JOSÉ JOAQUIM DIAS MARQUES
A GÉNESE DO
ROMANCEIRO DO ALGARVE
DE ESTÁCIO DA VEIGA
Tese de doutoramento em Literatura,
especialidade de Literatura Oral e Tradicional
Faro
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
Universidade do Algarve
2002
À minha mãe
À memória
do meu pai,
da minha avó e
de Carolina Michaëlis de Vasconcelos
The forest drips and glows with green.
The tree-frog croaks his far-off song.
His voice is stillness, moss and rain
drunk from the forest ages long.
We cannot understand that call
unless we move into his dream,
where all is one and one is all
and frog and python are the same.
We with our quick dividing eyes
measure, distinguish and are gone.
The forest burns, the tree-frog dies,
yet one is all and all are one.
Judith Wright
1
The Phantom Dwelling, London, Virago Press, 1986, p. 24.
1
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
15
I — A POESIA TRADICIONAL, ESPECIALMENTE A BALADA, NA GRÃ-BRETANHA E NA
ALEMANHA (1765 – 1807)
O Interesse pela Balada na Grã-Bretanha Setecentista. Percy
O Método Editorial Criativo de Percy
19
19
22
Colecções de Baladas Anglo-Escocesas nas Últimas Décadas do Séc. XVIII
35
Reflexões sobre a Poesia Tradicional na Alemanha Setecentista. Herder
36
Walter Scott
44
O Método Editorial Criativo de Walter Scott
46
O Minstrelsy como Modelo de Colecções
52
II — O ROMANCEIRO ESPANHOL, DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉC. XVIII À
PRIMEIRA COLECÇÃO DE DURÁN (1828)
55
O Romanceiro na Espanha Neoclássica
55
Renascimento, na Alemanha, do Interesse pelos Romances Velhos
58
Traduções Inglesas, Alemãs e Francesas de Romances Espanhóis
61
Renascimento, em Espanha, do Interesse pelos Romances Velhos
65
III — O ROMANCE E OS VERSOS DE REDONDILHA EM PORTUGAL, DAS ÚLTIMAS
DÉCADAS DO SÉC. XVIII À PRIMEIRA RECOLHA DA TRADIÇÃO ORAL (1823)
O Romance nas Poéticas e Tratados de Versificação
67
67
10
O Romance nos Poetas Arcádicos
69
Os Versos de Redondilha nos Poetas Arcádicos
70
IV — ELEMENTOS PARA A HISTÓRIA DA RECOLHA E PUBLICAÇÃO DA LITERATURA
ORAL PORTUGUESA [1821(?) - 1870]
75
Palavras Prévias sobre o Corpus
75
Para a História da Recolha e Publicação do Romanceiro
77
O Método Editorial Criativo de Garrett
114
O Método Editorial Criativo de Estácio da Veiga
146
Principais Conclusões
155
Para a História da Recolha e Publicação dos Outros Géneros da Literatura
Oral
161
Principais Conclusões
203
V — A COLECÇÃO DE ESTÁCIO DA VEIGA
211
Razões para a Recolha de Estácio da Veiga
211
Necessidade de Recolher a Poesia Oral Algarvia
211
Desejo de Dignificar o Algarve
215
O Atraso do Algarve e a sua Má Imagem no Exterior
219
Datas da Recolha e Colaboradores
224
Locais da Recolha e Informantes
234
Datas da Organização do Romanceiro do Algarve. Sua Publicação
239
Os Manuscritos da Colecção de Estácio da Veiga
242
Manuscritos Existentes no Museu Nacional de Arqueologia
242
Manuscritos Existentes em Casa da Família de Estácio da Veiga
252
Manuscritos Existentes na Faculdade de Letras de Lisboa
250
Inventário da Colecção
251
Textos Recolhidos da Tradição Oral
253
Romances
254
Textos não Romancísticos
263
11
Textos não Recolhidos (ou aparentemente não Recolhidos)
da Tradição Oral
266
VI — DOIS ROMANCES VERDADEIROS,
MAS APARENTEMENTE PROBLEMÁTICOS
O Caso do Cid e Búcar
269
269
Aspectos do Método Editorial Criativo no Cid e Búcar
O Caso da Fonte das Almas
Aspectos do Método Editorial Criativo na Fonte das Almas
286
291
297
VII — TRÊS CASOS DE ROMANCES FALSOS
305
O Caso do D. Julião
305
O Caso da Descrição duma Bela Pastora
323
O Caso de Os Calvos
335
VIII — A BALADA ROMÂNTICA E AS SUAS RELAÇÕES COM OS ROMANCES FALSOS
DE ESTÁCIO DA VEIGA
345
A Questão dos Romances Falsos
345
A Balada Romântica
347
Um Movimento mal Conhecido
348
Cronologia, Baladas e Baladistas, Versificação. Lugar de Estácio da Veiga
no Movimento Baladístico
A Teoria da Imitação da Poesia Oral pela Poesia Escrita
352
370
Nascimento desta Teoria
371
A Teoria em Portugal
374
Baladas Românticas que (Re)versificam Textos Tradicionais
382
Reversificação de Romances Tradicionais
382
Versificação de Contos Tradicionais
388
12
Versificação de Lendas a partir duma (Provável) Fonte Tradicional
393
Versificação de Lendas a partir duma (Provável) Fonte Escrita
398
Baladas Românticas que se Apresentam como a Versificação de Textos
Tradicionais, mas que o não são (ou Parecem não o ser)
402
Baladas Românticas Falsamente Apresentadas como Recolhidas
da Tradição Oral
409
Uma Longa Série de Indefinições
413
Dois Casos de Influência Textual da Balada Romântica no Romanceiro
do Algarve
421
O Caso de Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura
422
O Caso de A Moura Encantada de Tavira
426
IX — O ROMANCEIRO DO ALGARVE, PRODUTO DO SEU EDITOR E DA ÉPOCA EM QUE
FOI ORGANIZADO
Um Método Editorial Criativo, necessariamente
Uma Polémica Reveladora
433
433
434
Um Romanceiro ou um Livro de Baladas Românticas?
442
A Colecção Manuscrita de Estácio da Veiga e o Futuro
446
APÊNDICE Nº 1: BIBLIOGRAFIA DE ESTÁCIO DA VEIGA
453
Inéditos Localizados
453
Recolha de Poesia Tradicional
453
Poesia Original
453
Teatro
455
História
455
Arqueologia
456
Inéditos cujo Paradeiro se Desconhece
456
Impressos
458
13
Textos de Poesia Tradicional Recolhidos e Comentados por Estácio
da Veiga
458
Poesia Original
459
História
465
Arqueologia
466
Botânica
469
Varia
470
APÊNDICE Nº 2: BALADAS ROMÂNTICAS DE AMBIENTE ANTIGO OU TEMA POPULAR
(1828-1870)
475
APÊNDICE Nº 3: TRADUÇÕES PORTUGUESAS DE BALADAS ROMÂNTICAS
ESTRANGEIRAS DE AMBIENTE ANTIGO OU TEMA POPULAR (1834-1868)
545
APÊNDICE Nº 4: TRADUÇÕES PORTUGUESAS DE TEXTOS DE LITERATURA ORAL
ESTRANGEIRA (1842-1870)
559
APÊNDICE Nº 5: PUBLICAÇÕES DO POEMA APÓCRIFO NO FIGUEIRAL, FIGUEIREDO,
ASSIM COMO DE BALADAS OU CONTOS QUE NELE SE INSPIRAM (1821-1870)
OBRAS CITADAS
565
567
Textos literários
567
Estudos
574
14
INTRODUÇÃO
Foi em 1985 que, primeira vez, nos interessámos pelo Romanceiro do Algarve.
Estávamos, na altura, a preparar os comentários para a série televisiva O Romanceiro, de que
fomos o autor. Ao chegarmos às duas versões madeirenses de Testamento de Fernando I +
Queixas de D. Urraca + Afuera, afuera, Rodrigo que surgem na série, fomos ler a versão
publicada por Estácio da Veiga, a primeira atestação portuguesa daqueles temas, tentando
perceber o nela haveria de verdadeiramente tradicional e de inventado pelo editor. Ainda lá
estão, no exemplar do Romanceiro Geral de Teófilo Braga onde lemos a versão algarvia, os
traços a lápis com que assinalámos os versos que lembravam os dos textos castelhanos
antigos. E as linhas onduladas com que marcámos o que parecia pura invenção de Estácio da
Veiga.
Anos depois, em 1987, dedicámos algumas linhas ao problema, integradas na
2
comunicação que lemos no congresso do Puerto de Santa María. Ali, pouco pudemos
concluir, uma vez que, para dar uma resposta satisfatória, teria sido necessário conhecer o
manuscrito original de Veiga.
Ora, em 1993, tivemos a sorte de descobrir no Museu Nacional de Arqueologia o
espólio romancístico de Estácio da Veiga. E, ao apercebermo-nos de que ali estavam os
originais de boa parte dos textos publicados no Romanceiro do Algarve e também muitas
outras versões inéditas, logo decidimos mudar o tema da nossa tese de doutoramento (que,
consagrada ao cancioneiro narrativo tradicional, pouco avançara desde há anos), dedicandoa, agora, à colecção de Veiga.
A nossa primeira ideia foi a de, deixando de lado os romances que os manuscritos
permitiam reconhecer como invenção de Estácio da Veiga, publicar apenas os romances
verdadeiramente tradicionais, transcrevendo-os ou dos originais de campo ou, na sua falta,
das cópias menos retocadas que existissem. E acompanhar a publicação desses textos com
2
“Imagens e Sons do Romanceiro Português” in Pedro M. Piñero, Virtudes Atero, Enrique J.
Rodríguez Baltanás e María Jesús Ruíz (orgs.), El romancero. Tradición y pervivencia a fines del siglo XX.
Actas del IV Coloquio Internacional del Romancero (Sevilla—Puerto de Santa María—Cádiz, 23-26 de junio
de 1987), s/l., Fundación Machado / Universidad de Cádiz, 1989, pp. 381-398.
16
um estudo onde, um a um, os comparássemos com as versões que deles existiam noutras
subtradições. Tratava-se dum tipo de estudo com numerosos antecedentes e, ainda que
trabalhoso, sem riscos de maior.
Porém, à medida que contactávamos com o espólio, íamo-nos apercebendo da
importância, até numérica, que nele ocupavam os textos não tradicionais, quer os que
constituíam fruto exclusivo da veia poética de Veiga, quer as cópias dos originais de campo,
sucessivamente retocadas pela mesma produtiva veia, graças às quais era possível seguir o
percurso que conduzia dum texto oral a um texto, de facto, de autor. Gradualmente, fomonos capacitando da possibilidade que o espólio nos oferecia de levar a cabo um tipo de
estudo sem dúvida mais arriscado (uma vez que não lhe conhecíamos similares) mas,
inegavelmente, mais estimulante: tentar resolver a “velha” pendência que mantínhamos com
Estácio da Veiga sobre a questão do verdadeiro e do falso no Romanceiro do Algarve. Em
vez de, depois de identificar os textos completamente inventados por Veiga e os textos
tradicionais retocados, os pormos de lado, dedicando a tese aos textos “bons”, fazer o
contrário: dedicar a tese ao estudo dos textos “maus”, tentando perceber porquê e como
tinham nascido. Por que seria que alguém, possuindo cerca de 100 versões tradicionais, em
geral boas, tinha decidido, por um lado, utilizar apenas cerca de ⅓ delas (não para as
publicar com um mínimo de fidelidade mas, sim, para fabricar textos altamente
transformados) e, por outro lado, tinha decidido inventar 11 textos, que publicou dizendo
serem tradicionais?
Foi para estas perguntas que, ao longo da presente tese, tentámos encontrar
resposta. A opção temática que escolhemos (ou que nos escolheu a nós) era arriscada, e, sem
falsa modéstia, não estamos seguros de ter chegado às conclusões “certas”. Esperamos, no
entanto, ter fornecido algumas pistas importantes, que, pelo menos, permitam perspectivar,
agora, a obra de Estácio da Veiga de modo mais correcto.
Na tese que se segue, tentando não usar os “quick dividing eyes” a que alude Judith
Wright no poema que escolhemos como epígrafe, tentámos entender o labor de Estácio da
Veiga integrando-o num universo muito mais vasto,“where all is one and one is all”: o da
recolha e publicação de literatura oral nos sécs. XVIII e XIX, o das preocupações
regionalistas de Veiga, o da parte da poesia escrita romântica portuguesa que com a poesia
narrativa oral se relaciona.
Assim, nos dois primeiros capítulos, apresentamos um panorama do interesse pela
poesia tradicional na Europa, das últimas décadas do séc. XVIII a inícios do séc. XIX,
destacando o caso britânico, por ser aquele que, através de Almeida Garrett, mais influenciou
17
Portugal. E tentamos indicar o que, nos autores daquele país (nomeadamente no método
editorial que escolheram para as suas obras), ajuda a ver a uma luz mais global o caso de
Estácio da Veiga e dos seus retoques.
Nos capítulos III e IV fornecemos elementos para uma história da recolha e da
publicação da literatura oral portuguesa, dos inícios do séc. XIX até 1870, data da saída do
Romanceiro do Algarve. Com esse panorama (sobretudo o relativo ao romanceiro, aquele
que pudemos traçar com menos falhas, graças aos trabalhos dos que nos precederam)
visamos situar a obra de Veiga no seu verdadeiro contexto, de modo a avaliar o que nela se
liga à tradição editorial portuguesa (sobretudo garrettiana) e, ao mesmo tempo, as
características arcaizantes que apresenta, ao sair (por motivos alheios ao seu editor), 10 anos
depois de concluída, quando as iniciativas de Teófilo Braga já tinham marcado uma nova
época no estudo da nossa poesia oral.
O capítulo V é dedicado à colecção de Estácio da Veiga, suas motivações (que, em
boa parte, condicionam desde logo as características da obra publicada, sobretudo através do
método editorial), datas e lugares em que foi levada a cabo, e inventário dos textos nela
existentes, distinguindo os romances de que nos manuscritos há versões tradicionais
daqueles que, pelo contrário, se vê terem sido inventados por Veiga.
No capítulo VI estudamos dois romances que, ao não existirem versões fidedignas
suas no espólio, poderia pensar-se serem falsos, produto da invenção de Estácio da Veiga,
mas que o não são. Analisamos também os principais aspectos do método editorial adoptado
por Veiga, tal como se pode observar nestes textos.
Aos romances falsos (mais especificamente a três que Veiga traduziu do espanhol)
dedicamos o capítulo VII, mostrando o modo como o autor procedeu, a fim de disfarçar a
origem livresca desses textos.
Dedicamos em seguida um capítulo (o VIII) à balada romântica e suas relações com
o Romanceiro do Algarve. A balada é um género mal conhecido, mas de grande peso na
literatura escrita do nosso século XIX, que, pelas suas relações (bastante ambíguas) com a
literatura oral, nos parece contribuir para perspectivar melhor a espinhosa questão dos
romances falsos, escritos por Veiga mas por ele atribuídos à tradição. Analisamos aqui
também dois dos romances falsos cuja temática mais claramente revela a influência da
balada romântica.
No capítulo IX (e último), começamos por resumir uma polémica jornalistica em
que Veiga se viu envolvido, a qual mostra como, na época, os leitores exigiam um método
editorial fortemente interventivo, a que o editor não teria podido fugir, mesmo que quisesse
18
(e a verdade é que não queria). Falamos, depois, da dupla realidade que coexiste no
Romanceiro do Algarve —os textos tradicionais (ainda que muito retocados) e os textos
falsos, inventados por Veiga—, e mostramos que essa convivência foi escolhida pelo editor
desde os primeiros artigos que publicou, podendo resultar, pelo menos em parte, das suas
limitações culturais. Por fim, apontamos os caminhos que nos parece de seguir na
exploração futura do espólio romancístico de Estácio da Veiga: por um lado, a publicação
dos manuscritos originais (ou das cópias mais antigas, quando aqueles faltam) e, por outro, o
estudo do método editorial do autor, para o que o espólio fornece condições muito boas. Tal
estudo ganhará muito se tiver em atenção o que se sabe já sobre o método editorial adoptado
em colecções de baladas de outros países europeus, e, por seu lado, poderá contribuir para
um melhor conhecimento do método editorial de outras colecções, inclusive estrangeiras,
sobretudo daquelas de cuja formação se tenham conservado menos manuscritos do que no
caso algarvio.
A tese conclui-se com cinco apêndices, de que nos permitimos destacar os nºs 2 e 3,
onde apresentamos os dois corpora (com a indicação bibliográfica de numerosas baladas
românticas portuguesas e também de baladas traduzidas) em que se baseia o capítulo VIII.
Pensamos que o primeiro destes corpora apresenta material de importância também para o
estudo da literatura portuguesa (escrita) do Romantismo.
Nenhum trabalho —e menos ainda, talvez, uma tese— nasce só do seu autor. Por
isso, antes de começar, é um dever e um prazer apresentar aqui os nossos agradecimentos:
a Pere Ferré, enquanto nosso orientador, por tudo quanto com ele temos aprendido
ao longo de 23 anos, pela preciosa ajuda que nos prestou e pela segurança que o seu crivo de
primeiro leitor garante a este trabalho; e, enquanto amigo, por tudo o resto, que muito foi;
e aos seguintes colegas e amigos, que, em vários momentos e de várias maneiras,
muito nos ajudaram: Barbara Boock, Isabel Cardigos, Ivo Castro, Lívia Cristina Coito, João
Dionísio, Luís Faísca, Manuel da Costa Fontes, Maria Aliete Galhoz, Teresa Júdice Gamito,
Christine Shojaei Kawan, António Miguel, Fátima Freitas Morna, (†) Max Pearson, José
Manuel Pedrosa, Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, Fátima Rosado, Miguel de
Sousa e Maria do Carmo Vale.
A todos o nosso muito obrigado.
I
A POESIA TRADICIONAL, ESPECIALMENTE A BALADA,
NA GRÃ-BRETANHA E NA ALEMANHA (1765 - 1807)
O Interesse pela Balada na Grã-Bretanha Setecentista. Percy
Para encontrar as origens do interesse dos estudiosos portugueses —e de Estácio da
Veiga em particular—pelo romanceiro, não será necessário recuarmos muito, até autores
3
4
como Montaigne ou Addison, que, infelizmente, não tiveram influência em Portugal.
3
Referimo-nos a dois capítulos dos Essais: por um lado, o famoso texto sobre os Índios do Brasil
(cap. XXXI do Livro I, incluído pela primeira vez na ed. de 1595), povo de que aliás Montaigne, dando provas
dum Humanismo da melhor cepa, escreve: “je trouve [...] qu’il n’y a rien de barbare et de sauvage en cette
nation, à ce qu’on m’en a rapporté, sinon que chacun appelle barbarie ce qui n’est pas de son usage” [Oeuvres
complètes, textes établis par Albert Thibaudet et Maurice Rat; introduction et notes par Maurice Rat, Paris,
Gallimard (“Bibliothèque de la Pléïade”), 1962, p. 203]. Ora nesse capítulo Montaigne transcreve (pp. 211 e
212) duas pequenas canções dos referidos Índios e comenta, sobre a primeira, que ela é uma “invention qui ne
sent aucunement la barbarie” (p. 211), e, sobre a segunda: “j’ay assez de commerce avec la poësie pour juger
cecy, que non seulement il n’y a rien de barbarie en cette imagination, mais qu’elle est tout à fait
Anacreontique” (p. 212), o maior elogio que, na época, se poderia fazer a um poema de tema amoroso, como
era o caso. Por outro lado, no capítulo LIV do mesmo Livro I (também ele datando da ed. de 1595), escreve o
seguinte, que pareceria saído da pena não dum quinhentista mas dum estudioso romântico: “La poësie
populaire et purement naturelle a des naïvetez et graces par où elle se compare à la principale beauté de la
poësie parfaicte selon l’art; comme il se void ès villanelles de Gascongne et aux chansons qu’on nous rapporte
des nations qui n’ont congnoissance d’aucune science, ny mesme d’escriture” (op. cit., p. 300).
4
Referimo-nos aos três célebres artigos sobre baladas tradicionais publicados em 1711 no jornal The
Spectator [citamos a partir da sua republicação parcial em Dianne Dugaw (org.), The Anglo-American Ballad.
A Folklore casebook, New York/London, Garland, 1995, pp. 4-11]. Aí diz claramente: “When I travelled, I
took a particular Delight in hearing the Songs and Fables that are come from Father to Son, and are most in
vogue among the common People of the Countries through which I passed” (p. 4). Qualquer pessoa,
independentemente do seu nível cultural, apreciará essas canções, pois “an ordinary Song or Ballad that is the
Delight of the common People, cannot fail to please all such Readers as are not unqualified for the
Entertainment by their Affectation or Ignorance; and the Reason is plain, because the same Paintings of Nature
20
Bastar-nos-á regressar até 1765, ano em que Percy publicou as Reliques of Ancient English
Poetry.
Esta obra não é um caso único, integrando-se, pelo contrário, num certo interesse
editorial pelos poemas tradicionais (nomeadamente baladas), que, sobretudo intercalados em
miscelâneas de poesia erudita, se verificou na Grã-Bretanha durante a primeira metade do
séc. XVIII.
5
O material que as Reliques incluem procede, em parte, de manuscritos
(nomeadamente do chamado “Percy Folio”, de meados do séc. XVII) e, por outro lado, de
fontes impressas, como folhetos. O pouco apreço em que a literatura tradicional ou
tradicionalizante era tida na época fica bem patente quer nas condições em que se achava o
“Folio” ao ser achado por Percy (que é quem o salva de continuar, como até ali, a ser usado
which recommend it to the most ordinary Reader, will appear beautiful to the most refined” (p. 5). Determinada
balada, compara-a ele com a Eneida (cf. pp. 8-9), o que, para a poesia narrativa, constitui um elogio tão grande
como a comparação dum poema lírico com Anacreonte, que vimos na nota anterior. E, ao falar doutra balada,
Addison sublinha a união entre poesia popular, natureza e simplicidade (e sua oposição à poesia artística) que
tanta fortuna iria ter entre os românticos alemães: “This song is a plain simple Copy of Nature, destitute of all
the Helps and Ornaments of Art” (p. 10). Ainda não estamos, porém, no Romantismo, e Addison não deixa de
apontar criticamente a pobreza de linguagem dessa balada: “the Author of it (whoever he was) has delivered it
in such an abject Phrase, and poorness of Expression, that the quoting any part of it would look like a Design of
turning it into Ridicule” (loc. cit.). Mas, de qualquer modo, “because the Sentiments appear genuine and
unaffected, they are able to move the Mind of the most polite Reader with inward Meltings of Humanity and
Compassion” (loc. cit.). É que, mesmo os muito cultos, desde que tenham “a true Greatness of Soul and
Genius” (p. 11), não deixarão de apreciar esta poesia simples mas profunda. Só a desprezam aqueles cujo gosto
está (como vimos na citação da p. 5) embotado pela “Affectation”, aqueles a que Addison chama
depreciativamente “the little conceited Wits of the Age” (p. 11). A crítica clara é contra os poetas (e os
apreciadores) da poesia engenhosa, barroca, da chamada Escola Metafísica, pelo que não deixa de ser
interessante apreciar como o presente elogio da literatura oral é feito não em nome de valores proto-românticos
(como muitas vezes erroneamente se pensa), mas sim neoclássicos, valores cuja defesa, aliás, constitui o cerne
da série de artigos de Addison em que estão incluídos estes três sobre baladas (sobre o assunto, ver Albert B.
Friedman, The Ballad Revival. Studies in the influence of popular on sophisticated poetry, Chicago & London,
The University of Chicago Press, 1961, pp. 84-113).
5
Citem-se as miscelâneas A Pill to Purge State Melancholy (1715), de autor anónimo, e The Tea-
Table Miscellany (1723-1737, 4 vols.) e The Evergreen (1724, 2 vols.), ambas de Allan Ramsay. Houve ainda
uma obra dedicada toda ela à publicação de baladas: A Collection of Old Ballads, de autor anónimo (1723-25, 3
vols). Sobre as colecções anteriores à de Percy, veja-se Sigurd Bernhard Hustvedt, Ballad Criticism in
Scandinavian and Great Britain During the Eighteenth Century, New York, The American-Scandinavian
Foundation, 1916 (reed. facsimilada, New York, Kraus Reprint Co., 1971), pp. 59-61 e 98-118, e Friedman, op.
cit., pp. 114-155.
21
6
para acender a lareira...), quer no tom de desculpa com que este autor, antecipando críticas,
escreve, logo na primeira página do prefácio da colectânea:
This manuscript [o “Percy Folio”] was shewn to several learned and
ingenious friends, who thought the contents too curious to be consigned to
oblivion, and importuned the possessor [i. e., Percy, que entretanto
conseguira obter o manuscrito] to select some of them [dos poemas], and give
them to the press. As most of them are of great simplicity, and seem to have
been merely written for the people, he was long in doubt, whether, in the
present state of improved literature, they could be deemed worthy the
7
attention of the public. At length the importunity of his friends prevailed.
É esclarecedor apercebermo-nos de quais os aspectos interessantes de tais poemas
que Percy resolve destacar. Segundo ele, estes textos podem dar um contributo para o
conhecimento da história da língua, da história social e da história da literatura escrita:
such specimens [...] shew the gradation of our language, exhibit the progress
of popular opinions, display the peculiar manners and costumes of former
8
ages, or throw light on our earlier classical poets.
Mas, quanto ao valor literário próprio destes textos, Percy mostra-se muito mais
cuidadoso. Não quer, sem dúvida, ser acusado de frisar demasiado a literariedade de coisas
“daquelas”, tão pouco de acordo com as regras clássicas. Assim, limita-se a referir um
aspecto que já Addison celebrara nas baladas tradicionais: a simplicidade e a aptidão para
comover o leitor, mesmo o actual:
In a polished age, like the present, I am sensible that many of these reliques
of antiquity will require great allowances to be made for them. Yet have they,
for the most part, a pleasing simplicity, and many artless graces, which in the
opinion of no mean critics have been thought to compensate for the want of
6
“This very curious old manuscript, in its present mutilated state [...] I rescued from destruction, and
begged at the hands of my worthy friend Humphrey Pitt [...] I saw it lying dirty on the floor, under a Bureau in
ye [i. e., the] Parlour: being used by the maids to light the fire” (nota aposta por Percy, no frontispício do
manuscrito, cit. por Wheatley, na sua introdução a Thomas Percy, Reliques of Ancient English Poetry,
consisting of old heroic ballads, songs, and other pieces of our earlier poets, together with some few of later
date, edited, with a general introduction, additional preface, notes, glossary, etc., etc., by Henry B. Wheatley, I,
London, Swan Sonneschein, Lebas, & Lowrey, 1876, p. lxxxii (usámos a reed. facsimilada: New York, Dover,
1966).
7
8
Percy, op. cit., pp. 7-8.
Op. cit., p. 8.
22
higher beauties, and, if they do not dazzle the imagination, are frequently
9
found to interest the heart.
Os “no mean critics” com cuja autoridade Percy se escuda contra possíveis ataques
são, diz em nota, Addison, Dryden e “the witty” Lord Dorset, remetendo para os famosos
artigos do primeiro destes autores em The Spectator, a que atrás nos referimos.
Não sendo, conforme vimos, um caso único, as Reliques constituem, porém, de longe,
a obra mais influente de todo o século no género poético tradicional, e a que deu à balada as
10
suas cartas de nobreza, elevando-a à categoria de objecto digno de estudo. Tal se ficou a
dever, por um lado, à extensão da obra —três grandes volumes—, e, por outro, ao aparato
académico com que ela foi organizada: um prefácio, um prólogo de carácter histórico a cada
balada (da qual se publica sempre uma única versão, factícia), e, no fim de cada volume, um
estudo, também de carácter histórico, recheado de erudição, sendo muito extenso sobretudo
o do I vol. (“An Essay on the Ancient Minstrels in England”).
11
O Método Editorial Criativo de Percy
Quanto à organização da obra, Percy, como vemos, não se poupou a esforços, para
fazer com que a musa popular aparecesse aos leitores sob uma luz favorável. E, com o
mesmo objectivo, adoptou, quanto à letra dos textos, aquilo a que podemos chamar o método
editorial criativo, ou seja, a transformação mais ou menos profunda das baladas no momento
de as publicar.
Trata-se dum método que, com muitas semelhanças, voltaremos a encontrar em
numerosos autores de outras épocas e países, levando-nos a encarar a outra luz, por exemplo,
muitos aspectos da obra de Estácio da Veiga. Justifica-se, pois, que às características do
método editorial de Percy e às suas motivações dediquemos certa atenção.
9
Loc. cit.
10
Embora a obra não contenha apenas baladas tradicionais, nem sequer apenas baladas, estas
formam a maioria dos textos publicados.
11
Para sermos justos, teremos de recordar que A Collection of Old Ballads (1723-25), de autor
anónimo, a que já antes aludimos, também apresenta uma introdução e mesmo prólogos a várias das baladas
(ver Friedman, op. cit., pp. 148 e 152-3). Porém, “the attitude of the editor [dessa obra] throughout is one of
ironical levity, real or assumed” (Hustvedt, Ballad Criticism, cit., p. 99) provavelmente para não ser acusado de
dar àquelas “velharias” uma atenção que elas não mereceriam.
23
No prólogo que escreveu para cada uma das baladas, Percy informa várias vezes (e
sem qualquer má consciência) que, face ao carácter corrompido com que os textos lhe
tinham chegado, procedera à sua necessária reforma, através da construção de versões
factícias e da correcção conjectural de versos:
The editor has endeavoured to be as faithful as the imperfect state of his
materials would admit. For, these old popular rhymes being many of them
copied only from illiterate transcripts, or the imperfect recitation of itinerant
ballad-singers, have, as might be expected, been handed down to us with less
care than any other writings in the world. And the old copies, whether MS. or
printed, were often so defective or corrupted, that a scrupulous adherence to
their wretched readings would only have exhibited unintelligible nonsense, or
such poor meagre stuff, as neither came from the bard, nor was worthy the
press; when, by a few slight corrections or additions, a most beautiful or
interesting sense hath started forth, and this so naturally and easily, that the
editor could seldom prevail on him to indulge the vanity of making a formal
claim to the improvement; but must plead guilty to the charge of concealing
his own share in the amendments under such general title, as a Modern Copy,
or the like. Yet it has been his design to give sufficient intimation where any
12
considerable liberties* were taken with the old copies.
O asterisco remete para uma nota de rodapé, em que se diz: “Such liberties have
been taken with all those pieces which have three asterisks subjoined, thus *** ”.
O problema está em que, embora Percy tenha posto os referidos três asteriscos no
fim de muito textos, o leitor fica apenas alertado para que em tais textos o editor tomou
“considerable liberties” — mas nada fica a saber sobre a natureza delas.
O método aqui apresentado é “comparable with eighteenth-century Shakespearian
13
scholarship: ‘editing’ meant ‘improving’”. Para mais, constituindo as Reliques a edição de
textos manuscritos ou impressos, e não tendo Percy contactado com a tradição oral, a sua
concepção não poderia deixar de ser a do editor de textos escritos, para quem há um texto
correcto, sendo as cópias deste apenas corrupções do original, original que, através de
correcções conjecturais, o editor tenta recuperar tanto quanto possível.
E, quando Percy possuía várias versões duma balada anónima, pareceu-lhe óbvio
seguir o mesmo método que o editor de poesias de autor conhecido. Neste último caso, não
faria sentido editar as várias cópias, sucessivamente deturpadas, de determinado poema dum
autor da literatura escrita, mas sim, através da collatio dessas cópias, passar à emendatio, de
modo a obter o texto mais aproximado ao que o autor teria escrito. Ora, do mesmo modo irá
12
13
Reliques, I, p. 11.
M. J. C. Hodgart, The Ballads, London, Hutchinson University Library 1964, p. 151.
24
proceder Percy (e os seus sucessores): incapaz(es) de compreender a essência da literatura
tradicional (o facto de esta “viver em variantes”), nem pela cabeça lhe(s) passará publicar
várias versões duma balada, certo(s) como estava(m) de que havia (ou melhor, tinha havido)
apenas um texto correcto, sendo os demais textos que se encontravam na tradição
(manuscrita ou oral) simples corrupções. Através desses textos —nenhum deles perfeito—
estavam, porém, disseminados versos do original perfeito. Assim, na edição de textos de
literatura oral, podemos dizer que, quando o editor tinha várias versões à sua disposição, a
emendatio era encarada como algo paralelo ao processo que em crítica textual se chama
combinatio, ou seja,
l’ operazione con cui da due (o piú) lezioni erronee si ricava la lezione dell’
archetipo [...], quando le varie lezioni erronee conservino qualche porzione
14
della lezione originaria.
No caso da literatura oral, portanto, a combinatio consistia em formar um único
texto, uma versão factícia, em que a balada ficaria, assim (através da junção de versos das
diferentes versões disponíveis), mais completa do que em qualquer uma das versões
individuais. Quanto aos versos que, sob formas diferentes, surgem nas várias versões, o
editor escolhia para o texto factício a lição que achava melhor (a mais bonita e/ou mais
lógica e/ou mais arcaizante e/ou mais dramática, etc.).
Por vezes, essa versão factícia parece ter sido feita sem grande método, limitandose Percy a escolher de cada texto o que lhe pareceu preferível, segundo os gostos da sua
época. Por exemplo, sobre o texto de The Rising of the North, escreve ele:
It is here printed from two MS. copies, one of them in the Editor’s folio
collection. They contained considerable variations, out of which such
15
readings were chosen as seemed most poetical and consonant to history.
Outras vezes, Percy procede com um pouco mais de método: escolhe como textobase a versão melhor de que dispunha (por exemplo, a mais extensa), corrigindo-a com base
noutra(s) versão(ões), nomeadamente completando-a com partes extraídas delas e
eliminando faltas de lógica. Eis a sua descrição do que fez em The Beggar’s Daughter of
Bednall-Gree:
14
Franca Brambilla Ageno, L’ edizione dei testi volgari, 2ª ed. riveduta e ampliata, Padova, Editrice
Antenore, 1984, p. 130.
15
Reliques, I, p. 267.
25
The following ballad is chiefly given from the Editor’s folio MS. compared
with two ancient printed copies: the concluding stanzas [...] are not however
given from any of these, being very different from those of the vulgar ballad.
Nor yet does the Editor offer them as genuine, but as a modern attempt to
remove the absurdities and inconsistencies, which so remarkably prevailed in
this part of the song [i. e., o final], as it stood before: whereas by the
alteration of a few lines, the story is rendered much more affecting, and is
16
reconciled to probability and true history.
Como podemos ver, nem a formação de versões factícias nem as emendas
(conjecturais ou não) são coisas de que Percy mostre envergonhar-se. Do mesmo modo,
parece achar normal que o método por si escolhido se baseie em boa parte no seu
subjectivismo (escolheu o que lhe parecia “more affecting”) ou sobre algo tão elástico como
a lógica. Trata-se, obviamente, dum método governado não por uma preocupação científica,
mas sim, sobretudo (ou mesmo só), por princípios estéticos, que, no fundo, não visam sequer
devolver ao poema aquilo que, hipoteticamente, foi no momento da criação, mas sim tornálo perfeito, segundo os cânones da época do editor.
Porém, embora pareça estar à vontade ao fazer aquilo que diz que faz, é um facto
que, dum modo geral, nas declarações sobre o seu trabalho editorial, Percy tende a
minimizar a extensão das emendas que introduziu, admitindo que modificou menos do que,
de facto, aconteceu, o que parece, portanto, mostrar já alguma má-consciência do editor. No
caso da última balada a que nos referimos, a principal transformação consistiu em eliminar
nada menos que 6 estrofes do fim do texto (como estava no Percy Folio), e em pôr, no seu
lugar, outras 13, perfeitamente modernas: “written —diz Wheatley, o editor oitocentista das
Reliques— by Robert Dodsley, the bookseller and author”.
17
Não se trata, obviamente,
apenas da “alteration of a few lines”, como pretende Percy fazer crer ao leitor no prólogo do
texto.
Mas há casos piores, onde o manuscrito original (dado a conhecer por Hales e
Furnivall)
16
17
18
18
mostra que as declarações de Percy quanto ao que fez estão ainda bastante mais
Op. cit., II, p. 171.
Op. cit., II, p. 181.
O Percy Folio foi publicado em 1867-68, acompanhado por estudos e notas que mostram as
profundas transformações a que Percy submeteu os textos: ver John W. Hales and Frederick Furnivall, Bishop
Percy’s Folio Manuscript: Ballads and Romances, edited by..., assisted by Prof. Child, London, Trübner, 18678, 3 vols. As revelações fornecidas por esta obra são aproveitadas por Wheatley na sua ed. das Reliques (a que
26
distantes da realidade do que no caso anterior. Por exemplo, de King Arthur’s Death. A
Fragment, escreve Percy:
This fragment being very incorrect and imperfect in the original MS. has
received some conjectural emendations, and even a supplement of three or
19
four stanzas composed from the romance of Morte Arthur.
Ora, informa Wheatley, a verdade é que Percy, além do que diz ter feito, “has not
left a single line unaltered”.
20
Um outro caso em que Percy, segundo ele próprio admite, retocou muito, partindo
só da sua imaginação e não da ajuda de qualquer outro texto antigo, é o da balada Sir
Cauline. Dela e do seu trabalho editorial, diz Percy o que abaixo transcrevemos. Repare-se
como o editor sublinha o pretenso carácter imperfeito do texto, fruto segundo ele, desta vez
—repare-se—, não de falhas do manuscrito, mas sim da “má qualidade” de quem recitou a
versão, o que mostra bem como a tradição oral, mesmo antiga, já lhe parecia defeituosa:
This old romantic tale was preserved in the Editor’s folio MS. but in so
defective and mutilated a condition (not from any chasm in the MS. but from
great omission in the transcript, probably copied from the faulty recitation of
some illiterate minstrell), and the whole appeared so far short of the
perfection it seemed to deserve, that the Editor was tempted to add several
stanzas in the fist part, and still more in the second, to connect and complete
the story in the manner which appeared to him most interesting and
21
affecting.
“The perfection it [...] deserve[d]”: era preciso, pois, tornar o texto “complete”,
“most interesting and affecting”. Acontece que, neste caso, segundo Wheatley, o carácter
incompleto da versão não é (pelo menos aos olhos modernos) de modo algum evidente,
sendo as transformações devidas apenas à vontade de tornar a versão perfeita, do ponto de
vista de Percy. Além disso, este é um dos casos mais nítidos em que Percy diz muito pouco
daquilo que, verdadeiramente, fez. Na verdade, pela sua intervenção editorial, o texto quase
duplicou o número de versos:
usámos), onde, no fim de cada balada, há sempre uma nota sobre o método editorial nele seguido por Percy e as
principais transformações sofridas pelo texto.
19
20
21
Reliques, III, p. 28.
Loc. cit.
Op. cit., I, p. 61.
27
This story of Sir Cauline furnishes one of the most flagrant instances of
Percy’s manipulation of his authorities. In the following poem [a versão
publicada nesta edição crítica das Reliques] all the verses which are due to
Percy’s invention are placed between brackets, but the whole has been so
much altered by him that it has been found necessary to reprint the original
from the folio MS. at the end in order that readers may compare the two.
Percy put in his version several new incidents and altered the ending, by
which mean he was able to dilute the 201 lines of the MS. copy into 392 in
his own. There was no necessity for this perversion of the original, because
the story is there complete, and moreover Percy did not sufficiently indicate
the great changes he had made, for although near every verse is altered he
only noted one trivial difference of reading [Wheatley refere-se à única
22
variante apresentada por Percy, em nota de rodapé].
Mas o resultado mais extremo do método editorial criativo adoptado nas Reliques é
o que aconteceu com a balada The Child of Elle. É verdade que, neste caso, Percy tem, pelo
menos, a desculpa de o texto presente no manuscrito ser um fragmento — e tentadoramente
bonito. Sobre tal balada, o editor escreveu que ela
is given from a fragment in the Editor’s folio MS. which, tho’ extremely
defective and mutilated, appeared to have some merit, that it excited a strong
desire to attempt a completion of the story. The Reader will easily discover
the supplemental stanzas by their inferiority, and at the same time be inclined
to pardon it, when he considers how difficult it must be to imitate the
23
affecting simplicity and artless beauties of the original.
A presente declaração parece-nos triplamente interessante: em primeiro lugar, pela
referência de Percy ao “strong desire” que nele despertou o fragmento, como se este tivesse
obrigado o editor a completá-lo (Percy, como se depreende das suas palavras, era poeta e, na
época, “men with a turn for verse-writing seem unable to resist the temptation of falsifying
24
and forging old ballads”). Em segundo lugar, é interessante ver que aquilo de que Percy
pede desculpa ao leitor não é de ter acrescentado versos seus ao texto tradicional, mas sim da
“inferiority” desses versos, que não podem competir com a qualidade do original. O seu
método editorial, em última análise, é assim assumidamente baseado em princípios estéticos,
por mais que isso faça tremer os vindouros. Em terceiro (e último) lugar, temos um aspecto
que decorre do referido princípio a-científico que rege o seu método: Percy parece não ter
achado necessário, pelo menos, indicar quais os versos que acrescentou, de modo que o
22
23
24
Op. cit., I, p. 62.
Op. cit., I, p. 131.
Hales e Furnivall, Bishop Percy’s Folio Manuscript, cit., I, 1867, p. xxi.
28
leitor pudesse saber minimamente qual o sentido do texto original. Neste caso, é bem
provável que estejamos em presença de verdadeira má-fé, pois aqui Percy, tal como noutros
casos anteriormente examinados, terá querido minimizar (não nos parece que apenas por
modéstia: “the Reader will easily discover the supplemental stanzas by their inferiority”) a
extrema profundidade da sua intervenção. É que, no caso em análise, a versão publicada é
500 % mais extensa que o texto do manuscrito! Com efeito, vejamos o que, na sua
linguagem saborosamente polémica, Hales e Furnivall informam sobre o texto tal como
aparece nas Reliques. O fragmento que estava no Percy Folio, ao ser publicado
in the “Reliques” […] is buried in a heap of “polished” verses composed by
25
Percy. That worthy prelate, touched by the beauty of it —he had a soul—
was unhappily moved to try his hand at its completion. A wax-doll-maker
might as well try to restore Milo’s Venus. There are 39 lines here [no
fragmento original]. There are 200 in the thing called the “Child of Elle” in
the “Reliques”. But in those 200 lines all the 39 originals do not appear. Now
and then one appears, always (with one exception) a little altered to fit it for
the strange bed-fellows with which the polishing process has made it
acquainted, its good manners corrupted, so to speak, by evil
26
communications.
O que aconteceu com The Child of Elle é, repita-se, um caso extremo, mas a
verdade é que todos os textos publicados nas Reliques são versões factícias e/ou estão
retocados, por vezes muito.
Percy, ao formar as Reliques, aproveitou apenas 46 dos textos que existiam no
manuscrito a que foi dado o seu nome. Em 11 desses textos, a versão que estava no Percy
Folio não foi a usada como texto-base, tendo, em tais casos, sido escolhida uma outra
versão, procedente de folhetos ou outras fontes. Dos 35 textos restantes que provêm do
manuscrito, 9 foram muito alterados, tanto no discurso como na história. Os restantes 26
foram também alterados, sempre no que diz respeito ao discurso, menos (ou mesmo muito
menos) no que diz respeito à história.
25
26
27
27
Percy foi feito bispo (anglicano) de Dromore, alguns anos depois de publicar as Reliques.
Hales e Furnivall, op. cit., I, pp., 132-3.
Ver Walter Jackson Bate, “Percy’s Use of His Folio-Manuscript”, The Journal of English and
Germanic Philology, XLIII (1944), pp. 337-348 (os dados numéricos que atrás fornecemos no texto são
extraídos das pp. 337-8).
29
Quanto a certos aspectos do seu método editorial criativo, provavelmente Percy não
referiu ter feito essas correcções por estas lhe parecerem absolutamente necessárias — o
impensável teria sido, para ele e para qualquer contemporâneo seu, proceder doutro modo:
Percy hardly esteemed alterations for the purposes of clarity or adjustment to
contemporary grammatical standards worth of even passing mention from an
editor. In his introductory note to “The Boy and the Mantle”, he wrote that
the ballad is “printed verbatim from the old MS. described in the Preface”;
28
yet 9 of its 194 lines were altered for the purpose of clarification.
Essa “clarification” consistiu, frequentemente, em mudanças no vocabulário,
substituindo regionalismos, arcaísmos ou corruptelas.
Muitíssimo usuais foram também as alterações que visam regularizar a métrica ou a
29
rima.
Por outro lado, quer no discurso quer na história, uma das características mais
nítidas é a introdução (ou o aumento) do sentimentalismo, facto em que Percy seguia
perfeitamente o gosto da sua época.
30
Ligado a tal aspecto da história está outro que parece motivar parte das escolhas que
Percy faz, no manuscrito, quanto às baladas que decide publicar: o interesse imaginativo,
dramático, das narrativas, o qual parece sobrepor-se à valorização dos textos apenas pelo
facto de estarem fundados em acontecimentos verídicos (assim, as baladas históricas não vão
ser, só por isso, valorizadas, publicando-se sobretudo as capazes de prender o leitor).
31
Também quanto à história, os textos que Percy publicou são irrepreensíveis do
32
ponto de vista moral. As alterações, neste sentido, até são poucas, pois, quando as baladas
tinham algo de menos digno, eram, pura e simplesmente, deixadas a apodrecer no
33
manuscrito. Como o próprio Percy escreve, no fim do prefácio:
28
29
Bate, art. cit., p. 338.
Ver Bate, art. cit., pp. 339-340, e Zinia Knapman, “A Reappraisal of Percy’s Editing”, Folk Music
Journal, V, 2 (1986), p. 211. Na exposição que fazemos do método editorial de Percy, baseámo-nos nestes dois
artigos. Sobre a questão, pode, no entanto, ver-se também Friedman, The Ballad Revival, cit., pp. 205-210. Nas
pp. 206-8, o autor analisa as modificações que Percy introduziu em 9 baladas, as mais retocadas de todas.
30
31
32
33
Bate, art. cit., pp. 340, 343 e 347, e Knapman, art. cit., p. 207.
Bate, art. cit., p. 348.
Bate, art. cit., pp. 345 e 347.
Bate, art. cit., p. 340.
30
As great care has been taken to admit nothing immoral and indecent, the
editor hopes he need not be ashamed of having bestowed some of his idle
hours [...] in rescuing from oblivion some pieces (though but the amusements
of our ancestors) which tend to place in a striking light their taste, genius,
34
sentiments, or manners.
E a visão que ele quer dar dos “ancestors” é, de facto, a melhor possível, e o mais
de acordo com as ideias consideradas correctas na segunda parte do séc. XVIII.
Ainda quanto à história, um dos aspectos em que mais se nota a intervenção
editorial é no aumento de pormenores da acção, nuns casos para, através da sua
35
complicação, tornar a balada mais interessante para o leitor. Esse aumento de pormenores
liga-se, noutros casos, com o desejo de colmatar as lacunas da narrativa, os seus “saltos”,
36
tão típicos, como se sabe, da poesia narrativa oral, mas certamente pouco de acordo com os
princípios da lógica setecentista presentes, claro, na poesia escrita da época. E, mesmo nos
casos em que não havia elipses da narrativa, Percy tende, de qualquer modo, a amplificar a
acção, pormenorizando-a, facto que, mais uma vez, parece ligado a preocupações de lógica
narrativa.
37
O reforço da lógica é ainda obtido através da alteração de características das
personagens.
38
O aumento de pormenores, que verificámos a nível da acção, nota-se também nas
descrições, que, ao contrário do que surge nos textos verdadeiramente tradicionais, são em
Percy bastante aumentadas.
39
A literatura escrita da época de Percy é, como se imaginará, a pedra de toque por
ele usada para introduzir as modificações em que consiste o seu método editorial. Mais
precisamente, segundo W. J. Bate, o modelo seguido foi o da balada escrita:
In attempting to make his ballads better “understood” or more “interesting”,
Percy drew upon devices and upon a prosody and diction which had, as their
34
35
36
37
38
39
Reliques, I, p. 15.
Bate, art. cit., p. 345.
Bate, art. cit., pp. 341-2 e 344.
Bate, art. cit., p. 347, e Knapman, art. cit., p. 211.
Bate, art. cit., p. 344.
Bate, art. cit., p. 342-3.
31
models, the ballads and the songs in ballad-meter of his own contemporaries
40
and immediate predecessors.
Essas baladas escritas constituem um subgénero que, desde princípios do século se
ia desenvolvendo, e que, aliás, por sua vez, sob a influência das Reliques, aumentou imenso
a sua importância e o número de textos publicados em finais do séc. XVIII.
41
O próprio
Percy, aliás, escreveu duas baladas muito apreciadas na época, tendo-se uma delas (The
42
Hermit of Warkworth) tornado mesmo um dos paradigmas deste movimento. Note-se que,
além disso, as Reliques também participaram na divulgação de tais baladas literárias, uma
vez que cada um dos volumes da obra contém, para lá dos textos antigos, alguns
contemporâneos. Como diz Percy no seu estilo polido, “to atone for the rudeness of the more
obsolete poems, each volume concludes with a few modern attempts in the same kind of
writing”.
43
Curiosamente, o Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga, como se verá, além
de partilhar com as Reliques muitos aspectos do seu método editorial criativo, apresenta, tal
como a obra de Percy, também uma forte influência da literatura escrita narrativa
contemporânea, no seu caso, como veremos, da chamada “balada romântica”.
A um estudioso de hoje, o método editorial de Percy sem dúvida que surpreende,
talvez mais ainda pela naturalidade com que ele fala das coisas que fez (ou, melhor, de parte
delas) e se sentia perfeitamente justificado a fazer. Mas não só o leitor de hoje se
surpreenderá: cerca de 100 anos depois da publicação das Reliques, em 1867, Hales e
Furnivall, na edição que prepararam do Percy Folio, não deixam de condenar repetidamente
as liberdades tomadas pelo editor setecentista. Aliás, o sarcasmo com que falam do modo
como Percy “vestiu” o velho manuscrito e lhe deu o aspecto duma menina elegante da sua
época, assim como dos proveitos mundanos que obteve com as Reliques, mais do que uma
mudança de paradigma editorial, mostram sobretudo uma perfeita incapacidade de
compreender como é que alguém, considerado honesto pela sociedade do seu tempo e que
até chegou a bispo, pensou dever editar os textos daquele modo desonesto:
40
41
Bate, art. cit., p. 348.
Ver Mitsuyoshi Yamanaka, The Twilight of the British Literary Ballad in the Eighteenth Century,
Fukuoka, Kyushu University Press, 2001, nomeadamente o Apêndice III.
42
E, como tal, Yamanaka dedica-lhe mesmo todo um subcapítulo da sua obra (ver op. cit., pp. 67-
78).
43
Reliques, I, p. 8.
32
As to the text, he looked on it as a young woman from the country with
unkempt locks, whom he had to fit for fashionable society. [...] Percy gave
her correct appearence. She had no “false locks to supply deficiency of native
hair”, no “pomatum in profusion”, no “greasy wool to bolster up the adopted
locks, and grey powder to conceal dust.” But all these fashionable
requirements Percy supplied. He puffed out the 39 lines of the Child of Elle to
200; he pomatumed the Heir of Lin till it shone again; he stuffed bits of wool
into Sir Cawline, Sir Aldingar; he powdered everything. The desired result
was produced; his young woman was accepted by Polite Society, taken to the
44
45
bosom of a Countess, and rewarded her chaperon with a mitre.
Nesse aspecto, como a seu tempo veremos, também Teófilo Braga não só criticará
acerbamente as decisões metodológicas de Estácio da Veiga, como, inclusive, se mostrará
incapaz de compreender que o editor algarvio fale delas com tanta candura. É óbvio que para
Braga, Estácio da Veiga, ao afirmar, em repetidos lugares do Romanceiro do Algarve, que as
versões que publica são factícias e que as corrigiu sempre que necessário, tinha pura e
simplesmente “dado um tiro no próprio pé”, decisão para a qual ele, Braga, não conseguia
encontrar explicação. É que Teófilo Braga, Hales e Furnivall pertencem já aos novos
tempos, influenciados pela teoria positivista do respeito (pelo menos teórico) pela letra dos
textos, e estão muito mais perto de nós (ou nós deles) do que de Percy — e Veiga (produto
duma nítida falta de actualização teórica) muito mais próximo de Percy do que do seu
contemporâneo Braga. Por isso, Teófilo, Hales e Furnivall já não conseguem sequer
compreender como é que um autor comete um pecado como o de adoptar o método editorial
das Reliques ou do Romanceiro do Algarve (pecado que eles, pelo menos Braga, também
cometiam, mas muito mais comedidamente e no segredo dos seus gabinetes) e, para cúmulo,
o vem assoalhar na praça pública, em letra de forma, como se esperasse ser premiado com
uma medalha da Academia das Ciências.
Não nos devemos, porém, surpreender pelo facto de Percy por ter usado um método
diferente do da nossa época. Como escreve Ringley:
We cannot perhaps too severely criticize Percy, who lived in the eighteenth
century when notions of editorial responsibility were more lenient than they
44
Referência ao facto de as Reliques terem uma dedicatória muito louvaminheira à condessa de
Northumberland, Elizabeth Percy, com cuja família Thomas Percy deixava discretamente subentender que
ainda era aparentado.
45
Hales and Furnivall, op. cit., I, pp. xvi-xvii. A “mitra” que surge no fim da frase constitui nova
referência ao bispado obtido por Percy como pináculo da sua carreira, como já atrás dissemos.
33
are today. He thought he should “improve” his texts, by which he meant, not
that he should reconstruct the original wording as accurately as possible, but
that he should change the wording so that it would appeal to his
contemporary readers. He was concerned with producing not accurate texts
46
but attractive poems.
É um facto que Percy sabia bem o que fazia, conhecia bem o seu público-alvo, e
esse público era, claro, o da segunda metade do séc. XVIII, incapaz de digerir uma obra
antiga, sem um molho adequadamente setecentista. Por isso, não nos devemos chocar (como,
afinal, parece acabar por se chocar o acima referido Ringley) ao ver que “what he [Percy]
gave his readers in 1765 as a ‘relique’ of ancient poetry was in great part an eighteenthcentury concoction flavored with pseudo-archaic spelling”.
47
O público que Percy queria atingir foi, dissemos, o seu contemporâneo. Mas não,
claro, os especialistas de literatura oral (que pura e simplesmente não existiam naquela
época), nem os membros das classes populares que ainda cantavam baladas e por elas se
interessavam, mas que, muitos, não saberiam ler e, sobretudo, não tinham posses para
comprar uma obra como as Reliques. Percy queria agradar à aristocracia e à burguesia cultas
e interessadas por poesia. Para o conseguir, através da publicação duma obra dedicada a um
género de textos que, na época, ainda era visto como algo próprio do povo mais rude, era
preciso, claro, muito tacto editorial — e Percy tinha-o. Foi precisamente o método adoptado
(por muito “criativo” que ele seja, e é) que tornou possível o sucesso das Reliques,
impossível com outro tipo de fidelidade — que, aliás, para o próprio editor, teria sido
impensável:
Percy’s editing was never directly aimed at the popular market; from the
beginning it was the approval of the literary intelligentsia that Percy was
seeking. [...] At its most basic level, Percy’s editing sets out to make his
poems and ballads fit for and acceptable to the literary public. The specimens
he included were all to be of literary interest and value. [...] Everything was to
48
be clear, complete, correct, and worthy inclusion.
46
William A. Ringler, Jr., “Bishop Percy’s Quarto Manuscript (British Museum MS Additional
34064) and Nicholas Breton”, Philological Quaterly (Iowa City), vol. 54, nº 1 (Winter 1975), pp. 26-39 (cit.
extraída da p. 30). Este artigo trata do chamado “Quarter MS”, uma das fontes usadas por Percy para a
formação das Reliques (não confundir com o muito mais célebre “Percy Folio”).
47
48
Ringley, art. cit., p. 28.
Z. Knapman, art. cit., p. 205.
34
E é importante notar que as baladas mais modificadas pelo método editorial criativo
estão precisamente entre as mais apreciadas naquela época. O caso extremo de alteração, The
Child of Elle (o texto fragmentário que, como atrás dissemos, aumentou a sua dimensão em
500%, graças a Percy), “was one of the most popular ballads in the collection. It was
reprinted twice in fashionable magazines between the first and second editions of the
49
Reliques”. Atrás, citámos também Sir Cauline, balada que quase duplicou o seu número de
versos devido à intervenção de Percy, intervenção que, no entanto, atendendo ao estado que
o texto apresenta no manuscrito, não era de modo algum necessária, segundo a opinião de
Wheatley, como vimos. E o texto desta balada é, pela crítica moderna, “considered to be far
50
superior in the Folio manuscript”. Ora, acontece que, de todo o livro de Percy, “this is the
only ballad specifically praised by Wordsworth when acknowledging the great debt he and
the new group of poets owed to the Reliques”.
51
Por tudo isto, o sucesso do livro de Percy foi muito grande e, para mais, parece estar
na origem do trajecto profissional do autor (e mesmo da esposa), bem sintomático da
aceitação que a obra obteve ao mais alto nível. Segundo Nick Groom,
With the publication of the Reliques in 1765, Percy secured the patronage of
the Northumberland’s [a família da condessa acima aludida, a quem é
dedicado o livro], with whom he claimed blood-kinship, and his prospects
duly improved. He became Chaplain to the Earl [of Northumberland] in 1765.
The Earl was made a Duke in 1766, and in 1767 Anne Percy [mulher de
Thomas Percy] became wet-nurse to Prince Edward. Percy himself became
Chaplain in Ordinary to George III in 1769. The Duke gave him the Deanery
of Carlisle Cathedral in 1778, and in 1782 his ecclesiastic career was crowned
52
with the Bishopric of Dromore.
Mas para lá da petite histoire do sucesso pessoal obtido por Percy (qual dos
estudiosos de literatura oral, antigos ou actuais, não sentirá suas, mesmo que só um
pouquinho, as palavras meio despeitadas de Groom, certos, como estão, de nunca vir a
conseguir um sucesso assim com as suas obras?), outro facto muito mais importante há a
assinalar: a grande mudança, devida às Reliques, que em relativamente pouco tempo se
observou no modo como o público instruído britânico encarava as baladas. Tal mudança
ficou bem expressa, poucos anos depois (1777), nas palavras dum autor contemporâneo:
49
50
51
52
Z. Knapman, art. cit., p. 203. A primeira edição das Reliques é de 1765 e a segunda logo de 1767.
Z. Knapman, loc. cit.
Z. Knapman, loc. cit.
Nick Groom, in Thomas Percy, Reliques of Ancient English Poetry, I, with a new introduction
by..., London, Routledge / Thoemmes Press, 1996, p. 5.
35
The antiquarian spirit, which was once confined to inquiries concerning the
manners, the buildings, the records, and the coins of the ages that preceded
us, has now extended itself to those poetical compositions which were
popular among our forefathers, but which have gradually sunk into oblivion
[...].
[...] the popular ballad, composed by some illiterate minstrel, and which has
been handed down by tradition for several centuries, is rescued from the
hands of the vulgar, to obtain a place in the collection of the man of taste.
Verses, which a few years past were thought worthy the attention of children
only, or of the lowest and rudest orders, are now admired for that artless
simplicity, which once obtained the name of coarseness and vulgarity [...].
53
Every lover of poetry is pleased with the judicious selection of Percy.
Colecções de Baladas Anglo-Escocesas nas Últimas Décadas do Séc. XVIII
O sucesso das Reliques está patente, claro, nas quatro edições que conheceu até ao
final do séc. XVIII, mas não só (e talvez nem sobretudo) nesse pormenor:
The best evidence as to the effect of Percy’s book on English literature may
be obtained by a glance at the ballad bibliography of the eighteenth century.
54
Before Percy, only two important collections had appeared; in the remaining
55
years they came as thick as tale.
Na verdade, são muitas as colecções de poesia popular, sobretudo narrativa, que,
num crescendo, foram brotando desde as Reliques (1765) até ao fim do século: Ancient and
Modern Scots Songs, de David Herd (1769); Old Ballads, de Thomas Evans (1777, 2 vols.);
Scottish Tragic Ballads (1781) e Ancient Scottish Poems (1786, 2 vols.), ambas de John
Pinkerton; A Select Collection of English Songs (1783), Ancient Songs (1790), Pieces of
Ancient Popular Poetry (1791), Scottish Songs (1794, 2 vols.), Robin Hood (1795, 2 vols.),
53
Vicesimus Knox, On the Prevailing Taste for Old English Poets, cit. por Thomas Sergeant Perry,
English Literature in the Eighteenth Century, New York, Harper & Brothers, 1883, pp. 401 e 402.
54
Pelo que antes escreve, vê-se que o autor aqui se refere às Old Ballads anónimas (1723-25) e ao
Evergreen de Ramsay (1724).
55
William Lyon Phelps, The Beginnings of the English Romantic Movement. A study in eighteenth
century literature, Boston, Grinn & Company, Publishers, 1902, p. 135.
36
todas de Joseph Ritson; Scots Musical Museum, de James Johnson (1787-1803, 6 vols.);
George Ellis, Specimens of the Early English Poets (1790), etc.
56
Reflexões sobre a Poesia Tradicional na Alemanha Setecentista. Herder
Não foi apenas na Grã-Bretanha que a obra de Percy fez escola. Também na
Alemanha ela teve grande influência, nomeadamente sobre o iniciador dos estudos sobre
poesia oral naquele país, Herder, que, em carta escrita a um amigo em Agosto de 1771,
dizia:
Vivo da alcune settimane immerso nelle Reliques of Ancient English Poetry,
raccolta in cui compare una quantità di brani eccellenti, grezzi ma pieni di
sentimenti forti [...] Ne ho copiato un certo numero e ne manderó alcuni alla
57
nostra amica, che ne sará di sicuro contenta.
Pouco depois, em finais do Verão desse ano, Herder escreve o longo artigo “Sobre
58
Ossian e as Canções dos Povos Antigos. Resumo duma correspondência”, publicado em
1773. Este artigo nasce a propósito da tradução alemã do Ossian, que Herder, como muito
dos seus contemporâneos, julga ser poesia escrita por um bardo do séc. III, passada, depois,
à oralidade e ainda viva, em meados do séc. XVIII, na tradição dos povos semiprimitivos das
59
longínquas montanhas da Escócia, onde Macpherson a teria ido recolher. Herder queixa-se
de que, na referida tradução alemã, feita em hexâmetros neoclássicos, ao modo de
Klopstock, se perdia totalmente a força do original, a vitalidade tão característica dos povos
56
57
Sobre estes autores, ver Hustvedt, op. cit., pp. 237-269.
Tradução italiana apud Clelia Parvopassu e Alberto Rizzuti (orgs.), “A salti e lanci”. Il dibattito
sul Volkslied nell’ epoca dello Sturm und Drang, Alessandria, Edizioni dell’ Orso, 1997, pp. 55-6. A amiga
comum a que Herder se refere viria a ser, dois anos depois, sua mulher.
58
“Über Ossian und die Lieder alter Völker. Auszug aus einem Briefwechsel”; tradução italiana
apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 73-134.
59
Thomas Macpherson foi o autor de Fragments of Ancient Poetry (1760), Fingal (1762) e Temora
(1763), poemas que afirmou serem a tradução (para inglês) de obras antiquíssimas, que corriam (em gaélico) na
tradição oral, donde ele as recolhera. Ainda que muito cedo Macpherson tenha sido acusado de falsificador, e,
por fim, completamente desmascarado, os seus poemas gozaram duma enorme fama a nível europeu (ver, por
exemplo, Paul van Tieghem, “Ossian et l’ Ossianisme au XVIIIe siècle”, Le Préromantisme. Etudes d’ histoire
littéraire européenne, I, Paris, Sfelt, 1948, pp. 197-287).
37
da Antiguidade, que no séc. XVIII se mantinha só entre os selvagens e se espelhava
perfeitamente nas suas canções. Na verdade,
quanto più un popolo è selvaggio, cioè vivo e libero (poiché questa parola
non significa nient’altro), tanto più selvagge, cioè vive, libere, sensuali,
d’argomento lirico saranno anche le canzioni che avrà prodotto! Quanto più il
popolo è lontano da un modo di pensare, da una lingua e da un modo di
scrivere artefatto e scientifico, tanto meno le sue canzoni saranno fatte per la
60
carta, e tanto meno i versi saranno lettere morte.
A alambicada tradução alemã do Ossian era, afinal, apenas um exemplo mais da
literatura sem nervo que a sociedade civilizada, tão longe do vitalismo dos primitivos,
produzia:
le nostre anime sono oggi formate in modo diverso, per motivi di generazioni
e in conseguenza dell’educazione dei giovani. Noi quasi non vediamo e non
sentiamo più, bensì pensiamo e almanacchiamo soltanto; non faciamo più
poesia su e in un mondo vivo, nella tempesta e nel mescolarsi di tali oggetti e
sentimenti, ma rendiamo artificioso ogni nostro tema e ogni modo di
61
trattarlo.
Herder elogia a poesia tradicional de vários povos (de que transcreve e comenta alguns
excertos), dos Índios norte-americanos aos Lapões, e dos Peruanos aos Escoceses, ainda
livres da perniciosa influência das nações civilizadas (“popoli [...] ai quali le nostre
consuetudini non sono ancora riuscite a togliere del tutto lingua, canti e usi, per dare loro in
62
cambio qualcosa di molto storpiato”). E continua, dirigindo-se ao inventado destinatário
destas cartas:
Lei starà pensando che di tali canzoni anche noi Tedeschi ne abbiamo [...].
Conosco, in più d’una provincia, canzoni popolari, locali e contadine che non
avrebbero nulla da invidiare a molte di quelle per vivacità e ritmo, ingenuità e
63
forza della lingua; ma chi le raccoglie? chi si occupa di loro?
E, porém, essa literatura corria, na Alemanha, um grave risco, devido às grandes
transformações da sociedade, necessitando, pois, de ser recolhida quanto antes: “Il resto dei
60
61
62
63
Apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 81.
Op. cit., p. 109.
Op. cit., p. 88.
Op. cit., p. 117.
38
brani popolari più antichi e veri sparirà completamente con la sempre maggior diffusione
della cosidetta cultura, come già sono spariti tesori analoghi”.
64
Talvez ainda se fosse a
tempo: “se solo cercassimo ancora tra le nostre canzoni, ciascuno nella sua provincia, forse
raccoglieremmo ancora qualche brano, forse la metà di quelli delle Reliques”.
65
Por outro lado, a literatura culta muito teria a ganhar com a imitação das canções
populares, alemãs e estrangeiras:
questo genere poetico [i. e., a poesia popular] potrebbe [...] infondere un poco
di semplicità nei nostri canti lirici, nelle nostre odi e canzoni, [...] abituare a
soggetti più semplici e ad argomenti più nobili [...], in breve di liberarci da
questi ornamenti oppressivi, divenuti per noi pressoché legge. [...] Osservi in
che stile oraziano artificioso siamo caduti [...] noi tedeschi — Ossian, i canti
dei selvaggi, degli scaldi, romanze e poesie provinciali potrebbero portarci su
66
strade migliori.
Eis, novamente, portanto, a ideia de simplicidade da poesia popular, invocada como
antídoto contra os excessos artificiosos da literatura culta, ideia que já encontrámos em
Addison, e que, aliás, “andava no ar” noutros países europeus. Na verdade, já em 1765, um
crítico literário francês, na recensão que fez das Reliques of Ancient English Poetry
(publicadas no ano anterior), escreveu: “On trouve dans quelques-unes [das baladas
publicadas por Percy] une naïveté, un goût de la nature qui charme encore ceux dont le
sentiment n’est pas trop perverti par les raffinements du bel esprit”.
67
Só que em Herder, sem dúvida sob a influência das teorias de Rousseau (elogio dos
povos primitivos —antigos ou actuais— e dos camponeses, e crítica da sociedade civilizada
68
e urbana, que com aqueles muito teria a aprender), deparamos com a ideia de simplicidade
inserida num vasto projecto de reforma da sociedade. O carácter ingénuo da poesia dos
camponeses alemães (e, mais ainda, dos povos antigos ou dos povos selvagens, esses, ao
contrário do alemão, ainda sem contactos com o perverso modernismo) exprime uma força,
uma vitalidade, ausentes na literatura (e na sociedade) civilizada. Daí, a necessidade da sua
64
65
66
67
68
Loc. cit.
Op. cit., p. 118.
Op. cit., pp. 133 e 134.
Cit. por Paul Bénichou, Nerval et la chanson folklorique, Paris, Librairie José Corti, 1970, p. 39.
Sobre as teorias de Rousseau nas suas relações com os estudos etnográficos, ver Giuseppe
Cocchiara, The History of Folklore in Europe, trad. de John N. McDaniel, Philadelphia, The Institute for the
Study of Human Issues, 1981, pp. 116-127.
39
recolha (e depressa, antes que ela desapareça), e do seu posterior influxo sobre a literatura
culta. É que, para Herder, Volks- não indica apenas a origem das canções mas também o seu
destino: “non solo ‘canto del popolo’, ma anche ‘canto adatto a ricondurre il popolo dal suo
attuale stato innaturale all’origine di se stesso’”.
69
As relações entre literatura popular e literatura culta formam precisamente o cerne dum
artigo de Herder publicado em 1777: “Da Semelhança entre a Poesia Artística Medieval
Inglesa e a Alemã, juntamente com Várias Coisas que daí se Seguem”.
70
A tese aqui
defendida é que a literatura inglesa, ao longo da sua história, esteve sempre ligada à
literatura e às tradições do povo, e que daí deriva o seu brilho. Ao não ter seguido na mesma
71
linha (“Dove sono i nostri Chaucer, Spenser e Shakespeare?”), a literatura alemã é muito
mais pobre. E o pior é que não tem modelo que possa seguir para se reformar:
Dei tempi antichi non possediamo [...] assolutamente nessuna poesia viva,
sulla quale la nostra arte più recente sarebbe cresciuta come una gemma dal
tronco della nazione; al contrario, altre nazioni [...] si sono formate sul
proprio terreno, da prodotti nazionali, sulla credenza e sul gusto del popolo,
dai resti di tempi antichi. Per questo la loro lingua e poesia sono diventate
nazionali, la voce del popolo è usata e stimata. [...] Da noi tutto nasce a
priori, la nostra poesia e la nostra formazione classica sono piovute dal cielo.
[...] La nostra letteratura classica è come l’uccello del paradiso, così colorato,
72
garbato, tutto volo e altezza e senza piedi sulla terra tedesca.
A solução seria começar a recolher a literatura oral alemã, mas as condições de
recepção dessa literatura eram, na Alemanha, muito diferentes das da Grã-Bretanha:
Gli Inglesi, con quale avidità hanno raccolto, stampato e ristampato, usato e
letto i loro antichi canti e le loro melodie! Ramsay, Percy e i loro colleghi
sono accolti con applausi, i loro poeti più recenti [...] si sono appropriati [...]
di quello stile [...]. Si stampino in Germania solo canzioni comme hanno fatto
fare in parte Ramsay, Percy e altri, e si ascolti cosa dicono i nostri critici
classici e pieni di buon gusto! [...]
69
70
Ulrich Gaier, cit. por Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 36, n. 54.
“Von Ähnlichkeit der mittlern englischen und deutschen Dichtkunst, nebst Verschidnem, das
daraus folget”; tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 190-209.
71
72
Op. cit., p. 198.
Op. cit., pp. 201, 202 e 203.
40
[...] che canzoni ha raccolto Percy nelle sue Reliques, che io non osavo
mostrare alla nostra colta Germania. A noi riuscirebbero insopportabili, a loro
73
no.
Na parte final deste artigo, assistimos a uma mudança na abordagem do tema. Na
verdade, aí, a literatura oral é encarada, não como instrumento de reforma da literatura culta,
mas como modo de conhecer a essência de cada povo, já que esta se encontra expressa nos
seus cantos:
Tutti i popoli rozzi cantano e agiscono; essi cantano ciò che fanno e cantano
azioni. I loro canti sono l’archivio del popolo, il tesoro della loro scienza e
religione, [...] delle azioni dei loro padri e degli eventi della loro storia, calco
74
del loro cuore, immagine della loro vita domestica nella gioia e nel dolore.
A cada tipo de povo estaria ligado um certo tema ou mesmo um certo género da
literatura oral:
La nazione guerriera canta imprese; quella tenera l’amore. Il popolo arguto
propone indovinelli, il popolo capace d’immaginazione costruisce allegorie,
75
parabole, quadri viventi.
Os autores que escrevem relações de viagens a países estrangeiros deveriam,
portanto, anotar a literatura oral que ali corria na tradição. Esse era o melhor modo de darem
a conhecer aos leitores o modo de ser de tais povos:
Una piccola raccolta di simili canzoni dalla bocca di ogni popolo [...] come
vivificherebbe gli articoli di cui è bramoso il conoscitore dell’umanità. [...]
Come la storia naturale descrive erbe e animali, così si descriverebbero qui i
popoli stessi. Si otterrebbe di tutto un concetto chiaro, e dalle similitudini o
differenze fra queste canzoni nella lingua, nel contenuto e nei suoni,
specialmente nelle idee della cosmogonia e della storia dei padri, quanto e in
quale modo sicuro si trarrebbero delle conclusioni su discendenza, diffusione
76
e mescolanza dei popoli!
Nesta última frase pareceria termos dado um salto bem para lá do ano de 1777 em que
este artigo foi escrito, e dir-se-ia estarmos, pelo menos, em meados do século seguinte.
73
74
75
76
Op. cit., pp. 199 e 203.
Op. cit., p. 206 (os sublinhados são do original).
Loc. cit.
Op. cit., pp. 206 e 207.
41
Herder encontrava-se, como vemos, muito à frente da sua época, e tal avanço é ainda mais
claro quando lemos as condições a que, na sua opinião, deveriam obedecer essas colecções
dos cantos de cada povo:
Essi [os autores das obras] devono trasmettere tutto com’è, nella lingua
originaria e con spiegazione sobria, priva di scherno e critiche, ed anche di
abbellimenti e nobilitazioni, possibilmente con la loro melodia e tutto ciò che
77
appartiene alla vita del popolo.
“Tutto com’è, [...] priva [...] di abbellimenti e nobilitazioni”— os autores de
colecções de literatura oral demorariam quase 100 anos (e alguns, ainda mais tempo) antes
de darem ouvidos a estas palavras de Herder...
Nos dois anos seguintes (1778-79), Herder dá à estampa, traduzido para alemão, um
corpus relativamente extenso de literatura oral de vários povos: os dois volumes dos
Volkslieder. Trata-se, para a época, duma realização muito importante, destinada a ter grande
influência, quer pelos textos publicados, quer pelo estudo que precede o II volume.
Quanto aos textos, ao contrário daquilo que tinham feito os autores britânicos (e do que
fariam, por exemplo, os autores alemães posteriores, a começar por Arnim e Brentano),
Herder, em lugar de se restringir à literatura oral do seu povo, apresenta textos angloescoceses, alemães, espanhóis, franceses, italianos, dinamarqueses, lituanos, letões, lapões,
etc. O seu gosto pela poesia oral estrangeira (que já vimos logo no “Über Ossian” de 1771)
leva-o, aliás, a publicar um maior número de textos traduzidos de outras línguas, que são 124
do total de 162 do livro, sendo alemães apenas 38 (ou seja, 23,4% do total). Em primeiro
lugar quanto ao número de textos está a literatura britânica (com 53), seguida a grande
distância pela alemã (38, como dissemos) e pela espanhola (18).
Na introdução,
79
78
Herder retoma ideias anteriormente expostas em artigos, algumas
desenvolvidas agora com mais detença:
Non c’è dubbio che la poesia e in particolare la canzone fossero in origine
assolutamente popolari, cioè facili, su argomenti e nella lingua del popolo,
ossia in quella della natura, ricca e a tutti familiare. [...] Il canto non sarebbe
mai nato come arte delle lettere [...]. Tutte le culture del mondo, in modo
77
78
Op. cit., p. 207.
