Poetica, II, nº 5 (4/9/1851), pp. 37-38. Sobretudo em quadras de tipo tradicional. 1611 1614 É versificação duma história que vem no Nobiliário do Conde D. Pedro, como se diz em nota (p. 51). 1612 É a versificação da lenda do “Traga-Mouros”, que, como dissemos já mais duma vez, parece ter nascido com a Crónica de Cister de Frei Bernardo de Brito. 1613 1614 É a história do alcaide de Faria, que se manteve fiel ao destronado D. Sancho II. A balada conta a história dum cavaleiro que, ao regressar da Palestina, vai disfarçado ver a noiva e diz-lhe que o noivo se casou por lá. Ela desmaia. Ele dá-se, então, a conhecer e explica que procedeu assim 522 A. de Tavares, A Lança e a Lyra. Ballada, O Portugal (Porto), 14/10/1851, pp. 1-2. Em quadras de tipo tradicional. J[oão] Machado Pinheiro [Corrêa de Mello], A Noviça, Miscellanea Poetica, II, nº 8 (16/10/1851), pp. 61-64. Em vários tipos de metros e estrofes. 1615 1852 F[rancisco] Palha, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1852. Inclui: A Infanta de Castella (pp. 55-85). Republicação do texto saído em 1850; e A Aposta do Rei. Lenda Popular (pp. 87-94). Republicação do texto saído em 1850; 1616 R., Isabel. Romance, O Jardim Litterario, VIII, nº 2 (9/1/1852), pp. 10-11, nº 3 (16/1/1852), pp. 18-19, nº 4 (23/1/1852), pp. 26-27,e. nº 5 (30/1/1851), pp. 38-39. Em boa parte, é em versos de romance, embora a assonância vá mudando e os versos estejam agrupados em estrofes. B. J. Ribeiro, 1617 Um Passeio á Foz, Jornal dos Operarios, nº 2 (29/2/1852), pp. [2]- [5]. para a pôr à prova. Casam. Esta história, como se vê, é bastante parecida com a do Regresso do Marido. O texto acaba com um dístico que se encontra muitas vezes como fórmula de fecho em versões de contos tradicionais: “Victoria e Victoria / Acabou-se a historia”. 1615 1616 Sobre esta balada, versificação duma pretensa lenda tradicional, ver atrás o cap. VIII. Estes poemas pertencem a uma secção do livro intitulada “Romances Populares”, que inclui ainda Dona Guiomar (pp. 97-109). Este último texto é uma versão da Donzela Guerreira, que, tirando o final (desde a partida de D. Marcos da guerra para ver o pai “moribundo”), é bastante parecida com as versões tradicionais, não devendo ter sido muito modificada por Palha. Portanto, não se justifica a sua inclusão na presente lista de baladas originais. 1617 O nome do autor é seguido da indicação “Typographo”, sem dúvida que a sua profissão. Note-se que o poema está publicado num jornal de operários. 523 É um romance. 1618 T[ito] A[ugusto] D[uarte de] de Noronha, A Filha do Castellão, O Jardim Litterario, VIII, nº 26 (26/6/1852), pp. 206-208, nº 27 (3/7/1852), pp. 214-6,e nº 28 (10/7/1852), p. 222 Vários tipos de metros e de estrofes. A. X. R[odrigues] Cordeiro, A Doida de Albano, Miscellanea Poetica, II, nº 25 (Agosto 1852), pp. 195-196. Em sextilhas de heptassílabos. 1619 1853 J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I: Romances da Renascença, 3ª ed., Lisboa, Viuva Bertrand e Filhos, 1853. Contém os seguintes poemas: Adozinda. Romance (pp. 22-96). Republicação do texto saído em 1828 e 1843; 1618 O texto passa-se na actualidade. Porém, durante o passeio que dois namorados fazem de barco, ele conta a história de Gaia e D. Ramiro. Em nota, diz o autor: a Miragaia de Garrett “nos induziu ao atrevimento de rabiscar estes poucos versos”, acrescentando: “Os que não são da nossa lavra vão virgulados” (i. e., entre aspas), e são da Miragaia [que saíra no Jornal das Bellas Artes, I (1843); a sua inclusão no Romanceiro, I, dar-se-ia só na 3ª ed. (1853)]. 1619 Ao ser incluído (com o subtítulo de “Ballada”) na obra do autor Esparsas. Ensaios lyricos (I, Lisboa, Livraria de Antonio Maria Pereira, 1889, pp. 83-86), o poema traz a data de 1856, o que, naturalmente, é erro, já que, como vimos, estava publicado desde, pelo menos, 1852. No II vol. desta obra de Cordeiro (Lisboa, Livraria de Antonio Maria Pereira, s/d., pp. 225-6), há uma nota sobre A Doida d’ Albano, onde se diz, nomeadamente: “foi talvez pela sua feição dramatica que esta ballada alcançou a voga que teve no seu tempo. Pediam-se copias, decorava-se, representava-se nas salas, não havia familia que a não conhecesse, ou cujos filhos a não soubessem” (p. 226). Há uma versão ligeiramente tradicionalizada deste poema (recolhida de informante da ilha Graciosa) em Manuel da Costa Fontes, Romanceiro Português do Canadá, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1979, nº 501. Assinale-se que a nossa colega de Faculdade Adriana Nogueira conhece de cor parte deste poema, que aprendeu com seu pai, o qual o sabe (ou soube) na totalidade, tendo-o aprendido por tradição familiar e não através da leitura. 524 Bernal-Francez. Romance (pp. 101-116). Republicação do texto saído em 1828, 1836 (de ambas as vezes, com o título de Romance de Bernal e Violante) e 1843 (aqui, já com o título Bernal-Francez); Noite de San’ João. Romance (pp. 131-4). Republicação do texto saído em 1843; O Anjo e a Princeza. Legenda (pp. 145-154). Republicação do texto saído em 1843; O Chapim d’ Elrei ou Parras Verdes. Xacara (pp. 157-171). Republicação do texto saído em 1843; Rosalinda. Romance (pp. 179-185). Republicação do texto saído em 1843; Miragaia (pp. 205-238). Republicação do texto saído em 1843; 1620 e Por Bem, [ou] as Pêgas de Cintra (pp. 271-5). Republicação do texto saído em 1846. Manoel de Torres Mangas, O Seductor e a Virgem. Rimance, O Jardim Litterario, IX, nº 7 (18/2/1853), pp. 55-56. Em quadras de tipo tradicional e em sextilhas de heptassílabos. Carlos Silva, A Vingança do Turco. Chacara, O Jardim Litterario, IX, nº 8 (25/2/1853), pp. 62-64, e nº 9 (4/3/1853). Em quadras de tipo tradicional (sobretudo) e em sextilhas de heptassílabos. A. Ayres [de Gouvêa], 1622 1621 A Sernada, O Novo Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por alguns academicos, Coimbra, Imprensa de E. Trovão, 1856, pp. 82-9 1623 1620 Ao contrário dos poemas anteriores, este não saiu na ed. de 1843 do Romanceiro, mas sim, embora no mesmo ano, no Jornal das Bellas Artes. 1621 1622 1623 O poema passa-se na corte do sultão da Turquia. O segundo apelido do autor é indicado apenas no índice da revista, p. 209. O Novo Trovador publicou-se entre 1851 e 1856 [ver F(átima) Freitas Morna, “O Novo Trovador” in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, Lisboa, Editorial Caminho, 1997, pp. 378-9 (378)]. Passa-se com esta revista um problema do mesmo tipo do que verificámos a propósito de O Trovador. Na verdade, o que d’ O Novo Trovador existe na Biblioteca Nacional é um exemplar da edição, feita em 1856, que reúne em volume os números antes publicados avulsamente. Dado que esses números não têm data própria de publicação, é muito difícil determinar quando saiu cada um deles. Porém, este poema está datado, no fim, de “Sernada — Junho, 1852”. Assim, permitimo-nos inseri-lo entre os 525 Em quadras de heptassílabos. 1624 L[uiz] R[ibeiro] [de Sottomaior], O Não. Lenda, O Portugal (Porto), 14/5/1853, pp. 1-2 e 17/5/1853, pp. 1-2. Poema dividido em cinco partes. Em três delas, é um romance, embora a assonância seja diferente em cada uma dessas partes. O resto do poema é em sextilhas de heptassílabos. 1625 A[ntonia] G[ertrudes] Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular, A Beneficencia, nº 17 (1/7/1853), pp. 3-5. Republicação do texto saído em 1850. Manoel de Torres Mangas, Os Fantasmas, O Jardim Litterario, IX, nº 20 (20/5/1853), pp. 159-160, nº 21 (27/6/1853), pp. 167-8, e nº 22 (3/7/1853), pp. 174-5. Em quadras de tipo tradicional. 1854 Guilhermino Augusto [de Barros], O Coração Magnânimo. Conto, O Bardo. Jornal de poesias ineditas publicadas desde Março de 1852 a Março de 1854, Porto, Na Typographia de Sebastião José Pereira, 1854, (fasc. nº 20), pp. 309-311. 1626 Em quadras de tipo tradicional. textos publicados em 1853. Pensamos não ter errado muito, tanto mais que ele está incluído no fascículo nº 5 (pp. 82-89), e a revista teve um total de 12 fascículos. 1624 1625 1626 O poema parece versificar a lenda etiológica de Sernada, aldeia nas margens do Vouga. Sobre esta balada, versificação duma falsa lenda tradicional, ver o que escrevemos no cap. VIII. Passa-se com O Bardo o mesmo fenómeno que já referimos a propósito de O Trovador e O Novo Trovador: o exemplar desta revista que existe na Biblioteca Nacional pertence à edição que reúne em volume os números publicados avulsamente. Dado que esses números (publicados, como se diz no subtítulo, entre Março de 1852 e Março de 1854) não têm data própria de publicação, é impossível determinar quando saiu cada um deles. 526 A. C. L., 1627 A Moura Encantada, O Bardo. Jornal de poesias ineditas publicadas desde Março de 1852 a Março de 1854, Porto, Na Typographia de Sebastião José Pereira, 1854 (fasc. nº 23), pp. 355-7. Em quadras de versos de 11 sílabas. [Maria Peregrina de Souza], 1629 1628 Um Cavalleiro Portuguez, O Jardim Litterario, X (1854), nº 24, pp. 191-192, nº 25, pp. 198-199, nº 26, p. 206, nº 27, pp. 215-216, e nº 28, pp. 222-223. Em quadras de tipo tradicional. [Maria Peregrina de Souza], 1630 Chacara, O Jardim Litterario, X (1854), nº 33, pp. 262-264, e nº 34, pp. 271-272. Republicação do texto saído em 1843. T[homaz?] A[ntonio?] Ribeiro, 1631 O Amor d’ um Rei, Revista Academica (Coimbra), II, nº 15 (Fevereiro 1854), pp. 55-56. Em décimas de heptassílabos. 1855 C. S. Vasconcellos, A Coroa e o Cadafalso, Harpa do Mondego (Coimbra), nº 2 (1855), pp. 22-26. Em vários tipos de metro e de estrofe. 1627 1632 Não parecem ser as iniciais de Antonio Coelho Louzada (também colaborador desta revista), ao que se depreenderia do facto de, no índice alfabético de autores (p. 380), se distinguir entre este último e A. C. L. (a menos que tal distinção seja um erro dos organizadores). 1628 1629 1630 Sobre esta balada, ver o que escrevemos no cap. VIII. Foi publicado anónimo. Quanto à identificação da autora, ver nota a Erico e Batilde, 1842. Foi publicado sob o nome “Uma Senhora”. Quanto à identificação da autora, ver nota a Erico e Batilde, 1842. 1631 Pensamos tratar-se dum poema de Tomás Ribeiro, mas é um facto que não o encontrámos republicado nos livros deste autor. 527 1856 F. G. d’ Amorim, “Viagem ao Minho”, O Panorama, 3ª série, V (1856), pp. 234238. É o cap. XV desta novela. Inclui: Marianninha (pp. 237-238). É um romance, embora os versos estejam agrupados em estrofes, de diferente número de versos. 1633 Julio de Castilho, Palmira. Romance mauresque, Revista Peninsular, II (1856), pp. 137-138. Em oitavas de heptassílabos. 1634 1857 Henrique Augusto, A Quinta do Preto (Tradição popular), A Grinalda, I (1855[1635 1857]), nº 1, pp. 13-15. 1632 1633 Sobre Ana Bolena. Sobre esta balada (inspirada, ao que parece, no romance tradicional Vingadora da sua Honra), ver o que escrevemos no cap. VIII. Fazendo fé nas palavras de Gomes de Amorim (que dá o texto como recolhido da tradição oral), Braga publicou a presente balada no seu Romanceiro Geral Portuguez, I, Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1906, pp. 411-4. 1634 1635 Como se pode ver logo pelo título, este poema é em francês. Passa-se com A Grinalda o mesmo que já observámos nos dois Trovadores e n’ O Bardo: o que desta revista existe na Biblioteca Nacional são os vários volumes da sua edição em livro, onde, posteriormente à saída dos fascículos, estes foram reunidos. Nessa edição, os fascículos não têm capa própria nem trazem indicação de data em qualquer outro local. A revista [ver Álvaro Manuel Machado, “A Grinalda”, in José Augusto Cardoso Bernardes et al. (orgs.), Biblos. Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, II, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1997, col. 893] começou a ser publicada em Abril de 1855, e a sua periodicidade parece ter sido mensal. Os volumes da edição em livro não foram publicados regularmente: o I saiu em 1855, o II em 1857, o III em 1860, o IV em 1862, o V em 1864, e o VI (e último) em 1869. Além disso, o ano que trazem indicado no frontispício não corresponde àquele em que sairam, como se pode observar, por exemplo, pela análise do II vol.: embora esteja datado de 1857, parte (pelo menos) dos fascículos que engloba são posteriores a tal data, já que neles há vários poemas datados de 1859 (é o caso de D. Carlos e D. Clara, de D. 528 Em quadras de versos de 11 sílabas e em quadras de tipo tradicional. 1636 J. M. B. Carneiro, Amor e Morte, A Grinalda, I (1855[-1857]), nº 4, pp. 63-64. Em quadras de tipo tradicional. Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 4º: A Visão do Regato, A Grinalda, I (1855[1857), nº 6, pp. 93-96. Em versos de 11 sílabas e em quadras de tipo tradicional. 1637 Nogueira Lima, O Cavalleiro e a Monja, A Grinalda, I (1855[-1857), nº 7, pp. 106112. Sobretudo em quadras de heptassílabos. M. P., S. Domingos da Sovereira, A Grinalda, I (1855[-1857), nº 8, pp. 113-115. Em quadras de tipo tradicional. 1638 João de Lemos, A Capella do Ermo, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para 1858, Lisboa, Imprensa Nacional, 1857, p. 213. Em sextilhas de heptassílabos. 1858 Maria Peregrina, publicado no fascículo nº 11 — q. v.) e até de 1860. Pareceria, então, que a data de cada volume se refere ao ano em que saiu o primeiro fascículo que nele está reunido, e que o volume em si deve ter sido publicado no ano em que saiu o primeiro fascículo do volume seguinte. Assim, o I vol., embora datado de 1855, deve ter saído em 1857; o II vol., datado de 1857 no frontispício, deve ter sido publicado em 1860, etc. Já que os fascículos, individualmente (como dissemos), não estão datados, e já que, por outro lado, é possível que a difusão da revista se tenha feito mais através da sua edição em livro, decidimos colocar os poemas que citamos d’ A Grinalda entre os textos publicados no ano em que cada um dos volumes da revista terá saído. Eis a razão por que, por exemplo, os poemas deste I vol. estão colocados junto duma obra de 1857. 1636 1637 1638 Sobre esta balada, ver o que escrevemos no cap. VIII. Sobre esta balada, ver o que escrevemos no cap. VIII. Sobre esta balada (versificação duma lenda ligada à ermida de São Domingos, em Sovereira, perto de Penamacor), ver o que deixámos dito no cap. VIII. 529 F. Gomes de Amorim, Cantos Matutinos, Lisboa, Typographia Progresso, 1858. Inclui: O Diabo (pp. 176-9). Republicação do texto saído em 1849; e Marianninha (pp. 164-8). Republicação do texto saído em 1856. Almeida Garrett, Por Bem ou as Pêgas de Cintra, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1859, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, pp. 354-5. Republicação do texto saído em 1846 e 1853. José da Silva Mendes Leal Junior, Canticos, Lisboa, Typographia do Panorama, 1858. Inclui: A Infante de Granada (pp. 77-79). Republicação do texto saído em 1840 e 1845; Aspiração (pp. 117-120). Em quadras de decassílabos; O Almanzor (pp. 133-134). Em quadras de eneassílabos; e Ultima Despedida (pp. 395-396). Em quadras de versos de 11 sílabas. João de Lemos, Cancioneiro, I: Flores e Amores, Lisboa, Escriptorio do Editor, 1858. Inclui: A Capella do Ermo (pp. 98-101). Republicação do texto saído em 1857; e Amor e Morte (pp. 120-145). É um romance, embora com os versos agrupados por quadras; a assonância é diferente em cada uma das partes em que se divide o poema. F[rancisco] Palha, Poesias, 2ª ed. augmentada, Lisboa, Typographia de J. Germano de Sousa Neves, 1858. Inclui: A Infanta de Castella (pp. 33-54). Republicação do texto saído em 1850 e em 1852; A Aposta do Rei. Lenda popular (pp. 55-60). Republicação do texto saído em 1850 e em 1852. 1639 1639 Esta 2ª ed., embora traga a menção de “augmentada”, não apresenta novidades na secção dos “Romances Populares” em relação ao que aparecia na 1ª ed. (1852). 530 Maria Peregrina de Souza, As Bruxas do Chavascal, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1859, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, pp. 379-80. Em quadras de tipo tradicional. M[endes] L[eal] (J[unior]), 1640 1641 A Ultima Despedida, Estrêa Litteraria, I, nº 4 (15/4/1858), p. 3. Republicação (ou pre-publicação) do texto saído no mesmo ano nos Canticos do autor. 1642 S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 12. Inclui: 1643 A Serrana (pp. 1-2). É um romance. 1644 J. A. R. de Faria, Martim de Freitas, O Civilisador, nº3 (19/6/1858), p. 3. Em vários tipos de metros e de estrofes. Antonio Feliciano de Castilho, Rimance da Senhora da Nazareth, O Futuro, 8/8/1858, pp. 1-3. Republicação do texto saído em 1838. F., O Trovador, Preludios-Litterarios, I, nº 1 (Dezembro 1858), pp. 6-9. Em quadras de tipo tradicional. 1640 1641 Narra uma aparição de bruxas, na noite de São João. A linguagem tem vários regionalismos. O poema está assinado apenas por iniciais, mas o nome do autor é fornecido por extenso no “Agradecimento” (p. 8), assinado pelo director da revista (A. M. da Cunha Bellem). 1642 Nesta publicação no jornal, o poema tem a seguinte epígrafe: “Y eran los hijos sin padres / Sin casados las casadas. / Romancero”. Não conseguimos identificar o romance a que pertencerão estes versos. 1643 1644 pp. 117-123. Além dum texto sobre a poesia oral no Algarve. Foi republicado (com parte do texto introdutório que saíra no jornal) no Romanceiro do Algarve, 531 1859 Anonyma Setubalense, O Perjurio. Chacara, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1860, Lisboa, Typographia Franco-Portugueza, 1859, p. 338. Em quadras de tipo tradicional. A. X. R[odrigues] Cordeiro, A Doida de Albano, apud Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1860, Lisboa, Typographia Franco-Portugueza, 1859, pp. 311-2. Republicação do texto saído em 1852. João de Lemos, Cancioneiro, II: Religião e Patria, Lisboa, Escriptorio do Editor, 1859. Inclui: Nossa Senhora do Pranto (pp. 72-8). Republicação do texto saído em 1848; e Alcacerkibir (pp. 167-179). Em vários tipos de metros e de estrofes. A. A. Soares de Passos, Poesias, 7ª ed., revista, augmentada e precedida d’ um esboço biographico por A. X. Rodrigues Cordeiro, Porto, Livraria Cruz Coutinho Editora, 1890. Inclui: Idade Media (pp. 159-161). 1645 Em oitavas de heptassílabos. Eugenio Arnaldo de Barros Ribeiro, Alguns Versos. Poesias diversas, Coimbra, Imprensa Conimbricense, 1859. Inclui: Egas Moniz (pp. 43-51). Em décimas de heptassílabos. G. Fonseca, A Perfidia, A Saudade. Jornal poetico, I, 1859, pp. 5-10. Em oitavas de heptassílabos. 1645 1646 Esta 7ª ed. das Poesias de Passos é a primeira em que surge o texto em causa. Porém, o poema terá de ser anterior a 6/1/1860, data da morte do autor. Por tal motivo, incluímo-lo na nossa lista entre os poemas de 1859. 1646 O poema está incompleto. No final, diz-se que continua, mas não o encontrámos até à conclusão do volume, o único que desta revista existe na Biblioteca Nacional. 532 A[ntonio] de M[ello] Varajão, Lenda Popular, A Saudade. Jornal poetico, I, 1859, pp. 19-22. Em quadras de tipo popular. S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2. Inclui: 1647 A Moira Encantada (pp. 1-2). É um romance. 1648 1860 Maria Peregrina de Souza, 1649 As Bruxas do Chavascal, A Grinalda, II (1857[- 1860]), nº 3, pp. 35-37. Republicação (ou ante-publicação) do texto saído em 1858. Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 8º: A Cruz Fatal!, A Grinalda, II (1857[1860]), nº 5, pp. 78-80. Em heptassílabos, em parte agrupados em quadras de tipo tradicional. 1650 Maria Peregrina de Souza, Um Valentão (Conto campestre), A Grinalda, II (1857[1860]), nº 8, pp. 113-114. Em quadras de tipo tradicional. 1647 1651 Além duma introdução (p. 1) e de algumas quadras populares soltas recolhidas em Tavira (A S. João, p. 2). 1648 Foi republicado (com o texto introdutório que saíra no jornal, mas sem as quadras) no Romanceiro do Algarve, pp. 35-7. 1649 Por engano, o nome da autora é indicado como sendo “Maria do Patrocinio de Souza”(p. 37). Na p. 64, contudo, rectifica-se o erro, em nota da redacção. 1650 O narrador diz que a história aqui enversada (sobre fantasmas que aparecem num ermo, junto a um cruzeiro) lhe foi narrada por um “bom velho” (p. 80). 1651 Sobre superstições populares. A linguagem tem vários regionalismos. 533 Maria Peregrina de Souza, Origem do Cannavial, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 12, pp. 177-179. É um romance. 1652 Maria Peregrina de Souza, Origem do Cannavial, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1861, Lisboa, Typographia Franco-Portugueza, 1860, p. 214. Republicação do item anterior. 1652 Ver o que sobre este poema (inspirado numa versão tradicional de Princesa Peregrina + Conde Ninho) dizemos atrás no cap. VIII. Curiosamente, esta balada de D. Maria Peregrina parece ter entrado na tradição: nós próprios recolhemos, em 1981 (da informante D. Maria Virgínia de Freitas, Gaula, concelho de Santa Cruz, ilha da Madeira), uma versão de Princesa Peregrina que, tanto quanto nos recordamos, tinha o mesmo começo que o presente poema, nomeadamente o estranho primeiro verso “Avante, meu palafrém”, que, pelo seu medievismo postiço, nos ficou na memória. A versão de Gaula foi publicada (ver Pere Ferré et al., Romances Tradicionais, [Funchal], Câmara Municipal do Funchal, 1982, nº 107), mas amputada do seu começo, sem, portanto, a parte proveniente do poema de D. Maria Peregrina. Note-se que o resto dessa versão de Gaula é em tudo semelhante às tradicionais, não derivando essa parte, portanto, do reenversamento de D. Maria Peregrina de Sousa. No espólio de Leite de Vasconcelos existente na Faculdade de Letras de Lisboa (e que actualmente, como atrás dissemos, não está à consulta), vimos, há anos, um manuscrito onde, entre outros romances, se incluem 14 vv. do início da Origem do Cannavial. Esse manuscrito constitui um “caderno”, escrito a lápis, com 8 páginas, formado por duas folhas de papel almaço, dobradas ao meio no sentido da altura. O poema em apreço está na última página do manuscrito, e não termina. Tem algumas variantes em relação ao texto de D. Maria Peregrina, mas a disposição dos versos, com cada uma das falas atribuídas expressamente a uma personagem (como se se tratasse duma obra teatral) segue exactamente o texto impresso, apresentando também o mesmo título que esse texto. Assim, embora as restantes versões do “caderno” pareçam tradicionais (a primeira, Xácara de D. João, é uma Dona Ângela de Mexia, e tem, à margem, a indicação “Elvas”), a Origem do Cannavial pareceria antes ser cópia (feita por um ajudante de Leite de Vasconcelos?) do poema que, provavelmente, fora enviado a Vasconcelos por D. Maria Peregrina (a qual —ver, no capítulo sobre a história do romanceiro, a nota a D. Carlos e D. Clara, 1857[-1860]— sabemos lhe ter oferecido vários textos, um deles, pelo menos, numa versão diferente da que, depois, ela publicou na imprensa). No referido manuscrito (escrito, como dissemos, a lápis), existem algumas anotações à margem e nas entrelinhas, a tinta preta, numa letra diferente, que o Prof. Doutor Viegas Guerreiro e a Doutora Maria Aliete Galhoz, por nós consultados, identificaram como sendo de Leite de Vasconcelos. Note-se que, nesse “caderno”, a Origem do Cannavial está riscada com dois traços verticais na referida tinta preta, indicando, provavelmente, que Leite de Vasconcelos não a considerava aproveitável para o seu futuro romanceiro, onde, de facto, não foi incluída. 534 E. de Barros, 1653 O Jogador. Conto popular, Preludios-Litterarios, II, nº 11 (Abril 1860), p. 88, e nº 12 (Abril 1860), p. 95. É um romance, embora com os versos divididos por quadras. 1654 S. P. M. Estacio da Veiga, A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim, A Nação, 18/8/1860, pp. 1-2. 1655 Inclui: 1656 A Senhora dos Martyres. É um romance. S. P. M. Estacio da Veiga, A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim, O Agapito, 21/8/1860, pp. 1-3. Republicação do item anterior. 1861 A[ntonio] F[rancisco] Barata, O Conto da Avósinha, A Pobre Lyra, Elvas, Typographia da Voz do Alentejo, 1861, pp, 25-34. Em quadras de tipo tradicional. 1653 1657 É provável que se trate de Eugenio de Barros, autor que publica versos noutros números da revista, por exemplo, Nembrod, no vol. II, nº 23 (Janeiro 1861), p. 183. É possível que esse Eugenio de Barros seja o mesmo que Eugenio Arnaldo de Barros Ribeiro, que, em 1859 e 1862 (q. v.), publicou dois livros que incluem poemas narrativos de tema medieval. 1654 Ver o que sobre este poema (versificação dum texto tradicional do conto AT 313, The Girl as Helper in the Hero’s Flight) dizemos atrás no cap. VIII. 1655 Está datado de “Lisboa 15 de agosto de 1860”. Esclareça-se que “vigíla” era termo que, no Algarve, designava “as festas de campo dedicadas ao orago duma ermida ou capela” (J. Leite de Vasconcellos, Etnografia Portuguesa. Tentame de sistematização, IX, org. por M. Viegas Guerreiro, com a colaboração de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromrnho, Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1985, p. 606). 1656 Além duma introdução sobre a romaria da Senhora dos Mártires em Castro Marim e sobre a lenda em que se baseia o romance. 1657 Como no cap. VIII já observámos, é versificação dum conto tradicional (AT 307, The Princess in the Shroud). 535 Francisco de Castro Freire, Recreações Poeticas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1861. Inclui: O Trovador (pp. 26-35). Em quadras de tipo tradicional. 1658 [Augusto] Cesar [Correia] de Lacerda, Coração de Ferro, drama phantastico de grande espectaculo em cinco actos, Lisboa, Typographia do Panorama, 1861. Inclui: um poema sem título (p. 43). Em quadras de tipo tradicional. 1659 A. L. S., A Volta da Terra Santa, A Epoca, 21/4/1861, p. 1. Em oitavas de heptassílabos. S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92. Inclui: A Moira Encantada (p. 92). Republicação do romance incluído em 1859 no artigo do autor “Cantos Populares do Algarve. Recordações”. S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, A Epoca, 23/6/1861, pp. 1-2. Republicação do item anterior. S. P. M. Estacio da Veiga, A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim, Estrella d’ Alva, II, nº 20 (Agosto 1861), pp. 149-152. Republicação do texto saído em 1860. 1862 Maria Peregrina de Souza, As Casarias Medonhas (Conto popular), A Grinalda, III (1860[-1862]), nº 3, pp. 33-35. Em quadras de pentassílabos. 1658 1660 Na nota “Do Editor” (página não numerada), que inicia a obra, diz-se que todos os poemas deste livro tinham saído anteriormente em periódicos. Porém, não pudemos detectar uma pré-publicação do presente poema. 1659 A peça passa-se na Idade Média. O poema (a que a didascália chama “xacara”) é cantado por uma das personagens, “acompanhada a harpa”. 536 Maria Peregrina de Souza, Lazaro Martins, A Grinalda, III (1860[-1862]), nº 6, pp. 84-87. Em sextilhas de pentassílabos e de heptassílabos. 1661 Eugenio A[rnaldo] de Barros Ribeiro, Poesias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1862. Inclui: A Cruz do Valle (pp. 125-9). Em sextilhas de decassílabos e de hexassílabos. Luiz Ribeiro de Sottomaior, Poesias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1862. Inclui: O Peregrino (pp. 19-22). Em sextilhas de heptassílabos; e O Não. Lenda (pp. 176-191). Republicação do texto saído em 1853. Theophilo Braga, Ao Acalentar no Berço, Ensaios Litterarios (Coimbra), nº 8 (1/4/1862), p. 60. Em quadras de tipo tradicional. 1662 S. P. M. Estacio da Veiga, A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim, A Nação, 16/8/1862, pp. 1-2. Republicação do artigo saído em 1860 e 1861. 1663 1660 1661 1662 Ver o que sobre este poema (pretensa versificação duma lenda) dizemos atrás no cap. VIII. Passa-se em Mazagão e narra lutas entre cristãos e mouros. A primeira quadra (que, mais à frente, se repete, na sexta) é tradicional. Em nota de rodapé, diz- se sobre ela: “Bellissima quadra do Fado de Coimbra”. É a seguinte: “Quem tiver filhos pequenos / Por força lhe[sic] ha de cantar; / Quantas vezes as mães cantam / Com vontade de chorar”. 1663 O artigo, recorde-se, consta do romance da Senhora dos Martyres, precedido por um longo texto introdutório sobre a romaria respectiva e a lenda que está na base do romance. Nesta segunda publicação n’ A Nação (onde, como vimos, saíra inicialmente em 18/8/1860), o artigo vem antecedido por uma nota da redacção que diz: “Vamos reproduzir um folhetim, que ha tempos aqui inserimos, em consequencia de se ter extrahido toda a edição da folha em que então apparecêra, e de não podermos de outro modo satisfazer ao desejo que varias pessoas nos tem manifestado de o possuirem”. O romance e o texto introdutório voltaram a ser publicados no Romanceiro do Algarve, pp. 163-73. 537 F[rancisco] X[avier] da Silva, O Castello dos Mouros em Cintra. Lenda popular, Aurora Litteraria, III, nº 10 (16/12/1862), pp. 77-78. Em quadras de tipo tradicional. 1664 1863 Antonio Feliciano de Castilho, O Outono. Collecção de poesias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1863. Inclui: Senhora da Nazareth (Chacara) (pp. 153-171). Republicação do texto saído em 1838 e 1858; e A Tomada de Coimbra (Chacara) (pp. 245-252). Republicação do texto saído em 1838 (aí, sem título) e duas vezes em 1839 (em ambas, com o título de Jornada de Ourique). J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I: Romances da Renascença, 4ª ed., Lisboa, Viuva Bertrand e Filhos, 1863. Contém os mesmos oito poemas que a edição de 1853. 1864 Francisco Duarte d’ Almeida e Araujo, Minhas Lembranças. Poesias, Lisboa, Typographia do Panorama, 1864. Inclui: Bemfica! (pp. 134-141) Depois duma introdução em quadras de tipo tradicional, passa a ser um romance, com a assonância mudando quando muda a tirada; e A Moura da Fonte (pp. 237-239). Em quadras de heptassílabos. 1665 Clotilde de Miranda, D. Roberto, Boudoir, nº 25 (11/6/1864), pp. 2-3. Em sextilhas de heptassílabos. 1664 Não obstante o seu subtítulo, o poema não parece contar nenhuma lenda tradicional, mas sim uma história totalmente inventada pelo autor. 