Ver a lista elaborada por Heinz Rölleke, no “Nachwort” da sua ed. de Johann Gottfried Herder,
Stimmen der Völker in Liedern. Volkslieder, Stuttgart, Philipp Reclam, 1975, pp. 475-6.
79
Tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 227-259.
42
particolare l’ Oriente più remoto, mostrano numerose tracce di questa origine
[...].
La poesia [...] era il fior fiore della peculiarità di un popolo, il tratto distintivo
della sua lingua e della sua terra [...] La poesia greca più nobile e viva si è
sviluppata da questa origine.
Il più grande cantore greco, Omero, è allo stesso tempo il più grande poeta
popolare. [...] Il verso di Omero [...] non è un esametro scolastico o
artificioso, ma il metro che presso i greci si trovava già pronto per l’uso, nel
loro orecchio puro e raffinato, nella loro lingua. [...]
La corrente dei secoli passò scura e cupa per la Germania. Qua e là si è
salvata uma voce del popolo, una canzone, un detto, una rima [...] [mas] poco
mi resta sotto gli occhi che possa essere accostato ai migliori esempi inglesi,
80
spagnoli o dei popoli nordici.
Em 1807, já depois da morte de Herder, saiu uma segunda edição dos Volkslieder, sob
o título bem significativo de Vozes do Povo em Canções (Stimmen der Völker in Liedern).
Esse título foi retirado dum artigo do autor, publicado em 1803, poucos meses antes da sua
morte, em que explicava estar a preparar uma nova edição, ampliada, dos Volkslieder, que
81
seria “come una voce viva dei popoli, addirittura dell’umanità stessa”. Pela morte do autor,
tal trabalho ficou interrompido, mas, ainda assim, nos Stimmen der Völker, incluem-se vários
poemas novos, estrangeiros na sua grande maioria e mesmo de países extra-europeus (dez
deles proviriam de Madagáscar).
82
Este modo “internacionalista” de encarar a literatura oral ficou, depois da morte de
Herder, muito tempo sem descendência. Pelo contrário, foi a visão nacionalista que,
sobretudo, orientou os estudos sobre a matéria, pelo menos ao longo de todo o Romantismo.
Essa visão parte da ideia herderiana segundo a qual, conforme vimos, a literatura (sobretudo
a poesia) oral exprime a essência (e, com ela, a vitalidade) de cada povo, essência essa que,
nas modernas sociedades europeias, foi perdida pelas classes instruídas e deve ser
recuperada, precisamente pelo estudo daquela literatura. A teoria de Herder era
80
81
82
Op. cit., pp. 227, 228 e 232.
Op. cit., p. 274.
Os poemas acrescentados na edição de 1807 podem ver-se na citada edição de H. Rölleke, pp.
371-398. Das “canções de Madagáscar” diz Herder que foram traduzidas “do francês do Cavaleiro Parny”
(“aus dem Französichen des Ritter Parny”, p. 391), o qual as apresentava como recolhidas da tradição oral. Ora,
“unfortunately, [...] they were straight from Paris: sheer inventions by a contemporary minor French poet”, o
visconde Évariste de Parny [ver Willard R. Trask (org.), The Unwritten Song. Poetry of the primitive and
traditional peoples of the world, edited, in part retranslated, and with an introduction by ..., I, New York /
London, The Macmillan Company / Collier-Macmillan Ltd., 1966, p. viii].
43
acompanhada, como atrás ficou patente, por um interesse científico por toda a humanidade,
em que não havia lugar para ideias de superioridade nacional. Aliás,
if at times he seemed to pay more attention to the “Nordic roots” of his own
nation than to those of others, it was not because he suffered from
ethnocentrism or was driven by a quest for power but because he found here
the cultural origins of his own Volk that for such a long time had been
neglected and treated with contempt. Rather than whishing to reserve for
Germany a superior status in the world, he merely fought for her recognition
in terms of cultural equality. According to his worldview, all nations were
equal, as God had created them in their colorful variety to take their place
within one huge painting of humanity.
Nationalism, as Herder understood it, was a cultural rather than a political
phenomenon that brought with it the obligation to search for the cultural roots
of one’s people. [...]
Not an excessive self-pride or a cultural isolationism were his goals but rather
a greater tolerance and appreciation of the unique combinations that each
Volk could make to humanity at large. His ultimate aim was to lead all
83
nations, big or small, toward a better understanding of self and others.
No entanto, posteriormente, “his insights were politically adapted, narrowed, and
84
ultimately undermined by the Romantic nationalists”. Na verdade, o folclore (a começar
pela poesia oral) passou a ser encarado, fundamentalmente, como um modo de estribar a
existência das nações. Como se imaginará, este facto foi importante sobretudo em países que
lutavam pela independência ou pela reunificação. Assim, na Escócia, na Finlândia ou na
Alemanha, por exemplo, as teorias de Herder foram lidas de modo bem diferente do que o
seu autor teria desejado. Cada povo, dizia-se agora, tinha a sua própria poesia oral, diferente
da dos outros, a qual reflectia a diferença desse povo e, portanto, provava cientificamente a
sua identidade própria e a legitimidade da sua independência. E para provar tal identidade
tornava-se, pois, necessário recolher e estudar esse objecto até aí desprezado ou ignorado: a
literatura oral.
83
85
Christa Kamenetsky, The Brothers Grimm & Their Critics. Folktales and the quest for meaning,
Athens, Oh., Ohio University Press, 1992, pp. 76 e 77.
84
Regina Bendix, In Search of Authenticity. The formation of Folklore studies, Madison, The
University of Wisconsin Press, 1997, p. 42.
85
Para um panorama do estudo das tradições (nomeadamente da literatura oral) no Romantismo e
dos seus fundamentos ideológicos, leia-se a “Part Three” do livro atrás referido de Giuseppe Cocchiara, parte
que tem o significativo título de “Folklore as an Instrument of Politics and National Dignity in the Romantic
Period” (ver The History of Folklore in Europe, cit., pp. 187-274).
44
Walter Scott
É nesta linha que chega, em 1802-3, o Minstrelsy of the Scottish Border, de Walter
Scott. As Reliques of Ancient English Poetry de Percy eram, como o título indica, inglesas
(embora contenham também alguns textos provenientes da Escócia);
86
nas colectâneas
seguintes, porém, incluem-se já baladas escocesas, e algumas dessas obras são mesmo
exclusivamente feitas com versões da Escócia (por exemplo, as Scottish Songs de Ritson, e
outros títulos atrás citados). Tal atitude tem a ver, claramente, com um desejo de afirmação
nacionalista, reagindo à integração política daquele país na Grã-Bretanha (total desde 1707)
e à sobranceria com que era tratado pela Inglaterra. Depois de terminadas as derradeiras
tentativas de defesa da independência (com a derrota definitiva de Carlos Eduardo, “the
Young Pretender”, em 1746), dir-se-ia que a defesa da identidade escocesa passara para o
plano das tradições. É, por exemplo, das duas últimas décadas do séc. XVIII e das duas
primeiras do século seguinte que data a invenção (pois que disso se trata) do kilt enquanto
traje nacional escocês, com a concomitante ligação a cada clã de um determinado padrão
(tartan) de tecido, coisas a que, obviamente, se vai atribuir origem, no mínimo, medieval.
87
E um dos grandes passos na afirmação do trajo nacional escocês foram as cerimónias da
visita do rei inglês Jorge IV a Edimburgo, em 1822, com os representantes dos clãs (e o
próprio rei, que assim quis lisonjear os seus súbditos do Norte) todos vestidos com kilts,
88
cerimónias essas organizadas nem mais nem menos que por Walter Scott.
O Minstrelsy of the Scottish Border de Scott constitui (tal como alguns dos seus
romances, por exemplo The Tale of Old Mortality) um fruto e, ao mesmo tempo, um
contributo importante dessa campanha para realçar a longa e gloriosa história independente
da Escócia, e, portanto, o seu direito a receber um tratamento justo por parte do governo de
Londres. O Minstrelsy é, assim, sentido como a resposta escocesa às Reliques of Ancient
English Poetry, e tal confronto-competição é abertamente expresso numa das recensões da
86
Trata-se de 12 versões enviadas a Percy por um seu correspondente (ver Friedman, op. cit., p.
226).
87
Ver Hugh Trevor-Roper, “The Invention of Tradition: The Highland tradition of Scotland”, in Eric
Hobsbawm e Terence Ranger, The Invention of Tradition, Cambridge, Cambridge University Press, 1993, pp.
15-41.
88
Ver Trevor-Roper, art. cit., pp. 29-31.
45
obra, onde se escreve: “they [os volumes de Scott] perform for Scotland that task which the
bishop of Dromore [i. e., Percy, que, conforme dissemos, era bispo anglicano] performed for
England”. E o recenseador vai mais longe, acrescentando: “the Scottish reliques of Percy [i.
e., as versões escocesas que, como vimos, ele incluiu no seu livro] might have been
89
advantageously included in this collection [a de Scott]”. Ou seja: devolvam-nos o que é
nosso!
Dum modo mais discreto, Scott evidencia também a emulação com a obra de Percy,
90
explicando que a tomou para modelo — mas que fez melhor: “As for the editorial part of
the task, my attempt [was] to imitate the plan and style of Bishop Percy, observing only
more strict fidelity concerning my originals.”
91
A inspiração nacionalista que presidiu ao Minstrelsy é, de modo bem mais claro,
admitida por Scott, que explica ter incluído nos prólogos que escreveu para cada balada “a
variety of remarks, regarding popular superstitions, and legendary history [da Escócia],
which, if not collected, must soon have been totally forgotten.” E, logo a seguir, escreve
estas comovidas palavras que, embora se refiram, em princípio, apenas às citadas “remarks”,
se aplicam muito melhor à totalidade da obra, até porque é com essas palavras que termina a
introdução:
By such efforts, feeble as they are, I may contribute somewhat to the history
of my native country; the peculiar features of whose manners and character
are daily melting and dissolving into those of her sister and ally. And, trivial
as may appear such an offering, to the manes of a kingdom, once proud and
independent, I hang it upon her altar with a mixture of feelings, which I shall
92
not attempt to describe.
O “plan and style of Bishop Percy” seguido no Minstrelsy são visíveis desde logo
pelos extensos comentários de Scott, destinados a mostrar que a literatura do povo é digna de
ser encarada com atenção historicista e erudita, tal como fizera o citado autor inglês. Só que,
89
Cit. por Hustvedt, Ballad Books and Ballad Men. Raids and rescues in Britain, America, and the
Scandinavian North since 1800, Cambridge, Ma., Harvard University Press, 1930, p. 41.
90
Aliás, Percy “studied and approved” o plano do Minstrelsy, que Scott, através dum amigo, quis
submeter ao seu exame (ver Friedman, op. cit., p. 231).
91
Sir Walter Scott, Minstrelsy of the Scottish Border, edited by T. F. Henderson, IV, Edinburgh and
London / New York, William Blackwood and Sons / Charles Scribner’s Sons, 1902 (reed. facsimilada: Detroit,
Singing Tree Press, 1968), p. 52.
92
Scott, op. cit., I, p. 175.
46
no caso presente, o povo pertencia a uma nação vencida e desprezada; mais uma razão,
portanto, para elevar ainda mais o tom da obra. O Minstrelsy apresenta, portanto, dois
longuíssimos estudos, que ocupam a maior parte do I vol.,
93
um deles quase totalmente
dedicado a um panorama da História da Escócia. Por outro lado, um prólogo, às vezes bem
94
longo, antecede cada balada, à qual se seguem as notas, que por vezes ocupam bastantes
páginas.
95
O Método Editorial Criativo de Walter Scott
Quanto à questão do método adoptado na fixação dos textos, vimos atrás que Scott
afirma ter usado “more strict fidelity concerning my originals” do que o seu antecessor. Uma
coisa é, porém, o que se diz, e outra o que se faz — e, na edição de baladas, tal parece ser
ainda mais verdade.
Para começar, Scott partilha com Percy uma opinião perfeitamente negativa sobre a
tradição, que apenas vê como corruptora, nunca como criadora. Tal opinião é agravada,
aliás, pelo facto de o editor escocês ter publicado textos recolhidos da oralidade por si ou por
amigos seus ou, então, provenientes de manuscritos muito pouco anteriores à sua época.
Portanto, nem o prestígio dos velhos manuscritos se interpõe entre ele e frases desapiedadas
como estas:
they [i. e., the ballads] have been handed from one ignorant reciter to another,
each discarding whatever original words or phrases time or fashion had, in his
93
Trata-se das “Introductory Remarks on Popular Poetry and on the Various Collections of Ballads
of Britain, Particularly Those of Scotland” e da “Introduction”, op. cit., pp. 1-54 e 55-212, respectivamente. De
notar, porém, que as “Introductory Remarks” foram incluídas apenas na ed. de 1830. Nessa mesma edição, o
vol. IV foi também acrescentado com um extenso “Essay on the Imitations of the Ancient Ballad”, pp. 1-58.
94
O prólogo a Kinmont Willie, talvez o maior da colecção, tem 17 páginas (ver II, pp. 39-55). De
notar que os prólogos extensos encontram-se sobretudo na parte da obra dedicada às “Historical Ballads”, o que
não é para admirar, uma vez que tais prólogos (como, aliás, as introduções já citadas) são sobretudo de carácter
histórico. Na parte das “Romantic Ballads”, quase sempre sem referente histórico (correspondentes àquilo a
que no romanceiro se chamam “romances novelescos”), tais prólogos são muito mais curtos, chegando a ter
apenas um parágrafo.
95
Por exemplo, Auld Maitland tem nada menos que 18 páginas de notas (cf. I, pp. 258-275).
47
opinion, rendered obsolete, and substituting anachronisms by expressions
taken from the customs of his own day. [...]
In general [...] the late reciters appear to have been far less desirous to speak
the author’s words, than to introduce amendments and new readings of their
own, which have always produced the effect of modernising, and usually that
of degrading and vulgarising, the rugged sense of the antique minstrel. Thus,
undergoing from age to age a gradual process of alteration and recomposition,
our popular and oral minstrelsy has lost, in a great measure, its original
appearance; and the strong touches by which it had been formerly
characterised, have been generally smoothed down and destroyed by a
process similar to that by which a coin, passing from hand to hand, loses in
96
circulation all the finer marks of the impress.
Impõe-se, portanto, a adopção do método editorial criativo. Convém, no entanto,
sublinhar que Scott, quando fala da sua intervenção editorial, o faz de modo bastante mais
cauto do que Percy. Conforme vimos, mesmo Percy não disse ter feito, quanto à
transformação dos textos, tudo aquilo que, verdadeiramente fez, e, várias vezes (sem dar por
isso ou, mais provavelmente —pelo menos em certos casos—, por má-consciência)
minimizou, no momento de falar dela, o grau da sua intervenção. Scott, impressionado
97
provavelmente pelas enormes críticas que Ritson fizera ao método editorial de Percy, vai
ser muito mais comedido. Já vimos que deixa claro ser o Minstrelsy mais fiel editorialmente
98
falando do que as Reliques, e, além disso, afirma que a sua intervenção se limitou à de
fazer textos factícios (escolhendo, das várias versões duma balada de que dispunha, o verso
que lhe parecia melhor) e de retocar a rima — nada mais:
No liberties have been taken, either with the recited or written copies of these
ballads [as que publica], farther than that, where they disagree, which is by no
means unusual, the Editor, in justice to the author, has uniformly preserved
what seemed to him the best or most poetical reading of the passage. [...]
Some arrangement was also occasionally necessary, to recover the rhyme,
which was often, by the ignorance of the reciters, transposed, or thrown into
the middle of the line. With these freedoms, which were essentially necessary
96
97
Scott, Minstrelsy of the Scottish Border, cit., I, pp. 11 e 12.
Contemporâneo de Percy, e, ele próprio, editor de baladas antigas, Joseph Ritson foi um autor
visto na época como um verdadeiro excêntrico, e a esse facto, sobretudo, foram atribuídos os ferozes ataques
que publicou contra Percy, a propósito das liberdades tomadas com o texto das Reliques. Sobre a questão, ver
Hustvedt, Ballad Criticism, cit., pp. 190-5.
98
Não obstante a distanciação relativamente a Percy que tais palavras mostram, note-se que Scott
defendeu explicitamente o bispo das críticas que lhe foram feitas por Ritson, tendo justificado as liberdades
tomadas nas Reliques com o carácter pioneiro da obra (ver Minstrelsy, I, pp. 37-8).
48
to remove obvious corruptions, and fit the ballads for the press, the Editor
presents them to the public, under the complete assurance, that they carry
99
with them the most indisputable marks of their authenticity.
Conforme vemos, Scott, tal como Percy, não consegue entender a pluralidade de
versões que é a essência dos textos orais. Por isso, deixa-se guiar pelo processo editorial dos
textos escritos e acha perfeitamente lógica e evidente a formação de versões factícias. Tão
evidente que nem sente necessidade, repare-se, de a justificar, pois aquilo que Scott justifica
(com critérios estéticos) é apenas a escolha que faz de certo verso em detrimento de outro —
não a opção, em si, de publicar apenas uma versão. Nesse aspecto, claro, fez o mesmo que
Percy, mas não deixa de ser estranho, para nós, hoje, que tal decisão editorial lhe tenha
parecido tão óbvia: se Percy tinha, sem dúvida, a desculpa de estar a editar textos
manuscritos muito antigos e de não ter conhecido o modo como as baladas viviam na
oralidade, o mesmo se não pode dizer de Scott, que conhecia bem a tradição oral, com que
contactara desde a juventude. Mas a edição de textos orais não possuía, antes de Scott,
nenhuma tradição, e, pelo contrário, a edição crítica de textos escritos desfrutava duma
prestigiosa linhagem, que remontava aos editores gregos de Homero — como lutar contra
ela, como aperceber-se de que era necessário inventar outro método, como decidir-se a ser o
primeiro a usá-lo?
A formação de versões factícias, parece-lhe, pois lógica, e ao modo de a efectuar se
refere várias vezes nos prólogos que precedem cada uma das baladas que publica. Eis alguns
exemplos, que ilustram os dois métodos que Scott usou: escolher uma versão (a melhor,
qualquer que seja a razão para assim a considerar) como texto-base e servir-se das outras
versões apenas para retocá-lo ou completá-lo; ou, então, juntar versos (os que, em cada caso,
lhe parecem melhor) de várias versões, parecendo não privilegiar nenhuma delas:
The copy, principally used in this edition of the ballad, was supplied by Mr.
Sharpe [um amigo de Scott, que a recolhera de uma criada]. The three last
100
verses are given from the printed copy, and from tradition.
In publishing the following ballad, the copy principally resorted to is one,
apparently of considerable antiquity, which was found among the papers of
the late Mrs. Cockburn of Edinburgh [...]. Another copy, much more
imperfect, is to be found in Glenriddll’s MSS. [...] Mr. Plummer also gave the
Editor a few additional verses, not contained in either copy, which are thrown
99
Minstrelsy, I, pp. 167 e 168.
100
Op. cit., III, p. 2.
49
into what seemed their proper place. There is yet another copy, in Mr. Herd’s
MSS. [um dos colaboradores de Scott, que o ajudou nas recolhas], which has
been occasionally made use of. Two verses are restored in the present edition,
from the recitation of Mr. Mungo Park, whose toils, during his patient and
intrepid travels in Africa, have not eradicated from his recollection the
101
legendary lore of his native country.
This edition of the ballad obtained is composed of verses selected from three
MS. copies, and two from recitation. Two of the copies are in Herd’s MSS.;
the third is that of Mrs. Brown of Falkland [a mais célebre das informantes do
102
Minstrelsy, que recolheu textos que ela própria conhecia].
The present text is collected from four copies, which differed widely from
103
each other.
A elaboração de versões factícias, é, portanto, para Scott algo naturalíssimo, e as
múltiplas referências que faz ao método visam apenas, como vemos, mostrar que foi um
editor diligente e incansável na construção do texto mais perfeito, mais próximo do original
perdido. Quanto às emendas para regularizar a rima, essas, então, parecem-lhe de tal modo
óbvias, obrigadas pelas regras da poética, que, para lá da referência que, conforme vimos,
lhes fez na introdução, não mais volta a falar delas.
Tirando estes dois aspectos, Scott não admite ter feito mais nenhuma intervenção
nos textos. Ora tal não corresponde à verdade. Como diz Andrew Lang (num livro sem
quaisquer propósitos polémicos e que, pelo contrário, até foi escrito para defender Scott de
ser um falsificador),
he avowedly made up texts out of a variety of copies, when he had more
copies than one. This is frequently acknowledged by Scott; what he does not
104
acknowledge is his own occasional interpolation of stanzas.
E Henderson, editor moderno de Scott, escreve:
His professed method was to construct his versions strictly by the
arrangement or combination of other versions, or by following mainly one
version, but correcting and improving it by the selection of words, lines,
101
102
103
104
Op. cit., I, pp. 305 e 306.
Op. cit., III, p. 253.
Op. cit., II, p. 160.
Andrew Lang, Sir Walter Scott and the Border Minstrelsy, New York, Bombay, and Calcutta,
Longmans, Gren, and Co., 1910, p. 10.
50
phrases, or stanzas from other versions. This, however, was often not to be
done, without the introduction, as well, of words, phrases, lines, and
occasionally even stanzas of his own. Moreover, he often found it impossible
to resist the impulse to improve the phraseology, and he hardly ever resisted
105
the impulse to improve the rhythm or the rhyme.
É possível que as alterações, muito frequentes, que fez nos textos com vista à
regularização da métrica
106
lhe tenham parecido tão óbvias como a da correcção da rima (à
qual, como vimos, se refere apenas uma vez, na introdução, e nunca nos prólogos), e que
isso explique que não fale da questão. Mas o silêncio que mantém sobre os restantes
aspectos do seu método editorial parece-nos que se explica apenas pelo facto de Scott os
considerar inconfessáveis. Essas transformações consistem em:
— substituir palavras ou expressões arcaicas ou fruto de corruptela;
— dar maior dramatismo à história;
— reforçar a sua lógica;
107
108
109
— eliminar a repetição da mesma acção;
— colmatar hiatos da narrativa;
110
111
— amplificar a acção, acrescentando-lhe pormenores;
— aumentar as descrições.
112
113
Como vemos, estas modificações são muito parecidas com as que encontrámos
adoptadas nas Reliques. Ora, como Percy nunca explicitou o seu método editorial, temos de
concluir que as semelhanças existentes entre ambos não podem ser fruto da imitação, mas
sim duma forma mentis comum, dum mesmo conceito do que deve ser um poema de
qualidade, coincidência facilitada pelo facto de viverem num contexto sociocultural muito
105
T. F. Henderson, “Editor’s Prefactory Note”, in Scott, Minstrelsy, I, p. xviii.
106
Ver Charles G. Zug III, “The Ballad Editor as Antiquary: Scott and the Minstrelsy”, Journal of
the Folklore Institute, 13 (1976), pp. 57-73 (quanto às mudanças na métrica, ver pp. 61 e 62).
107
108
109
110
111
112
113
Zug, art. cit., pp. 61 e 62.
Zug, art. cit., pp. 65.
Zug, art. cit., pp. 64 e 65.
Zug, art. cit., p. 64.
Zug, art. cit., pp. 64 e 66.
Zug, art. cit., pp. 64, 65 e 68.
Zug, art. cit., p. 69.
51
similar. A diferença parece estar apenas em que, depois das críticas de Ritson ao método
editorial de Percy e, também, do grande debate provocado pelas falsificações de Macpherson
e de Chatterton,
114
“andava no ar” uma maior exigência de fidelidade ao texto. A actuação de
Scott, que afirma fazer uma coisa mas acaba por fazer muitíssimo mais do que isso, parece
mostrar que, porém, tal exigência é apenas de superfície. Vimos acima estar provado que
Scott sem dúvida substituiu numerosas vezes termos arcaicos ou fruto de corruptelas. No
entanto, o mesmo Scott afirmara, muito sério, na introdução da obra:
The utmost care has been taken, never to reject a word or phrase, used by a
reciter however uncouth or antiquated. Such barbarisms, which stamp upon
115
the tales their age and their nation, should be respected by an editor.
Ou seja, é preciso afirmar que os textos que se publicam não foram manipulados,
mas apenas isso: afirmar — não é preciso que tal afirmação seja verdadeira. No fundo, a
preocupação continua a ser, tal como 40 anos antes, no tempo de Percy, a de conseguir
textos bonitos, correctos, atraentes em todos os aspectos. Ou seja, o método editorial
continua a obedecer a princípios exclusivamente estéticos.
E Scott, de facto, fez o tipo de edição que a sua época desejava — e quem sabe se,
desde então, os desejos do público (pelo menos do chamado “grande público”) terão mudado
muito? Andrew Lang, escrevendo em 1910, escreve as seguintes saborosas palavras, que
talvez se pudessem escrever ainda hoje:
Sir Walter’s method of editing, of presenting his traditional material, was
literary, and, usually, not scientific. A modern collector would publish things
[...] exactly as he found them in old broadsides, or in MS. copies, or received
them from oral recitation. He would give the names and residences and
circumstances of the reciters or narrators [...] He would fill up no gaps with
114
A Macpherson e ao seu Ossian já atrás nos referimos. O caso de Chatterton é menos conhecido
mas mais trágico: trata-se dum jovem poeta que se tornou célebre rapidamente com a publicação em revistas de
algumas baladas, que afirmava serem transcrições de manuscritos medievais. A falsificação foi descoberta, e,
embora a grande qualidade dos poemas não tenha sido posta em causa (opinião que, aliás, é ainda a dos críticos
de hoje), Chatterton suicidou-se, ao que parece por ter sido descoberto. Uma tentativa de compreender em
profundidade as falsificações de Macpherson e Chatterton pode ler-se em Ian Haywood, The Making of
History. A study of the literary forgeries of James Macpherson and Thomas Chatterton in relation to
eighteenth-century ideas of History and Fiction, Rutherford, Farleigh Dickinson University Press, 1986.
115
Minstrelsy, I, p. 172.
52
his own inventions, would add no stanzas of his own, and the circulation of
116
his work would arrive at some two or three hundred copies given away!
O Minstrelsy como Modelo de Colecções
Organizado, como vemos, segundo o modelo de Percy, o Minstrelsy apresenta,
porém, um aspecto novo muito importante: ao contrário do que acontecia nas colectâneas
anteriores, baseadas quase exclusivamente (ou mesmo exclusivamente) em manuscritos
antigos ou em impressos,
117
a obra de Scott é, em boa parte, produto de recolhas feitas
directamente da tradição oral pelo autor e por amigos seus, e os manuscritos de que, na parte
restante, se serviu são relativamente recentes, todos eles já da segunda metade do séc. XVIII.
Portanto, qualquer país sem manuscritos e sem impressos baladísticos poderia, a partir do
exemplo de Scott, organizar a sua própria colecção de textos populares. Poderia ter sido,
então, o Minstrelsy a despertar o interesse pela recolha de romances em Portugal.
Ora, não obstante esta colecção tenha despertado, mais tarde, um papel modélico,
parece não ter sido ela a lançar a centelha inicial, que, a fazermos fé nas palavras de Garrett,
deve ter estado a cargo doutro segmento da produção de Scott: os metrical romances. Tratase de longos poemas narrativos, em vários cantos, sobre assuntos escoceses, lendários ou
mais ou menos históricos. Embora a estrofe adoptada nesses poemas não seja a típica da
balada, em vários deles ecoam versos e fórmulas das baladas tradicionais, que Scott tão bem
conhecia. Tais poemas (a que o autor também por vezes chama legendary tales) seguem-se,
na cronologia da obra scottiana, à época do Minstrelsy (cujo último volume, aliás, já era
totalmente ocupado por baladas modernas, mais ou menos imitadas das antigas, da autoria
do próprio Scott e de amigos seus).
116
117
118
São sete os metrical romances de Walter Scott,
Lang, op. cit., p. 7.
Por exemplo, nos três volumes das Reliques, como dissemos, só umas 12 versões são tradicionais
(recolhidas na Escócia, por um correspondente de Percy, a pedido deste), e as doze colecções de poemas
organizadas por Ritson contêm na sua totalidade apenas uns quatro textos provenientes da tradição (ver
Friedman, op. cit., p. 226).
118
Nas primeiras edições, o Minstrelsy está dividido em três volumes. Em 1830, embora não se
tivessem acrescentado mais textos, a obra (devido à inclusão dos dois longos textos introdutórios a que já nos
referimos) foi dividida em quatro volumes. Desde então, o último volume (agora o IV) passou a ser
inteiramente dedicado às “Imitations of the Ancient Ballad”.
53
começando com The Lay of the Last Minstrel (1805), o mais famoso, e terminando com
Harold the Dauntless (1817).
Como afirma Garrett, parece ter sido (sobretudo) a leitura de tais legendary tales
que levou o autor português a interessar-se pela recolha de romances. Mas, antes de
chegarmos a Garrett, vejamos como se encontrava a Península Ibérica, desde finais do séc.
XVIII, em termos de interesse pela literatura oral e mais propriamente pelo romanceiro.
54
II
O ROMANCEIRO ESPANHOL, DAS ÚLTIMAS DÉCADAS
DO SÉC. XVIII À PRIMEIRA COLECÇÃO DE DURÁN (1828)
O Romanceiro na Espanha Neoclássica
Segundo Menéndez Pidal,
119
em Espanha, durante o séc. XVIII o romanceiro
tradicional, embora continue a viver oralmente entre o povo menos instruído, perdeu todo o
favor entre o público ilustrado. Esta afirmação, ainda que contestada por alguns autores,
119
120
Ver Ramón Menéndez Pidal, Romancero hispánico (hispano-portugués, americano y sefardí).
Teoría e Historia, 2ª ed., II, Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1968, p. 246.
120
Por exemplo, Joaquín Marco [Literatura popular en España en los siglos XVIII y XIX (Una
aproximación a los pliegos de cordel), I, Madrid, Taurus, 1977, p. 103] implicitamente põe em dúvida as
afirmações de Pidal (que antes citara), afirmando que “sabemos hoy cuán difícil es sustraerse a las influencias
del arte popular”; contudo, em seguida, não apresenta provas que provem o erro de don Ramón.
Posteriormente, Kathleen Kish [“The Spanish Ballad in the Eighteenth Century: A reconsideration”, Hispanic
Review, 49 (1981), pp. 271-2] contesta também as afirmações de Pidal, embora na parte em que o mestre
espanhol se referia a um quase abandono do romance enquanto forma literária por parte dos poetas cultos
neoclássicos. E mostra que, pelo contrário, são vários os autores que nessa época escreveram romances (ver a
respectiva lista nas pp. 283-4).
Pelo contrário, não sofre contestação a existência de repetidos anátemas que, por razões morais,
desde a segunda metade desse século e durante o seguinte, são lançados contra os romances vulgares, a
começar por uma lei de Carlos III que, em 1767, proibia a sua impressão (o texto dessa “real cédula” pode lerse em Madeline Sutherland, Mass Culture in the Age of Enlightenment. The blindman’s ballads of eighteenthcentury Spain, New York, etc., Peter Lang, 1991, p. 14). Que tal medida governativa não surtiu efeitos é
provado pelos ataques ao género que preocupados intelectuais continuam a fazer, de que é bom exemplo o
duríssimo “Informe del fiscal de la sala de alcaldes”, de 1798, escrito pelo fiscal (e poeta neoclássico)
Meléndez Valdés (vários excertos deste relatório podem ser lido em M. Sutherland, op. cit., pp. xxi e 19).
Sobre os ataques ilustrados contra o romanceiro vulgar, ver também, entre outros, Julio Caro Baroja, Ensayo
sobre la literatura de cordel, [2ª ed.], Madrid, Ediciones Istmo, 1990, pp. 18-22; Francisco Aguiar Piñal,
Romancero popular del siglo XVIII, Madrid, C. S. I. C., 1972, pp. xiv-xvii; e sobretudo Madeline Sutherland,
56
parece substancialmente verdadeira, embora seja um facto que, nas últimas décadas do
século, o panorama começa a mudar. Na verdade, data de 1768 o primeiro volume do
Parnaso español, organizado, ao que se julga,
121
por López de Sedano. Trata-se duma
antologia, de que, até 1778, se publicarão nove volumes, onde os romances estão
representados, ainda que apenas por textos de autor e quase sempre líricos.
122
No entanto, o
prólogo do I vol. contém uma passagem que, embora não referida apenas ao romanceiro
velho, a ele também se pode aplicar; é quando o autor fala dos “romanceros: Colecciones
[...] muy apreciables en su especie, que con este, u otros diversos titulos han recogido, y
publicado sus Autores.”
123
É verdade que, em nota ao único romance (de autor) publicado neste I vol., López
de Sedano escreve as seguintes palavras, que claramente se referem apenas aos romances
novos e, para mais, sublinham o relativamente baixo coturno desta forma versificatória:
Los Romances Castellanos son el depósito de las sentencias y los conceptos;
[...] fueron por muchos tiempos el metro mas comun en todos los Poetas [...]
estas Poesías no se hicieron para grandes asuntos, ni para tratar altas materias,
no se deben pretender en ellas tanto la grandeza, la disposicion, el ornato del
argumento, quanto la solidez de las sentencias, con la hermosura del estilo, la
124
pureza de la frase.
op. cit., pp. 14-20. Além disso, esta última obra é, ao que sabemos, o estudo mais actualizado sobre o romance
vulgar no séc. XVIII.
Prova da grande voga que, não obstante todos os ataques e proibições, os romances vulgares
continuaram a ter entre o povo espanhol até há pouco tempo é a tradicionalização de muitos e muitos deles (ver
Flor Salazar, El romancero vulgar y nuevo, preparado [...] con la guía y concurso de Diego Catalán, por...,
Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal / Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense, 1999).
Essa voga parece não ter existido em Portugal ou, então, ter aqui terminado muito mais cedo, talvez antes
mesmo do séc. XVIII (possivelmente pelas condições políticas existentes desde a restauração da
independência, em 1640, e a consequente diminuição de contactos com Espanha). Pelo menos, tal é o que
parece poder concluir-se da tão escassa presença na nossa tradição oral desse tipo de romances, cuja função
noticiosa e carácter truculento foram assumidas em Portugal, como se sabe, pelas canções narrativas, género
esse, pelo contrário, muito rico entre nós (e que, infelizmente, continua à espera do seu historiador).
121
Até ao vol. V, inclusive, a obra saiu anónima. Porém, os volumes anteriores são considerados
também de López de Sedano.
122
123
O I vol. apenas contém um romance; nos vols. II-VI, porém, publicam-se vários.
[Juan Joseph López de Sedano], Parnaso español. Colección de poesías de los más célebres
poetas castellanos, I, Madrid, Por Joachin Ibarra, 1768, p. ii. O itálico é da nossa responsabilidade.
124
Op. cit., pp. xxiv-xxv.
57
Pelo contrário, em 1789, na 2ª ed. da Poética de Luzán,
125
há palavras de muito
apreço pelo romanceiro, mencionando-se também algo que passará a ser um lugar-comum
em todas as reflexões espanholas sobre esta forma — o seu carácter castiço:
[o romance é] una versificacion excelente para varias composiciones, que
126
como ya dixe es propia y peculiar de nuestra lengua. Los estrangeros no
perciben la cadencia de los asonantes, y algunos, como el Abate Quadrio,
dicen que es disonante y desapacible. Dexemolos en su error, pues por mas
que hagamos no podremos añadirles intension y delicadeza en el organo del
127
oido.
Alguns anos depois, Quintana inclui, numa antologia,
128
numerosos romances, é
verdade que, na sua esmagadora maioria, pertencentes à classe dos novos. No prólogo do I
vol., o autor, depois de lamentar o mau gosto em que, com poucas excepções, estaria escrita
a literatura antiga espanhola, escreve: “Sin embargo hay en los Romanceros mas expresiones
bellas y enérgicas, mas rasgos delicados é ingeniosos, que en todo lo demas de nuestra
Poesía.” Vê-se, no entanto, que ao escrever estas palavras, não tinha em mente os romances
velhos, mas sim outros, a que, logo em seguida, alude: “Los Romances Moriscos
principalmente están escritos con un vigor, y una lozania de estilo que encanta.”
125
129
A 2ª ed. foi organizada pelos filhos do autor e por Eugenio Llaguno, que a aumentaram e
modificaram (em relação à 1ª, de 1737) com apontamentos deixados inéditos por Luzán; além disso, algumas
das alterações parece deverem-se ao próprio Llaguno (ver Menéndez Pelayo, Historia de las ideas estéticas en
España, III, Madrid / Santander, C.S.I.C. / Aldus, S. A. de Artes Gráficas, 1947, pp. 220-1). A passagem sobre
os romances que, no texto, citamos não existia na 1ª ed.
126
Refere-se aqui ao que, na p. 362, escrevera: “Los asonantes, ó rima imperfecta, son propios
exclusivamente de nuestra Poesía Castellana; pues no se yo que se usen en otra lengua”. Esquecia-se,
obviamente, da portuguesa, pelo menos.
127
Ignacio Luzan Claramunt de Suelves y Gurrea, La poetica, ó reglas de la poesia en general y de
sus principales especies, por D. ..., corregida y aumentada por su mismo Autor, I, Madrid, En la Imprenta de
don Antonio de Sancha, 1789, p. 369.
128
[Manuel Quintana], Poesías escogidas de nuestros cancioneros antiguos. Continuacion de la
coleccion de D. Ramon Fernandez. Tomo XVI: Contiene el cancionero, los romances moriscos, y los
pastoriles, Madrid, En la Imprenta Real, 1796. Embora a obra não esteja assinada, é usual atribuí-la a Quintana
(ver E. Allison Peers, Historia del movimiento romántico español, trad. de José Mª Gimeno, 2ª ed., I, Madrid,
Editorial Gredos, S. A., 1967, p. 73).
129
Op. cit., p. xviii.
58
Por seu lado, os romances pastoris, se possuem menos vigor que os mouriscos, têm,
pelo contrário, mais “sencillez”. E sobre ambos estes géneros diz: “La invencion en unos y
en otros es bellísima, y admira ver con que propiedad describen, y en quan pocos rasgos, el
sitio, el personage, y los sentimientos que le agitan.”
130
É óbvio, portanto, que o estilo dos romances velhos não agradaria a Quintana. De
notar, aliás, que, os únicos romances velhos (quatro) que se incluem na antologia são
apresentados como amostra para que “puedan conocerse quan fastidiosas serian semejantes
composiciones”, pelo facto de, segundo ele, serem de rima consoante.
131
No entanto, ainda
que apresentados como curiosidade histórica e velharia ultrapassada pelo progresso da
versificação, a verdade é que aqueles quatro textos são os primeiros romances velhos que,
desde há muito tempo, se reimprimiam.
Renascimento, na Alemanha, do Interesse pelos Romances Velhos
Mas temos de esperar ainda vários anos até que, sintomaticamente na Alemanha,
apareça a primeira colecção moderna dedicada ao romanceiro velho: a Silva de romances
viejos de Jakob Grimm, publicada em 1815, e que, logo desde o título, mostra bem o seu
propósito de separar as águas.
130
131
132
No prólogo, Grimm explica: “la mayor parte de estos
Op. cit., p. xix.
Note-se que os quatros romances velhos estão englobados num grupo de 10 textos (pp. 74-83),
pertencentes todos eles, segundo palavras de Quintana (p. xiii), a uma época em que naquelas composições,
“guardándose por lo comun un solo asonante, no habia variedad en los sonidos, ni armonia, ni soltura”. A esse
tipo de romance sucederiam mais tarde os escritos em versos vocálicos (“asonantes”), “mas fáciles, mas
abundantes, y menos fastidiosos”. A verdade, porém, é que dos citados 10 romances só 6 são totalmente
escritos em consoantes; os restantes quatro (que são, precisamente, os aludidos romances velhos) apresentam
apenas alguns consoantes, misturados com versos de rima exclusivamente vocálica.
132
Desta obra afirmou Wolf: “ Elección y ordenación anuncian al maestro, siendo en este respecto la
primera verdadera colección modelo” (Fernando Wolf, Historia de las literaturas castellana y portuguesa,
trad. de Miguel de Unamuno, con notas y adiciones por M. Menéndez y Pelayo, II, Madrid, La España
Moderna, s/d., p. 89; a ed. original, com o título de Studien zur Geschichte der spanischen und
portuguiesischen Nationalliteratur, saiu em 1859).
59
romances la he sacado, como era debido, del cancionero de Amberes 1555”.
133
E mais à
frente frisa bem:
he mirado en lo que diligentamente [sic] discerniesse los romances
verdaderos de aquellos, que se han compuesto posteriormente a la imitacion
de los viejos, a los quales, falta mucho, para que puedan parecerse en ninguna
134
manera.
.
Aos romances em geral falta, segundo Grimm,
aquella fuerza de expresion, aquella viveza del introito y aquella vicisitud de
movimiento, que manifestanse en las poësias populares inglesas, alemañes
135
[sic] y escandinavicas; pero son todos simples, algunos son dulcisimos,
pelo que, ao fim e ao cabo, não sabe se prefere as baladas ou os romances.
O autor informa ainda que, se a obra tiver êxito, publicará outro volume, e aí,
juntamente com romances do Cid, de Bernardo del Carpio, etc., espera poder publicar alguns
textos recolhidos da tradição oral moderna:
hay quien me ha hecho esperar que podre publicar en seguida algunos otros
hasta ahora ineditos, recogidos por un viajero aficionado a la poësia
castellana. Oxala que otros enamorados de ella hagan lo mismo, y arranquen
al olvido los fragmentos de la verdadera poësia epica, que suele conservar el
pueblo en sus viejos romances! bien que teme [sic] ser demasiado tarde para
136
esta empresa meritoria.
Da recolha do tal “viajero” (possivelmente daquele tipo de viajantes alemães
interessados pela etnografia, a quem Herder, como vimos, aconselhava a recolha de canções
tradicionais, a fim de conhecerem bem a essência dos povos que visitavam), nada se sabe, e
ainda teriam de passar alguns anos até chegar o primeiro “enamorado” da poesia que
133
Citamos pela 2ª edição: Jacobo Grimm, Silva de romances viejos, Vienna de Austria, En casa de
Schmidl, 1831, p. v.
134
135
136
Op. cit., p. vi.
Op. cit., p. xi.
Op. cit., p. ix.
60
recolheu romances da tradição oral moderna espanhola: Bartolomé José Gallardo, em
137
1825.
Em 1817, dois anos depois de Grimm, outro autor alemão, Depping, publica uma
grande colecção de romances (no original castelhano, sem tradução), acompanhada por um
extenso prólogo.
138
Ali se frisa que “os Espanhóis se distinguem entre todos os povos pela
enorme quantidade dos seus romances”
139
e que nesta obra se limitou a publicar os melhores,
os quais, para ele, deviam ser, fundamentalmente, romances velhos, uma vez que são esses
que ocupam a maior parte do livro. Desta obra foi publicada, em 1825, em Londres, uma
edição totalmente em espanhol, traduzida e “enmendada” por um exilado liberal.
140
Em 1821, outro alemão, Böhl de Faber, inclui numerosos romances velhos no I vol.
da sua Floresta.
137
141
Ver, por exemplo, Antonio Sánchez Romeralo, “El romancero oral ayer y hoy: breve historia de
la recolección moderna (1782-1970)”, in Antonio Sánchez Romeralo et al., El romancero hoy: Nuevas
fronteras, Madrid, Editorial Gredos, 1979, p. 17.
138
Desta colecção escreveu Wolf: “Depping ha alcanzado [...] el mérito de haber sido el primero en
dar un romancero completado, ordenado y que abarca todos los géneros principales, habiéndola hecho mas
accesible á un más amplio círculo de lectores por su introducción y sus notas” (Historia de las literaturas
castellana y portuguesa, cit., II, p. 89). Pidal, embora tendo sobre a obra de Depping uma opinião muito menos
entusiástica, não deixa de lhe fazer justiça, e dela diz que é um “trabajo de no mucha erudición ni mucha
diligencia, pero que muestra cómo en adelante será ya imposibile la inveterada confusión crítica de varios
géneros romancísticos” (Romancero hispánico, cit., II, p. 255).
139
“Die Spanier haben sich unter allen Völkern durch den übergrossen Vorrath ihrer Romanzen
ausgezeichnet” (Ch. [sic, por G., de Georg] B. Depping, Sammlung der besten alten spanischen historischen,
ritter- und maurischen Romanzen, geordnet und mit Anmerkungen und einer Einleitung versehen von...,
Altenburg und Leipzig, F. A. Brockhaus, 1817, p. xi).
140
G. B. Depping, Colección de los más célebres romances antiguos españoles, históricos y
caballerescos, publicada por... y ahora considerablemente enmendada por un español refugiado, Londres, 1825
[ver Peers, op. cit., I, p. 131; Pidal (op. cit., II, p. 255, nota 29) identifica o “refugiado” como sendo Vicente
Salvá]. Uma nova ed. em espanhol saiu em 1844-46 (3 vols.), preparada por Depping, que a aumentou quase
em metade, e que foi “la más rica colección de romances que hasta ella se poseía” (Wolf, Historia, cit., II, p.
89).
141
Ver Juan Nicolás Böhl de Faber, Primera parte de la floresta de rimas antiguas castellanas,
ordenada por Don ..., Hamburgo, En la librería de Perthes y Besser, 1821. Os romances velhos formam grande
parte da secção intitulada “Romances” que ocupa as pp. 244-264. Na secção com o mesmo título que se
encontra nas pp. 243-384, porém, os romances são todos cultos.
61
Traduções Inglesas, Alemãs e Francesas de Romances Espanhóis
Quanto a traduções de romances para outras línguas, várias se vão fazendo nas
últimas décadas do séc. XVIII, sobretudo em Inglaterra. Tudo parece começar com duas
versões de romances novos (extraídos das Guerras Civiles de Granada, de Pérez de Hita)
142
que Percy inclui nas suas Reliques,
“as a specimen of the ancient Spanish manner, which
resembles that of our English bards and minstrels”.
143
No prólogo que acompanha os textos,
o autor frisa que “the Spaniards have great multitudes of them [i. e. romances], many of
which are of the highest merit”, e informa que as traduções que aqui oferece são “from a
small collection of pieces of this kind, which the Editor some years ago translated for his
amusement when he was studying the Spanish language”.
144
Tal colecção existiu, de facto, e
esteve mesmo para ser editada anos depois das Reliques, em 1775, embora, por razões
ignoradas, não tenha chegado a sair, tendo sido publicada apenas em 1932.
Às traduções de Percy seguem-se, até finais do século, outras
146
145
avulsas, devidas a
vários autores, como o hispanófilo e lusófilo Southey, mas é preciso esperarmos por 1801
147
para encontrarmos um livro inteiro com romances traduzidos: as Ancient Ballads de Rodd,
autor que, em 1812, publica novo livro em parte ocupado por romances.
142
143
144
145
148
Ver Percy, Reliques, cit., I, pp. 334-342.
Op. cit., I, p. 332.
Op. cit., I, pp. 331 e 332.
Ver Thomas Percy, Ancient Songs Chiefly on Moorish Subjects translated from the Spanish by...,
with a preface by David Nichol Smith, Oxford, Oxford University Press, 1932. Inclui a tradução de 7
romances, todos extraídos das Guerras Civiles de Granada.
146
Sobre as traduções de romances espanhóis na Grã-Bretanha, ver Erasmo Buceta, “Traducciones
inglesas de romances en el primer tercio del siglo XIX. Notas acerca de la difusión del hispanismo en la Gran
Bretaña y en los Estados Unidos”, Revue hispanique, LXII, nº 142 (décembre 1924), pp. 459-555; Shasta M.
Bryant, The Spanish Ballad in English, Lexington, The University Press of Kentucky, 1973; e Diego Saglia,
“British Romantic Translations of the ‘Romance de Alhama’ and ‘Moro Alcaide’, 1775-1818”, Bulletin of
Hispanic Studies, LXXVI (1999), pp. 35-56.
147
Thomas Rodd, Ancient Ballads from the Civil Wars of Granada and the Twelve Peers of France,
London, J. Bonsor, 1801.
148
History of Charles the Great and Orlando,[...] Together with the most celebrated ancient Spanish
ballads relating to the twelve peers of France, mentioned in Don Quixote, London, 1812, 2 vols (ver Erasmo
Buceta, art. cit., p. 462).
62
Seguem-se-lhe outras traduções avulsas, de vários autores, alguns famosos por
motivos diferentes, como Byron, Lewis ou Scott, e duas grandes colecções: a de Lockhart,
em 1816,
149
e a de Bowring, em 1824.
150
Entretanto, na Alemanha, Herder, que parece ter tido o primeiro contacto com os
romances através das Reliques de Percy, inclui várias versões (todas do romanceiro novo)
nos Volkslieder, escrevendo mesmo que “os romances espanhóis são as mais simples, as
mais antigas e, em geral, a origem de todas as baladas”.
151
Alguns anos depois, o mesmo Herder traduz 70 romances do Cid da colecção de
Escobar (na sua grande maioria a partir duma versão francesa em prosa, publicada em
152
1783),
formando uma espécie de biografia do herói castelhano. Essa tradução começou a
sair numa revista em 1803, mas só foi publicada completa, e em volume, em 1805.
153
Levado
talvez por essas recentes leituras, Herder escreve, em 1803, naquele que parece ser o seu
último artigo (morrerá em Dezembro do mesmo ano): “La storia del Cid [...] nelle sue
romanze è così ricca di scene eccellenti, di sentimenti e d’ insegnamenti nobili come (oso
dirlo?) Omero stesso”.
154
Outro alemão, Hegel, influenciado precisamente pela leitura do Cid de Herder,
escreve as seguintes palavras, que se tornaram célebres:
O que esta flor poética [i. e., o tema do Cid] foi para o heroísmo nacional de
Espanha e da Idade Média, exprimiu-o ela, em primeiro lugar, no poema do
Cid, numa série de narrações chamadas romanceiros que Herder deu a
conhecer à Alemanha. É um colar de pérolas, uma série de quadros
149
A primeira edição parece ter o título de The Spanish Ballads, e ter saído em Londres; na maioria
das reedições (teve 11!), a obra chama-se Ancient Spanish Ballads (ver Bryant, op. cit., p. 28).
150
John Bowring, Ancient Poetry and Romances of Spain, London, Taylor and Hessey, 1824 (ver
Bryant, op. cit., p. 30).
151
“Die spanischen Romanzen sind die simpelsten, ältesten und überhaupt der Ursprung aller
Romanzen” (Herder, Stimmen der Völker in Liedern. Volkslieder, cit., nota a Zaid und Zaida, p. 26).
152
Sobre as origens da tradução de Herder, ver J.-J.-A. Bertrand, “Herder et le Cid”, Bulletin
hispanique, XXIII (1921), 181-210.
153
Der Cid. Geschichte des Don Ruy Diaz, Grafen von Bivar nach spanischen Romanzen.
Consultámos a edição incluída nas Sämmtliche Werke de Herder (dirigidas por Berhard Suphan), vol. 28:
Poetische Werke, heraugegeben von Carl Redlich, Berlin, Weidmannsche Buchhandlung, 1884, pp. 399-546. A
obra não tem nenhum prefácio de Herder.
154
Ver Parvopassu e Rizzuti, “A salti e lanci”, cit., p. 274.
63
perfeitamente acabados, mas que se relacionam entre si a ponto de formarem
um todo sólido e coerente; animados do espírito cavalheiresco, são ao mesmo
155
tempo uma expressão da nacionalidade espanhola.
Por essa altura, Friedrich Schlegel, nas famosas conferências que, em 1812, deu em
Viena, afirma claramente que “ these romances [de Espanha] [are] more charming, to my
fancy, than those in any other living tongue”.
156
Além disso, estabelece, tal como vimos fazer
a Grimm, uma comparação com as baladas inglesas (apreciadíssimas naquela época), mas,
ao contrário do seu compatriota, não tem dúvidas em dar a palma de mérito aos romances
espanhóis, por agradarem à totalidade do povo:
the Spaniards have as rich a store of romances as the English; but the preeminence of the former consists in the circumstance that they are not mere
ballads in the more restricted acceptation of the term, a large majority being
both devised and compiled in the epic form, thus presenting equal attractions
to the illiterate and to the educated, since they are at once national in feeling
157
and elegant in tone.
Um pouco mais tarde, em 1821, Dietz publica uma extensa colecção de romances
traduzidos para alemão,
158
já não extraídos do romanceiro novo (como os escolhidos por
Percy ou os do Cid de Herder), mas sim do velho, na linha, portanto, das preferências de
Jakob Grimm.
155
156
Hegel, Estética. Poesia, trad. de Álvaro Ribeiro, Lisboa, Guimarães Editores, 1964, p. 272.
A obra, com o título de Geschichte der alten und neuen Litteratur. Vorlesungen gehalten zu Wien
im Jahre 1812, foi inicialmente publicada em 1815. Uma 2ª ed., revista e aumentada, é a incluída nas
Sämmtliche Werke, Wien, bei Jakob Mainer und Compagnie, 1822, 2 vols. Citamos pela tradução inglesa:
Frederick Schlegel, Lectures on the History of Literature, Ancient and Modern, now first completely translated,
London, Bell & Daldy, 1868, p. 248.
157
158
Trad. inglesa cit., p. 196.
Pidal (op. cit., II, p. 255), além desta obra, menciona outra do mesmo autor, publicada antes
(Altspanische Romanzen, Frankfurt, 1818), mas das suas palavras parece depreender-se que apenas conseguiu
realmente ver a obra de 1821. Pela nossa parte, foi de facto esta última a única que pudemos consultar:
Friedrich Diez, Altspanische Romanzen besonders vom Cid und Kaiser Karls Paladinen, uebertz von... , Berlin,
bei Georg Reimer, 1821.
64
Quanto à França, também aí o romanceiro espanhol era muito admirado. Já em 1782
saíra a tradução avulsa dum romance novo,
159
e, no ano seguinte, como dissemos, aparecera
uma adaptação, em prosa e bastante livre, de 54 romances de Escobar relativos ao Cid.
160
Também sobre o Cid são os romances que, numa tradução mais cuidada, Creuzé de
Lesser publica em 1814.
161
A este autor costuma ser atribuída
162
uma frase tornada célebre,
que (na linha, aliás do que Herder já escrevera) fala, prestigiosamente, do romanceiro como
“une Iiade qui n’a point d’Homère”.
163
De tal frase vem claramente a que Deschamps
escreve, ao que parece antes de 1828: “ces admirables romances espagnols, qu’on a si bien
nommées une Iliade sans Homère”,
164
da qual deve derivar, por sua vez, a frase em que, no
prefácio do Cromwell (1827), Hugo se refere aos “admirables romanceros espagnols,
véritable Iliade de la chevalerie”.
159
165
Saiu na revista Bibliothèque universelle des romans, em Dezembro de 1782 (ver J.-J.-A.
Bertrand, art. cit., p. 185).
160
Saiu também na Bibliothèque universelle des romans, no número de Julho de 1783. A tradução,
anónima, costuma ser atribuída a um tal Couchut, “obscur compilateur” (Bertrand, art. cit., p. 185; uma análise
desta tradução e suas infidelidades pode ser lida neste artigo, pp. 189-194).
161
Creuzé de Lesser, Le Cid. Romances espagnoles imitées en romances françaises par M..., Paris,
Chez Delaunay, Libraire, 1814.
162
163
Ver Pidal, op. cit., II, p. 261, e também a nossa nota seguinte.
Como pudemos pessoalmente verificar, esta frase não está na edição de 1814. Encontrámo-la,
porém, na 3ª ed. da obra (ver A. Creuzé de Lesser, Les Romances du Cid, odéïde imitée de l’espagnol par...,
Paris, Chez Delaunay, Libraire, 1836, p. vii). Nesta edição, aliás, em nota-de-rodapé sobre tal frase (pp. viiviii), Creuzé admira-se de, numa Histoire des poésies homériques, saída em 1831, o autor atribuir essa frase a
Lopez[sic] de Véga[sic], e sublinha que a frase é sua. A ser verdade o que afirma Creuzé, a frase deverá
encontrar-se na 2ª ed. da obra, publicada em data que desconhecemos, a qual não pudemos consultar. Pidal (op.
cit., II, p. 261, n. 37) refere que a atribuição dessa frase a Lope de Vega vem igualmente nos Romances
historiques, de Abel Hugo (1822).
164
Citamos por Émile Deschamps, Études françaises et étrangères, 2e éd., corrigée et augmentée de
plusieurs pièces nouvelles, Paris, Urbain Canel, 1828, p. lx. Como é visível, a obra apresenta-se como uma 2ª
ed., mas não conseguimos noutro lugar nenhuma referência à data da 1ª, a qual também não encontrámos nas
bibliotecas (do mesmo se queixa Pidal, op. cit., II, p. 262, n. 38).
165
Victor Hugo, Oeuvres, II, Bruxelles, Meline, Cans et Compagnie, 1842, p. 13.
65
Renascimento, em Espanha, do Interesse pelos Romances Velhos
Entretanto, em Espanha, as coisas tinham mudado. Sob a influência provável das
colecções de Grimm, Böhl de Faber e Depping e as apreciações favoráveis de vários
estrangeiros sobre os romances do Cid, Martínez de la Rosa, em 1827, ao esboçar uma
história do romanceiro, dá já preferência aos romances históricos. Assim, inspirando-se de
modo claro (e por vezes literal) na caracterização que de cada tipo de romances Quintana,
como vimos, fizera em 1796, Martínez de la Rosa vai inverter a ordem de mérito
estabelecida pelo autor setecentista, e escreve: “s[on] los romances más antiguos los
históricos [...] Después [...] cundió el gusto de los romances moriscos, en que se nota menos
nervio é interés, pero mas gala y lozanía”; por fim, surgem, “los romances pastoriles”, que
têm menos “originalidad y vigor”.
166
É verdade que, ao dar um exemplo de romance
histórico, Martínez de la Rosa não escolhe um romance velho, mas sim um novo, da
colecção de Escobar...
Em 1828, Durán, o primeiro grande organizador espanhol do romanceiro na época
moderna, começa a publicar a sua colecção, cujos últimos vols. (IV e V, 1832) serão em boa
parte dedicados ao romanceiro velho.
167
Porém —sinal do prestígio que os romances novos,
sobretudo os mouriscos, continuavam a gozar— é a estes que dedica o I vol. da série, saído,
como dissemos, em 1828.
168
E, em 1832, entre os vários tipos de romances, ainda mostra
preferir os romances novos.
É um facto que, no início do “Discurso preliminar” que antecede o I vol. da obra,
Durán se desculpa de ter começado a sua colecção pelo fim com a necessidade de agradar ao
público:
Teniendo que transigir con una generacion educada y reglamentada por la
crítica y la filosofía del siglo XVIII [...] empecé mis tareas por las galas de los
166
Citamos pela que julgamos ser a 2ª ed.: Francisco Martinez de La Rosa, Obras literarias, I:
Poética, Paris, En la Imprenta de Julio Didot, 1834, p. 276.
167
Agustin Duran, Romancero de romances caballerescos é históricos anteriores al siglo XVIII [...],
Madrid, Imprenta de Don Eusebio Aguado, 1832, 2 vols.
168
Romancero de romances moriscos, compuestos de todos los de esta clase que contiene el
Romancero general, impreso en 1614, Madrid, Imprenta de D. Leon Amarita, 1828. Seguem-se-lhe dois
volumes dedicados a romances cultos de outros temas: Romancero de romances doctrinales, amatorios,
festivos, jocosos, satíricos y burlescos [...], id., ibid., 1829; e Cancionero y romancero de coplas y canciones de
arte menor, letras, letrillas, romances cortos y glosas anteriores al siglo XVIII [...], id., Imprenta de Don
Eusebio Aguado, 1829.
66
Romances moriscos, antes que por las sencillas y rústicas narraciones de los
169
caballerescos é históricos.
Porém, algumas páginas mais à frente, fica bem claro que o romanceiro novo é, na
opinião de Durán, o mais perfeito, facto que, portanto, poderá, no mínimo, ter também
influído no lugar que ele ocupa cronologicamente na sua colecção:
Hasta fines del siglo XVI no adquirió la poesía Castellana aquella rica
inventiva, aquella gala y soltura, aquellas formas libres y fáciles, aquel lujo
de colorido y de estilo, y aquellas dotes que tanto la ensalzaron en Europa
[...]. Entonces se compuso la mayor y mejor parte de los romances del Cid y
los Moriscos, donde nuestros buenos poetas vertieron raudales de
imaginacion y fantasía, probando al mismo tiempo no ignorar el arte de
describir fuerte y vigorosamente, ya los caracteres, ya las costumbres. [...]
Bajo el poderoso influjo de tan grandes ingenios [refere-se a “Lope, Góngora
y sus contemporáneos”] los versos cortos adquirieron toda la flexibilidad y
dulzura que los distingue, y el Romance octosílabo la perfeccion que le hace
apto para espresar digna y convenientemente toda clase de pensamientos, y
170
para adaptarse á todo género de tonos, desde el mas trivial al mas sublime.
Esclareça-se-se que Wolf
171
e Pidal
172
dão total crédito às palavras de Durán que
citámos em primeiro lugar (as da p. vii), e Pidal afirma mesmo que “al fin de su tarea
[Durán] comprende que los romances más interesantes son los que publica en último lugar”.
Ora, no texto de 1832, nada há, pelo menos na referida página, que permita essa
interpretação, a qual, de qualquer modo, seria contrariada pelas passagens que citámos em
segundo lugar (das pp. xxix e xxx). Note-se, ainda, que os termos “galas” (que Durán atribui
aos romances mouriscos) e “sencillas y rústicas” (aplicados aos cavaleirescos e históricos)
permitem uma leitura que pode não ser a de atribuir mais valor à “rusticidade” do que ao
“requinte”, como parecem interpretar Wolf e Pidal, seguindo as teorias românticas alemãs.
169
170
171
172
173
173
Op. cit., p. vii.
Op. cit., pp. xxix e xxx.
Historia de las literaturas castellana y portuguesa, cit., II, p. 98.
Op. cit., II, p. 277.
“Gala”, aliás, é usado por Durán com sentido francamente positivo na frase que extraímos da p.
xxix, onde, como vimos, fala de “aquella rica inventiva, aquella gala y soltura, aquellas formas libres y fáciles,
aquel lujo de colorido y de estilo”.
III
O ROMANCE E OS VERSOS DE REDONDILHA EM PORTUGAL,
DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉC. XVIII
À PRIMEIRA RECOLHA DA TRADIÇÃO ORAL (1823)
O Romance nas Poéticas e Tratados de Versificação
Como é sabido, em Portugal não se fizeram colecções de romances velhos, embora,
desde o séc. XV, haja numerosas provas de eles aqui terem existido e mesmo começado a
tradicionalizar-se bastante cedo, mudando a sua língua (inicialmente o espanhol, claro).
174
Portanto, se quisermos tentar descobrir nas derradeiras décadas do séc. XVIII sinais de
interesse pelo romanceiro, teremos de limitar-nos ao romanceiro artístico, de autor.
Antes de mais, diga-se que, durante o Barroco, o romance é entre nós uma forma
muito usada. Por exemplo, em todos os volumes da Fénix Renascida, colectânea bem
representativa da poesia daquele período, há abundantes romances (sobretudo nos vols. III e
IV).
175
Todos eles são de rima vocálica, e, na sua esmagadora maioria, de versos de 7 sílabas,
pertencendo ao género lírico. Vemos, pois, como a característica narratividade desta forma
poética, intrínseca ao romanceiro velho, tinha entretanto sido praticamente esquecida.
Respondendo a tal profusão de textos, não admira que, numa arte poética bem típica
do Barroco como a de Borralho, encontremos atentas referências ao género.
176
Porém, à medida que o século vai avançando e afirmando-se o Neoclassicismo, os
ventos mudam. Verney, no Verdadeiro Método de Estudar (cuja 1ª ed. data de 1746), ainda
174
Ver Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Romances Velhos em Portugal, [2ª ed.], Porto, Lello &
Irmão, 1980.
175
Ver Mathias Pereira da Sylva (org.), A Fenix Renascida, ou obras poeticas dos melhores
engenhos portuguezes, 2ª ed., aumentada, Lisboa, Na Offic. dos Herd. de Antonio Pedrozo Galram, 1746, 5
vols. (a 1ª ed. é de 1716-24).
176
Ver Manoel da Fonseca Borralho, Luzes da Poesia Descubertas no Oriente de Apollo nos
Influxos das Muzas, Lisboa, Na Officina de Felippe de Sousa Villela, 1724, fundamentalmente, pp. 144-7.
68
refere de passagem o romance algumas vezes, e observa mesmo que, para louvar os homens
ilustres, “na língua portuguesa parece próprio o romance heróico, a canção, tercetos
heróicos, quero dizer, hendecassílabos [i. e., decassílabos, segundo a contagem pós177
Castilho].”
O romance é, pois, claramente colocado no género lírico, e à sua típica
metrificação prefere-se agora o decassílabo clássico, em mais um passo para a
descaracterização do género, o qual, por fim, já só se distingue doutras formas versificatórias
pela modalidade de rima.
Duas artes poéticas que, cronologicamente, se seguem à obra de Verney —a de
Cândido Lusitano (1748)
178
179
e os Elementos de Poetica de Pedro da Fonseca (1765) — pura
e simplesmente não se referem ao romance, sem dúvida por o considerarem uma forma que
nada tem de clássico. O mesmo Fonseca, numa obra posterior (1777), fala da rima vocálica
(e, implicitamente, do romance, ainda que o não designe pelo nome), e não se pode dizer que
tal rima seja elogiada:
Esta rima mereceo grande acceitação entre as sobreditas nações [i. e., Castela
e Portugal], as quaes tem feito della muito uso, em especial nos poemas
narrativos, amorosos, e satyricos; porém as outras ou a desconhecem, ou
180
absolutamente a desprezão.
De notar ainda que no capítulo desta obra dedicado às “composições poéticas em
particular” não há referência aos romances.
Do mesmo ano de 1777 é uma arte poética anónima, que menciona o romanceiro
apenas quando escreve: “os Toantes tem seu uso sómente nos romances”.
177
181
Igual
Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar, ed. organizada pelo Prof. António Salgado
Júnior, II: Estudos Literários, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1950, pp. 269-270.
178
Francisco Joseph Freire, Arte Poetica, ou regras da verdadeira poesia em geral, e de todas as
suas especies principaes, Lisboa, Officcina de Francisco Luiz Ameno, 1748.
179
[Pedro José da Fonseca], Elementos da Poetica Tirados de Aristoteles, de Horacio, e dos mais
Celebres Modernos, Lisboa, Na Off. de Miguel Manescal da Costa, 1765.
180
[Pedro José da Fonseca], Tratado da Versificação Portugueza, Lisboa, Na Regia Officina
Typograhica, 1777.
181
Anónimo, Regras da Versificação Portugueza, Lisboa, Typografia Rollandiana, 1777, p. xx.
69
comportamento mostra, sete anos depois, Couto Guerreiro, que se limita a dizer: “os toantes
[...] entraõ na composiçaõ chamada Romance”.
182
O Romance nos Poetas Arcádicos
A tais posições teoréticas corresponde, na prática literária neoclássica, um desamor
nítido pelo romance. De 11 poetas desta época cujas obras consultámos, cinco não têm
nenhum romance (Filinto,
183
Caldas Barbosa,
187
Bocage ), e três têm um único (Quita,
dois romances,
191
188
184
Tolentino,
Cruz e Silva
189
185
a marquesa de Alorna,
186
e
190
e Curvo Semedo ). Garção tem
embora líricos e em decassílabos; além do mais, numa sátira, este autor
critica o romance, mencionando-o entre vários subgéneros gongóricos, como acrósticos,
enigmas e anagramas.
182
192
No meio de tal semideserto, dois poetas parecem quase prolíficos,
Miguel do Couto Guerreiro, Tratado da Versificação Portugueza, Lisboa, Of. Patr. de Francisco
Luiz Ameno, 1784, p. 40.
183
184
Filinto Elysio, Obras, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1836-40, 22 vols.
[Domingos Caldas Barboza], Viola de Lereno: Collecção das suas Cantigas, offerecidas aos seus
amigos, [I], Lisboa, Na Typografia Rollandiana, 1819; e II, Lisboa, Na Typografia Lacerdina, 1826.
185
186
Nicolau Tolentino de Almeida, Obras, Lisboa, Estúdios Cor, 1969.
D. Leonor d’ Almeida Portugal Lorena e Lencastre, marqueza d’ Alorna, Obras Poeticas, Lisboa,
Na Imprensa Nacional, 1844, 6 vols.
187
Manuel Maria Barbosa du Bocage, Opera Omnia, direcção de Hernâni Cidade, Lisboa, Livraria
Bertrand, 1969-1973, 6 vols.
188
A Ecloga III (Ao Santissimo Natal) é, na sua maior parte, em versos de romance, sendo o resto do
poema em quadras de pentassílabos, de rima cruzada (ver Domingos dos Reis Quita, Obras, 3ª ed., I, Lisboa,
Typographia Rollandiana, 1831, pp. 16-28).
189
Romance. Foi feito por occasião da festa do Jordão, que se celebrou no moesteiro d’ Almoster
(Antonio Diniz da Cruz e Silva, Poesias, IV, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1814, pp. 373-6). É lírico.
190
Conto Epigrammatico (Belchior Manoel Curvo Semmedo, Composições Poeticas, IV, Lisboa,
Na Typ. de Luiz Maigre Restier Junior, 1835, p. 77).
191
Romance I e Romance II (Correia Garção, Obras Completas, texto fixado, prefácio e notas por
António José Saraiva, I: Poesia Lírica e Satírica, Lisboa, Livraria Sá da Costa—Editora, 1957, pp. 255-7 e
257-260).
192
Ver Sátira III, op. cit., I, pp. 233 (v. 8) e 236 (v. 10).
70
romanceiristicamente falando: Xavier de Matos, com quatro romances, todos líricos, um dos
quais em decassílabos,
193
e o abade de Jazente, com sete romances, todos praticamente
líricos, seis deles em decassílabos.
194
Os Versos de Redondilha nos Poetas Arcádicos
Um dos poetas que atrás nos apareceram sem romances, Caldas Barbosa, foi autor
duma curiosa arte poética sobre os heptassílabos e pentassílabos.
195
Ora aí, depois de
discorrer longamente sobre os heptassílabos, aparece uma referência ao romance:
Desta medida de Versos
Ha uns Romances galantes,
Que servem para narrar,
196
E se formão de toantes.
O autor dá, depois, um exemplo dum romance, tirado de O Pastor Peregrino, de
Rodrigues Lobo, e finaliza apresentando a seguinte regra quanto à rima do romance:
193
Ao Terremoto do 1º de Novembro de 1755. Romance heroico (como indica o subtítulo, é em
decassílabos); Aos Annos d’ huma Senhora Contados em Domingo Gordo; Queixas de Albano, Expostas nas
Margens do Mondego, contra as Falsidades, e Mudança de Almena. Romance; e Fazendo hum Anno a
Primogenita dos Excellentissimos Marquezes de Niza. Coplas (João Xavier de Matos, Rimas, nova ed., III,
Lisboa, Typographia da Academia R. das Sciencias, 1827, respectivamente, pp. 164-9, 170-2, 173-8 e 180-2).
194
Abade de Jazente, Poesias, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985: A uns Abrunhos e
Rãs, que se Mandaram a uma Senhora. Romance (pp. 442-5; é lírico, em versos de romance); Ao Terremoto do
Primeiro de Novembro de 1755. Romance fúnebre (pp. 427-432; meio lírico, meio narrativo, em decassílabos);
Aos Anos de Teodoro de Sá Coutinho. Romance hendecassílabo (pp. 279-81; é lírico, em decassílabos); outro
com o mesmo título (pp. 283-7; idem); À Excelentíssima Senhora Condessa d´Alva [...] Romance (pp. 434-6;
idem); Aos Desposórios do Sr. Teotónio Manuel de Magalhães e Azevedo [...]. Romance hendecassílabo (pp.
462-6; idem); e Advertências Morais. Romance (pp. 534-6; idem).
195
Trata-se da Carta de Lereno [nome arcádico de Caldas Barbosa] a Arminda[,] em que se daõ as
necessarias regras dos versos de arte menor, ensinando a conhecer, o que sejaõ consoantes, e toantes; e o que
saõ palavras agudas [,] graves, e esdruxulas &c., in AA. VV., Almanak das Musas. Nova collecção de poesias
offerecida ao genio portuguez, II, Lisboa, Na Officina de Antonio Gomes, 1794, pp. xlvii-lxx. Esta carta não
foi incluída na Viola de Lereno, a colecção de poesias de Caldas Barbosa, atrás citada.
196
Almanak das Musas, cit., II, p. lxvii.
71
[...]
E dos toantes primeiros
Vai sempre continuando
Té chegar aos derradeiros:
E não tem nenhuma rima
Primeiro e terceiro Verso
197
[...]
Como vemos, Caldas Barbosa não só chama “galantes” aos romances como, além
disso, em termos explicativos e exemplificativos, lhes presta mais atenção do que qualquer
uma das restantes artes poéticas neoclássicas. Além disso, repare-se que, para ele, o romance
continua a ser, como no séc. XVI, um poema narrativo e em heptassílabos, longe, portanto,
daquilo em que o romance se tinha vindo a tornar desde o Barroco.
Esta atenção de Barbosa ao romance estende-se, como dissemos aos vários tipos de
composições em versos de redondilha: a quadra,
201
quintilha
e a quadra glosada em quatro décimas.
198
a “redondilha”,
199
a décima,
200
a
202
Sobre os versos de redondilha em si próprios, diz ele:
Só com versos desta casta
Sei que muita gente brilha;
E sendo bem feita, basta
A corrente redondilha.
Este Verso assim cantavel
Mesmo entre o Povo grosseiro
Trouxe Terpsicore amavel
203
Ao som de alegre Pandeiro.
O verso de redondilha (e em especial o de redondilha maior, pois é dele que
Barbosa sobretudo fala nesta Carta) é, portanto, um verso fácil (razão por que o aconselha
197
198
Loc. cit.
A que também chama “quarteto”, e de que fala nas pp. lvi-lvii. Segundo ele, deve rimar em
ABAB. Note-se que é em quadras e sobretudo neste esquema rimático que está escrita a Carta.
199
200
201
202
203
Segundo ele, é o mesmo que a quadra, só que tem o esquema rimático em ABBA (ver p. xlvii).
Ver pp. lviii e lx-lxi.
Ver pp. lix-lx.
Ver pp. lxiv-lxvi.
Op. cit., p. xlix.
72
ao poeta principiante, ante de tomar voos mais altos e compor decassílabos)
204
mas com que
se podem fazer bons poemas, tendo, sublinhe-se, claras ligações com o povo e o canto
popular. Tal ligação é perfeitamente lógica, já que, como é sabido, o cancioneiro tradicional
é, na sua esmagadora maioria, em quadras de heptassílabos.
Este interesse teorético de Barbosa pelos versos de redondilha tem perfeita
correspondência na sua Viola de Lereno, cujos poemas são, em grande maioria, em quadras
de tipo tradicional (i. e., em heptassílabos de esquema rimático ABCB),
205
havendo também
muitas quadras de pentassílabos e igual tipo de rima.
A mesma abundância de heptassílabos, agrupados maioritariamente em quadras de
tipo tradicional, se encontra num poeta que, como Barbosa, pertenceu à Nova Arcádia:
Curvo Semedo.
206
Recorde-se, a propósito, que é deste autor o famoso poema narrativo em
quadras de tipo tradicional O Velho, o Rapaz e o Burro,
207
que, sobretudo através da sua
inclusão em livros escolares, conheceu uma voga que chegou aos nossos dias e lhe concedeu
mesmo a entrada na tradição oral, e não só em português.
204
208
Este poema, bem-humorado e
Ver p. lxviii. Note-se que a esta Carta sobre os versos de arte menor, segue-se, no Almanak das
Musas (pp. lxxi-lxxxvii) uma outra epístola de Barbosa, desta vez sobre o uso dos decassílabos: Carta Segunda
a Arminda, em que se Trata da Composição do Verso Grande, ou de Arte Maior a que vulgarmente Chamamos
Heroico.
205
Não deixa de ser curioso que em nenhum dos poemas dos dois volumes da Viola de Lereno as
quadras sigam a regra rimática (ABAB) que, como atrás deixámos dito, Barbosa estipula na Carta como
própria desta forma poética.
206
Ver qualquer um dos volumes das suas Composições Poeticas: I, Lisboa, Na Regia Officina
Typografica, 1803; II, id., Na Impressaõ Regia, 1803; III, id., ibid., 1817; e IV, id., Na Typ. de Luiz Maigre
Restier Junior, 1835.
207
208
Op. cit., III, pp. 265-8.
Ver o nº Z11 de Manuel da Costa Fontes, em colaboração com Samuel G. Armistead e Israel J.
Katz, O Romanceiro Português e Brasileiro: Índice temático e bibliográfico / Portuguese and Brazilian
Balladry: A thematic and bibliographic index, I, Madison, The Hispanic Seminary of Medieval Studies, 1997.
Às duas versões (portuguesas) ali referidas, podem acrescentar-se outras duas, recentemente publicadas: uma
portuguesa (ver José Carlos Duarte Moura, Contos, Mitos e Lendas da Beira, Coimbra, A Mar Arte, 1996, pp.
49-50), que, embora transcrita como prosa pelo seu colector, é, afinal, em verso, consistindo claramente na
popularização do poema de Semedo; e outra galega (e em galego), embora recolhida dum informante residente
no Brasil [ver Doralice Fernandes Xavier Alcoforado e Maria del Rosário Suárez Albán (orgs.), Romanceiro
Ibérico na Bahia, Salvador, Ba., 1996, nº 3.1.1], que prova ter este texto culto conseguido uma popularidade
transfonteiriça e translinguística que não se suspeitaria.
73
escrito em linguagem simples, é a versificação dum conto popular,
portuguesas.
210
209
de que existem versões
O mesmo autor tem um outro poema narrativo, em quadras de tipo
tradicional, que parece versificação duma anedota.
211
Face a estes casos —a que se poderão acrescentar também os de Bingre
Tolentino,
213
212
e
autores de numerosas quadras de tipo tradicional—, poderá levantar-se a
hipótese de, em certos autores do Neoclassicismo, sobretudo na época final deste,
214
haver
um renovado interesse pela forma versificatória que é também a mais corrente na nossa
tradição oral lírica. Caso se verificasse ser certa tal hipótese —para isso seriam necessárias
209
210
AT 1215, The Miller, His Son, and the Ass: Trying to Please Everyone.
Ver, por exemplo, F. Xavier Ataíde de[sic] Oliveira, Contos Populares do Algarve, [2ª ed.], I,
prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa, Lisboa, Vega, s/ d., p. 191, e J. Leite de Vasconcellos, Contos
Populares e Lendas, org. de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, II, Coimbra, 1966 [na capa
e no colofon: 1969], nº 519.
Poderia, assim, pôr-se a hipótese de Semedo ter, neste poema, enversado um conto que conhecesse
da tradição oral. Não devemos esquecer, porém, que de tal conto existem versões escritas, pelo menos desde
dois autores italianos seiscentistas (Faernus —numa redacção latina— e Verdizotti), sendo sobretudo
conhecida a versão de La Fontaine (fáb. III, 1: Le Meunier, son fils et l’ âne), cujo final (que se afasta do dos
dois italianos) se encontra também em Semedo, o que torna muito possível ser esta a fonte do autor português
(o poema de La Fontaine pode ler-se em Fables, précédées d’ une notice biographique et littéraire et
accompagnées de notes grammaticales et d’ un lexique par René Radouant, Paris, Hachette, 1929, pp. 86-90;
sobre os predecessores de La Fontaine, nomeadamente os dois citados fabulistas italianos, ver, no final do
texto, o comentário de Radouant).
Ainda quanto à pouca possibilidade de uma fonte oral portuguesa estar na base de O Velho, o Rapaz
e o Burro, tenha-se em mente que, no I vol. das Composições Poeticas do mesmo Semedo, existem nove
fábulas em verso, mas todas são aparentemente inspiradas em fontes escritas (Esopo e outros fabulistas
antigos).
211
Conto Epigrammatico, Composições Poeticas, cit., IV, pp. 84-5 (não confundir com o poema de
igual título, no mesmo volume, p. 77, a que antes nos referimos, e constitui um romance).
212
213
214
Francisco Joaquim Bingre, Obras, edição de Vanda Anastácio, II, Porto, Lello Editores, 2000.
Nicolau Tolentino de Almeida, Obras, cit., secção “Quartetos”, pp. 65-155.
Por exemplo, em Garção (nascido em 1724), mais velho, pois, que Barbosa (nascido em 1738) e
Tolentino (1740), e muito mais que Bingre (1763) ou Semedo (1766), são bem poucos os poemas em
heptassílabos e pentassílabos (ver secção “Redondilhas”, Obras Completas, cit., pp. 263-279). A hipótese a
que aludimos no texto inspira-se, na sua maior parte, na apresentada por Vanda Anastácio (ver “Introdução” a
Bingre, Obras, cit., II, p. xix) sobre os poetas da Nova Arcádia, à qual pertenceram todos os antes citados nesta
nota, tirando Garção (talvez o membro mais típico da Arcádia Lusitana) e Tolentino (“independente”).
74
pesquisas bem mais alargadas—, poderíamos, então, dizer que a quadra de heptassílabos
com esquema rimático ABCB representaria, para o Portugal de finais do séc. XVIII e
princípios de XIX, o papel de “forma castiça” que, como vimos, o romance representou na
Espanha coeva. Independentemente de tal hipótese, poderemos desde já adiantar que,
conforme adiante diremos, o heptassílabo e a quadra de tipo tradicional terão, durante o
Romantismo português, uma presença importantíssima, nomeadamente na chamada balada
romântica, que irá estabelecer estreitas relações com o romanceiro.
IV
ELEMENTOS PARA A HISTÓRIA DA RECOLHA E PUBLICAÇÃO
DA LITERATURA ORAL PORTUGUESA
[1821(?) - 1870]
Palavras prévias sobre o corpus
Para compreendermos bem o lugar ocupado pela colecção de romances (e também
pela de canções líricas) formada(s) por Estácio da Veiga, começaremos por traçar o
panorama da recolha e publicação de materiais de literatura oral no nosso país, desde inícios
do séc. XIX até 1870. A primeira destas datas tem a ver, obviamente, com o início do
interesse por tais questões em Portugal; a segunda data é aquela em que foi publicado o
Romanceiro do Algarve, o último escrito de Estácio da Veiga sobre o assunto e ponto de
chegada do seu esforço colector.
Os dados que neste capítulo apresentaremos (assim como no capítulo que mais
adiante dedicaremos à balada romântica) foram colhidos ao longo de vários anos, através da
leitura de umas 150 obras oitocentistas, livros e sobretudo periódicos.
Destes últimos, assinale-se que folheámos mais de 100, na maioria das vezes a sua
colecção completa (ou, pelo menos, toda a que existe na Biblioteca Nacional). Esta nossa
decisão talvez necessite dalgumas palavras de esclarecimento. A presença de tão grande
número de periódicos no corpus deve-se, por um lado, à enorme importância que os jornais e
revistas desempenharam durante o âmbito cronológico deste trabalho e à impressionante
quantidade deles.
215
215
Por outro lado, a atenção que demos à imprensa justifica-se pelo facto de
Tenham-se em consideração os seguintes dados (extraídos de José Tengarrinha, História da
Imprensa Periódica Portuguesa, 2ª ed., revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, p. 141), que
organizámos por anos, indicando, entre parênteses, o número de novos periódicos fundados nesse ano: 1821
(39), 1822 (35), 1823 (33),1824 (6; dera-se a Vilafrancada no ano anterior), 1825 (5), 1826 (48; é promulgada
neste ano a Carta Constitucional), 1829 (6; início do regime miguelista), 1830 (9).
76
ser aí que, em muitos casos, primeiramente (e, tantas vezes, exclusivamente) se publicaram
os textos objecto do nosso estudo. Assim, a leitura dos periódicos coevos permite um
conhecimento muito mais completo dos documentos e um levantamento da sua cronologia
sem dúvida mais correcto. Bem poderemos fazer nossas —embora estendendo-as à imprensa
não estritamente literária, pois que também nela existe muito material importante de e sobre
literatura— as seguintes palavras de Sampaio Bruno:
As revistas literárias [...] são largas sínteses de toda uma época artística, são,
por assim dizer, resumos onde o historiador crítico das literaturas pode, mais
facilmente do que em livros destacados, estudar o renascimento duma
216
literatura.
A consulta de tantos livros e periódicos oitocentistas permitiu-nos a formação dum
extenso corpus, o mais completo que conhecemos, referente à literatura oral (e também à
balada romântica), entre, como dissemos, inícios do séc. XIX e 1870. Este corpus
proporcionará, assim o esperamos, as bases necessárias para o estabelecimento das
panorâmicas que passamos a apresentar.
Depois de 1834 (triunfo do Liberalismo), verifica-se um intenso movimento jornalístico (cf. op. cit.,
p. 152): 1835 (54 novos periódicos), 1836 (67), 1837 (59).
A decadência do Setembrismo (desde 1838), o seu fim (1842), e o período dos governos de Costa
Cabral (1842-1851), com a reeclosão das lutas civis —Maria da Fonte (1846) e Patuleia (1846-47) — têm
consequências negativas na imprensa (cf. op. cit., pp. 157 e 182): 1840 (8 novos periódicos), 1842 (32), 1843
(37), 1849 (36), 1850 (15; é o ano da promulgação da “Lei das Rolhas”, contra a liberdade de imprensa).
Em 1851 (queda do Cabralismo e início da Regeneração) é abolida a “Lei das Rolhas” e publicam-se
39 novos periódicos (cf. op. cit., p. 184). Começa então “um período de grandes facilidades para a Imprensa
[...] No decénio de 1850 a 1859 foi de 35 a média aproximada do movimento anual da criação de periódicos, no
decénio de 1860 a 1869 foi de 67” (loc. cit.).
Mesmo tendo em atenção que muitos destes jornais e revistas tiveram existência efémera (tantas
vezes não passaram do primeiro número), a sua quantidade é enorme, facto que, necessariamente, torna
impossível qualquer tentativa de exaustividade na formação dum corpus de materiais retirados da imprensa,
como é o caso daquele que estabelecemos. De qualquer modo, temos a sensação de ter folheado não só a
totalidade dos jornais e revistas oitocentistas considerados importantes pelos estudiosos da literatura
portuguesa, como também muitos e muitos dos periódicos raramente (ou nunca) citados por esses estudiosos.
216
Cit. por Fernando Guimarães, A Poesia da Presença e o Aparecimento do Neo-Realismo, 2ª ed.,
Porto, Brasília Editora, 1981, p. 127.
77
Para a História da Recolha e Publicação do Romanceiro
O romanceiro não é, no período que nos ocupa, o subgénero de que possuímos o
mais antigo texto recolhido, nem aquele sobre que existem mais items publicados.
217
Porém,
sendo o tema desta tese a colecção de romances formada por Estácio da Veiga, pensamos
que se justifica começarmos pelo romanceiro o nosso percurso.
1809
Durante as pesquisas que levámos a cabo, a mais antiga menção ao romanceiro
português da tradição oral moderna que encontrámos está, talvez não surpreendentemente (se
tivermos em atenção o que atrás vimos sobre a importância da baladística na Grã-Bretanha
desde o séc. XVIII), nas páginas dum autor inglês: o lusófilo Robert Southey.
218
De facto, em
1809, no nº 2 da Quarterly Review, Southey publicou um artigo intitulado “On Portuguese
Literature”.
217
219
Aí se diz que “as Balhatas [sic] populares dos Portuguezes achaõ se
Como veremos no capítulo seguinte, o texto mais antigo de que temos conhecimento é uma lenda
(publicada em 1824 por Marianne Baillie, e recolhida em Sintra, entre 1821 e 1823), e o número de items
publicados referentes ao cancioneiro lírico ultrapassa o número dos referentes ao romanceiro.
218
Sobre as relações deste escritor com Portugal, ver Adolfo de Oliveira Cabral, Southey e Portugal.
1774-1801. Aspectos de uma biografia literária, Lisboa, P. Fernandes, S. A. R. L., 1959. Southey visitou por
duas vezes Portugal, e sobre as suas viagens publicou umas Letters Written During a Short Residence in Spain
and Portugal, With Some Account of Spanish and Portugueze[sic] Poetry, Bristol / London, Joseph Cottle / G.
G. and J. Robinson, and Cadell and Davies, 1797. Escreveu, além disso, um diário duma das suas estadias,
postumamente publicado: Journals of a Residence in Portugal (1800-1801) and a Visit to France (1838),
Supplemented by Extracts from his Correspondence, ed. by Adolfo Cabral, Oxford, At the Clarendon Press,
1960. Southey traduziu o Palmeirim de Inglaterra, de Francisco de Morais (1807), e escreveu muitos artigos
sobre assuntos portugueses.
219
Infelizmente, não pudemos ler este artigo no original. Porém, conseguimos uma sua tradução
portuguesa, ao que parece não muito posterior: [Robert Southey], Memoria sobre a Literatura Portugueza,
traduzida do jnglez [sic] com notas illustradoras do texto por J[oão] G[uilherme] C[hristiano] M[üller], s/l.,
s/n., s/d. Inocêncio (Diccionario Bibliographico Portuguez, III, Na Imprensa Nacional, 1859, p. 383) diz desta
obra: “conjecturo [...] que foi impressa em Hamburgo, em 1809”.
78
perdidas”,
220
aventando-se mesmo uma hipótese explicativa para tal desaparecimento: “as
peças de maior antiguidade que existiaõ [na tradição oral], riscaraõse provavelmente da
memoria, pela obstinada guerra que a superstiçaõ
221
fazia aos cantos populares”.
222
1823
Neste ano, Almeida Garrett foi obrigado a exilar-se em Inglaterra, para escapar à
perseguição que lhe era movida em Portugal, devido às suas ideias liberais. Aí contactou
com a literatura romântica, ainda desconhecida entre nós, nomeadamente (como ele próprio
explica) com baladas de autores famosos, mais ou menos inspiradas em baladas tradicionais.
Lembrou-se, então, dos romances que, em menino, ouvira às criadas, e “come[çou] a pensar
que aquellas rudes e antiquissimas rapsodias nossas continham um fundo de excellente e
lindissima poesia nacional, e que podiam e deviam ser approveitadas.
223
Escreveu, então,
para Portugal, pedindo a uma amiga (cuja identidade infelizmente se desconhece) que lhe
recolhesse romances. Essa recolha teve lugar “nas circumvizinhanças de Lisboa”,
220
221
224
e parece
Southey, Memoria sobre a Literatura Portugueza, cit., p. 6.
Refere-se, muito provavelmente, à Igreja Católica (tenha-se presente que é um anglicano quem
escreve).
222
Southey, op. cit., p. 7. O autor tem mais alguns comentários curiosos a respeito do romanceiro
português. Na verdade, explica ele, em Portugal nunca se escreveram romances históricos. Pelo contrário, “os
Espanhões [sic] abundaõ destas poesias, cujo maior numero se refere a suas guerras com os Mouros. As mais
dellas saõ do Seculo decimo sexto, e do principio do decimo septimo”. Ora como nessa época a lembrança das
lutas da Reconquista, terminada em Portugal mais de dois séculos antes do que em Espanha, era aqui já muito
ténue, no nosso país não se escreveram romances sobre este assunto. Os heróis que se poderiam exaltar em
Portugal seriam os das lutas com os Castelhanos, de memória recente; “este porem era hum ponto, sobre o qual
se naõ podiaõ permittir desafogos ao estro dos poetas em hum paiz, que jazia sob lo jugo dos Castelhanos.
Estas circumstancias historicas explicaõ o porque naõ appareceraõ balhatas em Portugal n’ hum tempo, emque
[sic] ellas eraõ a especie predilecta das producções poeticas em Espanha” (loc. cit.). As “balhatas” portuguesas
teriam sido, portanto, anteriores ao séc. XVI, de assunto não-histórico, e, como vimos acima no texto, teriam
desaparecido sem deixar rasto.
223
[Almeida Garrett], Adozinda. Romance, Londres, Em Casa de Boosey & Son e de V. Salva, 1828,
p. xxiii.
224
Romanceiro, cit., I, p. vi.
79
ter constado de “umas quinze rapsodias”,
velhas”.
226
225
sendo informantes “amas-seccas e cuzinheiras
Tal recolha, datável de entre Outubro de 1823
227
e meados de Janeiro de 1824,
228
constitui a primeira que se fez de romances na tradição oral moderna, não só portuguesa mas
pan-ibérica.
225
226
229
Adozinda, cit., p. xxv.
Adozinda, cit., p. xxiv. Ao republicar a “Carta a Duarte Leça” no Romanceiro, I (1843), esta
passagem surge modificada para “amas-sêccas e lavadeiras e saloias velhas” (p. 17). A referência às duas
últimas categorias está perfeitamente de acordo com o facto de a recolha ter sido feito nas “circumvizinhanças
de Lisboa”, a chamada região saloia, de onde, na época (e até bem mais tarde), vinham mulheres até à capital,
buscar roupa para lavar, ou trazendo produtos hortícolas para venda de porta em porta. É possível ainda saber
que uma das informantes da amiga de Garrett foi uma senhora minhota (ver adiante).
227
Garrett chegou a Inglaterra a 13 de Setembro de 1823 e instalou-se em Edgbaston (então nos
arredores de Birmingham e hoje um dos bairros desta cidade), seu primeiro local de exílio, a 27 do mesmo mês
(ver “Viagens e Impressões. Diário da minha viagem a Inglaterra”, in Almeida Garrett, Obras, I, Porto, Lello &
Irmão—Editores, s/ d., pp. 622 e 625). Não nos parece provável que antes do mês seguinte houvesse tempo
para Garrett ler as obras de Scott, etc., pensar nas recordações da infância, escrever à amiga, a carta chegar a
Lisboa e a amiga fazer a recolha.
228
Segundo Gomes de Amorim (ver Garrett. Memorias biographicas, I, Lisboa, Imprensa Nacional,
1881, pp. 330-1), a recolha chegou às mãos de Garrett quando este estava ainda em Edgbaston. Tal foi,
portanto, antes de 26/1/1824, data em que ele deixou essa localidade, passando a residir em Londres (ver
Garrett, “Viagens e Impressões...”, cit., I, p. 630). Mesmo que Amorim se engane, e Garrett tenha recebido os
romances quando já se encontrava em Londres, a verdade é que a recolha terá de ser anterior a Março de 1824.
De facto, neste mês, Garrett partiu de Londres para o Havre, França [ver Amorim, op. cit., I, p. 340;
informação corroborada por documentos publicados por José F. da Silva Terra, “Les Exils de Garrett en
France”, Bulletin des Études Portugaises, N. S., 28-29 (1967-68), pp. 188 e 191]. Ora do Havre escreveu
Garrett a Duarte Leça, pedindo que lhe remetesse, entre outras coisas que deixou ficar em Londres, “uns
romances populares que me tinha mandado uma senhora de Lisboa” (Amorim, op. cit., I, 359).
229
O que atrás deixámos escrito sobre a pioneira recolha da amiga de Garrett é, fundamentalmente,
um resumo do nosso artigo “Nota sobre o Início da Recolha do Romanceiro da Tradição Oral Moderna”,
Boletim de Filologia, XXXII (1988-92), pp. 71-82, que se pode consultar para mais pormenores. Recorde-se
que se tem escrito repetidas vezes que o primeiro colector de romances da tradição oral moderna teria sido
Bartolomé José Gallardo, graças aos três romances que, em 1825, recolheu em Sevilha [ver, por exemplo,
Antonio Sánchez Romeralo, “El romancero oral ayer y hoy: breve historia de la recolección moderna (17821970)”, in Antonio Sánchez Romeralo et al., El romancero hoy: Nuevas fronteras, Madrid, Editorial Gredos,
1979, p. 17]. Esta informação errada foi por nós corrigida no artigo atrás citado e, como voltámos a vê-la
repetida em pelo menos outras duas obras, voltámos a corrigi-la mais tarde [ver “‘Alegres nuevas, alegres
nuevas se cuentan de Andalucía’”, Estudos de Literatura Oral, 3 (1997), p. 229]. Infelizmente, a mesma
informação errónea continua a ser divulgada em obras muito recentes [ver, por exemplo, Pedro M. Piñero
80
Dedicaremos em seguida algum espaço à questão (acima já mencionada) da
influência que, segundo o próprio Garrett, a balada escrita britânica e alemã teve no projecto
materializado com a Adozinda. Tais considerações irão fugir ao modo sucinto e de lista
cronológica que o presente capítulo quase sempre assume. Porém, parece-nos que se justifica
o desequilíbrio, digamos, estrutural que vamos introduzir, tendo em atenção a importância
que o facto reveste para a história da recolha do romanceiro em Portugal e, sobretudo, para a
compreensão do movimento (de que a seu tempo falaremos) da balada romântica portuguesa
e, em última análise, de importantes aspectos do Romanceiro do Algarve.
Na introdução da Adozinda, Garrett afirma que a ideia da escrita de baladas que
reversificassem romances tradicionais lhe veio depois de ter lido “os poemas de Walter
Scott, ou, mais exactamente, suas novellas poeticas, as ballades allemans, [e] as inglezas de
Burn” [sic, por Burns].
230
Começando por Scott, vemos que Garrett refere a influência que recebeu das suas
“novellas poeticas”, ou seja, os longos poemas narrativos, de que o autor português, mais à
adiante,
231
cita explicitamente dois: Marmion (1808) e Rokeby (1812). Que estes dois títulos
não são apenas nomes atirados para o ar, mas que Garrett os tinha, efectivamente, lido nessa
época é o que parece indicar o seguinte facto: o poema A Elysa, que serve de prefácio à
Adozinda, tem como epígrafe
232
uns versos de Scott, citados sem indicação do título da obra,
mas que pertencem nem mais nem menos que ao Marmion, mais especificamente à
“Introduction to Canto Third”, est. 7, vv. 1-6.
233
Segundo Lia Correia Raitt —a quem se
234
deve, aliás, a identificação da fonte dessa passagem—,
o Marmion é mesmo responsável
pela existência do mencionado poema que serve de prefácio à Adozinda e pelas
Ramírez, Romancero, Madrid, Editorial Biblioteca Nueva, 1999, p. 43; ou Enrique Baltanás, “Exploración del
romancero tradicional moderno en Andalucía. I”, in Pedro M. Piñero Ramírez et al. (orgs.), La eterna agonía
del romancero. Homenaje a Paul Bénichou, Sevilla, Fundación Machado, 2001, p. 388].
230
231
232
233
Adozinda, p. xxiii.
Op. cit., p. xv.
Op. cit., p. 1.
Ver Marmion, in Sir Walter Scott, The Poetical Works of ..., with all the copyright introductions,
extra notes, various readings, and annotations, edited by J. G. Lockhart, Edinburgh, Adam and Charles Black,
1869, p. 98.
234
Ver Lia Noémia Rodrigues Correia Raitt, Garrett and the English Muse, London, Tamesis Books
Limited, 1983, p. 79. Embora não indicando a sua exacta situação dentro do Marmion, foi esta autora, tanto
quanto sabemos, a primeira pessoa a identificar esta obra como a fonte dos referidos versos.
81
características dele, pois cada um dos cantos do Marmion é “introduced by one or more
stanzas of a musing and descriptive character, addressed to Scott’s friends”.
235
Não é impossível que, no respeitante ao modelo constituído pela obra de Scott,
Almeida Garrett tenha sido influenciado não apenas pelas “novellas poeticas” mas também
pelos vários poemas inspirados em baladas orais escritos pelo poeta escocês e por amigos
seus que ocupam o IV vol. do Minstrelsy, sob o explícito título geral de “Imitations of the
Ancient Ballad”. O influxo destes poemas parece até mais visível que o das “novellas
poeticas”, se tivermos em conta que os “romances reconstruídos” de Garrett, a começar pelo
Romance de Bernal e Violante (publicado na Adozinda), são quase todos eles poemas curtos,
de tamanho comparável ao das “imitations”. Mesmo a Adozinda ou a Miragaia (os mais
longos dos “romances reconstruídos”) são muitíssimo mais curtas que o Marmion, o qual
deve ter cerca de quatro vezes mais versos que a Adozinda.
É verdade que o Minstrelsy é referido por Garrett pela primeira vez apenas em
236
1843,
numa passagem relacionada, para mais, com uma época posterior à da publicação da
Adozinda, talvez ao ano de 1829.
237
No entanto, o facto de não mencionar essa obra antes não
significa, claro, que Garrett não a tenha lido nos anos 1824-25. Além disso, tal leitura nem
teria sido necessária: bastaria que Garrett tivesse contactado (como o nome de Burns permite
concluir) com o movimento da balada literária anglo-escocesa. Tal movimento,
238
a que já
nos referimos de passagem ao falar da influência das Reliques, conheceu, sobretudo em
consequência da obra de Percy, uma grande amplitude e é o responsável pela existência de
numerosas baladas, mais ou menos inspiradas nos modelos populares. É possível determinar
que, antes de 1828, ou seja, antes da publicação da Adozinda, existiam publicadas pelo
menos 227 baladas literárias,
239
devidas a nomes tão importantes como Swift, Gay, Pope,
Goldsmith, Blake, Burns, Wordsworth, Scott, Southey, Lewis ou Byron.
235
236
Lia Correia Raitt, loc. cit.
Garrett designa-a como “a [collecção] das fronteiras de Scocia por Sir Walter Scott” (Romanceiro
e Cancioneiro Geral, I, Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim. Úteis, 1843, p. ix).
237
238
Cf. op. cit., pp. v-ix.
Sobre este movimento, além de The Twilight of the British Literary Ballad, de Yamanaka, atrás
citado, consulte-se G. Malcolm Laws, Jr., The British Literary Ballad. A Study in poetic imitation, Carbondale
and Edwardsville, Southern Illinois University Press, 1972.
239
Número conseguido através dos dados incluídos no Apêndice III da obra de Yamanaka, pp. 338-
351, que consiste numa “List of Literary Ballads”, a mais completa que conhecemos (a obra de Laws inclui
82
Claro que, na sua maioria, esses poemas não parecem ser a reversificação de baladas
tradicionais, mas sim obras totalmente devidas à imaginação dos autores, que da tradição
apenas aproveitaram a metrificação e certos temas e ambientes. Portanto, não poderia ser
esse subgénero literário a servir de modelo a Almeida Garrett, o modelo que chamou a sua
atenção para as “antiquissimas rapsodias nossas [, que] continham um fundo de excellente e
lindissima poesia nacional, e que podiam e deviam ser approveitadas”. E, como se sabe, foi
isso que ele fez na Adozinda propriamente dita e no Romance de Bernal e Violante. No
entanto, é preciso não esquecer que uma parte dessas baladas literárias constitui, de facto, a
reversificação de versões tradicionais. Infelizmente, os autores que pudemos consultar,
embora refiram, de passagem, esse facto, não lhe dedicam uma atenção particular, limitandose, quando falam mais pormenorizadamente desta ou daquela balada escrita (e, como vimos,
o corpus é enorme), a referir que ela é reversificação dum texto oral. De qualquer modo,
graças a essas referências esparsas, foi-nos possível determinar que, até 1828, há, pelo
menos, na Grã-Bretanha, 9 baladas cujos autores reversificam versões tradicionais.
240
E entre
esses textos há alguns famosíssimos na época, devidos a Godsmith, Scott ou Burns.
Burns é, aliás, um dos autores cujo exemplo, como vimos, Garrett explicitamente
menciona, como sendo um dos que seguiu. De notar, é verdade, que (ao contrário do que faz
com as “novellas poeticas” de Scott) Garrett não especifica nenhuma das poesias do autor,
referindo apenas, em geral, “as ballades [...] inglezas de Burn”. Talvez Almeida Garrett não
tivesse grande familiaridade com a obra de Burns, que, aliás, não escreveu propriamente em
inglês, mas no dialecto anglo-escocês das Terras Baixas. Essa possível pouca familiaridade
explicaria, aliás, o facto estranho de o nome do autor escocês surgir mal escrito (sem “s”)
não só em 1828, mas inclusive muitos anos depois, quando a introdução da Adozinda foi
reproduzida, com alterações, no I vol. do Romanceiro, em 1843.
241
No entanto, para levar
Garrett a olhar para os romances portugueses como uma matéria-prima digna de ser
aproveitada, poderia perfeitamente ter bastado a fama —aliás merecidíssima— que Burns
gozava de se inspirar em textos orais.
242
também uma lista, mas bastante menos rica, nomeadamente quanto à época anterior a 1828, a que mais nos
interessava).
240
241
242
Ver Yamanaka, op. cit., pp. 11 e 40, e Laws, op. cit., pp. 27, 30, 33 e 34.
Ver Romanceiro e Cancioneiro Geral, I: Adozinda e outros, cit., p. 16.
“Much of his best work [...] was done in an antiquarian spirit, as an attempt to save folksong from
extinction. But it is not easy to distinguish his editorial work from his original, creative work. He had three
methods of composing: first, he would ‘edit’ and polish up songs that came to him in a more or less complete
83
Por último, além de Scott e de Burns, Garrett refere também, como vimos, a
influência modélica das “ballades allemans”. Na introdução da Adozinda, diz-se apenas
assim, sem indicação de nome dum autor em especial. Porém, ao ser republicado esse texto
em 1843, tal passagem torna-se: “as ballads allemans de Bürger”.
243
Como se sabe, Bürger
foi autor de baladas mais ou menos inspiradas em crenças populares, que se tornaram
celebérrimas por toda a Europa. Na altura em que saiu a Adozinda, nenhuma dessas baladas
estava traduzida para português (a primeira seria a Lenore, vertida em 1834, por
Herculano).
244
Porém, o facto de Garrett ter mencionado o nome de Bürger apenas em 1843
não significa, necessariamente, que, em 1828, ao aludir às “ballades allemans” sem outra
especificação, ele apenas tentasse exibir conhecimentos que, afinal, não teria. Na verdade,
nas épocas em que viveu em Inglaterra (1823-24 e 1828-32), Almeida Garrett poderá
perfeitamente ter lido alguma das baladas de Bürger em tradução inglesa, e, dada a fama de
que elas gozavam, é muito possível que o tenha feito. Basta dizer que, antes de 1828, e
limitando-nos a edições em livro (deixando de lado, portanto, as revistas), havia seis
traduções inglesas diferentes da Lenore (a começar pela que se devia a Walter Scott,
245
a
qual, aliás, foi o primeiro texto com que o autor escocês saiu a público), três traduções de
Der Wilde Jäger
246
247
e duas de Des Pfarrers Tochter von Taubenhain.
1828
state; secondly, he would construct a whole song around a few fragmentary verses; and thirdly, he would write
an entirely new song to a tune that was running in his head” (M. J. C. Hodgart, The Ballads, London,
Hutchinson University Library 1964, p. 109).
243
244
Op. cit., p. 16.
Burger[sic], Leonor[,] romance, trad. de A[lexandre] H[erculano], Repositorio Literario, nº 5
(15/12/1834), pp. 38-40.
245
The Chase, and William and Helen: Two ballads, Edinburgh, Manners and Miller, 1796. William
and Helen é o título que Scott dá à Lenore.
246
247
A primeira dessas traduções, feita por Scott, está incluída no opúsculo referido na nota anterior.
A lista das traduções inglesas destas baladas poderá obter-se combinando as indicações contidas
em The National Union Catalogue. Pre-1956 imprints, London, Mansell, vol. 83, 1970, pp. 126-132, com as
fornecidas por Evelyn Jolles-Neugebauer, “Ein Bestseller auf dem englischen Litteraturmarkt: Bürgers
(wiedergänger-)Ballade Lenore (1774)” in Sigrid Rieuwerts e Helga Stein (orgs.), Bridging the Cultural
Divide: Our common ballad heritage, 28 internationale Balladenkonferenz der SIEF-Kommission für
Volksdichtung in Hildesheim, Deutschland, 19-24 Juli 1998, Hildesheim / Zürich / New York, Georg Olms
Verlag, 2000, pp. 196-220.
84
Garrett publica os primeiros textos de romances da tradição moderna portuguesa (e,
acrescente-se, da tradição moderna ibérica em geral): na “Carta” introdutória e nas notas do
poemeto Adozinda, transcreve uma versão de Bernal Francês + Aparição,
+ Delgadinha,
249
250
e quatro versos (curtos) duma Infantina.
parece provir de Lisboa ou seus arredores,
duma informante minhota.
252
251
248
outra de Silvana
O Bernal Francês + Aparição
e Garrett afirma que a Silvana + Delgadinha é
Os textos não evidenciam especiais retoques, parecendo, pelo
contrário, muito próximos do estilo tradicional.
253
Os dois romances que Garrett publica serviram-lhe de base para escrever dois
poemas originais que neste livro de 1828 se publicam e são a razão de ser da obra: a
248
Adozinda, cit., pp. xxvi-xxxii. A versão traz o título de “Romance de Bernal Francez, segundo o
canta o povo, por tradição oral antiquissima”.
249
250
251
Op. cit., pp. 107-113. Tem o título seguinte: “Chacra ou romance de Sylvana”.
Op. cit., p. 120.
Tenha-se, de facto, em atenção o que atrás dissemos quanto à geografia da recolha de 1823.
Sobre a presente versão em particular, escreveu Garrett: “Quando sôbre ésta simples tela [o romance
tradicional Bernal Francês] bordei o pequeno poema que se publicou em 1828 com a Adozinda, o original de
que me servi era muito mais imperfeito e cheio de lacunas, e unicamente fôra copiado da licção vulgar da
Extremadura” (Romanceiro, II, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1851, pp. 120-1). Lisboa (e a zona saloia)
pertencem, como se sabe, à antiga província da Estremadura.
De sublinhar que já em 1828 Garrett devia possuir pelo menos outra versão de Bernal Francês além
da que publica. É o que se depreende da pequena lista de variantes incluída no fim do texto que saiu na
Adozinda, e, sobretudo, das variantes dos vv. 5 e 27, as quais são inconciliáveis com os versos que, no texto
adoptado, as antecedem.
252
“A cópia de que me servi quando pela primeira vez o publiquei [o romance da Silvaninha] em
1828, como fundamento e illustração da ‘Adozinda’ tinha sido obtida em Lisboa pelo paciente zêlo de uma
menina da minha amizade, que ia escrevendo no papel o que ora lhe cantava ora lhe rezava um criada velha da
provincia do Minho, há muito anno aqui [em Lisboa] residente” (Almeida Garrett, Romanceiro, II, cit., pp. 989).
253
Garrett parece mesmo não se ter achado com autoridade para, construindo ele próprio alguns
versos, colmatar uma clara lacuna do texto que publica. De facto, entre uma pergunta da mãe de Sylvana e
outra fala da mesma personagem (que imediatamente se segue àquela), Garrett pôs duas linhas de asteriscos e,
em nota de rodapé, escreveu: “Aqui ha visivelmente uma lacuna: falta a resposta ou explicação da filha” (p.
108).
85
Adozinda propriamente dita e o Romance de Bernal e Violante.
254
Este era, segundo ele, o
modo de reformar a poesia portuguesa, que há séculos se limitava a copiar os modelos
greco-latinos e tinha esquecido os modelos nacionais, que deveriam inspirar a literatura, e
garantiam a sua vitalidade. Esse aproveitamento literário das tradições próprias era levado a
cabo por toda a Europa, e era preciso que Portugal também o pusesse em prática.
255
Quanto
às versões tradicionais, pareceria que Garrett as transcreve na Adozinda sobretudo com uma
finalidade didáctica: a de explicar o processo de criação literária que adoptou, e que outros
poderão (deverão) imitar. Esse motivo transparece bem nas palavras que dirige a Duarte
Leça, antes de lhe dar a conhecer o Romance de Bernal e Violante:
para lhe dar uma amostra do modo por que o fiz [a criação de poemas novos,
“arranjando” e “vestindo” romances tradicionais], aqui lhe copio um
[romance tradicional] dos mais curiosos, ainda que não dos menos
256
estropiados, e com elle o remoçado ou enfeitado por mim.
E, falando depois sobre a Adozinda, é ainda mais claro: “Mando-lhe aqui tambem
uma cópia do romance original para ver e conbinar”.
257
A ideia de transcrever a versão tradicional juntamente com o “romance
reconstruído” poderá ser produto de influência britânica. Como atrás vimos, houve vários
casos de baladas literárias inglesas que consistiam na reversificação de baladas tradicionais.
254
O segundo destes poemas tem o subtítulo seguinte: Imitado de uma cantiga popular
antiquissima, e no mesmo stylo.
255
Escreve Garrett: “Estimulava-me a leitura dos muitos ensaios [entenda-se: poemas inspirados em
tradições populares] estrangeiros que em materias quasi similhantes encontrava todos os dias em Inglaterra e
França, mas principalmente em Allemanha” (pp. xxiii-xxiv). Sobre o que poderiam ser tais poemas ingleses e
alemães (e também escoceses), já atrás falámos. Quanto à poesia desse tipo em França, é provável que Garrett
se esteja aqui a referir aos poetas do chamado “genre troubadour”, movimento de carácter medievalista do qual,
bastante mais tarde, Garrett (Romanceiro, I, p. xvi, e II, p. 154) citará Millevoye e o “mais admirado poema”
deste sobre a lenda dos amores entre Éginard, secretário de Carlos Magno, e a filha do imperador (ver Emma et
Éginard, in Millevoye, Oeuvres, précédées d’une notice par M. Sainte-Beuve, Paris, Garnier Frères, LibrairesÉditeurs, s/ d., pp. 283-296). Sobre o movimento “troubadour” (que, além da poesia narrativa e da lírica,
abrange também romances, novelas e dramas), ver Henri Jacoubet, Le Genre Troubadour et les origines
françaises du Romantisme, Paris, Société d’ Édition “Les Belles Lettres”, 1929.
256
257
Adozinda, p. xxv.
Op. cit., lii.
86
Ora, pelo menos num desses casos sabemos que o poema foi publicado na companhia do
texto que o inspirara. Com efeito,
In the handsome folio volume of poems published by Matthew Prior in 1718
was printed the “Not-Browne Maide”, not for its own sake, but for the sake of
a piece called “Henry and Emma”, an extremely loose paraphrase of it, that
the reader might see how magic was Mr. Prior’s touch, who could transmute
258
so rude an effort into a work so finely polished.
Não nos foi possível saber se essa transcrição foi ou não um caso isolado, e se,
portanto, como poderia parecer, também nesse aspecto a Adozinda é fruto dum modelo
britânico. Porém, seja como for, o observado para Prior aplica-se perfeitamente também ao
autor português: a transcrição das versões originais por parte de Garrett põe em relevo o
trabalho que deu escrever os “romances reconstruídos”, de modo a que neles não houvesse a
“rudeza” a que o leitor arcádico não estava habituado, e tornando a poesia popular uma
poesia digna de ser lida pelos cultos. Aliás, em A Elysa (poema que serve de prefácio à
Adozinda), Garrett escreve sem rebuço:
Eu a canção magoada
Em verso menos rude,
Mais moldado verti, dei novo córte
Ao vestido antiquissimo, á simpleza
Que ha seculos lhe deu
De nossos bons maiores a rudeza.
259
E, claro, assim se explica melhor por que é que, além disso, a transcrição, em 1828,
das versões originais foi feita de modo muito próximo da tradição oral: tal facto ajuda a
realçar ainda mais o “romance reconstruído”, o único texto que parece estar aqui,
verdadeiramente, de direito próprio (e foi sem dúvida o que também achou O Correio das
258
John W. Hales e Frederick Furnivall, Bishop Percy’s Folio Manuscript: Ballads and romances,
edited by..., assisted by Prof. Child, London, Trübner, II, 1868, p. xiii.
259
Op. cit., p. 11.
87
Damas, quando, em 1836, republicou esse “romance reconstruído” — mas não o texto
tradicional).
260
Note-se, porém, que em determinada passagem da carta-prefácio da Adozinda,
encontramos já um embrião do interesse “científico” pelo romanceiro, pela poesia oral em si
própria, que só bastante mais tarde (cerca de 1842, como veremos) irá suplantar no
pensamento garrettiano o interesse “literário” por esse género tradicional, afastando a visão
do romanceiro como simples matéria-prima para o fabrico de poemas originais. Referimonos à passagem em que Almeida Garrett explica que a sua primeira ideia, que ainda não
pudera realizar, era a de
fazer uma colleção d’ estes romances assim [o “assim” refere-se ao Romance
de Bernal e Violante, que transcrevera imediatamente antes] remoçados e
ornados com os enfeites singelos porêm mais symetricos da moderna poesia
romantica, e publicá-la com o título de Romanceiro portuguez, ou outro que
tal, para conservar um monumento de antiguidade litteraria tam interessante e
de que talvez so a lingua portuguesa, entre as cultas da Europa, careça
261
ainda.
Se é verdade que o aspecto dos poemas assim obtidos acabaria por ser o dos
“romances reconstruídos” do género da Adozinda, também não deixa de ser verdade que
nesta frase encontramos já a ideia de que a poesia tradicional é “interessante” por si própria,
e como tal merece ser “conservada”, até porque, subentende-se, corre o risco de se perder.
1829
Mais uma vez em Inglaterra, surge nova referência ao romanceiro português: numa
obra sobre o nosso país, William M. Kinsey, além de outros comentários interessantes
,262
escreve, a propósito da recolha de romances que está na base da Adozinda:
260
J. B. L. d’ Almeida Garrett, Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular
antiquissima, e no mesmo estylo, O Correio das Damas, I, nº 22 (15/11/1836), pp. 173-176.
261
262
Op. cit., xlvii-xlviii.
Kinsey viveu em Portugal em 1827 e sobre a sua estadia escreveu Portugal Illustrated, by the
d
Rev . W. M. Kinsey, s/ l., s/ n., 1828. A 2ª ed. desta obra (Portugal Illustrated; in a Series of Letters by the
Rev. W. M. Kinsey, 2nd ed., London, Treuttel and Würtz, 1829) é aumentada em relação à 1ª, e inclui a mais
(pp. 525-564) uma “Brief Review of the Literary History of Portugal” (datada de Londres, 1829) a qual,
segundo explica, é baseada em materiais fornecidos por “several Portuguese literati [...] and mainly [...] by our
88
263
The writer in the Quarterly Review [...] has remarked that the popular
ballads of the Portuguese have perished. What a debt, therefore, shall we owe
264
to Mr. Almeida Garrett, if by his assiduity they can be recovered!
De notar que mais ou menos pela mesma época em que Kinsey leu a Adozinda (ou
Garrett lhe referiu a existência dela), Southey leu-a também e, em consequência, escreveu a
John Adamson, amigo de Garrett, dizendo que lhe pareciam antiquíssimos os poemas
tradicionais ali incluídos (Bernal Francês e Delgadinha), talvez mais ainda do que “aquellas
canções irlandezas que elle até alli tivera na conta de serem os vestigios mais antigos de toda
a poesia popular das nações do oeste da Europa”.
265
1832
Costa e Silva publica uma versão da Donzela Guerreira, em que, seguindo o
modelo de Garrett, se baseara para escrever um longo poema narrativo.
266
O texto está
retocado, inclusive com acrescento de versos. Ao contrário do que já muitas vezes se
escreveu (a começar por T. Braga), não há qualquer certeza de este texto ser de Goa.
267
Recolhidos por Costa e Silva diz também Braga serem dois fragmentos do Conde
Alarcos que o autor micaelense publicou em 1906, um deles apresentado igualmente como
ingenious and enlighted friend, the Chevalier de Almeida Garrett” (p. 495). Nas pp. 560-3, trata das obras de
Garrett, e diz nomeadamente: “Latterly a refugee in London, the Chevalier de Almeida Garrett has published a
little poem, entitled ‘Adozinda’, proceeded by an essay on the ancient national and romantic poetry of Portugal.
It is singularly interesting for an inhabitant of northern Europe to compare with those of his own region the
traditions, the superstitions, the popular persuasions, and creeds, of the nations of the south; and hence the
value of this archeological treatise. It is, perhaps, the first work of the kind published in this country [i. e., a
Inglaterra] in one of the languages of the south of Europe” (p. 563).
263
Refere-se a um artigo publicado nessa revista em 1809 e que antes citara; trata-se, obviamente, do
artigo de Robert Southey que já mencionámos.
264
265
266
Op. cit., p. 563.
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I, cit., p. 100.
Joseph Maria da Costa e Silva, Isabel, ou a Heroina de Aragom, Lisboa, Impressão Regia, 1832,
pp. xi-xv. A versão está publicada com o título de Romance Original.
267
A origem de tal asserção parece estar no facto de, ao republicar o presente texto no seu
Romanceiro Geral Portuguez (2ª ed., I, Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1906, p. 144-8), Braga ter indicado que
ele era uma “versão de Gôa”. Sobre o motivo desta afirmação, ver adiante nota 272.
89
proveniente de Goa.
268
Ignoramos como terá Teófilo Braga obtido estes textos (o primeiro
dos quais tem visos de retocado), de que não se conhece uma publicação anterior.
269
No ano de 1832 começou a pequena recolha de romances levada a cabo por um Mr.
Pichon, francês residente em Portugal. De tais textos quase nada se sabe, uma vez que o
colector os ofereceu a Garrett, que os usou para a formação das suas versões factícias.
270
1838
Costa e Silva publica uma versão de Bernal Francês + Aparição, em que, mais uma
vez, se inspirara para escrever uma obra original.
271
O texto apresenta, visivelmente, alguns
pequenos retoques. Embora esta versão tenha mais probabilidades de ser de Goa do que a
Donzela Guerreira antes citada, a verdade é que tal não é completamente seguro.
268
269
272
Op. cit., pp. 548-50 e 550- 1. É o primeiro destes textos que Braga informa ser “de Gôa”.
Não é impossível que a estas duas versões do Conde Alarcos se refira Costa e Silva quando, no
prefácio de Isabel, fala dum romance a que dá o título de Conde Galhardo (p. iv): “Entre os Romances que
ambos [ele e o amigo a quem pediu colaboração] podemos coligir, o do Conde Galhardo foi o,[sic] que nas
suas situações dramaticas me desafiou mais o desejo de tractalo; porém a predileçom, que o meu Amigo
mostrava pela heroina de Aragom, fez que eu condescendesse em a compôr primeiro”. É indiscutível que ao
Conde Alarcos se pode aplicar bem a ideia de que as suas “situações dramaticas” são de molde a despertar o
interesse efabulador dum poeta narrativo como Costa e Silva.
270
Ver Romanceiro, I, p. xvi. No caderno manuscrito de Garrett que constitui um estádio anterior ao
da publicação do Romanceiro, há apenas (ao que parece) dois hemistíquios que uma nota à margem assinala
como provenientes da recolha de Pichon (ver Luís Augusto Costa Dias, Os Papelinhos de Garrett. Fontes
inéditas do romanceiro português, Sintra, Câmara Municipal de Sintra, 1988, p. 169).
271
José Maria da Costa e Silva, O Espectro ou a Baroneza de Gaia, Paris, Em Casa de Guiraudet e
Jouaust, 1838, pp. 13-6. Tem o título de Bernal Francez. Romance original.
272
A atribuição que deste texto por vezes se faz à tradição oral goesa baseia-se nas seguintes
palavras de Costa e Silva na introdução de O Espectro: “Ahi vai mais hum romance antigo trajado á moderna e
escolhido entre o grande numero delles, com que nos embalaram e adormeceram no berço. [...] Ignoro quem os
escreveo, e em que tempo; em parte nenhuma apparecem impressos, e a pesar disso, como os poemas d’ Ossian
na Escocia, depositados na memoria, e cantados pelas mulheres, tem-se conservado athe ao presente, e corrido
o Reyno, e conquistas, pois a senhora, de quem recebi alguns, que possuo, os havia aprendido de sua may em
Goa, d’ onde era natural” (p. 5). Costa e Silva, como vemos, não afirma que a versão tradicional que mais
abaixo publica procede de Goa, nem diz que, além dos romances goeses que recebeu da tal senhora, não
90
1839
João Xavier Pereira da Silva publica uma versão do Regresso do Marido do tipo
Bela Infanta.
273
O texto está retocado e foi acrescentado em certos pontos.
274
Note-se que é
apresentado como se fosse um original de Pereira da Silva: é assinado por ele, tem um título
próprio nada popular, e não se fala da sua procedência oral.
A versão da Donzela Guerreira dada a conhecer em 1832 por Costa e Silva é
publicada novamente, desta vez de modo independente, não integrada no poema a que dera
origem. Embora traga o subtítulo de “Velha ballata portugueza”, o texto aparece assinado
por J. M. da Costa e Silva, como se ele fosse considerado o seu autor.
275
Numa das peças de Morais Sarmento, uma personagem refere o título de dois
romances.
276
Sarmento poderia ter conhecido o primeiro desses títulos (Bernal Francês) por
possuía outros. Pelo contrário, em Isabel ou a Heroina de Aragom (cf. p. iv), o autor fala nas “pesquizas dos
[...] Romances” que fez com um amigo que se “offerece[u] pera [o] ajudar”, isto obviamente antes de 1832. Tal
facto mostra que, além dos romances que “recebeu” da senhora goesa (quer o termo “receber” seja usado no
sentido, mais óbvio, de que os textos foram postos no papel pela senhora e depois oferecidos a Costa e Silva,
quer no sentido de que foram recitados pela senhora a ele, que os escreveu) Silva tinha outros, uma vez que
nada permite concluir que o único informante que ele e o amigo conseguiram foi a referida senhora, e estranho
seria que, para recolher dessa única informante, Silva tivesse precisado de colaboração.
273
274
João Xavier Pereira da Silva, O Encontro. Xácara, O Ramalhete, nº 67 (2/5/1839), pp. 129-131.
Os acrescentos de Pereira da Silva reconhecem-se pelo léxico e pela sintaxe não tradicionais e
pelo facto de constituírem quadras cuja rima contraria a assonância habitual da Bela Infanta (á-a e depois –i),
mudando, além disso, de estrofe para estrofe (-eus, -ento, -ores, -ão, etc.).
275
D. Marcos. Velha ballata portugueza, A Vedeta da Liberdade, 26/6/1839, p. 1. No fim, traz a
indicação de ter sido transcrito da Gazeta dos Domingos, jornal que não conseguimos localizar. A fonte última
do texto é, obviamente, o Romance Original incluído em Isabel, ou a Heroina de Aragom, 1832.
276
A passagem em questão é a seguinte:
Que prazer não terei... vendo os pequenos
soltar no meu regaço...! como out’rora!
[...]
contar-lhe[sic] as cantigas do meu tempo,
a xácra do Bernal, da bella Infante,
e as cóplas de Santa Genovéva,
que eu sei todas de cór... [...]
91
duas versões do romance que já havia impressas (a de Garrett e a de Costa e Silva), ambas
com tal nome; o segundo título, porém (Bela Infanta), só pode ter chegado a Sarmento
através da tradição oral, uma vez que a única versão que desse romance existia (publicada,
precisamente nesse ano, por Pereira da Silva) tem um título bem diferente. Note-se também a
alusão a um terceiro poema, provavelmente um romance de cordel de tema religioso.
277
De
sublinhar que esta passagem é posta na boca de Genoveva, uma personagem popular, o que
mostra bem a união entre romanceiro e meio social baixo, que já encontrámos na Adozinda
278
e que (quando se trata de romanceiro e época contemporânea) reaparecerá explicitamente
muitas vezes, como veremos. No caso da peça de Morais Sarmento, parece nítido que a
alusão aos romances visa aumentar a verosimilhança na caracterização da personagem
279
popular.
[Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento, “Henriqueta, ou o Proscrito”,
Revista Litteraria, IV, nº 21 (1839), p. 273]
277
Em português, existe um relato em prosa chamado Historia da Portentosa Vida de Santa
Genoveva, Princeza de Barbante, de que conhecemos três edições (1732, 1758 e 1815). Em todas o texto é
apresentado como tradução (feita pelo Padre Manoel de Coimbra), mas na ed. de 1732 o autor do original é
dado como sendo o “Senhor de Ceriziers”, enquanto nas outras duas edições se diz ser Catharina de Jesus
Maria Joseph Tavares. De qualquer modo, tratando-se dum texto em prosa e, para mais, bastante comprido (a
ed. de 1815 tem 194 páginas), não deve ser a ele que a personagem de Morais Sarmento se refere.
Mais possibilidade teria um Auto (ou Acto) de Santa Genoveva, Princeza de Barbante, de Balthazar
Luiz da Fonseca, de que conhecemos duas edições (1745 e 1853, de 23 e 20 pp, respectivamente). Porém, o
facto de na peça o texto ser designado por “cóplas”, aprendidas “todas de cór”, parece apontar mais para um
texto em verso não muito comprido. O termo genológico usado pode também significar que nesse texto a
língua usada era o espanhol. Ora acontece que existe um romance espanhol, em duas partes, sobre a vida de
Santa Genoveva, que circulou muito em folhetos (ver Agustin Duran, Romancero general, ó coleccion de
romances castellanos anteriores al siglo XVIII, 2ª ed., II, Madrid, M. Rivadeneyra — Impresor — Editor,
1859, nºs 1309-1310; F. Aguiar Piñal, Romancero popular del siglo XVIII, cit., nºs 1807-1811; e J. Caro
Baroja, Ensayo sobre la literatura de cordel, cit., p. 159). Segundo Caro Baroja, também “en Francia fueron
popularísimos los relatos versificados sobre la vida de la santa” (op. cit., p. 171, n. 81).
278
Das informantes que proporcionaram a recolha inicial que Garrett possuiu diz ele que eram
“amas-seccas e cuzinheiras velhas, hoje principaes depositarias d’este genero de archeologia nacional”
(Adozinda, cit., p. xxiv).
279
Além disso, repare-se que Genoveva é, precisamente, o nome da personagem que, na peça,
menciona “as cóplas de Santa Genovéva”, o que poderá ter um objectivo cómico. Aliás, esta personagem (que
tenta arranjar o casamento entre seu filho e Henriqueta, sem saber que ela já é casada) tem certas características
farsescas.
92
Sabe-se que neste ano de 1839 Garrett andava já a preparar o I vol. do Romanceiro
(que sairá só em 1843).
280
1840
Da primeira metade dos anos 40 parece datar um manuscrito organizado por E. T.
D. de Castro, onde, além doutras poesias tradicionais, existiam três romances.
281
Infelizmente, desconhece-se o seu paradeiro actual.
1841
280
De facto, em carta a Gomes Monteiro (datada de Lisboa, 8/9/1839), Garrett pede que este lhe
arranje “o romanceiro castelhano que [lh]e prometteu [...] quero-o já, porque preciso preparar a Adozinda como
primeiro volume, e outras xacaras para segundo volume de uma especie de romanceiro meu” (Francisco Gomes
de Amorim, Garrett. Memorias biographicas, II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1884, pp. 525-6). Por estas
palavras, pareceria que a ideia inicial do autor seria que o I vol. do Romanceiro fosse uma reedição da
Adozinda, contendo, portanto, apenas o poemeto desse título e o Romance de Bernal e Violante (talvez
acompanhados pelas versões tradicionais que estavam na sua base). Por seu lado, o II vol. estaria destinado a
outros “romances reconstruídos” entretanto escritos por Garrett, provavelmente aqueles que, em 1843,
acabaram por, juntamente com os dois poemas citados, formar o I volume do Romanceiro.
281
O manuscrito pertenceu a Leite de Vasconcelos, a quem foi oferecido por Tomás Pires.
Vasconcelos refere-se-lhe pela primeira vez nos Ensaios Ethnographicos, IV (Lisboa, Livraria Classica
Editora, 1910, capítulo “Uma Collecção Manuscrita de Poesias Populares”, pp. 425-430). Aí informa que uma
parte do manuscrito é cópia feita por alguém que assina E. T. D. de Castro, em 15/10/1841 (p. 425), que na
última página do manuscrito há a data 1844, e que os textos foram recolhidos em Arcos de Valdevez,
Chamusca e Penafiel (p. 427). Quanto aos romances ali presentes, refere dois: uma Santa Iria e um Bernal
Francês (p. 429). Mais tarde (Etnografia Portuguesa. Tentame de sistematização, I, Lisboa, Imprensa Nacional
de Lisboa, 1933, p. 258), Leite de Vasconcelos volta a referir-se ao mesmo documento, em termos um pouco
diferentes: a “miscelanea [...] [foi] organizada por E. T. D. de Castro” e “data talvez de 1844”. Quanto a
romances, contém “Xacara da Bella Infanta, colligida em 1844 [...]; Xacara de Bernardo Francês, não tem
data [...]; Xacara de Santa Iria [...] (Setembro de 1840)”.
93
Por informação do próprio Garrett (é verdade que publicada muitos anos depois),
sabe-se que data deste ano o prólogo do Conde da Alemanha, que virá a sair no II vol. do
Romanceiro, em 1851.
282
1842
Almeida Garrett publica O Alfageme de Santarém.
283
No presente drama, o autor vai
mais longe do que Morais Sarmento em 1839, quando este pusera uma personagem popular a
referir títulos de textos de literatura oral. De facto, nesta peça de Garrett, inicia-se (quanto ao
romanceiro)
284
um processo que terá muitos seguidores, conforme veremos: as personagens
cantam textos tradicionais (e outros que assim querem parecer), realçando-se, deste modo, a
verosimilhança da peça, que fica mais de acordo com a natureza das personagens e a época
em que a acção se passa. De facto (tal como acontecia já na peça de Sarmento), as
personagens que no Alfageme dão voz aos romances pertencem ao povo, a classe por
excelência com a qual, no séc. XIX, as canções tradicionais surgem relacionadas. Além
disso, a peça passa-se na Idade Média, época com que o romanceiro, conforme veremos,
surge extremamente conotado durante o Romantismo. De notar ainda que os fragmentos de
romances incluídos n’ O Alfageme são usados como alusões internas, remetendo para
situações da própria peça.
O drama começa com o alfageme cantando seis versos (curtos) duma versão
tradicional do Conde da Alemanha.
285
Um sétimo verso e um oitavo, claramente inspirados
no romance, surgem também nessa passagem, mas alterados de modo a aplicarem-se à época
282
De facto, diz-se no referido prólogo: “no anno em que isto se escreve, 1841, é ésta uma das
xácaras mais validas, mais cantadas, e mais sabidas da gente dos campos” (Romanceiro, II, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1851, pp. 76-7).
283
[Almeida Garrett], O Alfageme de Santarem ou A Espada do Condestavel, pelo auctor de Catão e
Auto de Gil-Vicente, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1842.
284
Como veremos no subcapítulo seguinte, a inclusão de textos da tradição oral em textos da
literatura escrita começara (tanto quanto as nossas investigações revelam) dois anos antes do Alfageme, com
um conto de Raposo de Almeida (1840), cujas personagens cantam duas canções líricas tradicionais.
285
O Alfageme de Santarem, cit., pp. 5-6. Exceptuando uma inversão na ordem, tais versos são iguais
aos da versão deste romance que Garrett virá a publicar no Romanceiro, II, p. 78.
94
histórica em que decorre a acção.
286
Mais à frente, surgem outros quatro versos (curtos) do
mesmo romance, desta vez cantados pelo coro.
287
Noutra cena, o coro canta quatro versos (curtos) duma versão tradicional do Conde
288
Alarcos.
No início do V acto, surge o prato de resistência deste aproveitamento do
romanceiro oral: duas personagens femininas cantam em diálogo uma versão inteira do
Regresso do Marido (do tipo Bela Infanta).
289
A dada altura (fruto provável do conhecimento
que Garrett tinha das situações de recolha), assiste-se a uma discussão entre as duas
personagens, porque uma diz determinada passagem de certo modo, e a outra de modo
diferente, defendendo ambas que “a trova verdadeira é como eu a cantei”.
290
Os textos dos três romances referidos estão muito retocados. É esta a primeira vez
que Garrett opta claramente pelo método editorial criativo, publicando versões tradicionais
muito retocadas, categoria diferente quer dos poemas cultos inspirados em temas do
286
Aliás, já o modo como o v. 4 é cantado (com a substituição da palavra “rainha” por uma tosse do
alfageme, carregada de intencionalidade ) alude claramente a Leonor Teles e à sua relação com o conde
Andeiro. A tal relação se refere também uma passagem em verso (totalmente original de Garrett) que se segue
logo à cantiga.
287
Op. cit., p. 27. O v. 4 é quase igual ao que lhe corresponde no Romanceiro de Garrett, II, p. 81; os
restantes são variantes afastadas. Estes quatro versos do Conde da Alemanha são nova alusão ao conde Andeiro
e seus amores com a rainha D. Leonor, facto que fica ainda mais claro graças a outros dois versos (originais de
Garrett) que surgem a seguir.
288
Op. cit., p. 12. O v. 3 é igual ao que lhe corresponde na versão do mesmo romance depois
publicada no Romanceiro de Garrett, II, p. 45; o v. 4 é muito parecido; os vv. 1 e 2 são quase iguais às
variantes que, dos versos correspondentes, Garrett fornece em nota de rodapé no Romanceiro, loc. cit. O
presente excerto do Conde Alarcos constitui uma alusão ao interesse sentimental que Alda tem pelo alfageme.
289
Op. cit., pp. 117-122. Na sua maioria, os versos são exactamente iguais aos da versão que Garrett
irá publicar no Romanceiro, II, pp. 7-11. No prólogo que nesta última obra antecede o romance em causa,
Garrett escreveu algumas palavras sobre o modo como o público reagiu à inclusão do romance na peça : “No
quinto acto do ‘Alfageme’ introduzi [...] ésta xácara, fazendo-a cantar por um côro de mulheres do povo á hora
do trabalho; e observei o sensivel prazer que tinha o público em ver recordar as suas antiguidades populares,
que nem ainda agora deixaram de lhe ser caras” (op. cit., II, p. 4). Notar que antes do texto do romance há uma
didascália que diz “(Toada popular bem conhecida)”, a qual se refere, sem dúvida, à música usada na cantiga.
290
Op. cit., p. 121. O romance [que aparece designado por “xácara” (ver pp. 120 e 122) ou por
“romance” (ver p. 122)] ) é usado como alusão interna. De facto, conforme dizem as próprias personagens (ver
op. cit., p. 116), a história nele contada faz lembrar a situação de que, naquele momento, se fala na peça: o
futuro regresso a casa dos homens de Santarém, vindos da guerra (neste caso, a batalha de Aljubarrota).
95
romanceiro (os “romances reconstruídos” do género da Adozinda) quer das versões não
retocadas, pelo menos aparentemente (as incluídas na introdução e notas da Adozinda).
Em finais deste ano de 1842, entra no prelo o I vol. do Romanceiro de Almeida
Garrett. Tal facto não é, obviamente, de estranhar, dado que, conforme se sabe, o referido I
vol. sairá em 1843. Mais importante é saber que nesse mesmo ano de 1842 Garrett já andava
a preparar os II e III vols. da obra, dedicados às versões tradicionais, volumes que só sairiam
9 anos mais tarde, em 1851. De facto, em 1/12/1842, Garrett escrevia a Gomes Monteiro:
estão a entrar para a prensa as primeiras folhas de uma collecção de
Romances populares, xacaras, soláos, etc., etc., que tenho andado a colligir e
a limpar, mas preciso que me mande buscar por ahi algumas mais. Aqui vai a
291
lista das que eu tenho para não mandar destas.
O princípio desta passagem refere-se obviamente ao I vol. do Romanceiro, mas o
resto deve aplicar-se já aos volumes II e III. Claro, seria perfeitamente possível que o pedido
de recolha que Garrett faz a Monteiro tivesse como objectivo usar as versões tradicionais
como matéria-prima para a escrita de mais “romances reconstruídos”, ou seja, de poemas
originais do tipo da Adozinda. Porém, a lista dos romances de que Garrett afirma ter já
versões inclui nada menos que 14 temas, e o pedido de que lhe sejam enviados mais textos
não parece justificar-se com o projecto dum novo volume de poemas originais. De facto, 14
temas já eram mais que suficientes para um volume de “romances reconstruídos”, os quais,
como se sabe, acabavam geralmente por sair maiores que os textos tradicionais
correspondentes. Por outro lado, nenhum dos 14 temas de que Garrett informa já ter textos
em 1842 foi usado como fonte dos “romances reconstruídos” que, acompanhando a
Adozinda, formam o I vol. do Romanceiro (1843).
Uma razão suplementar para pensarmos que, em 1842, Garrett já tinha praticamente
desistido de escrever “romances reconstruídos” e que, pelo contrário, planeava um ou mais
volumes incluindo os textos verdadeiramente tradicionais, nasce da leitura da seguinte
passagem do prefácio do I vol. do Romanceiro, prefácio esse datado de 12/8/1843:
291
desta página.
Gomes de Amorim, Garrett. Memorias biographicas, cit., II, p. 713. A lista é fornecida na nota 1
96
este volume é a primeira parte, ou mais exactamente a introducção [do
Romanceiro], e [...] apenas contêm o que eu [...] designarei com o título de
292
Romances da renascença [...]
Os textos originaes d’estes [...] os de muitos outros que appareceram [...] na
mesma excavação, muitissimos que se têem achado em livros e papeis
desprezados hoje, e em collecções Ms., estão promptos, classificados,
293
annotados, e sahirão em seguimento d’este volume.
É difícil obter dados sobre o modo como foi crescendo a colecção de romances
pertencente a Almeida Garrett. Cerca de 1828, para além dos perto de 15 textos conseguidos
pela sua amiga de Lisboa, o poeta tinha já mais alguns, devidos a outros amigos.
294
Mais
tarde, outras pessoas colaboraram na recolha. Através das palavras de Garrett na introdução
do I vol. do Romanceiro
295
conhecemos os nomes de Mr. Pichon (cujas pesquisas, iniciadas
em 1832, já referimos), Castilho, Emídio Costa (que “generosamente [lh]e confiou a sua
larga collecção principalmente feita nas duas Beiras”), Cunha Rivara (Évora) e Elói Nunes
Cardoso (Montemor-o-Novo).
Por outros meios, é possível saber também que Manuel Rodrigues da Silva Abreu
(em Lisboa)
292
296
e Gomes Monteiro (no Porto)
297
recolheram versões a pedido de Garrett.
Esta expressão designa os poemas que Garrett escreveu inspirados na poesia oral, os romances
românticos, entendido o Romantismo como “renascença da poesia nacional e popular” (Romanceiro, cit, I, p.
xxii).
293
294
295
296
Op. cit., I, pp. xxii-iii. Com excepção de “Romances da renascença”, os itálicos são nossos.
Ver op. cit., I, pp. v-vi.
Cf. op. cit., I, pp. xv-xvii.
Trata-se dalguém que Garrett conhecera na Universidade em 1820 e tivera como companheiro de
emigração (ver Gomes de Amorim, Garrett, cit., II, p. 514). Dele conhece-se uma carta a Almeida Garrett
(datada de Braga, 8/7/1839) em que diz: “Ha mais de cinco annos que saí d’ essa capital [Lisboa, onde Garrett,
no momento de escrita desta carta, residia] [...] e lembro-me bem que prometti escrever-lhe para a Belgica
[onde Garrett foi encarregado de negócios e depois cônsul, entre 1834 e 1836], no caso de poder arranjar por
aqui algumas xácaras, as quaes devia remetter a v. ex.ª [...] Como nada pude obter, além de duas ou tres que n’
essa mesma cidade [Lisboa] já tinha alcançado, e entregue, não ousei escrever” (Amorim, op. cit., II, p. 515). A
recolha de Manuel Abreu seria, pois, anterior a 1834.
297
Numa carta de Monteiro a Garrett (datada do Porto, 11/9/1839), o famoso bibliófilo comunica
que lhe envia “algumas xacaras conforme [lh]’ as recitou um creado [s]eu da ilha do Fayal. A de Silvana
tambem vae como corre n’ esta cidade na bôca das velhas do bom tempo” (Amorim, op. cit., II, p. 526). Além
disso, recorde-se, publicámos acima, no texto, um excerto duma carta (de 1/12/1842) em que Garrett pede a
Monteiro que lhe recolha versões, e é bem possível que tal pedido tenha sido satisfeito. Muito mais tarde
(1864), como veremos, Teófilo Braga irá publicar uma versão dum romance que Gomes Monteiro lhe ofereceu.
97
Quanto ao citado Castilho, sabe-se ainda que, além de recolher ele próprio textos,
publicou, em 1841, na Revista Universal Lisbonense (de que, ao tempo, era director) um
pedido para que os leitores do periódico lhe enviassem versões de romances, que ele se
encarregaria de fazer chegar a Garrett.
igual pedido aos leitores.
299
298
O próprio Almeida Garrett fez, na mesma data,
Algum eco encontraram estes apelos, pois sabe-se que, pelo
menos, Maria Peregrina de Sousa colaborou enviando versões.
298
300
Esse texto [“Advertencia Prévia”, Revista Universal Lisbonense, I, nº 11 (9/12/1841), p. 128]
serve de introdução ao artigo de Almeida Garrett “Poesia Nacional”. Eis alguns excertos do texto de Castilho:
“Sabemos, que já muitas destas cantilenas narrativas, despresadas de letrados, por aquillo mesmo, que mais as
recommenda, que é sua singelez, e gracioso desalinho, têem sido colligidas pelo nosso Auctor [i. e., Garrett], á
custa de muitas diligencias, e perseverancia de longos annos. E boa fortuna foi a nossa de podermos ajudar
tambem a sua colecção com o fructo, que de igual empenho haviamos colhido, já por nós, já por nossos
amigos, assim nas terras da Beira, e Minho, como nas do Alemtejo [...].
Rogamos [...] a nossos Leitores, que, em remuneração do gosto certo, que lhe havemos de dar com a
sucessiva publicação destes capitulos, procurem brindar-nos com toda e qualquer tradição, que deste genero
possão desencantar, embora incompletas, viciadas, erradas, ou apparentemente frivolas: o que tudo será por
nós, mui pontualmente, passado para as mãos, a que já é devido, e que tão destra, e cuidadosamente, o saberão
aproveitar.”
O presente texto, publicado anónimo na Revista, foi mais tarde coligido (com o título de “Almeida
Garrett”) na obra de A. F. de Castilho, Vivos e Mortos. Apreciações moraes, litterarias, e artisticas, II, Lisboa,
Empreza da Historia de Portugal, 1904, pp. 117-8.
299
“Reunir e restaurar, com este intuito [o de “ressuscitar” a “poesia nacional”], as canções
populares, xácaras, romances ou rimances, soláos, ou como lhe queirão chamar, é um dos primeiros trabalhos
que precisamos” [“Poesia Nacional”, Revista Universal Lisbonense, I, nº 11 (9/12/1841), p. 129]. E termina
esta primeira parte do artigo pedindo aos leitores “que tiverem alguma coisa que lhe communicar, sejão
observações, collecções, ou meras indicações”, que lhas enviem, pois “elle agradecerá e aproveitará tudo” (loc.
cit.).
Na segunda parte do artigo, diz também: “É mister colligi-los da tradição popular [...] esses
romances que o nosso povo tem conservado a despeito da incúria dos seus litteratos” [II, nº 1 (6/1/1842), p. 9].
300
[Redacção da revista], “Expediente”, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, IV, nº 16
(6/11/1844), p. 181: “Agradecemos á Srª. Portuense, de nenhum modo, obscura, [...] a diligencia com que vae
colligindo para nos remetter as chácaras tradicionaes da sua provincia: as de D. Silvana e da Bella Infanta, já as
entregámos ao nosso amigo o Sr. Garrett para o seu Cancioneiro, por haver n’ ellas algumas variantes
attendiveis”. Embora o nome da colectora não seja indicado, é óbvio que as palavras do redactor aludem a D.
Maria Peregrina de Sousa, a qual publica na Revista vários artigos assinados com o pseudónimo “Uma Obscura
Portuense” [a sua primeira contribuição foi “Um Velho Raro n’ uma Rarissima Terra (Carta)”, no vol. IV, nº 6
(29/8/1844), pp. 71-2]. É possível que a Bela Infanta enviada por D. Maria Peregrina seja a versão que Garrett
virá a publicar no seu Romanceiro sob o título “Variante portugueza que parece uma versão mais moderna do
98
1843
Garrett publica o I vol. do seu Romanceiro,
301
dedicado exclusivamente a poemas
originais, alguns inspirados na literatura oral. Embora republique aqui a Adozinda e o Bernal
Francez, não inclui (ao contrário do que fizera em 1828) as versões tradicionais que lhes
servem de base. Estas, segundo o autor afirma explicitamente, sairão no volume seguinte,
destinado aos “textos originaes”.
302
No entanto, mantém os quatro versos (curtos) da
303
Infantina que citava (e continua a citar) numa nota à Adozinda.
Noutra nota à Adozinda,
esta edição acrescenta quatro versos (curtos), ao que parece não retocados, pertencentes a
304
uma versão da Santa Iria,
de origem minhota.
305
Este volume do Romanceiro (e mais ainda os seguintes, como veremos) está
organizado, conforme o próprio autor reconhece,
306
segundo a estrutura das Reliques de
original antigo” (II, pp. 12-4), à qual se refere no prólogo dizendo ser ela “uma variante [...], que me enviou ha
pouco uma senhora do Minho” (p. 5). Como é sabido, na época o Porto pertencia à província do Minho, e as
contribuições de D. Maria Peregrina publicadas na Revista constituem uma série de 12 “cartas” sobre tradições
precisamente minhotas [o primeiro artigo foi o que atrás referimos; o último saiu no vol. IV, nº 48 (19/7/1845),
p. 583].
301
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I: Adozinda e Outros (“Obras de J.
B. de A.-Garret [sic]”, IV), Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim. Úteis, 1843.
302
“Os textos originaes destes [i. e., dos “romances reconstruídos” que ocupam o vol. I] [...] sahirão
em seguimento d’ este volume” (pp. xxii-iii). Sobre o Bernal Francês propriamente escreve: “O texto, como o
conservou a tradição oral dos povos, da-lo-hei no logar competente, segundo lh’ o talhei no prefacio d’ este
volume” (p. 100).
303
Op. cit., p. 207. Voltarão a aparecer em 1851, integrados ipsis verbis na versão da Infantina (O
Caçador) que Garrett publica no vol. II do Romanceiro (ver pp. 21-4).
304
Op. cit., p. 203. Estes versos não coincidem com os da versão que Garrett publica, mais tarde, nas
Viagens na Minha Terra (ver nota seguinte).
305
De facto, sobre esse texto afirma mais tarde Garrett ser ele uma “imperfeita lição de um Ms. do
Minho, unico que tinha á mão” quando estava a escrever a referida nota da Adozinda [“Viagens na Minha
Terra”, cap. XXIX, Revista Universal Lisbonense, V, nº 32 (29/1/1846, p. 377, em nota].
306
Diz ele em carta a Gomes Monteiro (datada de Lisboa, 1/1/1842): “A colecção vai pelo modo e
estilo das Reliques do bispo Percy e do Minstrelsy of the Scottish Border de S.[sic] W. Scott” (Obras, cit., I, p.
1407).
99
Percy e do Minstrelsy de Scott: cada romance é precedido por um prólogo próprio, e a obra
começa com uma longa introdução.
Quanto a pontos de teoria, é possível encontrar a influência de Durán
307
e Ochoa;
308
além disso, ao longo de toda a obra, encontram-se ideias que, sem dúvida, “andavam no ar”
por aquele tempo, provenientes, em última análise, das reflexões setecentistas inglesas,
desenvolvidas e sistematizadas por Herder.