1665 VIII. Ver o que sobre esta balada (versificação duma pretensa lenda tradicional) dizemos atrás no cap. 538 1865 Costa Goodolphim, Primeiros Versos, Lisboa, Typ. de Vicente Alberto dos Santos, 1865. Inclui: A Mãe e o Filho (pp. 38-48). Em versos e estrofes de vário tipo; 1666 e Dona Urraca. Romance historico (pp. 147-181). Em parte é um romance (embora a rima mude de tirada para tirada); noutra parte, é em versos e estrofes de vário tipo. 1667 Gomes Leal, “O Castello Dezerto. Amostra d’ um conto phantastico”, Boudoir, nº 64 (1865?), pp. 2-3, nº 65, pp. 2-3 e nº 66 (pp. 2-3). Este conto inclui: excerto dum poema sem título. Em heptassílabos. 1668 J[oão Francisco] Dubraz, poema de título desconhecido, A Voz do Alemtejo, 1/1/1865. 1669 Em oitavas de heptassílabos. F[rancisco] D[uarte] d’ A[lmeida e] Araujo, Bemfica (Lenda popular), Restauração, 7/2/1865, p. 1, e 9/2/1865, p. 1. Republicação do texto saído em 1864. 1866 1666 1667 A acção passa-se no tempo da batalha de Aljubarrota. Ver o que sobre esta balada (versificação duma pretensa lenda tradicional) dizemos atrás no cap. VIII. 1668 O conto começa precisamente com esse extracto (2 estrofes). Seguidamente, diz-se: “Era este o principio d’ uma ballada minha, sepultada no fundo d’ uma gaveta. Achei ocasião agora de a metter por prologo d’ uma amostra de conto phantastico”. O poema é de ambiente medieval. No nº 65, integra-se no texto do conto outro fragmento em verso, desta feita lírico (em décimas de heptassílabos), onde se fala do tempo passado, esse “tempo maravilhoso de lendas ao pé do lar”, de cavaleiros, fadas e castelos. 1669 Conhecemos este poema (sobre uma “moira encantada” que aparece no castelo de Campo Maior) apenas através dum seu excerto publicado na obra do autor saída em 1868 (q. v.), onde se refere também o lugar e data da primeira publicação do texto. 539 Francisco Gomes de Amorim, Versos, I: Cantos Matutinos, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1866. É a 2ª ed. dos Cantos Matutinos. Inclui: O Diabo (pp. 304-7). Republicação do texto saído em 1849 e 1858; e A Castellã de Avelomar (pp. 332-354). Em quadras de tipo tradicional. 1670 Francisco Gomes de Amorim, Versos, II: Ephemeros, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1866. Inclui: Marianninha (pp. 107-113). Republicação do texto saído em 1856 e 1858. A[ntonio] F[rancisco] Barata, Cancioneiro Portuguez, Coimbra, Imprensa Litteraria, 1866. Contém: 1671 O Abbade João (pp. 1-15). Na sua maioria, em versos de romance (embora agrupados em quadras), de assonância diferente em cada uma das três partes do texto; Pero Gallego (pp. 17-25). Vários tipos de metro e de estrofe; Fernão Rodrigues Pacheco ou o Cerco de Celorico (pp. 27-32). Em sextilhas de heptassílabos; 1670 Faz recordar muito o tema de Alonzo and Imogene (de Lewis, traduzido por Herculano, por Gama Lobo e por um anónimo — ver Apêndice nº 3), embora tenha um final de crítica contra as ordens religiosas. A história é a seguinte: Rodrigo parte para a Palestina, deixando sua noiva Leonor. Ao fim de quatro anos, chega Ramiro (irmão de Rodrigo, que também fora para a Palestina), com a notícia de que este morreu. Conta ainda que o irmão dissera que voltaria como fantasma, se Leonor e Ramiro casassem. Não obstante essa ameaça, eles apaixonam-se e casam. No dia do casamento, durante o banquete, chega um cavaleiro, de armadura, com a viseira baixada, que se apresenta como Rodrigo. Vão os três para a câmara nupcial, onde ficam oito dias fechados. Quando o padre e o povo se decidem a abrir a porta do quarto, encontram os casados mortos na cama, e, junto a eles, uma armadura vazia. O padre desconfia que ali “andou maroteira” dos frades, porque “A dama aqui ha dois mezes / Tinha feito testamento... / Não tendo herdeiros forçados / Deixava tudo ao convento...” (p. 352). Os frades tomam conta das terras e do castelo. O padre conclui dizendo: “Se houvesse diabo era frade!” (p. 354). 1671 A obra consta apenas de poemas narrativos, de tema histórico ou lendário nacional. No “Prologo” (pp. v-viii), o autor apela aos “professores de instrucção primaria”: “fazei-lhes [aos alunos] ler e explicae-lhes o meu livro”, de modo a fortalecer-lhes o espírito patriótico (pp. vi-vii). Cada poema é antecedido por uma introdução própria, em que se fala do feito de que o poema trata e se refere a fonte (em geral cronística) onde o poeta dele tomou conhecimento. Como se vê, a obra recorda muito, nos temas e na estrutura, O Romanceiro Portuguez de Moraes Sarmento (q. v.). 540 Brites d’ Almeida ou a Padeira d’ Aljubarrota (pp. 33-45). Na sua maioria, em versos de romance, agrupados em quadras, de assonância diferente em cada uma das três partes do texto; D. João d’ Eça (pp. 47-53). Vários tipos de metro e de estrofe; Pedro Esteves, o Barbadão de Veiros (pp. 55-63). Na sua maior parte, em sextilhas de heptassílabos; Salvador Ribeiro de Sousa (pp. 65-78). Vários tipos de metro e de estrofe; O Conde dos Arcos (pp. 79-91). Vários tipos de metro e de estrofe; D. Pedro Affonso (pp. 93-102). Em parte, é um romance; O Consorcio Misterioso ou a Abbadessa d’ Arouca. Soláo (pp. 103-9). Vários tipos de metro e de estrofe; Soror Rosimunda ou a Abbadessa d’ Arouca. Soláo (pp. 111-7). Vários tipos de metro e de estrofe; Espinhos e Louros (pp. 119-130). Vários tipos de metro e de estrofe; Ouro e Peste (Conto) (pp. 131-145). Na quase totalidade, em quadras de tipo tradicional; 1672 e D. Alvaro Vaz d’ Almada ou a Batalha d’ Alfarroubeira[sic] (pp. 147-160). Vários tipos de metro e de estrofe. 1867 Julio de Castilho, Primeiros Versos, Rio de Janeiro / Paris, Livraria de B. L. Garnier, Editor / A. Durand, Livreiro, 1867. Inclui: Palmira. Romance mauresque (pp. 53-55). Republicação do texto saído em 1856. Francisco D. Almeida e Araujo, A Moura Encantada, Illustração Popular, II (1867), nº 3 , pp. 10-11. Republicação do poema saído em 1864 com o título de A Moura da Fonte. J[osé] I[gnacio] de Araujo, Os Ladrões e os Defuntos. Conto de minha avó, Diario de Noticias, 24/3/1867, p. 1. 1672 Ver o que sobre esta balada (versificação duma lenda tradicional ligada aos Mouros) dizemos atrás no cap. VIII. 541 Em quadras de tipo tradicional. 1673 J[osé] I[gnacio] de Araujo, Os Cabellos da Barba. Conto de minha avó, Diario de Noticias, 5/5/1867, p. 1. Em quadras de tipo tradicional. 1674 1868 Visconde de Azevedo, Distracções Metricas, Porto, Typographia Particular do Visconde de Azevedo, 1868. Inclui: Amor e Receio. Conto (pp. 147-157). Republicação do texto com o mesmo título, assinado por F[rancisco] L[opes] d’ A[zevedo Velho da Fonseca], 1675 saído em 1838. J[oão Francisco] Dubraz, Recordações dos Ultimos Quarenta Annos. Esboços humoristicos, descripções, narrativas historicas e memorias contemporaneas, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1868. Inclui: 1676 Excerto dum poema sem título (p. 16). Republicacão parcial do texto saído em 1865; e O Mestre d’ Aviz. Canto historico (pp. 342-346). Em quadras de tipo tradicional. 1677 1673 Como dissemos no cap. VIII, é versificação dum conto jocoso tradicional (AT 1654, The Robbers in the Death Chamber). 1674 Como dissemos no capítulo VIII, é versificação dum conto jocoso tradicional (sem número no catálogo de Aarne/Thompson). 1675 Como a seu tempo dissemos, era este o nome do escritor que, mais tarde, foi feito Visconde (e depois Conde) de Azevedo. 1676 1677 São duas oitavas de heptassílabos. Informa o autor (p. 341) que este poema (então com o título de Conde de Ourem) foi escrito em 1846, embora não diga se foi publicado. Tendo sido “mais tarde remodelado”, a forma como o poema sai na presente obra “se parece já pouco com a de 1846”. 542 Adelino Candido Coelho Velloso, D. João Gomes da Silva [,] romance historico em verso e [,] em seguimento [,] Martyrios e Rosas [,] poemeto, Coimbra, Imprensa Litteraria, 1868. Inclui: D. João Gomes da Silva (pp. 7-22). Em heptassílabos, na sua quase totalidade agrupados em quadras de tipo tradicional. 1678 E[duardo] A[ugusto] Vidal, Cantos do Estio, Lisboa, Typ. Lisbonense, 1868. Inclui: Idyllio de um Rei (pp. 58-62). Em versos de 10 e 6 sílabas. 1679 Costa Goodolphim, Rozalia (Lenda scandinava), O Estudo, nº 14 (13/4/1868), pp. 3-4; nº 26 (13/8/1868), p. 2; e nº 27 (27/8/1868), p. 2. Em quadras de heptassílabos. 1680 1681 M., O Convento da Peninha (Lenda), O Estudo, nº 25 (3/8/1868), p. 2. Fundamentalmente, em quadras de heptassílabos. 1682 1869 Maria Peregrina de Souza, S. Francisco Xavier. Xácara, A Grinalda, VI (1869), nº 5, pp. 65-69. Em sextilhas de heptassílabos. 1678 1683 Sobre um episódio histórico (de que trata a “Nota ao Romance”, pp. 21-2): a vida do famoso Beato Amador (no século, João Gomes da Silva). Martyrios e Rosas (pp. 27-32), poema incluído também nesta obra, é de ambiente moderno. 1679 1680 Cena entre D. Pedro e D. Inês. O poema tem, no fim, a indicação de que vai continuar, mas, na Biblioteca Nacional, não existem mais números desta revista. 1681 No poema, há numerosas referências a seres, deuses e lugares da mitologia escandinava e germânica (notar o extra-nacional do tema), como um “elfe”[sic], a “Valhala”, “Odin”, etc. 1682 1683 A história (aparição de Nossa Senhora a uma pastora) passa-se no reinado de D. João III. Narra um milagre de S. Francisco Xavier, feito em 1500. 543 1870 J. Simões Dias, O Christo da Veiga, in As Peninsulares. Canções meridionaes, Elvas, Typographia da Democracia Pacifica, 1870, pp. 194-208. Em heptassílabos, agrupados em vários tipos de estrofes. 1684 1684 Sobre esta balada (reversificação dum poema de Zorrilla, que por sua vez versifica uma lenda tradicional), ver o que deixámos dito no cap. VIII. 544 APÊNDICE Nº 3: TRADUÇÕES PORTUGUESAS DE BALADAS ROMÂNTICAS ESTRANGEIRAS DE AMBIENTE ANTIGO OU TEMA POPULAR (1834-1868) Como a seu tempo dissemos, no estudo do corpus baladístico romântico em português parece-nos justificar-se a inclusão, também, das baladas que, embora estrangeiras, ao serem traduzidas para a nossa língua, passaram a fazer parte do conjunto de textos que o leitor da época tinha à sua disposição. Além disso, por vezes, como adiante indicaremos, estas baladas traduzidas eram apresentadas pelos próprios poetas (ou pelos directores dos periódicos) como originais e não como simples traduções. De alguns desses casos nós próprios nos apercebemos, pelo que restituímos, entre parênteses rectos, o nome do verdadeiro autor. Porém, é muito possível que vários outros casos existam que não soubemos detectar. Dado que, como dissemos, o que nos interessava era estabelecer o corpus da balada em português, só tomámos em consideração as baladas estrangeiras que foram traduzidas em verso, como verdadeiros poemas. Deixámos, pois, de lado, as traduções em prosa. 1685 Finalmente, diga-se que se aplicam também a este corpus as indicações introdutórias que fizemos no Apêndice nº 2. 1834 1685 Por exemplo: Walter Scott, “O Fanatico Selvagem, a Cruz de Fogo e a Maldição” (de The Lady of the Lake, c. III), trad. anónima, O Mosaico, I, nº 19 (10/6/1839), pp. 150-2; [Uhland], “O Monarcha Cégo (chacara allemã)”, trad. de S. B. R., O Correio das Damas, IV, nº 23 (25/11/1841), pp. 182-3; [Uhland], “O Rei Cégo”, trad. de E. A. Biester, O Ramalhete, VI, nº 255 (19/1/1843), p. 14 (trata-se duma tradução diferente da anterior). 546 [Matthew G. Lewis], (1834)], 1688 1686 Romance, [tradução de V.] 1687 Semanal de Poezias, nº [1 pp. 6-15. Traduzido em quadras de tipo popular. Burger[sic], Leonor[,] romance, trad. de A[lexandre] H[erculano], Repositorio Literario, nº 5 (15/12/1834), pp. 38-40. Traduzido em quadras de tipo tradicional. 1686 1689 Embora nada na revista o diga, não se trata dum poema original, mas sim da tradução (ainda que muito livre) da balada Alonzo and Imogine de Lewis (que está integrada no romance The Monk, 1796). Note-se que o primeiro texto que se apresenta como tradução dessa célebre balada inglesa virá a ser o Affonso e Isolina, devido a Alexandre Herculano e publicado em 1835 (q. v.). Comparámos a adaptação feita por V. com o original inglês e a tradução francesa, de 1797, em que se baseou Herculano para fazer as suas traduções (sobre a fonte francesa de Herculano, ver J. J. Dias Marques, “Une ballade gothique anglaise dans la tradition orale du Trás-os-Montes”, in AA. VV., Littérature orale/ traditionnelle/ populaire. Actes du Colloque, Paris, Centre Culturel de la Fondation Calouste Gulbenkian, 1987, pp. 257-299, especialmente pp. 271-3). Concluímos que a versão de V. não foi feita a partir da referida tradução francesa, embora seja de pôr a hipótese de, a existirem outras traduções francesas do poema (publicadas, por exemplo, em revistas), essa possa ter sido uma fonte possível. Os nomes de “Reynaldo” e “Arneo” que a tradução de V. dá a duas das personagens (as quais, no original de Lewis, são, respectivamente, “Alonzo” e “a Baron”), poderiam deixar entrever os nomes franceses “Renaud”/”Renault” e “Arnau(l)d”, ambos muito neo-góticos. De qualquer modo, já que não sabemos como procurar outras traduções francesas da balada (feitas, por exemplo, por algum autor ligado ao “genre troubadour”), o que pudemos fazer foi comparar o texto português de V. com o original de Lewis. E concluimos que, na primeira parte (i. e., antes de a jovem se apaixonar por outro e com ele casar), os dois textos se afastam muitíssimo quanto à linguagem: há vestígios claros da letra do original em apenas 4 versos distribuídos por duas quadras da tradução — a qual, nesta parte, tem um total de 26 quadras). Nessa primeira parte, os dois textos afastam-se também quanto à intriga, já que a versão de V. inclui um extenso episódio (14 quadras) narrando as lutas do cavaleiro na Palestina, que não tem qualquer correspondência no original. Quanto à segunda parte (casamento da jovem, regresso do cavaleiro e sua vingança), a situação é a inversa: a acção é igual no texto inglês e no português, e as semelhanças são flagrantes a nível da linguagem. De facto, nas 22 quadras (88 versos) que a tradução apresenta nesta parte, há 67 versos que claramente deixam adivinhar a letra do original de Lewis. 1687 O “V.” está manuscrito, no exemplar da Biblioteca Nacional. 1688 Quer o “1” quer a data estão manuscritos a tinta, no exemplar da Biblioteca Nacional. Note-se, porém, que “nº” está impresso. 1689 Vem precedido por uma pequena introdução, de Herculano, onde se diz: “Bûrger[sic] empregou admiravelmente a poesia nas tradições nacionaes [...] [estava] conven[cido] de que a poesia deve ter, alem do bello de todos os tempos, de todos os paizes, um caracter de nacionalidade sem o qual nenhum povo se pode gabar de ter uma litteratura propria” (p. 38). 547 1835 Schiller, O Cavalleiro de Toggenburgo, [tradução de Alexandre Herculano], Repositorio Literario, nº 9 (15/2/1835), pp. 71-72. Traduzido em quadras, cada uma das quais com, alternadamente, vv. de 6 e de 10 sílabas. 1690 [Matthew Gregory] Lewis, Affonso e Isolina, traduzido livremente do inglez de..., por A[lexandre] H[erculano], Repositorio Literario, nº 13 (15/4/1835), pp. 103-104. Traduzido em quadras de tipo tradicional. 1691 1836 Walter Scott, Alix, e Ricardo. Balada escoceza, tradução de Costa e Silva, in José Maria da Costa e Silva, Emilia, e Leonido, ou os Amantes Suevos, Lisboa, Typographia de A. S. Coelho & Comp.ª, 1836, pp. 9-16. Traduzido em oitavas de heptassílabos. 1690 1692 Não foi republicado nas Poesias de Herculano, a não ser na ed. com revisão de Vitorino Nemésio, verificação do texto e variantes por António C. Lucas, II, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1978, pp.113-5. 1691 Não foi republicada nas Poesias de Herculano, a não ser na ed. com revisão de Vitorino Nemésio, verificação do texto e variantes por António C. Lucas, II, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1978, pp. 103-105. O texto, embora se apresente como “traduzido livremente do inglez”, foi, na verdade, feito com base na tradução francesa, conforme atrás dissemos na nota 1686. Quanto à entrada da tradução portuguesa na tradição oral, ver nota à tradução do mesmo texto publicada em 1836. 1692 É tradução da balada Alice Brand, pertencente a The Lady of the Lake (ver Sir Walter Scott, The Lady of the Lake, canto IV, estrofes xii-xv, in The Poetical Works of ..., with all the copyright introductions, extra notes, various readings, and annotations, edited by J. G. Lockhart, Edinburgh, Adam and Charles Black, 1869, pp. 205-6; a 1ª ed. é de 1810). Segundo informa o próprio Costa e Silva (p. 3) “a idéa do presente Romance [i. e., do poema narrativo, em 10 cantos, Emilia, e Leonido] me foi suggerida pela Ballada Escoceza, de que adiante imprimo a traducção”. E assim acontece nas pp. 9-16 da obra. 548 [Matthew Gregory] Lewis, Affonso e Isolina. Ballada livremente traduzida do inglez de..., pelo Senhor Alexandre Herculano de Carvalho, O Correio das Damas, I, nº 14 (15/7/1836), pp. 111-112. Traduzido em quadras de tipo tradicional. 1693 1838 1694 Alexandre Dumas, A Noiva de Ricardo, [trad. de S.], O Correio das Damas, III, nº 14 (Março 1838), pp. 23-24. Traduzido em estrofes de 12 heptassílabos. 1695 Schiller, O Cavalleiro de Toggenburg, trad. de Francisco Adolfo Warnagnen 1696 [sic], Bibliotheca Familiar e Recreativa Offerecida á Mocidade Portugueza, VI (1838), nº 5, pp. 56-57. 1693 É uma nova tradução, diferente do item de 1835. Nunca foi incluída nas Poesias de Herculano, nem sequer na ed. organizada por Nemésio. Entrou na tradição oral, vivendo hoje em versões (ver o nosso cit. artigo “Une ballade gothique anglaise...”, pp. 257-299). Posteriormente a esse artigo, chegaram-nos ao conhecimento mais algumas versões orais do poema (quer recolhidas por nós, quer recolhidas e publicadas por outras pessoas). Uma das conclusões que esses novos textos permitem tirar é que, ao contrário do que escrevemos (p. 270) no artigo antes referido, a primeira tradução de Herculano (a de 1835) também se difundiu na tradição oral, embora, ao que parece, muito menos que a segunda. Prova disso é uma versão publicada por Maria Aliete Dores Galhoz (ver Romanceiro Popular Português, II, cit., nº 823), que indiscutivelmente deriva do texto saído no Repositorio Litterario (1835). 1694 No Correio das Damas, o texto saiu sem indicação de nome do tradutor. Porém, ao ser republicado n’ A Vedeta da Liberdade, em 1839 (q. v.), a tradução está assinada “S.”. 1695 Numa breve introdução não assinada diz-se que o texto é uma “ballada, chacara, ou rimance, livremente imitado de Alexandre Dumas: introduziu-a elle em seu ultra-romantico drama Catharina Howard [...] Conservou-a o traductor Portuguez, que ha pouco no-la deu, no Theatro dos Condes, com geral, e bem merecida acceitação” (p. 23). Esta peça de Dumas parece ter sido impressa, integrada no vol. I duma publicação em fascículos que não pudemos consultar, mas que surge referida por Inocêncio, o qual fornece também informação do respectivo índice (Diccionario..., I, p. 303): Archivo Theatral, ou collecção selecta dos mais modernos dramas do theatro francez, I, Lisboa, Typ. Carvalhense, 1838. É possível que o Correio das Damas tenha transcrito desse volume do Archivo Theatral o poema de Dumas que publicou no mesmo ano de 1838. 1696 Trata-se, obviamente, de Francisco Adolfo de Varnhagen. Não obstante se tratar dum autor brasileiro, decidimos incluir aqui a sua tradução por ela ter sido publicada em Portugal. 549 Traduzido em heptassílabos brancos. 1697 [Anónimo], A Noiva do Sepulcro, imitada do inglez [tradução de Alexandre Herculano], O Panorama, II, nº 61 (30/6/1838), pp. 203-206. Traduzido em quadras de tipo tradicional. [Matthew G.] Lenvcia [sic, por Lewis], 1698 Affonso e Izolina, ballada livremente traduzida do Inglez de... pelo Sñr. Alexandre Herculano de Carvalho, O Passatempo, III, nº 4 (31/8/1838), pp. 16-17. Republicação da versão saída em 1836. 1839 [Anónimo], Romance do Cid Campeador, tradução de Freire de Carvalho, O Museu Portuense, nº 11 (1/1/1839), p. 174. Traduzido como um romance. 1699 Bürger, O Caçador Feroz, traduzido [por Alexandre Herculano] do allemão de..., O Panorama, III, nº 96 (2/3/1839), pp. 70-72. Traduzido em quadras de tipo tradicional. Schiller, O Mergulhador, trad. de P., A Vedeta da Liberdade, 27/6/1839, pp. 1-2. 1697 O nome do autor do poema original não é indicado. Inocêncio (que foi, aliás, quem atribuiu a Herculano a tradução, também ela não assinada) escreve (Diccionario Bibliographico cit., vol. XXI, 1914, p. 392) que o autor deve ter sido M. G. Lewis ou então Spencer, um dos tradutores ingleses da Lenore. Refere-se sem dúvida a William Robert Spencer, que publicou uma tradução dessa poesia de Bürger (ver Leonora, translated from the German by W. R. Spencer, London, J. Edwards, and E. and S. Harding, 1796), e que, além disso, foi autor de Poems, 1811 (teve 2ª ed. em 1835), obra que infelizmente não pudemos consultar. Na tradução de Herculano, a história passa-se “Nas margens do ameno Lima”, o que deve ser aclimatação ao ambiente português. 1698 “Lenvcia” é, muito provavelmente, produto de má leitura dum manuscrito. 1699 É tradução do romance novo que começa “Victorioso vuelve el Cid” (IGR nº 48, El Cid vuelve a Cardeña), que se pode ler, por exemplo, em Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, cit., nº CXXXIX. 550 Traduzido em versos brancos, na sua grande maioria decassílabos. 1700 [Anónimo], A Noviça de Norvendorf, Revista Litteraria, IV, nº 19 ([Julho] 1839), pp. 61-66. Traduzido em quadras de heptassílabos. 1701 Alexandre Dumas, A Noiva de Ricardo. Ballada, trad. de S.[sic], A Vedeta da Liberdade, 2/7/1839, pp. 1-2. Republicação do texto saído em 1838. 1702 Schiller, O Mergulhador, trad. de P., O Correio das Damas, III, nº 22 (25/10/1839), 1703 pp. 175-6. Republicação do texto saído no mesmo ano n’ A Vedeta da Liberdade. 1841 1704 Mr. Leonard [sic], Lucia. Romance, trad. de José Maria da Costa e Silva, O Mosaico, III, nº 90 (1841), pp. 31-2. Traduzido em oitavas de versos brancos de 10 e 6 sílabas. 1700 No fim, o poema traz a indicação de ter sido transcrito da Gazeta dos Domingos, jornal que não conseguimos localizar. 1701 O poema é precedido por um prólogo (p. 61), não assinado, possivelmente escrito pela redacção. Dizem que o poema é dum amigo deles e que é uma “chacara, imitação d’ um romance alemão” (não referem o nome do autor original). Gabam-lhe o estilo, mas dizem que o autor deveria antes tratar “assumptos nacionaes, [...] em que felizmente abunda a nossa historia”. Referem o romance como sendo “aquelle genero poetico tão usado outrora, e que em nossa opinião tanto é grato ao ouvido, como ao coração”. 1702 No fim, o poema traz a indicação de ter sido transcrito da Gazeta dos Domingos. Este jornal, que não conseguimos localizar, deve, por sua vez, ter retirado o texto do Correio das Damas, 1838 (q. v.). 1703 No fim, o poema traz a indicação de ter sido transcrito do Sete d’ Abril, jornal que não conseguimos localizar. 1704 Deve tratar-se de Nicolas-Germain Léonard, cujas obras eram assinadas apenas “M. [ou “Mr.”] Léonard”. É autor de, por exemplo, Idylles morales (1766), Idylles et poëmes champêtres (1782) e Oeuvres (1787, 2 vols.). Estas obras (que infelizmente não pudemos consultar) parecem ser de estilo neoclássico. 551 Walter Scott, A Virgem de Toro. Ballada, trad. de I[gnacio] P[izarro] de M[oraes] S[armento], O Correio das Damas, IV, nº 23 (25/11/1841), pp. 183-4. Traduzido em nonas de heptassílabos. 1842 Walter Scott, Alix e Ricardo, trad. de Costa e Silva, in A Dama do Lago, Lisboa, A. U. P. de Castro Telles, 1842, pp. 189-198. Republicação do texto saído em 1836. 1705 1844 Pigault Lebrun, Zamoro e Isidora. Victimas do amor. Romance, tradução anónima, O Ramalhete, nº 305 (4/1/1844), pp. 7-8. Traduzido em quadras de tipo tradicional. 1845 L[udwig] Uhland, Bertrand de Born, Trovador e Senhor de Altaforte (Romance allemão), trad. de J[osé] G[omes] M[onteiro], A Illustração. Jornal Universal I, nº 2 (Maio 1845), pp. 25-26. Traduzido em quintilhas de heptassílabos. 1846 1705 A presente tradução de A Dama do Lago é quase totalmente em prosa, feita por autor anónimo. Apenas as (poucas) “canções” postas na boca de personagens são, aqui, traduzidas em verso. Uma delas é, precisamente, a balada Alix e Ricardo, de que (como se diz na p. 189, em nota) se reproduz a tradução, versificada, de Costa e Silva. 552 [Anónimo], A Rosa e o Loureiro. Romance, imitado do francez [por] Pacheco e Castro, 1706 Revista Recreativa, I (1846), nº 9, p. 70. Traduzido em quadras de eneassílabos. 1707 1847 [Matthew G. Lewis], Aphonso e Imogina, “traduzido livremente por [Manoel da] Gama Lobo”, A Aurora Recreativa, I (1847), nº 2, pp. 13-15. Traduzido em quadras de tipo tradicional. 1848 José Gomes Monteiro, Eccos da Lyra Teutonica ou traducção de algumas poesias dos poetas mais populares d’ Allemanha, Porto, Na Typographia de S. J. Pereira, 1848. Inclui: Chamisso, O Conde e o Servo (pp. 6-12). Traduzido em quintilhas de heptassílabos; Heine, O Cavalleiro Ferido (pp. 13-4). Traduzido em quadras de heptassílabos; Uhland, Bertrand de Born (pp. 20-24). Republicação do texto saído em 1845; Goethe, O Conde Expulso e Restituido (pp. 34-8). Traduzido em nonas de eneassílabos; Uhland, O Torneio Lastimoso (pp. 45-8). Traduzido como um romance; Uhland, A Camisa de Soccorro (pp. 64-7). Traduzido em quintilhas de heptassílabos; Platen, A Mão de Finado (pp. 71-2). Traduzido em quadras de eneassílabos; 1706 É um facto que Pacheco e Castro é apresentado como autor do poema e, por outro lado, não conhecemos o texto original (cujo autor se não indica). No entanto, preferimos a hipótese de a expressão “imitado do francez” corresponder mais a uma tradução (ainda que livre), do que a um texto verdadeiramente original, ainda que escrito a partir de outro. Na verdade, na linguagem epocal, “imitado” significa por vezes simplesmente “traduzido”, como é o caso (que mais à frente veremos, em 1848), do poema Supplicas de Ximena. De facto, este texto, não obstante venha assinado por Rodrigues Cordeiro e traga a indicação de constituir, apenas, uma “imitação”, é, afinal, a pura tradução dum romance novo espanhol. 1707 O texto é um diálogo galante entre um cavaleiro e uma pastora. 553 Uhland, A Filha do Ourives (pp. 75-8). Traduzido em quintilhas de heptassílabos; Heine, Os Dous Irmãos (pp. 85-6). Traduzido em quadras de tipo tradicional; Uhland, A Filha do Rei d’ Hespanha (pp. 95-6). Traduzido como um romance (o original já tinha rima seguida), embora dividido em quadras; 1708 Schiller, O Cavalleiro Toguenburgo (pp. 131-9). Traduzido em oitavas de heptassílabos; 1709 Platen, El-Rei Odo (pp. 144-151). Traduzido em quadras de heptassílabos; 1710 e Schiller, O Dragão de Rhodes (pp. 152-179). Traduzido em estrofes de 12 decassílabos. 1711 [Anónimo], Supplicas de Ximena. Imitação, [traduzido por] A. X. R[odrigues] 1712 Cordeiro, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 12), pp. 179-80. Traduzido em quadras de tipo tradicional. 1850 A. Herculano, Poesias, Lisboa, Em Casa da Viuva Bertrand e Filhos, 1850. Inclui: [Anónimo], A Noiva do Sepulcro, pp. 277-291. Republicação do texto saído em 1838; Bürger, Leonor, pp. 315-326. Republicação do texto saido em 1834; e Bürger, O Caçador Feroz, pp. 297-309. Republicação do texto saído em 1839. 1708 Esta tradução entrou na oralidade e tornou-se tradicional, em Portugal e sobretudo no Brasil [ver J. J. Dias Marques, “From France to Brazil Via Germany and Portugal: The meandering journey of a traditional ballad” in Thomas A. McKean (org.), Proceedings of the 29th International Ballad Conference (no prelo)]. 1709 1710 1711 1712 A tradução é acompanhada pela transcrição do poema original, en regard. A tradução é acompanhada pela transcrição do poema original, en regard. A tradução é acompanhada pela transcrição do poema original, en regard. Embora este poema seja apresentado como um poema de Rodrigues Cordeiro (ainda que “imitado” de algo estrangeiro), a verdade é que constitui uma simples tradução (até bastante fiel) do romance novo espanhol que começa “‘¡ Al arma, al arma!’ sonaban / Los pífaros y atambores”, do Romancero general de 1600 (ver Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, cit., nº XXV). 554 Schiller, O Mergulhador (imitação do canto de...), trad. de João Antonio de Sousa Junior, A Semana, I, nº 10 (Março de 1850), pp. 79-80. Traduzido em sextilhas de heptassílabos. [Anónimo], A Perda de Alhama. Romance, trad. de R. A. de Bulhão Pato, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, II, nº 24 (21/3/1850), pp. 283-286. Traduzido em quadras de heptassílabos, de rima duplamente cruzada, que muda de estrofe para estrofe. 1713 [Anónimo], A Perda de Alhama. Romance, in R. A. de Bulhão Pato, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Universal, 1850, pp. 50-63. Republicação (ou pré-publicação?) do item anterior. 1714 1852 [Anónimo], Xacara, [trad. de Alexandre Herculano], O Jardim Litterario, VIII, nº 47 (19/11/1852), p. 376, nº 48 (26/11/1852), pp. 382-4, e nº 49 (3/12/1852), pp. 390-2 . Republicação do texto saído em 1838 e 1850 com o título A Noiva do Sepulcro. 1853 [Anónimo], O Barqueirinho, “traducção [não assinada] de um canto popular da Suecia”, A Peninsula, II (1853), nº 21 (s/d.), pp. 250-251. Traduzido como um romance, embora com os versos agrupados em quadras. [Luigi?] Carrer, 1715 O Cavalleiro d’ Estremadura, trad. de Luiz Ribeiro [de Sottomaior], O Portugal, 9/4/1853, pp. 2-3. 1713 Em duas colunas paralelas, apresenta-se a versão velha do romance (“Paseabase el rey moro por la ciudad de Granada”) e a sua tradução portuguesa. 1714 Tal como na publicação da Revista Universal Lisbonense, inclui-se também o texto espanhol original. 1715 O poema original é italiano ou espanhol (não se percebe bem das palavras de Sottomaior), dum escritor com o sobrenome de Carrer (diz-se em nota, p. 2). É possível que se trate de Luigi Carrer, poeta italiano 555 Traduzido em quadras de tipo tradicional. 