307
309
Um aspecto concreto desta influência deve ser a concepção do romance enquanto primitiva
poesia portuguesa. Vejamos: na primeira versão da “Carta a Duarte Leça” (Adozinda, 1828), Garrett parece
começar por afirmar que a poesia portuguesa mais antiga era a lírica trovadoresca (“a nossa poesia primitiva e
eminentemente nacional [...] é a poesia dos trovadores. — Singela, romanesca, apaixonada, [...] lyricoromantica” —pp. x-xi), embora, mais à frente, se mostre, no mínimo, duvidoso de tal precedência: depois de
mencionar “as canções antiquissimas conservadas nos dous cancioneiros, o do Collegio dos Nobres [...] e o de
Resende”, refere “outras poesias mais antigas talvez, os romances populares historicos ou Chacras, que por
tradição immemorial se conservam entre o povo” —p. xvi). Em 1843 (Romanceiro, I), na nova versão da
“Carta”, estas duas passagens surgem modificadas: “A nossa poesia primitiva e eminentemente nacional [...]
foi seguramente o romance historico e cavalheresco, ingenua e ruda expressão do enthusiasmo de um povo
guerreiro; logo vieram esses trovadores de Provença e nos ensinaram modos mais cultos porêm menos
originaes e menos cunhados do sêllo popular: era coisa mais de côrte” (p. 6); e, na segunda passagem, depois
de mencionar a poesia dos “dous cancioneiros”, tira o “talvez”, e fala sem hesitação das “outras poesias mais
antigas, os romances populares ou xacaras” (pp. 10 e 11). Note-se que Durán, porém, não se tinha
comprometido demasiado nas suas afirmações sobre o assunto. Na verdade, se para o fim do “Discurso
preliminar” enuncia claramente a prioridade do romanceiro (“el Romance octosílabo es la primera forma que
adoptó entre nosotros la poesía popular” —Duran, Romancero de romances caballerescos é históricos
anteriores al siglo XVIII, I, cit., p. xx), antes, pelo menos em três ocasiões, mostra-se mais cauteloso: “probable
es que el Romance antiguo castellano haya sido la primitiva combinación métrica adoptada por nuestros
antepasados” (I, p. viii); “los romances populares caballerescos é históricos [...] si no me atrebo á colocarlos en
época tan remota como la del nascimiento de nuestra poesía, creo al menos que conservan vestígios de la
primitiva forma con que se concibió entre nosotros la versificacion” (I, p. xvi); e “el Romance, no será muy
temerario conjeturar que fue la primitiva forma métrica que [...] tomó nuestra poesía Castellana” (I, p. xvii).
308
Será de considerar a hipótese de que a certeza demonstrada por Garrett em 1843 sobre a
prioridade do romance em relação à lírica lhe veio não só duma leitura (abusiva?) da posição de Durán (o qual,
como vimos, hesita em afirmar claramente tal ponto), mas também (e sobretudo?) da frase em que Ochoa
afirma com toda a segurança: “el romance es la primitiva y verdadera poesía nacional en España” (Tesoro de
los romanceros y cancioneros españoles, históricos, caballerescos, moriscos y otros, Paris, En la Librería
Europea de Baudry, 1838, p. ii).
309
Por exemplo, leiam-se as seguintes frases de Herder nos “Fragmentos duma Correspondência
sobre Ossian” (apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 85, 116 e 119): “Voglio ascoltare dal vivo i canti di un
popolo vivo, coglierli in tutta la loro forza persuasiva [...] studiare i resti di questo mondo antico nei loro
100
Embora o presente capítulo seja, fundamentalmente, dedicado a um panorama dos
artigos ou livros em que se publicaram textos de romances, não queremos deixar de referir a
recensão que, do I vol. do Romanceiro de Garrett escreveu Silva Leal.
310
Trata-se dum texto
importante, por (se exceptuarmos as reflexões de Almeida Garrett na introdução da Adozinda
e do Romanceiro, I) ser o primeiro que, entre nós, trata da literatura oral, nomeadamente do
romanceiro, dum ponto de vista teórico. Este texto é um sinal da difusão de que, mesmo
junto do público literato não especializado, começavam, finalmente, a gozar em Portugal as
teorias românticas sobre a poesia oral. Silva Leal mostra conhecer (talvez, quem sabe?, a
partir de qualquer artigo vulgarizador, por exemplo em francês), certas ideias de Herder
(cujas palavras cita textualmente),
311
e também de Marmier (discípulo francês dos teóricos
costumi” (o autor fala da viagem que planeava fazer à longínqua e primitiva Escócia, onde queria ir escutar,
cantados pelo povo, os poemas de Ossian); “Lo spirito di cui sono piene, la loro natura grezza, semplice ma
grande, piena d’ incanto e solenne” (Herder refere-se aqui aos antigos cantos escandinavos); “Mi dica ora cosa
potrebbe essere più ricco di lanci audaci, incisivi e nonostante ciò più naturale, semplice e popolare” (Herder
fala ao destinatário dos “Fragmentos”, a propósito duma balada inglesa que acabava de transcrever); “Non
trova che il metro sia bello, il linguaggio forte, l’ espressione sentita?” (alude a um antigo canto alemão que
antes copiara). E comparem-se com esta frase de Garrett, a propósito d’ “uma das mais conhecidas e
provavelmente mais antigas xacaras que o povo canta”, o Bernal Francês: “Sua contextura simples mas forte, a
scena tão dramatica com que abre, o fexo sublime com que termina dão-lhe todos os characteres de poesia
primitiva e grande de um povo heroico, de uma gente que tomava as coisas da vida ao serio, como a nossa era”
(I, pp. 99-100).
Fique claro que com este confronto não queremos afirmar que Garrett tenha lido as obras de Herder.
É verdade que parece ter sabido alemão: Gomes de Amorim (Garrett, cit., III, p. 607) afirma que ele possuía
obras nessa língua, e o próprio Garrett transcreve (ver Romanceiro, I, p. 289) três excertos de poemas em
alemão. Porém, a verdade é que nunca encontrámos na sua obra qualquer alusão a Herder, sendo mais provável
que as teorias deste lhe tivessem chegado através da sua divulgação por outros autores, Friedrich Schlegel por
exemplo, que, aliás, Garrett cita pelo menos duas vezes (ver Romanceiro, II; pp. xxv e xxvi-vii). Além de que,
obviamente, afirmações como as citadas acima se podem encontrar em Scott e mesmo em Percy, como a seu
tempo vimos.
310
[José Maria da] Silva Leal, “Bibliographia”, O Panorama, II, 2ª série, nº 104 (23/12/1843), pp.
311
“A poesia popular (diz-nos Herder) é o archivo do povo, o thesouro da sua sciencia, da sua
405-407.
religião, da sua theogonia, da sua cosmogonia, da vida de seus pais, dos fastos da sua historia. É a expressão do
seu sentir, a imagem do seu interior na alegria ou na tristeza, junto ao leito das nupcias ou da sepultura” (p.
405). Trata-se da tradução quase literal da seguinte passagem de Herder (extraída do artigo “Da Semelhança
entre a Poesia Medieval Inglesa e a Alemã”): “I loro canti [os dos “popoli rozzi”] sono l’archivio del popolo, il
101
românticos alemães).
312
É possível que também de autores estrangeiros (em última análise,
da distorção dum conceito de Herder) lhe tenha vindo a ideia de se dever à difusão dos
“máus costumes” citadinos a decadência da literatura oral.
313
Pelo contrário, talvez venha da obra de Garrett o convencimento de Silva Leal de
que na poesia tradicional a narrativa precedeu a lírica.
314
Um ponto teórico de clara
procedência garrettiana também mencionado por ele é a definição de “xácara” (enquanto
subgénero distinto do “romance” e do “solau”), embora Leal não concorde com a
terminologia usada pelo Visconde.
315
tesoro della loro scienza e religione, della loro teogonia e delle cosmogonie, delle azioni dei loro padri e degli
eventi della loro storia, calco del loro cuore, immagine della loro vita domestica nella gioia e nel dolore, nel
letto nuziale e nella tomba” (apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 206; os sublinhados são do original).
312
“A poesia popular (escreve Marmier) é a voz do povo nos dias de suas profundas commoções, é o
canto que celebra os seus heroes e os seus deuzes, que proclama os seus triumphos e lamenta os seus desastres
[...] Nasceu nos seculos mais remotos, e profunda as suas raizes no mais arido solo [...] Esta poesia [...] reflecte
no seu espelho o espirito de todas as epocas... é a imagem do povo” (p. 405). Cremos que Silva Leal cita aqui
palavras de Xavier Marmier, autor que à data desta recensão publicara já, por exemplo, Chants populaires du
Nord. Islande, Danemark, Suède, Norvège, Feroe, Finlande, traduits en français et précédés d’ une introduction
par ..., Paris, Charpentier, 1842. Infelizmente, não nos foi possível consultar nem esta nem nenhuma otra obra
de Marmier.
313
“Transmittidas de seculos para seculos unicamente pela tradição oral, difficultosamente chegaram
aos nossos dias, porque foragidas das cidades onde o requinte da civilisação, o luxo e os máus costumes, foram
progressivamente arrefecendo a exaltação poetica do povo, lá se acolheram á innocencia dos campos, onde
ainda zelosos pesquizadores as poderam encontrar, mas d’ onde a corrupção de nossos dias as vai já
expulsando, e baldadas tornaria taes buscas se tão opportunamente se não pozessem por obra” (p. 406). Tratase, provavelmente, duma leitura moralista das mudanças que muitos autores referem e que, por exemplo, já
encontrámos mencionadas em Herder: “Il resto dei brani popolari più antichi e veri sparirà completamente con
la sempre maggior diffusione della cosidetta cultura, come già sono spariti tesori analoghi” (apud Parvopassu e
Rizzuti, op. cit., p. 117).
314
“É idéa assentada que toda a poesia primitiva é de narração” (p. 407). Embora esta ideia exista já
entre os teóricos alemães (que apontam como prova que Homero precedeu Píndaro), o facto de Silva Leal a
ligar à questão do romance, xácara e solau parece apontar para uma origem garrettiana. De facto, a frase
anterior de Leal continua assim: “a infancia das nações é toda acção, e consequentemente a poesia oriunda d’
esta infancia deve ser epica: d’ aqui a maior antiguidade do romance e da xácara; depois vem o solau, porque a
poesia lyrica que nos expressa pura e simplesmente o ‘sentimento’ só pode proceder da reflexão, e
consequentemente de mais quietação d’ animo, e permanencia de estado”.
315
Como é sabido, a distinção entre os três subgéneros é inicialmente feita por Garrett em 1843 (no
Romanceiro, I, pp. 160-1 e 211-2), e retomada, depois, em 1845 e 1851. Silva Leal concorda com a definição
102
Quanto a colectâneas de literatura oral estrangeira, Silva Leal menciona as de Scott,
Percy, Ellis, Ritson, Jamieson, Herder, Günther e von Goetze,
316
o que não deixa de ser
impressionante, embora, provavelmente, apenas lhes conheça os títulos. Por outro lado,
parece não ter as ideias muito claras quanto à distinção entre poemas provenientes da
oralidade e poemas de autor mais ou menos inspirados naqueles,
317
confusão a que o vol. I do
de “romance” e de “solau”, mas tem muitas dúvidas quanto ao sentido que o termo “xácara” tem nos autores
antigos, onde Garrett o foi buscar: “É certo que a forma dramatica predomina em certas composições, que
porventura por isso se chamam xácaras, mas até que ponto isto é verdadeiro é o que nos não atrevemos a
assignar [...]. A distinção [terminológica] póde e convirá acceitar-se, porem os fundamentos para ella [entendase: para a escolha do termo “xácara”] é que nós não podémos ainda encontrar na auctoridade antiga nem na
nossa imaginação” (p. 406).
316
“Modernamente [...] tem-se desenvolvido em todas as nações cultas, especialmente na Allemanha
e na Inglaterra, um verdadeiro zêlo por estas compilações, e parafrases. Haverá trinta annos que Walter Scott
deu impulso a este gôsto, que fez mudar completamente o caracter da litteratura da nossa idade. As reliquias de
Percy, os specimens de Éllis, os romances de Ritson [todos estes autores estão identificados atrás, no capítulo
sobre a história da balada], as trovas populares de Jameson [sic, por Jamieson, autor de Popular Ballads and
Songs, 1806], e emfim o Ministresly[sic] do mesmo Walter Scott, tinham feito conhecer á Inglaterra, e a toda a
Europa, a grande importancia da poesia primitiva dos differentes povos”. Silva Leal menciona também “os
trabalhos de Herder, de Gunther [sic; trata-se talvez de Johann Günther, que à data publicara já Gedichte und
Lieder in verschiedenen deutschen Mundarten, 1841], de Goetze [i. e., Peter von Goetze, autor, por exemplo,
de Serbischen Volkslieder, 1827, e Stimmen der russischen Volks in Liedern, 1828] em coleccionar todas as
trovas populares do norte da Europa” (p. 405). Mais à frente (p. 406), volta a referir “a compilação de Herder”.
317
É, pelo menos, o que parece, quando, ao falar da novidade que entre nós representa o Romanceiro
de Garrett (I vol.), Silva Leal mistura os Volkslieder de Herder e os poemas de certos autores românticos
alemães: “Faltava-nos a collecção dos cantos singelos e rudes do povo, a compilação de Herder, as imitações
de Schlegel [refere-se sem dúvida a poemas narrativos mais ou menos medievalizantes, como Der heilige
Lucas. Legende ou Ritterthum und Minne. Romanze (ver August Wilhelm von Schlegel, Sämmtliche Werke,
herausgegeben von Eduard Böcking, I, Leipzig, Weidmann’sche Buchhandlung, 1846, pp. 215-9 e 223-8)], as
recomposições de Schiller [refere-se provavelmente a baladas famosas como O Mergulhador, inspirada numa
lenda siciliana] e Burger [ao contrário do que escreve Silva Leal, as baladas de Bürger não são, tanto quanto
julgamos saber, propriamente “recomposições” de textos populares, ainda que em várias delas se encontrem
crenças mais ou menos tradicionais]” (p. 406).
103
318
Romanceiro —não obstante o distinguo de Garrett na introdução — bastante terá
ajudado.
319
De referir ainda que, alguns anos mais tarde, o mesmo Silva Leal publica outro
texto teórico sobre a poesia oral, onde voltamos a encontrar algumas das teorias a que acima
aludimos e também outras novas, reflectindo todas elas várias teorias românticas sobre o
assunto, correntes no estrangeiro, mas que raramente se encontram enunciadas de modo tão
explícito em autores portugueses.
318
320
Referimo-nos, claro, à passagem já atrás citada em que Garrett afirma: “este volume é [...] a
introducção [do Romanceiro], e [...] apenas contêm o que eu [...] designarei com o título de Romances da
renascença [...] Os textos originaes d’estes [...] sahirão em seguimento d’este volume” (op. cit., I, pp. xxii-iii).
319
Uma vez que falámos da significativa recensão escrita por Silva Leal, não queremos deixar de
mencionar também uma outra, que, muito elogiosa, não apresenta, porém, interesse especial do ponto de vista
da História das ideias: [A. F. de Castilho], “Romanceiro e Cancioneiro Geral”, Revista Universal Lisbonense,
III, nº 11 (2/11/1843), pp. 130-1. Foi republicada, com o título “Almeida Garrett. Romanceiro e Cancioneiro
Geral”, na obra de Castilho Vivos e Mortos. Apreciações moraes, litterarias, e artisticas, II, Lisboa, Empreza
da Historia de Portugal, 1904, pp. 79-80.
320
Esse texto serve de introdução a um poema lírico, Os Bons-Dias, um dos “cantos-populares d’
Allemanha”, que, numa tradução anónima, se publica na Revista Universal Lisbonense, V, nº 29 (8/1/1846), pp.
346-347. O referido texto introdutório (contido na p. 346) não está assinado; no entanto, como nele se fala em
nome da revista, deve ser da autoria de Silva Leal, então o director e redactor principal do periódico. Nesse
texto frisa-se que a poesia a seguir traduzida é “tam singela como moral”. Essa poesia é o oposto da poesia
culta, pois o povo, ao compor “sem a exactidão da sciencia nem o embelezamento da arte [...] consegue
doutrinar espontaneamente sem o pedantesco alarde academico, uem[sic, por ‘nem’] os arrebiques arcadicos.
Todos os povos foram assim nos principios da sua civilisação”, mas, com o desenvolvimento dessa civilização,
isto perdeu-se. “Essas bonitas canções-populares não as ha ja pela Allemanha, nem por outra nenhuma nação
civilisada [itálico do original]. Hoje alguma que ainda fazem é quasi sempre licenciosa [...] á medida que a
educação se derramou pela classe popular, foi-se finando a inspiração do povo.”
Diz-se ainda que o poema adiante publicado, nasceu, segundo Seb.[sic] Albin, no séc. XVIII. Talvez
seja de origem culta, depois popularizado, porque “não se nota [nele] a desordem, as contradicções,
circumstancias quasi sempre inherentes da[sic] poesia popular; mas observa-se certa escuridade, o inciso do
estylo, os aphorismos, o inopinado do comêço, circumstancias tambem infalliveis n’ este genero de poesia, que
era quasi toda improvisada”. O autor referido por Silva Leal é Hortense Cornu, que, com o pseudónimo de Seb.
Albin, publicou Ballades et chants populaires (anciens et modernes) de l’ Allemagne, traduction nouvelle
par..., Paris, Librairie de Charles Gosselin, 1841. É muito possível que tenha sido esta tradução francesa (que
infelizmente não pudemos consultar), e não o original alemão, a fonte de que se serviu o tradutor português de
Os Bons-Dias.
104
Neste mesmo ano de 1843, Andrade Ferreira publica um poema original,
reenversando, em quadras, o romance do Falso Cego. Em nota, transcreve, porém, 4 versos
(curtos), aparentemente não retocados, do princípio da versão tradicional em que se
321
inspirou.
1844
Pereira da Cunha transcreve, num conto de sua autoria, um longo fragmento duma
322
versão tradicional da Santa Iria.
O texto
323
é cantado por uma personagem popular, a
criada Margarida. A versão está truncada (no pedido do cavaleiro a Iria para que lhe perdoe),
porque a personagem é interrompida por outra. O texto, talvez recolhido no Minho,
324
parece
muito próximo do estilo tradicional.
321
J[osé] M[aria] d’ A[ndrade] F[erreira], O Cego Peregrino. Rimance, O Panorama, II, 2ª série, nº
58 (4/2/1843), p. 35. O poema de Ferreira ocupa, neste nº, as pp. 35-36, e, no nº 84 (5/8/1843), as pp. 247-248.
Como veremos no subcapítulo seguinte, Andrade Ferreira tem vários contos teoricamente inspirados
em tradições populares e alguns artigos sobre poesia tradicional. Acrescente-se que, numa época já fora do
âmbito do nosso estudo, este autor publicou um Curso de Litteratura Portugueza (Lisboa, Livraria Editora de
Mattos & Compª., 1875), onde transcreve vários textos líricos aparentemente recolhidos da oralidade por ele
próprio. Assim, é possível que a versão do Falso Cego a que acima fazemos menção seja de sua recolha.
322
A. Pereira da Cunha, “O Governo nas Mãos do Villão. Memoria do seculo passado”, Revista
Universal Lisbonense, III, nº 27 (22/2/1844), p. 329. O conto começa nesse mesmo nº, pp. 327-330, e acaba no
nº 38 (9/5/1844), p. 458.
323
O narrador designa-o por “melodiosissimo romance” (p. 329).
324
Na verdade, o conto passa-se “na provincia de entre Doiro e Minho”, mais precisamente “nas
variadas margens do Minho” (p. 328). No nº 30 (14/3/1844), diz-se (p. 365, em nota) que o conto “faz a
primeira parte de uma chronica, que, se Deus me dér vida e descanço, conto escrever de todas as tradicções da
minha provincia, uma das mais abundantes de superstições e abusos, e a mais ricca, por certo, de poesia, que
tem Portugal”.
De Pereira da Cunha conhecemos mais dois contos regionalistas, teoricamente inspirados em
tradições minhotas, ambos publicados, tal como este, na Revista Universal Lisbonense: “Masilgado” [começa
no nº 37 do vol. IV (3/4/1845), pp. 454-458, e acaba no nº 42 do mesmo vol. (8/5/1845), pp. 506-568] e “Os
Quatro Irmãos” [começa no vol. V, nº 34 (12/2/1846), pp. 400-2, e acaba no vol. VI, nº 18 (24/9/1846), pp.
211-213]. Este último conto (ao contrário de “O Masilgado”, em que se cita uma pequena rima infantil,
conforme diremos no subcapítulo seguinte) não inclui nenhum texto tradicional. Como a seu tempo se verá,
Cunha publicou ainda vários poemas narrativos teoricamente inspirados em tradições, um deles uma rescrita do
105
1845
Garrett publica um novo texto de Bernal Francês + Aparição.
325
A versão,
baseando-se embora na publicada em 1828, foi “correcta pelos manuscriptos do cavalheiro
de Oliveira [e] apperfeiçoada ainda pella collação com as diversas cópias das provincias do
Norte”, que entretanto Garrett conseguira.
326
Visivelmente fruto do método editorial criativo,
o texto é agora quase igual ao que será incluído no II vol. do Romanceiro (1851). É
antecedido por uma introdução, que será republicada também em 1851, como prólogo do
romance.
327
Conde Alarcos, apresentada como feita a partir duma versão do “norte do Minho” (ver Pereira da Cunha,
Selecta, Lisboa, Typographia Universal, 1879, p. 198; o poema foi inicialmente publicado em 1850). Neste
livro de 1879, Cunha refere, a propósito do tema do Conde Alarcos, o título doutros quatro romances: “o
Namorado Bernaldino, Dona Izabel de Liar [...] o Bernal francez e a Claralinda” (p. 199). É muito possível
que o conhecimento de tais romances lhe não tivesse vindo da tradição oral, mas sim de fontes escritas: os
últimos dois textos estavam há muito publicados, e com esse título, no Romanceiro de Garrett (ver II, pp. 129135 e 213-7), e, quanto aos dois primeiros, não parece terem alguma vez existido na tradição oral portuguesa, e
Pereira da Cunha deve tê-los conhecido apenas pelo Romancero general de Durán (ver, respectivamente, nºs
293 e 1243-44). Nas notas com que Durán acompanha esses dois romances, alude-se ao seu tema português,
facto que terá sem dúvida motivado o interesse de Pereira da Cunha por eles e o facto de os citar: o de Don
Bernaldino seria sobre “don Bernaldin de Riveiro[sic] [...] del cual se cuentan ciertos amores que tuvo con una
real y gran señora” (op. cit., I, p. 159), obviamente a infanta Dona Beatriz, amores infelizes que, como se sabe,
já tinham servido de tema a Um Auto de Gil Vicente, de Garrett; o de Isabel de Liar teria, claro, “mucha
analogía [...] con las tradiciones de Doña Ines de Castro”, embora Durán cautelosamente matize: “pero no
sabemos si es ella la de que se trata” (op. cit., II, p. 221).
325
A[lmeida] G[arrett], Bernal-Francez, A Illustração. Jornal universal, I, nº 2 (Maio 1845), pp. 22-
23.
326
327
Art. cit., p. 22.
Nesta introdução, o autor escreve que o Bernal Francez “tem feito a volta da Europa, sendo
traduzid[o] em diversas linguas, ja no proprio fragmento, ja na reconstrucção ou imitação d’elle que ao mesmo
tempo dei á luz” (p. 22).
O artigo tem ainda uma segunda parte [no nº 4 da revista (Julho 1845), pp. 59-60], em que se publica
a tradução espanhola do Romance de Bernal e Violante, isto é, do poema culto escrito por Garrett inspirado
numa versão tradicional do Bernal Francês. Nesta segunda parte, há também uma pequena introdução (cremos
que não republicada noutro lugar) em que Garrett escreve: “Mais para fazer acceito ao commum dos leitores
um estudo e um gôsto que infallivelmente hade regenerar a nossa poesia [...], revertendo-a á simplicidade bella
106
Entre meados de Maio e princípios de Julho deste ano, o poeta inglês Edward
Quillinan recolhe, talvez no Porto, uma versão tradicional de A Noiva do Duque de Alba.
Essa versão será publicada (ao que parece sem retoques) em 1853, juntamente com a sua
tradução inglesa,
tradicional.
328
e seguida por um poema original de Quillinan, inspirado no romance
329
Em data anterior a 1845, Silva Pereira parece ter feito uma recolha no Minho, que
330
incluiria pelo menos uma versão do Conde da Alemanha.
de sua origem natural, de que tam affastada andava pela imitação pesada e contrafeita dos extrangeiros, mais
para esse do que para nenhum outro fim litterario, traduzi em linguagem e modos menos rudos, o BernalFrancez”. A esse “romance reconstruído” chama ele (com leve desdém?) “traducção de sala” (p. 59).
328
O Duque d’ Alba. Ballada velha e (en regard) The Duke of Alba. Old ballad, in Edward
Quillinan, Poems, with a memoir by William Johnston, London, Edward Moxon, 1853, pp. 200-207.
329
The Duke of Alba. Suggested by the Portuguese ballad preceding (op. cit., pp. 208-212). Este
texto está datado de “San João da Foz, July 9, 1845”. Pela “Memoir of Edward Quillinan” de W. Johnston
(incluída no volume, a pp. xi-xlvi), fica a saber-se que Quillinan (nascido no Porto, filho dum imigrante
irlandês) vivera a partir de dada altura em Inglaterra, mas visitou Portugal em 1845-6, acompanhado pela
mulher. Esta publicou um diário da sua visita: [Dora Quillinan], A Journal of a Few Months’ Residence in
Portugal, and Glimpses of the South of Spain, London, Edward Moxon, 1847, 2 vols. Aí se conta que o casal
chegou ao nosso país, mais precisamente ao Porto, a 12/5/1845 (ver I, p. 4) e aqui ficou quase um ano, partindo
(para Espanha) a 16/4/1846 (ver II, p. 81). No diário, não há qualquer referência à recolha do romance, a qual,
porém, partindo do princípio de que é devida a Quillinan, teve necessariamente lugar entre meados de Maio e
princípios de Julho de 1845. Mas não se pode afastar completamente a hipótese de o romance ter sido recolhido
em data anterior por alguém que, depois, o ofereceu a Quillinan.
330
Depois de transcrever a versão velha espanhola (“Atan alta va la luna / como el sol á medio dia”)
do “lindo romance do Conde d’ Allemanha”, Silva Pereira informa: “tantas vezes temos ouvido cantar [esse
romance], em portuguez e com mais graça na Provincia do Minho, pelas visinhanças da villa de Guimarães e
pelas immediações de Landim, perto da confluente dos rios Ave e Vizella, aonde arranjamos um bom peculio
d’ antigas Trovas e Cantigas populares, todas compostas nos lindos metros octonarios” (J[osé] J[oaquim] da
S[ilva] P[ereira], Da Poesia Antiga: ou da antiguidade e belleza dos versos octosyllabos, Porto, Typographia
da Revista, 1845, p. 7; sublinhados do original). É impossível determinar com segurança se tal recolha de
“Trovas e Cantigas” verdadeiramente existiu, uma vez que Silva Pereira não publicou nem uma delas no
referido opúsculo. Esse silêncio é tanto mais de estranhar quanto o opúsculo é todo ele dedicado ao elogio do
verso de redondilha maior e seu uso na poesia tradicional, nomeadamente no romanceiro. Porém, de romances
citam-se ali apenas alguns exemplos velhos castelhanos. Note-se, ainda assim, que pelo título que dá a um dos
romances que cita (“Conde d’ Allemanha”), Pereira Caldas mostra ter conhecido, de facto, uma sua versão
107
1846
331
Garrett transcreve nas Viagens na Minha Terra uma versão da Santa Iria,
texto está retocado.
332
cujo
Embora incluída numa obra literária, a versão não aparece na fala
duma personagem, mas sim pela mão do narrador-autor, que a transcreve como um texto
popular, revestido de interesse em si próprio.
Almeida Garrett publica uma versão da Infantina.
método editorial criativo,
334
333
é antecedido por uma introdução.
O texto, claríssimo produto do
335
O texto e a introdução foram
republicados em 1851, no Romanceiro (II vol).
O mesmo Garrett publica neste ano o drama Filipa de Vilhena
336
(fora estreado em
1840). Na peça, uma das personagens cita, num contexto humorístico, o verso “estava a bela
portuguesa, já que, na versão velha castelhana, a personagem tem o nome de “conde alemán”, enquanto, na
nossa tradição oral, tem o nome mencionado por Pereira. Poderia, no entanto, pôr-se a hipótese de o
conhecimento da designação portuguesa daquele romance lhe ter vindo apenas através da versão que, como
vimos, Garrett incluiu no início do Alfageme de Santarém (publicado em 1842).
331
Almeida Garrett, “Viagens na Minha Terra. Cap. XXIX”, Revista Universal Lisbonense, V, nº 32
(29/1/1846), pp. 377-378. Reproduzida na edição em livro, publicada no mesmo ano: J. B. de Almeida-Garrett,
Viagens na Minha Terra, II, Lisboa, Na Typographia da Gazeta dos Tribunaes, 1846, pp. 34-6.
332
Antes de transcrever o texto, Garrett deixa as coisas bem claras: “a trova é ésta, segundo agora a
rectifiquei e appurei pela collação de muitas e várias versões provinciaes com a ribatejana ou bordalenga, que
em geral é a que mais se deve seguir” (Revista Universal Lisbonense, cit., p. 377; ed. em livro cit., II, p. 34).
333
A[lmeida] G[arrett], “Da Antiga Poesia Portugueza. Romances populares”, Revista Universal
Lisbonense, VI, nº 13 (20/8/1846), pp. 149-150.
334
A começar pelo facto de ser uma Infantina pura, coisa que com toda a probabilidade não existia
na tradição portuguesa da época, tendo Garrett simplesmente eliminado a parte de O Cavaleiro Enganado + A
Irmã Cativa que se lhe seguia. A Infantina foi concluída com uns versos traduzidos do texto velho castelhano
(ver nota seguinte), e o Cavaleiro Enganado + A Irmã Cativa foi impresso separadamente, mais tarde (ver
Romanceiro, II, pp. 32-5). Sobre o modo como Garrett procedeu com estes dois textos, ver Flor Salazar, “El
Romanceiro de Almeida Garrett y la edición de textos contaminados”, in Manuel Viegas Guerreiro (org.),
Literatura Popular Portuguesa, Teoria da Literatura Oral/Tradicional/Popular, Lisboa, ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992, pp. 395-432 (412 – 425).
335
Pp. 148-149. Apresenta-se também (p. 150) a versão espanhola velha, transcrita de Durán.
108
infanta no seu jardim assentada”,
337
extraído da versão do Regresso do Marido que, como
vimos, o autor dera a conhecer, em 1842, no Alfageme de Santarém.
John Adamson, lusófilo inglês amigo de Garrett, publica aquela que é a primeira
tradução que pudemos localizar dum romance português.
também o texto original.
338
Além da tradução, transcreve-se
339
1848
Seguindo na esteira de Garrett, Pereira Cunha inclui numa peça —cuja acção se
340
desenrola na Idade Média— um fragmento do Conde da Alemanha.
O texto parece não
estar retocado.
1850
Estreia-se uma peça de Costa Cascais em que se inclui uma versão da Nau
341
Catrineta.
A peça passa-se em Cascais e é uma personagem da classe piscatória que canta
o romance. O texto parece não ter retoques.
336
J. B. de Almeida-Garrett, Theatro de..., IV: Philippa de Vilhena, etc. [sic], Lisboa, Na Imprensa
Nacional, 1846.
337
338
Op. cit., p. 47.
John Adamson, Lusitania Illustrata: Notices on the history, antiquities, literature &c. of
Portugal. Literary department. Part II: Minstrelsy, Newcastle upon Tyne, M. A. Richardson, 1846, pp. xiv-xvi
Trata-se da versão tradicional do Bernal Francês + Aparição que Garrett dera a conhecer na Adozinda (1828).
339
340
Op. cit., II, pp. xi-xiii.
Antonio Pereira da Cunha, A Herança do Barbadão, drama original portuguez em 3 actos,
Lisboa, Typographia Rollandiana, 1848, pp. 47-48. A acção desenrola-se em 1449. Na passagem em que surge
o romance, a rainha D. Isabel, mulher de D. Afonso V, pede a uma dama que declame o Conde da Alemanha.
Esta acede. Transcrevem-se então 16 versos curtos (agrupados em quadras). A personagem diz que não se
recorda de mais, e a versão fica incompleta.
341
J. da Costa Cascaes, O Mineiro de Cascaes, in Theatro, III, Lisboa, Empreza da Historia de
Portugal, 1904, p. 27. De notar que o romance tem o refrão “Dom-dom”, que se encontra habitualmente na
109
1851
Saem os vols. II e III do Romanceiro de Garrett.
342
Trata-se da primeira colecção de
romances da tradição oral moderna alguma vez publicada em Portugal, e mesmo em toda a
Península Ibérica. Inclui 33 versões.
343
Na introdução do vol. II, diz-se sobre o I vol. (que,
publicado em 1843, apenas continha poemas da autoria de Garrett, alguns —a maioria—
inspirados em textos tradicionais) ter ele sido “o primeiro livro d’ esta collecção, o qual
todavia, repitto,
344
só deve considerar-se como introducção a este que agora chamo segundo,
mas que em realidade vem a ser o primeiro do Romanceiro”.
345
Os vols. II e III são, portanto,
na práxis garrettiana, a consagração da categoria que vimos nascer para a imprensa em 1845:
os textos que se devem publicar são os provenientes da tradição (não os “inspirados” nos
textos tradicionais), ainda que retocados (bastante).
346
canção lírica Vida de Marujo, a qual, do mesmo modo que a Nau Catrineta, parece ter sido muito apreciada
pela gente do mar (sobre o uso da Vida de Marujo no âmbito duma “chegança” celebrada pelos pescadores na
praia de Quarteira, ver Maria Aliete Galhoz, Romanceiro Popular Português, II, Lisboa, Centro de Estudos
Geográficos, I.N.I.C., 1988, nota à versão nº 1087). Na p. 2, indica-se a data de estreia d’ O Mineiro de
Cascaes: 8/1/1850.
342
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, II: Romances Cavalharescos Antigos, e III: Romances
Cavalherescos Antigos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851. Note-se que o termo “Cavalharescos” do subtítulo
do Vol. II é uma gralha, corrigida na errata que vem no fim desse volume (p. 303).
343
Uma dessas versões (Dom Duardos) deve ser de origem exclusivamente livresca. Além das
referidas 33 versões, a obra inclui ainda (na parte final do vol. III) mais 4 poemas que nunca existiram na
tradição e foram, portanto, copiados de fontes escritas, como aliás o próprio Garrett deixa mais ou menos
explícito.
344
Este “repitto” refere-se sem dúvida a uma passagem da introdução do I vol. (que aliás já citámos)
onde se diz: “este volume é a primeira parte, ou mais exactamente a introducção [do Romanceiro], e [...] apenas
contêm o que eu [...] designarei com o título de Romances da renascença” (p. xxii).
345
Romanceiro, II, p. xliv. Algumas páginas antes, Garrett dissera já algo muito parecido: “A
primeira parte e volume do presente Romanceiro deve ser considerada como a introducção d’ esta segunda e
das que se lhe seguem” (p. ix).
346
No entanto, não nos atreveríamos a dizer que, em 1851, Garrett considerava uma coisa caduca e
do passado (definitivamente enterrada em 1843) a ideia de o romanceiro poder servir, também, para a escrita de
poemas originais. Na verdade, é um facto que, na introdução do II vol., Garrett continua (como em 1828) a
fazer referências ao papel que o romanceiro deve desempenhar na reforma da poesia culta, o que, obviamente,
110
No prólogo que acompanha cada uma das versões, o autor comenta o romance em
causa, apresentando, por vezes, atestações suas em obras antigas, e tentando também
estabelecer a respectiva origem nacional e época de nascimento, observações feitas em geral
com bases —aos olhos de hoje— muito frágeis, por vezes simples impressões pessoais.
347
Sem dúvida mais importante para a História dos estudos romancísticos é o facto de Garrett
apontar paralelos que os romances portugueses têm em comum com a tradição velha
mostra que, para ele, em 1851, os romances não tinham apenas interesse do ponto de vista científico. “O meu
offício —escreve na referida introdução— é [...] mostra[r] aos novos engenhos [...] os typos verdadeiros da
nacionalidade [...] que em nós mesmos, não entre os modelos extrangeiros, se devem incontrar” (p. vi). E chega
até a dizer: “Fiz para isso ésta collecção de exemplares, de documentos, de estudos e observações” (p. vii). Não
nos parece, no entanto, que Garrett encarasse as versões dos vols. II e III do Romanceiro como uma espécie de
catálogo de temas para versos a ser usado por poetas cultos, algo semelhante aos dois textos tradicionais que,
em 1828, ele publicara na Adozinda (só que, em 1851, as novas Adozindas ainda não estavam escritas e
ficariam ao cuidado dos vindouros). Sem dúvida que para Garrett (o qual, neste aspecto, segue ideias que
circulavam entre os românticos em geral e, em última análise, vêm de Herder, como vimos) a poesia popular
possuía grandes qualidade, que a poesia culta deveria imitar. Mas, neste momento da sua carreira, quer-nos
parecer que, ao falar do Romanceiro como “colecção de exemplares”, Garrett não estava a pensar numa
influência de tipo temático (como a que é visível no I vol. do Romanceiro). De qualquer modo, qualquer que
fosse o que tinha em mente ao escrever essas palavras, a verdade é que elas não podem apagar as três
declarações que, como atrás vimos, Garrett faz sobre o carácter de simples introdução que tinha o I volume. E,
sobretudo, essas palavras não podem apagar o facto de, nos vols. II e III, os textos não estarem publicados
(como acontece na introdução e nas notas da Adozinda) na sua “rudeza” primitiva. Não, os textos tradicionais
são aqui versões factícias, em que Garrett quer apresentar a forma mais bela de cada romance,
complementando tais versões, além disso, com variantes em notas de rodapé e prólogos de índole histórica e
comparativista. Em 1851, o romanceiro quer, portanto, agradar ao leitor habituado às belezas estilísticas da
literatura institucionalizada e, além disso, mostrar-se revestido com a dignidade de objecto de estudo,
agradando, também, por este lado (ou, no pior dos casos, apenas por ele). Quem sabe se as palavras de Garrett
sobre o romanceiro enquanto modelo da poesia erudita não são mais um modo de justificar (perante o público
e, talvez mesmo, perante si próprio) a novidade dos vols. II e III? Quem sabe se elas não constituem, afinal, a
declaração de alguém não totalmente seguro do valor desses volumes, ou, pelo menos, do acolhimento que iria
receber uma colecção de poesia do povo, que, por muito retocada que estivesse (e, de facto, estava), não era a
Adozinda ou os outros “romances reconstruídos”.
347
Um exemplo: “Não sei porquê, mas sinto que [o Conde Nilo] tem o ar francez ou proençal. Ou
talvez normando? Da nossa Hespanha é que elle não me parece oriundo. Tudo isto porêm é sentir; julgar não,
que não tenho por onde” (III, p. 8).
111
castelhana e a anglo-escocesa. Para tal, serve-se das colecções de Durán,
e Walter Scott,
351
348
Ochoa,
349
Percy
350
cujos textos por vezes transcreve.
Quanto a pontos de teoria, parece apoiar-se em Scott,
352
Durán
353
e Lockhart.
354
Além disso, encontramos em vários lugares da obra certas ideias que são comuns a toda a
reflexão romântica sobre a literatura oral.
348
355
De este autor, Garrett começa por usar a edição de 1832 (ver Romanceiro, I, p. xvii). Mais tarde,
porém, já perto de acabar a sua obra, conhece “a novissima edição” de 1849-1851, “obra de summo gôsto e
trabalho” (II, p. 233). Quantos aos paralelos castelhanos velhos que Garrett indica a partir de Durán, limita-se,
por vezes, a assinalar a sua existência (ver II, p. 300), mas, noutros casos, transcreve integralmente o texto
espanhol (por exemplo, II, pp. 83-4, a versão velha do Conde da Alemanha). A leitura do Romancero general
leva Garrett, aliás, a desdizer algumas afirmações que antes fizera sobre a não existência de determinados
romances na tradição espanhola (ver, por exemplo, a correcção de certa passagem do vol. II que aponta no vol.
III, p. 283).
Além de se servir do livro de Durán para localizar paralelos na tradição velha, Garrett usou-o (e
também o Tesoro de Ochoa) com outro importante fim: o de retocar as versões portuguesas, processo a que nos
referiremos com algum pormenor mais adiante.
349
A partir do Tesoro de Ochoa (1838) transcreve Garrett vários textos [ver, por exemplo, II, pp. 15-
6, em que dá um fragmento duma versão velha do Regresso do Marido em –é (Primav. 156) e uma versão do
raríssimo Romance de la linda infanta (Canc. s. a., fol. 193v), cuja situação inicial recorda a da Bela Infanta na
tradição portuguesa].
350
O levantamento de paralelos na tradição anglo-escocesa é, por razões óbvias, mais difícil (e mais
arriscado) do que na tradição velha castelhana. Garrett refere três, a partir da colecção de Percy: Romanceiro,
II, p. 5 (cf. Reliques, II, p. 102); Romanceiro, II, p. 157 (ver Reliques, III, pp. 70-1); e Romanceiro, III, p. 174
(cf. Reliques, II, pp. 68-71). O primeiro e o terceiro de tais paralelos parecem-nos injustificados. De referir que,
no terceiro destes casos, as informações fornecidas também no prólogo por Garrett sobre Jorge V da Escócia,
pretenso autor da balada em causa e dum outro poema ao mesmo assunto, foram extraídas de Percy (ver
Reliques, III, p. 67-8).
O alto conceito de Garrett sobre a “estimada collecção” de Percy (II, p. 5) é visível no facto de citar
(II, p. 6) algumas linhas escritas por Scott em que se diz ser aquela uma obra inexcedível (ver a passagem
original em Scott, Minstrelsy of the Scottish Border, cit., I, p. 28).
351
No prólogo da Rosalinda (Romanceiro, I, pp. 180-181), romance inspirado, em parte, no Conde
Ninho, Garrett transcreve (a partir da ed. de 1838 do Minstrelsy) duas estrofes duma balada escocesa onde
surge o motivo das plantas nascendo das covas dos amantes separados. Cita também um extracto da lenda em
prosa de Tristão e Isolda onde surge o mesmo motivo, e que explicitamente diz ter tirado de Scott (as estrofes
da balada e os fragmentos da lenda estão em Scott, Minstrelsy, cit., III, p. 338 e nota respectiva). No prólogo do
Dom Claros de Além-Mar, Garrett transcreve (II, p. 191) alguns versos da balada escocesa acima referida que
com este romance têm, de facto, algo em comum (ver Scott, op. cit., III, pp. 335-6).
112
352
Em duas passagens do vol. II do Romanceiro, Garrett menciona a teoria de Scott segundo a qual
“os romances populares foram quasi todos em sua origem poemas mais longos e mais completos, que os
menestreis depois incurtavam e truncavam para os poderem cantar em dous ou tres lays quando muito [...] Que
d’ ahi ficaram assim pela memoria do povo, e assim vieram até nós” (II, 40). Garrett tem as suas dúvidas sobre
tal teoria —a qual volta a referir mais à frente (ver II, 211)—, e afirma que o contrário também poderia
acontecer, ou seja, que por vezes “seriam os poetas ou os collectores lettrados que da xácara popular fizeram o
romance mais longo” (loc. cit.). “Estou fortemente capacitado —diz à laia de conclusão—de que ora uma ora
outra coisa succedia, e que é difficil dizer quando ésta ou quando aquella se fez” (loc. cit.).
A referida teoria de Scott (que, mais tarde, adoptada por Milà i Fontanals, será usada para explicar a
origem do romanceiro a partir das canções de gesta) está exposta nas “Introductory Remarks on Popular
Poetry” (Minstrelsy, cit., I, pp. 14-5), onde se diz, por exemplo: “the longer metrical romances [...] where
reduced to shorter compositions, in order that they might be chanted before an inferior audience” (p. 14), e
mais à frente: “We are left to conjecture whether the originals of such ballads have been gradually contracted
into their modern shape by the impatience of later audiences, combined with the lack of memory displayed by
modern reciters, or whether, in particular cases, some ballad-maker may have actually set himself to work to
retrench the old details of the minstrels, and regularly and systematically to modernise, and if the phrase be
permitted, to balladise, a metrical romance” (loc. cit.).
De Scott terá também vindo a Garrett a
ideia de que os romances são contemporâneos dos
acontecimentos que narram. Esta teoria está mais ou menos implícito em certas passagens do Romanceiro,
como a seguinte: “É visivel que este romance [o Conde da Alemanha] foi composto para celebrar um facto real
e historico, alguma d’ essas negras e sanguinolentas tragedias que tam frequentes se representavam nas escuras
camaras de nossos antigos paços e solares. Nenhuma justiça ousava intender n’ esses crimes dos grandes,
nenhuma voz os denunciava; e apenas o trovador ou o jogral em sua ronda de terra em terra, de tôrre em tôrre,
ia repettir, longe n’ uma, o que muito longe d’ alli tinha ouvido n’ outra: — eccchos vagos e confusos da
historia verdadeira que nem elle saberia nem ousaria contar toda” (II, pp. 75-6). Esta teoria está, porém,
explicitamente expressa noutra passagem: “Os poetas populares não compunham as suas rhapsodias senão
sôbre factos recentes. O que passou da historia escripta para os versos é ja feito pelos poetas lettrados de uma
civilização — superior não sei, porêm mais adeantada” (II, p. 181).
A mesma teoria encontra-se já, como dissemos, em Scott, que em repetidos lugares deixa mais ou
menos explícita a sua concepção de que as baladas históricas são contemporâneas dos acontecidos nelas
narrados. Vejamos alguns exemplos: “The cause of Sir Patrick Spens’ voyage is [...] pointed out distinctly [na
balada intitulada precisamente Sir Patrick Spens]; and it shows that the song has claims to high antiquity, as
referring to a very remote period in the Scottish history” (Minstrelsy, cit., I, p. 215; o motivo da viagem de Sir
Patrick narrada na balada é ir buscar à Noruega a neta do rei Alexandre III da Escócia, rei que, como informa
Scott, faleceu em 1285); “The date of the ballad [refere-se a Auld Maitland] cannot be ascerteined with any
degree of accuracy. Sir Richard Maitland, the hero of the poem, seems to have been in possession of his estate
about 1250” (op. cit., I, p. 233); “It seems reasonable to believe that the following ballad [Lord Maxwell’s
Goodnight] must have been written before the death of Lord Maxwell, in 1613; otherwise there would have
been some allusion to that event” (op. cit., II, p. 175).
113
353
A ideia de que o romanceiro é avesso ao maravilhoso (que, como um pouco mais adiante
veremos, se encontra em Garrett também numa passagem em que tal parece derivar de palavras de Lockhart),
surge pelo menos noutro ponto da obra do escritor português: “é hoje averiguado que a poesia primitiva da
nossa peninsula rarissima vez admitte o maravilhoso [...] Composição em que elle appareça, quasi sem hesitar,
se deve attribuir a origem franceza, franco-normanda, ou mais seguramente ainda á dos bardos e scaldos que
por essas vias se derivasse até nós” (Romanceiro, III, p. 88). É possível aproximar estas frases de outra de
Durán, talvez uma das autoridades que, como diz Garrett, “averiguaram” tal teoria: os romances históricos,
“donde descuella y se ostenta mas nuestro caracter nacional”, “carecen del color maravilloso que caracteriza
los poemas franceses é italianos de igual género. Ni Fadas, ni Genios, ni Encantadores, ni ficción alguna árabe
se encuentra en aquellos, [...] la parte que constituye lo maravilloso es allí puramente cristiana” (Romancero de
romances caballerescos é históricos, cit., I, pp. xxviii e xxix).
De Durán —como já dissemos a propósito do I vol. do Romanceiro— é muito provável que venha
também a concepção da anterioridade do romance em relação à lírica atestada na obra de Garrett em 1843.
354
“A traducção elegante de Mr. Lockart[sic], [...] n’ aquella tam linda e fastosa edição de Londres
de 1841 [...] mais que nenhuma coisa me inspirou e animou no meu trabalho, porque é um monumento
grandioso da extraordinaria importancia e valia que este genero de coisas está merecendo á Europa culta”
(Romanceiro, I, p. xviii). Não obstante o tom entusiástico desta frase, parece-nos que a influência efectiva de
tal obra sobre o Romanceiro foi muito pequena, e apenas a conseguimos determinar num ponto do II vol. da
colectânea. De facto, no prólogo de O Caçador (Romanceiro, II, p. 18), Garrett refere a tradução que Lockhart
fizera da versão velha da Infantina, e, um pouco mais à frente, escreve: “o sobrenatural d’ esta historia parecese mais com as crenças, e superstições, ainda hoje existentes no nosso povo, das moiras incantadas”, ao
contrário do “romance castelhano, propriamente ditto, [que] nunca se lançou no maravilhoso das fadas e
incantamentos” (pp. 20 e 19). Ora esta última afirmação parece ecoar um comentário que Lockhart faz
precisamente à Infantina: “The following is one of the few old Spanish ballads in which mention is made of the
Fairies” (J. G. Lockhart, Ancient Spanish Ballads; Historical and Romantic, 4th ed., London, John Murray,
1853, p. 105).
Numa recente edição do Romanceiro, inclui-se o fac-símile de “alguns apontamentos para o
romanceiro”, manuscrito de Garrett (ver Romanceiro, org. de Augusto da Costa Dias, Maria Helena da Costa
Dias e Luís Augusto Costa Dias, I, Lisboa, Editorial Estampa, 1983, pp. 271-3). Trata-se, nem mais nem
menos, que de notas tiradas por Garrett da introdução da obra de Lockhart, e mesmo da tradução ou resumo de
passagens de tal colectânea (ver Lockhart, Ancient Spanish Ballads, cit., pp. v-xi). A verdade, porém, é que não
detectámos vestígios de tais apontamentos nas introduções ou nos prólogos do Romanceiro.
Almeida Garrett por mais duma vez transcreve, além da versão velha castelhana (paralelo do texto
português em causa), a tradução inglesa que dela fez Lockhart [ver, por exemplo, II, pp. 63-71, tradução a que
antes chamara (pp. 41-2) “linda versão ingleza”].
De notar, por fim, que sobre a obra de Lockhart, Garrett enviou a Gomes Monteiro (carta datada de
Lisboa, 1/1/1842) o seguinte conselho: “Mande vir de Londres [...] a última edição de Lockhart’s Spanish
Ballads, que é uma bela e esplêndida coisa” (Obras, cit., I, p. 1407).
355
Por exemplo, quando Garrett diz que o Conde da Alemanha tem “o stylo d’ aquella simplicidade
sublime e verdadeiramente antiga que é o sêllo das composições originaes e primitivas, de quando a arte,
114
Ao contrário do que aconteceu com o I vol., o II e o III vols. do Romanceiro
suscitaram apenas, tanto quanto conseguimos determinar, recensões de circunstância, sem
especial valor.
356
O Método Editorial Criativo de Garrett
Estes dois volumes seguem de modo ainda mais claro o modelo das colecções de
Percy e Scott que já encontrámos adoptado no I vol. Assim, cada romance está representado
por uma única versão, reconhecidamente um texto factício, e os textos foram objecto dum
método editorial muito “criativo”.
A ideia que está na origem da adopção de tais processos é, como se imaginará, a de
que a tradição oral estraga os textos, os afasta da forma correcta, que é a primitiva. É essa
forma perfeita que, com esses processos, Garrett quer recuperar, ou, pelo menos, dela se
aproximar o mais possível. Eis um dos mais significativos exemplo das muitas declarações
de Garrett sobre o carácter corruptor da tradição e do que ela o “obrigou” a fazer:
[O Gerinaldo] entre nós é dos que andam mais desfigurados e corruptos. Eu
tive de reunir varios fragmentos para o restituir. [...]
As variantes não são muitas, porque não pude considerar como taes as
ligaturas absurdas com que partes do romance andavam cozidas a partes
egualmente desconjunctadas de outros, dos quaes tive de o estremar para
reunir o que felizmente achei que acertava e quadrava n’ um todo completo.
São infinitas e mui disparatadas as variantes que desprezei na maior parte ao
emendar conjecturalmente o romance. Tambem não valia a pena de as
357
mencionar em nota.
Quanto às declarações em que, com a maior das naturalidades, refere ter construído
versões factícias, são também numerosas. Veja-se apenas um exemplo, um daqueles, aliás,
em que o método aparece melhor explicado:
espelho ainda rudo porêm ainda ingenuo, não faz mais do que reflectir a natureza, mas reflecte-a com toda a
verdade” (II, p. 74), ou que o Dom Aleixo tem “um viço, um frescor de originalidade que recende. Todo elle
respira a graça desaffeitada da poesia primitiva” (II, p. 86).
356
Ver, todos de autor anónimo, os seguintes textos: “O Romanceiro”, Revista Popular, IV, nº 43
(Novembro 1851), p. 416; “Bibliographia”, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, IV, nº 14 (13/11/1851), p.
168; e “Revista Litteraria de 1852”, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, V, nº 25 (30/12/1852), pp. 292-293.
357
Romanceiro, II, pp. 156-7.
115
Este romance [o Frei João] é vulgar na Extremadura e Beira e nas duas
provincias d’ alêm Tejo. Seguiu-se [, no estabelecimento do texto,]
principalmente o exemplar vindo de Castello-Branco, que era o mais amplo;
mas approveitou-se de outras licções provinciaes o que foi necessario para lhe
358
dar complemento.
Um aspecto importante do fabrico das versões factícias por parte de Garrett é o seu
recurso a versões velhas espanholas. Este uso corresponde, aliás, a uma lógica impecável
(pelo menos no modo de ver de Garrett); se não, vejamos. Com as versões factícias, visa-se
obter um texto o mais próximo possível do estádio inicial, entretanto corrompido pela
tradição. Para isso, o editor deve escolher, de entre as versões que possui, a que lhe parecer
menos incorrecta, porque isso indica que é a mais antiga (a ideia de “correcção”, claro,
depende quase só do subjectivismo de cada um, já que, nesta época, estamos ainda muito
longe de quaisquer veleidades positivistas de recuperação “científica” do arquétipo). Usando
essa versão como base, o editor tratará, então, de a corrigir (sobretudo de a completar)
usando versos presentes nas outras versões, os versos que pareçam ser antigos (e não
“refacimentos” modernos, de que Garrett foge como da peste) e sejam bonitos (o que, por si,
é garantia de antiguidade, claro, uma vez que o tempo mais não fez do que destruir, nada
trazendo de bom).
Nesta linha de pensamento, como as versões velhas espanholas foram recolhidas
numa época muito anterior à das versões portuguesas de que Garrett dispõe, elas apresentam,
ipso facto, um texto melhor. Portanto, um modo seguro de corrigir as versões portuguesas
modernas é guiar-se pelos textos antigos castelhanos que a elas correspondam. Eis o que
Garrett exprime com clareza quando, ao falar do modo como fixou o texto do Gaifeiros e
Melissenda, de que possuía muitas versões, diz:
Appurei por todas ellas o texto como aqui o dou, recorrendo, nas frequentes
difficuldades e dúvidas em que me achei, á licção castelhana tal como a dá
Duran, que assevera tê-la copiado [...] de um codice muito antigo que tinha á
359
vista.
E é sabido o resultado que o influxo do texto de Durán teve no caso do Gaifeiros:
358
359
Romanceiro, III, p. 50.
Romanceiro, II, p. 245.
116
Garrett ampliará, profundamente, as versões tradicionais com que contaria
[...] transformando-as num extensíssimo romance. [...] Para esta amplificação
serão traduzidos versos de Durán e criadas novas sequências de intriga para o
aproximar da versão castelhana. [...] a intriga deste romance garrettiano não
só segue de muito perto a versão de Durán como se afasta decididamente da
versão tradicional. [...] Garrett viu-se obrigado, julgando demasiado
fragmentárias as versões tradicionais [...] a amplificar, desmedidamente, o seu
360
romance mediante a versão de Durán.
Por outro lado, um aspecto importante das relações entre Garrett e os textos antigos
espanhóis é a necessidade que se vê que ele sente de mostrar (ou melhor, de afirmar) que a
sua versão, a que possui (recolhida em Portugal, na actualidade) é sempre, num aspecto ou
noutro, melhor que a versão velha espanhola correspondente.
Nem sempre este confronto, presente na maioria dos prólogos do Romanceiro de
Garrett, tem sido encarado do modo, a nosso ver, correcto. De facto, tal afirmação de
superioridade das versões portuguesas não nos parece que venha (ou, pelo menos, que venha
sobretudo) de sentimentos nacionalistas antiespanhóis, os quais, aliás, só a partir de finais
dos anos 50 do séc. XIX se vieram a fazer sentir com força entre a intelectualidade
portuguesa (em reacção aos projectos da chamada União Ibérica). A explicação parece-nos
ser outra (ou, pelo menos, sobretudo outra): para Garrett, o perigo —que era preciso
vencer— das versões castelhanas velhas não residia no “castelhanas” mas sim no “velhas”. E
parece lógico que assim fosse: para ele o que a tradição fazia era estragar o texto primitivo,
esse, sim, perfeito, o qual, infelizmente, não chegara até nós, e que era preciso tentar
recuperar. A essência da literatura tradicional, a sua criatividade (do ponto de vista
diacrónico ou sincrónico) não era, de modo algum, entendida por Garrett (nem por quase
nenhum dos colectores de baladas ou romances, até cerca de 1850).
Assim, a seus olhos, não se justificaria de modo algum publicar novas versões dum
romance de que já houvesse alguma anteriormente recolhida e publicada (pior ainda se
publicada séculos antes...), a não ser que a versão que agora se publicava fosse melhor (e,
felizmente para Garrett, o ser “melhor” é algo de muito elástico e subjectivo) que a versão já
publicada. É que, seguindo a lógica da teoria romântica sobre a etnoliteratura, o facto de ser
360
Pere Ferré, “Influências de Agustín Durán e Eugenio de Ochoa no Romanceiro de Almeida
Garrett”, in María Rosa Álvarez Sellers (org.), Literatura portuguesa y literatura española. Influencias y
relaciones, València, Facultat de Filología, Universitat de València, 1999, pp. 294, 296 e 297. Para um
confronto pormenorizado entre a versão de Garrett e a de Durán, ver pp. 294-7. Neste artigo, o autor estuda
vários outros casos em que versões velhas espanholas (conhecidas através de Durán) serviram de guia ao
trabalho “restaurador” a que Garrett entendeu dever submeter as suas.
117
boa era consequência do facto de ser antiga, e, portanto, ser melhor do que outra era
consequência de ser mais antiga do que a outra, e, portanto, mais próxima do original
perdido (e perfeito). De outro modo, se os seus textos não fossem melhores, uma colecção de
versões orais recolhidas no séc. XIX mas de que já havia versões correspondentes
publicados no séc. XVI não passaria dum conjunto de repetições sem sentido. Assim como
nenhum autor romântico pensaria em, depois de estar publicado o Eu tinha umas asas
brancas, escrever e, menos ainda, publicar uma remodelação desse poema, do mesmo modo
nenhum colector (ou leitor) romântico acharia lógico publicar duas versões do mesmo
romance — sobretudo se, pela data de publicação dum deles, ficasse claro qual era,
necessariamente, “o original”. A não ser, claro, que o editor conseguisse provar que o
pretenso original não o era e que a versão moderna que estava a publicar, embora recolhida
numa época muito posterior, representava uma forma anterior à forma reflectida no texto
quinhentista. Eis, no nosso entender, a razão por que Garrett, quase obsessivamente, quando
conhece, na tradição velha espanhola, uma correspondência das versões que publica, tenta
mostrar que as suas, embora recolhidas só agora (infelizmente para ele, isso era
indesmentível...), eram, no entanto, melhores que os textos velhos.
O tipo de transformações a que Garrett submeteu os textos, ou seja, o seu método
editorial criativo, não foi ainda objecto duma análise do tipo daquelas que, como atrás vimos,
mais ou menos já foram feitas para Percy ou Scott. E, infelizmente, tal análise parece não
poder nunca ser feita com tanto grau de certeza como no caso dos dois autores britânicos, já
que, como é sabido, de Garrett se não conservam propriamente originais de recolha, apenas
alguns textos menos retocados que os publicados em 1851. De qualquer modo, recorrendo a
esses textos e, ao mesmo tempo, ao confronto com as versões que, dos romances em causa,
foram obtidos da tradição oral por outros autores (posteriores, mas fiáveis), Pere Ferré fez,
recentemente, uma importante tentativa.
361
Esta experiência constitui, parece-nos, o modelo a
seguir no estudo do método editorial de Almeida Garrett, e, além do mais, mostra o que
provavelmente poderá ser feito em casos (da tradição portuguesa ou de outra qualquer)
361
Pere Ferré, “Oralidad y escritura en el romancero portugués” (inédito). Trata-se dum texto
apresentado em 2001, na Faculdade de Filologia da Universidade Complutense de Madrid, num ciclo de
conferências promovido pelo Seminario Menéndez Pidal. Embora o texto em causa tenha um propósito mais
geral (como o título deixa antever), uma parte importante dele é dedicada à análise do método editorial de
Garrett, partindo do estudo de caso dum romance específico: o Regresso do Navegante. Muito agradecemos ao
autor a oferta duma cópia do texto, o qual deve ser publicado em breve, nas actas do referido ciclo de
conferências.
118
semelhantes ao de Garrett, ou seja, sempre que, embora faltem os originais de campo, exista
uma boa quantidade de versões orais fiavelmente editadas, mesmo que não da mesma época
do texto “criativamente” editado.
No estudo que Pere Ferré fez do método de Garrett, ainda que baseado no estudo
dum único romance, encontram-se resultados que, provavelmente, se repetirão sem grandes
diferenças na análise doutros romances. E dizemos isto porque, mais uma vez, voltamos a
encontrar, agora em Garrett, transformações editoriais muito semelhantes às que já
conhecemos do método de Percy e de Scott, e que visam, nomeadamente:
— amplificar a acção, acrescentando-lhe pormenores;
— colmatar os hiatos da narrativa próprios do estilo oral;
— corrigir erros gramaticais (por exemplo, a convivência, na mesma frase ou em
frases seguidas, da terceira pessoa do singular e da segunda do plural);
— elevar o nível de língua do texto (mesmo que à custa da introdução de vocábulos
nada próprios do discurso que se esperaria encontrar na classe social e regional de onde
provinham aqueles romances);
— melhorar o estilo (nomeadamente através da eliminação das repetições de termos
típicas do estilo narrativo tradicional).
Como se imaginará, tais transformações visam (do mesmo modo que em Percy ou
Scott) restituir aos textos a pureza que, pensava Garrett, estes tinham possuído em épocas
passadas, e que a rodagem na tradição oral lhes tinha feito perder. A pureza originária é,
naturalmente, identificada com a época em que os romances teriam nascido e isso explica,
aliás, um aspecto em que o método de Garrett se afasta diametralmente do de Percy ou Scott:
a questão dos arcaísmos. O autor inglês e o escocês, visando dar ao leitor contemporâneo um
texto que ele lesse com agrado e, por isso mesmo, sem dificuldades, decidiram eliminar
muitas vezes os termos ou construções arcaicos, substituindo-os por formas mais modernas.
Garrett, pelo contrário, estava empenhado em dar aos seus textos, ainda que recolhidos da
oralidade na primeira metade do séc. XIX, o aspecto que eles teriam tido séculos antes, se
possível no momento em que foram escritos. Assim, preferindo, de longe, a patina medieval
à facilidade de leitura pelo público seu contemporâneo, inventa muitas formas arcaizantes,
que não existiam, nem em embrião, nos textos recolhidos. A invenção dessas sobrevivências
modernas de termos antigos punha em prática uma ideia que, como vimos, vem pelo menos
de Herder: o povo rural, ao contrário da burguesia citadina, soube manter a essência
nacional, identificada com a Idade Média.
119
Duas características do método editorial adoptado por Garrett (a saber, a decisão de
formar versões factícias ou de corrigir a versificação, que são as únicas que Scott
expressamente admite fazer) podem vir da leitura da introdução e dos prólogos de Walter
Scott. Mas as restantes características introduzidas pelo autor português nos seus textos só
muito dificilmente podem ser fruto do Minstrelsy, pois que, neste, não foram enunciadas.
Logo, estas últimas características, não podendo ser (pelo menos na sua totalidade) simples
coincidência, parece-nos que constituem mais uma prova a favor da hipótese que pusemos ao
falar das semelhanças entre os métodos de Percy e Scott: o facto de editores diferentes
encararem de modo semelhante a literatura oral (e a literatura em geral) levou-os a adoptar,
independentemente uns dos outros, um método editorial muito parecido, em países e mesmo
épocas diferentes.
1852
Num livro de poemas originais, Francisco Palha publica uma versão da Donzela
Guerreira.
362
O texto (intitulado Dona Guiomar) está numa secção do livro chamada
“Romances Populares”, onde, além deste, se incluem dois poemas da autoria de Palha
inspirados em romances tradicionais.
363
Dona Guiomar está, porém, muito longe dessas
recriações e, pelo contrário, com excepção do final (desde a partida de D. Marcos da guerra
para ver o pai “moribundo”), é bastante parecida com as versões tradicionais.
Luís Ribeiro publica um artigo sobre a poesia tradicional, nomeadamente o
romanceiro.
364
Trata-se dum artigo merecedor de destaque, sobretudo atendendo a que é dos
raros textos exclusivamente teóricos que, sobre o assunto, encontrámos nas nossas
investigações.
362
363
365
Nele se veiculam algumas das teorias românticas mais correntes —ainda
F[rancisco] Palha, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1852, pp. 97-109.
A Infanta de Castella (pp. 55-85) e A Aposta do Rei. Lenda popular (pp. 87-94), a que nos
voltaremos a referir no capítulo sobre a balada romântica.
364
Luiz Ribeiro [de Sottomaior?], “Cantos Populares de Portugal”, A Peninsula, I, nº 46
(15/12/1852), pp. 545-547.
365
Se exceptuarmos as publicações de Garrett e Silva Leal a que já nos referimos, apenas
conhecemos, antes deste artigo de Ribeiro, a série de A[lmeida] G[arrett], “Da Poesia Popular em Portugal”,
Revista Universal Lisbonense, V, nº 37 (5/3/1846), pp. 439-441; nº 38 (12/3/1846), pp. 450-452; nº 39
120
que modificadas pela visão pessoal de Ribeiro—, sobretudo a diferença entre poesia artística
e poesia popular,
oral.
367
366
e as consequências perniciosas que a instrução tem na vida da tradição
Além disso, fruto claro da leitura do Romanceiro de Garrett, este artigo debruça-se
também sobre a definição de “romance”, “xácara”, “solau” e “sirvente”.
368
(19/3/1846), pp. 460-462; nº 40 (26/3/1846), pp. 473-475; e nº 41 (2/4/1846), pp. 483-485, posteriormente
aproveitada no Romanceiro, II (1851).
366
Há dois tipos de poesia, explica Luís Ribeiro: “a poesia da arte” e “a poesia do povo”. “A
primeira só apparece, quando as naçoens tem já atravessado a infancia da civilisação [...] A sua obra não é o
producto de inspiração espontanea e apaixonada; mas o resultado do estudo e do raciocinio [...] A segunda para
se fazer ouvir não tem mais do que escutar o coração” (p. 545). Trata-se, obviamente, duma teoria
difundidíssima desde o Sturm und Drang, que encontrámos já expressa em Herder. Note-se, porém, que em
Ribeiro, esta distinção não é acompanhada (como nos autores alemães) por uma crítica à poesia artística, a
qual, no máximo, poderá estar implícita quando, conforme vimos, se diz dela que “não é o producto de
inspiração espontanea e apaixonada”. Mas a concepção de que ela é própria das “naçoens [que] tem já
atravessado a infancia da civilisação” parece, no mínimo, não ter uma conotação negativa. Ribeiro não opõe a
“poesia popular” à “poesia artística”, escrita, culta, de inspiração clássica (como faz Herder), mas sim a algo
diferente. De facto, depois de falar dos temas da “poesia popular”, afirma: “é impossivel contar n’ esse numero
as cançoens frias e monotonas, em que o povo se apraz hoje e que não passam de um reflexo pallido, grosseiro
e por vezes abjecto das suas paixoens”. Tal desdém pela “poesia popular” de “hoje” encontra um paralelo em
Herder (na introdução do II vol. dos Volkslieder), quando o autor alemão (de modo bem mais clarificador que
Ribeiro) identifica essa poesia com a do povo miserável das cidades, o Lumpenproletariat, “la plebe dei vicoli,
che non canta e non fa mai poesia, ma urla e storpia i versi” (apud Parvopassu e Rizzuti, “A salti e lanci, cit., p.
238). Se é verdade que a mesma visão classista e negativa desse tipo de poesia une o autor alemão e o
português, não deixa de ser sintomático que, como dissemos, se não encontre em Ribeiro a crítica da poesia
artística. Trata-se, provavelmente, de consequência do pouco enraizamento que as teorias românticas alemãs
tiveram na literatura portuguesa, a qual, como é sabido, apresenta um Romantismo muito mitigado e que,
afinal, nunca foi (nem provavelmente quis ser) “producto de inspiração espontanea e apaixonada; mas o
resultado do estudo e do raciocinio”.
367
“A poesia do povo nasce porque o povo sente; porque um affecto ou uma ideia o domina; mas a
expressão d’ este affecto ou d’ esta ideia é impensado e sem analyse. O povo canta o que lhe affectou os
sentidos ou a imaginação sem pensar no effeito, sem pensar na fórma das suas melodias [...] entôa esses
hymnos despidos de toda a arte, mas encantadores pela sua propria singeleza e graça natural: — mas dae a esse
povo instrucção e vêde o resultado.
Perdendo com a educação das escólas a simplicidade d’ affectos, o povo tem d’ instrucção quanto
basta para vêr a distancia immensa, que o separa da gente culta e não poder julgar nem sentir do mesmo modo,
que julgavam e sentiam seus avós. O povo d’ antes pensava cantando; agora pensa e analysa antes de cantar,
está muito logico para se satisfazer com a singeleza antiga; e o seu resultado é que a inspiração espontanea se
perde no exame e que dotado apenas d’ uma instrucção limitada e obrigado a procurar a vida no trabalho
121
Este texto de Luís Ribeiro constitui a introdução duma projectada série em que se
dariam a conhecer “cantos populares” inéditos, mas de que, infelizmente, apenas saiu mais
um artigo. Nele, o autor publica uma versão de Aposta Ganha + Aliarda + Conde Claros
369
Frade.
Os últimos 12 versos (curtos) devem ser invenção de Ribeiro, mas, até aí, o texto
tem aparência de genuíno.
1854
material, o povo não pôde supprir pelo desenvolvimento do espirito o que perdeu de singeleza natural. [...] É
um facto: — o povo deixou de ser poeta desde que conheceu a analyse” (p. 546).
A teoria aqui apresentada é, conforme vemos, apenas uma consequência das anteriores concepções
de “poesia popular” e “poesia artística”: ao ser exposto a um pouco de “estudo e [...] raciocinio” (dos quais,
como observámos, procede a “poesia artística”), o povo perde a “inspiração espontanea e apaixonada” que
produzia a “poesia popular”, sem que, no entanto, adquira a capacidade de criar “poesia artística”, pois não foi
suficiente a instrução recebida, que se revela, portanto, um verdadeiro malefício.
De sublinhar também que, nestas passagens, encontramos explicitadas mais claramente do que antes
as ideias de Ribeiro sobre a “poesia popular”: tal poesia é sinónimo de algo “impensado e sem analyse”, de
coisas “despid[a]s de toda a arte”, mas que a “gente culta” (a quem uma “distancia immensa” separa do povo)
sabe achar “encantador[a]s pela sua propria singeleza e graça natural”, ou seja, por aquilo que essa gente não
tem, uma vez que, ao contrário do povo, já passou a “infancia da civilisação”.
É desnecessário sublinhar o carácter reaccionário de tais ideias, que apontam numa direcção bem
diferente daquela que encontrámos indicada, por exemplo, nestas palavras de Herder que já anteriormente
transcrevemos: “le nostre anime sono oggi formate in modo diverso, per motivi di generazioni e in
conseguenza dell’ educazione dei giovani. Noi quasi non vediamo e non sentiamo più, bensì pensiamo e
almanacchiamo soltanto; non facciamo più poesia su e in un mondo vivo, nella tempesta e nel mescolarsi di tali
oggetti e sentimenti, ma rendiamo artificioso ogni nostro tema e ogni modo di tratarlo, o entrambe le cose”
(apud Parvopassu e Rizzuti, “A salti e lanci, cit., p. 109).
368
Ver p. 546. Embora Garrett já teorize no I vol. do Romanceiro (pp. 160-1 e 211-2) sobre os três
primeiros subgéneros mencionados por Luís Ribeiro, as ideias expostas no presente artigo procedem do artigo
garrettiano de 1845 (sobre o Bernal Francês) ou, o que será mais provável, da reedição que dele se faz no II
vol. do Romanceiro (na introdução do mencionado romance). Na verdade, é neste texto a propósito do Bernal
Francês que Garrett, além de definir os três subgéneros citados (ver pp. 121-3), refere também outros, entre
eles a “sirvente” (ver p. 127), de que fala Ribeiro.
369
Luiz Ribeiro [de Sottomaior?], “Cantos Populares de Portugal. I: O Conde de Montealvar”, A
Peninsula, I, nº 47 (23/12/1852), p. 561. Neste artigo não há nenhum texto de Ribeiro, apenas a transcrição do
romance, não acompanhada, aliás, de nenhum dado sobre o informante ou o local de recolha.
122
Deste ano (ou de pouco antes) parecem datar as primeiras recolhas de João Teixeira
Soares de Sousa (na ilha de São Jorge, Açores). Embora o seu interesse pela poesia oral seja,
explicitamente, fruto do exemplo de Garrett (aliás, foi pensando em enviar-lhe as versões
que Soares de Sousa começou as suas pesquisas),
370
o modo como o colector jorgense encara
essa poesia é muito diferente e, para a época, notável a todos os títulos. É digno de realce,
sobretudo, o respeito que ele demonstra pela letra dos textos.
371
1855
Seguindo numa linha de que encontrámos já vários exemplos, Mendes Leal publica
uma peça, passada na Idade Média, em que uma criada canta um fragmento (16 versos
372
curtos) do Conde Alarcos.
370
O texto está retocado.
Diz ele em carta a Teófilo Braga (9/11/1867): “Vivia ainda Garrett [o qual faleceu em 9/12/1854]
quando nos propozemos recolher o Romanceiro popular cavalheiresco d’ esta ilha com o fim de lhe aproveitar
nas subsequentes edições do seu Romanceiro. Tinhamos empregado n’ essa tarefa pouco tempo e exercido as
nossas investigações em uma pequena área, quando a notícia da sua morte nos fez suspender o nosso trabalho”
[Theophilo Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria (1860-1900). Cartas [...] [a Theophilo Braga],
com um prologo (“Autobiographia Mental de um Pensador Isolado”) por ..., Lisboa, Typographia Lusitana—
Editora Arthur Brandão, 1902, pp. 28-9].
371
Sobre a “figura invulgar” de Teixeira Soares de Sousa e o seu papel na história do romanceiro
português, ver Pere Ferré, Ro ma n c ei ro Po r tu g u ê s d a Tra d içã o O ra l Mo d e rn a . Ve r sõ e s
p u b lica d a s en t re 1 8 2 8 e 1 9 6 0 , e st ud o i ntro d u t ó rio , o r ga n iza ção e fi x ação d e ..., co m a
co lab o r ação d e Cr is ti n a Car i n ha s, R a mo n d o s S an to s d e J es u s e E va P a rra no , I, Li sb o a,
F u nd aç ão Calo u s te G ul b en k ia n, 2 0 0 0 , pp. 73-6; e Maria Teresa Alves de Araújo, Teófilo Braga e o
Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa. Questões de história e teorização, tese de doutoramento,
Lisboa, F. C. S. H., Universidade Nova de Lisboa, 2000, pp. 67-81.