1858 [Matthew G. Lewis], Affonso e Isolina, [tradução de] Alexandre Herculano, 1716 in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1859, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, pp. 316-7. Republicação do texto saído em 1836 e 1838. 1859 Uhland, A Maldicção do Poeta, tradução de Silva Ferraz, O Instituto, VII (1859), pp. 47-8. Traduzido em oitavas de heptassílabos. Luiz [i. e., Ludwig] Uhland, A Maldicção do Poeta. Ballada de ... (Vertida do allemão), tradução de J. S. da Silva Ferraz, Archivo Universal, I, nº 4 (24/1/1859), pp. 55-56. Republicação (ou pré-publicação) do item anterior. 1860 A. Herculano, Poesias, 2ª ed., Lisboa, Em Casa da Viuva Bertrand e Filhos, 1860. Inclui: [Anónimo], A Noiva do Sepulchro, pp. 277-91 Republicação do texto saído em 1838 e 1850; Bürger, O Caçador Feroz, pp. 297-309. Republicação do texto saído em 1839 e 1850; (1801-1850), autor de, entre outras obras, Ballate (1834), que não pudemos consultar; aliás, em nota, Sottomaior designa o poema por “ballada”. 1716 tradução. O poema é apresentado somente com o nome de Alexandre Herculano, não se indicando ser 556 e Bürger, Leonor, pp. 315-29. Republicação do texto saído em 1834 e 1850. 1861 [Christian] Schubart, O Judeu Errante, paraphrase da lenda allemã de..., [por] Henrique Van-Deiters, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, III, (1861-62), pp. 36272. Traduzido em vários tipos de versos e estrofes. 1717 1862 Luiz Ribeiro de Sottomaior, Poesias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1862. Inclui: [Luigi?] Carrer, O Cavalleiro d’ Estremadura (pp. 112-122). Republicação do texto saído em 1853; 1718 1719 e [anónimo], O Pastor (pp. 174-5). Traduzido em quadras de heptassílabos. [Anónimo], D. Rodrigo (rimance do hespanhol), trad. de B[runo] T[elles] de M[enezes] de V[asconcellos], Tira-Teimas, nº 15 (7/2/1862), p. 144. Traduzido em quadras de tipo tradicional. 1720 1864 Heine, A Condessa Palatina, trad. de E[duardo] A[ugusto] Vidal, Chronica dos Theatros, 3ª série, nº 21 (18/11/1864), p. 1. 1717 1718 1719 1720 Como o título indica, é sobre a lenda do Judeu Errante. A tradução está, aqui, datada de 1851. Na p. vi, diz-se que este poema é uma tradução, mas não se indica o autor do original. É tradução do romance novo que começa “A Jimena y á Rodrigo / Prendió el rey palabra y mano”, publicado no Romancero general (cf. Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, cit., nº XIX). 557 Traduzido como um romance, embora com os versos agrupados em quadras. 1865 1721 [Johan Ludvig Runeberg], O Sepulchro de Perrho, poemetto traduzido do verso sueco por Costa Goodolphim, Lisboa, Typographia da Viuva Pires Marinho, 1865. Traduzido em decassílabos brancos. Traz também, en regard, o original sueco. 1868 Heine, A Condessa Palatina in E[duardo] A[ugusto] Vidal Cantos do Estio, Lisboa, 1722 Typ. Lisbonense, 1868, pp. 105-6. Republicação do texto saído em 1864. 1721 O nome do autor está ausente do frontispício, sendo indicado apenas na p. 52. Trata-se dum famoso poeta finlandês, de expressão sueca. 1722 Nesta republicação, o nome do autor alemão é dado como “Henri Heine”, o que provavelmente indica que o texto foi traduzido por Vidal a partir duma versão francesa. 558 APÊNDICE Nº 4: TRADUÇÕES PORTUGUESAS DE TEXTOS DE LITERATURA ORAL ESTRANGEIRA (1842-1870) Durante as nossas pesquisas, encontrámos alguns items que são (ou assim se apresentam) traduções de textos de literatura oral estrangeira, publicados sobretudo na imprensa. Como pensamos que pode ser algo de interesse, aqui deixamos a sua lista, que estará, sem dúvida, longe de reflectir a realidade do efectivamente publicado. Esclareça-se que colocámos no Apêndice nº 3 as traduções versificadas dos textos narrativos estrangeiros, mesmo daqueles, poucos, que (como certos romances espanhóis) são de origem oral. Anónimo, “Crenças Populares. A Virgem Pestífera”, O Archivo Popular, VI, nº 50 (10/12/1842), p. 399. Contém a “traducção [em prosa] de huma chácara, que ainda hoje cantão os camponezes lithuanos”. Trata-se dum texto que surge em Herder (Volkslieder, cit., nº 3). Anónimo, 1723 Os Bons-Dias, Revista Universal Lisbonense, V, nº 29 (8/1/1846), pp. 346-347. É tradução dum poema quase totalmente lírico, pertencente aos “cantos-populares d’ Allemanha”. É precedido por uma interessante nota introdutória (p. 346), em que se apresentam várias teorias ligadas ao modo romântico de entender a poesia tradicional. 1723 1724 Como fala em nome da Revista Universal Lisbonense, deve ser José Maria da Silva Pereira, então o redactor (=director), como se diz no frontispício do volume. 560 Almeida Garrett, Canção da Donzela Finlandesa (Folhas Caídas, apud Obras, II, Porto, Lello & Irmão—Editores, s/d., p. 253; a 1ª ed. das Folhas Caídas é de 1853). Poema lírico. Apresenta-se como a tradução duma “pequena Runa”; “o original é fenício [sic] ou finlandês”. 1725 Anónimo, “Lenda Dinamarqueza”, A Illustração Luso-Brazileira, I, nº 50 (13/12/1856), p. 399. É sobre Ragnar Lodbrok, filho dum rei da Dinamarca. Anónimo, “Lenda Mexicana”, A Illustração Luso-Brazileira, I, nº 49 (6/12/1856), p. 389. É uma adaptação da história bíblica de Noé. 1724 Nela se frisa que o texto publicado é poesia “tam singela como moral”. Contrapõe-na à poesia culta, pois o povo compõe “sem a exactidão da sciencia nem o embelezamento da arte”, mas “d’ este modo consegue doutrinar espontaneamente sem o pedantesco alarde academico, uem[sic] os arrebiques arcadicos. Todos os povos foram assim nos principios da sua civilisação”, mas, com o desenvolvimento dessa civilização, tal perdeu-se. “Essas bonitas canções-populares não as ha ja pela Allemanha, nem por outra nenhuma nação civilisada. Hoje alguma que ainda fazem é quasi sempre licenciosa [...] á medida que a educação se derramou pela classe popular, foi-se finando a inspiração do povo.” O poema em questão, continua o jornalista, talvez seja de origem culta, depois popularizado, porque nele “não se nota a desordem, as contradicções, circumstancias quasi sempre inherentes da poesia popular; mas observa-se certa escuridade, o inciso do estylo, os aphorismos, o inopinado do comêço, circumstancias tambem infalliveis n’ este genero de poesia, que era quasi toda improvisada”. Diz que o metro que escolheu para a tradução (5 sílabas) “não é talvez o mais proprio para produzir uma bonita canção em portuguez. Diz-se, e é verdade, que o verso outosyllabo ‘é a medida mais natural da musica da lingua’ ” (p. 346). 1725 É acompanhada pelas seguintes palavras de Garrett: “Muito aproveitaria ao estudo das línguas e literaturas da Europa se os nossos literatos se dessem com o mesmo empenho ao estudo das runas e sagas do Norte com que ali se dão ao das nossas xácaras e solaus”. 561 I[gnacio] de Vilhena Barbosa, “Contos Populares da Irlanda. I: A Garrafa Encantada”, A Illustração Luso-Brazileira, III, nº 18 (7/5/1859), p. 139, nº 19 (14/5/1859), pp. 150-151, e nº 20 (21/5/1859), p. 154. É uma lenda etiológica sobre um monte chamado Bottle Hill. 1726 I[gnacio] de Vilhena Barbosa, “Contos Populares da Irlanda. II: As Aguas Negras”, A Illustração Luso-Brazileira, III, nº 27 (9/7/1859), pp. 214-215, e nº 28 (16/7/1859), pp. 218-219. História de amor e morte passado no rio Blackwater. Anónimo, “Habitantes da Bretanha”, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1862, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1861, pp. 169-171. Inclui (p. 171) a tradução, em prosa, de Canto da Noiva, apresentado como uma canção tradicional bretã. Anónimo, Canções de Madagascar, A Voz da Mocidade, nº 17 (9/4/1863), p. 3, nº 18 (11/4/1863), p. 3, nº 20 (16/4/1863), p. 2, nº 22 (21/4/1863), p. 2, nº 25 (28/4/1863), pp. 2-3, e nº 31 (13/5/1863), pp. 3-4. Consta de onze canções líricas, numa tradução em prosa. Trata-se de textos da autoria do poeta francês Parny, que, como atrás dissemos, os atribui falsamente à tradição de Madagáscar. 1726 1727 Escreve Barbosa: “Depois da Alemanha não ha paiz na Europa mais cheio de superstições populares do que a Irlanda. Os contos de fadas e encantamentos, e de todo o genero de apparições sobrenaturaes são ali mais geraes e em maior numero do que nas nossas provincias do norte as historias de bruxas e almas penadas. O conto que vamos referir é um dos mais conhecidos na Irlanda. Poucas mães ou amas deixarão de entreter as creanças com as maravilhas da garrafa encantada”. 1727 No início do artigo, há uma nota (assinada “P. L.”), em que se diz explicitamente: “as seguintes canções foram recolhidas e vertidas para o francez por Parny”. Tais poemas (que também foram traduzidos para alemão por Herder e publicados na 2ª ed. dos Volkslieder — ver, na citada edição de H. Rölleke, pp. 391-8) são, 562 A[ntonio] J[sic, por I, de Isidoro] P[ereira] Varella, “O Lago da Fada. Lenda”, Aurora Litteraria, II, nº 5 (1/10/1861), pp. 34-36. É apresentada como sendo uma lenda irlandesa, ligada a um lago da região de Killarney. Anónimo, “Conto Dinamarquez”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 5, p. 40. É um pequeno conto jocoso. Anónimo, “A Lebre na Lua”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 11, pp. 83-4. É apresentada como uma lenda hindu. Anónimo, “Proverbios Dinamarquezes”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 18, p. 141. Anónimo, “Proverbios Turcos”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 19, p. 149. Anónimo, “Proverbios da Grecia Moderna”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 21, p. 163. Anónimo, “Proverbios Russos”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 24, p. 192. porém, apócrifos [ver Willard R. Trask (org.), The Unwritten Song, cit., I, p. viii]). O tradutor português chamase-lhes “singela litteratura”, em que se encontra “o espirito do sentimentalismo”. 563 Andersen, 1728 “Contos do Norte (do allemão[sic] de Anderson[sic]). I: Uma Mãe” e “Contos do Norte (do allemão de Andersen). II: O Elf”, Jornal do Commercio, 14/7/1865, p. 2, e 4/8/1865, p. 2. Tradução de Teófilo Braga. 1729 Anónimo, “Balada Dinamarqueza”, A Revolução de Setembro, 12/1/1870, p. 2. Tradução em prosa dum texto que parece tradicional. 1728 Embora os contos de Andersen não sejam tradicionais, mas sim, no máximo, inspirados em contos tradicionais, decidemos incluir este item, dado que, na época, a obra de Andersen era encarada como recolhida da oralidade. Aliás, é nesse espírito que Braga inclui este item na série de artigos sobre literatura oral que publicou no Jornal do Commercio. 1729 Os contos traduzidos por Braga correspondem àqueles que, na edição em inglês organizada por Lily Owens, se intitulam “The Elf of a Rose” e “The Story of a Mother” (The Complete Hans Christian Andersen Fairy Tales, New York, Avenel Books, 1981, pp. 82-5 e 238-2, respectivamente). 564 APÊNDICE Nº 5: PUBLICAÇÕES DO POEMA APÓCRIFO NO FIGUEIRAL, FIGUEIREDO, ASSIM COMO DE BALADAS OU CONTOS QUE NELE SE INSPIRAM (1821-1870) Adrien Balbi, Essai statistique sur le royaume de Portugal et d’ Algarve comparé aux autres états de l’ Europe, II, Paris, Chez Rey et Gravier, Libraires, 1822, p. ii (publica as duas primeiras estrofes do Figueiral). Anónimo, “Canção Anonyma no Reinado do Conde D. Henrique (1112)”, Universo Pittoresco, I, nº 5 (1839), p. 67 [publica as duas primeiras estrofes do Figueiral (talvez transcritas de Balbi, op. cit.) com notas esclarecedoras do léxico]. Christ. Fr. Bellermann, Die alten Liederbücher der Portugiesen oder Beiträge zur Geschichte der portugiesischen Poesie vom dreizehnten bis zum Anfang des sechzehnten Jahrhunderts nebst Proben aus Handschriften und alten Drucken herausgegeben von Dr. ..., Berlin, Ferdinand Drümmler, 1840, pp. 3-4 (dá o original e a tradução do Figueiral). J. de V. P. C. M. Falcão, “Figueiredo das Donas”, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, II (1840-41), pp. 22-37 [conto sobre a lenda da salvação das donzelas. Começa com as “Redondilhas, que derão motivo ao Romance” (i. e., ao conto), e que são o poema do Figueiral]. M. P., “Nobre Origem do Nome de Figueiredo; ou o Tributo das Donzellas”, O Ramalhete, nº 195 (4/11/1841), pp. 348-349 (conto). 566 Anónimo, “Das Origens do Idioma Patrio, e dos Nossos Primeiros Monumentos Litterarios”, Museu Pittoresco, I (1842), nº 15, pp. 114-116 (transcreve, explicitamente a partir de Balbi, as duas primeiras estrofes do Figueiral). Ignacio Pizarro de M[oraes] Sarmento, Gaésto Ansor, O Romanceiro Portuguez, ou Colecção dos Romances de Historia Portugueza Compostos por..., II, Porto, Typographia Commercial,1845, pp. 1-45 (balada romântica sobre o tema). A[lmeida] G[arrett], “Os Figueiredos”, A Illustração. Jornal Universal I, nº 4 (Julho 1845). pp. 62-63 e 65 (conto baseado no Figueiral, poema cuja autenticidade Garrett defende). José Maria da Costa e Silva, Ensaio Biographico-Critico Sobre os Melhores Poetas Portuguezes, I, Lisboa, Imprensa Silviana, 1850, pp. 35-41 (fala sobre o Figueiral, que transcreve). Christ. Fr. Bellermann, Portugiesische Volkslieder und Romanzen. Portugiesisch und Deutsch mit Anmerkungen herausgegeben von Dr. ... Nachgelassenes Manuskript des Herausgebers, Leipzig, Verlag von Wilhelm Engelmann, 1864, pp. 200-205 (publica o poema). Theophilo Braga, Cancioneiro Popular, colligido da tradição por..., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1867, pp. 2-4 (transcreve o poema, cuja autenticidade defende). João da Silveira, “Lenda de Figueiredo das Donas”, A Civilisação (Coimbra), nº 1 (5/12/1869), pp. 7-8; nº 4 (20/1/1870), pp. 30-32; e nº 9 (5/4/1870), pp. 71-72 (refere a lenda da salvação das donzelas. O texto começa transcrevendo a “canção, que lhe deu motivo”, ou seja, o Figueiral). 1730 1730 Embora pertencente a uma época posterior à da publicação do Romanceiro do Algarve, diga-se, para mostrar a fama alcançada por No Figueiral, Figueiredo, que foi incluído por Antero na sua antologia destinada às crianças (ver Thesouro Poetico da Infancia, cit., pp. 22-23; tem, no fim, a indicação: “Romance antigo; posto em linguagem moderna por Anthero de Quental”). OBRAS CITADAS 1731 Textos Literários ALCOFORADO, Doralice Fernandes Xavier e Maria del Rosário Suárez Albán (orgs.), Romanceiro Ibérico na Bahia, Salvador, Ba., 1996 ALMANAK das Musas. Nova collecção de poesias offerecida ao genio portuguez, II, Lisboa, Na Officina de Antonio Gomes, 1794 ALMEIDA, Nicolau Tolentino de, Obras, Lisboa, Estúdios Cor, 1969 ALORNA, D. Leonor d’ Almeida Portugal Lorena e Lencastre, marqueza d’, Obras Poeticas, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1844, 6 vols. ANDRADE, Miguel Leitão de, Miscellanea, reed. facsimilada da 2ª ed. (1867), introdução de Manuel Marques Duarte, Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1993 ANDERSEN, Hans Christian, The Complete Fairy Tales, edited by Lily Owens, New York, Avenel Books, 1981 [BARBOZA, Domingos Caldas], Viola de Lereno: Collecção das suas Cantigas, offerecidas aos seus amigos, [I], Lisboa, Na Typografia Rollandiana, 1819; e II, Lisboa, Na Typografia Lacerdina, 1826 BINGRE, Francisco Joaquim, Obras, edição de Vanda Anastácio, II, Porto, Lello Editores, 2000 BOCAGE, Manoel Maria de Barbosa du, Verdadeiras Ineditas Obras Poeticas, IV, Lisboa, Na Impressão Regia, 1813 ———, Opera Omnia, direcção de Hernâni Cidade, Lisboa, Livraria Bertrand, 1969-1973, 6 vols. BÖHL DE FABER, Juan Nicolás, Primera parte de la floresta de rimas antiguas castellanas, ordenada por Don ..., Hamburgo, En la librería de Perthes y Besser, 1821 1731 Excluem-se os livros e artigos citados pela sua integração na história da literatura oral portuguesa (capítulo IV), desde que não voltem a ser mencionados ao longo da tese. Excluem-se também as obras incluídas nos apêndices. 568 BRAGA, Theophilo, Cancioneiro Popular, colligido da tradição por..., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1867 ———, Romanceiro Geral, colligido da tradição por..., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1867 ———, Cantos Populares do Archipelago Açoriano, publicados e annotados por..., Porto, Typ. da Livraria Nacional, 1869 ———, Romanceiro Geral Portuguez, 2ª ed., I: Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1906; II: id., ibid., 1909; III: id., J. A. Rodrigues & Cª.—Editores, 1909 ———, Contos Tradicionais do Povo Português, I, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1987 BRITO, Frei Bernardo de, Monarquia Lusitana. Parte Segunda, introd. de A. da Silva Rego, notas de A. A. Banha de Andrade e M. dos Santos Silva, Lisboa, I.N.-C.M., 1975 (reed. facsimilada da 1ª ed.,1609) CANCIONERO de romances impreso en Amberes sin año, edición facsimil con una introducción por R. Menéndez Pidal, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1914 CATALÁN, Diego e Mariano de La Campa, Romancero general de León. Antología (1899-1989, preparado por..., con la colaboración de Débora Catalán, Paloma Esteban, Ángeles Ferrer y Maite Manzanera, composición a cargo de Suzanne Petersen, Madrid, Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense de Madrid / Diputación Provincial de León, 1991, 2 vols. CHILD, Francis James, The English and Scottish Popular Ballads, New York, Dover Publications, Inc., 1965, 5 vols. CREUZE DE LESSER, A., Le Cid. Romances espagnoles imitées en romances françaises par M..., Paris, Chez Delaunay, Libraire, 1814 ———, Les Romances du Cid, odéïde imitée de l’espagnol par..., Paris, Chez Delaunay, Libraire, 1836 CUNHA, Pereira da, Selecta, Lisboa, Typographia Universal, 1879 CUSTÓDIO, Idália Farinho e Maria Aliete Farinho Galhoz, Memória Tradicional de Vale Judeu, [Loulé], Câmara Municipal de Loulé, 1996 e 1997, 2 vols. DELGADO, Manuel Joaquim, A Etnografia e o Folclore do Baixo Alentejo, Beja, Assembleia Distrital de Beja, 1985 569 DEPPING, Ch. [sic, por G., de Georg] B., Sammlung der besten alten spanischen historischen, ritter- und maurischen Romanzen, geordnet und mit Anmerkungen und einer Einleitung versehen von..., Altenburg und Leipzig, F. A. Brockhaus, 1817 DIEZ, Friedrich, Altspanische Romanzen besonders vom Cid und Kaiser Karls Paladinen, uebertz von... , Berlin, bei Georg Reimer, 1821 DURAN, Agustin, Romancero de romances moriscos, compuestos de todos los de esta clase que contiene el Romancero general, impreso en 1614, Madrid, Imprenta de D. Leon Amarita, 1828 ———, Cancionero y romancero de coplas y canciones de arte menor, letras, letrillas, romances cortos y glosas anteriores al siglo XVIII, Madrid, Imprenta de Don Eusebio Aguado, 1829 ———, Romancero de romances doctrinales, amatorios, festivos, jocosos, satíricos y burlescos, Madrid, Imprenta de Don Eusebio Aguado 1829 ———, Romancero de romances caballerescos é históricos anteriores al siglo XVIII, Madrid, Imprenta de Don Eusebio Aguado, 1832, 2 vols. ———, Romancero general, ó coleccion de romances castellanos anteriores al siglo XVIII, 2ª ed., II, Madrid, M. Rivadeneyra — Impresor — Editor, 1859 ELYSIO, Filinto, Obras, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1836-40, 22 vols. A FENIX Renascida, ou obras poeticas dos melhores engenhos portuguezes, 2ª ed., aumentada, Lisboa, Na Offic. dos Herd. de Antonio Pedrozo Galram, 1746, 5 vols. FERRÉ, Pere, com a colaboração de Vanda Anastácio, José Joaquim Dias Marques e Ana Maria Martins, Romances Tradicionais, [Funchal], Câmara Municipal do Funchal, 1982 ———, Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna. Versões publicadas entre 1828 e 1960 , estudo introdutório, organização e fixação de..., I, com a colaboração de Cristina Carinhas, Ramon dos Santos de Jesus e Eva Parrano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2000 FONTES, Manuel da Costa, Romanceiro Português do Canadá, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1979 ———, Romanceiro da Província de Trás-os-Montes (Distrito de Bragança), Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1987, 2 vols. GALHOZ, Maria Aliete, Romanceiro Popular Português, Lisboa, Centro de Estudos Geográficos, I.N.I.C., 1987 e 1988, 2 vols. 570 GARÇÃO, Correia, Obras Completas, texto fixado, prefácio e notas por António José Saraiva, I: Poesia Lírica e Satírica, Lisboa, Livraria Sá da Costa—Editora, 1957 [GARRETT, Almeida], Adozinda. Romance, Londres, Em Casa de Boosey & Son e de V. Salva, 1828 GARRETT, J. B. de Almeida, Romanceiro, I: Adozinda e Outros, Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim. Úteis, 1843; II: Romances Cavalharescos[sic] Antigos, e III: Romances Cavalherescos Antigos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851 ———, Romanceiro, org. de Augusto da Costa Dias, Maria Helena da Costa Dias e Luís Augusto Costa Dias, I, Lisboa, Editorial Estampa, 1983 ———, Obras, Porto, Lello & Irmão—Editores, s/ d., 2 vols. GRAÇA, Fernando Lopes, A Canção Popular Portuguesa, 3ª ed., s/l., Publicações Europa-América, s/d. GRIMM, Jacobo, Silva de romances viejos, 2ª ed., Vienna de Austria, En casa de Schmidl, 1831 GUERREIRO, Manuel Viegas e António Machado Guerreiro (orgs.), Literatura Popular do Distrito de Beja, s/l., Ministério da Educação e Cultura, Direcção-Geral da Educação de Adultos, Coordenação Distrital de Beja, 1986 HARDUNG, Victor Eugenio, Romanceiro Portuguez, coordinado, annotado e accompanhado d’ uma introducção e d’ um glossario por..., II, Leipzig, F. A. Brockhaus, 1877 HENRIQUES, Francisco, Jorge Gouveia e João Carlos Caninas, Contos Populares e Lendas dos Cortelhões e dos Plingacheiros (Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão), Vila Velha de Ródão, s/n., 2001 [= Açafa, nº 4 (2001)] HERDER, Johann Gottfried, Der Cid. Geschichte des Don Ruy Diaz, Grafen von Bivar nach spanischen Romanzen, in Sämmtliche Werke, vol. 28: Poetische Werke, heraugegeben von Carl Redlich, Berlin, Weidmannsche Buchhandlung, 1884, pp. 399-546 ———, Stimmen der Völker in Liedern. Volkslieder, org. de Heinz Rölleke, Stuttgart, Philipp Reclam, 1975 HUGO, Victor, Oeuvres, II, Bruxelles, Meline, Cans et Compagnie, 1842 JAZENTE, Abade de, Poesias, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985 LA FONTAINE, Fables, précédées d’ une notice biographique et littéraire et accompagnées de notes grammaticales et d’ un lexique par René Radouant, Paris, Hachette, 1929 571 LOCKHART, J. G., Ancient Spanish Ballads; Historical and Romantic, 4th ed., London, John Murray, 1853 LOPES, Antônio, Presença do Romanceiro. Versões maranhenses, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967 LOPES, Francisco, Sancto Antonio de Lisboa: Primeira e segunda parte, do seu nascimento, creação, vida, morte e milagres, Lisboa, Por Pedro Crasbeeck, 1610 [LÓPEZ DE SEDANO, Juan Joseph], Parnaso español. Colección de poesías de los más célebres poetas castellanos, I, Madrid, Por Joachin Ibarra, 1768 MACAULEY, Lord, Lays of Ancient Rome, London, Longmans, Green, Reader, & Dyer, 1877 MARQUES, Gentil, Lendas de Portugal, II: Lendas Heróicas, e III: Lendas de Mouras e Mouros, [Lisboa], Círculo de Leitores, 1997 MARTINS, Pe. Firmino A., Folklore do Concelho de Vinhais, [I], Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928 MATOS, João Xavier de, Rimas, nova ed., III, Lisboa, Typographia da Academia R. das Sciencias, 1827 MATTOSO, José (org.), Narrativas dos Livros de Linhagens, Lisboa, I.N. / C.M., 1983 MICHAËLIS, Carolina (org.), Romancero del Cid, Leipzig, Brockhaus, 1871 MILLEVOYE, Oeuvres, précédées d’une notice par M. Sainte-Beuve, Paris, Garnier Frères, Libraires-Éditeurs, s/ d. MONTAIGNE, Michel de, Oeuvres complètes, textes établis par Albert Thibaudet et Maurice Rat; introduction et notes par Maurice Rat, Paris, Gallimard (“Bibliothèque de la Pléïade”), 1962 MOURA, José Carlos Duarte, Contos, Mitos e Lendas da Beira, Coimbra, A Mar Arte, 1996 OCHOA, Eugenio de, Tesoro de los romanceros y cancioneros españoles, históricos, caballerescos, moriscos y otros, Paris, En la Librería Europea de Baudry, 1838 OLIVEIRA, F. Xavier Ataíde de [sic], Contos Populares do Algarve, [2ª ed.], prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa, Lisboa, Vega, s/ d., 2 vols. ———, As Mouras Encantadas e os Encantamentos no Algarve, 2ª ed., prefácio de João Corpas Viegas, “Palavras Necessárias” por José Maria da Piedade Barros e “Breve Biografia [de] Ataíde Oliveira” por João Valadares d’ Aragão e Moura, Loulé, “Notícias de Loulé”, 1994 572 PEDROSO, Consiglieri, Contribuições para uma Mitologia Popular Portuguesa e Outros Escritos Etnográficos, org. de João Leal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1988 PERCY, Thomas, Reliques of Ancient English Poetry, consisting of old heroic ballads, songs, and other pieces of our earlier poets, together with some few of later date, edited, with a general introduction, additional preface, notes, glossary, etc., etc., by Henry B. Wheatley, I, London, Swan Sonneschein, Lebas, & Lowrey, 1876, p. lxxxii (reed. facsimilada: New York, Dover, 1966) ———, Ancient Songs Chiefly on Moorish Subjects translated from the Spanish by..., with a preface by David Nichol Smith, Oxford, Oxford University Press, 1932. PESSOA, Fernando, Poemas de Ricardo Reis, edição de Luiz Fagundes Duarte (Edição Crítica de Fernando Pessoa. Série Maior, vol. III), Lisboa, Imprensa Nacional—Casa da Moeda, 1994 PIÑERO RAMÍREZ, Pedro M., Romancero, Madrid, Editorial Biblioteca Nueva, 1999 PIRES, António Thomaz, Contos Populares Alentejanos Recolhidos da Tradição Oral, ed. crítica e introdução de Mário F. Lages, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 1992 PUYMAIGRE, Comte de, Romanceiro. Choix de vieux chants portugais. Traduits et annotés par..., Paris, Ernest Leroux, Éditeur, 1881 QUENTAL, Anthero de, Thesouro Poetico da Infancia, colligido e ordenado por..., Porto, Ernesto Chardron Editor, 1883 QUEVEDO VILLEGAS, Francisco de, Poesias, [III], Brusselas, De la Emprenta de Francisco Foppens, impressor y mercader de libros, 1661 [QUILLINAN, Dora], A Journal of a Few Months’ Residence in Portugal, and Glimpses of the South of Spain, London, Edward Moxon, 1847, 2 vols. [QUINTANA, Manuel], Poesías escogidas de nuestros cancioneros antiguos. Continuacion de la coleccion de D. Ramon Fernandez. Tomo XVI: contiene el cancionero, los romances moriscos, y los pastoriles, Madrid, En la Imprenta Real, 1796 QUITA, Domingos dos Reis, Obras, 3ª ed., I, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1831 RODD, Thomas, Ancient Ballads from the Civil Wars of Granada and the Twelve Peers of France, London, J. Bonsor, 1801 SCHLEGEL, August Wilhelm von, Sämmtliche Werke, herausgegeben von Eduard Böcking, I, Leipzig, Weidmann’sche Buchhandlung, 1846 573 SCOTT, Sir Walter, The Poetical Works of ..., with all the copyright introductions, extra notes, various readings, and annotations, edited by J. G. Lockhart, Edinburgh, Adam and Charles Black, 1869 ———, Minstrelsy of the Scottish Border, edited by T. F. Henderson, IV, Edinburgh and London / New York, William Blackwood and Sons / Charles Scribner’s Sons, 1902 (reed. facsimilada: Detroit, Singing Tree Press, 1968) SEMMEDO, Belchior Manoel Curvo, Composições Poeticas, I, Lisboa, Na Regia Officina Typografica, 1803; II, id., Na Impressaõ Regia, 1803; III, id., ibid., 1817; e IV, id., Na Typ. de Luiz Maigre Restier Junior, 1835 SILVA, Antonio A. dos Santos, Romances Historicos e Lendas, Porto, Typ. a vapor de Arthur José de Souza & Irmão, 1903 SILVA, Antonio Diniz da Cruz e, Poesias, IV, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1814 SOUSA, Fr. Luís de, História de S. Domingos, edição organizada por M. Lopes de Almeida, I, Porto, Lello & Irmão—Editores, 1977 SOUTHEY, Robert, The Poetical Woks of... Complete in One Volume, new ed., London, Longman, Brown, Green, and Longmans, 1850 TIMONEDA, Joan, El patrañuelo, org. de José Romera Castillo, 2ª ed., corregida y aumentada, Madrid, Cátedra, 1986 TRASK, Willard R. (org.), The Unwritten Song. Poetry of the primitive and traditional peoples of the world, edited, in part retranslated, and with an introduction by ..., I, New York / London, The Macmillan Company / Collier-Macmillan Ltd., 1966 O TROVADOR. Collecção de modinhas, recitativos, arias, lundús, etc., nova ed., correcta, II e III, Rio de Janeiro, Na Livraria Popular de A. A. da Cruz Coutinho — Editor, 1876 URREA, Pedro Manuel de, Cancionero de todas las obras de dõ..., nuevamente añadido, Toledo, Juan de Villaquirã, 1516 VASCONCELLOS, J. Leite de, Romanceiro Português, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1958 e 1960, 2 vols. ———, Contos Populares e Lendas, org. de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, II, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1966 (na capa: 1969) ———, Cancioneiro Popular Português, org. por Maria Arminda Zaluar Nunes, III, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1983 WRIGHT, Judith, The Phantom Dwelling, London, Virago Press, 1986 574 ZORRILLA, José, Obras, nueva edicion corregida, y la sola reconocida por el autor, con su biografia por Ildefonso de Ovejas, I: Obras poéticas, Paris, Baudry, Libreria Europea, 1852 Estudos AARNE, Antti e Stith Thompson, The Types of the Folktale, 2nd revision, Helsinki, Suomalainen Tiedeakatemia, 1981 ACADEMIA das Ciências de Lisboa, Catálogo de Manuscritos. Série Vermelha, I, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1978 AGUIAR PIÑAL, Francisco, Romancero popular del siglo XVIII, Madrid, C. S. I. C., 1972 ALFARROBA, Simplicio, “Correio do Algarve. Carta do Coveiro do Cemiterio de Faro ao Guarda-Portão da Real Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 24/7/1856 e 11/9/1856, pp. 1-2 ALMANACH de Portugal para 1856, Lisboa, Imprensa Nacional, 1856 ALMANACH de Portugal para o Anno de 1855, Lisboa, Imprensa Nacional, 1854 ALTAMIRANO, Magdalena, “No figueiral, figueiral...”, Actas de las VII Jornadas Medievales (México, D. F., 21-25/9/1998) (no prelo) ALVES, Maria Luísa Fernandes, O Portugal de Julia Pardoe. Uma visão romântica e feminina, Lisboa, I.N.I.C. / Centro de Estudos Comparados de Línguas e Literaturas Modernas, 1989 AMORIM, Francisco Gomes de, Garrett. Memorias biographicas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1881 e 1884, 2 vols. [AMPERE, Jean-Jacques], Poésies populaires de la