372
José da Silva Mendes Leal Junior, A Herança do Chanceller, Lisboa, Typographia do Panorama,
1855, pp. 81-2. A acção da peça decorre em 1433. Na cena em causa, Briolanja, “sergenta” de D. Branca da
Cunha (filha de João das Regras), “fiando, lhe canta na melopea popular” o romance. Ao acabar este, Briolanja
comenta:
A trova diz: ‘bem casados’
(Suspirando)
Se o fossem mal, a Sylvana
Tendo o conde uma semana
Melhor purgava os peccados.
123
1856
Data deste ano o começo das recolhas de Estácio da Veiga, explicitamente feitas
sob influência de Garrett, cujo Romanceiro pretendia “completar”, no que diz respeito ao
Algarve.
373
1858
Temos um sinal de que, nesta época, o romance de Bernal Francês era tão
conhecido pelo público leitor que uma alusão a ele era facilmente reconhecida. Assim, se
explica que o seu nome apareça no título dum artigo de jornal,
374
onde se conta um
acontecimento real muito parecido com a história do romance. Note-se que desta última nada
se diz, sem dúvida porque tal não era preciso.
375
Por este comentário, percebe-se mais claramente que o romance é usado na peça como uma alusão
interna: na verdade, D. Branca corre o risco de vir a ser malcasada, pois querem obrigá-la a um casamento
contra sua vontade.
373
“Muitas e riquissimas rapsodias existem [...] exclusivamente no abrigo da memoria popular; e
mais eu disto me convenci desde que em 1851 o illustre Garrett publicou o terceiro volume do seu apreciavel
Romanceiro, no qual dá por terminada a acquisição dos romances [...]. Daqui inferi eu então, que o nosso poeta
não aspirava a abranger maior espaço; e se me reverdecêram logo na reminiscência outros cantares, senão mais
bellos, muito mais queridos para mim, porque tinham sabido arreigar-se-me n’ alma, quando ainda na minha
provincia natal os rapidos dias da infancia me corriam ledos e venturosos! Passados alguns annos occorreu-me
investigar, até onde chegasse o meu alcance, o que, além dos romances populares já publicados, alli haveria de
mais notavel e digno de compilar-se” (S. P. M. Estacio da Veiga, Romanceiro do Algarve, Lisboa, Imprensa de
Joaquim Germano de Sousa Neves, 1870, p. xxxi). Como veremos com mais pormenor no capítulo próprio,
Veiga voltou a fazer recolhas no Algarve em 1857 e 1858.
374
Anónimo, “O Bernal Francez em Acção”, O Futuro, 22/6/1858, p. 2.
375
O artigo começa assim: “Já lá vão bastantes annos, e se as tendencias poeticas passadas ainda
hoje vigorassem, de certo inspiraria um novo poema tão sentido, mas menos tragico no desfecho, o incidente
que vamos contar”. E narra uma história que, de facto, é muito parecida com a do Bernal Francês, só que, no
fim, o marido parte “para uma viagem no estrangeiro” e a mulher entra “para um recolhimento expiar
tardiamente as culpas que commettera”.
124
Neste ano, como veremos a seu tempo, talvez tenha sido concluída a organização do
Romanceiro do Algarve, de Estácio da Veiga, obra que, porém, só sairá em 1870.
1860
Dois autores alemães publicam aquela que é a primeira tradução em certa escala de
romances portugueses, embora compreendida numa antologia ibérica.
portugueses
377
376
Os romances
aí incluídos são 15, ao que parece todos versões do Romanceiro de Garrett. Os
textos são apresentados apenas em tradução.
378
Maria Peregrina de Sousa publica uma versão da Nau Catrineta.
O texto (que
vem assinado por D. Maria Peregrina, como se fosse considerado obra sua) está visivelmente
retocado.
379
376
Emanuel Geibel e Adolf Friedrich von Schack, Romanzero der Spanier und Portugiesen,
Stuttgart, J. G. Cotta’scher Verlag, 1860.
377
378
A nacionalidade dos textos portugueses é expressamente indicada no índice.
Maria Peregrina de Souza, A Náo Catarinêta, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 9, pp. 131-134.
Quanto à datação deste vol. da revista, diga-se que, no frontispício, ele traz a indicação de ser de 1857. Porém,
pelo menos parte dos fascículos incluídos neste volume são posteriores a tal data, já que neles há vários poemas
datados de anos sucessivos, até 1860. Por este motivo, decidimos colocar este volume d’ A Grinalda entre as
obras publicadas em 1860.
379
Numa nota (assinada “o redactor”) aposta ao título do texto, diz-se: “Cantiga popular,
actualmente quasi esquecida nas aldeias, melhorada e accrescentada pela Exmª. Snrª. D. Maria Peregrina de
Souza” (p. 131; sublinhado nosso).
Observe-se ainda que esta Nau Catrineta apresenta muitas parecenças com a versão publicada por
Garrett no Romanceiro, II (1851). Tal facto pode ter duas explicações: ou a versão garrettiana segue muito mais
de perto do que se pensa a letra dum texto tradicional, ou então (o que é mais provável) a versão recolhida por
D. Maria Peregrina foi, para a publicação, “polida” com base no texto de Garrett. Vejam-se duas passagens
bastante suspeitas da versão da autora portuense:
D’ esta náo Catarinêta
D’ ella vos quero contar:
Annos sete e mais um dia
Sempre na volta do mar;
Já não tinham que beber,
125
A mesma Maria Peregrina de Sousa publica uma versão de Conde Claros Insone +
380
Conde Claros e a Princesa Acusada + Conde Claros Frade.
anterior, é assinada por D. Maria Peregrina) está muito retocado.
O texto (que, tal como o
381
Já não tinham que manjar;
Solas puzeram de môlho
Para esse dia jantar
(p. 131)
[...]
Acima, gageiro, acima...
Áquelle topo real,
Mira se enxergas Hespanha,
Ou terras de Portugal.
Não vejo terras de Hespanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo só espadas nuas
Para matar-te sem al
(pp. 131-132)
380
Maria Peregrina de Souza, D. Carlos e D. Clara, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 11, pp. 161-
163. No fim, a versão está datada de 5/5/1859. Deste texto parece ter existido uma lição intitulada D. Carlos de
Montemar (note-se que é este o nome que a personagem tem igualmente na presente versão). De facto, Leite de
Vasconcelos (Ensaios Ethnographicos, I, Espozende, Collecção Silva Vieira, 1891, p. 235, e nota 4) informa
possuir o manuscrito duma “xacara” de D. Maria Peregrina com o referido título. Diz também ter, manuscritas,
da mesma autora, outras “xacaras, como A nau Cathrineta [...], O cego, Mal de saudades, que são, com leves
alterações, copiadas da boca do povo”. A primeira destas é muito provavelmente A Náo Catarinêta publicada
n’ A Grinalda, de que antes demos conta; das duas restantes, não temos notícia de estarem publicadas.
381
A própria autora diz (p. 161, em nota): “Esta cantilena popular a compuz o melhor que soube,
sem lhe tirar o estylo primitivo nem o entrecho”. Além de o discurso estar muito alterado ao longo de quase
todo o texto, há, no que diz respeito à história, algumas partes que parecem acrescentos, como, por exemplo,
quando o conde se dirige às “mulheres do soalheiro”, pedindo-lhes novas da princesa, e elas lhe respondem que
aquela está “nas hortas a degolar”. Por outro lado, nalgumas passagens omitem-se partes da história como ela
aparece nas versões tradicionais: por exemplo, não há conversa entre o conde e o mensageiro —aqui, uma
criada— que leva a carta da princesa, nem há conversa, no fim, entre o conde disfarçado e Claralinda,
limitando-se ele a raptá-la.
126
1861
Estácio da Veiga publica uma versão algarvia de Santo António e a Princesa.
382
É
precedida por uma introdução (mais tarde republicada no Romanceiro do Algarve, como
prólogo deste romance), o que a torna a primeira versão apresentada como tendo interesse
“erudito” que se publica em Portugal depois dum interregno de 10 anos (desde 1851, data do
Romanceiro de Garrett, II e III vols.). O texto da versão é o claro resultado do método
editoral criativo.
Este artigo foi republicado, no mesmo mês, noutro jornal.
383
Uma nota da redacção
que, aqui, acompanha o texto de Veiga parece apontar para a consciência de que um artigo
sobre o romanceiro era coisa que já se não lia em Portugal há anos, desde a morte de
Garrett.
384
1863
Sai nova edição dos II e III vols. do Romanceiro de Garrett.
385
Inclui os mesmos
textos da ed. de 1851 (Garrett falecera entretanto, em 1854).
1864
Obra póstuma do lusófilo alemão Bellermann, sai uma antologia de poemas
portugueses, apresentados no original e em tradução.
382
386
A obra é ocupada sobretudo por
S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve”, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861),
pp. 83-84.
383
384
A Epoca, 15/6/1861, p. 1.
De facto, nesta republicação, o artigo de Estácio da Veiga é antecedido por um texto da redacção,
em que se diz, nomeadamente: “O genero a que hoje se dedica o consciencioso escriptor [i. e., Veiga], é de
muito interesse e encanto, mas quasi olvidado pelos nossos engenhos, é portanto mais recommendavel o seu
merecimento e ainda mais digno da curiosidade publica”.
385
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, II e III: Romances Cavalherescos Antigos, 2ª ed., Lisboa,
Viuva Bertrand e Filhos, 1863.
127
romances tradicionais.
387
Destes, 18 são republicados do Romanceiro de Garrett, e dois
estavam provavelmente inéditos.
388
Um deles
389
apresenta um texto que não parece ter sido
retocado.
386
Christ[ian] Fr[iedrich] Bellermann, Portugiesische Volkslieder und Romanzen. Portugiesisch und
Deutsch mit Anmerkungen herausgegeben von Dr. ... Nachgelassenes Manuskript des Herausgebers, Leipzig,
Verlag von Wilhelm Engelmann, 1864.
387
Para lá dos romances tradicionais (e de várias outros textos de proveniência oral), a obra inclui a
Noite de S. João (“romance reconstruído” de Garrett) e o famoso romance em espanhol sobre a batalha de
Alcácer Quibir (“Puestos están frente a frente”) [ver Miguel Leitão de Andrade, Miscellanea, reed. facsimilada
da 2ª ed. (1867), introdução de Manuel Marques Duarte, Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1993,
pp. 161-3].
388
Trata-se duma Santa Iria (pp. 20-23) e duma Donzela Guerreira (pp. 64-75). Sobre a
proveniência do primeiro destes textos, Bellermann nada diz, mas não conseguimos descobrir a sua fonte,
sendo provável que estivesse inédito. Quanto ao segundo, Bellermann (como mais abaixo veremos) informa
que o recolheu em Lisboa. O problema é que esta Donzela Guerreira apresenta muitas semelhanças
inquietantes com a versão publicada por Garrett em 1851. Foram sem dúvida tão grandes semelhanças que
levaram Pere Ferré e Cristina Carinhas a considerar que a versão de Bellermann era apenas uma republicação
do texto garrettiano (ver Bibliografia do Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna (1828-2000),
Madrid, Instituto Universitario Seminario Menéndez Pidal, Universidad Complutense de Madrid, 2000, item
LXXXIX.179, p. 102). Sobre a sua versão, escreve Bellermann: “consegui este romance em Lisboa, tal como
se popularizou na zona de Sete Rios e Benfica, mais completo que o texto garrettiano” (“ich erhielt die
Romanze in Lissabon, wie sie in dortiger Gegend in Sete Rios und Benfica volksthümlich geworden war,
vollständiger als der Garrett’sche Text”, p. 270), mas já se sabe que este tipo de afirmações muitas vezes não
são de fiar. É um facto que o texto de Bellermann tem muitas passagens iguais ou extremamente parecidas com
a versão de Garrett (em geral, com a lição adoptada para texto-base, mas, por vezes, com uma das variantes
transcritas em nota de rodapé, sobretudo, nestes casos, a apresentada como própria de Lisboa), nomeadamente
do v. 75 até ao fim (v. 132). Mas não deixa de ser verdade que alguns outros versos são bastante diferentes na
versão de Bellermann e parecem tradicionais, sobretudo vv. 1 “Altas guerras se apregoarão”, 6-7 “Sem nenhum
filho varão! / Respondeo lhe a mais pequena”, 50 “E compridos ficarão”, 57-8 “Oh minha mai, minha mai /
Que eu morro de coração”, 62 “Para ir ao jardim passear”, 66 “Aos cravos se foi pegar”. A estes versos
correspondem-lhes, no texto garrettiano, os seguintes, bastante diferentes: 1 “Ja se apregoam as guerras” (e a
variante “Pregoadas são as guerras”), 6-7 “Sem nenhuma ser barão!... / Responde a filha mais velha”, 30
“Nunca d’ ellas sahirão”, 31-2 “Senhor pae, senhora mãe, / Grande dor de coração”, 36 “Para ir comvosco ao
pomar” (em variante, aparece “jardim”, mas sozinho, sem qualquer indicação de verbo a usar no verso, 40 “O
camoez foi apanhar” (e a variante “Á lima se foi pegar”). Por outro lado, a versão de Bellermann inclui
algumas passagens que, parecendo tradicionais, faltam no texto de Garrett, tendo vindo muito provavelmente
da oralidade:
“— ‘Como pode isso ser,
128
12
Se á guerra só homens vão!’—
‘Deme armas e cavallo
14
Que eu serei filho varão.’
‘Como podes ir a guerra,
16
Filha do meu coração,
Tendes os cabellos loiros
18
Filha, conhecer vos ão.’
‘Deme ca uma tissoura
20
Vellos-ha cahir no chão.’”
Outra passagem de Bellermann que falta em Garrett e tem todo o aspecto de ser tradicional (até pelo
facto de a palavra “benção” surgir como aguda e pelas deficiências métricas dos vv. 55-6) é a seguinte:
“Deme armas e cavallo
52
Que eu serei filho varão.
Adeos pai e minha mai,
54
Deite me a vossa benção.
Eu vou para a guerra,
56
Defender el Rei Dom João.”
A hipótese que nos parece mais possível para explicar o texto de Bellermann é que ele, de facto,
ouviu e recolheu uma versão da Donzela Guerreira, provavelmente incompleta, sobretudo do v. 75 até ao fim.
Então, conhecendo a versão de Garrett, foi buscar a ela a longa passagem em causa e incorporou-a ao seu texto,
e também outras passagens menores que, no seu texto, parecem demasiado semelhantes às de Garrett. Deste
modo, o seu texto tornou-se bastante mais comprido, e (tendo ele conservado certas passagens que não têm
correspondência em Garrett), “mais completo que o texto garrettiano” (132 vv., face aos 104 vv. de Garrett),
como Bellermann faz questão de sublinhar, deixando claro que, assim, o seu texto é melhor que o do mestre.
Além disso, e com o mesmo objectivo de atingir a perfeição representada, a seus olhos, pelo modelo de 1851,
Bellermann deve também ter retocado muitos dos versos da sua versão, com base na de Garrett, e isso explicará
todas as semelhanças demasiado grandes existentes entre ambas em muitos versos ao longo do texto. Processo
similar foi adoptado explicitamente pelo mesmo Bellermann na versão que publica da canção narrativa Deus te
salve, Rosa (ver, no subcapítulo seguinte, o ano de 1864), embora aí a base do publicado tenha sido a lição
garrettiana, retocada com variantes extraídas dum texto recolhido por Bellermann. Por outro lado, como adiante
veremos, um perfeito paralelo encontra-se no Regresso do Navegante publicado por Estácio da Veiga, que,
com base na versão garrettiana, alterou e completou a sua, de modo a poder ultrapassar o modelo que, para
qualquer autor posterior, representaria o Romanceiro de 1851.
389
Referimo-nos à Santa Iria.
129
Teófilo Braga publica, na importante Revista Contemporanea de Portugal e Brazil,
uma versão do Lavrador da Arada,
390
recolhida por Gomes Monteiro.
391
A versão, que não
evidencia retoques visíveis, é antecedida por um estudo relativamente longo.
392
Trata-se dum
artigo de índole comparativista, onde se referem lendas de outros países em que, tal como no
romance ibérico, aparecem deuses que se fazem passar por peregrinos e pedem hospitalidade
aos homens. Citam-se exemplos (da Antiguidade Clássica, da China, passos dos evangelhos,
e várias lendas europeias) extraídos, sobretudo, de monografias de autores estrangeiros,
nomeadamente Maury (Essai sur les légendes pieuses du Moyen-Âge)
ss. de Bretagne).
394
393
e Lobineau (Vie des
Este artigo é, ao que julgamos, o primeiro que Braga dedicou à literatura
oral (tinha ele então 21 anos) e anuncia a importante série de estudos que, no ano seguinte, o
autor publicará, sobretudo no Jornal do Comércio, como veremos.
390
Theophilo Braga, “Poesia Popular”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, V, pp. 306-
307. Na Biblioteca Nacional, o volume da Revista Contemporanea em que este artigo está incluído tem, no
frontispício, os seguintes dizeres: “Quinto anno / Abril de 1864 / V/ Lisboa, Escriptorio da Revista
Contemporanea de Portugal e Brazil, 1865”. Este frontispício parece corresponder à edição em livro da revista,
feita em 1865, começando este volume no número de Abril de 1864, e acabando (como adiante veremos) no de
Março de 1865. Com excepção do referido fascículo de Abril, os fascículos não têm frontispício nem qualquer
indicação de data. No entanto, é possível reconhecê-los, separá-los uns dos outros e datá-los, porque têm todos
a mesma estrutura: começam com o retrato dum escritor (em gravura), a que se segue a biografia do mesmo,
continuam com vários artigos, e acabam com uma “Chronica do Mez” (por Julio Cesar Machado) e uma
“Chronica de Modas” (por Clotilde Z.) ou uma “Chronica Bibliographica” (por Ernesto Biester). Tendo isto em
atenção, o fascículo em que se insere o artigo de Teophilo Braga deve ser de Setembro de 1864. O volume
termina com o que parece ser o fascículo correspondente ao mês de Março de 1865, perfazendo-se, assim, um
ano.
391
De facto, informa Braga ser ao “sr. José Gomes Monteiro a quem devo esta legenda popular” (p.
307, nota 1). Tal é confirmado por uma carta de Monteiro a Teófilo (datada do Porto, 13/10/1863), publicada in
Theophilo Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria, cit., pp. 18-19.
392
393
Art. cit., pp. 302-6.
I. e., L.-F.-Alfred Maury, Essai sur les légendes pieuses du Moyen-Âge ou examen de ce qu’ elles
renferment de merveilleux, d’ après les connaissances que fournissent de nos jours l’ Archéologie, la
Théologie, la Philosophie et la Physiologie médicale, Paris, Librairie Philosophique de Ladrange, 1843.
394
I. e., Dom Gui-Alexis Lobineau, Les Vies des saints de Bretagne et des personnes d’ une
éminente piété qui ont vécu dans la même province, avec une addition à l’ Histoire de Bretagne, Rennes, Par la
Compagnie des Imprimeurs-Libraires, 1725 (há uma ed. moderna de 1836-37, que talvez seja a que Braga
consultou).
130
1865
São anteriores a esta data as recolhas de Tomás Ribeiro (na Beira) e José Maria da
Ponte e Horta (no Algarve), que parece terem contido romances. Delas, infelizmente, nada
mais se sabe.
395
Logo no início do ano, Teófilo Braga publica um novo artigo na Revista
Contemporanea, desta feita sobre os Descobrimentos como tema literário.
396
No que diz
respeito à literatura oral, fala da Nau Catrineta, seguindo as ideias de Garrett sobre a origem
deste romance. Refere vários textos latinos e de estudiosos modernos, nomeadamente a obra
de Maury que já citara no artigo de 1864.
O mesmo Braga publica, desta feita no Jornal do Comércio, uma série de artigos
sobre literatura oral, onde, aprofundando a linha dos dois saídos na Revista Contemporanea,
mostra muito maior conhecimento dos temas do que a revelada pelos estudiosos portugueses
que o precederam, incluindo Garrett. Além disso, Braga afasta-se dos estudiosos anteriores
sobretudo por um desejo de cientificidade mais ou menos positivista, que lhe vem da
convivência com obras modernas estrangeiras (especialmente francesas) de cariz
comparativista, histórico e antropológico.
No que diz respeito ao romanceiro, estes artigos tratam do seguinte:
395
Conhecemos tais recolhas pela referência que lhes faz Palmeirim, o qual se propõe publicar esses
textos quando “o nosso bondoso e illustrado amigo o sr. Thomaz Ribeiro nos fornecer, como espontaneamente
nos prometteu, uma collecção de cantigas dos cegos pedintes da Beira, provincia da naturalidade do distincto
autor do D. Jayme. Egual promessa nos foi feita pelo nosso amigo o sr. José Maria da Ponte e Horta,
benemerito lente da eschola polytechnica, e amador conscencioso de assumptos litterarios, especialmente dos
que revelam amor ás coisas da terra natal. O sr. José Horta é filho do Algarve, uma das provincias mais por
explorar em relação ás artes e á poesia” (L. A. Palmeirim, “A Poesia nos Campos”, Archivo Pittoresco, VIII
(1865), nº 23, p. 184; a série de artigos com este título, publicada em vários números da revista, foi republicada
na obra do autor Galeria de Figuras Portuguezas. A Poesia Popular nos Campos, Porto e Braga, Livraria
Internacional de Ernesto Chardron—Editor, 1879, pp. 1-47). Tendo em atenção o que se conhece do reportório
habitual dos “cegos pedintes”, estas duas recolhas (ou pelo menos a de Tomás Ribeiro) deveriam constar de
romances e canções narrativas.
396
Theophilo Braga, “Poesia da Navegação Portugueza”, Revista Contemporanea de Portugal e
Brazil, V, pp. 513-523. Pelas nossas contas, o fascículo em que saiu este artigo deve ser de Janeiro de 1865.
131
— Republicação do texto do Lavrador da Arada que saíra em 1864, acompanhado
por uma nova versão (em geral, acrescentada) do respectivo estudo introdutório.
397
— Menção da lenda de Virgílio (de que nascerá o romance do mesmo título, a que,
porém, Braga se não refere), do romance de Silvana (i. e., de Delgadinha), que diz “tem uma
similhança profundissima com a Myrra da poesia grega”, e do romance da Filha do
Imperador de Roma, que “parece uma tradição da sociedade byzantina”.
398
Explica que o
conhecimento de tais histórias clássicas chegou à tradição popular na Idade Média, através
da sua difusão em sermões, nos quais os pregadores introduziam por vezes “contos, muitas
vezes licenciosos e facetos, e fabulas de Esopo, a que chamavam Exemplos”. Braga cita
vários estudiosos estrangeiros modernos, sobretudo Chassang, Histoire du roman.
399
— O tema da Nau Catrineta. Braga refere a propósito várias relações de naufrágios
e transcreve uma versão do romance, conforme “a recolhemos novamente da tradição
popular”. O texto não parece retocado e não foi republicado por Braga em nenhum dos seus
romanceiros.
400
— A propósito do maravilhoso na poesia tradicional,
Catrineta, de que transcreve um fragmento.
402
401
Teófilo menciona a Nau
Transcreve também
403
a Nossa Senhora dos
Mártires (romance da autoria de Estácio da Veiga, mas que este apresenta como recolhido da
oralidade),
404
que diz ser “com pouca differença” igual a uma lenda referente à vida de São
Patrício (embora, na verdade, tal nos não pareça). Essa semelhança mostraria o carácter
397
398
Teophilo Braga, Jornal do Commercio, “Lenda Popular da Hospitalidade”, 24/5/1865, p. 2.
Teophilo Braga, “Do Cyclo Greco-Romano na Poesia Popular Portugueza”, Jornal do
Commercio, 23/8/1865, p. 3.
399
I. e., Alexis Chassang, Histoire du roman dans l’ Antiquité, Paris, Didier, 1862.
400
Teophilo Braga, “A Lenda da Nau Catharinetta”, Jornal do Commercio, 1/9/1865, p. 3.
401
Teophilo Braga, “Maravilhoso da Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 9/9/1865,
pp. 2-3, 20/9/1865, p. 3 e 26/9/1865, p. 2.
402
Tal fragmento (transcrito no nº de 20/9, p. 3), é, embora Braga não o diga, um excerto que Garrett
dá em nota quase no fim da sua versão (ver Romanceiro, III, p. 92).
403
404
Loc. cit.
Como veremos no capítulo dedicado à balada romântica de carácter medievista ou popular, esse
romance está incluído num artigo de Veiga intitulado A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de
Castromarim, que saiu pela primeira vez n’ A Nação (18/8/1860, pp. 1-2). Foi depois republicado três vezes,
uma deles na Estrella d’ Alva [II, nº 20 (Agosto 1861), pp. 149-152], de onde Braga, segundo informa, o
transcreve.
132
céltico da tradição portuguesa. Cita alguns autores estrangeiros modernos, nomeadamente
Xavier Marmier [“Traditions de la Suisse”, Rev[ue] de Paris, IX (1841)] e Renan (Poésie des
races celtiques).
405
— A propósito dos subgéneros antigos e modernos da poesia tradicional
portuguesa,
406
fala dos heptassílabos e da rima vocálica (que teriam origem nos hinos da
Igreja Católica)
407
e de crónicas castelhanas em que há por vezes prosificação de romances.
408
1866
O último artigo do conjunto publicado por Braga no Jornal do Comércio sai já 1866
409
e é sobre a Donzela Guerreira.
405
406
Nele, o autor transcreve uma versão portuguesa, cujo texto
I. e., Ernest Renan, La Poésie des races celtiques, Paris, Imprimerie Claye, 1854.
“Discussão das Formas da Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 11/10/1865, p. 3;
21/10/1865, p. 3; 7/11/1865, pp. 2-3; 24/11/1865, p. 3; e 8/12/1865, p. 1.
407
Art cit., nº de 11/10, p. 3. É de pôr a hipótese de que esta teoria lhe tenha vindo através de Ochoa
(cf. Tesoro, cit., pp. xxiv-xxv).
408
Dá dois exemplos dessas prosificações (loc. cit.), os quais, tal como a referida teoria, pareceriam
provir das Memorias para la Historia de la poesía española, 1774, do Pe. Martín Sarmiento, que Braga cita. É
difícil saber se este conhecimento lhe terá vindo da leitura da obra original, ou da sua referência e transcrição
por outro autor mais moderno. Teresa Araújo, ao falar doutra menção que, bastante mais tarde (em 1902, na
Historia da Poesia Popular Portugueza. As Origens), Braga faz à teoria de Sarmiento, propõe que a fonte do
autor português possa ter sido o De la poesía heroico-popular de Milà i Fontanals, saída em 1874, onde se
resumem as ideias de Sarmiento (ver Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna, cit., pp. 336-7,
n. 670). Obviamente, porém, esta não pode ser a fonte de Teófilo, uma vez que, como vemos, já em 1865 (bem
antes da obra de Milà) ele mencionara a opinião do erudito setecentista.
409
“Do Elemento Anonymo nas Litteraturas do Meio Dia da Europa. I: Origem do Romance
‘Donzella que Vae á Guerra’”, Jornal do Commercio, 20/1/1866, p. 1. Como se vê pelo subtítulo, este artigo
apresenta-se como o primeiro duma série. Porém, não obstante tenhamos folheado a colecção do jornal até ao
fim de Julho de 1866, não encontrámos mais nenhum artigo de Teófilo Braga. É muito provável que,
entretanto, o autor, ao publicar em fins de Novembro de 1865 o seu opúsculo (Teocracias Literárias) sobre a
Questão Coimbrã, se tivesse tornado personna non grata para o jornal. Na verdade, essa famosa polémica
começa em Outubro de 1865, e o Jornal do Comércio coloca-se do lado de Castilho, publicando (entre
22/11/1865 e 31/7/1866) vários artigos, sobretudo de Pinheiro Chagas (e ainda de Osório de Vasconcelos,
Ricardo Guimarães, um grupo de intelectuais brasileiros e do próprio Castilho), contra Antero e Teófilo [ver
133
(“que recolhemos em umas poesias no Minho” [sic]) não parece retocado. Refere paralelos
daquele romance, transcrevendo uma balada italiana publicada por Nigra (autor de quem cita
a opinião sobre a origem provençal da Donzela Guerreira), e menciona a existência do
mesmo tema num “canto slavo” e num “canto grego moderno”.
410
Lembra ainda o pequeno
fragmento duma versão em espanhol citado por Jorge Ferreira de Vasconcelos (e a que
Garrett já se referira), facto que, segundo faz notar (na esteira, aliás, do visconde), prova que,
embora ausente dos romanceiros castelhanos (e das poucas mostras de romances então
conhecidos da tradição oral moderna espanhola), tal romance deveria ter existido também em
Espanha.
Noutro periódico, Teófilo Braga republica o texto do Lavrador da Arada que saíra
em 1864 e 1865, assim como a nova versão (de 1865) do respectivo estudo introdutório.
411
1867
412
Braga publica uma História da Poesia Popular Portuguesa,
cujo objectivo,
revelado pelo título, espanta sem dúvida por o autor ter achado possível atingi-lo numa época
Maria José Marinho e Alberto Ferreira, A Questão Coimbrã (Bom Senso e Bom Gosto), apresentação crítica,
selecção, notas, linhas de leitura e pontos de orientação de ..., Lisboa, Editorial Comunicação, 1989, pp. 24-38].
410
Tanto a balada piemontesa como o conhecimento dos outros dois poemas devem ter chegado a
Teófilo Braga através da leitura duma obra de Nigra. Não é ela os célebres Canti popolari del Piemonte, saídos
apenas em 1888; deve tratar-se, sim, dum artigo que não pudemos consultar, mas sobre o qual o próprio autor
italiano escreveu o seguinte: “Nel 1854 io pubblicai una lezione [...] di questa canzone [a balada La Guerriera]
nel giornale torinese ‘Il Cimento’, con paralleli coi canti illirici e greci [em nota, especifica: “anno II, fasc.
XVIII”]. Nel novembre del 1858 ne pubblicai poi tre lezioni, con varianti, nella ‘Rivista contemporanea’,
aggiungendo ai paralleli coi canti greci e slavi anche quello col canto portoghese Donzella que vai á guerra”
(Costantino Nigra, Canti popolari del Piemonte, prefazione di Giuseppe Cocchiara, I, Torino, Giulio Einaudi
editore, 1974, p. 340). Dos dois artigos referidos por Nigra, o que Braga leu deve ter sido o de 1858, pois
(como se deduz dos Canti, pp. 341 e 342), é ali que o autor italiano apresenta pela primeira vez a sua teoria
sobre a origem provençal da Donzela Guerreira, teoria que, como vimos, é citada por Teófilo. Acrescente-se
que, mais tarde, Braga volta a referir-se a este artigo de Nigra indicando claramente que o leu na Rivista
contemporanea, 1858 (ver Romanceiro Geral, p. 165).
411
Theophilo Braga, “Lenda Popular da Hospitalidade”, O Instituto, XIII, nº 5 (1866), pp. 115-8. O
romance propriamente dito está na p. 118.
412
Theophilo Braga, Historia da Poesia Popular Portugueza, Porto, Typographia Lusitana, 1867.
134
tão prematura, em que ainda tanto e tanto havia a estudar. Mas o espírito de Teófilo ansiava
pelas grandes sínteses e não recuou perante a pequena quantidade de versões de que podia
dispor e a ainda menor quantidade de estudos teóricos. A obra, em grande parte, é uma
repetição das palavras escritas em 1864-66 nos artigos da Revista Contemporanea e do
Jornal do Commercio.
413
No que diz respeito ao romanceiro, cita a “versão do Algarve” da
Nau Catrineta (de Garrett) e ainda a Nossa Senhora dos Mártires (poema da autoria de
Estácio da Veiga, como dissemos), que resume.
414
Neste ano, Braga publica também o primeiro dos seus romanceiros.
canções narrativas,
(16)
417
416
415
Além de 6
a obra inclui 56 versões de romances, em parte republicadas de Garrett
e doutros autores (8).
418
Os textos inéditos, aqui publicados pela primeira vez, são
419
32.
413
Ver Maria Teresa Araújo, Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa,
cit., pp. 136-148.
414
415
Ver op. cit., pp. 117-8.
Theophilo Braga, Romanceiro Geral, colligido da tradição por..., Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1867.
416
São elas: nº 19 (O Hortelão das Flores), nº 51 (Deus te Salve, Rosa), nº 52 (Os Conversados), nº
53 (Entre Canas e Caninhas), nº 54 (Na Escola de Cupido) e nº 61 (Vida de Freira).
417
Como se sabe, Braga não indica a origem dos textos que publica no seu Romanceiro Geral. O
número que fornecemos relativamente às republicações de textos garrettianos, e os restantes dados que mais
abaixo daremos sobre os textos publicados por Braga, foram deduzidos fundamentalmente a partir das
informações contidas em Pere Ferré e Cristina Carinhas, Bibliografia do Romanceiro Português da Tradição
Oral Moderna, cit.
418
De Gil Vicente (nº 35, fragmento do Cid e Búcar, do Auto da Lusitânia), de Estácio da Veiga (nº
39, a Moura Encantada; nº 40, Nossa Senhora dos Mártires; e nº 44, Santo António e a Princesa), de Pereira
da Cunha (nº 47, Santa Iria — ver atrás o ano de 1844), de Gaspar Frutuoso (nº 50, Terramoto de Vila Franca
do Campo, das Saudades da Terra) e do próprio Braga (nº 5, Donzela Guerreira, e nº 43, Lavrador da Arada
— ver atrás os anos de 1866 e 1864, respectivamente).
419
As versões inéditas são as seguintes: Regresso do Marido (nºs 1 e 2), Donzela Guerreira (nºs 3-
4), Gerinaldo (nº 6), Soldados Violadores (nº 8), Infantina (nºs 10 e 11), Bernal Francês (nº 13), Conde Ninho
(nº 14), Conde Sol (nº 15), D. Aleixo (nº 16), Má Sogra (nº 17), A Princesa e o Segador (nº 20), Nau Catrineta
(nº 23), Conde Preso (nº 25), Conde Alarcos (nºs 27 e 28), Conde da Alemanha (nºs 29 e 30), Conde Claros
Frade (nºs 31-33), Cativo do Renegado (nº 41), Santa Iria (nº 46), Devota da Ermida (nº 48), A Touca da
Virgem e a Alma Pecadora (nº 49), Falso Cego (nº 55), Frei João (nº 50), O Toureiro (nº 58), Batalha de
Lepanto (nº 60) e Delgadinha (versão sem número, pp. 181-3).
135
Sublinhe-se que, ao contrário do que fizera Garrett, na presente obra vários dos
romances aparecem em duas versões (e, num caso, mesmo em três), o que mostra uma visão
muito diferente da vida do romanceiro oral.
No que diz respeito à fidelidade com que os textos são apresentados, as versões que
aqui se publicam pela primeira vez estão, geralmente,
420
muito mais próximas da oralidade
do que acontecia na grande maioria dos autores precedentes. Quanto às versões que Braga
republica doutras fontes, é claro que a fidelidade dos textos é a que eles que apresentavam
nas obras donde são transcritas. Assim, as versões provenientes de Garrett são, como se sabe,
todas retocadas, e dois dos textos republicados de Estácio da Veiga são completamente
inventados. Portanto, só às versões inéditas se poderão aplicar as palavras que Braga
(embora referindo-se à totalidade do corpus) escreve no prefácio da obra: “Esses sessenta
421
romances, que a todo o custo alcançámos de pessoas que não sabem dizer sem cantar [...]
foram, por assim dizer, apanhados em flagrante delicto do enthusiasmo popular”.
422
Aliás,
pouco depois, Teófilo é mais preciso: “protesto, em nome da probidade de homem e da
intuição de artista, que todos os romances populares que da tradição recolhi são estremes e
genuinos”.
423
O prefácio tem algumas passagens que marcam bem a diferença de paradigma que
esta obra estabelece na História do nosso romanceiro. São aquelas em que Braga fala do
desalento que o invadiu quando se apercebeu de que os textos que podia recolher da
oralidade não tinham a perfeição dos de Garrett — e do modo como ultrapassou essa
desilusão. As críticas de Teófilo ao método editorial do visconde e, sobretudo, a valorização
que faz do princípio da verdade etnográfica, em detrimento do até aí omnipresente princípio
da qualidade estética constituem, em Portugal, uma verdadeira novidade:
Muitos dos romances que formam a presente collecção, já andavam na lição
de Garrett melhor dramatisados, e com um colorido encantador.
420
A Vida de Freira (nº 61) é, no entanto, uma versão factícia, como o próprio Teófilo informa:
“Estas coplas foram recebidas da Beira-Baixa em duas lições fragmentadas, que mal deixavam perceber o
sentimento profundo que encerram. No Manuscripto nº 338 da Bibliotheca da Universidade [de Coimbra]
existe uma outra lição em letra do seculo XVII [...] , pela qual podémos coordenar as lições da Beira-Baixa” (p.
214).
421
Verdadeiramente, a obra contém um total de 62 textos, dos quais 56, como dissemos, são
romances.
422
423
Pp. vii-viii.
P. viii (sublinhado nosso).
136
Desanimámos por vezes, quando confrontavamos as versões que recolhiamos
com as d’ elle, sempre mais primorosas e extensas. Por fim vimos, e as
palavras de Garrettt o confirmam, que elle por vezes de muitas variantes
formava um só romance, supprindo versos, ou completando-os pelos
manuscriptos do Cavalleiro de Oliveira. Assim apresentou um trabalho
excellente sob o ponto de vista artistico, pelo gosto de Percy, mas não merece
a absoluta confiança dos que quizerem surprehender a alma do povo na
elaboração da sua poesia. [...]. Comparámol-os [os romances que Braga
recolheu] com as versões de Garrett, e creio que aonde lhe são inferiores
assenta a sua valia. [...] um sentimento de respeito venerando obrigou a
conservar sempre na sua rudeza as coplas e narrativas que iamos recolhendo.
[...] protesto, em nome da probidade de homem e da intuição de artista, que
todos os romances populares que da tradição recolhi são estremes e
424
genuinos.
De notar que, numa tentativa “científica” de restituir a tradicionalidade aos textos de
Garrett, Braga republicou alguns deles separando-os em duas versões, formando o segundo
texto com a ajuda das variantes que o Visconde apresentara em rodapé.
425
O Romanceiro Geral é complementado com comentários a boa parte dos romances,
em geral de tipo histórico e comparativista. Braga refere muitas obras estrangeiras modernas,
estudos ou colectâneas de textos tradicionais, onde aponta (e de que, por vezes, transcreve)
paralelos de textos portugueses (nomeadamente, o Romancero general de Durán, o Tesoro
de Ochoa, Amador de los Ríos,
426
Milà i Fontanals,
427
Nigra,
428
Marcellus,
429
Puymaigre,
430
etc.). De autores portugueses antigos cita, com pertinência, trechos que se ligam a alguns dos
424
425
Braga, Romanceiro Geral, cit., pp. vii-viii.
Sobre a questão, ver Pere Ferré, Ro ma n cei ro Po r tu g u ês d a T ra d içã o Ora l Mo d ern a ,
cit. , I , pp. 78-9.
426
“Romanzen Asturiens”, Jahrbuch für romanische und englische Literatur, III (1861), pp. 268-
296.
427
Manuel Milá y Fontanals, Observaciones sobre la poesía popular, con muestras de romances
catalanes inéditos, Barcelona, Narciso Ramírez, 1853.
428
Refere-se (p. 165) aos “interessantissimos estudos da poesia popular do Piemonte (Revista
Contemporanea [,] de Turin, novembro de 1858)”, de Nigra, de onde traduz a versão duma balada (pp. 165-6).
429
430
Comte de Marcellus, Chants populaires de la Grèce moderne, Paris, Michel Lévy frères, 1860.
Th[éodore] de Puymaigre, Les Vieux auteurs castillans, Metz, Rousseau-Pallez / Paris, Didier et
Cie., 1861-62, 2 vols. Trata-se duma história da literatura antiga espanhola, com um capítulo sobre o
romanceiro, em que Puymaigre cita e por vezes transcreve mesmo, a título comparativo, muitas versões de
textos populares de vários países europeus, e donde Braga cita referências ou transcreve extractos de, por
exemplo, textos franceses, italianos ou alemães.
137
romances que publica.
431
Assinale-se que, nalguns dos comentários deste livro, Teófilo
aproveita bastante do que escrevera nos artigos de jornal de 1864-66.
Um dos melhores frutos desta obra de Braga foi provavelmente o facto de ela ter
reavivado o interesse de Teixeira Soares de Sousa pela recolha da poesia oral. De facto, em
1867, o ilustre jorgense remeteu a Braga o produto das suas pesquisas anteriores, feitas ao
que parece, como dissemos, em 1854 (ou mesmo antes), a fim de ajudar Garrett.
432
Além
disso, passou a colaborar com Teófilo, enviando-lhe numerosos materiais, transcritos ao que
parece com grande fidelidade.
433
1869
434
Braga publica os Cantos Populares do Arquipélago Açoriano,
(intitulada “Romanceiro de aravias”) é ocupada fundamentalmente
431
435
cuja segunda parte
por uma colecção de 72
Além de vários passos de Gil Vicente, Braga cita a História de São Domingos, de Fr. Luís de
Sousa (donde extrai a narrativa dum milagre que é paralelo do contado no romance de Nossa Senhora dos
Mártires) e a Chronica dos Frades menores, de Fr. Marcos de Lisboa (onde se conta o milagre que é tema do
romance Santo António e a Princesa).
432
Na sua primeira carta (de 9/11/1867), Teixeira Soares, depois de explicar que não chegara enviar
os seus materiais a Almeida Garrett, por este ter morrido, diz a Teófilo: “Vimos pelos jornaes que v. se
propunha a continuar a obra do grande mestre [refere-se, provavelmente, a uma notícia anunciando a próxima
publicação do Romanceiro Geral de Braga, que, embora saído nesse ano de 1867, Soares ainda não possuía,
pois só mais tarde fala dele —na carta de 24/6/68, pp. 32-33, onde, aliás, agradece a oferta]. Deparando acaso
com alguma parte do que haviamos recolhido resolvemos remettel-a a v.” [Braga (org.), Quarenta Annos de
Vida Litteraria, cit., p. 30].
433
Pelas várias cartas de Teixeira Soares a Braga (ver op. cit., pp. 29-64), pode seguir-se a sua
colaboração com o autor micaelense, nomeadamente o percurso das suas recolhas.
434
Theophilo Braga, Cantos Populares do Archipelago Açoriano, publicados e annotados por...,
Porto, Typ. da Livraria Nacional, 1869.
435
Entre os romances há, de facto, alguns textos que o não são. Trata-se de 9 canções narrativas (nºs
35, 36, 63-5, 72, 74, 77 e 80) e 2 líricas (nºs 60 e 79 —por lapso, há dois textos com o nº 79; a canção narrativa
é o segundo deles).
138
versões de romances. Com excepção de três provenientes de fonte escrita,
436
parece terem
sido recolhidas quase todas por Teixeira Soares de Sousa na ilha de São Jorge
uma, estavam todas inéditas.
437
e, tirando
438
A grande maioria dos romances é apresentada em mais duma versão (o mais
corrente é serem duas, havendo casos em que se chega a três ou mesmo cinco versões). Os
textos parecem estar muito próximos da lição tradicional. No entanto, confrontando-os com
os manuscritos enviados por Soares de Sousa que, em certos casos, chegaram até nós, é
possível neles encontrar modificações editoriais. Assim, verificam-se retoques visando dar
ao texto uma métrica perfeita, que, nalguns casos, são pequenos, não tendo consequências a
nível além do fonético,
439
mas, noutros, são de maior envergadura, ocasionando, inclusive, a
perca de certas estruturas paralelísticas, típicas do estilo tradicional.
440
Além disso, num
texto, existe uma interpolação de três versos que se não encontram no manuscrito e que, ao
436
Trata-se do nº 57 (a versão de Flérida publicada por Garrett no Romanceiro, II, que Braga
transcreve para comparação com o nº 56), nº 58 (Terramoto de Vila Franca do Campo, das Saudades da Terra,
de Gaspar Frutuoso) e nº 59 [um Romance de Dona Inez de Castro, que Braga aqui publica sem se perceber
porquê, e diz ter sido “achado entre os papeis velhos de um burguez honrado do Porto, escripto em letra dos
fins do seculo XVIII” (p. 457); trata-se, no entanto, dum poema de Alexandre José Gomes Monteiro, publicado
em 1842, como se pode ver no Apêndice nº 2 deste nosso trabalho].
437
Exceptuam-se os nºs 30 e 75, recolhidos, respectivamente, na ilha de São Miguel e na Terceira.
Desconhecemos quem tenha sido o seu colector, já que Soares de Sousa, como é sabido, vivia em São Jorge.
De referir ainda que, no fim da obra (p. 471), Braga apresenta “um publico agradecimento ao snr. Dr. Antonio
Pereira da Cunha, pela boa vontade com que interrogou a tradição popular da freguesia do Topo, na ilha de
Sam Jorge”. Não sabemos que possa ter recolhido este colaborador (o qual não se deve confundir, pensamos,
com o seu homónimo, poeta e também colector de alguns romances do Minho, a que nos referimos a seu
tempo, e que não há notícias de alguma vez ter vivido nos Açores), pois nenhuma das versões de romances tem
a indicação de ser do Topo. Pereira da Cunha poderá, claro, ter contribuido com algumas das canções, rimas
infantis ou orações, as quais, ao contrário do que se passa com os romances, só muito raramente trazem a
indicação do lugar de recolha (nenhum dos pouquíssimos desses textos que estão identificados é do Topo). A
este Pereira da Cunha se refere Soares de Sousa em carta a Teófilo, pela qual ficamos a saber que ele morava
no concelho da Calheta e era pessoa muito sabedora [ver Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria cit.,
p. 36].
438
439
A excepção é o Terramoto de Vila Franca do Campo, que já saíra no Romanceiro Geral (1867).
Ver Ana Cristina Porfírio Carinhas, Romanceiro das Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira (1825-1960). Edição crítica, Tese de Mestrado, Lisboa, F. C. S. H., Universidade Nova de Lisboa, I,
1994, pp. 90-91.
440
Ana Cristinha Carinhas, op. cit., I, p. 91.
139
não terem paralelo noutras versões tradicionais conhecidas, parecem ser da autoria de
Braga.
441
De notar que este tipo de intervenção editorial “criativa” (a qual, ainda que
relativamente discreta, não deixa de ir contra os princípios de fidelidade expressamente
defendidos por Teófilo Braga) não é, de modo algum, exclusiva dos Cantos e, pelo contrário,
se encontra também noutras obras suas, nomeadamente o Romanceiro Geral Português de
442
1906-9.
Tal como o Romanceiro Geral de 1867, os Cantos Populares do Arquipélago
Açoriano são complementados com notas eruditas, em geral de carácter comparativista, onde
se aproveitam, por vezes, comentários que Braga já fizera nos artigos de 1864-66. São várias
as obras modernas estrangeiras referidas, nomeadamente como fonte de paralelos para os
textos portugueses. Além de outras que já citara anteriormente, surgem aqui colecções de
Puymaigre,
443
Fauriel,
444
445
Widter, etc.
1870
Num jornal, Júlio César Machado transcreve um excerto da versão do Soldado
publicada por Garrett, integrando-a num artigo meio humorístico sobre a situação política
actual.
446
Os romances parecem, assim, ter ultrapassado, na época, a situação de textos
441
442
443
Ana Cristinha Carinhas, op. cit., I, p. 90.
Ana Cristinha Carinhas, op. cit., I, pp. 92-7.
Th[éodore] de Puymaigre, Chants populaires recueilis dans le Pays Messin, Metz, Rousseau-
Pallez, 1865.
444
C[laude] Fauriel, Chants populaires de la Grèce moderne, Paris, Firmin Didot père et fils, 1824,
2 vols.
445
Georg Widter, Volkslieder aus Venetien, gesammelt von..., herausgegeben von Adolf Wolf,
Wien, K. K. Holf und Staatsdruckerei, 1864.
446
Julio Cesar Machado, “Cartas Lisbonenses”, Gazeta do Povo, 26/5/1870, p. 3. O artigo faz parte
duma série (com o mesmo título) da autoria de Machado que o jornal publica amiúde. Neste dia, o texto é
dedicado a transcrever uma conversa ouvida “hontem á noite, no Passeio Publico, [em que] um rancho de
senhoras discutia uma questão extremamente seria, e de occasião [dias antes, a 19 de Maio, dera-se a chamada
Saldanhada, golpe militar chefiado pelo marechal Saldanha que provocara a queda do governo]: — de como
deve ser o militar!”. Depois de muitos pormenores sobre como devem ser fisicamente os militares, diz uma das
senhoras:
140
exclusivamente destinados ao deleite literário, tornando-se algo de citação normal e até
passível de ser integrado, sem escândalo, num contexto cómico. A citação mostra também
que a difusão do romanceiro entre o público burguês parece dever-se sobretudo à leitura do
Romanceiro de Garrett.
Em duas obras dedicadas ao estudo da literatura escrita, Teófilo Braga publica duas
versões de romances procedentes da ilha de S. Jorge. Estas versões, cuja recolha deve ser
posterior à do corpus que formou os Cantos, mostram como as recolhas de Teixeira Soares
(sem dúvida seu colector, embora tal não seja dito) continuaram entretanto. Trata-se duma
versão da Morte do Príncipe D. Afonso
447
e de outra (a primeira —e única — portuguesa) do
448
raríssimo A Guarda Cuidadosa.
449
Estácio da Veiga publica o Romanceiro do Algarve.
— Só a pena que eu tenho, é nunca haver guerra!
[...]
— Ao ir para a guerra é que elles devem ser muito interessantes!
— Muito interessantes:
Lá se vae o capitão
C’ os seus soldados á guerra;
Duzentos eram quintados,
Eram duzentos de leva.
Se todos elles vão tristes
Um mais que todos o era;
Baixa traz a sua espada,
Seus olhos postos em terra...
— Calla-te! Não te enterneças com essa xacara do Soldado, na versão de Traz-os-Montes.
Aqui não ha guerra, filhas!
O texto transcrito pertence a O Cordão de Oiro de Garrett (vol. III, p. 168). Quanto às palavras da
personagem sobre a proveniência geográfica da versão, note-se que Garrett, no prólogo do romance (p. 167),
diz que a versão é factícia, formada a partir de três textos recolhidos em Trás-os-Montes.
447
Theophilo Braga, Historia do Theatro Portuguez. Vida de Gil Vicente e sua Eschola. Seculo XVI,
Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1870, pp. 29-30, nota 1. A versão é antecedida pelas seguintes palavras:
“Aqui reproduzimos a ultima versão [deste romance], recolhida na ilha de Sam Jorge, que não pôde entrar nos
Cantos populares do Archipelago”.
448
Theophilo Braga, Historia da Litteratura Portugueza. Introducção, Porto, Imprensa
Portugueza—Editora, 1870, p. 78. Diz Braga: “Ultimamente recebemos da tradição oral da Ilha de Sam Jorge
mais outro romance ainda até hoje não recolhido” — e transcreve a presente versão.
449
S. P. M., Estacio da Veiga, Romanceiro do Algarve, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de
Sousa Neves, 1870.
141
Quanto ao seu aspecto organizativo, a obra segue de forma clara, o modelo do
Romanceiro de Garrett. Deste modo, começa por uma longa introdução (aliás em boa parte
transcrição de palavras precisamente de Garrett),
450
a que se seguem os 34 romances (dos
quais se publica sempre uma única versão, assumidamente factícia, como adiante veremos),
cada um deles precedido por um prólogo. Talvez ainda com mais falta de cientificidade do
que Garrett, Veiga fornece nesses prólogos quase sempre a indicação do local onde o
romance em causa teria nascido (na esmagadora maioria dos casos, o Algarve) e em que
século. O resto do texto de cada prólogo é dedicado sobretudo a observações de carácter
impressionista e/ou que hoje parecem irrelevantes.
Na introdução e nos prólogos, Estácio da Veiga não demonstra possuir muitos
conhecimentos específicos sobre o romanceiro, ou, pelo menos, minimamente actualizados.
Debalde nele procuraremos teorias então recentes como as que, explícita ou implicitamente,
encontramos nos escritos de Teófilo Braga. Além de certas ideias de cariz romântico,
comuns na época,
451
a obra de Veiga parece reflectir apenas três teorias relativamente
modernas sobre os romances: a do encurtamento gradual dos textos, proposta por Scott (que
Veiga provavelmente conhecia das referências que, como vimos, lhe faz Garrett),
450
452
a da
Essa transcrição (que consiste num panorama da poesia portuguesa, “precioso trabalho, que não
posso deixar de adoptar [...] vistoque me assiste a inteira convicção de que não o apresentaria eu com maior
precisão e novidade” — p. xvii) ocupa 11 páginas (xvii-xxvii) das 32 (vii-xxxviii) do total da introdução, ou
seja, 35,5%. É possível que a ideia de fazer tão longa transcrição tenha surgido a Estácio da Veiga (ou, pelo
menos, lhe tenha parecido mais justificável) ao ler o Tesoro de Ochoa. Ora, 66% das 30 páginas do
“Prólogo”do livro de Ochoa —obra que Veiga de certeza conheceu e cita várias vezes— são uma simples
transcrição de 20 páginas (iii-xxii) extraída do Romancero de romanceros caballerescos é históricos de Durán.
451
Sobretudo a ideia do “cunho de singeleza, que tanto caracterisa a primitiva poesia de todos os
paizes” (Romanceiro do Algarve, p. 3), que voltamos a encontrar, por exemplo, na referência que Veiga faz à
“desaffectada e dôce poesia deste epico poemetto [alude ao romance A Pastora, que publica como tradicional,
embora tenha todo o ar dum texto culto] de feição nimiamente popular” (op. cit., p. 141). Afirmações como
estas já as encontrámos, recorde-se, em inícios do séc. XVIII (Addison), voltámos a vê-las (aí integrada numa
construção intelectual bem mais vasta) em Herder, e, no caso de Portugal, em Garrett, Silva Leal e Luís
Ribeiro.
452
Observe-se, no entanto, que Veiga, ao contrário de Garrett, aprova aquela teoria: “Creio [...] que
este poema popular, como se hoje canta no Algarve, não passa de uma simples rapsodia: pois póde suppôr-se
que a sua acção dramática tivesse primitivamente occupado um mais desenvolvido plano” (p. 24; “rapsódia”
tem aqui o sentido antigo de “fragmento dum canto épico”, que voltamos a encontrar, por exemplo, na p. 47).
Conforme dissemos no texto, parece-nos muito provável que Estácio da Veiga tenha contactado com
as ideias de Scott apenas através de Garrett. Na verdade, não encontramos no Romanceiro do Algarve qualquer
142
origem francesa dos elementos maravilhosos presentes no romanceiro, que lhe chega sem
dúvida através de Garrett (onde já a encontrámos),
e “solau”, de indiscutível origem garrettiana.
455
dissemos, várias vezes cita—,
454
453
e a distinção entre “romance”, “xácara”
Além de Garrett —cujas palavras, como
o único autor do séc. XIX ligado ao romanceiro cujas
posições se fazem sentir na obra de Veiga é Durán (conhecido através de Ochoa, muito
provavelmente), ainda que a propósito de minúcias sem relevância para o estudo do
romanceiro.
456
Pelo contrário, para falar das origens do género, Veiga recorre a um autor do
citação extraída do Minstrelsy, e a única vez em que surge esta obra é sob a designação perifrástica de
“collecção da primitiva poesia das fronteiras da Escocia” (p. xxviii), o que ecoa suspeitosamente “a [collecção]
das fronteiras de Scocia”, como Garrett se lhe referira (Romanceiro, I, p. ix). Diga-se, aliás, que, na mesma
página em que fala de tal “collecção”, Veiga transcreve, em nota de rodapé, uma frase sobre Walter Scott
escrita nem mais nem menos que por Garrett no Arco de Santana (cf. Obras, I, p. 218).
453
Ver Romanceiro do Algarve, pp. 38, 46, 159, etc. Na última dessas páginas, Veiga afirma, aliás,
claramente que, quanto a este ponto, segue “a autoridade do grande Garrett”, de quem apresenta uma citação
corroborativa. E, na referida p. 46, as suas palavras (“de origem franceza, franco-normanda, ou que viesse dos
bardos e scaldos, e assim chegasse até nós”) são um plágio de Garrett (“se deve attribuir a origem franceza,
franco-normanda, ou mais seguramente ainda á dos bardos e scaldos que por essas vias se derivasse até nós” —
Romanceiro, III, p. 88).
454
455
Ver, sobretudo, p. 179.
Além da longuíssima transcrição de Garrett feita por Veiga, como dissemos, na sua introdução, e
da paráfrase (quase plágio) a que aludimos na nota 453, recorde-se, por exemplo, que, no prólogo do Dom
Aleixo, Veiga tem uma passagem que volta a ser uma paráfase (quase uma citação à letra), mas desta vez,
perfeitamente declarada, do que Garrett escrevera sobre o mesmo romance: “Se naquelle [refere-se ao texto do
romance publicado por Garrett], como diz o nosso poeta, se encontra um viço, um frescor de originalidade que
recende; se todo elle respira a graça desaffeitada da poesia primitiva, sendo ao mesmo tempo fino e elegante; se
porventura cheira a um salão da meia idade, aos perfumes do boudoir de uma donzella do tempo da Madresilva, ou da Ala-dos-namorados [...]”. E mais à frente: “Se o condestabre cantava este romance á sua dama, ou
o Magriço áquellas Miss [sic] de olhos azues que foi defender á Inglaterra, ou se de Normandia o trouxe o
conde de Abranches [...]” (Romanceiro do Algarve, p. 24). Vejamos agora a passagem de Garrett: “Tem este
romance um viço, um frescor de originalidade que recende. Todo elle respira a graça desaffeitada da poesia
primitiva. E todavia é fino, elegante, cheira a um salão de castello da meia edade, aos perfumes do boudoir de
uma nobre donzella do tempo da ‘Madre-silva’, ou da ‘Ala-dos-namorados’. Se o cantaria o condestabre á sua
dama? Ou o Magriço áquellas misses de olhos azues que foi defender a Inglaterra? Ou se o traria de Normandia
o conde de Abranches ?” (Romanceiro, II, p. 86).
456
A única vez em que Veiga cita explicitamente Durán é quando diz: “o sr. D. Agostin[sic] Duran,
n’ uma nota ao prologo do seu Romancero, pretende attribuir-nos [i. e., a Portugal] um poema [...] sobre a
perda de Hispanha por el rei Rodrigo” (p. xvi). O facto de, ao contrário do que faz com todos os autores que
143
séc. XVII, Huet, cujas teorias sobre o “roman” (no sentido francês antigo de narrativa longa
em prosa ou verso de carácter imaginativo) o escritor algarvio parece aplicar ao “romance”
(no sentido hispano-português do termo).
457
Os restantes autores que cita pertencem, na sua
maioria, aos sécs. XVII ou XVIII e vêm a propósito de pontos históricos, por vezes de
nenhum interesse para o romanceiro.
458
cita na mesma página do Romanceiro do Algarve, não dar o título completo da obra nem fornecer, em nota de
rodapé, a respectiva página, parece indicar que Estácio da Veiga conhece a obra de Durán apenas através da
longa transcrição que, como já vimos, dela faz Ochoa no seu Tesoro, o qual, como à frente diremos, é a única
colecção de romances castelhanos que Veiga dá mostras de ter usado. Outro sinal de o autor algarvio,
efectivamente, não ter disposto de qualquer obra de Durán é o que parece deduzir-se da segunda (e última) vez
em que a este se refere: “A [...] Hispanha já em 1832 possuia o excelente Romanceiro Geral do estudioso D.
Agostin Duran, o qual serviu de base ao que em 1852 foi mais amplamente organisado pelo sr. D. Eugenio
Ochoa” (p. xxx). Como se vê, Veiga, confunde o Romancero general de 1849-51 com o Romancero de
romances caballerescos é históricos de 1832, e, sobretudo, mostra não conhecer o Romancero general, uma
vez que este é posterior ao Tesoro de Ochoa (cuja 1ª ed. é de 1838, embora Veiga cite apenas a de 1852) e
muito “mais amplamente organisado” do que o dito Tesoro. As palavras de Durán sobre o Poema da Cava
estão no Romancero de 1832, I, p. xxiv, e, também, no Tesoro de Ochoa, pág. v.
Veiga usou Durán pelo menos mais uma vez, ainda que sem citar a sua fonte: quando refere a
descoberta, “por M. Quinet, na bibliotheca real de Paris, de setenta códices manuscritos ineditos, em que
apparecem noticias historico-romanescas muito anteriores á invasão das Gallias pelos romanos” (p. viii). Esta
frase é um claro plágio da seguinte do Romancero de 1832: “El célebre Mr. Quinet trata de publicar algunos de
los setenta códices manuscritos inéditos de dicha clase [refere-se aos “poemas caballerescos del siglo xii”] que
ha descubierto en la Biblioteca Real de Paris” (op. cit., I, p. xxxviii; em Ochoa, op. cit., p. xiii).
457
Ver Romanceiro do Algarve, pp. vii-viii. Estas páginas apresentam pouca clareza de exposição;
no entanto, nelas Veiga parece afirmar que o “romance lirico” (i. e., o romance em verso, o romance no sentido
hispano-português, para o distinguir do sentido português moderno de “longa narrativa em prosa”) tem “como
base e ponto de partida” os romances “em prosa e verso” escritos por “egypcios, árabes, persas, índios, e syrios,
e logo [por] os gregos e romanos”. Huet (cuja Lettre sur l’ origine des romans data de 1669) escrevera, de
facto, que a origem do “roman” era oriental, e falara a esse propósito do Egipto, Arábia, Pérsia, Índia, Síria, e,
depois, da Grécia e Roma (ver Pierre-Daniel Huet, Lettre-traité de... sur l’ origine des romans, édition du
tricentenaire (1669-1969) suivie de La Lecture des vieux romans par Jean Chapelain, édition critique, Paris,
Editions A.-G. Nizet, 1971, pp. 51-68 e 69-112). Sublinhe-se, porém, que o velho Huet deixara bem explícito
que o romanceiro nada tinha a ver com os “romans”: “Les chants qu’ ils [os Espanhóis] nommaient
romancés[sic] étaient bien différents de ce qu’ on appelle romans; c’ étaient des poésies faites pour être
chantées, et par conséquent fort courtes” (p. 119).
458
Por exemplo, Louis Moreri (cf. Romanceiro do Algarve, pp. x , xiv e 90), Pe João Bautista de
Castro (cf. op. cit., pp. 9 e 81), Fr. Francisco do Nascimento Silveira (cf. op. cit., pp. 9 e 10), etc. As obras
destes autores a que Veiga se refere são, respectivamente, Le Grand dictionnaire historique, ou mélange
curieux de l’ histoire sacrée et profane (Amsterdam, Georges Gallet, 1698, 4 vols.; teve vários suplementos, e,
144
Seguindo o exemplo garrettiano (mas, também neste aspecto, de modo mais
limitado), Veiga refere a existência de paralelos dalguns romances algarvios na tradição
portuguesa e na castelhana velha,
Tesoro de Ochoa.
459
remetendo para o Romanceiro de Garrett
460
e para o
461
Embora, na introdução, aluda a várias colecções de poesias tradicionais de outros
países europeus, de nenhuma delas retira paralelos, sendo bem possível que só as conhecesse
de nome. São as seguintes as colecções extra-ibéricas a que se refere:
462
— as da Inglaterra (de que não cita autores nem títulos, limitando-se a dizer que
este país “já registr[ou] as suas tradições”);
— a de Walter Scott (a que alude pelas palavras que mencionámos anteriormente e
que parece virem de Garrett, como dissemos);
— a de Reynourd (sic, por “Raynouard”), que designa por “a melhor collecção das
poesias dos trovadores”;
463
— a tradução francesa, feita por Artaud, d’ “os cantos populares da Escocia”;
464
— a tradução, também francesa, de “alguns [cantos populares] de Hispanha,
inclusive o poema do Cid, por M. Damas Hinard”;
465
em 1732-49, uma nova ed., em 10 vols.), Mappa de Portugal Antigo e Moderno (Lisboa, Na Officina Patriarcal
de Francisco Luiz Ameno, 1762-63, 3 vols.) e Coro das Musas Junto por Venus em Casa do Sol (Lisboa, Na
Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1792-96, 3 vols.).
459
Note-se que nem sempre Estácio da Veiga se apercebe da existência de tais paralelos. Assim, por
exemplo, afirma (p. 39) que Almendo (i. e., Infantina + Cavaleiro Enganado) não tem similares nas obras que
consultou, quando, obviamente, eles existiam quer em Ochoa (ver Tesoro, cit., p. 7) quer em Garrett (ver II, pp.
21-4 e 32-5). E, mais à frente (p. 64), no prólogo de Dom Diniz, escreve: “O assumpto parece-se com o do
Conde Nillo, que vem no Romanceiro de Garrett; porêm este de D. Diniz é visivelmente outro”. Ora a verdade
é que o D. Diniz é mesmo uma versão do Conde Ninho.
460
Ver, por exemplo, pp. 23, 45 e 68. De Garrett é, aliás, o único paralelo cujo texto é transcrito (e
não apenas referido) por Veiga: a Santa Iria, das Viagens na Minha Terra (transcrita no Romanceiro do
Algarve, pp. 185-7).
461
462
463
No Tesoro, refere apenas três paralelos (ver pp. 5 e 18 e 148).
Cf. Romanceiro do Algarve, pp. xxvii-xxx.
Trata-se do Choix des poésies originales des troubadours, Paris, Imprimerie de Firmin Didot,
1816-21, 6 vols., obra que, obviamente, não é de poesia tradicional.
464
I. e. Walter Scott, Chants populaires des frontières méridionales de l’ Ecosse, trad. par M.
Artaud, Paris, Ch. Gosselin, 1826, 4 vols.
145
— “os [cantos populares] de Bretanha, por M. de la Villemarqué”;
466
— os “Cantos da Flandria Hispanhola, bem traduzidos e publicados em 1857 por
M. Louis Baecker”;
467
— as “Chansons nacionales[sic] et populaires de la France, [...] por Dumersan e
Noel Ségur”;
468
— os “Chants et chansons populaires de la France — Chansons choisies,
romances, rondes, complaintes et chansonnettes”;
469
— as colecções que se publicaram na Alemanha, embora, estranhamente, se não
refira às de poemas alemães, mas apenas às traduções de cantos de outros povos, traduções
de que, porém, não especifica títulos;
470
— uma colecção polaca, a que alude nos seguintes termos: “um curioso trabalho
concluido em 1836 sobre os seus documentos historicos, litterarios, e monumentaes,
publicados por Grabowski, sob a direcção de Leonard Chodzko, [que] consagra á sua poesia
popular um lugar reservado, em que nos dá conhecimento das suas tradições desde a Jaxa de
Miechow, lenda historica do XI seculo, até á Barbe Radziwll, lenda tambem historica do
segundo terço do XVI seculo”.
465
471
I. e., J. J. Damas-Hinard, Romancéro général ou recueil des chants populaires de l’ Espagne,
Paris, Adolphe Delahays, 1844, 2 vols., e id., Poème du Cid, Paris, Impr. Impériale, 1858.
466
I. e., Th. de La Villemarqué, Barzas-Breiz. Chants populaires de la Bretagne, recueillis et publiés
avec une traduction française, des éclaircissements, des notes et des mélodies originales, par..., Paris, Delloye,
1839.
467
Das obras deste autor belga que encontrámos em múltiplos catálogos—nomeadamente o catálogo
em linha da Biblioteca Real da Bélgica—, nenhuma pode ser identificada como sendo os “Cantos da Flandria
Hispanhola”; aquela cujo título mais se lhe aproxima são os Chants historiques de la Flandre (400-1650),
Lille, Ernest Vanackere, 1855.
468
I. e. [Théophile] Dumersan e Noel Ségur, Chansons nationales et populaires de France, Paris, G.
de Gonet, 1851-52, 2 vols.
469
Trata-se do I vol. duma obra anónima, publicada em Paris, por Garnier Frères, Libraires-Editeurs,
1854; o II vol. contém Chants guerriers et patriotiques, chansons bachiques et burlesques.
470
Limita-se a escrever: “a sabia Allemanha tem colligido e publicado quasi tudo que de poesia
primitiva ha de mais notavel na Europa”.
471
Trata-se do II vol. de La Pologne historique, littéraire, monumentale et pittoresque, rédigée par
une société de littérateurs, sous la direction de Léonard Chodzko, publiée par Ignace Stanislas Grabowski,
Paris, Au Bureau Central, 1836; os vols. I e III são, respectivamente, de 1835 e 1837.
146
Pensamos que o modo perifrástico, simplesmente alusivo ou mesmo errado com
que Estácio da Veiga refere estas colecções (e do mesmo modo, conforme dissemos, cita ele
o romanceiro de Durán) mostra que muito possivelmente nunca as viu. Este facto parece
ainda mais provável se pensarmos que Veiga, como dissemos, nunca as usa como fontes na
sua procura de paralelos. Além disso, várias dessas obras estão em línguas que Veiga
certamente ignorava. É de imaginar que o conhecimento da existência de tais colecções lhe
tenha chegado não pela leitura delas, mas sim por alusões em fontes secundárias, talvez
artigo(s) lido(s) na imprensa.
472
É possível que essa(s) fonte(s) seja(m) francesa(s) (ou
portuguesas mas traduzidas do francês), como parece depreender-se das sucessivas
referências a colecções que são apenas traduções francesas de originais doutras línguas,
originais que, pelo contrário, Veiga não menciona.
O Método Editorial Criativo de Estácio da Veiga
As versões publicadas por Veiga são factícias, facto em que ele segue o modelo
adoptado, em Portugal, por Garrett, e que continuava a ser o escolhido por toda a Europa em
1858-60, a época em que (conforme adiante veremos) o Romanceiro do Algarve foi
organizado. É, pois, com total naturalidade que Estácio da Veiga menciona tal característica.
Vejamos três exemplos desse tipo de declarações: sobre o romance da Infantina, escreve ele
que “para o tirar a limpo me foi mister confrontar e cotejar muitas lições diferentes”;
Nau Catrineta, diz: “Onze lições obtive [dela] para produzir esta;”
474
473
da
e sobre o Pássaro
Verde afirma: “delle obtive em varias terras algumas lições, que escrupulosamente aproveitei
como melhor me pareceu”.
472
475
Repare-se que, em nota de rodapé duma das páginas onde fala das referidas colecções
estrangeiras (ver p. xxviii), Veiga transcreve o texto dum decreto que, em 1853, se publicara em França,
criando uma comissão encarregada de promover a recolha de literatura oral; ora tal decreto, como ele próprio
informa, chegou ao seu conhecimento pura e simplesmente através da transcrição publicada num volume do
Almanach de Lembranças (cf. Alexandre Magno de Castilho, “Poesias Populares”, Almanach de Lembranças
para 1854, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, p. 269).
473
474
475
Romanceiro do Algarve, p. 39.
Op. cit., p. 45.
Op. cit., p. 113.
147
Quanto ao retoque propriamente dito dos textos, Estácio da Veiga, nas palavras em
que explicitamente se refere à questão, não mostra, de modo algum, uma opinião negativa.
Uma vez que, sobre os seus próprios retoques, é extremamente parco de informações e
comentários, temos de recorrer às palavras que ele dedica ao trabalho editorial de Almeida
Garrett. Assim, por exemplo, ao verificar que o seu próprio Dom Aleixo, algarvio, do ponto
de vista estilístico (e também por aparecer em segundo lugar) poderia parecer “uma
degeneração” do publicado anos antes por Garrett, Estácio da Veiga escreve:
Alguem poderá porventura pensar, á primeira vista, que este poema popular
[a versão que ele publica] seja uma degeneração daquelle gracioso romance,
que sob igual titulo apresenta no seu Romanceiro o visconde de Almeida
476
Garrett.
Porém, frisa Estácio da Veiga, para lá das aparências, o leitor deverá ter uma coisa
em conta:
É [...] força ouvir o que diz o grande poeta [Garrett, claro] a respeito do seu
exemplar:
“Dom Aleixo é dos nossos romances populares o que me chegou mais
corrupto, interpolado, e de que menos licções provinciaes pude obter; só uns
fragmentos da Beiralta e outros de Lisboa. Se não fôra a copia do cavalheiro
de Oliveira de que me não valho senão em extremos, [...] — tinha-me sido
477
impossivel restitui-lo”.
E, dito isto, eis que chega a conclusão, ainda que sob uma capa dubitativa:
Desta noticia, que aqui transcrevo, poderá talvez deprehender-se, que, ou o
engenho do fecundo poeta andou muito applicado a embelezar, por todos os
modos possiveis, esta peça de poesia tradicional [a que Garrett publicou], ou
478
então a lição por mim colligida é outra, verdadeiramente outra.
Estas palavras de Estácio da Veiga sobre a qualidade dos textos publicados por
Garrett trazem à memória as que vimos terem sido escritas em 1867 por Teófilo Braga, a
propósito de algo semelhante:
476
477
Romanceiro do Algarve, p. 23 (sublinhado nosso).
Loc. cit. Com uma diferença mínima de pontuação, trata-se da transcrição do que Garrett escreve,
de facto, no prólogo do romance em causa (Romanceiro, II, pp. 88-9).
478
Romanceiro do Algarve, p. 23 (sublinhados nossos).
148
Muitos dos romances que formam a presente collecção [o Romanceiro
Geral], já andavam na lição de Garrettt melhor dramatisados, e com um
colorido encantador. Desanimámos por vezes, quando confrontavamos as
versões que recolhiamos com as d’ elle, sempre mais primorosas e extensas.
Porém, explica Teófilo Braga, depois apercebeu-se de que Garrett, assumidamente,
construíra versões factícias e, além disso, acrescentara aos textos versos da sua lavra. Tal
procedimento, para Braga, era um erro, e provinha do facto de Garrett encarar a publicação
de romances apenas sob “o ponto de vista artistico”, não tendo em atenção a verdade
etnográfica. Braga, pelo contrário, jura não ter modificado os seus textos, que, precisamente
por essa fidelidade à tradição oral, acha superiores aos de Garrett.
Ora a conclusão que Veiga tira da constatação de que Almeida Garrett “embelezou,
por todos os modos possiveis” a versão do D. Aleixo que publicou é diametralmente oposta à
de Braga, pois a verdade etnográfica é algo cujo interesse nem sequer entende. Assim,
depois de provar a pesada intervenção de Garrett, Veiga não se mostra escandalizado (como
Braga). O editor algarvio fica, isso sim, descansado por, deste modo, ter conseguido
defender a tradição da sua província. Na verdade, se a versão de Garrett, como ele está
pronto a admitir, “é indubitavelmente mais bella” do que a algarvia,
479
tal não se deve ao
facto de a província de Portugal onde ela foi recolhida ter uma tradição oral melhor que a do
Algarve, não: tal beleza deve-se apenas ao trabalho editorial do visconde, com o qual ele,
Estácio da Veiga, não pode, naturalmente, competir. Por isso, o leitor terá de desculpar a
versão do Romanceiro do Algarve, e não a considerar com “uma degeneração daquelle
gracioso romance” publicado por Garrett. É que a versão algarvia foi retocada apenas por si,
e ele não pode chegar ao nível do príncipe dos poetas românticos portugueses. Repare-se,
pois, como a modéstia de Veiga faz sobressair, isso sim, o valor da versão algarvia, a qual
era bem melhor do que a que Garrett possuía, pois esta última, se não fosse a profunda
intervenção do mestre, não teria o bom aspecto que tem.