France. Instructions du Comité de la Langue, de l’ Histoire et des Arts de la France, [Paris], Imprimerie Impériale, 1853 ANDERSEN, Flemming G., “‘All There Is... As It Is’. On the development of textual criticism in ballad studies”, Jahrbuch für Volksliedforschung, 39 (1994), pp. 28-40 ANÓNIMO, Regras da Versificação Portugueza, Lisboa, Typografia Rollandiana, 1777 ———, “Resumo Historico da Literatura Portugueza”, O Cidadão Literato, I, nº 2 (Fev. de 1821), pp. 86-89, e nº 3 (Março de 1821), pp. 156-161 575 ———, “Lingua Portugueza no Seculo Oitavo”, Universo Pittoresco, I, nº 1 (1/1/1839), p. 14 ———, “Das Origens do Idioma Patrio, e dos Nossos Primeiros Monumentos Litterarios”, Museu Pittoresco, I (1842), nº 15, pp. 114-116 ———, Grande Contenda de Pragas e Descomposturas que Teve um Catraeiro Algarvio com uma Preta por Causa dos Banhos do Mar, O Bandarra, nº 11 (1848), pp. [1][2] ———, Artigo sem título, Archivo Universal, 2ª série, nº 1 (4/7/1859), p. 16 ———, “O Archivo Universal e a Nação”, Archivo Universal, 2ª série, nº 2 (11/7/1859), p. 31 ———, “Ponto Final”, Archivo Universal, 2ª série, nº 6 (8/8/1859), p. 95 ———, “Dotação do Clero - VI”, A Nação, 2/3/1861, p. 2 ———, Noticia dos Ministros e Secretarios d’ Estado do Regimen Constitucional nos 41 Annos Decorridos desde a Regencia na Ilha Terceira em 15 de Março de 1830 até 15 de Março de 1871, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871 ARAÚJO, Maria Teresa Alves de, Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa. Questões de história e teorização, tese de doutoramento, Lisboa, F. C. S. H., Universidade Nova de Lisboa, 2000 ARMISTEAD, Samuel G. e Joseph H. Silverman, Folk Literature of the Sephardic Jews, II: Judeo-Spanish Ballads from Oral Tradition, I: Epic Ballads, Berkeley/Los Angeles/London, University of California Press, 1986 AZEREDO, Soto-Mayor e, “Cantigas Populares”, O Pirata, II, nº 15 (Set. 1851), p. 115 AZEVEDO, P.e José M. Semedo, Nossa Senhora da Orada. Seu culto na História de Portugal, s/ l., s/ Ed., 1956 BALBI, Adrien, Essai statistique sur le royaume de Portugal et d’ Algarve comparé aux autres états de l’ Europe, II, Paris, Chez Rey et Gravier, Libraires, 1822 BALTANÁS, Enrique, “Exploración del romancero tradicional moderno en Andalucía. I”, in Pedro M. Piñero Ramírez et al. (orgs.), La eterna agonía del romancero. Homenaje a Paul Bénichou, Sevilla, Fundación Machado, 2001 BARTHES, Roland, “Introduction à l’ analyse structurale des récits”, in AA. VV., L’ Analyse structurale du récit (Communications, 8), Paris, Éditions du Seuil, 1981, pp. 7-33 BATE, Walter Jackson, “Percy’s Use of His Folio-Manuscript”, The Journal of English and Germanic Philology, XLIII (1944), pp. 337-348 576 BENDIX, Regina, In Search of Authenticity. The formation of Folklore studies, Madison, The University of Wisconsin Press, 1997 BENICHOU, Paul, Nerval et la chanson folklorique, Paris, Librairie José Corti, 1970 BERTRAND, J.-J.-A., “Herder et le Cid”, Bulletin hispanique, XXIII (1921), 181210 BONANÇA, J., Artigo sem título, O Algarviense, 2/3/1864, p. 1 BONNET, Charles, Algarve (Portugal). Description géographique et géologique de cette province, Lisbonne, Typographie de l’ Académie Royale des Sciences de Lisbonne, 1850 BORRALHO, Manoel da Fonseca, Luzes da Poesia Descubertas no Oriente de Apollo nos Influxos das Muzas, Lisboa, Na Officina de Felippe de Sousa Villela, 1724 BRAGA, Theophilo, “Poesia Popular”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 5º ano (1864), pp. 302-307 ———, “Lenda Popular da Hospitalidade”, Jornal do Commercio, 24/5/1865, p. 2 ———, Floresta de Varios Romances, [Lisboa], Typ. da Livraria Nacional, 1868 ———, Epopêas da Raça Mosárabe, Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1871 ———, Theoria da Historia da Litteratura Portugueza, Porto, Imprensa Portugueza, Editora, 1872 ———, Curso de Litteratura Portugueza, Lisboa, Livraria Editora de Mattos & Compª., 1875 ———, Manual da Historia da Litteratura Portugueza desde as Origens até ao Presente, Porto, Livraria Universal, 1875 ———, Theoria da Historia da Litteratura Portugueza, 3ª ed., Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1881 ———, (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria (1860-1900). Cartas [...] [a Theophilo Braga], com um prologo (“Autobiographia Mental de um Pensador Isolado”) por ..., Lisboa, Typographia Lusitana—Editora Arthur Brandão, 1902 ———, Historia da Poesia Popular Portugueza. Cyclos épicos, 3ª ed. reescrita, Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1905 (reed. facsimilada, com pref. de João David PintoCorreia, Lisboa, Vega, 1987) BRAMBILLA AGENO, Franca, L’ edizione dei testi volgari, 2ª ed. riveduta e ampliata, Padova, Editrice Antenore, 1984 577 BROWN, Mary Ellen, William Motherwell’s Cultural Politics (1797-1835), Lexington, The University Press of Kentucky, 2001 BRYANT, Shasta M., The Spanish Ballad in English, Lexington, The University Press of Kentucky, 1973 BUCETA, Erasmo, “Traducciones inglesas de romances en el primer tercio del siglo XIX. Notas acerca de la difusión del hispanismo en la Gran Bretaña y en los Estados Unidos”, Revue hispanique, LXII, nº 142 (décembre 1924), pp. 459-555 CABRAL, Adolfo de Oliveira, Southey e Portugal. 1774-1801. Aspectos de uma biografia literária, Lisboa, P. Fernandes, S. A. R. L., 1959 CABRITA, Felícia, “A Campanha do Medo”, Revista do Expresso, 23/5/1994, p. 92 CANTO, Ernesto do, Artigo sem título (sobre Teixeira Soares de Sousa), Archivo dos Açores, IV, nº 19 (1882), pp. 7-31 CARDOSO, Adelino, Etnografia da Beira. Religião e crendices, lendas e costumes de Penamacôr, Viana, Tip. Com. “A Aurora do Lima”, 1937 CARDOSO, George, Agiologio Lusitano dos Santos, e Varoens Illustres em Virtude do Reino de Portugal, e suas Conquistas, III, Lisboa, Na Officina de Antonio Craesbeek de Mello, 1666 CARINHAS, Ana Cristina Porfírio, Romanceiro das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (1825-1960). Edição crítica, Tese de Mestrado, Lisboa, F. C. S. H., Universidade Nova de Lisboa, I, 1994 CARO BAROJA, Julio, Ensayo sobre la literatura de cordel, [2ª ed.], Madrid, Ediciones Istmo, 1990 C[ARVALHO], A[lberto] M[artins] de, “Duque de Loulé”, in Joel Serrão (director), Dicionário de História de Portugal, IV, Porto, Livraria Figueirinhas, 1989, p. 61 CASTELÃO, S. M. Gonçalves, “Serpa Pimentel” in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, Lisboa, Editorial Caminho, 1997, pp. 420-1. CASTILHO, A. F. de, Tractado de Metrificação Portugueza para em Pouco Tempo, e até sem Mestre, se Aprenderem a Fazer Versos de Todas as Medidas e Composições, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851 ———, Vivos e Mortos. Apreciações moraes, litterarias, e artisticas, II, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1904 CASTILHO, Alexandre Magno de, “Poesias Populares”, Almanach de Lembranças para 1854, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, p. 269 578 CASTILHO, Manuel Vidal de, “Catalogo Alphabetico dos 106 Srs. Annotadores d’ esta Obra”, in Publio Ovidio Nasão, Os Fastos, traducção em verso portuguez por Antonio Feliciano de Castilho, seguidos de copiosas annotações por quasi todos os escriptores portuguezes contemporaneos, Lisboa, Por Ordem e na Imprensa da Academia Real das Sciencias, Tomo I, Parte I, 1862, pp. lv-cxli CATALÁN, Diego, Siete siglos de romancero (Historia y poesía), Madrid, Editorial Gredos, S. A., 1969 ———, con la colaboración de J. Antonio Cid, Beatriz Mariscal, Flor Salazar, Ana Valenciano y Sandra Robertson, El romancero pan-hispánico[.] Catálogo general descriptivo, 2, Madrid, Seminario Menéndez-Pidal, 1982 CID, Jesus Antonio, Silva asturiana, I: Primeras noticias y colecciones de romances en el s. XIX, estudio y edición de..., Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal, 1999 COCCHIARA, Giuseppe, The History of Folklore in Europe, trad. de John N. McDaniel, Philadelphia, The Institute for the Study of Human Issues, 1981 COELHO, Francisco Adolfo, Obra Etnográfica, I: Festas, costumes e outros materiais para uma Etnologia de Portugal, org. e pref. de João Leal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1993 C[OELHO], J[acinto do] P[rado], “Romantismo” in Jacinto do Prado Coelho, Dicionário de Literatura (org.), 3ª ed., III, Porto, Figueirinhas, 1983 CORREIA, João David Pinto, Os Romances Carolíngios da Tradição Oral Portuguesa, Lisboa, I. N. I. C., 1994, 3 vols. COSTA, João da Providência Sousa, A Balada. A balada popular, a balada artística alemã, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1918 DESCHAMPS, Émile, Études françaises et étrangères, 2e éd., corrigée et augmentée de plusieurs pièces nouvelles, Paris, Urbain Canel, 1828 DIAS, Luís Augusto Costa, Os Papelinhos de Garrett. Fontes inéditas do romanceiro português, Sintra, Câmara Municipal de Sintra, 1988 DUBOIS, Thomas A., “From Maria to Marjatta: The Transformation of an Oral Poem in Elias Lönnrot’s Kalevala”, Oral Tradition, 8, 2 (1993), pp. 247-288 ———, Finish Folk Poetry and the Kalevala, New York and London, Garland Publishing, Inc., 1995 DUGAW, Dianne (org.), The Anglo-American Ballad. A Folklore casebook, New York/London, Garland, 1995 579 ESPELAND, Velle, “Oral Ballads as National Literature: The reconstruction of two Norwegian Ballads”, Estudos de Literatura Oral, 6 (2000), pp. 19-31 FERRÉ, Pere, “Romanceiro”, Quaderni Portoghesi, 11/12 (Primavera/Autunno 1982), pp. 15-25 ———, “Problemas Textuais do Romanceiro Português: algumas notas”, Quaderni Portoghesi, 11-12 (Primavera-Autunno, 1982), pp. 39-66 ———, “Influências de Agustín Durán e Eugenio de Ochoa no Romanceiro de Almeida Garrett”, in María Rosa Álvarez Sellers (org.), Literatura portuguesa y literatura española. Influencias y relaciones, València, Facultat de Filología, Universitat de València, 1999, pp. 275-299 ———, “Oralidad y escritura en el romancero portugués” (inédito) ——— e Cristina Carinhas, Bibliografia do Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna (1828-2000), Madrid, Instituto Universitario Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense de Madrid, 2000 FERREIRA, Alberto e Maria José Marinho, Bom Senso e Bom Gosto (A Questão Coimbrã), I: 1865/1866, 2ª ed., Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985 FERREIRA, José Maria d’ Andrade, Litteratura, Musica e Bellas-Artes, II, Lisboa, Editores—Rolland & Semiond, 1872 FINNEGAN, Ruth, Oral Poetry. Its nature, significance and social context, Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press, 1992 [FONSECA, Pedro José da], Elementos da Poetica Tirados de Aristoteles, de Horacio, e dos mais Celebres Modernos, Lisboa, Na Off. de Miguel Manescal da Costa, 1765 ———, Tratado da Versificação Portugueza, Lisboa, Na Regia Officina Typograhica, 1777 FONTES, Manuel da Costa, “The Ballad A Morte do Rei D. Fernando and the Cantar de la muerte del rey don Fernando y cerco de Zamora”, Anuario medieval, 8 (1996) ———, em colaboração com Samuel G. Armistead e Israel J. Katz, O Romanceiro Português e Brasileiro: Índice temático e bibliográfico / Portuguese and Brazilian Balladry: A thematic and bibliographic index, I, Madison, The Hispanic Seminary of Medieval Studies, 1997, 2 vols. FREIRE, Francisco Joseph, Arte Poetica, ou regras da verdadeira poesia em geral, e de todas as suas especies principaes, Lisboa, Officcina de Francisco Luiz Ameno, 1748 580 FRIEDMAN, Albert B., The Ballad Revival. Studies in the influence of popular on sophisticated poetry, Chicago & London, The University of Chicago Press, 1961 GALHOZ, Maria Aliete, “O Romance Vulgar ‘D. Aleixo’ na Tradição Algarvia: Análise de dois testemunhos de Estácio da Veiga”, Revista Lusitana, n. s., nº 11 (1993), pp. 19-32 ———, “Breve Nota sobre o Romanceiro no Algarve”, in Madalena Braz Teixeira (org.), Traje do Algarve. Orla marítima, Lisboa, Museu Nacional do Traje, 2001 GONÇALVES, Victor dos Santos, Estácio da Veiga: Um programa para a instituição dos estudos arqueológicos em Portugal (1880-1891), Lisboa, Congresso Nacional de Arqueologia / Centro de História da Universidade de Lisboa / Cooperativa Editora “História Crítica”, 1980 ——— e Ana Catarina Sousa, “Estácio da Veiga, Mafra e a sua Arqueologia”, in Estácio da Veiga, Antiguidades de Mafra, s/ l., Mar de Letras, 1996 GOUVRIL, Francis, Théodore-Claude-Henri Hersant de La Villemarqué (18151895) et le “Barzaz-Breiz” (1839-1845-1867). Origines, éditions, sources, critique, influences, thèse pour le Doctorat d’ Université (Faculté des Lettres de Rennes), Rennes, Imprimeries Oberthur, 1960 GROOM, Nick, “Introduction”, in Thomas Percy, Reliques of Ancient English Poetry, I, London, Routledge / Thoemmes Press, 1996 GUERREIRO, Miguel do Couto, Tratado da Versificação Portugueza, Lisboa, Of. Patr. de Francisco Luiz Ameno, 1784 GUIMARÃES, Fernando, A Poesia da Presença e o Aparecimento do NeoRealismo, 2ª ed., Porto, Brasília Editora, 1981 HALES, John W. e Frederick Furnivall, Bishop Percy’s Folio Manuscript: Ballads and Romances, edited by..., assisted by Prof. Child, London, Trübner, 1867-8, 3 vols. HAYWOOD, Ian, The Making of History. A study of the literary forgeries of James Macpherson and Thomas Chatterton in relation to eighteenth-century ideas of History and Fiction, Rutherford, Farleigh Dickinson University Press, 1986 HEGEL, Estética. Poesia, trad. de Álvaro Ribeiro, Lisboa, Guimarães Editores, 1964 HODGART, M. J. C., The Ballads, London, Hutchinson University Library 1964 HUET, Pierre-Daniel, Lettre-traité de... sur l’ origine des romans, édition du tricentenaire (1669-1969) suivie de La Lecture des vieux romans par Jean Chapelain, édition critique, Paris, Editions A.-G. Nizet, 1971 581 HUSTVEDT, Sigurd Bernhard, Ballad Criticism in Scandinavian and Great Britain During the Eighteenth Century, New York, The American-Scandinavian Foundation, 1916 (reed. facsimilada, New York, Kraus Reprint Co., 1971) ———, Ballad Books and Ballad Men. Raids and rescues in Britain, America, and the Scandinavian North since 1800, Cambridge, Ma., Harvard University Press, 1930 JACOUBET, Henri, Le Genre Troubadour et les origines françaises du Romantisme, Paris, Société d’ Édition “Les Belles Lettres”, 1929 JOLLES-NEUGEBAUER, Evelyn, “Ein Bestseller auf dem englischen Litteraturmarkt: Bürgers (wiedergänger-)Ballade Lenore (1774)” in Sigrid Rieuwerts e Helga Stein (orgs.), Bridging the Cultural Divide: Our common ballad heritage, 28 internationale Balladenkonferenz der SIEF-Kommission für Volksdichtung in Hildesheim, Deutschland, 19-24 Juli 1998, Hildesheim / Zürich / New York, Georg Olms Verlag, 2000, pp. 196-220 KAMENETSKY, Christa, The Brothers Grimm & Their Critics. Folktales and the quest for meaning, Athens, Oh., Ohio University Press, 1992 KAYSER, Wolfgang, Geschichte der deutschen Ballade, Berlin, Junker und Dünnhaupt Verlag, 1936 KINSEY, Revd. W. M., Portugal Illustrated, s/ l., s/ n., 1828 ———, Portugal Illustrated; in a Series of Letters by the Rev. ..., 2nd ed., London, Treuttel and Würtz, 1829 KISH, Kathleen, “The Spanish Ballad in the Eighteenth Century: A reconsideration”, Hispanic Review, 49 (1981) KNAPMAN, Zinia, “A Reappraisal of Percy’s Editing”, Folk Music Journal, V, 2 (1986) LANG, Andrew, Sir Walter Scott and the Border Minstrelsy, New York, Bombay, and Calcutta, Longmans, Gren, and Co., 1910 LARANJO, Frederico, “Subsídios para o Estudo Comparativo da Balada Inglêsa e do Romance Popular Português”, Revista da Faculdade de Letras, 2ª série, IX, nºs 1-2 (1943), pp. 59-84 LAURENT, Donatien, Aux sources du Barzaz-Breiz. La mémoire d’ un peuple, Douarnenez, ArMen, 1989 LAWS, Jr., G. Malcolm, The British Literary Ballad. A Study in poetic imitation, Carbondale and Edwardsville, Southern Illinois University Press, 1972 LEAL, Alfredo, Historia de Sintra, Sintra, Sintra Regional, s/d. 582 LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa Pinho, Portugal Antigo e Moderno. Diccionario Geographico, Estatistico, Chorographico, Heraldico, Archeologico, Historico, Biographico e Etymologico, I, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873 LEAL, Silva, “Bibliographia”, O Panorama, II, 2ª série, nº 104 (23/12/1843), pp. 405-407 O LIVREIRO. Catalogo-periodico da Livraria de Ferreira, Lisboa & Cª., nº 3 (1871) LUZAN CLARAMUNT DE SUELVES Y GURREA, Ignacio, La poetica, ó reglas de la poesia en general y de sus principales especies, por D. ..., corregida y aumentada por su mismo Autor, I, Madrid, En la Imprenta de don Antonio de Sancha, 1789 MACHADO, Álvaro Manuel, “A Grinalda”, in José Augusto Cardoso Bernardes et al. (orgs.), Biblos. Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, II, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1997, col. 893 MARCO, Joaquín, Literatura popular en España en los siglos XVIII y XIX (Una aproximación a los pliegos de cordel), I, Madrid, Taurus, 1977 MARINHO, Maria José e Alberto Ferreira, A Questão Coimbrã (Bom Senso e Bom Gosto), apresentação crítica, selecção, notas, linhas de leitura e pontos de orientação de ..., Lisboa, Editorial Comunicação, 1989 MARQUES, J. J. Dias, “Romances dos Concelhos de Bragança e de Vinhais”, Brigantia, IV, 4 (Out./Dez. 1984), pp. 527-550 ———, “Une ballade gothique anglaise dans la tradition orale du Trás-os-Montes”, in AA. VV., Littérature orale/ traditionnelle/ populaire. Actes du Colloque, Paris, Centre Culturel de la Fondation Calouste Gulbenkian, 1987, pp. 257-299 ———, “Nota sobre o Início da Recolha do Romanceiro da Tradição Oral Moderna”, Boletim de Filologia, XXXII (1988-92), pp. 71-82 ———, “Imagens e Sons do Romanceiro Português” in Pedro M. Piñero, Virtudes Atero, Enrique J. Rodríguez Baltanás e María Jesús Ruíz (orgs.), El romancero. Tradición y pervivencia a fines del siglo XX. Actas del IV Coloquio Internacional del Romancero (Sevilla—Puerto de Santa María—Cádiz, 23-26 de junio de 1987), s/l., Fundación Machado / Universidad de Cádiz, 1989, pp. 381-398 ———, “Os Manuscritos do Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga Existentes no Museu Nacional de Arqueologia”, O Arqueólogo Português, IV série, 11/12 (1993/94) 583 ———, “Veiga, Sebastião Filipes Martins Estácio da”, in Álvaro Manuel Machado (org.), Dicionário de Literatura Portuguesa, Lisboa, Editorial Presença, 1996, pp. 489-490 ———, “‘Alegres nuevas, alegres nuevas se cuentan de Andalucía’”, Estudos de Literatura Oral, 3 (1997), pp. 228-35 ———, Contribuição para o Estudo do Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga à Luz de Manuscritos Inéditos, trabalho de síntese elaborado no âmbito das provas de aptidão pedagógica e capacidade científica, Faro, U. C. E. H., Universidade do Algarve, 1997 ———, “O Romanceiro de Garrett e o de Estácio da Veiga”, in Comissão Executiva dos Seminários Garrett (org.), Garrett às Portas do Milénio, Lisboa, Edições Colibri, 2002, pp. 127-132. ———, “From France to Brazil Via Germany and Portugal: The meandering journey of a traditional ballad” in Thomas A. McKean (org.), Proceedings of the 29th International Ballad Conference (no prelo) MARTINEZ DE LA ROSA, Francisco, Obras literarias, I: Poética, 2ª ed., Paris, En la Imprenta de Julio Didot, 1834 M[ARTINS], A[ntónio] C[oimbra], “Solau” in Jacinto do Prado Coelho, Dicionário de Literatura (org.), 3ª ed., V, Porto, Figueirinhas, 1983, p. 1038 MARTINS, J. P. de Oliveira, “Theophilo Braga e o Cancioneiro e Romanceiro Geral Portuguez (3 vol. in 8º Porto, 1867)”, Revista Critica de Litteratura Moderna, nº 2 (1869), pp. 3-47 MATTOSO, José (director), História de Portugal, V: O Liberalismo, [Lisboa], Editorial Estampa, 1993 MEIRELES, G[ermano] V[ieira de], “Odes Modernas por Anthero do Quental”, O Seculo XIX, 23/8/1865, pp. 1-2 MENDONÇA, A. P. Lopes de, Memorias de Litteratura Contemporanea, Lisboa, Typographia do Panorama, 1855 MENÉNDEZ PELAYO, Marcelino, Historia de las ideas estéticas en España, III, Madrid / Santander, C.S.I.C. / Aldus, S. A. de Artes Gráficas, 1947 MENÉNDEZ PIDAL, R., Romancero hispánico (hispano-portugués, americano y sefardí). Teoría e Historia, 2ª ed., Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1968, 2 vols. ———, Estudios sobre el romancero, Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1973 ———, De primitiva lírica española y antigua épica, 3ª ed., Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1977 584 MONTEIRO, Ofélia Milheiro Caldas Paiva, A Formação de Almeida Garrett. Experiência e criação, II, Coimbra, Centro de Estudos Românicos, 1971 ———, “Garrett”, in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, Lisboa, Caminho, 1997, pp. 203-210 MORNA, F[átima] Freitas, “O Novo Trovador” e “O Trovador” in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, Lisboa, Editorial Caminho, 1997, pp. 378-9 e 559-561 THE NATIONAL Union Catalogue – Pre 1956 imprints, vols. 83 e 546, London, Mansell, 1970 e 1978 NIEBUHR, B. G., Histoire romaine, traduit de l’ allemand sur la troisième édition par M. P. A. de Golbéry, I, Bruxelles, Société Belge de Librairie, 1842 NOGUEIRA, Júlio Taborda Azevedo, Idade Média e Romantismo. Contribuição para o estudo da corrente medievalista no movimento romântico português, dissertação de licenciatura em Filologia Românica, Coimbra, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1972 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Festividades Cíclicas em Portugal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1984 P., “Bibliographia. Chronicas de Galliza. Collecção de Lendas Cavalleirescas da Edade Media”, O Jardim das Damas, III, nº 17 (25/3/1848), p. 267 PACHECO, Romeira, [Editorial], O Algarviense, 5/4/1863, p. 1 ———, “Litteratura”, O Algarviense, 9/8/1863, p. 1 PARVOPASSU, Clelia e Alberto Rizzuti (orgs.), “A salti e lanci”. Il dibattito sul Volkslied nell’ epoca dello Sturm und Drang, Alessandria, Edizioni dell’ Orso, 1997 PEDROSA, José Manuel, “Canciones disparatadas y rimas frustradas: notas sobre un recurso poético del cancionero popular (siglos XVII al XX)”, Boletín de la Biblioteca de Menéndez Pelayo, 72 (1996), pp. 39-67 ———, “Las tres llaves y Los huevos sin sal: versiones hispanocristianas y sefardíes de dos ensalmos mágicos tradicionales”, Sefarad, año 58, fasc. 1 (1998), pp. 153165 PEERS, E. Allison, Historia del movimiento romántico español, trad. de José Mª Gimeno, 2ª ed., I, Madrid, Editorial Gredos, S. A., 1967 P[EREIRA], J[osé] J[oaquim] da S[ilva], Da Poesia Antiga: ou da Antiguidade e Belleza dos Versos Octosyllabos, Porto, Typographia da Revista, 1845 585 PEREIRA, Maria Luísa Estácio da Veiga Silva, “Relatório sobre o Arquivo do Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia”, O Arqueólogo Português, 3ª série, 7/9 (19741977), p. 18-20 ———, O Museu Archeologico do Algarve (1880-1881). Subsídios para o estudo da museologia em Portugal no séc. XIX, Faro, suplemento dos Anais do Município de Faro, 1981 ———, Estácio da Veiga[,] Cientista Algarvio[,] Pioneiro da Arqueologia em Portugal, Lisboa, Casa do Algarve, 1984 ———, “Prefácio” in Cláudio Torres e Santiago Macias (coordenadores), Museu de Mértola. Basílica Paleocristã, Mértola, Campo Arqueológico de Mértola, 1993, pp. 6-22 ———, “Estácio da Veiga, a Carta Arqueológica e o Museu do Algarve”, in AA. VV., Noventa Séculos entre a Serra e o Mar, Lisboa, IPPAR, Ministério da Cultura, 1997, pp. 21-43 PERRY, Thomas Sergeant, English Literature in the Eighteenth Century, New York, Harper & Brothers, 1883 PHELPS, William Lyon, The Beginnings of the English Romantic Movement. A study in eighteenth century literature, Boston, Grinn & Company, Publishers, 1902 PORTUGAL, Marcos e José Castanho, Almanach do Algarve para 1903, Portimão, s/ d. POSTIC, Fañch, “La naissance de la littérature orale”, ArMen, nº 65 (février 1995), pp. 35-47 ———, “Le Beau ou le Vrai ou la difficile naissance en Bretagne et en France d’ une science nouvelle: la littérature orale (1866-1868)”, Estudos de Literatura Oral, 3 (1997), pp. 97-123 R., “O Minho Poetico”, O Pirata, II, nº 17 (Out. 1851), p. 129 RAITT, Lia Noémia Rodrigues Correia, Garrett and the English Muse, London, Tamesis Books Limited, 1983 RAMALHO, José Joaquim, “Estradas no Algarve”, Revista Universal Lisbonense, III, nº 4 (14/9/1843), pp. 41-42 REIS, Carlos e Maria da Natividade Pires, História Crítica da Literatura Portuguesa, V: O Romantismo, Lisboa, Editorial Verbo, 1993 RIBEIRO, João Pedro, Dissertações Chronologicas e Criticas sobre a Historia e Jurisprudencia Ecclesiastica e Civil de Portugal, publicadas por ordem da Academia R. das Sciencias, I, Lisboa, Na Typographia da Mesma Academia, 1810 586 RINGLER, Jr., William A., “Bishop Percy’s Quarto Manuscript (British Museum MS Additional 34064) and Nicholas Breton”, Philological Quaterly, vol. 54, nº 1 (Winter 1975), pp. 26-39 RÖLLEKE, Heinz, “Nachwort”, in Johann Gottfried Herder, Stimmen der Völker in Liedern. Volkslieder, Stuttgart, Philipp Reclam, 1975 S., “Interesses do Algarve—I”, O Futuro, 2/2/1859, p. 2 SAGLIA, Diego, “British Romantic Translations of the ‘Romance de Alhama’ and ‘Moro Alcaide’, 1775-1818”, Bulletin of Hispanic Studies, LXXVI (1999), pp. 35-56 SALAZAR, Flor, “El Romanceiro de Almeida Garrett y la edición de textos contaminados”, in Manuel Viegas Guerreiro (org.), Literatura Popular Portuguesa, Teoria da Literatura Oral/Tradicional/Popular, Lisboa, ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, pp. 395-432 ———, El romancero vulgar y nuevo, preparado [...] con la guía y concurso de Diego Catalán, por..., Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal / Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense, 1999 SÁNCHEZ ROMERALO, Antonio, “El romancero oral ayer y hoy: breve historia de la recolección moderna (1782-1970)”, in Antonio Sánchez Romeralo et al., El romancero hoy: Nuevas fronteras, Madrid, Editorial Gredos, 1979 SANTA MARIA, Fr. Agostinho de, Santuário Mariano, e Historia das Imagens Milagrosas de N. Senhora, e das milagrosamente Apparecidas [...], VI, Lisboa, na Officina de Pedrozo Galram, 1718 SANTOS, Manuel Pinto dos, Monarquia Constitucional. Organização e relações do poder governativo com a Câmara dos Deputados. 1834-1910, Lisboa, Assembleia da República, 1986 SARAIVA, António José e Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa, 16ª ed., Porto, Porto Editora, s/d. SCHLEGEL, Frederick, Lectures on the History of Literature, Ancient and Modern, now first completely translated, London, Bell & Daldy, 1868 SILVA, Innocencio Francisco da, Diccionario Bibliographico Portuguez. Estudos de... applicaveis a Portugal e ao Brasil, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858-1914, 22 vols. SILVA, José Maria da Costa e, Ensaio Biographico-Critico sobre os Melhores Poetas Portuguezes, I, Lisboa, Imprensa Silviana, 1850 SIMONSEN, Michèle, “Jean-Jacques Ampère and the Campaign for the Collection of ‘Poésies Populaires de la France’ (1853-1855)”, in Nicolae Constantinescu (org.), Ballad 587 and Ballad Studies at the Turn of the Century. Proceedings of the 30th International Ballad Conference, Bucureşti, Editura Deliana, 2001, pp. 213-218 SOUSA, Maria Leonor Machado de, A Literatura ‘Negra’ ou ‘de Terror’ em Potugal (Séculos XVIII e XIX), Lisboa, Editorial Novaera, 1978 [SOUTHEY, Robert], Memoria sobre a Literatura Portugueza, traduzida do jnglez [sic] com notas illustradoras do texto por J[oão] G[uilherme] C[hristiano] M[üller], s/l., s/n., s/d. SOUZA, Maria Peregrina de, “Tradições Populares do Minho (Cartas)”, Revista Lusitana, VI (1900-01), pp. 129-151 SUTHERLAND, Madeline, Mass Culture in the Age of Enlightenment. The blindman’s ballads of eighteenth-century Spain, New York, etc., Peter Lang, 1991 T., P. “O Doido de Cacella (Recordações)”, Gazeta do Correio, 4/5/1869 e 23/6/1869, p. 2 TENGARRINHA, José, História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2ª ed., revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989 TERRA, José F. da Silva, “Les Exils de Garrett en France”, Bulletin des Études Portugaises, N. S., nº 28-29 (1967-68) [TULLIO, Silva] “Poesia Popular. Sejamos deste Seculo!”, A Semana, II, nº 41 (Abril 1852), pp. 453-454 VAN TIEGHEM, Paul, Le Préromantisme. Etudes d’ histoire littéraire européenne, I, Paris, Sfelt, 1948 VASCONCELLOS, Carolina Michaëlis de, Geschichte der portugisischen [sic] Litteratur, Strasbourg, Karl J. Trübner, 1894 ———, Romances Velhos em Portugal, [2ª ed.], Porto, Lello & Irmão, 1980 VASCONCELLOS, J. Leite de, “Romanceiro, choix de vieux chants portugais, traduits et annotés par le Comte de Puymaigre. — Paris, E. Leroux, éditeur, 1881”, Annuario para o Estudo das Tradições Populares Portuguezas, 1º anno—1883, Porto, Livraria Portuense de Clavel & Cª.—Editores, 1882 ———, Poesia Amorosa do Povo Português. Breve estudo e collecção de..., Lisboa, Viuva Bertrand & Cª, 1890 ———, Ensaios Ethnographicos, I e IV, Espozende, Collecção Silva Vieira, 1891, e Lisboa, Livraria Classica Editora, 1910 ———, Historia do Museu Etnologico Português (1893-1914), Lisboa, Imprensa Nacional, 1915 588 ———, Etnografia Portuguesa. Tentame de sistematização, I e IX, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1933, e Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1985 VELHO, António José Vaz, Tesouro Heráldico de Portugal, Lisboa, Gabinete de Estudos Heráldicos e Genealógicos, 1958, 1959, 1960 e 1963, 4 vols. VELLOSO, Eduardo O. P. Q., Roteiro das Ruas de Lisboa e Immediações, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1864 VERNEY, Luís António, Verdadeiro Método de Estudar, ed. organizada pelo Prof. António Salgado Júnior, II: Estudos Literários, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1950 WOLF, Fernando, Historia de las literaturas castellana y portuguesa, trad. de Miguel de Unamuno, con notas y adiciones por M. Menéndez y Pelayo, II, Madrid, La España Moderna, s/d. YAMANAKA, Mitsuyoshi, The Twilight of the British Literary Ballad in the Eighteenth Century, Fukuoka, Kyushu University Press, 2001 ZUG III, Charles G., “The Ballad Editor as Antiquary: Scott and the Minstrelsy”, Journal of the Folklore Institute, 13 (1976), pp. 57-73