Não se pense que o modo positivo com que Estácio da Veiga avalia o método
editorial criativo de Garrett no D. Aleixo é caso único. Não: por exemplo, no prólogo da Nau
Catrineta, Veiga critica a versão que Garrett publicara (a qual, acreditando nas palavras de
Garrett, Veiga diz ser algarvia).
479
480
480
Mas a crítica de Estácio da Veiga não se deve ao facto de
Op. cit., p. 24.
Na verdade, em nota de rodapé a propósito de determinado verso, Garrett escreve: “Todas as
licções dizem assim, menos a do Algarve que adoptei” (Romanceiro, III, p. 89). De referir que, nas notas,
149
essa versão ter sido retocada por Garrett, nem por sombras! Deve-se, apenas, ao facto de ela
ser menos extensa que a versão publicada no Romanceiro do Algarve, e, portanto, ser
necessariamente inferior. Vejam-se alguns excertos do prólogo desse romance, bem
elucidativos das ideias do autor algarvio:
Uma só lição do Algarve recebeu pois [Garrett], e por isso a julgo eu uma
simples rapsodia [i. e., um fragmento], concertada sim com muito primor
litterario, mas sobremaneira obliterada [...] [pois] contêm menos de metade
dos versos que leva o [texto] deste Romanceiro [do Algarve].
[...] A outra [versão] já impressa [i. e., a de Garrett], comparada com esta,
apenas mostra ser uma rapsodia, admiravelmente restaurada por mão de
481
mestre, que tudo quanto emprehendia, sabia tornar inimitavel.
Ou seja, Garrett, por muito bom poeta que fosse, não podia ultrapassar as limitações
da matéria-prima, e, duma versão que não passava dum fragmento, não podia fazer algo tão
bonito e completo como a versão que ele, Veiga, publica, a qual, sem nenhum problema,
informa ser produto, segundo afirma, da junção de versos provenientes de 11 versões (!).
Observamos de novo, portanto, que, para o editor algarvio, o retoque não era, de modo
algum, uma coisa negativa; aquilo que aparece com características negativas é, isso sim, as
versões de que Garrett dispunha, inegavelmente inferiores às recolhidas por ele, Veiga, no
Algarve.
E eis-nos, assim, chegados a um aspecto muito interessante do Romanceiro do
Algarve: a repetida necessidade que Estácio da Veiga mostra de sublinhar a superioridade
das suas versões em relação às publicadas por Garrett. Ao que julgamos, esta necessidade
não se explica (ou não se explica sobretudo) por um regionalismo doentio, mas por algo bem
mais profundo. Na verdade, é indubitável que Veiga não encarava do mesmo modo que nós
a tradição oral. Para ele (tal como para todos os editores românticos), o trabalho da tradição
consistia em estragar o texto original, perfeito, o qual, infelizmente, assim se perdera. A
essência da literatura tradicional, o facto de viver em variantes e versões, não era, de modo
algum, entendida por Veiga, chegando ele a queixar-se do facto de as versões que dum
romance encontrava serem todas diferentes...
482
Para Veiga, como para o editor romântico
Garrett apresenta, para certos versos, variantes que se encontrariam noutros textos que possuía, provenientes da
Estremadura, Minho, Lisboa, Beira Alta e Ribatejo.
481
482
Romanceiro do Algarve, pp. 46 e 47.
“Entre tantas [refere-se às “onze lições” que afirma ter recolhido da Nau Catrineta] não havia
duas que fôssem identicas” (p. 45), pelo que muito lhe custou a compor o texto factício que publica, e de O
Frade diz: “sómente duas rapsodias pude cotejar, e [...] ainda assim essas não eram em tudo identicas” (p. 152).
150
tipo, não faria sentido publicar novas versões dum romance de que já houvesse publicada
uma versão, a menos que aquela que agora se publicava fosse melhor, pois, nesse caso,
mostraria estar mais próxima do original perdido. Se não tivesse essa superioridade em
relação às obras precedentes, uma nova colecção de textos orais seria apenas um conjunto de
cópias em tom menor.
A mesma necessidade de justificar a própria existência da sua obra explica, segundo
vimos, as várias afirmações que, no mesmo sentido, Garrett faz sobre as versões antigas
castelhanas que cita, e que, num ou noutro aspecto, são sempre piores que os textos por ele
publicados.
Mas o caso do romanceiro de Estácio da Veiga deveria ser, aos olhos deste e dos
seus contemporâneos, mais difícil de justificar do que o de Garrett. Na verdade, se as versões
garrettianas fossem piores que as versões antigas espanholas, teriam sempre a seu favor a
novidade de serem em português e de terem sido publicadas numa época em que se não
suspeitava da sua existência na nossa tradição oral. Porém, as versões de Veiga surgiam
depois do romanceiro de Garrett (para mais, nem sequer muitos anos depois) e reunidas por
alguém cuja importância no mundo das letras se não podia, nem de longe, comparar à do
visconde. Por isso, as novas versões algarvias teriam de justificar muito claramente a
oportunidade da sua publicação.
Daí, a competição com Garrett, mais ou menos surda, que se sente em muitas
483
declarações do Romanceiro do Algarve.
Daí, também, o modo quase obsessivo com que
Estácio da Veiga defende que a clara maioria dos romances de que publica versões são de
origem algarvia. Com efeito, dos 34 romances do seu romanceiro, Veiga afirma que nada
menos de 21 (isto é, 61,8 % do total) nasceram sem dúvida no Algarve,
483
484
e deixa perceber
Sobre alguns aspectos da influência de Garrett em Estácio da Veiga (ou, de certo modo pelo
menos, da emulação deste em relação àquele), ver a nossa comunicação “O Romanceiro de Garrett e o de
Estácio da Veiga”, in Comissão Executiva dos Seminários Garrett (org.), Garrett às Portas do Milénio, Lisboa,
Edições Colibri, 2001, pp. 127-132.
484
Seriam eles D. Julião, Dom Rodrigo, A Moira Encantada, Almendo, A Captiva, O Captivo, O
Encarcerado, O Paladim Captivo, Dom Manoel, A Noiva Arraiana, A Donzella e o Punhal, A Serrana, Os
Dois Amantes, Os Calvos, A Pastora, A Senhora da Piedade, A Senhora dos Martyres, Santo Antonio e a
Princeza, Santa Iria, A Senhora da Orada e A Fonte das Almas. Dos outros romances cuja origem indica, três
(8,8 %) seriam de origem portuguesa, sem especificação de província (Dom Aleixo, Dom Joaquim e A Nau
Cathrineta) e um (A Aldeana) seria castelhano (2,9 %).
151
que é possível que outros 3 romances (ou seja, mais 8,8%) talvez tenham a mesma origem.
485
O seu raciocínio parece ser o seguinte: se os romances de que publica versões forem de
origem algarvia, estas versões, ainda que surjam a público depois das de Almeida Garrett,
têm a sua publicação justificada, pois, necessariamente, serão melhores que as recolhidas
pelo visconde noutras províncias de Portugal, onde os textos (nascidos, recorde-se, no
Algarve) terão chegado mais deturpados. E essa deturpação é visível, segundo Veiga,
sobretudo no tamanho das versões.
Já vimos atrás como Estácio da Veiga frisa que a sua versão da Nau Catrineta é
melhor que a de Garrett, porque mais extensa. O mesmo se passa com o Regresso do
Navegante, romance sobre o qual, no respectivo prólogo, Veiga escreve o seguinte: “A
licção que eu apresento como do Algarve, é visivelmente mais desenvolvida, e parece-me
mesmo bem mais completa” (que a de Garrett).
486
Como Veiga começara o prólogo dizendo
que o Regresso do Navegante é um romance originário do Algarve, a inferioridade da versão
garrettiana parece-lhe lógica, como ele próprio sublinha:
não é [...] de admirar que a que o nosso poeta obteve de Almeida soffresse
algumas quebras na passagem que fez da terra do seu nascimento [o Algarve]
487
para uma distancia, relativamente tão consideravel.
Ora acontece que, neste caso, a sua emulação relativamente a Garrett levou Estácio
da Veiga a ir longe demais (pelo menos segundo os critérios de hoje). Com efeito, a versão
existente no espólio guardado no Museu Nacional de Arqueologia começa assim:
Deus vos salve minha tia
2
Na sua roca a fiar
Para torcer meu sobrinho
4
Os signaes me hade dar
Que é de meu pae, minha mãe
6
485
Que eu aqui deixei ficar?
488
Existe um grupo de nove romances sobre cuja origem Estácio da Veiga se não se pronuncia
claramente: O Cavalleiro da Silva, Dom Diniz, Dona Aldonça, Dona Branca, A Enganada, A Ausencia, O
Frade, Santa Cecilia e A Senhora das Angustias. Destes, porém, seria possível, segundo ele, que tivessem
nascido no Algarve Dona Aldonça, A Enganada e A Ausencia.
486
487
Romanceiro do Algarve, p. 107.
Loc. cit.
152
Porém, no texto que imprimiu no Romanceiro do Algarve, esta passagem (tal como,
aliás, várias outras ao longo da versão) aparece muito mais desenvolvida:
— Deus vos salve, minha tia,
2
Na vossa roca a fiar!
— Bem haja o bom cavalleiro,
4
Tão discreto em seu fallar!
— Nunca elle daqui se fôra,
6
Ou não chegasse a voltar;
Por lá o tragassem moiros,
8
Se haviam [sic] assim de tornar,
Que tão demudado veiu,
10
Que ninguem lhe vem fallar!
— Ái, meu sobrinho, ái minh’alma,
12
Que és tu pelo teu olhar!
— Eu mesmo, eu, minha tia,
14
Que volto d’ além do mar.
Que é de meu pae, minha mãe,
16
Que eu aqui deixei ficar?
489
Onde teria Estácio da Veiga ido buscar os versos que acrescentou aos que lhe
chegaram da tradição oral, num retoque realizado tão “criativamente” que, de 6 versos, a
passagem passou a ter 16? Leia-se o início do mesmo romance na versão do Romanceiro de
Garrett, e ficar-se-á a saber:
— ‘Deus vos salve, minha tia,
2
Na vossa roca a fiar!’
— ‘Venha embora o cavalleiro
4
Tam cortez no seu fallar!’
— ‘Má hora se elle foi, tia,
488
489
5 B / 36 d.
Romanceiro do Algarve, p. 108.
153
6
Má hora torna a voltar!
Que ja ninguém o conhece
8
De mudado que hade estar.
Por lá o mattassem moiros,
10
Se assim tinha de tornar!’
— ‘Ai sobrinho de minha alma,
12
Que es tu pelo teu fallar!
Não ves estes olhos, filho,
14
Que cegaram de chorar?
— ‘E meu pae e minha mãe,
16
490
Tia, que os quero abraçar?’
Como vemos, Estácio da Veiga usou o texto de Garrett do mesmo modo que Garrett
usou os textos velhos castelhanos: para melhorar a sua versão, “completando”-a. Claro que,
no caso de Garrett, tal trabalho era mais ou menos “cientificamente” justificado (aos olhos
do editor romântico) pela tentativa de restituir às versões portuguesas, estragadas pelo rodar
do tempo, o brilho que felizmente ficara registado por escrito nos textos quinhentistas
espanhóis. Por esse facto, em geral o visconde admite sem problemas ter recorrido aos textos
de Durán ou Ochoa (ainda que tenda a diminuir a importância do “empréstimo”). Pelo
contrário, o uso que Estácio da Veiga faz do texto de Garrett revela nítida má-fé: Veiga não
só esconde ter recorrido à versão garrettiana para “completar” a sua, mas, para cúmulo,
depois de a pilhar, ainda tem a audácia de sublinhar que o seu texto é melhor e mais
completo, o que (quase lhe sentimos o sorriso malicioso...) não admira, já que a versão de
Garrett, recolhida na Beira, “soffre[u] algumas quebras” no trajecto que fez do Algarve —
onde nasceu— até Almeida. É, literalmente, o mundo ao contrário...
491
Estácio da Veiga partilha com todos os editores românticos o método editorial
criativo, nomeadamente com Almeida Garrett, que parece o único autor cuja obra ele de
facto conheceu bem. Como adiante veremos na análise de alguns romances concretos, os
490
491
Romanceiro, III, pp. 108-9.
Já Maria Peregrina de Sousa e Bellermann (ver, atrás, os anos de 1860 e 1864, respectivamente)
tinham recorrido às versões de Garrett para retocar as suas. Ver também, no subcapítulo seguinte, o que o
mesmo Bellermann (1864) fez quanto a uma canção narrativa. O autor alemão (em ambos os casos) procede,
verdade seja, de modo “científico”, e explica ter-se servido da versão do Mestre. Dona Maria Peregrina, pelo
contrário, actua como Veiga e não confessa o uso que fez do texto de Almeida Garrett.
154
tipos de transformações introduzidas por Veiga nos textos visam conseguir os mesmos
objectivos que encontrámos em Garrett. No entanto, quanto ao grau de intervenção, o editor
algarvio ultrapassa o seu predecessor, tendo ido bastante mais longe nas liberdades que
tomou com os textos, de modo a torná-los perfeitos.
Por outro lado, o método editorial adoptado por Veiga apresenta uma segunda
faceta que leva ao extremo a “criatividade” e que o diferencia, essa sim, claramente de
Garrett. Referimo-nos ao facto de o Romanceiro do Algarve incluir 11 textos criados
(escritos, adaptados ou traduzidos) pelo editor, que os apresenta, porém, como recolhidos da
tradição.
492
Esses textos falsos são, em termos de explicação lógica, o aspecto mais desafiante
do Romanceiro do Algarve, aquele que aos olhos de hoje parece mais incompreensível, a não
ser que o interpretemos como simples fruto dum hipotético espírito embusteiro de Estácio da
Veiga, que os dados ao nosso dispor não confirmam. A esse ponto dedicaremos, mais à
frente, alguma atenção.
Mas, mesmo sem falarmos do aspecto extremo da invenção dos falsos, a questão do
método editorial criativo de Veiga (e dos autores românticos em geral) parece-nos, já por si,
algo muito difícil de avaliar: em que medida as transformações eram encaradas ou não pelo
editor com um “simples” restauro? Ou seja, terá esse trabalho sido feito com (total, muita ou
pouca) boa-fé, de modo a restituir aos romances a perfeição que eles tinham possuído no
passado e que, no séc. XIX, ainda era possível adivinhar (e recuperar), por detrás das
adulterações e “refacimentos” modernos? Será que (avançando um passo no caminho da
falsidade), na própria mente de Estácio da Veiga (de Scott, de Garrett...), a atitude do
“simples” restaurador é, afinal, a do inventor que, conscientemente, decide criar algo de que
não achou vestígio na tradição (seja um determinado romance, seja uma característica geral,
como, por exemplo, a narração sem hiatos), mas que está convencido que lá existiu? Ou
(avançando bastante mais em direcção à falsidade) será que o método editorial criativo
exprime, isso sim, a criatividade do editor/escritor, que não acredita que os elementos que
introduziu no texto alguma vez lá tenham existido, mas acha que os deve lá pôr, por
qualquer motivo que seja (desejo de agradar ao leitor, dando-lhe, por exemplo, as
características que este está habituado a encontrar na poesia escrita; desejo de não dar uma
má imagem da sua própria região ou país; desejo de atribuir à “poesia natural” as
492
Trata-se de Dom Julião, A Moira Encantada, O Encarcerado, O Paladim Captivo, A Serrana,
Os Calvos, A Aldeana, A Pastora, A Ausencia, O Frade e A Senhora dos Martyres.
155
características que os teóricos estabeleciam que ela tinha, nomeadamente a sua superioridade
em relação à “poesia artística”, etc.)?
É, cremos, uma questão problemática, a que não podemos procurar resposta neste
lugar, e que talvez possa ser entendida se estudada no âmbito, mais vasto, das relações entre
verdadeiro e falso na literatura romântica. Mais à frente, ao falarmos dos 11 textos falsos
publicados por Veiga, apresentaremos algumas considerações que tentam ajudar a
compreensão do fenómeno do método editorial criativo, pelo menos na sua faceta extrema: a
da invenção pura e simples, feita sem bases na tradição oral.
Principais Conclusões
Em tudo o que atrás ficou exposto neste subcapítulo dedicado à História da recolha
e publicação do romanceiro em Portugal, gostaríamos de destacar três pontos principais:
Em primeiro lugar, dá nas vistas a grande lentidão com que foi crescendo o corpus
de romances publicados e os anos que tiveram de passar até surgirem as primeiras colecções.
Como observámos, as duas primeiras versões publicadas datam de 1828, mas é preciso
esperar 4 anos até que surja a terceira versão (1832), e outros 6 até que surja a quarta (1838).
Até 1851, havia publicadas apenas 13 versões,
493
na sua maioria (7) por Garrett. Claro que,
no mesmo período de tempo, há referências a recolhas cujos textos se não conhecem hoje: ou
porque parecem ter-se perdido (recolha de E. T. D. de Castro, nos anos 40, e possível recolha
de Silva Pereira, na mesma década) ou porque os textos que as formavam devem ter sido
absorvidos no fabrico de versões factícias por Garrett (recolhas da “jovem menina” anónima,
de Pichon, Castilho, Emídio Costa, Maria Peregrina de Sousa, etc., e do próprio Garrett).
Em 1851 —ou seja, 23 anos depois da Adozinda— surge finalmente a primeira
colecção de romances: 33 textos,
494
divididos pelos vols. II e III do Romanceiro de Garrett, o
primeiro marco importante na publicação do romanceiro português.
493
Incluímos neste número as versões incompletas publicadas por Garrett (1842) e Pereira da Cunha
(1844 e 1848), mas não os pequenos fragmentos de 4 versos curtos cada dados a conhecer por Garrett (1828 e
1842) e Andrade Ferreira (1843).
494
É preciso não esquecer que, nestes 33 textos, se incluem 4 já dados a conhecer em 1842, 1845 e
1846. Nos referidos 33 romances não incluimos os 4 textos finais do vol. III, que Garrett deixa mais ou menos
claro ter extraído de livros, e que, de facto, nunca devem ter existido na tradição oral.
156
Nova espera de 16 anos se faz sentir (durante a qual se publicam apenas 11
versões), até que surge a segunda colecção: o Romanceiro Geral de Teófilo Braga, em 1867.
Aqui se publicam 56 textos, dos quais, porém, só 32 são inéditos. Durante esses anos, novas
recolhas se fizeram, algumas desaparecidas (Tomás Ribeiro e Ponte e Horta), e outras só
mais tarde publicadas (Teixeira Soares de Sousa e Estácio da Veiga, ambas maiores do que,
seguramente, todas as que até aí tinham sido feitas).
Os acontecimentos aceleram-se claramente no final da época em análise: apenas
dois anos depois, surge nova colecção: os Cantos Populares do Archipelago Açoriano
(1869), também de Braga, que, com os seus 71 textos inéditos, é o verdadeiro segundo marco
na história da publicação do romanceiro português.
E no ano seguinte (1870) temos novo passo importante, constituído pelos 34 textos
do Romanceiro do Algarve.
De notar que Estácio da Veiga, se tivermos em atenção apenas questões de
cronologia, não destoa, de modo algum, do movimento geral daqueles anos, antes pelo
contrário. Na verdade, Veiga começa a recolher em 1856, ou seja, apenas dois anos depois
das pesquisas iniciais de Soares de Sousa, e bem antes das que este autor levará a cabo a
partir de 1867; organiza o seu romanceiro em 1858-60 (antes, portanto, de estar formada
qualquer uma das colecções de Braga); e acaba por publicá-lo em 1870, apenas um ano
depois dos Cantos, que, pelo menos em certo sentido, constituem verdadeiramente a primeira
colecção do autor micaelense.
Um segundo aspecto que gostaríamos de focar (e que está claramente ligado, aliás,
com o da lentidão no aparecimento de colecções) é o do tempo que demorou até que a
publicação de versões de romances fosse encarada como justificando-se por si própria.
Como observámos, Garrett começou por olhar os romances como simples matériaprima para o fabrico de poemas, e se, em 1828, deu a conhecer duas versões tradicionais, foi
apenas com o fim de elas servirem “para ver e conbinar” com as obras originais que tinham
inspirado. O mesmo uso têm as versões orais incluídas nas obras de Costa e Silva (1832 e
1838), Andrade Ferreira (1843) e Quillinan (1845, ainda que publicada só em 1853). Uma
justificação diferente —mas que continua a não reconhecer no romanceiro a dignidade de
objecto em si— é a que temos quando alguns autores incluem os textos tradicionais em obras
da literatura escrita, de modo a realçar a verosimilhança desta ou, se quisermos ser mais
superficiais (e talvez mais realistas), conferir-lhe certa “cor local” ou epocal. É o caso de
157
Morais Sarmento 1839 (aí simples alusão), Garrett 1842, Pereira da Cunha 1844 e 1848, e
Costa Cascais 1850.
Entretanto, em 1839, dera-se a republicação da Donzela Guerreira de Costa e Silva
(inicialmente incluída, em 1832, em Isabel, ou a Heroina de Aragom), agora num jornal,
como texto independente. É esta a primeira vez que um romance tradicional é publicado
sozinho, sem a justificação de ter servido de fonte para outro poema, aparecendo, pois,
495
revestido de interesse em si próprio.
Trata-se, porém, dum facto isolado, e que deve estar
desligado da iniciativa de Costa e Silva, muito provavelmente alheio a tal republicação, fruto
sobretudo, talvez, da falta de material a publicar por parte duma revista. Além disso, como
vimos, embora o texto seja apresentado com um subtítulo (Velha ballata portugueza) que
aponta a sua qualidade de texto oral, a verdade é que traz, no fim, o nome de Costa e Silva,
como se fosse ele o seu autor.
Caso bem diferente é o artigo de Garrett de 1845, onde um romance, além de surgir
sem outro motivo do que o seu próprio interesse como texto literário, vem também
acompanhado por uma introdução que claramente o apresenta como objecto passível de
estudo erudito. O mesmo se verifica no artigo também de Garrett de 1846, alcançando-se a
definitiva consagração em 1851, com os vols. II e III do Romanceiro. Foram, pois,
necessários 22 anos (se pensarmos no artigo de 1845) ou mesmo 28 (se pensarmos no
Romanceiro de 1851) para que o romanceiro, começado a recolher em 1823, ganhasse direito
a luz própria nas tipografias.
Note-se, verdade seja, que pelo menos algumas das recolhas que entretanto se
fizeram já pareciam encarar o romance como valendo por si e não devem ter sido feitas com
segundos objectivos (é o caso, nomeadamente, das recolhas de E. T. D. de Castro, Mr.
Pichon ou Elói Nunes Cardoso).
De qualquer modo, em anos seguintes a 1851 ainda aparecem alguns casos de
romances publicados apenas como citação incluída noutros textos (Mendes Leal, 1855),
como se fossem devidos a um poeta que se apresenta como seu autor (Palha, 1852) ou que,
de qualquer forma, os assina, a título de seu retocador (Maria Peregrina de Sousa, 1860).
Mas a partir daqui, as coisas parecem mudar definitivamente. De facto, o referido
ano de 1860 é, também, o último em que encontramos romances publicados por outras
495
O caso do Regresso do Marido publicado, também nesse ano de 1839, por Pereira da Silva nada
tem a ver com a publicação dum texto do povo, uma vez que, como a seu tempo vimos, Silva não menciona de
modo algum a proveniência oral da versão. Aliás, o aproveitamento que Pereira da Silva faz do romance releva
até mais do plágio do que sequer do seu uso como fonte de inspiração.
158
razões que não as científicas. Em 1861, Estácio da Veiga dá a conhecer um romance
expressamente interessante por si próprio, antecedido, para mais, por uma introdução — é
verdade que de tipo exclusivamente “literário”, longe, mesmo, das observações de Garrett, as
quais, como se sabe, incluem por vezes dados de cariz filológico (referência a anteriores
atestações do romance) e comparativista. Como que simbolicamente, a próxima vez em que,
depois dum pequeno interregno, voltamos a dar com versões de romances em letra de forma,
estamos em 1864, perante o primeiro artigo de Teófilo Braga. Ora a Braga se deve, ainda
mais que a Garrett, a subida do romance à categoria definitiva de objecto de estudo, estudo
esse realizado, além disso, conforme vimos, dum modo que se apresenta claramente como
moderno e “científico”.
Pelo que vemos, Estácio da Veiga, ao publicar em 1861 um artigo incluindo um
romance tradicional e, 9 anos depois, o Romanceiro do Algarve, aparece bem situado, no que
diz respeito à questão dos textos encarados como objectos dignos de interesse em si. Porém,
se tivermos em conta o tipo de estudo que leva a cabo nesse artigo e, sobretudo, na
introdução e prólogos do seu romanceiro, é óbvio que Veiga é um homem do passado,
jurando quase só pelo modelo de Garrett, cujos conhecimentos filológicos, no entanto, não
possui, e menos ainda os referentes à baladística anglo-escocesa. Além disso, quando Veiga
recorre a outras autoridades, escolhe-as, como vimos, entre autores dos séculos XVII e
XVIII. Para lá de nascer (em 1858-60) concebida e organizada de modo antiquado, a
colectânea de Estácio da Veiga tem, para mais, a infelicidade de demorar 10 anos a ser
publicada. E assim, surgindo depois do modelo “científico” presente nos artigos de Teófilo
Braga de 1864-66 (basta ver os autores e títulos aqui citados) e encarnado, mais
visivelmente, nas colecções desse mesmo autor (1867 e 1869), o Romanceiro do Algarve e a
sua visão “literária” surgem ainda mais cruelmente ultrapassados. Imagine-se a figura de
Estácio da Veiga, ao ler as seguintes palavras de Teófilo, publicadas precisamente no mesmo
ano da colectânea algarvia, as quais, não obstante um certo ar de rol de mercearia, mostram
um espírito bem mais consentâneo com o da sua época:
496
496
Não se pense que as ideias de Teófilo Braga eram geralmente aceites e que só Veiga as terá
achado estranhas e incompreensíveis. De facto, em 1869, no panorama que traça das obras de Braga publicadas
até esse ano, Oliveira Martins escreve o seguinte: “Resaltam neste livro [a História da Poesia Popular
Portuguesa, que é o primeiro dos livros analisados no artigo em causa] todos os defeitos de Theophilo Braga.
Abafa-o uma erudição postiça. Estou em que, retiradas as paginas sem fim de divagações estranhas, o que é
novo, o que é nosso, a muito pouco se reduziria”. Critica vários aspectos da obra, sobretudo as teorias
antropológico-literárias. Quanto aos Cantos Populares do Arquipélago Açoriano, afirma que esta obra é melhor
que as anteriores, e conclui: “oxalá que breve abandone de todo essa verdadeira aravia com que andam
159
O estudo da poesia popular tomou na Europa uma nova face; descobriu-se que
junto com a poesia do povo andavam de envolta os problemas da historia, a
formação das linguas romanicas, a fusão das nacionalidades, o genio das
raças, os factos psychologicos da concepção, as crenças religiosas, o
symbolismo juridico; a poesia do povo era um grito que denunciava uma alma
497
[...] Desde então os cantos populares foram respeitosamente colhidos.
A última frase deste excerto remete para o terceiro (e último) ponto que nos parece
de destacar no corpus apresentado neste subcapítulo: o método editorial (respeitador do texto
ou, pelo contrário, “criativo”) escolhido pelos editores.
Neste aspecto, as coisas começaram muito bem, pois, como vimos, as duas versões
tradicionais dadas a conhecer por Garrett em 1828 são apresentadas, ao que parece, sem
grandes retoques. Claro que, conforme dissemos, é bem possível que esse respeito editorial
seja apenas fruto do carácter “marginal” com que tais textos surgem publicados (“para ver e
conbinar” com os poemas neles inspirados, numa espécie de “antes” e “depois” dos anúncios
de produtos de beleza). Na verdade, quando Garrett, mais tarde, publica outras versões que,
essas sim, devem chamar a atenção sobre si (incluídas em obras literárias originais ou
publicadas como algo valioso em si próprio), o respectivo texto apresenta-se já claramente
retocado, e mesmo a Delgadinha e o Bernal Francês que tinham saído na Adozinda nunca
mais voltaram a ser publicados na versão de 1828. Como vemos, o avanço que representa a
passagem do romanceiro para fora da área “marginal” traz consigo, necessariamente, uma
mudança na forma de apresentar o seu texto. Do ponto de vista actual, trata-se dum grande
recuo na qualidade das versões, mas, para Garrett e seus contemporâneos, tratava-se, sem
dúvida, dum avanço, ou, talvez melhor, do único modo por que o texto popular, ao ser
entendido como literatura de seu pleno direito, podia ser apresentado.
Tendo em atenção esta realidade, são tanto mais de sublinhar os casos em que
alguns autores deram a conhecer versões cujo texto se mantém bastante (ou mesmo muito)
próximo do estilo tradicional: Costa e Silva (1838), Andrade Ferreira (1843), Pereira da
Cunha (1844 e 1848), Costa Cascais (1850) e Quillinan (1853). Ora, se tivermos em atenção
o contexto em que tais versões surgem, vemos que nenhuma delas é encarada como texto
redigidos os seus estudos, por uma linguagem intelligivel e um systema rasoavel” [J. P. de Oliveira Martins,
“Theophilo Braga e o Cancioneiro e Romanceiro Geral Portuguez (3 vol. in 8º Porto, 1867)”, Revista Critica de
Litteratura Moderna, nº 2 (1869), pp. 3-47; as citações foram extraídas, respectivamente, das pp. 25 e 47].
497
1870, p. 352.
Theophilo Braga, Historia da Litteratura Portugueza. Introducção, Porto, Imprensa Portugueza,
160
importante por si, e talvez seja precisamente esse facto que explica (ou —aos olhos da
época— que desculpa) a fidelidade com que são publicadas.
Como observámos, foi necessário esperar por Teófilo Braga para encontrar expressa
a ideia (e, pelo menos em certa medida, a prática) do respeito pelo texto oral e, portanto, da
fidelidade na sua publicação, inspirada nas ideias positivistas que, na época, se espalhavam
pela Europa.
498
Era essa fidelidade (mesmo que relativa) à letra das versões que se encontrava “em
vigor” em Portugal quando, em 1870, saiu o Romanceiro do Algarve. No entanto, a obra de
Veiga, conforme dissemos, é assumidamente formada por versões factícias, para mais, muito
retocadas. Tal aspecto foi, logo no ano seguinte (1871), asperamente criticado por Teófilo
Braga, que, escandalizado, escrevia: “o Romanceiro do Algarve [...] está adulterado,
aperfeiçoado pelo collector, que formou versões novas com as variantes que recebia”,
499
concluindo rotundamente: “Foi uma infelicidade para esta provincia [o Algarve] o ser
explorada pelo snr. Stacio[sic] da Veiga”.
500
Que diria ele se soubesse, como nós hoje, que
11 dos textos da obra nunca existiram na tradição oral algarvia e são, afinal, devidos à
própria pena de Estácio da Veiga... Esta falsificação é, sem dúvida, o aspecto hoje mais
caduco da obra de Veiga, tendo o nosso autor ido bem mais longe que Garrett na falta de
respeito pelos textos, já que o visconde, como é sabido, não publicou nos vols. II e III
romances da sua lavra. A actuação de Estácio da Veiga, conforme tentaremos mostrar no
capítulo próprio, só parece ser entendível no âmbito do movimento da balada de ambiente
antigo (sobretudo medieval), tão corrente durante o nosso Romantismo.
498
Sobre este assunto, fundamentalmente nas suas vertentes bretã e francesa, que, contudo,
apresentam enormes pontos de contacto com o caso português, ver Fañch Postic, “La naissance de la littérature
orale”, ArMen, nº 65 (février 1995), pp. 35-47, e, mais desenvolvidamente, do mesmo autor, “Le Beau ou le
Vrai ou la difficile naissance en Bretagne et en France d’ une science nouvelle: la littérature orale (18661868)”, Estudos de Literatura Oral, 3 (1997), pp. 97-123.
499
Theophilo Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1871, p.
372. Itálico do original. Não se pense que foi só o aspecto da fixação de textos adoptado por Estácio da Veiga
que pareceu criticável a Braga, não: por exemplo, sobre as teorias expendidas na obra, o crítico micaelense
escreveu que, “como propugnador do antigo regimen, [Veiga, que consabidamente era miguelista] não quiz
mudar as suas velhas ideias sobre o romance popular, confundidas com a erudição atrazada de Huet e Moreri e
as hypotheses inscientes de Garrett”, e, por isso, na introdução, “os erros e equivocos são tantos como as
palavras” (p. 372).
500
Op. cit., p. 204, nota 1.
161
Para a História da Recolha e Publicação dos Outros Géneros da Literatura
Oral
Como dissemos antes, as nossas pesquisas sobre a história da recolha e publicação
de literatura oral foram feitas com o objectivo de contextualizar a colecção de romances
formada por Estácio da Veiga. Por esse motivo, foi sobretudo a narrativa em verso que
chamou a nossa atenção. Ainda assim, não deixámos de tomar nota de todos os textos de
literatura oral que encontrámos pertencentes a outros géneros e subgéneros. Afirmar, porém,
que conseguimos detectar a totalidade dos materiais desse tipo que existem nas centenas de
obras que folheámos seria insensato. Tal teria requerido que todos aqueles milhares de
páginas fossem lidos e não apenas folheados, fazendo com que esta tese tivesse demorado
ainda mais anos do que demorou. Temos, é verdade, a sensação de ter dado com a grande
maioria dos textos poéticos contidos nessas obras, uma vez que a sua especial disposição
tipográfica os torna mais fáceis de apreender. Pelo contrário, certamente que nos escaparam
muitos textos pertencentes aos géneros e subgéneros em prosa. De qualquer modo, mesmo
tendo em atenção o carácter incompleto do levantamento efectuado, não queremos deixar de
o dar a conhecer, uma vez que nele se contêm muitos dados úteis, vários até agora
desconhecidos.
1824
Neste ano, uma inglesa (Marianne Baillie) publica, num livro de recordações sobre
a sua estadia em Portugal, o primeiro texto de literatura oral que encontrámos nas nossas
investigações. A nacionalidade da colectora não é, sem dúvida, de admirar, tendo em
atenção o conhecido interesse que a literatura oral suscitava em Inglaterra desde o século
anterior. O texto publicado é uma lenda de carácter sentimental e trágico, ligada a
determinado lugar dos arredores de Sintra.
501
501
É bem compreensível o interesse que tal lenda
Ver Marianne Baillie, Lisbon in the Years 1821, 1822, and 1823, I, London, John Murray, 1824,
pp. 82-4. É a história trágica de dois irmãos. Um deles mata o outro, por ciúmes, depois de ter visto a sua
namorada abraçada a este. Porém, tal abraço fora motivado por alegria e não por qualquer sentimento amoroso.
A namorada explica-lhe o engano, e ele suicida-se logo. Ela morre pouco depois. São enterrados os três na
162
deve ter representado para a autora (e seus leitores), ao relacionar-se com uma vila cuja
imagem romântica estava bem enraizada entre os Ingleses, sobretudo pelas referências que,
desde há décadas lhe iam fazendo vários viajantes-escritores, como Beckford ou Byron. A
recolha de Miss Baillie é datável de entre 1821 e 1823, o período em que ela viveu em
Portugal.
1826
Um outro autor inglês (conhecido apenas pela sigla com que assinou a sua obra: A.
P. D. G.) publica um novo livro de viagens sobre Portugal, onde conta quatro lendas de
milagres.
502
Não custa a perceber o perfume exótico que, a um olhar anglicano,
apresentavam sem dúvida essas lendas, tão tipicamente “papistas”.
mesma campa, “The Lover’s Grave”, que, na época de Miss Baillie, era “a romantic pilgrimage to almost all
strangers” (p. 82). Trata-se do chamado “Túmulo dos Dois Irmãos”, ainda hoje existente, entre S. Pedro de
Sintra e o Ramalhão. Alfredo Leal (Historia de Sintra, Sintra, Sintra Regional, s/d., pp. 21-4) conta a lenda
com algumas diferenças, sendo as mais importantes que a jovem teria, de facto, atraiçoado o namorado
(enquanto ele estava ausente a combater os Mouros) e que ela não teria sido enterrada no túmulo, apenas os
dois irmãos. O mesmo autor conta (pp. 25-7) que, em 1830, o túmulo foi aberto e nele só estava a ossada duma
pessoa, talvez, supôs-se na altura, um cavaleiro templário.
502
A. P. D. G., Sketches of Portuguese Life, Manners, Costume, and Character, London, Geo. B.
Whittaker, 1826. São elas: (a) Lenda referente à marca dos pés de S. António que estaria impressa na escada do
campanário da igreja daquela invocação existente junto da sé de Lisboa. A marca teria sido feita no degrau em
que o santo deu meia volta para escapar ao Diabo que o perseguia (pp. 132-3); (b) Lenda de S. António
(bastante difundida sob a forma de romance) que salva o pai de ser enforcado por uma falsa acusação (pp. 1334); (c) Lenda da imagem do Senhor dos Passos existente no Convento da Graça, em Lisboa (pp. 136-7). Conta
que um pobre pede hospedagem no colégio jesuíta de S. Roque, e esta é-lhe recusada. Vai, então, ao convento
de agostinhos da Graça, e aí dão-lha. No outro dia de manhã, ao irem à cela onde ficara o pobre, os frades
encontram, em seu lugar, uma grande imagem de madeira do Senhor dos Passos. Segundo A. P. D. G., era
“firmly believed that this figure is our Lord himself in flesh and blood, and that he thus gave himself to the
friars of Graça to reward their hospitality” (p. 137); (d) Lenda da aparição do Menino Jesus a S. António (pp.
145-6). Uma outra versão da lenda do Senhor dos Passos da Graça (com vários pormenores históricos com ela
relacionados e que em parte a explicam) pode ler-se em J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas,
org. de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, II, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1966
(na capa e no cólofon: 1969), pp. 484-7.
163
No mesmo ano de 1826, Almeida Garrett publica a Dona Branca, longo poema
narrativo em dez cantos. O autor sublinha, desde a primeira edição (e mesmo antes de o
poema ter saído),
503
uma grande novidade nesta obra: a de “todo o seu maravilhoso [ser]
tirado das fábulas populares, crenças e preconceitos nacionais”.
sobretudo,
505
503
a cargo das fadas,
506
504
Esse maravilhoso está,
personagens existentes, de facto, em muitos contos da
De facto, logo em 1824, Garrett escrevia a Duarte Leça: na Dona Branca, “a mitologia ou
agentes sobrenaturais de que me servi são estranhos e novos em Portugal; ou, melhor direi, novos e estranhos
os acharão, conquanto o não são eles, que esta é a nossa legítima e verdadeira mitologia”, embora não
aproveitada pelos autores clássicos (carta, datada de 19/11/1824, in Almeida Garrett, Obras, cit., I, p. 1385).
504
505
Garrett, Dona Branca, in Obras, cit., II, p. 606.
Na mente de Garrett, um outro aspecto do maravilhoso desta obra “tirado das fábulas populares”
deve ser provavelmente a figura lendária de São Frei Gil de Santarém, grande especialista de magia negra. No
poema, além de encantar D. Branca, Frei Gil tem mesmo poderes para ressuscitar um cadáver, que sai do
sepulcro e fala (ver canto X, 23-24, pp. 598-600). Não sabemos em que medida Frei Gil alguma vez foi
personagem de lendas orais, mas é bem possível que Garrett o tenha conhecido sobretudo (ou apenas) do que
sobre ele escrevem Jorge Cardoso ou Fr. Luís de Sousa, que com muitos pormenores falam sobre a vida de Gil,
nomeadamente o pacto que ele fez com o Demónio, nas “covas de Toledo”, e as maravilhas que, graças a isso,
passou a obrar, antes de se arrepender e se tornar frade. Além disso, depois de Gil ter morrido, devido à sua
intercessão, foram ressuscitadas três pessoas, o que recorda, sem dúvida, o facto mágico narrado por Garrett
(ver George Cardoso, Agiologio Lusitano dos Santos, e Varoens Illustres em Virtude do Reino de Portugal, e
suas Conquistas, III, Lisboa, Na Officina de Antonio Craesbeek de Mello, 1666, pp. 239-245 e 816-9; e Fr.
Luís de Sousa, História de S. Domingos, edição organizada por M. Lopes de Almeida, I, Porto, Lello &
Irmão—Editores, 1977, pp. 175-249; a ressurreição das três pessoas está na p. 232).
506
Que a nova mitologia, portuguesa está presente na obra pelo uso que nela se faz das fadas é ideia
que surge claramente expressa numa significativa passagem:
Vivam as fadas, seus encantos vivam!
Nossas lindas ficções, nossa engenhosa
Mitologia nacional e própria
Tome enfim o lugar que lhe usurparam
Na lusitana antiga poesia
De suas vivas feições, de sua ingénua
Natural formosura despojada
Por gregos deuses, por espectros druídicos.
(canto III, 7, p. 502)
O último hemistíquio alude sem dúvida à influência do Ossian de Macpherson, que, em França, anos
antes, ocasionara “a moda druídica nos versos” (p. 615). Depois de avassalar grande parte da Europa (sobre a
questão, como noutro cap. já dissemos, pode ler-se Paul van Tieghem, “Ossian et l’ Ossianisme au XVIIIe
siècle”, Le Préromantisme, cit., I, pp. 197-287), a voga começava talvez a notar-se também em Portugal, ainda
que lentamente (à época, em português, existia apenas a tradução dum Fragmento de Fingal. Poema epico, in
164
tradição oral portuguesa. A Dona Branca seria, portanto, o primeiro exemplo de influência
da nossa literatura oral na literatura escrita romântica, antecipando algo que só dois anos
depois encontraríamos na Adozinda. Não nos parece, porém, que os contos de fadas
portugueses sejam os modelos em que se inspiram as fadas da Dona Branca. Na verdade,
estas últimas relacionam-se bem mais com uma linhagem erudita estrangeira (cuja fonte
imediata parece ter sido o Oberon de Wieland —como reconhece o próprio Garrett—
507
mas
a que pertencem muitas outras obras, como a famosa Faerie Queene de Spenser), conforme
se pode ver pela existência no poema de um reino de formas maravilhosas governado pela
“rainha das fadas” (aliás de nome bem pouco nacional e popular: Alina), coisas que nunca
surgem nos contos tradicionais portugueses. E é graças aos sortilégios dessa rainha das fadas
que a infanta cristã e o rei mouro —protagonistas do poema— se apaixonam, actuação que,
obviamente, nada tem a ver com o modo de ser e de fazer das fadas que existem na nossa
tradição oral. Tal papel é, pelo contrário, muito parecido com o que representa a rainha das
fadas no Oberon. O carácter de seres de importação que as fadas da Dona Branca possuem
fica ainda mais patente na sua imagem de espíritos terríficos, aparentados com morcegos ou
vampiros, imagem que elas nunca têm nos contos nacionais:
Dizei-me, ó fadas que inspirais meu canto,
Espíritos das lôbregas cavernas,
Que à meia-noite volteais de em torno
Dos túmulos coas asas membranosas,
508
Dizei-mo vós
[...]
Quererá isto dizer, então, que —ao contrário do que escreveu Garrett e tem sido
509
dito e redito até hoje—
não há na Dona Branca nenhuma marca da literatura oral
Manoel Maria de Barbosa du Bocage, Verdadeiras Ineditas Obras Poeticas, IV, Lisboa, Na Impressão Regia,
1813, pp. 128-9). Noutra passagem da Dona Branca, temos segunda referência mais explícita (e ainda mais
claramente negativa) a essa mitologia nórdica, que o narrador teme que acabe apenas por substituir uma
mitologia importada por outra mitologia importada, continuando a deixar de lado a “mitologia nacional” (ver
canto III, 4, p. 500).
507
“Nesta composição [a Dona Branca], seguiu-se visivelmente o exemplo de Wieland no Oberon”
(op. cit., p. 606). Recorde-se que esta obra de Wieland tinha sido traduzida por Filinto Elísio (ver Wieland,
Oberon, Paris, s/n., 1802, 2 vols.).
508
Op. cit., canto X, 18, p. 596. Repare-se ainda como nesta passagem as fadas, embora sob uma
camada fina de Pré-Romantismo e novidade, desempenham, afinal, apenas a função arquiclássica das musas
nos poemas épicos.
165
portuguesa? Alguma coisa existe, mas não muita. Além da referência a crenças populares
não ligadas à literatura tradicional (e que, portanto, nos abstemos de recordar),
510
encontram-
se ao longo do poema menções a alguns (sub)géneros orais: os contos, as lendas de mouras
encantadas e outras lendas. E em dada altura, deparamos com o primeiro elogio que entre
nós se fez à literatura oral (curiosamente, conotada já com um passado perdido):
Oh! magas ilusões, oh! contos lindos,
Que às longas noites de comprido Inverno
Nossos avós felizes entretínheis
Ao pé do amigo lar
[...]
[...]
Pimponices de andantes cavaleiros
[...]
Malandrinices de Merlim barbudo,
Travessuras de lépidos duendes,
E vós, formosas mouras encantadas,
Na noite de São João ao pé da fonte
Áureas tranças com pentes de oiro fino
Descuidadas penteando
[...]
Oh! magas ilusões, porque não posso
Crer-vos eu coa fé viva doutra idade,
Em que de boca aberta e sem respiro,
Sem pestanejo um só, de olhos e orelhas
No Castelo escutava a boa Brigida
Suas longas historias recontando
De almas brancas trepadas por figueiras,
511
De expertas bruxas de unto besuntadas.
509
Ainda recentemente uma especialista da craveira de Ofélia Paiva Monteiro, deixando-se arrastar
pela tradição, escrevia que, na Dona Branca, Garrett “utiliza programaticamente o ‘maravilhoso’ popular
nacional” [“Garrett”, in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português,
Lisboa, Caminho, 1997, p. 205].
510
Apenas um exemplo (ver canto X, 22, p. 598): a crença de que a mão esquerda duma criança que
morreu sem ser baptizada, se for cortada, dará luz como uma lanterna. Trata-se, possivelmente, duma variante
da conhecida crença nas propriedades da “mão-do-finado”.
511
Op. cit., canto III, 3, p. 499. Os últimos versos, como o explica o próprio autor em nota de
rodapé, aludem à quinta do Castelo, “na qual passei os primeiros anos da infância, e ouvia as histórias da boa
Brígida, velha criada que tinha o jeito e traça de bruxa, e era cronista-mor de feitiços e milagres”.
166
De notar que a referência aos “andantes cavaleiros” provém, possivelmente, muito
menos da literatura oral do que da literatura escrita, nem que seja a dos folhetos de cordel. O
mesmo se pode dizer do “Merlim” que surge no verso seguinte, esse, sobretudo, de
existência muito improvável na nossa tradição oral. Também as personagens dos “duendes”
(ver outro verso mais abaixo) não são, como se sabe, próprias dos contos tradicionais
portugueses. É possível que estas referências extranacionais mostrem que boa parte daquilo
que Garrett conhecia, na época, da literatura oral lhe vinha não da tradição portuguesa mas
sim da leitura de colecções estrangeiras. Aliás, como se sabe, se exceptuarmos (e ainda
assim...) os Contos e Histórias de Proveito e Exemplo de Trancoso, no tempo de Garrett não
existiam colecções que alguém interessado na literatura oral portuguesa pudesse ler.
1828
Nas notas da Adozinda, Garrett volta a mencionar as lendas de mouras encantadas
(de que refere certas características, e que afirma, erroneamente, serem exclusivas da
tradição portuguesa)
512
e também, sem maior especificação, os contos de fadas.
513
1833
Uma inglesa (Julia Pardoe) publica um livro fruto da sua estadia em Portugal.
514
Dispersos ao longo da obra, encontram-se 18 provérbios, citados em português e em
512
Depois de mencionar a crença “do vulgo” português nas “sombras de finados” e nas “bruchas”,
que “são cosmopolitas” (i. e., comuns a vários povos), acrescenta: “A nossa mythologia popular tem mais outra
especie de entes sobrenaturaes, que é privativa nossa. — São as moiras-incantadas, que nem são bruchas,
duendes, nem fadas, mas lindas e amaveis creaturas que se divertem a incantar, a excitar os desejos dos pobres
mortaes — e ás vezes, tam boas são! a satisfazê-los” (Adozinda, cit., p. 117).
513
514
Ver op. cit., p. 120.
Miss Pardoe, Traits and Traditions of Portugal, collected during a residence in that country by...,
London, Saunders and Otley, 1833, 2 vols.
167
tradução inglesa, que ajudam a dar “cor local” ao texto.
515
A recolha é datável de entre 1826
e 1828, época em que ela viveu em Portugal. É esta a primeira vez em que, no nosso corpus,
surge atestado tal subgénero.
Além disso, a obra apresenta os textos (em inglês) de três canções que a autora diz
ter ouvido junto ao Mondego, duas das quais durante as festas de um casamento.
516
Embora
ela não afirme claramente que se tratam de textos populares, a verdade é que as põe na boca
de gente do povo, sendo a segunda cantiga cantada mesmo por “a rustic Improvvisatore”.
Porém, tudo leva a crer que estes textos foram inventados pela própria Miss Pardoe,
515
518
517
a fim
Os provérbios podem ler-se comodamente agrupados no apêndice IV do estudo de Maria Luísa
Fernandes Alves, O Portugal de Julia Pardoe. Uma visão romântica e feminina, Lisboa, I.N.I.C. / Centro de
Estudos Comparados de Línguas e Literaturas Modernas, 1989.
516
Ver Traits and Traditions of Portugal, cit., II, pp. 299-300, 312 e 313-4. O primeiro dos poemas
tem um refrão em português: “Filha do meu coraçaô [sic]”.
517
518
Op. cit., II, p. 310.
Diga-se antes de mais que os poemas (apresentados, como dissemos, apenas em inglês)
dificilmente poderão espelhar a letra de quaisquer textos portugueses (ainda que cultos), os quais, se existiram,
haveriam necessariamente de ter sofrido grandes tratos de polé, de modo a ajustar-se à rima e à complexa
metrificação que apresentam os textos ingleses. Por outro lado, nada nos temas ou na linguagem dos textos
deixa transparecer que sejam tradução de canções tradicionais portuguesas. No máximo, a não serem invenção
de Julia Pardoe, serão a tradução de canções cultas arcádicas, do género das “modinhas”, ainda muito
apreciadas na época em que a autora viveu em Portugal. Não podemos, pois, concordar com Maria Luísa
Alves, quando ela escreve: “Em todos os casos [i. e., nos três poemas referidos] estamos perante baladas de raiz
popular” (op. cit., p. 100). A mesma estudiosa afirma mesmo (p. 99, n. 58) que na terceira das canções “existe
uma curiosa coincidência de conteúdo com o romance medieval espanhol ‘Fonte-frida y con amor’”. Ora tal
coincidência resume-se, porém, a que no texto se elogia a rola, em detrimento doutras aves, por ela ser muito
dedicada ao companheiro (sublinhe-se que Miss Pardoe põe esta canção na boca duma recém-casada, durante
as festas da boda). Tendo em atenção todo o anterior, parece-nos, portanto, errada a conclusão de Maria Luísa
Alves: “Julia Pardoe precursora de Garrett? Não podemos atestar a existência destas três baladas na nossa
poesia popular, mas tenham sido traduzidas, adaptadas ou imitadas, são reveladoras de um interesse pelos
cantares do povo como fonte de investigação etnográfica” (op. cit., p. 100). Como dissemos, nada nos textos
ingleses permite dizer que eles foram traduzidos ou sequer imitados de canções tradicionais portuguesas, e,
pelo contrário, é muito possível estarmos em presença de uma total invenção. Portanto, os referidos três
poemas não podem tornar Julia Pardoe uma “precursora de Garrett”, até porque a sua obra não é anterior à
Adozinda, 1828 (e mesmo falando em termos de recolha e não de publicação, a teórica recolha de Miss Pardoe
não poderia ser anterior a 1826, ano em que ela veio para Portugal, sendo, por isso, posterior à recolha de
romances levada a cabo pela “jovem menina” de Lisboa amiga de Garrett, em 1823-24). De qualquer modo, os
168
de reforçar a imagem idílica que ela pretende transmitir no episódio em questão. Trata-se,
assim, dos primeiros textos falsamente atribuídos na época romântica à tradição oral
portuguesa.
Publica-se uma obra de Beckford, em que o famoso viajante conta duas lendas de
milagres.
519
A recolha data de 1787 ou de 1793-94, anos em que ele esteve em Portugal.
Num poema datável de 1834,
520
Almeida Garrett mostra conhecer bem o conto,
muito comum na nossa tradição, as Três Cidras do Amor (AT 408, The Three Oranges).
521
1838
Num artigo da revista O Ramalhete, conta-se uma lenda de moura encantada, mais
precisamente um episódio que, no séc. XVII, foi dado por verdadeiro.
522
18 provérbios portugueses que Maria Luísa Alves detectou na obra de Julia Pardoe tornam necessária uma
referência a esta autora inglesa numa história da recolha de literatura oral entre nós.
519
[William Beckford], Italy; with sketches of Spain and Portugal, II, London, Richard Bentley,
1834. A primeira das lendas (p. 202) é variante doutra que já encontrámos atrás, recolhida por A. P. D. G.
(Beckford conta-a assim: S. António, estando um dia na sé de Lisboa, viu-se perseguido pelo Diabo. Para se
livrar dele, fez o sinal da cruz sobre uma parede, e o Diabo desapareceu. Ainda hoje se pode ver a marca dos
dedos do santo nessa parede); a segunda (p. 207) é a lenda dos corvos que acompanharam o corpo de S.
Vicente na sua transladação para Lisboa, que lhe é contada durante uma visita à sé, para ver os pretensos
descendentes desses corvos, que aí viviam ainda. Tal visita é apresentada por Beckford com uma não muito
velada ironia que mostra bem o interesse puramente exótico que os anglicanos encontrariam naquelas lendas
religiosas católicas.
520
Ver Ofélia Milheiro Caldas Paiva Monteiro, A Formação de Almeida Garrett. Experiência e
criação, II, Coimbra, Centro de Estudos Românicos, 1971, p. 333.
521
Ver “As Três Cidras do Amor (Conto afonsinho)”, Narrativas e Lendas, edição crítica, fixação
do texto, prefácios e notas de Augusto da Costa Dias, Lisboa, Editorial Estampa, 1979, pp. 125-141. O poema
(pp. 129-131) contém claras referências ao início do conto tradicional. O título dado por Garrett ao seu texto
em prosa, além de brincar com o nome do conto tradicional, designa também as três personagens principais da
história, todas irmãs, conhecidas por aquela alcunha. O texto de Garrett (esboço de algo que poderia ter sido
uma novela e não se chegou a concretizar) é datado por Costa Dias de 1839-45 (ver p. 147). Opinião diferente
é, porém, a de Ofélia Paiva Monteiro (ver nota anterior).
169
1840
Em dois contos regionalistas (passados na ilha de S. Miguel), Raposo de Almeida
inclui uma cantiga de Reis
523
e um texto em quadras.
524
O primeiro parece verdadeiramente
tradicional, e o segundo é possível que também o seja. É a primeira vez que, no nosso
corpus, surgem atestados textos pertencentes ao género lírico.
Além disso, tanto quanto as nossas investigações revelaram, esta é também a
primeira vez que se incluem textos tradicionais num texto de literatura institucionalizada (o
uso que Garrett faz de romances no Alfageme de Santarém é dois anos posterior). O
objectivo de tal aproveitamento é, sem dúvida, produzir verosimilhança e cor local.
Da primeira metade dos anos 40 data um manuscrito organizado, pelo menos em
parte, por E. T. D. de Castro,
525
onde, além de romances (como já vimos), se incluem
“muitas dezenas de cantigas, ou quadras”
526
e outros poemas líricos.
527
Infelizmente,
desconhece-se o paradeiro deste manuscrito.
522
Anónimo, “Mouras Encantadas”, O Ramalhete, nº 32 (23/8/1838), pp. 251-252. É sobre o
aparecimento duma moura encantada a um rapaz, em Gouveia, em 1653. Transcreve-se o acto notarial coevo,
onde se conta que a dita moura era uma serpente que, no fim, se transformou em menina e deu ouro ao rapaz.
523
Ver [Francisco Manoel] R[aposo] d’ Almeida [o nome completo do autor é revelado na p. 2, no
“Preambulo”, escrito pela direcção da revista, que acompanha o conto], “Costumes Michaelenses. I: Cantar os
Reis”, O Mosaico, II, nº 44 (6/1/1840), pp. 2-5; a cantiga está na p. 4. Note-se que, na página (não numerada)
que antecede a p. 2, existe uma estampa (com o título “Cantar os Reis”) representando um grupo de músicos
tocando, cantando e dançando em frente duma casa.
524
Anónimo [Francisco Manoel Raposo d’ Almeida?], “Costumes Michaelenses. O Monge de
Caloura (Romance historico) — Annos de 1817-18 —”, O Mosaico, II, nº 65 (1/6/1840), pp. 169-172. O texto
poético (p. 172) consta de quatro quadras, apresentadas como improvisos do “tio Faria”, a mesma personagem
que, no conto publicado no nº 44 da revista, aparecia a cantar os Reis.
525
526
Ver o que sobre este manuscrito e sua datação dissemos no subcapítulo anterior.
J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, IV, cit., pp. 425-6. O exemplar deste volume
dos Ensaios que pertenceu ao próprio Vasconcelos está hoje na biblioteca do Museu Nacional de Arqueologia
(Lisboa). Tal exemplar tem, na margem inferior da p. 425, pela mão de Vasconcelos, o seguinte acrescento
manuscrito, a lápis: “D’ este ms. deve ter Pires copiado muitas cantigas, talvez [a palavra “talvez” é acrescento
posterior, escrito com um lápis diferente, mais claro] as que ele traçou”. “Pires” é António Tomás Pires, que,
170
1842
Numa crítica teatral sobre a estreia duma ópera,
beirãs” tradicionais.
529
528
transcrevem-se duas “quadras
Pertencem a uma faceta do cancioneiro cujos textos são
propositadamente disparatados e sem rima, de modo a provocarem o riso. O autor da crítica
usa estas quadras para mostrar a má qualidade do libreto da ópera, que seria como elas, isto
como na mesma página se informa (no texto impresso), foi quem ofereceu a Leite de Vasconcelos essa
“miscellanea manuscrita”. Como, noutro lugar, recorda o próprio Vasconcelos, Tomás Pires publicou “uns
poucos de milhares de canções, distribuidos por varios jornaes, como a Sentinella da Fronteira (onde tem
sahido os Cantos populares do Alemtejo), o Elvense, Jornal da Manhã, etc.” (J. Leite de Vasconcellos, Poesia
Amorosa do Povo Português. Breve estudo e collecção de..., Lisboa, Viuva Bertrand & Cª, 1890, pp. 75-6).
527
A referência a esses outros poemas é feita apenas numa obra posterior aos Ensaios
Ethnographicos, onde Vasconcelos diz que o manuscrito, além de quadras, incluía: “Versos da Saloia, e um
distico [...] Versos da semana [...] Ama do juiz de Fóra [...], com versos de redondilha menor. Popular?” [J.
Leite de Vasconcellos, Etnografia Portuguesa, I, cit., pp. 258-9].
528
No espectáculo (realizado no Teatro da Rua dos Condes, em Lisboa) apresentara-se a versão
portuguesa de A Dama Branca, ópera francesa cujo autor não é mencionado no artigo. Diz-se apenas que a
ópera é adaptação duma “novella de Walter Scott”. Trata-se, provavelmente, da famosa La Dame blanche,
ópera de Boieldieu (1825), cujo argumento é, de facto, adaptado de Guy Mannering e The Monastery, de Scott.
529
Anónimo, artigo sem título, Revista Universal Lisbonense, II, nº 12 (8/12/1842), pp. 151-2. As
quadras estão na p. 152.
171
é, sem sentido e mal rimado.
530
É esta a primeira vez em que, nas nossas investigações sobre
a época em estudo, encontrámos uma visão totalmente negativa da literatura oral.
532
Almeida Garrett publica O Alfageme de Santarém.
531
Neste drama, o autor, além de (como
vimos no capítulo anterior) incluir romances, põe, também na boca de personagens populares,
algumas canções líricas que pretendem ter ar de tradicionais. Os textos imitam processos
estilísticos (sobretudo a repetição) cuja pertença à poesia oral vemos ser do perfeito conhecimento
de Garrett. Uma das cantigas é uma quadra imitada das de São Gonçalo de Amarante correntes na
tradição.
533
1843
Novo autor inglês (Borrow), em novo livro de viagens, publica outro texto
português tradicional. Desta feita, trata-se duma versão do ensalmo do Justo Juiz Divinal,
talvez originária de Palmela. O texto (embora apresentado apenas em tradução) parece
perfeitamente genuíno, e Borrow fornece, além disso, importantes dados para a sua
530
As quadras citadas são as seguintes:
Semeei no meu quintal
Amorinhos de Izabel;
Nasceu-me um pé de um burro,
Com uma candêa na mão.
Ó almas do purgatorio,
Que estaes á borda do rio;
Virae-vos da outra banda,
Que vos dá o sol nas costas.
531
Muitos anos mais tarde, como veremos noutro capítulo, o mesmo tipo de quadras será
apresentado por um jornalista como prova de que a poesia do povo não tem qualidade, sendo uma insensatez o
interesse de Estácio da Veiga em recolhê-la.
532
[Almeida Garrett], O Alfageme de Santarem ou A Espada do Condestavel, pelo auctor de Catão e
Auto de Gil-Vicente, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1842.
533
Op. cit., p. 17.
172
contextualização.
534
É esta a primeira vez em que, no nosso corpus, surge atestado o
subgéneros das orações.
Garrett, publica o I vol. do seu Romanceiro. Aí inclui, como epígrafe da Noite de
San’ João, uma quadra tradicional, que informa ser do Minho.
534
535
George Borrow, The Bible in Spain; or,[sic] the journeys, adventures, and imprisonments of an
Englishman, in an attempt to circulate the Scriptures in the Peninsula, London, John Murray, 1843, p. 17. Não
obstante o título da obra, 8 dos seus capítulos (num total de 57) são sobre Portugal.
Em dado momento (p. 17), Borrow fala dum homem de Palmela que encontrou em Évora. Embora
viaje muito e sozinho, este homem explica-lhe que nunca tem medo, “for I am well protected”. E mostra “a
small bag, attached to his neck by a silken string. ‘In this bag is an oracam [sic], or prayer, written by a person
of power, and as long as I carry it about with me, no ill can befall me.’” Dentro desse saquinho, estava “a large
piece of paper closely folded up”. Borrow fornece uma “literal translation” do texto (a que dá o título de “The
Charm”), o qual “struck me at the time as being one of the most remarkable compositions that had ever come to
my knowledge”. Borrow explica ainda que “the woman of the house [a dona da hospedaria onde ele estava
alojado e onde se passara a conversa com o homem de Palmela] and her daughter had similar bags attached to
their necks, containing charms, which they said, prevented the witches having power to harm them.”
A função de amuleto desempenhada por um papel com uma oração que se traz junto ao corpo está
perfeitamente atestada em numerosos países: “As orações-fortes [i. e., “as súplicas dirigidas a Deus e aos
santos, segundo fórmulas que não devem ser usadas comumente” e que obrigam os seres sobrenaturais a actuar
segundo o desejo de quem as recita ou possui] são trazidas ao pescoço, num saquinho cosido, ou dentro da
carteira, do bolso, em lugar oculto. [...] [São] comuns pelo Brasil inteiro [...] O costume é universal”, atestado,
por exemplo, entre os Judeus, Muçulmanos e povos de outras religiões (Luís da Câmara Cascudo, Dicionário
do Folclore Brasileiro, 5ª ed., revista e aumentada, São Paulo, Edições Melhoramentos, 1980, pp. 550-1)
Em Portugal, tal prática parece ter sido corrente até há pouco tempo. Durante a Guerra Colonial, está
inclusive atestado o uso duma interessante versão do Justo Juiz transformada ad hoc. Veja-se, de facto, o que
aconteceu a José Marques, natural do Algarve, fuzileiro: “No dia em que partiu para a Guiné, uma vizinha deulhe a oração do Justo Juiz Divinal. ‘Jesus me há-de livrar de espingardas e pistolas com que me atirem, elas não
acenderão, que eu trago Jesus comigo. Se os meus inimigos vierem para me prender, terão olhos e não me
verão, boca mas não me falarão, pernas mas não andarão (...)’. Assim foi durante muito tempo, caiu ao seu lado
muita gente sem que ele sofresse a menor beliscadura” (Felícia Cabrita, “A Campanha do Medo”, Revista do
Expresso, 23/5/1994, p. 92).
Maria Aliete Galhoz referiu-nos que, ainda não há muitos anos, no Algarve, viu serem usados como
amuleto, trazido junto ao corpo, não folhas manuscritas mas sim exemplares de pequenos folhetos de cordel (in
32º) com orações, sobretudo o Justo Juiz.
535
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I, cit., p. 135. A atribuição
geográfica encontra-se na nota “A” (p. 210) da Noite de San’ João.
173
Noutros pontos desta obra, há referência a dois contos tradicionais: a Bela e o
536
Monstro (AT 425 C, Beauty and the Beast)
e um conto conhecido internacionalmente por
The King’s Glove (AT 891 B*), no qual se baseia O Chapim d’ Elrei, um dos “romances
reconstruídos” publicados neste vol. I.
537
1844
Um poema de Costa Cascais (escrito em 1844, embora só postumamente publicado)
inclui duas quadras tradicionais. A primeira,
538
segundo informa o autor, é das que se
cantavam em casa, frente ao presépio, na quadra natalícia; a segunda
539
é das cantigas de
pedir os Reis.
1845
536
Ver o prólogo d’ O Anjo e a Princeza, onde o autor menciona “as classicas aventuras de Cupido e
Psychis, — verdadeira fonte [...] da muito romantica e trovada historia da carochinha, A Bella e a Fera, que
toda a gente sabe — ou soube quando era pequena” (op. cit., p. 145). Ignoramos onde terá Garrett adquirido o
conhecimento que nesta frase demonstra e que, para época, em Portugal, é notável. Em última análise, deverá
ter-lhe vindo dos irmãos Grimm. Na verdade, em 1812, nos comentários a uma versão da Bela e o Monstro,
menciona-se já o conto de Amor e Psique (Brüder Grimm, Kinder und Hausmärchen, 2º Band, 1815, p. iv, nota
ao conto “Das singende springende Löweneckerchen”). Muito agradecemos a Teresa Cortez ter-nos conseguido
fotocópia da página desta edição.
537
No prólogo do poema em causa, Garrett escreve: “Foi verdadeiramente reconstruida ésta xacara
dos fragmentos soltos da composição popular antiga [...] Vieram-me de Evora os fragmentos por intervenção
do Sr. Rivara [...]: são parte em prosa, parte em verso, estado em que alguns d’ este fosseis se desinterram ás
vezes. Verifiquei depois que pelas vizinhanças de Lisboa se incontravam na mesma fórma e quasi os mesmos”
(pp. 159-160). O Chapim d’ Elrei é, de facto, baseado num conto tradicional, cujas versões portuguesas
costumam conter algumas partes em verso. Outros pormenores serão fornecidos mais à frente, quando, no
capítulo sobre a balada romântica, voltaremos a mencionar este “romance reconstruído”.
538
Joaquim da Costa Cascaes, Poesias, I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, p. 305. O poema em que
se inclui esta quadra (e aquela a que a seguir nos referimos) intitula-se Vingança em Noite de Reis e está nas
pp. 301-319. Quanto à indicação da data de escrita do poema, ver p. 362.
539
Op. cit., p. 318.
174
João Maria Campelo publica um poema em quadras, inspirado, como ele próprio
reconhece, nas cantigas dos Reis, nomeadamente na canção narrativa Os Três Reis do
540
Oriente.
Algumas das quadras parecem-se muito com as de versões tradicionais.
541
É esta a primeira vez em que, no nosso corpus, encontramos um poema culto
inspirado em textos líricos tradicionais e num poema narrativo não romancístico.
Num conto da sua autoria, Pereira da Cunha inclui uma versão duma rima infantil
tradicional.
542
Trata-se, no nosso corpus, da primeira atestação da existência deste subgénero
na tradição oral portuguesa.
540
J. M. Campêllo, Descante dos Reis, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 24 (2/1/1845), pp. 291-
292. O poema é precedido por uma breve introdução, em que o autor diz: “O que se segue é uma cantilena tão
feita dos desestudados cantares do povo do Minho, que, pois talvez não leve uma ideia, ou verso, que seja
inteiramente proprio, nem meu é, nem d’ elle”.
541
Sobretudo as seguintes quadras:
Mal haja esse rei Herodes,
Cf.:
Capitão falso, e damninho,
Herodes, como malvado,
esse perverso maligno,
Que ensinou aos tres reis magos
às avessas lh’ ensinava
Ás avessas o caminho.
aos santos reis o caminho.
[...]
(Manuel da Costa Fontes, Romanceiro Português do
Canadá, Coimbra, Por Ordem da Universidade,
1979, nº 384)
Oiro fino lhe offerecem
Como a rei celestial,
Incenso como a divino,
Myrrha como a immortal.
Cf:
Offereceram-lhe ouro fino,
Como rei oriental,
Incenso como divino,
E myrrha como a mortal.
(Braga, Cantos Populares do Archipelago Açoriano,
cit., p. 352)
Não se pense, porém que todas as quadras estão assim tão próximas dos textos tradicionais.
Algumas, se é que vêm da oralidade, estão, sem dúvida, muito retocadas. A mais claramente erudita (pelo
léxico e pela sintaxe) é a seguinte:
Quem traz oiro, incenso e myrrha
Dos desertos de Senaar?
São tres reis, Gaspar um d’ elles,
E Belchior, e Balthasar.
175
O escritor inglês William Kingston conta, num livro de viagens, duas lendas
ouvidas no norte de Portugal.
543
Maria Peregrina de Sousa colaborou na Revista Universal Lisbonense com uma
série de artigos sobre etnografia minhota.
542
544
Em três deles, transcreve pequenos textos de
A. Pereira da Cunha, “Masilgado”, Revista Universal Lisbonense, IV. O conto começa no nº 37
(3/4/1845), pp. 446-448, e acaba no nº 42 (8/5/1845), pp. 506-508. No nº 38 (10/4/1845), p. 456, assistimos à
cena em que, certa personagem (Salvador Soares) “poz-se a cantar a meia voz [a uma filha pequena] certa
cantilena, que já por esses tempos se usava:
Joaninha, vôa, vôa,
Vae a teu pae a Lisboa,
Que...”
Salvador é, neste momento, interrompido pela mulher, e a rima fica incompleta.
Curiosamente, uma interrupção do texto, fazendo com que ele fique incompleto, acontece também
nas outras duas vezes em que Cunha transcreve versões tradicionais numa obra sua (ver, no subcapítulo
dedicado ao romanceiro, os anos de 1844 e 1848). É possível que tal interrupção tenha o objectivo de aumentar
a verosimilhança, dando a impressão de que os textos tradicionais surgem espontaneamente na acção do conto
ou da peça. Se eles fossem recitados (ou cantados) na totalidade, mais facilmente poderiam dar a impressão de
terem sido ali postos pelo seu valor em si, para serem ouvidos independentemente da acção do conto ou peça
em que estão integrados.
543
William H. G. Kingston, Lusitanian Sketches of the Pen and Pencil, I, London, John W. Parker,
1845. Trata-se de: (a) Lenda do rei Bamba e da sua aguilhada, que floresce miraculosamente (pp. 122-7). A
árvore que daí teria resultado existia ainda, no tempo de Kingston, perto da sé de Guimarães. Segundo o autor,
essa lenda foi-lhe contada por uma mulher; (b) Lenda etiológica da igreja (e bairro) de Cedofeita, Porto (pp.
241-2).
544
Os texto estão assinados com o pseudónimo “Uma Obscura Portuense”. Esta série —cujo título
mudou algumas vezes, e foi, por exemplo, “Costumes Populares do Minho” ou “Superstições Populares no
Minho (Carta)”— é constituída por 12 artigos. O primeiro deles saiu no vol. IV, nº 6 (29/1/1844), pp. 71-2, e o
último no vol. IV, nº 48 (19/7/1845), p. 583. A série completa foi republicada na Revista Lusitana, VI (190001), pp. 129-151, sob o título de “Tradições Populares do Minho (Cartas)”, antecedida por uma pequena
introdução de Leite de Vasconcelos, que sublinha que estes artigos “foram dos primeiros trabalhos que entre
nós se publicaram sobre o assunto, depois que Almeida Garrett mostrou o valor ethnologico das tradições
populares” (p. 129). Nos Ensaios Ethnographicos, I (Espozende, Collecção Silva Vieira, 1891, pp. 229-236),
Leite de Vasconcelos fala mais desenvolvidamente sobre estas “cartas” e outras obras da autora.
176
literatura oral: uma quadra pertencente a um auto sobre o nascimento de Cristo,
ensalmos e um provérbio,
546
e mais dois ensalmos.
545
nove
547
1846
O alemão Raczynski publica uma famosa obra sobre Portugal, misto de livro de
viagens e de história da arte. Aí se inclui uma quadra tradicional, com a sua tradução
francesa.
548
Pela primeira vez no nosso corpus, o texto é acompanhado pela transcrição da
respectiva música. A recolha, feita na Figueira da Foz, é datável de 1842-45, época em que
Raczynski viveu em Portugal.
549
Neste ano, aparece na imprensa menção ao projecto, atribuído ao músico (italiano,
mas residente em Portugal e aqui falecido) Angelo Frondoni, de publicar uma colecção de
canções portuguesas, embora não seja totalmente claro se recolhidas da tradição oral.
545
550
“Festas Populares do Minho”, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 25 (9/1/1845), pp. 300-301.
Sobre o auto, afirma D. Maria Peregrina: “para elle [o povo] é edificante, não para quem tem bom senso” (p.
300), percebendo-se bem em qual dos grupos espera que os leitores a coloquem. De sublinhar este
distanciamento crítico que a autora deixa transparecer (ou, melhor, sente a necessidade de mostrar claramente)
face a fenómenos que, por outro lado, acha dignos de interesse, ou não se compreenderia a sua decisão de
escrever sobre eles. A mesma dualidade se encontra noutro artigo da série, onde, embora, por um lado, a autora
mencione “um costume que muito tocante achei”, fala de outras coisas com desprezo e designa o acto de
“talhar o bicho” (que, aliás, descreve com certo pormenor) como uma “cerimonia grutesca” [“Superstições
Populares no Minho (Carta)”, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 43 (15/5/1845), pp. 519].
546
“Superstições Populares do Minho (Carta)”, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 35 (20/3/1845),
547
“Superstições Populares no Minho (Carta)”, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 43 (15/5/1845),
p. 420.
pp. 518-9.
548
549
550
A. Raczynski, Les Arts en Portugal, par le comte ..., Paris, Jules Renouard et Cie., 1846, p. 478.
Raczynski foi embaixador da Prússia em Lisboa entre os anos que indicámos.
Diz o artigo: “As canções portuguezas tem merecimento para formarem uma collecção tam rica
como variada. Todas as nações possuem cantos populares, e era ja tempo de Portugal colligir os seus, notaveis
pela sua singela e poetica melodia. A lingua presta-se como as melhores, e ha motivos que se distinguem por
uma grande ligeireza de estillo. O auctor do ‘Beijo’* [este asterisco remete para a seguinte nota de rodapé:
“Deve aqui intender-se: da musica da farça intitulada O Beijo, porque o auctor da lettra é por emquanto alheio a
177
Porém, tal colecção —que, sublinhe-se, além da letra conteria também a música— não foi
concretizada.
551
Num longo texto em boa parte dedicado às tradições populares da região de
Castanheira do Vouga, Castilho transcreve a lenda duma moura encantada, um poema
popular pertencente ao tipo das “conversações em prosa [...] não obstante rimada”, entre
duas pastoras, que falam “de cabeço para cabeço”,
552
tradicionais e uma sextilha de versos paralelísticos).
553
e cantigas de São João (5 quadras
É esta a primeira vez em que, no
nosso corpus, surge a transcrição duma lenda de mouras encantadas.
Além disso, o autor tece interessantes —e pioneiras— considerações sobre as
cantigas ao desafio (cuja estrutura especifica),
554
a estrutura bipartida presente em muitas
ésta empresa”. Trata-se de Fondoni: ver O Beijo. Trechos, farça-lyrica num acto composta e arranjada para
canto e piano forte por Angelo Frondoni, letra de Silva Leal, Lisboa, Lith. F. M. Pereira, 1845], desejando pôr
ao alcance de todos éstas composições e facilitar o seu conhecimento, emprehendeu publicar, coadjuvado por
notabilidades d’ este paiz no que diz respeito á lettra, a collecção da maior parte das cantigas portuguezas, tanto
antigas como modernas, preferindo das primeiras as que se characterizam pelo typo verdadeiramente
peninsular, e das segundas as que ao gosto reunem a simplicidade e a arte. Acceitar-se-hão entre as ultimas as
que incluirem as qualidades acima requeridas, sendo rogado, para concorrer e inrequecer ésta collecção,
qualquer portuguez que se queira distinguir n’ este genero.
Esta collecção sahirá n’ um caderno de trinta a quarenta paginas, pago no acto da entrega.
O auctor espera que será auxiliado no seu empenho pelos portuguezes que decerto avaliarão que n’
elle está o desagravo de preconceito injusto com que se tem calumniado a sua lingua.
O preço de cada collecção será de 1$440 a 1$920 não sendo ainda determinado o justo numero das
paginas” [Anónimo “Bibliographia”, Revista Universal Lisbonense, VI, nº 25 (12/11/1846), p. 298].
551
É verdade que Frondoni é autor duma Anthologia Musical. Collecção de trechos para canto com
acompanhamento de piano sobre poesias portuguesas, London, Maziares, Ldª, s/ d.; porém, os poemas
musicados nesta obra são de autores cultos, românticos. Frondoni, recorde-se, celebrizou-se como autor da
música do Hino da Maria da Fonte.
552
Faz lembrar o conhecido Dá-la-dou de Vinhais (ver Pe. Firmino A. Martins, Folklore do
Concelho de Vinhais, [I], Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928, pp. 253-4; há reedição facsimilada:
[Vinhais], Câmara Municipal de Vinhais, 1987).
553
Antonio Feliciano de Castilho, O Presbyterio da Montanha, I, Lisboa, Empreza da Historia de
Portugal, 1905, respectivamente pp. 39-40, p. 78 e 88-89. O II vol. (mesma data) contém apenas poemas de
Castilho, nenhum deles, ao que nos pareceu, inspirado em algo tradicional.
554
Op. cit., pp. 68-9.
178
quadras populares,
555
as festividades cíclicas,
556
o carácter incompleto que tem o texto oral,
ao ser publicado sem a música que o acompanha,
557
etc.
Embora publicado só em 1905, este texto de Castilho não deve ser muito posterior a
558
1846.
555
Op. cit., pp. 69-70. Escreve, nomeadamente: “A primeira metade de cada quadra tem
frequentemente um sentido diverso, e desconnexo do sentido da segunda metade. Os primeiros dois versos
conteem uma sentença geral, uma verdade vulgar, uma imagem campestre, a exposição succinta de qualquer
facto, mas sem relação alguma com o assumpto que se versa, o qual só nos dois versos ultimos apparece” (pp.
69-70). Dá quatro exemplos de quadras que apresentam esta estrutura. O primeiro (p. 70) é:
O loireiro bate bate,
que eu bem o sinto bater.
Para comigo cantares
has-de tornar a nascer.
E conclui: “Já se vê, por estas amostras, que a improvisação não é tão difficil coisa, nem para tantos
encarecimentos, como a teem feito alguns viajantes, d’ estes que só viajam no seu quarto, embarcados na sua
poltrona” (p. 70).
Esta última nota, no mínimo não muito positiva quanto à poética popular, é, no entanto,
contrabalançada pela afirmação que imediatamente se lhe segue, essa bem mais típica das teorias românticas:
“Muito, porém, se enganára, quem inferisse que toda a poesia dos meus serranos é de egual teor; porque, sobre
conservarem muita xácara de bons tempos, com as suas lacrimosas cantilenas tão singelas, tão simples e
aprasiveis como ellas (o que já não sería pequeno cabedal), cantam, e ás vezes engenham com singular
felicidade, quadras repassadas de amoroso affecto e graça natural, que um poeta de nome não enjeitaria”.
Castilho parece ter sido o primeiro a escrever sobre a questão do bipartidismo de certas quadras
tradicionais, numa época —sublinhe-se— em que as reflexões portuguesas sobre a literatura oral (e mais ainda
sobre tudo o que não fosse romanceiro) eram muito incipientes. Conforme veremos, mais tarde, Palmeirim
referir-se-á (também brevemente) ao assunto, sobre o qual, já em finais do século, Leite de Vasconcelos irá
igualmente escrever, então, sim, com desenvolvimento (ver J. Leite de Vasconcellos, Poesia Amorosa do Povo
Português. Breve estudo e collecção de..., Lisboa, Viuva Bertrand & Cª, 1890, pp. 21-9).
556
Op. cit., pp. 79-94. De sublinhar (aquilo que hoje sabemos ter sido) o exagero com que Castilho
fala sobre o desaparecimento de tradições que, não obstante, se mantiveram até aos nossos dias: “as pagans
Janeiras, que ainda alguns se lembram de ter cantado, já lá vão” (p. 79). Como consequência desta opinião
pessimista, encontra-se, em mais dum lugar da obra, a ideia da imperiosa necessidade de recolher a literatura
oral (necessidade e opinião pessimista que, aliás, já encontrámos, por exemplo, em Herder e Garrett). Assim,
quando começa a descrição do peditório das janeiras, Castilho comenta sobre a sua própria escrita:
“archivemos, archivemos, pois que até as serras ao cabo se desmemoríam”.
557
Escreve, por exemplo: “Do que ides ler [os versos das cantigas de S. João que a seguir
transcreve], ao que eu ouvi, posto não haja differença na substancia, vai tanto como de uma formosa donzella
poderá differir o seu cadaver”, (p. 88) isto porque não é possível ao leitor ouvir a música.
179
1848
Em numerosos fascículos duma revista, sai uma série de artigos (de autor anónimo)
transcrevendo ditados.
559
Nem todos parecem tradicionais.
Num poema escrito numa linguagem imitando a popular, Palmeirim inclui uma
quadra (a primeira do texto) verdadeiramente tradicional.
560
1849
Andrade Ferreira publica um conto que, não obstante o título da série em que se
integra, não é de modo algum tradicional (contradição que, aliás, várias vezes se encontra
558
Na “Advertencia dos Editores” (pp. 5-7), fala-se da génese da obra. “Em 1846 principiou
Castilho a colligir entre os seus manuscritos antigos, alguns [...] que ia publicar com o titulo de O Presbyterio
da Montanha”. Para este livro “escreveu um prologo extenso” (p. 5); porém, o livro não chegou a publicar-se,
embora se imprimisse. Existem alguns jogos de folhas dessa impressão nas mãos de particulares e na Biblioteca
Nacional [nesta biblioteca, na ficha respectiva, diz-se que o exemplar está perdido]. Os editores de 1905
publicam o que puderam encontrar da obra. O “Preambulo” que ocupa todo o I vol. é o “prologo extenso”
acima referido.
559
Anónimo, “Rifões Portuguezes”, A Epoca, do vol. I (1848), nº25, pp. 396-7 ao vol. II (1849), nº
24, p. 372. É possível que o artigo continue para além do fim do II vol., mas este é o último tomo da revista que
existe na Biblioteca Nacional.
560
L. A. Palmeirim, S. Gonçalo d’ Amarante, Revista Popular, I, nº 6 (8/4/1848), pp. 47-48. A
quadra é a seguinte:
São Gonçalo d’ Amarante,
Casamenteiro da velhas,
Porque não casais as moças,
Que mal vos fizeram ellas?
O poema tem o subtítulo “(No album do meu amigo A. Pereira da Cunha)”, autor que, como já
vimos, usou várias vezes a literatura oral nos seus escritos.
Este poema (e, obviamente, a sua primeira quadra) foi republicado nas Poesias de Palmeirim
(Lisboa, Imprensa Nacional, 1851, pp. 313-6) e em Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de
Lembranças Luso-Brasileiro para 1855, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1854, pp. 119-120.
180
noutros textos deste autor).
561
No entanto, em dado passo do presente conto, surgem alguns
camponeses cantando cinco quadras, com aparência de tradicionais.
562
A obra tem uma introdução em que se apresentam várias teorias sobre literatura oral
muito típicas do Romantismo (por exemplo, a ligação entre essa literatura, a nacionalidade e
o povo rural),
561
563
e em que se referem vários subgéneros seus.
564
J. M. d’ Andrade Ferreira, Contos de Lareira ou Tradições e Usanças da Minha Terra, I: A Noite
do Natal, Lisboa, Typ. de Luiz Correia da Cunha, 1849. O enredo do conto e mesmo as personagens nada têm a
ver com narrativas tradicionais. É possível que sejam as referências no texto a certos costumes próprios da
época natalícia aquilo que, aos olhos do autor, justifica o título da obra. O mesmo se passa no seu livro
Tradições e Phantasias (Lisboa, Livraria de Antonio Maria Pereira, 1862). De facto, afirma Andrade Ferreira
que parte d’ “os contos colligidos n’ este livro” são “tradições aqui escutadas da bocca do montanhez [...] e
acolá aprendidas da velhinha acocorada junto ao brazido da lareira” (p. iii). Ora, a verdade é nenhum dos textos
da obra conta uma história tradicional, ou seja, nenhum deles é “tradição” e todos são “phantasias”.
562
563
Ver pp. 76-8.
“As tradições d’ uma nação é que constituem a sua verdadeira mythologia [...] como complexo de
fabulas populares, lendas, e preconceitos nacionaes são quasi uma segunda religião [...] É esta a chamada
poesia popular, ou para melhor dizer, nacional. Todas as nações a possuem [...]; e toda ella se resente do
caracter dos povos, em cujo seio desabroxa” (pp. 10-11). “O nosso Portugal é abundante d’ esta poesia [...] Mas
não julgueis que é nas côrtes, e mesmo nas cidades, que encontrareis esta poesia: ahi a séve nacional está
adulterada pelo tracto multiforme, e intimo dos estrangeiros, e pela corrupção, que lavrando pelas arterias
sociaes produz a anniquilação dos costumes, e distinctivos nacionaes” (p. 12). É, isso sim, nas aldeias do
interior, conversando com “os pobres camponezes, e aldeões”, que se pode “tirar um parecido retracto á velha
nação portugueza” (p. 13). (Sobre cidade, campo e poesia popular nas teorias românticas, ver, à frente, o que
dizemos a propósito de Palmeirim, em referência ao ano de 1865).
Uma remodelação das palavras introdutórias deste artigo foi publicada por Andrade Ferreira 7 anos
depois com o título de “Narrativas, Lendas, Superstições e Crenças Populares” [A Illustração Luso-Brazileira,
I, nº 8 (23/2/1856), pp. 60-62]. Tal remodelação (contendo muitas frases que quase mais não são que uma
paráfrase do texto de 1849) foi publicada novamente no ano seguinte: Revista Universal Lisbonense, s/ nº de
vol., nº 1 (23/4/1857), p. 8, e nº 2 (30/4/1857), pp. 7-8. Uma terceira versão do texto, agora muito aumentado
(mas repetindo, também, muitas das frases anteriores), foi publicada, com o título “Poesia Popular”, em José
Maria Andrade Ferreira, Litteratura, Musica e Bellas-Artes, II, Lisboa, Editores—Rolland & Semiond, 1872,
pp. 65-73.
564
São os seguintes os subgéneros mencionados (ver pp. 13-15): lendas (nomeadamente de mouras),
“soláos, xacaras, e rimances cavalleirosos”, histórias de “feiticeiras”, de “lobishomens”, de “fadas” e de
“duendes, e bracolacos” (ignoramos o sentido desta última palavra).
181
1850
Numa peça de Costa Cascais que já mencionámos a propósito do romanceiro,
incluem-se também três canções líricas em quadras, que talvez sejam populares.
565
Na peça,
são postas na boca de personagens da classe piscatória de Cascais.
Na peça de Camilo O Lobisomem, as personagens (aldeãos de Entre-Douro-eMinho) cantam várias quadras líricas que parecem tradicionais.
566
Num manuscrito datado deste ano, inclui-se uma canção lírica apresentada como
567
sendo Cantigas de Marinheiros.
565
J. da Costa Cascaes, O Mineiro de Cascaes in Theatro, III, Lisboa, Empreza da Historia de
Portugal, 1904, pp. 3-4, 7 e 33. Note-se que, embora só postumamente publicada, a peça se estreou em
8/1/1850 (ver p. 2).
566
Camilo Castelo Branco, O Lobisomem, in Obras Completas, org. de Justino Mendes de Almeida,
IX, Porto, Lello & Irmão-Editores, 1988. A peça começa com uma espadelada do linho, em que se cantam 3
quadras (pp. 555-6): uma é verdadeiramente tradicional e as outras duas talvez o sejam também. Mais adiante
(pp. 562-4), cantam-se outras três quadras, que parecem tradicionais, embora acompanhadas com um refrão de
5 sílabas, muito provavelmente culto. Finalmente (p. 614), cantam-se outras duas quadras, de tom um tanto
popular, mas possivelmente da lavra camiliana. Diga-se que O Lobisomem, embora só publicado em 1900, foi
escrita em 1850 (ver Alexandre Cabral, Dicionário de Camilo Castelo Branco, Lisboa, Caminho, 1988, p.
364).
567
“Cantigas de marinheiros a que chamam desafio [;] quadras ditas de inproviso[sic]”. O texto,
constituído por quatro quadras de tipo tradicional, pertence a uma miscelânea da Biblioteca Nacional
(Reservados, Cod. 13240) com o título O Curioso. Varios papeis juntos, e cuidadosamente guardados.[sic]
Para intertenimento dos que forem curiosos.[sic] Devido á boa vontade de L. C. que os mendigou e outros
copiou, tomo 9º, Lisboa, 1850, p. 101. Note-se, que esta miscelânea pertence a um conjunto (o qual
compreende 32 vols.; cotas: Cod. 13227-13258) cujo título vai mudando (por exemplo, os primeiros quatro
volumes intitulam-se Assumptos Politicos); porém, a compilação do conjunto parece dever-se à mesma pessoa
ou, pelo menos, obedece ao mesmo objectivo, quase único: conservar artigos de jornal, geralmente recortados e
colados (ou, muito mais raramente, transcritos à mão), quase sempre identificados com o título do periódico e a
referência do nº ou data). A presente “cantiga de marinheiros” está manuscrita, e não tem qualquer indicação de
fonte.
182
Noutro manuscrito datado deste ano, inclui-se uma versão da canção narrativa
Santo António Salva o Pai da Forca (é possível que seja cópia de algum impresso, mas não
se trata da versão vulgata desta canção).
568
1851
Num artigo do famoso Almanaque de Lembranças, transcreve-se uma quadra
tradicional, recolhida no Minho.
569
Alguém que assina Augusto P. S. publica um poema culto (embora inspirado no
Regresso do Marido, como veremos noutro capítulo), que acaba com um dístico que
constitui uma fórmula de fecho usada em versões de contos tradicionais.
Palmeirim publica as suas Poesias,
atrás mencionámos,
572
se inclui outro,
573
571
570
onde, além de reaparecer um poema que já
de que o autor diz: “Esta canção é do ‘Alemtéjo’ [,]
a provincia mais povoada de contos e tradições de todo o reino. A primeira quadra é textual;
568
Milagre que Fez Santo Antonio de Lisboa Livrando Seu Propio Pai da Forca, in O Curioso, cit.,
tomo 2º, Lisboa, 1850, pp. 153-6 (Biblioteca Nacional: Reservados, Cod. 13233). Este texto está manuscrito e
tem uma ortografia por vezes estranha, distinta da habitual no séc. XIX, que poderia indicar ter sido recolhido
da oralidade. Claro que, como dissemos, este códice e os restantes da presente compilação incluem quase só
artigos de jornal, mas a verdade é que, dum modo geral, a fonte desses artigos é referida, coisa que não
acontece no caso deste texto. Note-se que a palavra “Propio” pareceria indicar ou uma fonte portuguesa
bastante antiga (e assim se explicaria também a ortografia não oitocentista que já apontámos) ou, então, uma
fonte espanhola (porém, analisado —ainda que superficialmente— o texto, não demos por vestígios de o texto
ter sido traduzido do castelhano).
569
Anónimo, “S. João”, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças para
1852, Paris, s. n., s. d., pp. 204-205 (a quadra está na p. 204).
570
Trata-se de “Victoria e Victoria / Acabou-se a historia” (Augusto P[ereira?] S[oromenho?],
Affonso e Isaura, Miscellanea Poetica, II, nº 5 (4/9/1851), pp. 37-38).
571
572
573
Luis Augusto Palmeirim, Poesias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851.
S. Gonçalo d’ Amarante, republicado neste volume, a pp. 313-6.
Os Desejos do Infante (pp. 303-4).
183
assim a ouvimos alli repetir amiudadas vezes”.
facto, tradicional.
574
É possível que a referida quadra seja, de
575
1852
Temos notícia de ter sido publicada neste ano uma peça de Mendes Leal que, pelo
título (As Trez Cidras do Amor),
português.
576
pareceria a dramatização dum famoso conto tradicional
577
1854
Deste ano (ou de pouco antes) parecem datar as primeiras recolhas de lírica
tradicional feitas por João Teixeira Soares de Sousa (na ilha de São Jorge, Açores).
574
575
578
Op. cit., p. 453.
Os dois poemas referidos pertencem à secção do livro intitulada “Poesias Populares”. Aqui, entre
mais coisas, estão outros três poemas líricos que, embora não citando trechos da poesia tradicional, apresentam
temas e/ou versificação populares, o que justificaria o nome da secção: Anninhas. Toada popular do Riba-Tejo
(pp. 333-6; em quadras de pentassílabos; tem linguagem a imitar os recursos estilísticos da poesia tradicional,
nomeadamente o leixa-pren), A Minha Ama (pp. 359-61; em quadras de tipo tradicional; referência a várias
superstições populares, nomeadamente lobisomens) e A Alcachofra (pp. 391-4; em quadras de tipo tradicional;
sobre a prática divinatória das alcachofras queimadas “em noite de San’ João”).
576
José da Silva Mendes Leal Jr., Theatro, II: As Trez Cidras do Amor, Lisboa, Typ. da Empreza da
Lei, 1852. Esta obra não existe na Biblioteca Nacional nem está registada na PORBASE. Conhecemo-la pela
descrição que dela se faz em The National Union Catalogue – Pre 1956 imprints, London, Mansell, vol. 546,
1978, p. 301 (aí se refere a existência dum exemplar na New York Public Library).
577
Referimo-nos, obviamente, ao conto que em Portugal costuma ser conhecido por As Três Cidras
do Amor (AT 408, The Three Oranges). A ser esse o tema da peça, estaríamos provavelmente em presença
duma “mágica”, subgénero de grande êxito na época, em que por vezes se adaptam histórias retiradas de contos
mais ou menos tradicionais. De notar, porém, que nalgumas mágicas a história tradicional é, sobretudo, um
pretexto para o cómico, dando origem a um entrecho que só de longe recorda a fonte (é o caso, por exemplo, de
Joaquim Augusto d’ Oliveira, A Gata Borralheira, magica em 3 actos e 16 quadros, com musica do fallecido
maestro Angelo Frondoni, 3ª ed., Lisboa, Livraria Popular de Francisco Franco, s/d).
578
Como já deixámos dito no subcapítulo dedicado ao romanceiro, Soares de Sousa explica, em
carta a Teófilo Braga (de 9/11/1867), que as suas recolhas começaram ainda em vida de Garrett, mas não muito
antes do falecimento deste, que se deu a 9/12/1854. Embora na dita carta Sousa se refira sobretudo ao
184
1856
No folhetim dum jornal, transcrevem-se 4 quadras e uma sextilha, recolhidas
durante as festas dos Santos Populares, no Algarve.
579
Todas parecem tradicionais.
Num longo artigo em várias partes, José de Torres transcreve três quadras das
janeiras,
580
uma das maias
581
e outra das festas de São Martinho,
(sem especificação de ilha, mas talvez de São Miguel).
583
582
recolhidas nos Açores
Parecem perfeitamente
tradicionais.
Entre este ano de 1856 e o de 1858 deve ter sido recolhida a colecção de lírica
tradicional de Estácio da Veiga (Algarve). O autor formou com ela um cancioneiro, que
inicialmente parece ter pensado em publicar juntamente com o romanceiro,
584
embora depois
romanceiro, de que explica enviar a Teófilo “alguma parte do que haviamos recolhido”, diz ainda: “Tambem
lhe enviamos algumas dezenas de cantigas populares”, referência, sem dúvida, a textos líricos [ver Theophilo
Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria, cit., p. 30].
579
Simplicio Alfarroba, “Correio do Algarve. Carta do coveiro do cemiterio de Faro ao guarda-
portão da Real Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 5/8/1856, pp. 1-3 (os poemas estão na p. 2). O autor
(óbvio pseudónimo, que, neste jornal, assina frequentemente um folhetim com o mesmo título e subtítulo do
presente artigo) menciona as festas populares a que assistiu em Faro, Castro Marim, Lagos, Fuzeta, Silves,
Olhão e Tavira. Não diz em qual (ou quais) dessa(s) festa(s) teria recolhido os textos.
580
J[osé] de Torres, “Fastos Açorianos, O Panorama, 3ª série, V, nº 13 [sic, por 14] (5/4/1856), pp.
110-112. Na p. 110, dá a transcrição das quadras, sobre que observa: “Uma das suas letras [das canções], que á
mão nos veiu, aqui a archivamos sem alteração de ponto ou de virgula”.
581
J[osé] de Torres, “Fastos Açorianos, O Panorama, 3ª série, V, nº 20 (17/5/1856), pp. 158-159 (a
quadra está na p. 159).
582
J[osé] de Torres, “Fastos Açorianos, O Panorama, 3ª série, V, nº 47 (22/1/1856), pp. 375-376 (a
quadra está na p. 376).
583
De facto, José de Torres era natural de Ponta Delgada (ver, por exemplo, Inocêncio, Diccionario,
cit., V, p. 10).
584
Em casa da Doutora Maria Luísa Estácio da Veiga (Lisboa), bisneta do autor, encontra-se o
manuscrito dum longo poema narrativo de Veiga, A Rosa do Mosteiro, que, no frontispício, tem a data de 1855.
No final, o manuscrito tem várias notas sobre certas passagens do poema. Numa delas (a II), o autor fala das
185
tenha mudado de ideias.
585
De qualquer modo, a organização do cancioneiro parece ter
ficado concluída pouco depois de 1860.
Vasconcelos ainda chegou a ver,
587
586
O respectivo manuscrito, que Leite de
talvez se tenha perdido; pelo menos não está em posse da
sua família nem juntamente com o espólio romancístico (que, como adiante veremos, se
“populares festas do Maio nas campinas do Algarve” (p. [2]) e, pouco depois, acrescenta: “Mai[s a lápis] de
espaço, e em opportuno logar descreverei talvez aquelles risonhos folguedos de remotissima tradição. Se assim
tiver de acontecer, fica pois reservada esta narrativa para o volume das canções propriamente ditas do Algarve,
que <conjuntamente com> [↑ logo após a lápis] o “Romanceiro” me preparo para publicar” (pp. [2], [3] - [4];
quanto ao símbolos que usamos na transcrição dos manuscritos, ver, à frente, pp. 271-2). Ignoramos a época
em que esta (e as restantes notas do poema) foram escritas, mas devem tê-lo sido numa época posterior a 1855
(ano de que, como dissemos, está datado o poema A Rosa do Mosteiro, pois, como dissemos, 1856 é o primeiro
ano em que Veiga se deslocou ao Algarve para fazer recolhas. Para a não contemporaneidade entre as notas e o
momento de escrita do poema (que, esse sim, poderá ser de 1855) poderia apontar também o facto de, ao
contrário do texto do poema, o prefácio e as notas estarem escritos em folhas não paginadas e de as folhas em
que as notas estão escritas parecerem dum papel diferente (mais claro) do que as do resto do manuscrito.
Qualquer que tenha a data da escrita da referida nota, a verdade é que ela mostra que houve um
momento em que Estácio da Veiga pensou em publicar “conjuntamente” o romanceiro e o cancioneiro. Não é
totalmente pacífica a interpretação a dar a esse advérbio, pois poderá sempre pôr-se a hipótese de Veiga querer
significar com ele que iria publicar ao mesmo tempo dois livros, um de cancioneiro e outro de romanceiro. No
entanto, se tivermos em conta que o exemplo de Garrett foi muito importante para ele, é bem possível que o seu
projecto inicial tenha sido o de publicar um único livro (num ou em dois volumes publicados simultaneamente)
dedicado ao romanceiro e ao cancioneiro, ideia que tinha sido, inicialmente, também a de Garrett. De facto,
como se sabe, na 1ª ed., o I vol. da colecção de Garrett tem o título de Romanceiro e Cancioneiro Geral, mas,
quer nos vols. II e III quer na 2ª ed. do vol. I, a obra chama-se apenas Romanceiro.
585
De facto, no Romanceiro do Algarve, no fim do prólogo de A Senhora dos Martyres, Veiga
escreve: “Ha uma immensidade de cantigas populares dedicadas á Senhora dos Martyres, muitas das quaes já
possuo, e reservo para fazerem parte do Cancioneiro do Algarve, que logo em seguida a este Romanceiro
tenciono publicar” (p. 168). E, noutro passo do Romanceiro, alude também ao “Cancioneiro do Algarve, que
tencion[a] publicar” (op. cit., pp. 33-4).
586
Escreve ele no fim da introdução do Romanceiro do Algarve: “Passado algum tempo espero
poder dar igual publicidade ao Cancioneiro do Algarve, obra já concluida ha quasi dez annos” (p. xxxviii: notese que tal é escrito numa obra publicada em 1870). O “Cancioneiro do Algarve” aparece também mencionado
na contra-capa do Romanceiro, numa lista de “obras do auctor preparadas para a impressão”. Em 1862,
Inocêncio referira já a obra entre as que Veiga “tem para publicar”, dando-lhe o título de “Cancioneiro do
Algarve, ou cantigas populares da minha terra” (I. F. Silva, Diccionario Bibliographico Portuguez, cit., VII, p.
221)
587
Escreve Vasconcelos: “Este Cancioneiro chegou realmente a colligir-se; eu o vi ainda em vida de
Estacio, mas não o examinei” (Ensaios Ethnographicos, cit., I, p. 272).
186
guarda sobretudo no Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa). Felizmente, salvaram-se o
que parecem os primeiros manuscritos da recolha e/ou cópias suas, em que se contêm perto
de 600 quadras e 6 canções,
588
praticamente inéditas na sua totalidade.
589
1858
Numa peça estreada neste ano, Costa Cascais inclui um ensalmo (acompanhado
pela respectiva contextualização) e uma quadra lírica.
590
Ambos os textos são postos na boca
de personagens populares. A acção do drama está situada nos arredores de Sintra; os textos
não parecem retocados.
1859
Estácio da Veiga publica um artigo sobre as tradições dos Santos Populares, onde
transcreve várias quadras líricas soltas dedicadas a São João, recolhidas em Tavira, durante
as festas em louvor daquele santo, em Junho de 1856.
588
591
Estes materiais, escritos num caderno e em numerosos papéis avulsos, encontram-se na posse da
bisneta do colector, Doutora Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira (Lisboa). Esperamos poder publicar
tais manuscritos, num futuro não muito longínquo.
589
Do material que tinha para o Cancioneiro, Estácio da Veiga, tanto quanto sabemos, publicou
apenas 16 quadras soltas e outras 6 encadeadas: ver, respectivamente, “Cantos Populares do Algarve.
Recordações”, A Nação, 28/6/1859, p. 2, e “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’
Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp. 9-10. Como diremos, é possível que também sejam da colecção de Veiga as 4
quadras do artigo anónimo A Santo Antonio. — Cantiga popular do Algarve, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho
1861), p. 80.
590
J. da Costa Cascaes, A Pedra das Carapuças in Theatro, IV, Lisboa, Empreza da Historia de
Portugal, 1904, pp. 87-184. Embora só publicada postumamente, a peça foi estreada em 1858 (cf. p. 88). Tem
uma cena (p. 143) em que uma personagem ensina a outra como “se ha-de passar pelo vime” uma criança
“quebrada”. Inclui-se, então, o ensalmo (é uma quintilha de versos de 5 sílabas) que se deve dizer durante o
rito. Noutra cena (p. 155), um grupo de saloios canta uma quadra de tipo tradicional (que se repete na p. 160) às
saloias que estão na fonte.
591
S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859,
pp. 1-2 (as quadras estão na p. 2). Além das referidas quadras, este artigo compreende uma introdução e o
187
Vilhena Barbosa publica duas lendas: uma de fantasmas
592
e outra etiológica.
593
Não
é impossível que a primeira seja inventada pelo pretenso colector.
César de Lacerda, seguindo um modelo de que já encontrámos muitos exemplos,
põe uma personagem duma peça sua a cantar um texto tradicional. Neste caso, a filha dum
antigo marítimo interpreta uma versão da canção lírica Vida de Marujo.
594
O texto não
parece retocado.
1860
No Almanaque de Lembranças, um anónimo transcreve uma versão, muito
resumida, do conto conhecido internacionalmente por The Half-Carpet (AT 980A).
595
É esta
a primeira vez em que, no nosso corpus, surge transcrito um conto tradicional.
romance pseudotradicional A Moira Encantada. O artigo foi parcialmente republicado, com o título de “Poesia
Popular do Algarve. Festas de S. João”, na Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92, e n’ A Epoca,
23/6/1861, pp. 1-2. Nas duas republicações, no entanto, o artigo contém apenas a introdução e a Moira
Encantada, omitindo-se, portanto, as quadras a S. João, sem dúvida devido a uma polémica entre o Archivo
Universal e Estácio da Veiga que, em 1859, elas causaram e a que mais à frente nos referiremos.
592
I[gnacio] de Vilhena Barbosa, “O Castello d’ Alcobaça. Uma lenda popular”, A Illustração Luso-
Brazileira, III, nº 5 (5/2/1859), pp. 35-38. É sobre as aparições do fantasma do alcaide mouro do castelo. Diz
que lhe foi contada em Alcobaça por uma velha.
593
I[gnacio] de Vilhena Barbosa, “Lendas Nacionaes. III: Celinda”, A Illustração Luso-Brazileira,
III, nº 15 (16/4/1859), p. 115. É a lenda etiológica da Sertã (ver outra versão em Gentil Marques, Lendas de
Portugal, II: Lendas Heróicas, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997, pp. 69-78). Noutros números da revista, há
mais duas partes desta série de “Lendas Nacionaes”; porém, são sobre figuras históricas e nada têm de popular.
594
A[ugusto] Cesar de Lacerda, A Probidade, comedia em dois actos e um prologo maritimo,
Lisboa, Typographia do Panorama, 1859, pp. 73-75. Manuel Escota pergunta a Amélia, sua filha: “Alembra-te
de uma cantiga cá dos homes do mar, e que tu aldrabavas [quando eras pequena], que era mesmo um riso
ouvir-te?” Chama ao texto “a cantiga do maritimo” (p. 73) E Amélia começa a cantá-la, acompanhando-se ao
piano. Seu pai também canta.
595
Anónimo, “Conto Popular”, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças
Luso-Brasileiro para o Anno de 1861, Lisboa, Typographia Franco-Portugueza, 1860, p. 246.
188
Um outro anónimo publica numa revista uma versão do conto São Pedro, a
Ferradura e as Cerejas (AT 774 C, The Legend of the Horseshoe).
596
1861
Alguém que assina S. M. publica, numa revista, a lenda duma moura encantada,
ouvida a um informante da Serra da Estrela.
597
Estácio da Veiga publica (precedida por palavras introdutórias) uma versão algarvia
do poema lírico popularizado que começa “Não conheço pai nem mãe / nem nesta terra
parentes”.
598
O texto, como informa o próprio Veiga, é factício e foi retocado.
599
De facto,
com excepção da primeira quadra, as restantes cinco apresentam uma linguagem ainda mais
semiculta do que costuma acontecer noutras versões deste poema.
596
Anónimo, “As Cerejas de S. Pedro. Parabola”, Literatura Ilustrada, nº 6 (5/2/1860), p. 45.
597
S. M., “O Coruto d’ Alfatma (Conto popular da Serra da Estrela)”, Archivo Pittoresco, IV, nº 39
(1861), pp. 309-311. O informante teria sido Luiz Gomes, “veterano do batalhão de Cascaes” (p. 309), natural,
como dissemos, da Serra da Estrela. Desta lenda (de provável origem culta, como mostra logo o nome da
personagem: Alfatma) conhecemos outra versão em Gentil Marques, Lendas de Portugal, III: Lendas de
Mouras e Mouros, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997, pp. 271-9.
Eis um excerto do artigo de S. M., quando ele se dirige ao informante: “— Conte-me lá isso,
camarada. Não sou d’ essas almas descridas que negue fé ao que tão acreditado foi sempre.
Será fraqueza confessal-o, mas não sei rir d’ estas fabulas populares, nem zombar de quem as crê.
Não fazem mal a ninguem, respeito-as. Ellas cairão por si. O maravilhoso encantou sempre as imaginações
populares. Quem me diz se não está o patriotismo tambem n’ essas tradições, aliás ridiculas para o homem
illustrado, mas que nem por isso deixam de constituir a feição d’ um povo? As nossas moiras encantadas [...]
são muito mais poeticas que a mythologia terrivel de Irminsulfs e Theutates [cf. Dona Branca, canto III, 4, in
Obras, cit., II, p. 500: “Não gosto de Irminsulfs nem de Teutates, / Nem das outras teogónicas prosápias / De
rúnica ascendência (...)”], como muito discretamente disse o tão fecundo como espirituoso Garrett.” Voltamos,
pois, a encontrar a contradição “coisa ridícula”, mas, ao mesmo tempo, “coisa digna de registo e estudo” que já
vimos em Maria Peregrina de Sousa, ainda que a opinião de S. M. pareça pender mais para o lado positivo.
598
S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’
Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp. 9-10.
599
“Cotejando todas as lições que desta canção trouxe do Algarve em 1858, e depurando-a dos
excertos com que o mau gosto e a ignorancia a tinham desfeiado, assim a apresento, para pela primeira vez ser
impressa” (p. 9).
189
Estácio da Veiga publica um artigo sobre as festas do mês de Maio desde a
Antiguidade, onde transcreve uma quadra popular, das que se cantavam no Algarve no 1º de
600
Maio.
O artigo foi republicado em mais três periódicos.
601
Na mesma revista (e, além disso, apenas alguns números mais à frente), um autor
anónimo (talvez Estácio da Veiga), publica uma canção em quadras, recolhida também ela
no Algarve.
602
A quarta (e última) das quadras parece retocada.
Numa notícia de jornal, afirma-se que D. José de Almada [e Lencastre] “vae
commeçar a publicação de uma serie de Contos populares”,
acontecido.
603
o que parece não ter
604
1862
Júlio Maia publica um conto de ambiente rural, onde uma das personagens canta,
“ao som d’ uma viola”, uma versão da cantiga lírica popularizada “Não conheço pai nem
mãe”.
605
600
S. P. M. Estacio da Veiga, “Festas de Maio”, Estrella d’ Alva, II, nº 5 (Maio 1861), pp. 33-34 (a
quadra está na p. 34).
601
N’ A Epoca, 14/5/1861, p. 1; n’ A Nação, 1/5/1862, p. 1; e in Alexandre Magno de Castilho e
Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro (orgs.), Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1863,
Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1862, pp. 178-180.
602
[Anónimo], A Santo Antonio. — Cantiga popular do Algarve, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho
1861), p. 80. Quanto à identificação do possível autor do artigo, note-se, além dos indícios acima referidos, que
neste mesmo fascículo e no seguinte saem, assinados por Estácio da Veiga, os artigos “Poesia Popular do
Algarve” e “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”.
603
604
Anónimo, “Omnibus”, O Povo, 14/2/1861, p. 2.
O autor faleceu dali a poucos meses (em Junho desse ano de 1861) e o seu único livro de contos
de que encontrámos notícia foram José d’ Almada e Lencastre, Contos sem Arte. Obra posthuma (Lisboa,
Livraria de A. M. Pereira, 1861), que nada têm de “contos populares”. Porém, dum modo geral, tais contos
passam-se em ambientes populares ou neles há, pelo menos, uma personagem que pertence ao povo, e o seu
estilo é simples, o que talvez justificasse aos olhos do noticiarista o referido título de Contos Populares.
190
Seguindo um processo que já encontrámos duas vezes em Palmeirim (ver 1848 e
1851), Teófilo Braga publica um poema em quadras, a primeira das quais é verdadeiramente
tradicional.
606
Na nota com que colaborou na tradução dos Fastos feita por Castilho, Costa
Cascais transcreve duas quadras soltas cantadas em romarias. Uma delas diz tê-la ouvido em
Aveiro, quando criança.
607
1864
Obra póstuma do lusófilo alemão Bellermann, sai uma antologia de poemas
portugueses, apresentados no original e em tradução.
608
A obra é ocupada sobretudo por
romances, mas inclui também três poesias líricas que parecem tradicionais, uma versão da
canção narrativa Deus te salve, Rosa (com base no texto de Garrett)
609
e numerosos
provérbios rimados (vários parecem tradicionais).
605
606
J[ulio] Maia, “A Vespera do Natal”, Aurora Litteraria, II, nº 11 (1/1/1862), pp. 81-83.
Theophilo Braga, Ao Acalentar no Berço, Ensaios Litterarios, nº 8 (1/4/1862), p. 60. Sobre essa
primeira quadra (que, mais à frente, se repete, na sexta), Braga diz, em nota de rodapé: “Bellissima quadra do
Fado de Coimbra”. Trata-se da seguinte:
Quem tiver filhos pequenos
Por força lhe[sic] ha de cantar;
Quantas vezes as mães cantam
Com vontade de chorar.
607
Joaquim da Costa Cascaes, “Nota Décima. Romarias” in Publio Ovidio Nasão, Os Fastos,
traducção em verso portuguez por Antonio Feliciano de Castilho, seguidos de copiosas annotações por quasi
todos os escriptores portuguezes contemporaneos, II, Lisboa, Por Ordem e na Imprensa da Academia Real das
Sciencias, 1862, pp. 286-291.
608
Christ[ian] Fr[iedrich] Bellermann, Portugiesische Volkslieder und Romanzen, Portugiesisch und
Deutsch mit Anmerkungen herausgegeben von Dr. ... Nachgelassenes Manuskript des Herausgebers, Leipzig,
Verlag von Wilhelm Engelmann, 1864.
609
Sobre a sua versão, escreve Bellermann: “A partir dum cópia que consegui em Lisboa, emendei
aqui e ali o texto de Garrett” (“Nach einer Abschrift, die ich in Lissabon erhielt, habe ich Garrett’s Text hier
und da geändert”, p. 280). Algo semelhante fizera, recorde-se, na sua versão da Donzela Guerreira, como
vimos no subcapítulo anterior.
191
Osório de Vasconcelos publica uma história sobre uma bruxa-vampiro e um
lobisomem, que o narrador afirma ser uma lenda que lhe foi contada numa estalagem
beirã.
610
O relato é acompanhado, no fim, por uma “Nota” sobre as lendas, onde o autor
mostra um modo moderno de encarar este subgénero, falando do seu valor científico.
611
Tais
observações estão, porém, em contradição com o que ele fizera na narrativa anterior, que é,
afinal, o aproveitamento literário duma lenda tradicional, se não for pura e simplesmente
uma completa invenção.
612
O mesmo Osório de Vasconcelos publica outra história, desta vez sobre uma mulher
transformada em sereia pelo Diabo, que afirma ser uma lenda ouvida a “mestre José Maria,
[...] catraeiro” no Tejo.
610
613
A. Osorio de Vasconcellos, “Maria Prates (Lenda da Beira)”, Revista Contemporanea de
Portugal e Brazil, 5º ano (1864), pp. 350-359 e 419-430.
611
Ver pp. 429-430. Aí explica o autor o motivo pelo qual ele, que se dedica habitualmente a artigos
de índole científica, escreveu este texto. É que “as lendas mythologicas do povo são os capitulos de um grande
livro de sciencias occultas, que vive na tradicção oral, e que assim vae passando de geração a geração, atravez
dos seculos [...] Nas lendas populares ha pois uma sciencia occulta, symbolica e poetica, ás vezes rude e
indecisa, mas sempre proveitosa e de boa lição”. Nestas histórias se vê “o viver e crer dos verdadeiros
descendentes dos peões, que combateram no pendão de Affonso Henriques e do Lidador. [...] Demonstrada a
utilidade de tornar conhecidas as nossas lendas, muitas das quaes vão-se perdendo fatal e irremediavelmente,
porque as novas gerações são mais illustradas, ou antes, menos crendeiras; demonstrada esta utilidade,
convinha começar. Abalancei-me á empreza” e escreveu, então, este conto. “Para terminar, pedirei áquelles dos
nossos litteratos, que não trazem agora entre mãos obras de maior vulto [...] que viagem pelas provincias do
norte, berço da monarchia e das tradições legendarias, sempre poeticas e quasi sempre romanescas, posto que
veladas castamente com o manto da superstição innocente”, e as recolham (pp. 429-30).
Quanto ao facto de Osório de Vasconcelos dizer que habitualmente se dedicava a escrever sobre
ciências exactas, esclareça-se que, na verdade, Inocêncio refere que ele se licenciara na Escola Politécnica e,
entre os seus artigos, indica vários sobre Astronomia (ver Diccionario Bibliographico, cit., VIII, pp. 24 e 26).
612
É verdade que Osório de Vasconcelos diz claramente: “A lenda de Maria Prates é quasi toda
copiada d’ après nature [...] Pintei o que vi” (p. 430). Porém, a afirmação de que o autor-narrador ouviu a lenda
numa estalagem (para mais da Beira, que, desde Gil Vicente, era considerada a província arcaica e tradicional
por excelência) é mais que suspeita, lançando muitas dúvidas sobre o resto do relato. Poderia ser, claro, que
apenas as circunstâncias da audição tivessem sido inventadas pelo autor-narrador, como “moldura” para a
lenda, a qual, pelo contrário, proviria verdadeiramente da oralidade. Mesmo assim, repare-se que a crença em
vampiros (presente no referido texto) não é de modo algum própria da tradição portuguesa.
613
A. Osorio de Vasconcellos, “A Torre Derrocada (Lenda do mar)”, Revista Contemporanea de
Portugal e Brazil, 5º ano (1864), pp. 630-639. A identificação do informante está na p. 639.
192
1865
Num conto original de Teófilo Braga, transcrevem-se duas quadras líricas
tradicionais (aparentemente não retocadas), as quais constituem uma canção interpretada por
uma personagem (popular e feminina) enquanto lava na ribeira.
614
Luís Augusto Palmeirim publica um artigo em quatro partes dedicado ao
cancioneiro tradicional. Consiste num estudo, entremeado com a transcrição de 93
quadras.
615
O estudo, muito influenciado pelas teorias românticas sobre o nascimento e as
características da poesia oral,
614
616
é de ordem fundamentalmente impressionista. De notar,
Theophilo Braga, Contos Phantasticos. Com uma carta do editor sobre a origem e fórma litteraria
dos contos, Lisboa, Typographia Universal, 1865 (conto “O Evangelho da Desgraça”).
615
L. A. Palmeirim, “A Poesia nos Campos”, Archivo Pittoresco, VIII (1865), nº 18, pp. 138-140; nº
19, pp. 146-148; nº 22, pp. 174-176; e nº 23, pp. 182-184.
616
Eis alguns excertos significativos: “Peço licença para apresentar aos seus leitores [dirige-se ao
director do jornal] o primeiro poeta d’ esta terra — o povo.
Conheci-o a fundo n’ estes dois ultimos verões, quer como espectador attento dos bailes de roda,
dançados ao domingo no terreiro, quer como ouvinte enthusiasta das desgarradas á viola, cantadas pelas
calmosas e apaixonadas noites de agosto [...]
O homem do arado e da charrua, antes da sciencia lhe ter poupado o suor do rosto inventando novos
instrumentos agrarios e aperfeiçoando os antigos, era, nem podia deixar de ser, o poeta por excellencia, como
quem recebia directamente da natureza, com o instincto do sentimento, a faculdade da admiração [...].
Incisiva sem pedantismo, satyrica sem maldade, plangente sem affectação, a poesia no homem do
campo é quasi a sua linguagem natural” (nº 18, p. 138).
Pelo contrário, “a machina, o vapor, a officina, n’ uma palavra — a industria — são a negação da
poesia. Como as flores, o coração carece de ar, de sol, de largos horisontes. É na contemplação das maravilhas
da natureza que a alma se afina e desata em canticos”(nº 22, p. 174).
Isso explicaria que a poesia vivesse sobretudo entre o povo dos campos, e não entre o proletariado
citadino. Trata-se duma afirmação difundida na época de Palmeirim (já a vimos, por exemplo, em Andrade
Ferreira e em Luís Ribeiro) e que, em última análise, remonta, pelo menos, à introdução do II vol. dos
Volkslieder, de Herder (1779): “la plebe dei vicoli [...] non canta e non fa mai poesia, ma urla e storpia i versi”
(apud Parvopassu e Rizzuti, A salti e lanci, cit., 238).
Por outro lado, a afirmação com que começa o artigo de Palmeirim (“o primeiro poeta d’ esta terra
— o povo”) liga-se, obviamente, à famosa teoria romântica da oposição entre poesia artística e poesia popular e
da supremacia desta sobre aquela, supremacia que, por exemplo em Bürger, encontramos expressa dum curioso
193
porém, os comentários muito atentos que Palmeirim tece sobre a estrutura bipartida de certas
quadras.
617
A recolha em que se baseia este artigo foi feita na região de Torres Vedras.
618
Os
textos não parecem retocados.
Mais tarde, este artigo foi publicado em volume.
619
Andrade Ferreira, num conto que pretende fazer-se passar por uma lenda
tradicional,
620
transcreve uma cantiga composta por quatro quadras.
621
Afirma tê-la ouvido
modo quase paradoxal: “quella popolare è la poesia più difficile proprio perché è il non plus ultra dell’arte”
(apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 149).
617
“Como os leitores já devem ter notado, é quasi regra geral nas trovas populares dividirem-se as
quadras em dois hemistichios, fazendo cada um d’ elle sentido em si, sem relação directa um com o outro,
como que para preparar a surpresa do conceito que de ordinario se encerra nos dois versos finaes, o que não
impede a harmonia do conjuncto, nem perturba a clareza da idéa. Por exemplo:
O loureiro está quebrado,
Por tres partes offendido...
Falla, amor, com quem quizeres
E de mim tira o sentido.
Apesar da differença apparente dos dois primeiros versos d’ esta quadra com o seguimento logico do
raciocinio, não há ainda uma certa connexão entre o loureiro quebrado e offendido, e o apartamento e
despedida, que se annunciam nos dois versos finaes da quadra?” (nº 23, p. 183).
Neste comentário talvez haja influência de conversas com Castilho (ver a transcrição que, na parte
relativa ao ano de 1846, fizemos duma passagem d’ O Presbyterio da Montanha), de cujo grupo Palmeirim
fazia parte. Pelo menos, não deixa de ser curioso que a quadra que Palmeirim escolhe para exemplo daquela
estrutura mencione o loureiro, motivo que está presente também na primeira das três quadras exemplificativas
que Castilho cita (note-se, porém, que não se trate da mesma quadra, nem duma sua variante).
618
Em determinado ponto, diz de um dos seus informantes: “já foi dois annos mordomo da festa de
Santo Antão, a mais pagã das festas do districto[sic, por “concelho”] de Torres Vedras” (nº 18, p. 138), e,
noutro lugar, escreve: “O Varatôjo [aldeia dos arredores de Torres Vedras] era d’ alli [do lugar onde estava a
ouvir cantigas] a dois passos” (nº 22, p. 175).
619
Ver L. A. Palmeirim, Galeria de Figuras Portuguezas. A Poesia Popular nos Campos, Porto e
Braga, Livraria Internacional de Ernesto Chardron—Editor, 1879, pp. 1-47. Deste livro existe uma reedição
parcial moderna (com nota introdutória, prefácio, notas, selecção de gravuras da época e índices de Vítor
Wladimiro Ferreira, Lisboa, Perspectivas & Realidades, 1989). Embora nela o título continue a ser o da 1ª ed.,
a verdade é que, por decisão do organizador (ver p. 194), esta reedição não contém a parte dedicada à Poesia
Popular nos Campos.
620
José Maria de Andrade Ferreira, “O Cão Mau (Lenda do Algarve)”, Archivo Contemporaneo, I
(1865), nº 1, pp. 5-7, nº 2, pp. 13-15; e nº 3, pp. 20-22. Esta “lenda” conta a história dum fidalgo algarvio do
194
nos arredores de Lisboa, a um homem natural da Luz de Tavira, enquanto ele guiava os bois
na debulha do centeio. As duas primeiras quadras talvez estejam retocadas.
Pereira da Silva
622
publica uma história de amores entre um cristão e uma moura,
que afirma ter ouvido contar a propósito duma fonte situada na Freiria, aldeia “entre Mafra e
Torres Vedras, a dez kilometros destas duas povoações”.
623
A tradição conta que a moura
ainda hoje aparece junto à fonte, de noite. Embora Silva diga que se trata de “um dos muitos
contos de fadas, de mouras e de encantos que nesta aldeia correm”,
624
a verdade é que o texto
(escrito, aliás, numa linguagem muito literária) conta uma história demasiado elaborada para
ser tradicional. No máximo, talvez se trate de algo que Pereira da Silva ouviu, mas foi,
depois, muito novelizado por ele. É isso, aliás, o que pareceria deduzir-se das palavras
seguintes: “é uma lenda popular que, tal como corre ella[,] ahi vae, revestida da forma
romantica”.
625
Neste ano, como já dissemos no subcapítulo anterior, Teófilo Braga publica, no
Jornal do Comércio, um importante conjunto de artigos que constitui uma onda de
modernidade nos estudos da literatura oral no nosso país.
Deixando de lado os artigos dedicados ao romanceiro (que já mencionámos) e
outros três que não interessam ao estudo da literatura oral portuguesa,
626
esta série de artigos
trata dos seguintes assuntos:
séc. XVII, e, por vários motivos (a começar pelo facto de estar cronologicamente situada, coisa que, como é
sabido, não sucede nas lendas verdadeiramente tradicionais), parece-nos muito suspeita. Além disso, como já
vimos atrás (1849), Andrade Ferreira publicou vários outros textos que, embora apresentados também eles
como aprendidos da boca do povo, nada têm de tradicional.
621
622
A cantiga está no nº 1, p. 6.
J. F. L. Pereira da Silva, “A Fonte da Moura. Lenda de aldêa”, Diario de Noticias, 1/10/1865, pp.
1-3. Não confundir este autor com João Xavier Pereira da Silva, que, em 1839, como vimos, publicou uma Bela
Infanta.
623
624
625
626
Art. cit., p. 1
Loc. cit.
Art. cit., p. 3 (sublinhado nosso).
Trata-se, por um lado, dum artigo que não é sobre literatura oral (“Da Litteratura de Cordel”,
Jornal do Commercio, 6/7/1865, p. 2) e, por outro, de dois artigos com a tradução de contos de Andersen (ver
Apêndice nº 4).
195
— O tema do Fausto em lendas e em obras literárias estrangeiras e sua
correspondência portuguesa com a lenda de São Frei Gil de Santarém (tal como vem na
Crónica de São Domingos de Fr. Luís de Sousa).
627
Braga cita vários autores estrangeiros
628
modernos, nomeadamente Maury (Légendes e Magie)
629
e Michelet, Origin.[sic] du Droit.
— A lenda de D. Sebastião e suas relações com a lenda do rei Artur.
630
Como
mostra o título do artigo, estas semelhanças provariam as características célticas das
tradições portuguesas. Publica também (dum manuscrito da Biblioteca Nacional) o relato
duma viagem feita por dois frades seiscentistas à ilha Encoberta, que a ela teriam ido aportar
depois duma tempestade. Cita La Villemarqué (Merlin l’ Enchanteur),
Renan (La Poésie des races celtiques).
631
Maury (Fées)
632
e
633
— A lenda do milagre de Ourique, “uma reproducção da lenda byzantina de
Constantino”.
634
— O tema da Nau Catrineta, do qual, além de publicar (como a seu tempo
dissemos) uma versão romancística, transcreve também uma das “cantigas de levantar ferro,
que a maruja canta”, a qual, segundo ele, “parece um vestigio da lenda que estudamos”.
Trata-se uma canção narrativa cujo enredo é, de facto, parecido com o da Nau Catrineta. O
texto parece moderno ou, pelo menos, não tradicionalizado.
627
635
Teophilo Braga, Jornal do Commercio, “A Lenda de Fausto na Poesia Portugueza”, 28/4/1865, p.
2.
628
I. e., L.-F.-Alfred Maury, Essai sur les légendes pieuses du Moyen-Âge, cit. (1843) e La Magie et
l’ astrologie dans l’ Antiquité et au Moyen-Âge, ou étude sur les superstitions païennes qui se sont perpétuées
jusqu’ à nos jours, Paris, Didier, 1860.
629
I. e., Michelet, Origines du Droit français cherchées dans les symboles et les formules du Droit
universel par M. ..., Paris, L. Hachette, 1837.
630
“Origens Celticas da Lenda de D. Sebastião”, Jornal do Commercio, 13/7/1865, p. 2.
631
I. e., Hersart de La Villemarqué, Myrdhin ou l’ enchanteur Merlin, son histoire, ses oeuvres, son
influence, par le Vte. ..., Paris, Librairie Académique Didier et Cie., 1862.
632
I. e., L.-F.-Alfred Maury, Les Fées du Moyen-Âge. Recherches sur leur origines, leur histoire et
leurs attributs, pour servir à la connaissance de la mythologie gauloise, Paris, Philosophique de Ladrange,
1843.
633
634
I. e., Ernest Renan, La Poésie des races celtiques, Paris, Imprimerie Claye, 1854.
Teophilo Braga, “Do Cyclo Greco-Romano na Poesia Popular Portugueza”, Jornal do
Commercio, 23/8/1865, p. 3.
635
Teophilo Braga, “A Lenda da Nau Catharinetta”, Jornal do Commercio, 1/9/1865, p. 3.
196
— Aspectos do maravilhoso na tradição portuguesa.
636
A esse respeito, cita
extractos de leis antigas que proíbem determinadas crenças mágicas e que, portanto, servem
de fonte para o nosso conhecimento de tais crenças. Cita a canção lírica que começa “Não
conheço pai nem mãe”
637
e nela aponta correspondências de lendas doutros povos.
Transcreve uma “canção popular dos nossos navios”, lírica.
639
638
Fala de naufrágios e lendas a
eles ligados que existem em vários países e frisa o celtismo das nossas tradições.
— Os subgéneros antigos e modernos da poesia tradicional portuguesa, que enuncia
e define.
640
Cita duas passagens de Gil Vicente onde haveria exemplos de tais subgéneros;
transcreve alguns textos populares que chegaram até nós através da sua citação por autores
antigos (por exemplo, uma canção que vem em Fernão Lopes). Da tradição oral moderna,
transcreve: uma versão do Minho (que diz ter recolhido há pouco) da canção narrativa Deus
te Salve, Rosa; três quadras líricas soltas; e cinco quadras líricas encadeadas.
641
Cita vários
paralelos com tradições estrangeiras, nomeadamente através dos Grimm, Tradições
642
allemãs,
Champfleury, Chansons populaires des provinces de France,
643
e Du Méril,
644
Hist.[sic] da Poesia Scandinava.
636
Teophilo Braga, “Maravilhoso da Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 9/9/1865,
pp. 2-3; 20/9/1865, p. 3; e 26/9/1865, p. 2.
637
Diz que esta canção é do Algarve, mostrando, portanto, conhecê-la através do artigo de Estácio
da Veiga, 1861 (q. v.).
638
Por exemplo, nos versos “sou filho das tristes ervas, / neto das águas correntes”, vê uma
correspondência da história de Rómulo e Remo abandonados no campo e da história bíblica de Moisés
abandonado no Nilo.
639
É a que, em 1867, Braga republicará no Cancioneiro Popular (q. v.), com o título de A Vida do
Marinheiro (pp. 144-5).
640
“Discussão das Formas da Poesia Popular Portugueza”, Jornal do Commercio, 11/10/1865, p. 3;
21/10/1865, p. 3; 7/11/1865, pp. 2-3; 24/11/1865, p. 3; e 8/12/1865, p. 1.
641
Estes textos estão todos no artigo de 8/12/1865 (p. 1). Deles diz o autor, em nota: “Cantigas
recolhidas na Beira [note-se que, porém, o Deus te Salve, Rosa, pelo menos, seria do Minho, como ele próprio
informa], e extraidas da minha collecção intitulada: Sylva de cantigas soltas, inedita”. Recorde-se que “Sylva
de cantigas soltas” é também o título da secção do Cancioneiro Popular de Braga (1867) dedicada às quadras
soltas, a qual, portanto, parece corresponder à colecção que, em 1865, se encontrava inédita.
642
Deve referir-se à edição francesa: Traditions allemandes, recueillies et publiées par les frères
Grimm, traduites par M. Theil, Paris, A. Levavasseur & Cie., 1838, 2 vols.
643
I. e., [Jules] Champfleury, Chansons populaires des provinces de France, Paris, Lécrivain et
Toubon, 1860.
197
Num artigo anónimo, publica-se uma carta alegadamente escrita por uma pessoa do
povo. A carta, cheia de erros de ortografia e com um estilo que pretende passar por culto
mas é apenas ingénuo, é publicada com claros propósitos cómicos.
645
O texto da carta inclui
sete quadras (transcritas como se fossem prosa) que parecem tradicionais.
646
1866
Num romance (no sentido de “longa narrativa em prosa”), Maria Peregrina de
647
Sousa transcreve duas quadras da canção lírica Vida de Marujo.
São cantadas por um
marítimo, facto que contribui para a verosimilhança da obra, tendo em atenção que aquela
cantiga era muito usada entre a gente ligada ao mar.
648
1867
Sai o primeiro romanceiro de Teófilo Braga (q. v.), que, como dissemos, além de
romances, contêm 6 canções narrativas.
644
I. e., Edélestand Du Méril, Histoire de la poésie scandinave. Prologomènes, Paris, Brockhaus et
Avenarius, 1839.
645
Ainda que, ironicamente, o autor do artigo diga que publica tal carta para ela servir de modelo
aos apaixonados que não sabem como escrever aos objectos da sua paixão.
646
Anónimo, “Carta Original”, Jornal do Commercio, 23/5/1865, p. 2. A carta está datada de
31/8/1864.
647
Maria Peregrina de Sousa, Maria Isabel, Porto, Typographia de José Pereira da Silva, 1866, pp.
215 e 217.
648
Por exemplo, Maria Aliete Galhoz (conforme já dissemos no cap. dedicado ao romanceiro) refere
o uso da Vida de Marujo durante a “chegança” celebrada pelos pescadores da praia de Quarteira (ver
Romanceiro Popular Português, cit., II, nota à versão nº 1087).
198
649
No mesmo ano, Braga publica o seu Cancioneiro Popular,
numerosas poesias líricas (sobretudo quadras soltas),
650
e também orações
onde se reúnem
651
e provérbios.
652
É a primeira colecção de textos orais não-romancísticos publicada em Portugal.
No prefácio, mostra conhecer os nomes de vários autores estrangeiros modernos,
responsáveis por colectâneas de poesia tradicional (é verdade que só de modo muito alusivo
refere os respectivos títulos:
Marcoaldi,
658
649
Nigra,
659
653
da Itália (Tommaseo,
etc.), da Grécia (Fauriel
660
654
Tigri,
655
Vigo,
656
Dal Medico,
657
661
e o conde de Marcellus ), da França (La
Theophilo Braga, Cancioneiro Popular, colligido da tradição por..., Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1867.
650
As quadras estão agrupadas fundamentalmente na secção intitulada “Sylva de Cantigas Soltas”,
que compreende 651 quadras. Além disso, existem quadras soltas também na secção “Fados e Canções da
Rua”, na qual, porém, se destacam canções líricas como A Vida do Marinheiro, Canção da Engeitada (extraída
do artigo de Estácio da Veiga publicado em 1861, q. v.) ou O Frade (“Triste vida é a de um frade / É peor que a
de uma freira”, etc.).
651
Incluídas na secção “Fastos do Anno e Orações”, que, no entanto, é ocupada sobretudo por
canções líricas, tendo ainda uma canção narrativa e um romance.
652
Trata-se de numerosos ditados de tema meteorológico, agrupados na secção “Aphorismos
Poeticos da Lavoura”.
653
E, além disso, note-se que, de todas essas colectâneas, só utiliza verdadeiramente duas nas notas
do seu Cancioneiro (a obra de Lafuente e a de Marcellus — ver, respectivamente, pp. 206 e 220), para indicar
(de modo muito vago, aliás) paralelos com textos portugueses que publica.
654
I. e., Niccolò Tommaseo, Canti popolari toscani, corsi, illirici, greci, Venezia, G. Tasso, 1841, 4
vols.
655
656
657
658
I. e., Giuseppe Tigri, Canti popolari toscani, Firenze, Barbera e Bianchi, 1856.
I. e., Lionardo Vigo, Canti popolari siciliani, Catania, Tip. di C. Galatola, 1857.
I. e., Angelo Dalmedico, Canti del popolo veneziano, Venezia, A. Santini, 1848.
I. e., Oreste Marcoaldi, Canti popolari inediti umbri, liguri, piceni, piemontesi, latini, Genova,
Impr. del R. I. Sordo-Muti, 1855.
659
Refere-se sem dúvida às Canzoni popolari del Piemonte, de Costantino Nigra, separata, em cinco
fascículos, de artigos publicados entre 1858 e 1861 na Rivista contemporanea, separata que Braga cita algumas
vezes nos Cantos Populares do Archipelago Açoriano (1869, q. v.).
660
I. e., Claude Fauriel, Chants populaires de la Grèce moderne, Paris, Firmin Didot père et fils,
1824-25, 2 vols.
661
Trata-se do Comte de Marcellus, autor dos Chants populaires de la Grèce moderne (1860), que
Braga já citara no Romanceiro.
199
Villemarqué,
(Durán
666
662
Paulin Paris,
663
Charles Nizard,
664
Champfleury,
665
etc.) e da Espanha
667
e Emilio Lafuente y Alcantara ).
Nas notas comparativas que surgem no fim do volume, Braga aproveita algo do que
escreveu nos artigos de 1864-66, e transcreve, inclusive, um deles integralmente.
668
Diga-se que, porém, não obstante o conhecimento actualizado e aberto a outros
horizontes que apresenta, o Cancioneiro começa com as chamadas “cinco relíquias” da
poesia arcaica portuguesa,
qualquer prova palpável.
662
663
669
670
cuja autenticidade Braga defende (e defenderá até morrer) sem
Trata-se, pois, de mais um exemplo de como Braga só em parte
Braga deve ter em mente, neste caso, o já citado Barzas-Breiz (1839).
P. Paris ficou conhecido como editor de textos medievais franceses (por exemplo, Li Romans de
Berte au grans piés, Paris, Techner, 1836), e não encontrámos nenhuma obra sua que seja uma colectânea de
canções populares ou esteja dedicada ao assunto. A que mais se aproxima deste tema seria o Romancéro
français. Histoire de quelques anciens trouvères et choix de leurs chansons, Paris, Techner, 1833.
664
Trata-se de Charles Nisard (com “s” e não com “z”), autor que, à época, já publicara La musique
pariétaire et la muse foraine, ou les chansons des rues depuis quinze ans, Paris, J. Gay, 1863.
665
666
667
Autor das já atrás citadas Chansons populaires des provinces de France.
Braga deve referir-se, obviamente, ao já citado Romancero general (1849-51).
Trata-se do autor de Cancionero popular. Colección escogida de seguidillas y coplas, Madrid, B.
Carlos Bailly-Baillière, 1865, 2 vols.
668
Trata-se do artigo “Origens Celticas da Lenda de D. Sebastião”, que (numa longuíssima nota à
secção de quadras de tema sebastianista intitulada “Profecias Nacionaes”) Braga transcreve (sem dizer que é
republicação) nas pp. 207ss.
669
Fragmento do poema da Cava (pp. 1-29), Canção do Figueiral por Goesto Ansures (pp. 2-4),
Canção de Gonçalo Hermigues o Traga-Mouros (p. 4), Canção de Egas Moniz Coelho a D. Violante (pp. 5-6)
e Canção de Egas Moniz Coelho á sua Dama (pp. 7-8).
670
A estas “preciosas reliquias da poesia portugueza do seculo XII e XIII” (p. 201) se refere Braga
nas pp. 197-202. Defende-as da acusação (feita por João Pedro Ribeiro) de serem apócrifos, mas, quanto a
provas (ver pp. 197-8), nada diz de verdadeiramente importante, embora conclua: “Pelos estudos philologicos
que sobre elles temos feito chegámos á conclusão de que são inteiramente authenticos” (p. 202; itálico do
original).
Note-se que, em princípios do séc. XIX, o referido João Pedro Ribeiro foi o primeiro a negar a
autenticidade de tais poemas, estribando-se em que eles só tinham aparecido no séc. XVII, publicadas por
autores sem crédito, e no facto de a sua linguagem “parece[r] [...] obra de hum artificio estudado”, sendo muito
diferente da dos textos contemporâneos da época em que as cinco relíquias teriam sido escritas (ver
Dissertações Chronologicas e Criticas sobre a Historia e Jurisprudencia Ecclesiastica e Civil de Portugal,
publicadas por ordem da Academia R. das Sciencias, I, Lisboa, Na Typographia da Mesma Academia, 1810, p.
200
aprendeu a lição de rigor ensinada pelo Positivismo, do qual, no entanto, ele sempre se
considerou o principal representante no nosso país, nomeadamente no que diz respeito ao
estudo da tradição oral.
671
1868
Eugénio de Castilho publica um artigo com algumas quadras soltas que parecem, na
sua maioria, tradicionais.
672
Num artigo de jornal, Andrade Ferreira inclui 18 quadras soltas, sobre S. João,
recolhidas no Algarve.
673
Exceptuando uma, todas parecem tradicionais. O artigo contém
igualmente alguns comentários (muito positivos) sobre a poesia oral, sobretudo a algarvia.
674
181). O carácter apócrifo de tais poemas foi definitivamente estabelecido por Carolina Michaëlis de
Vasconcelos (ver Geschichte der portugisischen[sic] Litteratur, Strasbourg, Karl J. Trübner, 1894, pp. 161167).
671
Sobre o complexo problema das ideias de Teófilo quanto à literatura oral, principalmente o
romanceiro, ver Teresa Araújo, Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa, cit.
672
673
Eugenio de Castilho, “A Cantiga. Codigo Popular do Amor”, Diario de Noticias, 30/9/1868, p. 1.
J. M. d’ Andrade Ferreira, “A Noite de S. João. A Poesia Popular”, Diario de Noticias,
24/6/1868, p. 2.
674
Nas palavras introdutórias, o autor escreve: “Por mais que me digam [,] gosto destes innocentes e
poeticos folguedos que suscitam no animo de todos os santos populares”. Depois de confessar que lhe lembram
a infância, acrescenta: “São lindos e poeticos estes nossos costumes peninsulares da vespera de S. João”. No
fim do artigo, depois da transcrição das quadras, há o seguinte comentário: “Que linda não é esta trova! Vejam
se ha mais singello sentir, e como as tradições locaes veem dar realce ao poetico culto do mais popular de todos
os santos!”
Estas quadras, como vimos, foram recolhidas no Algarve, e Andrade Ferreira escreve que tal
província “é aquella que mais guarda intactas estas formosas tradições, porque foi tambem lá que
permaneceram por mais tempo os filhos da Mauritania [dissera antes que os festejos joaninos têm influência
árabe]. O Algarve é um Olympo de lendas e crenças peninsulares, e a noite da vespera de S. João figura neste
Olympo como uma das mais inspiradas para o bandolim do trovador arabe”.
201
1869
No Almanaque de Lembranças, Magalhães Alvão dá a conhecer um ensalmo contra
a erisipela.
675
Fornece também a respectiva contextualização, explicando como se processa o
rito (gestos que o benzedor faz e mezinha complementar usada). O texto foi recolhido no
Minho e não parece retocado.
Teófilo Braga publica os Cantos Populares do Arquipélago Açoriano (q. v.), obra
em que, além de romances, se incluem 9 canções narrativas (como já dissemos), muitíssima
lírica tradicional (quadras soltas e cantigas) e também orações e alguns anfiguris (é a
primeira vez que este subgénero aparece no nosso corpus) e rimas infantis. Estes textos
parece que estavam todos inéditos e terem sido recolhidos fundamentalmente na ilha de São
Jorge por Teixeira Soares de Sousa.
676
Os textos parecem muito próximos da linguagem
tradicional.
Alguém que assina M. da C. publica, numa série de artigos, 70 quadras soltas, ao
que parece recolhidas em Faro.
677
O primeiro dos artigos traz umas linhas introdutórias, em
que se dá a entender que os textos foram publicados sem retoques.
675
678
Antonio José Pereira de Magalhães Alvão, “Mais Superstições do Minho”, in Alexandre Magno
de Castilho e Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro (orgs.), Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o
Anno de 1870, Lisboa, Typ. Franco-Portugueza, 1869, pp. 138-139.
676
Sobre a possibilidade de um outro jorgense, António Pereira da Cunha, ter colaborado na recolha
de textos, nomeadamente não-romancísticos, para os Cantos, ver o que sobre esta obra dissemos no subcapítulo
dedicado ao romanceiro. Quanto a versões provenientes doutras ilhas que não a de São Jorge, repare-se que
dois dos textos não-romancísticos da presente obra trazem uma indicação nesse sentido: a canção das pp. 115116 e o responso das pp. 148-150, recolhidos, respectivamente, em São Miguel e em Santa Maria. De
sublinhar, além disso, que, sendo pouquíssimos os textos não-romancísticos publicados nos Cantos cujo local
de recolha está indicado, não é de afastar a possibilidade de vários outros terem sido obtidos fora de São Jorge.
677
M. da C. “Desejos e Votos”, Folha dos Curiosos, nº 4 (Janeiro 1869), p. 7. Inclui 6 quadras
tradicionais. O artigo continua, com o título “Trovas Populares”, no nº 7 (Fevereiro 1869), pp. 6-7 (12
quadras); nº 9 (Março 1869), pp. 6-7 (16 quadras); nº 11 (Março 1869), pp. 6-7 (8 quadras); nº 13 (Abril 1869),
p. 3 (10 quadras); nº 15 (Abril 1869), p. 6 (7 quadras); nº 16 (Abril 1869), pp. 2-3 (11 quadras); nº 17 (Maio
1869), pp. 5-6 (5 quadras); e nº 18 (Maio 1869), p. 3 (16 quadras).
O nome do colector e o local da recolha aparecem apenas no fim da última parte do artigo (nº 18):
“Faro (Coleccionadas por M. da C.)”.
202
Deve ser posterior a este ano um manuscrito onde se incluem numerosíssimos
provérbios, talvez copiados de alguma obra impressa.
679
1870
Teófilo Braga publica os Estudos da Idade Média. Um dos capítulos da obra é
dedicado a “Os Contos de Fadas”.
680
Entre outros comentários fruto da “erudição moderna”,
refere a existência, no Livro de Linhagens do Conde de Barcelos, de “O Rei Lear” e “A
678
É esta a mini-introdução: “Dentre as trovas populares extrahimo[s] ao acaso, esta meia duzia
dellas. Se não valem pela correcção metrica, valem pelo pensamento, ou por um não sei que sabor encantado e
delicioso”. O colector parece, portanto, dizer que deixou nos textos a “incorrecção” métrica (embora dela se
tenha apercebido), não os tendo retocado nem sequer nesse aspecto. Estas quadras têm, de facto, ar de ser
perfeitamente tradicionais.
679
Adagios Portuguezes que em si Encerrão Anexins..., miscelânea da Biblioteca Nacional
(Reservados, cota: Cod. 13258). A secção dos adágios (que ocupa a maior parte do códice, o qual não tem
paginação) está manuscrita, e apresenta as parémias agrupadas por temas, ordenados estes alfabeticamente. O
códice, não obstante o seu título, pertence à obra designada com o título de O Curioso..., que já antes referimos
(ver ano de 1850); aliás, na lombada, o presente volume tem a indicação seguinte: O Curioso, 27. Este volume
(o último de O Curioso) não está datado no frontispício (ao contrário do que acontece com os anteriores), e os
recortes de artigos que (além da parte manuscrita) contém não apresentam também, infelizmente, qualquer
indicação de data. De qualquer modo, este volume deve ser posterior a 1869, uma vez que o volume anterior (o
qual tem a cota Cod. 13257 e, na lombada, traz a indicação de ser o vol. 26) tem, no frontispício, a data
“Lisboa, 1868” e os recortes de jornal que inclui estão datados de 1866 (poucos), 1867 e 1868 (bastantes) e
1869 (poucos). Partindo do princípio de que o vol. 27 (o dos Adagios) foi organizado depois do vol. 26, aquele
seria, portanto, posterior a 1869.
Note-se que entre os recortes presentes no tomo 27 (o dos Adagios) há alguns que são folhas dum
almanaque, e que, embora sem indicação do ano, têm a do dia do mês e da semana: por exemplo, “15 de Maio,
quinta-feira” e “19 de Maio, segunda-feira”. Consultado um calendário perpétuo, concluímos que, na época
aproximada a que este volume deve pertencer, 15 e 19 de Maio calharam, respectivamente, numa quinta-feira e
numa segunda nos anos de 1862, 1873 e 1879. Claro que esta indicação apenas poderá servir para datar o ano
depois do qual este volume foi organizado (e os provérbios para ali copiados). Assim, se o almanaque em causa
for, por exemplo, de 1873, as suas folhas não poderão ter sido coladas no presente códice num ano anterior a
1873, mas poderão tê-lo sido em qualquer ano posterior, até muito.
680
Teophilo Braga, Estudos da Edade Media. Philosophia da litteratura, Porto / Braga, Ernesto
Chardron / Eugenio Chardron, 1870, pp. 53-75.
203
Dama Pé-de-Cabra”, que identifica como contos tradicionais e transcreve.
681
Publica, além
disso, versões inéditas de dois contos recolhidas “da tradição Oral” moderna: “As Tres
Cidras do Amor” (AT 408, The Three Oranges) e “A Cacheirinha”(AT 563, The Table, the
Ass, and the Stick).
682
Principais conclusões
Nos dados que atrás enunciámos, parece-nos importante destacar três aspectos:
O primeiro é a da clara desproporção entre o cancioneiro e os restantes géneros e
subgéneros, mesmo tendo em atenção que, conforme no início deste subcapítulo dissemos, é
bem possível que os subgéneros em prosa estejam menos representados no nosso corpus do
que deveriam estar.
Organizados por subgéneros, é o seguinte o número dos items bibliográficos acima
descritos:
683
Cancioneiro lírico: 38
Lendas: 13
Orações e ensalmos: 7
Provérbios: 4
Contos: 3
Cancioneiro narrativo: 3
681
682
683
Op. cit., pp. 60-4.
Op. cit., pp. 65-75.
Por “items bibliográficos” entendemos os artigos ou livros em que se publicam os textos de
literatura oral. Note-se que 6 desses items incluem cada um deles textos pertencentes a dois géneros: por
exemplo, o artigo de Maria Peregrina de Sousa “Superstições Populares do Minho (Carta)” [Revista Universal
Lisbonense, IV, nº 35 (20/3/1845), p. 420] inclui ensalmos e um provérbio. Nestes casos, o mesmo item
bibliográfico foi contado duas vezes: uma em cada um dos géneros.
Para tentar obter uma ideia aproximada da “popularidade” editorial de cada género, pareceu-nos
preferível ter em conta os items bibliográficos, em vez de considerar o número de versões. É que, se
escolhêssemos a segunda hipótese, arriscavamo-nos a que o cancioneiro aparecesse com uma desproporção
perfeitamente enganadora, dado que, por exemplo, só no artigo de Luís Augusto Palmeirim se publicam 93
quadras.
204
Rimas infantis: 1
Teatro: 1
684
É óbvio que o cancioneiro lírico é, de longe, o subgénero mais representado, com
54,3% do total. O grupo que fica em segundo lugar, as lendas, representa, por contraste, uns
meros 18,6 %.
Se juntarmos aos números do cancioneiro lírico os números do romanceiro (cujo
corpus, que fornecemos no subcapítulo anterior, contém 29 items)
685
e do cancioneiro
narrativo, torna-se claro que os restantes géneros representam uma clara minoria. Se, além
disso, tivermos em conta que as orações e os ensalmos são em forma mais ou menos
versificada, que o mesmo se pode dizer de muitos provérbios, e que a rima infantil e o
fragmento de teatro são nitidamente em verso, concluiremos que, no nosso corpus, os
subgéneros em prosa estão presentes em apenas 16 items, ou seja, 22,9% do total.
Trata-se, naturalmente, duma desproporção que surpreenderá os actuais estudiosos
da literatura oral, acostumados como estão a que os contos e, em menor medida, as lendas
684
Trata-se, claro, do fragmento (quadra) dum auto de Natal publicado por D. Maria Peregrina
(1845). Gostaríamos de observar que temos muitas dúvidas sobre se o chamado “teatro popular” faz
verdadeiramente parte da literatura oral. O que distingue esta literatura é, como se sabe, o facto de ser
aprendida oralmente. Ora as peças do teatro popular eram aprendidas a partir de textos escritos (os “cascos”),
lidos ou ouvidos ler. Por outro lado, tal aprendizagem estava praticamente limitada às (poucas) pessoas que
desempenhavam os papéis de determinada peça. Por último, a performance fazia-se apenas no momento da
representação (que, em geral, se limitava a uma récita anual), dado que cada pessoa, para recitar a sua parte,
necessitava de ter quem lhe desse as deixas. Não podia, portanto, recitar os seus fragmentos à noite, em casa,
ao serão, pois, assim, o texto não faria sentido. Obviamente, determinada fala de que o actor (ou familiares e
amigos seus) gostasse(m) especialmente poderia ser recitada independentemente do contexto; só que um texto
assim recitado abandonaria praticamente o género dramático, aproximando-se muito mais do lírico ou
narrativo. São fragmentos desse género que, nalgumas (poucas) ocasiões, foi possível recolher (ver, sobretudo,
Manuel da Costa Fontes, Romanceiro da Província de Trás-os-Montes (Distrito de Bragança), Coimbra, Por
Ordem da Universidade, II, 1987, nºs 1542-45), mas, pela sua qualidade de fragmentos descontextualizados e,
mais ainda, pelo facto de deles se não conhecerem outras versões orais, cremos não se poder afirmar que
estamos em presença de textos de teatro oral (entendendo “oral”, como sempre fazemos neste trabalho, no
sentido de “oral tradicional”).
685
Neste cômputo não tivemos em consideração as duas versões do Conde Alarcos recolhidas
(segundo Braga) por Costa e Silva (ver, no nosso capítulo sobre o romanceiro, o ano de 1837), pelo facto de
elas, ao serem publicadas apenas em 1906, ficarem fora do âmbito temporal que estabelecemos para o nosso
trabalho.
205
sejam dois subgéneros de muito peso. Mesmo tendo em mente que (como atrás advertimos)
os subgéneros em prosa devem estar menos representados no nosso corpus do que, na
realidade, estão na imprensa da época, é muito provável que ainda não tivesse chegado, em
Portugal, o tempo em que tais subgéneros receberiam grande atenção. Na verdade, ainda
faltava bastante para que Adolfo Coelho publicasse os Contos Populares Portugueses
(1879), a nossa primeira colectânea do género.
686
Pensamos que a atenção preferencial dado
aos géneros em verso durante os primeiros 50 anos da recolha se explica pela percepção que
na época havia do que era a literariedade. Nas primeiras décadas do interesse pela literatura
oral, até o romanceiro (como já vimos quando sobre ele falámos) ou o cancioneiro lírico
(como veremos um pouco mais abaixo) eram publicados, a maior parte das vezes, por
motivos que não tinham em conta o seu valor literário próprio. Eram dados à estampa apenas
como citação em textos pertencentes à literatura escrita ou como termo de comparação com
textos escritos que neles se tinham inspirado. Isto porque era difícil a muitos dos autores que
se interessavam por estas coisas (e bem mais difícil ainda, claro, aos que se não
interessavam) considerar a literatura oral como verdadeira literatura, em pé de igualdade
com a outra, a escrita. Por questões de Poética (uma Poética produto, obviamente, de
condições históricas e sociológicas), os textos que existiam apenas na boca do povo deviam
ser olhados como algo longe da literatura.
De todos os géneros literários orais, os mais passíveis de serem encarados como
irmãos (ainda que, no princípio, apenas bastardos) da literatura escrita eram, obviamente, os
expressos em verso, dado que, por essa característica, escapavam ao discurso corrente e,
neles, era mais clara a existência daquilo a que, muito depois, se chamou a literariedade. Não
custa, assim, a perceber que tenha sido precisamente pelos géneros em verso que tenha
começado o interesse pela literatura oral: foi assim na Grã-Bretanha e na Alemanha, foi
assim em Portugal e um pouco por toda a Europa. Além disso, o subgénero da narrativa em
verso era o mais passível de nobilitação, já que dele havia exemplos impressos ou
manuscritos desde há séculos, canonificados, portanto, pelo prestígio da História. Foi o que
686
É possível saber que a recolha de Coelho é anterior a 1875, pois, num artigo publicado nesse ano,
escreve ele: “A nossa colecção de contos populares portugueses aproxima-se já de 200, não contando as
variantes” (“Os Elementos Tradicionais da Literatura. Os Contos”, in Francisco Adolfo Coelho, Obra
Etnográfica, I: Festas, costumes e outros materiais para uma Etnologia de Portugal, org. e pref. de João Leal,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1993, p. 99, nota 2; o artigo em causa foi inicialmente publicado na Revista
Occidental, II, ano de 1875).
206
vimos com Percy e as baladas, e, em Portugal, com os romances, cujas versões orais Garrett
tratou de comparar com versões impressas no séc. XVI.
Pelo contrário, só depois de se tornar pacífico que os géneros orais em verso tinham
valor próprio, e podiam ser publicados e estudados sem que ninguém achasse tal uma perca
de tempo (e, mesmo assim, como veremos noutro capítulo, ainda houve bastante gente que
continuou a ter essa opinião negativa durante muito tempo), é que os géneros em prosa
começaram a poder levantar cabeça, eles que apresentavam, tantas vezes, situações fora de
todas as regras clássicas, nomeadamente da verosimilhança, e que nem sequer pela forma da
expressão se distinguiam do discurso quotidiano. Não é, certamente, por acaso que, embora
tenha havido cinco textos orais em prosa recolhidos da nossa tradição que foram publicados
antes dos romances incluídos na Adozinda, a publicação desses textos se deve a dois autores
ingleses, e não a portugueses.
Neste aspecto, como vemos, Estácio da Veiga foi um homem perfeitamente
integrado no seu tempo, uma vez que se dedicou à recolha e à publicação do romanceiro e do
cancioneiro lírico, não se tendo, pelo contrário, interessado por outros géneros. Nesse
aspecto, o seu percurso é igual ao de Teixeira Soares de Sousa, o outro grande colector da
época em apreço.
687
De sublinhar, ainda, que Veiga foi, no caso do cancioneiro lírico, um claro
precursor. Se Garrett planeou, inicialmente, um Romanceiro e Cancioneiro Geral (é esse,
recorde-se, o título que a sua obra tem em 1843, ao sair o I vol.), anos depois mudou de
ideias: na introdução do vol. II, diz já estar “posta de parte por agora toda a idea de
cancioneiro”,
688
pelo que nesse volume e no III a obra se chama só Romanceiro, título que, a
partir da reedição de 1853, passará a ser também o do I vol. Pelo contrário, Veiga enquanto
687
Note-se, porém, que, já no fim da vida (veio a falecer em 1/7/1882), Soares de Sousa parece ter-
se começado a interessar pela recolha de contos. É o que se depreende da seguinte carta a Ernesto do Canto,
datada de 13/5/1881: “O anno passado encetou relações comigo um Sr. Z. Consiglieri Pedroso, professor do
Curso Superior de Lettras. Insta-me para que lhe recolha aqui contos populares. Estou velho para isso.
Comtudo quiz dar começo á colheita publicando-a no Velense, para ver se assim obtinha, que os rapazes que ali
escrevem continuem o trabalho. No numero de 8 do corrente sahiu o 1º conto, e continuar-se-hão.
Oportunamente remetterei um exemplar. Diz-me elle que tem ahi [na ilha de São Miguel, onde morava Ernesto
do Canto] uma sobrinha, e alguns contos ahi recolhidos” [Ernesto do Canto, artigo sem título, Archivo dos
Açores, IV, nº 19 (1882), p. 28; o artigo completo compreende as pp. 7-31]. Infelizmente, não pudemos
consultar o jornal indicado por Soares de Sousa, que não existe na Biblioteca Nacional nem aparece referido na
PORBASE.
688
Romanceiro, II, p. xlv.
207
recolheu material para o Romanceiro, fez o mesmo para o Cancioneiro, que, como vimos,
parece ter sido organizado mais ou menos na mesma época. Tivesse a obra sido publicada
então, e teria sido o primeiro cancioneiro português, para mais, bastante rico, uma vez que,
conforme dissemos, o que dele hoje existe contém, ainda assim, cerca de 600 quadras e 6
canções, não muito inferior, portanto, ao corpus que constitui o Cancioneiro Popular de
Teófilo Braga.
Um outro aspecto que nos parece de destacar é a questão do cancioneiro lírico e dos
restantes subgéneros (exceptuando o romanceiro, claro) enquanto matéria digna de interesse
em si. Deixando de lado a rima infantil e o minúsculo fragmento do teatro, que, como
exemplos únicos dos respectivos géneros, poucas indicações nos podem dar sobre o
comportamento dos colectores a seu respeito, vejamos as outras categorias. Todas as lendas,
todos os contos, todas as canções narrativas, e a quase totalidade das orações (6 em 7 items)
e dos provérbios (3 em 4 items) são publicados pelo seu valor, enquanto textos de literatura
oral. Mas as coisas passam-se de modo muito diferente quanto ao cancioneiro lírico, em que
só 18 num total de 36 items são publicados por si.
O ano de 1846 é aquele em que, pela primeira vez, encontramos um texto do
cancioneiro lírico (uma quadra) publicado enquanto texto folclórico, pelo seu interesse
artístico. Nos anos seguintes, assistimos à publicação de textos líricos ora pelo seu interesse
ora por outros motivos; só em 1861 a maioria das canções começa a surgir motivada por si
própria. A última vez em que, no nosso corpus, surge uma canção lírica publicada por uma
razão extraliterária é em 1866. Curiosamente, a publicação do romanceiro apresenta, como
vimos atrás, um padrão cronológico bastante parecido com o do cancioneiro, só que em geral
um pouco anterior. Na verdade, em 1845 surge o primeiro artigo em que um romance é
publicado pelo seu valor próprio, não como pedra de toque do trabalho criativo que o poeta
fizera inspirado nele ou como texto oral citado num texto escrito. Depois dessa data, os
romances vão sendo intermitentemente publicados, umas vezes pelo seu valor próprio de
literatura oral, outras por motivos diferentes. A partir de 1861 os romances são sempre
publicados enquanto tal.
Também neste aspecto Estácio da Veiga surge bem integrado, uma vez que começa
a publicar canções líricas em 1859, publicando o segundo, terceiro e, provavelmente,
689
689
Isto se A Santo Antonio. —Cantiga popular do Algarve [Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861),
p. 80] foi publicado por Estácio da Veiga, como nos parece provável.
208
quarto items em 1861, ou seja, o ano em que, como dissemos, começa a mudar o signo das
publicações do cancioneiro.
Não obstante as semelhanças de percurso que apontámos, tenha-se presente que, de
qualquer modo, no início da publicação do cancioneiro lírico, se assiste a um atraso
relativamente ao romanceiro: os items de 1828 (Adozinda), 1832 e 1838 (Isabel e O
Espectro, de Costa e Silva) não encontram paralelo no cancioneiro. Os primeiros textos
deste género presentes no nosso corpus datam apenas de 1840 (conto de Raposo de
Almeida) e 1842 (dois items: crítica teatral anónima e Alfageme de Santarém) e é aí que se
verifica já um comportamento parecido com o da publicação do romanceiro, cujo quarto
item data, de facto, de 1839 (Pereira da Silva) e o quinto de 1842 (Alfageme). Também no
que diz respeito à publicação de grandes colecções, o cancioneiro se atrasa relativamente ao
romanceiro. Na verdade, antes de 1867, não se publica nenhuma colecção importante de
lírica, ao passo que em 1851 tinham já saído os vols. II e III do Romanceiro de Garrett.
Se virmos com um pouco de atenção o atraso nos dois referidos aspectos,
apercebemo-nos de que ele parece fruto, afinal, da preferência que Garrett mostrou pelo
romanceiro. Na verdade, os referidos items de 1828 e 1851 são, claro, da iniciativa de
Almeida Garrett, e os items de 1832 e 1838 devem-se, em última análise, à influência do
exemplo do mesmo Garrett (Adozinda). A não ter existido o interesse garrettiano próromanceiro (despertado pelo que se fazia na Grã-Bretanha e consolidado, depois, pelas
republicações do romanceiro velho castelhano), as relações entre este subgénero e o
cancioneiro lírico teriam, provavelmente, sido mais equilibradas, não só no período em
análise mas, provavelmente, durante o resto da história da recolha e do estudo da literatura
oral entre nós. Além disso, o facto de a primeira colecção portuguesa de romances ter sido
organizada pelo maior escritor romântico da literatura escrita, que foi, além disso, o único
escritor importante desta literatura a trabalhar também no campo na literatura oral, muito fez
também, sem dúvida, pelo prestígio do subgénero no nosso país.
O terceiro (e último) aspecto que gostaríamos de realçar é a questão dos textos
falsamente recolhidos da oralidade.
Conforme observámos, as três canções publicadas por Julia Pardoe (1833) nada têm
de tradicional, e são provavelmente apenas poemas ingleses originais. Também Andrade
Ferreira (ver 1849, e nota respectiva) várias vezes deu a conhecer textos apresentados como
tradicionais, mas que não o são.
209
Por outro lado, uma lenda publicada por Osório de Vasconcelos (1864) e outra por
Andrade Ferreira (1865) são, com grande probabilidade, invenções dos pretensos colectores,
e é possível que seja também esse o caso duma das duas lendas que Vilhena Barbosa (1859)
afirma ter recolhido.
De sublinhar que esses exemplos de falsidade editorial (mais provada ou menos,
consoante os casos) surgem numa época em que não é fácil determinar o que motiva a
designação de “popular” dada a determinado texto, nem sequer a afirmação, mais explícita,
de que foi colhido da boca do povo. A indefinição de fronteiras entre literatura oral,
literatura escrita tout-court e literatura escrita mais ou menos inspirada na literatura oral era
grande, como veremos mais à frente.
De qualquer modo, se a filiarmos nesta linhagem de falsificações românticas
(encaradas ou não como tal), poderemos perspectivar um pouco melhor a realidade
incómoda representada pelos 11 textos falsos do Romanceiro do Algarve, que, não obstante
as afirmações do seu editor, não provêm da oralidade.
210
V
A COLECÇÃO DE ESTÁCIO DA VEIGA
Razões para a Recolha de Estácio da Veiga
Parecem ser fundamentalmente dois os motivos que levaram Veiga a dedicar-se à
recolha e publicação do romanceiro (e também do cancioneiro, não o esqueçamos): o facto
de essa literatura não ter sido ainda registada e, concomitantemente, o desejo de glorificar o
seu Algarve natal.
Necessidade de Recolher a Poesia Oral Algarvia
É verdade que Estácio da Veiga mostra mais duma vez a consciência de que a
etnopoesia portuguesa em geral (e não apenas a da sua província) se encontrava
deficientemente investigada, ao contrário do que acontecia com a de outros países, que já
“t[inham] levantado do olvido seus poemas tradicionaes”.
690
Veiga tinha esperança de que “o
alto gráo de consideração que as nações mais cultas hão dado, principalmente nestes ultimos
tempos, á poesia popular” se começasse a verificar igualmente em Portugal, país
que tambem é rico, riquissimo desta mina poetica, [o qual] hade um dia
envergonhar-se da indolencia em que tem jazido, e restituir ás gerações
modernas essas ainda represadas vozes dos nossos primeiros trovadores e
691
menestreis.
Porém, a ideia da necessidade da recolha da literatura oral portuguesa é algo que,
em Estácio da Veiga, parece ser exclusivamente sinónimo de necessidade de recolha da
690
S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’
Alva, II, nº 2 (Abril 1861), p. 9.
691
Art. cit., loc. cit.
212
tradição algarvia. De facto, a sua província natal, é, no fundo, a que lhe interessa, aquela cuja
imagem no resto de Portugal (como adiante veremos) necessita ser urgentemente corrigida
— o que poderá ser feito através da formação dum romanceiro privativo. “Eu interesso-me
pelo Algarve. Pelas outras províncias se interessem os seus naturais” parece ser a ideia que
norteou Veiga ao longo de toda a sua obra (e não só na sua parte literária). Com efeito, nas
palavras de Estácio da Veiga, as referências a uma recolha de poesia popular a nível nacional
surgem quase sempre como que para justificar as recolhas que fez no Algarve ou (pensamos
não exagerar) para melhor expor o valor delas. Assim, primeiro num artigo de 1861,
692
e,
depois, na introdução do Romanceiro do Algarve, refere-se nestes termos à necessidade de
recolher a literatura oral de todo o país:
Em litteratura portugueza, a par de muitas obras essencialmente
indispensaveis, falta ainda um Romanceiro Geral. Das muitas versões
tradicionaes que andam promiscuamente espalhadas na reminiscencia do
povo, só uma pequena parte pôde por em quanto sair ao terreiro da imprensa.
Não conviria portanto incumbir, em cada uma das provincias, individuos bem
habilitados, de recolherem todas as rapsodias oraes de romances, e canções,
cada provincia constituir um romanceiro e um cancioneiro propriamente seu,
e finalmente reunir todos esses trabalhos já depurados e coordenal-os sob a
denominação de Romanceiro e Cancioneiro Geral?
Deste modo, creio firmemente que, com uma obra assim constituida,
693
nenhuma outra poderia competir.
Não negamos, obviamente, que aqui está expresso algo a que se poderá chamar o
“projecto dos romanceiros provinciais”,
694
enquanto modo de chegar a uma colecção de
carácter nacional. Mas parece-nos que tal projecto global, se verdadeiramente lhe interessou,
não deixa de ser também (e talvez sobretudo) um modo de sublinhar o lugar cimeiro que o
Algarve já possuía neste campo: mesmo que todas as outras províncias organizassem
692
693
694
“Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), p. 9.
Romanceiro do Algarve, p. xxxii.
É o título dado por Teresa Araújo ao ponto da sua tese em que trata deste aspecto da obra de
Veiga (ver Teófilo Braga e o Romanceiro de Tradição Oral Moderna Portuguesa, cit., pp. 54-5). Entre outras
coisas, a autora defende que, nas palavras de Estácio da Veiga que acima transcrevemos, existe “uma crítica
implícita primeiro às colecções garrettianas e depois ao Romanceiro de Braga” (p. 54).
213
romanceiros próprios, o Algarve teria sido a primeira de todas
695
— graças (e compreende-se
o seu justo orgulho) à pessoa que sugeria tal projecto. E talvez não seja forçar muito se
virmos uma espécie de apresentação de candidatura nas palavras de Estácio da Veiga quando
fala da necessidade de (o Governo, sem dúvida) “incumbir, em cada uma das provincias,
individuos bem habilitados, de recolherem” a poesia oral. Não se esqueça que, na mesma
página em que isto se escreve, Veiga se queixa (como adiante diremos) de o Governo não ter
correspondido, quando ele pediu ajuda estatal para fazer recolhas na sua província. Não é
impossível, porém, que o alvitre de Veiga fosse bem mais desinteressado do que se pode
pensar, sobretudo se, em 1870, ele continuasse a pensar aquilo que, em 1858, logo no seu
primeiro artigo sobre romanceiro, escrevera, entre modéstia e orgulho do dever cumprido, a
propósito da necessidade de recolher a poesia oral portuguesa: “Quanto ao Algarve pouco
restaria a colligir, se por ventura se julgassem aproveitaveis os estudos, de que me tenho
occupado ha mais de tres annos.”
696
Noutra parte da introdução do Romanceiro do Algarve voltamos a encontrar
referência a uma realidade de carácter nacional que imediatamente conduz a uma passagem
do discurso para o plano algarvio. É quando Veiga fala do modo como lhe surgiu a ideia de
recolher os romances do Algarve:
Muitas e riquissimas rapsodias existem [...] exclusivamente no abrigo da
memoria popular; e mais eu disto me convenci desde que em 1851 o illustre
Garrett publicou o terceiro volume do seu apreciavel Romanceiro, no qual dá
por terminada a acquisição dos romances [...]. Daqui inferi eu então, que o
nosso poeta não aspirava a abranger maior espaço; e se me reverdecêram logo
na reminiscência outros cantares, senão mais bellos, muito mais queridos para
mim, porque tinham sabido arreigar-se-me n’ alma, quando ainda na minha
provincia natal os rapidos dias da infancia me corriam ledos e venturosos!
Passados alguns annos occorreu-me investigar, até onde chegasse o meu
alcance, o que, além dos romances populares já publicados, alli haveria de
697
mais notavel e digno de compilar-se.
A necessidade de recolher o romanceiro algarvio está ligada à ideia de que os
cantos tradicionais estavam em decadência, e era preciso registá-los depressa, procurando-os
695
Claro que, como se sabe, antes do Romanceiro do Algarve, acabou por sair, em 1869, o primeiro
romanceiro regional português: os Cantos Populares do Archipelago Açoriano, de Teófilo Braga. Porém, como
adiante veremos, a obra de Veiga foi organizada antes, e parece ter estado pronta desde 1860.
696
697
S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, p. 1.
Romanceiro do Algarve, p. xxxi.
214
nas mais recuadas aldeias, antes que desaparecessem. Este convencimento (que encontrámos
já em Herder) surge expresso logo no requerimento que, em 1857, Estácio da Veiga
endereçou ao rei D. Pedro V, pedindo ajuda para a sua recolha, e em que frisa a necessidade
de empregar, promptamente, toda a actividade e zelo na acquisição daquellas
quasi perdidas, ou pela maior parte já adulteradas riquezas litterarias,
registadas sómente na memoria do povo, o qual dellas se vai esquecendo pela
698
adopção dos modernos usos e costumes das povoações maiores.
A mesma ideia surge em várias passagens do Romanceiro do Algarve. Eis três
exemplos:
699
... a raridade com que o povo o já conserva de memoria. No Algarve
cidades inteiras ha que o desconhecem; e onde melhor o encontrei, posso
700
dizer que foi na gente camponeza mais arredada das maiores povoações.
701
este era um dos taes romances quasi desfigurados e perdidos, que, se não se
lhe acudisse agora, passado algum tempo já talvez ninguem o arrancaria do
abismo do esquecimento em que se ía prostrando, e em que jazem muitos
outros, certamente, sem que deixassem um só indicio da sua existencia,
porque nunca houve quem se lembrasse de os colligir para que se não
702
perdessem.
Faz lastima ver como a nossa poesia tradicional anda desfigurada e
corrompida, e como ao mesmo tempo se vai despedindo da memoria popular,
703
seu quasi unico archivo!
698
Rascunho dum requerimento a D. Pedro V, datado de Lisboa, 25/4/1857 (M. N. A., espólio de
Estácio da Veiga, 5 D / 53r).
699
700
701
702
703
Refere-se ao D. Julião.
Romanceiro do Algarve, p. 4.
Refere-se a Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura.
Op. cit., p. 96.
Romanceiro do Algarve, p. 197.
215
Desejo de Dignificar o Algarve
Como dissemos, a necessidade de salvar a tradição oral algarvia é, no fundo, apenas
uma das facetas da campanha, a que Estácio da Veiga dedicou a sua vida, tendente à
ilustração da província onde nascera.
O próprio Veiga explicitamente se refere à consciência de que, com as suas recolhas
(e respectiva publicação) contribuiria para dignificar o Algarve:
posso certificar a toda a gente [...] que não foram idéas de interesse, ou de
gloria litteraria, que me levaram a esta empreza; antes a verdadeira devoção
que sempre tive ás cousas da minha querida provincia ainda mal tão
704
desamparada [e] esquecida.
Não nos parece modéstia fingida essa que acima se apresenta, pois em cartas do
autor voltamos a encontrar a ideia do carácter patriótico (no sentido de ligado à “pequena
pátria” que constituía o Algarve) da recolha de literatura oral. Assim, numa carta ao
tavirense Vaz Velho (pessoa de quem sublinha “o zelo e devota dedicação que V. Ex.ª tem
sempre sagrado ás antiguidades gloriosas da nossa malfadada patria”), carta em que lhe
pedia ajuda para a recolha, escreve: “Se esta minha ideia é ou não patriotica e de gloriosa
conveniencia para a nossa terra, ninguem ahi como V. Ex.ª a poderá avaliar”.
705
E numa carta escrita em 1857, a um destinatário anónimo residente em Albufeira
(que Veiga espera que tenha a vontade de “ser util a qualquer cousa que tenda ao
desenvolvimento e consideração da nossa tão esquecida e mal cuidada provincia”), pede-lhe
ajuda para a recolha, por tal recolha ser um
assumpto exclusivamente algarvio, e que mais tarde, segundo minha
esperança, deverá figurar nas lettras portuguesas com o m.mo acollhimento
com que toda a poesia popular está sendo recebida nos mais adiantados paizes
706
da Europa.
704
705
S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, p. 1.
Rascunho duma carta que enviou a António Vaz Velho, escrita sem dúvida de Lisboa, talvez em
1855 (5 C / 52v).
706
Rascunho de carta datado de “Tavira, [segue-se um espaço em branco, destinado à posterior
indicação do dia] de S[etembro] de 1857” (5 C / 69a).
216
A preocupação de dignificar o Algarve, de mostrar que ele, ao contrário do que
dizia um lugar-comum da época (como mais abaixo veremos), não era inferior às outras
províncias de Portugal, é algo que se encontra com um Leitmotiv em toda a vida e a obra de
Estácio da Veiga.
No Romanceiro do Algarve, os sinais mais patentes desse propósito são (conforme
vimos) a afirmação que Veiga faz da origem algarvia da maioria dos romances de que
publica versões e, também, a afirmação da superior qualidade de tais versões relativamente
às de Almeida Garrett.
Mas o propósito de exaltação regionalista está bem patente noutros aspectos,
menores, do Romanceiro do Algarve. Encontramo-lo, por exemplo em duas curiosas
passagens da introdução: por um lado, a longa nota de rodapé, de quase duas páginas
inteiras,
707
em que Estácio da Veiga fornece uma lista de “alguns poetas algarvios” dos sécs.
XVI-XIX, num total de 16 (todos eles hoje perfeitos desconhecidos); e, por outro lado, as
passagens que dedica a sublinhar a grandeza da “antiga civilisação [que] escriptores
insuspeitos [...] reconheceram” ao Algarve, a “estremada cultura, que sob diversos dominios
fez conhecido em quasi todo o mundo o Algarve”,
708
bem antes da formação da
nacionalidade portuguesa. Entre os povos que aqui viveram, Veiga destaca os Turdetanos, de
cuja “civilisação esmerada” falam “antigos escriptores”, “attribuindo-lhes grande valor
militar, e a maior dedicação pela cultura das lettras”. Seriam aliás grandes poetas, e muito
“cedo alli floresceu a poesia cavalleirosa”, cujos “vestigios [...] ainda duram [...] nos
singelos poemas narrativos que o nosso povo conserva”.
709
E deixando bem clara a intenção
de pôr a sua província por cima doutras regiões de Portugal tradicionalmente vistas como
mais cultas, Veiga escreve:
fôram sempre essas gentes da costa do Algarve, pelo trato que mantinham
com povos civilisados, mais instruidas do que os outros lusitanos
septentrionaes, que só muito mais tarde despiram de si a barbaría dos
710
primeiros tempos.
707
708
709
710
Romanceiro do Algarve, pp. xxxvi-vii.
Op. cit., p. xxxiii.
Op. cit., p. xxxiv.
Loc. cit.
217
Mas não é apenas o Romanceiro do Algarve ou o projectado Cancioneiro do
Algarve que marcam a preocupação de Veiga com a ilustração da sua província. Na verdade,
a partir de 1865, o autor dedicou-se sobretudo à Arqueologia, tendo começado por, em 186566, fazer escavações, perto de Tavira, determinando a localização da cidade romana de
711
Balsa, sobre o que escreveu o livro Povos Balsenses.
Mafra e em Mértola,
712
Embora tenha escavado também em
dedicou-se sobretudo à exploração arqueológica do Algarve, quer
numa campanha de vários meses (em 1877-78), quer em ocasiões posteriores, até 1882. Com
base nessas escavações, publicou, aliás, a sua obra arqueológica mais importante,
Antiguidades Monumentaes do Algarve,
trabalhava quando faleceu.
714
713
em quatro volumes, em cuja continuação
Além disso, em 1880, com parte dos materiais conseguidos no
Algarve, organizou, de forma, para época, verdadeiramente modelar, o Museu Arqueológico
do Algarve, instalado em dependências da Academia de Belas Artes de Lisboa.
715
Estácio da Veiga estudou também a Botânica da sua terra natal, tendo deixado um
interessante catálogo da flora da Serra de Monchique.
711
716
S. P. M. Estacio da Veiga, Povos Balsenses. Sua situação geographico-physica indicada por
dous monumentos romanos recentemente descobertos na Quinta de Torre d’ Ares distante seis kilometros da
cidade de Tavira, Lisboa, Livraria Catholica [é o que está no frontispício; na capa, diz-se ser editora a Imprensa
Nacional], 1866.
712
Sobre as escavações que fez em Mafra e, sobretudo, em Mértola, Estácio da Veiga publicou duas
obras cujos títulos se podem ver na bibliografia que dele estabelecemos no Apêndice nº 1 desta tese.
713
Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga, Antiguidades Monumentaes do Algarve. Tempos
Prehistoricos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886-1891, 4 vols.
714
Os capítulos do V vol. que deixou escritos foram, mais tarde, publicados por Leite de
Vasconcelos: “Antiguidades Monumentaes do Algarve”, O Archeologo Português, IX, 7-10 (Julho-Out. 1904),
pp. 200-10; X, 1-2 (Jan.-Fev. 1905), pp. 6-14; X, 3-5 (Março-Maio 1905), pp. 107-18; e XV (1910), pp. 20933.
715
Encerrado em finais de 1881, por imposição da Academia (que afirmava precisar do espaço que
ele ocupava), os objectos que o compunham foram, mais tarde, integrados no Museu Etnográfico Português,
actualmente denominado Museu Nacional de Arqueologia [sobre o museu organizado por Estácio da Veiga, ver
Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos Silva Pereira, O Museu Archeologico do Algarve (18801881). Subsídios para o estudo da museologia em Portugal no séc. XIX, Faro, 1981].
716
Plantas da Serra de Monchique Observadas em 1866, separata do Jornal de Sciencias
Mathematicas, Physicas e Naturaes, VI (1869) e VII (1869 [sic]), 2 vols., s/l., s. n., s/ d. Estes dois opúsculos
(de 11 e 22 pp., respectivamente) fornecem o nome latino das várias plantas identificadas por Veiga e também
as designações que as mesmas têm em português.
218
Além disso, como cidadão empenhado que era, Veiga não se escusou a “arregaçar
as mangas” e a recorrer a meios mais directos para tentar promover a dignificação do seu
Algarve. É assim que publicou pelo menos um artigo de jornal, em que propõe reformas a
efectuar em Tavira,
assunto.
718
717
sendo possível que seja também seu um outro artigo sobre o mesmo
No espólio existem igualmente os rascunhos de dois textos sobre o Algarve que
parecem destinados à publicação num jornal, que, porém, não podemos determinar onde
saíram.
719
Sabe-se ainda que redigiu um “comunicado”, talvez para a imprensa, pedindo
melhorias no porto de Olhão,
717
720
e que manifestou verbalmente as suas críticas contra a
[Carta ao jornal], A Nação, 23/5/1860, p. 2. Fala dos problemas do Algarve e de, em 1856,
quando esteve em Tavira, ter proposto à Santa Casa da Misericórdia que aproveitasse o devoluto convento de
S. Bernardo para asilo de mendicidade. No espólio de Veiga, existe o rascunho desta carta (cota: 5 C / 43 a-c).
718
“Agora sim que o Algarve vai Começar a Prosperar!”, A Nação, 10/4/1862, p. 3. É notícia, não
assinada, sobre o encerramento definitivo do mosteiro de Nossa Senhora da Piedade, em Tavira, e sua
incorporação nos bens nacionais. Diz que a Santa Casa da Misericórdia de Tavira, “a quem foi suscitada em
1858 a idéa de requerer a apropriação do dito mosteiro com suas pertenças, para nelle instituir um asylo de
caridade que servisse de amparo aos desgraçados da provincia, não quiz figurar neste assumpto.” Insta a
Câmara Municipal a que requeira para si esse mosteiro, para um “asylo de mendicidade, ou um collegio de
educação para orfãs desamparadas.” Fala ainda do “vergonhoso estado de abandono e profanação” a que
chegou o convento de S. Francisco, em Faro. A atribuição deste artigo a Veiga baseia-se nas semelhanças que
apresenta com a carta aberta que, por ele assinada, o mesmo jornal A Nação publicara dois anos antes (ver nota
anterior).
719
Trata-se de 5 C / 41 e 5 C / 64. O texto do primeiro destes rascunhos está incompleto, e é de
carácter mais geral, defendendo que sejam feitas reformas na província. O segundo, embora muito retocado,
está completo e parece ser notícia sobre uma exposição de produtos algarvios que se tinha organizado em Faro.
Embora, guiando-nos pela referência que ali se faz ao artigo dum outro autor publicado a 23/9/1861,
tivéssemos procurado o artigo de Veiga no jornal A Nação (periódico em que ele, como se sabe, colaborou)
desde essa data até ao fim do ano, não conseguimos encontrar nada.
720
Simplicio Alfarroba, “Correio do Algarve. Carta do Coveiro do Cemiterio de Faro ao Guarda-
Portão da Real Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 24/7/1856, pp. 1-2. O autor (cujo nome é um
pseudónimo, obviamente — ver nota seguinte) dá “noticias [...] destes reinos Algarvios, tão esquecidos e
abandonados da gente da governança” (p. 1). A dado ponto, escreve: “O E. da V.[sic] escreveu um
communicado requisitando uma boia de ferro para denunciar dois escolhos, que se acham em frente da barra de
Olhão”, onde tinha já havido acidentes, “mas isto de pedir cousas ao governo, e principalmente para o Algarve,
é o mesmo que malhar em ferro frio”.
219
Câmara Municipal de Tavira, pela destruição de monumentos e pelo abandono a que votava
a escola primária.
721
O Atraso do Algarve e a sua má Imagem no Exterior
Convirá agora falar um pouco de algo a que já antes aludimos: o atraso que, no séc.
XIX, o Algarve apresentava em relação às demais províncias portuguesas. Durante as
pesquisas para a nossa tese, encontrámos numerosas referências a esse facto, nomeadamente
em jornais, desde pelo menos 1843. Desse ano data um artigo da Revista Universal
Lisbonense, onde se fala do péssimo estado das estradas algarvias e se afirma: “Os
montanheiros cá do Algarve são a gente mais pobre e miserável que ha no mundo”.
722
No corpus que, sobre o assunto, conseguimos formar, uma data importante parece
ser o ano de 1850, quando o geógrafo francês Charles Bonnet publica uma obra toda ela
dedicada ao Algarve. Podemos imaginar a repercussão que, pelo menos nos meios
ilustrados, terá tido este livro, até pelo prestígio que lhe adviria do facto de ter sido escrito
por um estrangeiro. Aí vemos expressas pela primeira vez duas afirmações que voltamos a
encontrar inúmeras vezes em autores subsequentes:
— a má opinião (fruto do desconhecimento) que os restantes Portugueses tinham
sobre o Algarve: “Dans une grande partie du Portugal, on considère l’ Algarve comme un
pays sauvage, et ses habitans[sic] comme réprésentans[sic] des Bédouins”;
— e o paradoxo de uma terra que, possuindo grandes riquezas (superiores às do
resto do país), apresentava uma enorme falta de desenvolvimento: “Jusqu’ à présent on n’ a
721
Simplicio Alfarroba, “Correio do Algarve. Carta do Coveiro do Cemiterio de Faro ao Guarda-
Portão da Real Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 11/9/1856, pp. 1-2. Critica a Câmara Municipal de
Tavira e “a respeito desta camara, compadre, sempre me hade lembrar uma descabellada descompostura que
uma tarde nesta praça lhe deu o Estacio da Veiga”. Este “Simplicio Alfarroba” não deve ter sido pseudónimo
de Estácio da Veiga, embora o facto de o seu nome aparecer, como vemos, em pelo menos dois dos folhetins
assinados pelo tal Simplício tenha levado os contemporâneos a pensar nisso. É o que se vê numa carta que
escreveu a Eleutério Nogueira Mimoso, de que, no espólio, se conserva um rascunho (5 C / 52). Aí,
respondendo a um comentário de Mimoso, Estácio da Veiga diz que, embora colabore no jornal O Povo, não é
ele o autor da série de artigos intitulados “Correio do Algarve”.
722
José Joaquim Ramalho, “Estradas no Algarve”, Revista Universal Lisbonense, III, nº 4
(14/9/1843), pp. 41-42 (citação extraída da p. 42).
220
pas assez fait attention, aux ressources de tout genre, que l’ on peut tirer de cette belle
province, qui par la position, le climat, occupe le premier rang parmi celles du Portugal”.
723
Quanto ao atraso do Algarve, bastará dizer que, em 1858 (ou seja, na época
aproximada da recolha de Estácio da Veiga), o próprio governador civil de Faro enviou, às
câmaras municipais do distrito, uma circular em que afirma:
Quasi todas as cidades, villas e aldeias desta provincia apresentam um
aspecto de atrazamento, de rusticidade e de falta de todo o conforto material
724
de civilisação, que se torna verdadeira e profundamente deploravel.
E, entre os muitos exemplos que poderíamos fornecer, extraídos da imprensa,
bastarão dois.
— O primeiro deles representa o tom geral dos restantes. É trecho do editorial do
primeiro número de O Algarviense, jornal fundado em Lisboa (!), em 1863, “mesmo na sede
do governo, para o mesmo attender mais facilmente ás nossas reclamações, em favor do que
precisa a dita provincia”. O jornal, diz o director, nasce com o fim de “conseguir ver
melhorada uma provincia, que, tendo sido tão abençoada pela natureza e prospera em
outros seculos, se acha n’ este bem abatida, e quasi que esquecida.”
725
— o segundo exemplo, embora absolutamente único, é, na sua fúria, indicativo do
extremo a que poderia chegar a revolta, verbal, dum algarvio: “Até ha pouco o Algarve tem
sido olhado como um reino —reino dos Algarves— mas um reino conquistado, um reino de
escravos, arrojando os ferros do tributo e condemnados a trabalhar só para engrandecer
Portugal! N’ um tempo em que o governo portuguez sustenta e decreta a liberdade do
homem, sem distincção de raças, e persegue os negreiros, não deve exercer uma espécie de
escravatura sobre uma provincia, d’ onde aufere tributos de oiro e de sangue, sem lhe dar
protecção nem garantias.”
723
726
Charles Bonnet, Algarve (Portugal). Description géographique et géologique de cette province,
Lisbonne, Typographie de l’ Académie Royale des Sciences de Lisbonne, 1850, pp. 109 e 110.
724
Circular de 13/11/1858, transcrita por S., “Interesses do Algarve — I”, O Futuro, 2/2/1859, p. 2.
Só a IV parte do presente artigo está assinada com a inicial “S”. As restantes partes saíram sem qualquer
indicação do nome do autor.
725
726
Romeira Pacheco, [Editorial], O Algarviense, 5/4/1863, p. 1. Os sublinhados são do original.
J. Bonança, artigo sem título, O Algarviense, 2/3/1864, p. 1.
221
Eis
agora
algumas
queixas
que encontrámos
na imprensa
quanto
ao
desconhecimento que os restantes Portugueses (sobretudo os Lisboetas...) tinham do Algarve
e/ou a má opinião sobre os seus habitantes, aspecto sem dúvida importante, pensamos, pelo
que pode ter a ver com a decisão de Estácio da Veiga —que vivia em Lisboa desde os 17
anos— de publicar o seu romanceiro e, em geral, com os esforços de toda a sua vida em prol
da província em que nascera, sobretudo através do estudo das realidades dela e posterior
divulgação dos resultados:
— “a provincia do Algarve é quasi absolutamente desconhecida, e nenhuma ideia se
faz de sua situação topographica”;
727
— “Ha gente que, medindo os filhos do Algarve por alguns maritimos, que teem
um dialecto especial e os modos asperos do elemento com que luctam, faz de todos elles
uma idéa aterradora. Moteja-os, talvez, como Byron, motejou os portuguezes”.
728
— A propósito da afirmação anterior, vejam-se os seguintes versos, que parecem
feitos para a justificar. São excerto dum poema narrativo, cómico, cuja acção se passa no
porto de Lisboa, nos barcos que existiam como estabelecimentos de banhos. Um dos
personagens é um marítimo algarvio:
Má rés te partão, diz elle,
E começa a praguejar,
Diabo-leve, estipôr,
Sem agua fique o mar.
[...]
O Algarvio, zangado,
Mil pragas voziferou,
Contra o outro camarada
Que o frete lhe tirou.
727
729
Anónimo, “Dotação do Clero — VI”, A Nação, 2/3/1861, p. 2. Além de tecer várias
considerações, o artigo transcreve uma carta dos párocos algarvios aos “deputados da nação portugueza”, em
que surge a frase que acima citamos.
728
Romeira Pacheco, “Litteratura”, O Algarviense, 9/8/1863, p. 1. O artigo é sobre um jovem poeta
algarvio (assim se compreende o seu título), um tal J. M. Reis, de que não sabemos mais referências.
222
— “o Algarve e [os] algarvios [são] mal apreciados no resto de Portugal e
principalmente em Lisboa”;
730
— “O Algarve não é conhecido, ou por outra é mal apreciado. É sabido que lisboêta
que quer troçar um algarvio, falla-lhe logo em figo e alfarroba”;
731
— A propósito da afirmação anterior, diga-se que, numa polémica (de que
falaremos mais à frente) entre Estácio da Veiga e um jornalista lisboeta, este arranja modo
de aludir três vezes aos figos e uma à alfabarroba. Primeiro, acusa Veiga do pecado de
recolher literatura oral a esmo, dizendo que ele “agarrou tudo o que se achava no chão,
alfarroba bixosa, figo secco, quadras de S. João”.
732
No mesmo artigo, mais adiante, fala de
versos que Estácio da Veiga poderia recolher mesmo ali em Lisboa, e que, “passados pela
sua bocca ficaria [a poesia] tão appetitosa e chata, como os figos da sua terra”. Por fim,
noutro artigo, afirma sobre Veiga: “Fica e ficará sendo o primeiro e unico dos semsaborões,
dos massadores, dos poetas de albuns, de necrologios, de epitafios, epycinios, epycedios e
epyfigos do Algarve”.
733
— Para concluir esta pequena panorâmica sobre a ideia que os Portugueses
oitocentistas tinham do Algarve, não resistimos a apresentar a seguinte frase, ainda que
escrita já em 1903 (mas, mesmo por isso, bem significativa): “Em Lisboa, temos ouvido
muitas vezes, até a gente que passa por illustrada —e isto tem-nos causado certa magua—
falar do Algarve como se elle fosse uma só terra e pequena”.
734
À luz de tudo isto, talvez se compreendam melhor certas decisões de Estácio da
Veiga, a começar pela de recolher a literatura da sua província, de modo a dotá-la daquilo
que nenhuma outra possuía: um romanceiro próprio. E talvez se vejam a outra luz certas
729
Anónimo, Grande Contenda de Pragas e Descomposturas que Teve um Catraeiro Algarvio com
uma Preta por Causa dos Banhos do Mar, O Bandarra, nº 11 (1848), pp. [1]-[2]. Citação extraída da p. 2. Os
itálicos são do original.
730
P. T., “O Doido de Cacella (Recordações)”, Gazeta do Correio, 4/5/1869, p. 2.
731
P. T., “O Doido de Cacella (Recordações)”, Gazeta do Correio, 23/6/1869, p. 2.
732
Anónimo, “O Archivo Universal e a Nação”, Archivo Universal, 2ª série, nº 2 (11/7/1859), p. 31.
733
Anónimo, “Ponto Final”, Archivo Universal, 2ª série, nº 6 (8/8/1859), p. 95.
734
Marcos Portugal e José Castanho, Almanach do Algarve para 1903, Portimão, s/ d., p. 5. Na
mesma página se diz que “... o fim d’ este almanach é principalmente tornar conhecida a provincia do Algarve,
lá fóra [...], na sua historia, na sua choreographia, na sua litteratura, nos seus costumes, na sua vida, enfim”.
223
afirmações de Veiga que atrás encontrámos, e hoje fazem sorrir pela sua ingenuidade: a
assombrosa percentagem de romances que teriam nascido no Algarve (e não, portanto,
noutra qualquer província) ou a superioridade cultural dos primitivos Algarvios, os
Turdetanos, “mais instruidos do que os outros lusitanos septentrionaes, que só muito mais
tarde despiram de si a barbaría dos primeiros tempos”.
Com que prazer ele deve ter pensado que, graças a si, o Algarve iria possuir um
livro que as outras províncias não tinham, nem aquelas que eram topicamente chamadas “as
nossas tão ricas provincias do norte”, que todos consideravam tão cheias de “lendas e
tradicções romanticas”,
legendarias”,
736
735
as “ provincias do norte, berço da monarchia e das tradições
a começar pelo decantado Minho, a que “nenhuma provincia de Portugal
levará a palma” quanto a cantigas,
737
o Minho, que alguém escrevia mesmo ter sido a origem
da Dona Branca e do Romanceiro de Garrett,
poesia, que tem Portugal”,
739
738
“a [província] mais ricca, por certo, de
aquela que, muitos anos mais tarde, ainda será chamada “a terra
classica das nossas superstições e antigos costumes”.
740
E recorde-se a amargura com que, na
introdução da sua obra, Veiga sublinha o modo discriminatório com que Garrett, no
Romanceiro, teria tratado o Algarve:
741
Este mau fado que visivelmente persegue o Algarve a todos ou quasi todos
os respeitos, fez talvez com que o proprio Garrett, tratando de recopilar as
rapsodias populares de todas as provincias do reino, o deixasse sem maior
investigação, attribuindo-lhe apenas, como de passagem, A noiva arraiana, e
735
P., “Bibliographia. Chronicas de Galliza. Collecção de Lendas Cavalleirescas da Edade Media”,
O Jardim das Damas, III, nº 17 (25/3/1848), p. 267. É ao referir-se a esse livro galego que o autor fala da
necessidade de, em Portugal, se fazerem recolhas, sobretudo no Norte.
736
A. Osorio de Vasconcellos, “Maria Prates (Lenda da Beira)”, Revista Contemporanea de
Portugal e Brazil, 5º ano (1864), p. 430.
737
Soto-Mayor e Azeredo, “Cantigas Populares”, O Pirata, II, nº 15 (Set. 1851), p. 115.
738
“... o pensamento da D. Branca foi, se não me engano, suggerido assim como o do Romanceiro,
pelas chacaras populares do Minho” [R., “O Minho Poetico”, O Pirata, II, nº 17 (Out. 1851), p. 129].
739
A. Pereira da Cunha, “O Governo nas Mãos do Villão. Memoria do seculo passado”, Revista
Universal Lisbonense, III, nº 30 (14/3/1844), p. 365, em nota.
740
J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, I, Espozende, Collecção Silva Vieira, 1891, p.
38.
741
Veiga refere-se aqui ao facto, que antes mencionara, de o Governo ter deixado sem resposta o
pedido de apoio oficial que ele fizera para recolher a literatura oral do Algarve.
224
seguindo da Nau Cathrineta a lição, que julgou dalli ser, mas que não era, e
742
sim a que neste livro apresento.
Depois de todas as notícias e comentários que atrás vimos, compreender-se-á
melhor por que o método editorial que Veiga adoptou no Romanceiro do Algarve é (como
dissemos e como adiante veremos com mais pormenor) tão excessivamente “criativo”. Não
nos podemos surpreender que Veiga tenha decidido retocar profundamente os textos e
mesmo inventar vários deles de cima a baixo, de modo a que a poesia dos camponeses
atrasados da sua atrasada e risível província aparecesse junto do público lisboeta com o
aspecto mais perfeito e original possível. Não era só o gosto da época que o levava a esses
pesados retoques: era também (e até talvez sobretudo) a defesa da imagem pública da sua
terra e, por que não?, de si próprio. Na verdade, quantas vezes terá Estácio da Veiga ouvido
as graças sobre os figos e a alfarroba que o jornalista do Archivo Universal lhe atirou à cara
com toda a naturalidade? Quantas vezes se terá sentido exilado e inferiorizado em Lisboa,
cidade para onde, a fim de estudar na Escola Politécnica, partira com 17 anos, num dia de
1845 que, ao longo de toda a sua vida, sempre mencionará com tristeza?
743
Datas da Recolha e Colaboradores
No requerimento a D. Pedro V,
744
escrito em 25/4/1857, de que já atrás citámos uma
passagem, diz Veiga
acha[r]-se empenhado ha feitos dois annos na confecção do Romanceiro e
Cancioneiro do Algarve, para cujo fim tem posto em acção todos os possiveis
meios ao seu alcance, sollicitando directa e indirectamente varios documentos
em algumas cidades, villlas, e outras menores povoações daquelle pittoresca,
e quasi esquecida provincia.
742
743
Romanceiro do Algarve, p. xxxii.
Ver, nomeadamente, rascunho de carta a Eleutério Nogueira Mimoso, 27/8/1856 (espólio de
Veiga, cota: 5 C / 50); “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861),
p. 92; Romanceiro do Algarve, p. 33; e Poesias (ou Banalidades Poeticas), prefácio de Maria Luísa Estácio da
Veiga Silva Pereira, [Lisboa/Tavira], Edições Colibri/Câmara Municipal de Tavira, 2000, pp. 34-7.
744
5 D / 53.
225
Portanto, as suas recolhas teriam começado em 1855. Mas é preciso distinguir: o
próprio Veiga só começou a recolher em 1856. De 1855 devem datar, isso sim, as diligências
que, por carta, de Lisboa, tentou fazer, pedindo a conterrâneos seus que, no Algarve,
recolhessem textos e lhos enviassem. Tratava-se dum processo muito corrente na época, e
que, como vimos, fora, a maior parte das vezes, o de Garrett (a começar por quando estava
em Londres) e o de Teófilo Braga (em relação à ilha de S. Jorge, por exemplo).
A mais antiga atestação do interesse de Estácio da Veiga pela literatura oral (“No
colligir de algumas dessas peças da poesia popular da nossa terra começo eu dêsde hoje a
pôr um decidido empenho”) é o rascunho, existente no espólio, duma carta que enviou “Ao
Brigadeiro Vaz-Velho”.
745
Essa carta foi escrita de Lisboa, provavelmente em 1855, e sem
dúvida antes de 1856 (ano em que regressou de férias ao Algarve, a fim de começar as
recolhas pessoalmente). É seu destinatário António José Vaz Velho, em cujo necrológio, em
1860, escreveu Estácio da Veiga ter sido um “cavalheiro, illustre pelo sangue e illustrado
pela sciencia”.
746
Antigo brigadeiro miguelista, no fim da guerra civil “retirou-se [...] para a
sua casa e quinta de Villa Fria, junto â margem direita do rio Gilão”, em Tavira. Deixou
“muitos manuscriptos”, “obras militares”, uma “obra genealogica de não poucos volumes
[...] incompleta.”
747
É a este erudito local que Veiga vai recorrer inicialmente, enviando-lhe uma carta
cujo rascunho, pelo seu interesse, passamos a transcrever na íntegra:
748
Exmo Sr
745
746
747
Assim está escrito no canto superior esquerdo de 5 C / 52r, junto à margem.
S. P. M. Estacio da Veiga, “Necrologio”, A Nação, 12/9/1860, p. 3.
Esta última obra acabou por ser publicada (ainda que só em parte) muito mais tarde: Tesouro
Heráldico de Portugal, Lisboa, Gabinete de Estudos Heráldicos e Genealógicos, 1958, 1959, 1960 e 1963, 4
vols. Segundo informa Gastão de Mello de Matos (“Nota do Gabinete de Estudos”, I, pp. 37-42), o manuscrito
de Vaz Velho é de 1820-30 (p. 42). Segundo se esclarece nas badanas de todos os volumes, nesta edição só se
publicam os quatro primeiros capítulos da obra, que compreende um total de 22, mais três “catálogos” e uma
segunda parte, com os brasões.
748
O texto tem numerosos riscados, emendas e acrescentos. Nas partes em que houve
transformações, uma vez que (ao contrário do que acontece com os romances retocados por Veiga) não há
interesse em determinar a forma inicial do texto, adoptámos a última forma, aquela que, sem dúvida, mais
próxima está do que Veiga escreveu efectivamente na carta enviada a Vaz Velho. Procedemos do mesmo modo
na transcrição dos restantes rascunhos de cartas e requerimentos de Estácio da Veiga que adiante
transcreveremos.
226
Ha muito tempo que me tenho querido dirigir a V. Ex.ª sôbre objecto que
assás me interessa, e que só V. Ex.ª, a meu ver, me pode cabalmente
informar; mas não mo tem por emquanto permittido os quotidianos trabalhos
a que me tenho dado nestes ultimos annos de minha estada nesta cidade. Hoje
aproveito porêm um ensejo que favoravelmente se me offerece para assim o
fazer.
Como V. Ex.ª muito bem sabe, conserva ainda a nossa terra muitas lendas
populares, que dêsde tempos immemoria[e]s tem vindo atravessando os
seculos até á epocha presente, e infelizmente nenhum de nossos conterraneos
ainda se propôz colligir, pelo menos, algumas dessas tradições, que, posto
que não tenham de[sic] estreita relação com as cousas chamadas uteis pela
moderna geração, tem comtudo o seu valor intrinseco, e valor não de
desprezar, pois que taes monumentos litterarios classificam assás a mais
nacional de todas as poesias de um paiz.
No colligir de algumas dessas peças da poesia popular da nossa terra começo
eu dêsde hoje a pôr um decidido empenho, e tanto será, quanto as minhas
forças o possam por ventura comportar.
É sôbre este assumpto que me delibero hoje sollicitar do bom e patriotico
animo de V. Exª., que tão exclusivamente ahi tem sagrado sua vida inteira ao
mais laborioso estudo, toda e qualquer coadjuvação que V. Ex.ª possa dar-me,
a fim de, mais tarde, poder eu saír a lume com um Romanceiro propriamente
dito do Algarve, que tão avantajadamente sôbre todas as demais provincias do
reino, abunda deste genero de poesias, tão estimado e bem acolhido hoje nas
mais cultas nações da Europa.
Se esta minha ideia é ou não patriotica e de gloriosa conveniencia para a
nossa terra, ninguem ahi como V. Ex.ª a poderá avaliar, e seja pois qual fôr o
adjutorio que V. Ex.ª me proporcione para a realisação desta idéa, mui
francamte prometto de agradecer a V. Ex.ª no mesmo Romanceiro, os seus
valiosos serviços, testemunhando então o zelo e devota dedicação que V. Ex.ª
tem sempre sagrado ás antiguidades gloriosas da nossa malfadada patria.
Todas as lendas, xacaras, romances, ou solaos que V. Ex.ª poder ahi colher,
quer em prosa, ou em versos, muito desejarei eu de ir possuindo ao passo que
V. Ex.ª fôr desenterrando taes antigualhas dêsse lamentoso olvido a que as
tem condenado o desleixo, a incuria, e sobre tudo a ignorancia dos homens;
desejando ao mesmo tempo que V. Ex.ª addicione a cada um dêsses achados
todas as mais noticias que poder obter. As que vierem em versos, tratarei de
lhes conservar o primitivo cunho não lhe[sic] desvirtuando nem forma nem
estylo, e as que porêm vierem em prosa, farei quanto em mim couber para as
reduzir a versos, adequando-lhes a forma e estylo que mais conheça em
relação com o seu respectivo assumpto, e a epocha, que pela linguagem
749
poderá proximamente determinar-se.
749
O texto termina assim, no fim do verso da folha. O facto de as últimas três linhas estarem escritas
em letra mais pequena e com entrelinhas quase inexistentes parece mostrar que não houve uma outra folha, em
que o texto continuasse. Aliás, as sete últimas linhas (desde “As que vierem em verso”) estão riscadas, talvez
por Estácio da Veiga ter achado que a carta estava a ficar demasiado grande e que tais linhas, ao descreverem o
método que ele próprio tencionava aplicar aos textos que Vaz Velho lhe enviasse, não interessariam ao
destinatário. Poderá ter acontecido que Estácio da Veiga, ao chegar ao fim do presente documento, tenha
227
Não sabemos se Vaz Velho lhe respondeu, mas parece que desta carta (e talvez de
outras, escritas a mais pessoas) Veiga não obteve muitos resultados, tendo-se, por isso,
resolvido a ir ele próprio ao Algarve, no ano seguinte (1856). Começaram, então, as suas
recolhas directas, que duraram (sem dúvida que intermitentemente) os três meses em que
750
permaneceu na sua província.
Ao Algarve foi igualmente no ano de 1857, tendo
aumentado a sua colecção de romances.
também literatura oral.
751
Lá se deslocou ainda em 1858, recolhendo
752
Mas embora tenha passado a recolher material directamente, Estácio da Veiga
nunca deixou de recorrer também a correspondentes, que com ele colaboraram, enviando-lhe
versões recolhidos nas suas terras. É o caso de dois amigos seus, de apelido Mimoso
(provavelmente pai e filho), um de Castro Marim e o outro de Faro, a quem se destinaram
duas cartas de que há rascunho no espólio. Vejamos alguns excertos de ambas, que mostram
bem a colaboração que Veiga deles espera:
Rascunho
753
de carta ao “(Mimoso de Castromarim)”,
754
ou seja, Sebastião
Nogueira Mimoso, residente em Castro Marim, datada de Lisboa, 23/7/1856.
decidido passá-lo logo a limpo para a folha que enviaria a Vaz Velho, acrescentando-lhe apenas uns
agradecimentos finais e uma saudação, de que, pelo seu carácter mais ou menos fixado pelo estilo epistolar,
não precisava de escrever um rascunho.
750
Em Tavira se encontrava já a 15 de Abril desse ano, tal como mostra a data que coloca no fim do
poema Saudades da Minha Terra. Poesia recitada pelo auctor, em 22 de Junho de 1856, no theatro da cidade
de Tavira, O Povo, 2/8/1856, pp. 1-2. No Algarve permaneceu até princípios de Julho, uma vez que, como ele
próprio afirma, chegou a Lisboa a 6 desse mês (ver rascunho da carta ao “Mimoso de Castromarim” —i. e.,
Sebastião Nogueira Mimoso—, datado de Lisboa, 23/7/1856, e conservada no espólio, 5 C / 51 r).
751
De Tavira e do mês de “S[etembro]” desse ano está datado o rascunho duma carta (5 C / 69) que
Veiga escreveu a um algarvio que fora seu companheiro de viagem (desde Lisboa?). Por outro lado, o
documento 5 C / 70 do mesmo espólio (manuscrito em que se incluem duas versões, uma da Confissão da
Virgem e outra de Sentença Modificada por Milagre) está datado de Tavira, 8 de Setembro desse mesmo ano.
752
Ele próprio se refere às versões duma canção lírica que, no ano de 1858, “trouxe do Algarve” [ver
S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2
(Abril 1861), p. 9].
753
754
5 C / 51.
Assim está escrito no canto superior esquerdo de 5 C / 51r.
228
Veiga agradece-lhe os “varios trechos de poesia popular” que, em Tavira, dele
recebeu (por intermédio dum amigo comum, de nome Aragão), quando se preparava para
regressar a Lisboa.
Lamenta-se de, nas “peças de poesia”, não ter vindo ainda o romance da Senhora
dos Mártires “propriamente dito, e sim orações, e outras devoções escriptas em verso”. Por
isso, junto remete “um trecho do verdadeiro romance,
755
que deste modo bem pode ser que
V. S. mostrando-o ahi a algumas pessoas, possa colher o romance todo no seu maior
desenvolvimento”.
Pede também a Sebastião Mimoso que lhe envie outros romances que consiga
recolher em Castro Marim “ou mandar vir de Villa Real [de Santo António], onde
verdadeiramente não tenho ninguem capaz de tratar-me este assumpto”.
757
Rascunho
de carta “Ao Mimoso”
758
756
(provavelmente Eleutério Colaço Nogueira
Mimoso, que era professor em Faro, e talvez fosse filho do precedente),
27/8/1856, sem dúvida de Lisboa.
755
759
datada de
760
Deve tratar-se da versão dum texto meio oração, meio canção narrativa, recolhido pelo próprio
Veiga, em Tavira (5 D / 28). Veiga tentou recolher o romance “propriamente dito”, mas de Castro Marim
apenas lhe mandaram duas versões da referida oração-canção narrativa (F13 e F16a). As “orações, e outras
devoções” a que Veiga se refere (e que são exclusivamente líricas) existem também no espólio (na parte que
ainda hoje pertence à sua família). Uma das informantes recitou também a lenda, em prosa, do milagre em que
a Senhora dos Mártires salva um cativo da Barbaria (F 16b), milagre que, fragmentado, surge na referida
oração-canção. Uma vez que, da tradição oral, Estácio da Veiga não conseguia obter o que queria (o romance
“propriamente dito”, que nunca deve ter existido) decidiu “reconstituir” tal romance, versificando a lenda, não
se tendo servido sequer das canções lírico-narrativas, que devia considerar estropiadas (tanto mais que são em
quadras e não em forma de romance, como ele sempre queria). Foi essa versificação que Veiga publicou no
Romanceiro do Algarve, dando-a como recolhida da oralidade.
756
757
758
759
760
5 C / 51r.
5 C / 52 r.
Assim está no canto inferior esquerdo de 5 C / 52v.
Sobre este Eleutério, entretanto falecido muito novo, ver Romanceiro do Algarve, p. xxxvi, n. 1.
A carta traz data, mas não tem indicação do local onde foi escrita. No entanto, no fim, diz Veiga:
“Hoje 27 faz onze annos que cheguei a esta cidade! que dia de tão tristes recordações para mim!”. É óbvio que
se refere a Lisboa, para onde, de facto, partira em 1845. Note-se ainda que, em 23 de Julho desse ano sabemos
que ele se encontrava em Lisboa (ver a carta a Sebastião Nogueira Mimoso), regressado duma viagem ao
Algarve.
229
Veiga agradece-lhe as “canções populares que de Faro, e por pedido do teu
conhecido Santos, me remetteste”. Recomenda-lhe: “não percas occasião, quando a hajas, de
colligir e enviar-me algumas outras [i. e., canções], romances tambem populares, e legendas,
que se encontrem no nosso Algarve”.
Estácio da Veiga nunca deixou de tentar a colaboração de mais pessoas na recolha
de materiais, mesmo que mal as conhecesse. É o que prova uma carta de que, no espólio,
existe rascunho,
761
escrita a alguém não identificado, residente em Albufeira, de quem Veiga
fora, apenas, companheiro de viagem. Nessa carta, Estácio da Veiga pede informações sobre
o romance da Senhora da Orada (aquele que no nosso inventário designamos por Sentença
Modificada por Milagre) e também sobre a ermida da Orada, situada precisamente em
Albufeira, e a respectiva romaria. E queixa-se de já ter tentado obter esses dados, através de
“incessantes diligencias”; mas —explica— “mui pouco hei por emquanto obtido”.
Aliás, na introdução do Romanceiro do Algarve Veiga refere-se aos reduzidos
frutos que recebeu das suas tentativas de recolha por interpostas pessoas:
Assim começaram [...] as ímprobas fadigas do meu difficil empenho; difficil
em verdade, porque para elle tinha de pedir a coadjuvação dos meus
conterraneos, que uma proverbial indolencia faz muitas vezes parecer menos
762
prestaveis e obsequiosos do que reconhecidamente são.
Um exemplo da “proverbial indolencia” dos colaboradores talvez seja a carta que
um deles, João Lúcio Pereira, lhe enviou.
763
Está datada de Olhão, 16/11/1856, e nela Pereira
pede desculpa de não ter correspondido antes ao que Veiga lhe pediu numa carta de 29 de
Julho (quase 4 meses antes!), e que parece ter sido a recolha e o envio de romances. Porém,
desculpa-se João Lúcio Pereira, tem estado doente...
Nessa carta, Pereira envia “as rhapsodias q. me tem sido possivel colligir”. Por uma
nota de Estácio da Veiga acrescentada na última página,
764
é possível saber que a recolha foi
magríssima e, para mais, aldrabada. De facto, Pereira enviou apenas uma versão de Branca
761
762
763
764
5 C / 69.
Romanceiro do Algarve, p. xxxi.
7 / 1.
7 / 1c.
230
Flor e Filomena, outra de Frei João, e, à falta de melhor, uma cópia de O Acalentar da
Neta, longa balada da autoria de Castilho, que apresenta como recolhida da oralidade...
Muito interessante é a indicação final de João Lúcio Pereira: “Copiei-as [as
rapsódias] sem lhe fazer a menor alteração e servindo-me das m.mas palavras, como V. S. me
tinha recommendado, deichando passar erros palpaveis, como V. S. notará”.
765
Esta
passagem parece ensinar duas coisas. Por um lado, que um leitor da época, se lesse uma
edição fidedigna de textos populares, ficaria chocado com os “erros palpaveis” que lá
encontraria — e assim, naturalmente sabedor desta realidade, Veiga, mesmo que quisesse o
contrário, nunca se poderia atrever a ser fiel à letra das recolhas, quando as publicasse. Por
outro lado, as palavras de Pereira, ao falar do respeito que Veiga lhe recomendou que tivesse
pelos textos no momento de os transcrever, não devem, cremos, ser entendidas à luz da
nossa época e das preocupações actuais com a genuinidade dos textos. Pensamos que, longe
disso, a referida passagem da carta ensina que, naquele tempo, qualquer cidadão instruído se
não sentiria minimamente coibido de transformar a seu modo os textos que recolhia. É
sabendo isso que Estácio da Veiga, talvez não muito confiante no gosto de João Lúcio
Pereira, lhe recomenda que não retoque — o próprio Veiga (subentende-se: que é poeta) se
encarregará dos retoques.
Para terminar a questão dos colaboradores de Veiga, vejamos aquilo a que
poderíamos chamar dois pedidos de colaboração que ficaram sem resposta. Referimo-nos
aos requerimentos que ele enviou ao rei e, depois, a um ministro. Comecemos pela leitura
dos excertos mais importantes do rascunho do requerimento a D. Pedro V, datado de Lisboa,
25/4/1857.
766
Aí, Veiga começa por fazer vários considerandos:
— achando-se empenhado ha feitos dois annos na confecção do Romanceiro
e Cancioneiro do Algarve, para cujo fim tem posto em acção todos os
possiveis meios ao seu alcance, sollicitando directa e indirectamente varios
documentos em algumas cidades, villlas, e outras menores povoações
daquelle pittoresca, e quasi esquecida provincia [...]
— não sendo compativel com as necessidades desta melindrosa commissão
essencialmente litteraria que seus respectivos trabalhos sejam operados em
765
766
7 / 1b.
5 D / 53. Existe um rascunho anterior (5 C / 49), datado de “Lisboa [espaço em branco] de
[espaço em branco] de 185 [sem indicação do último algarismo do ano]”.
231
localidades estranhas, longe das verdadeiras minas, onde a investigação tem
de fazer immediatas explorações [...]
— offerecendo aquelle bello paiz [...] uma variada copia de preciosas
rhapsodias de antigos romances [...] e bem assim pelo que respeita ás canções
populares propriamente dittas do Algarve [...]
— que sendo sobremaneira prejudicial que se deixe de empregar,
promptamente, toda a actividade e zelo na acquisição daquellas quasi
perdidas, ou pela maior parte já adulteradas riquezas litterarias, registadas
sómente na memoria do povo, o qual dellas se vai esquecendo pela adopção
dos modernos usos e costumes das povoações maiores, onde assás se tem
perdido o verdadeiro gosto por essa singela poesia, que, em tempos mais
heroicos, constituia um dos mais saborosos prazeres das sociedades
civilisadas,
— que tendo presentemente [?] este genero de poesia, por ventura a mais
nacional, obtido nas mais cultas nações de toda Europa o melhor acolhimento
e protecção, pela sua reconhecida importancia litteraria [...]
— que promettendo ser esta obra uma das mais interessantes que o estudo e a
vontade poderiam colligir do reino do Algarve, com a qual se faria,
indubitavelmente, um necessario serviço ás lettras patrias.
Atendendo a tudo o exposto anteriormente, “o supplicante, possuindo já trabalhos
assás adiantados, mas que todavia demandam seus immediatos complementos”, e
necessitando, para isso, de “percorrer toda aquella provincia, a fim de directamente sollicitar
nas differentes localidades as tradicções oraes de que carece”, requer dispensa de serviço “da
repartição a que pertence durante o espaço de seis mezes” com o
vencimento por inteiro e, além desta concessão, que pelo M[inistério] do
Reino lhe seja dada uma gratificação ou ajudas de custo, que possa garantirlhe, pelo menos, a possibilidade dos transportes durante o já citado prazo, os
quais demandam o immediato emprego de extraordinarios dispendios, que se
hão de mister; sem esta graça o supplicante se verá compellido a desistir deste
serviço, que, desinteressadamente se propõe fazer á sua patria, e com
especialidade ao seu paiz natal.
Vejamos, agora, alguns excertos do rascunho dum requerimento
Bento”,
768
767
“A Carlos
datado de 2/5/1857, provavelmente de Lisboa. Nele Estácio da Veiga explica que,
“propondo-se publicar um Romanceiro e cancioneiro privativo do reino do Algarve, para o
767
768
5 B / 6.
Assim está escrito no fim do texto, a seguir à data (5 B / 6v).
232
que ha já feitos dois annos que trata de recolher as mais notaveis rhapsodias de romances e
canções populares daquella provincia [...] requereu a S. M. em 25 de Abril deste anno” a
dispensa de serviço e demais coisas que nesse requerimento já lemos, e que aqui enuncia por
palavras muito parecidas. E acrescenta: “Inteirado porêm o supp. e [i. e., suplicante] de que o
mesmo requerimento se acha dependente da judiciosa avaliação, e despacho de V. Ex.ª” [i.
e., de Carlos Bento], escreve, então, este novo requerimento. E no fim diz:
Quando porêm a V. Ex.ª pareça demasiada sua petição, o supp.e ainda assim,
se limitará a sómente acceitar o abono do seu vencimento por inteiro durante
o mencionado prazo de seis mezes, e prescindirá da gratificação que pedira,
embora haja de ver-se compellido a supprir por sua conta todos os dispendios
769
que excederem ao pequeno valor do referido seu vencimento.
O “Carlos Bento” a quem Veiga se dirige é Carlos Bento da Silva, conhecido
político e membro de repetidos governos da época,
requerimento, era ministro das Obras Públicas.
771
770
o qual, no momento da escrita deste
Ora Estácio da Veiga era “practicante
effectivo da Administração Geral dos Correios” (como diz no requerimento ao rei e é
confirmado por outras fontes),
Públicas.
773
769
772
organismo que dependia do ministério das Obras
Assim se compreende que a Carlos Bento da Silva coubesse a decisão final.
No texto, o que verdadeiramente está é “dos referidos”, o que concordava com “seus
vencimentos”. Posteriormente, o “s” do plural foi cortado nas duas últimas palavras da frase, mas não, por
descuido, nas duas primeiras.
770
Ver [Anónimo], Noticia dos Ministros e Secretarios d’ Estado do Regimen Constitucional nos 41
Annos Decorridos desde a Regencia na Ilha Terceira em 15 de Março de 1830 até 15 de Março de 1871,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p. 10; e Manuel Pinto dos Santos, Monarquia Constitucional. Organização e
relações do poder governativo com a Câmara dos Deputados. 1834-1910, Lisboa, Assembleia da República,
1986, passim.
771
Foi-o de 14 /3/ 1857 a 16 / 3 / 1859, no 22º governo constitucional, presidido pelo marquês de
Loulé (ver Anónimo, op. cit., p. 10, e Santos, op. cit., p. 75).
772
Segundo o Almanach de Portugal para o Anno de 1855 (Lisboa, Imprensa Nacional, 1854, p.
564), Veiga era, desde 10 de Maio de 1854, praticante efectivo da Administração Central do Correio de Lisboa.
Segundo o mesmo almanaque, essa repartição pertencia à Administração Geral dos Correios, que é o
organismo que Veiga menciona no requerimento. O lugar e posto de Veiga mantinham-se em 1856 (ver
Almanach de Portugal para 1856, Lisboa, Imprensa Nacional, 1856, p. 565) e, sem dúvida, também em 1857
(o mencionado almanaque não se publicou nesse ano).
773
cit., p. 564.
Ver Anónimo, op. cit., p. 34, n. 7, confirmado pelo Almanach de Portugal para o Anno de 1855,
233
Tudo leva a crer que tal decisão foi negativa (quem sabe se devido ao facto de
Veiga ser assumida e publicamente miguelista).
774
De facto, na introdução do Romanceiro do
Algarve, há um claro sinal de o apoio solicitado não ter sido atribuído. Escreve Estácio da
Veiga:
este romanceiro [...] muito mais abundante, ou completo, poderia já sair, se o
governo não se tivesse escusado a auxiliar esta tentativa, ao passo que
favorecia largamente outras, que nunca deram nem porventura darão jámais o
775
minimo resultado...
Na mesma introdução, numa nota de rodapé, Estácio da Veiga já se queixara, mais
veladamente, da falta de apoio oficial. Com efeito, ao falar das colecções de literatura oral
publicadas em vários países europeus, refere-se à França e escreve:
Ao passo que em Portugal se desattende a quem pede protecção para
emprehender estes estudos, que toda a Europa recebe com avidez, festeja e
premeia, o que é força repetir muitas vezes para eterna vergonha e
desconceito dos nossos poderosos empecedores, observa-se na França a
seguinte deliberação alli mandada publicar em 3 de setembro de 1853 pelo
776
seu illustrado governo.
774
De facto, cerca de um ano antes dos requerimentos a solicitar apoio, Veiga era colaborador do
jornal legitimista O Povo, onde, no número de 2/8/1856 (pp. 1-2), publicara Saudades da Minha Terra. Poesia
recitada pelo auctor, em 22 de Junho de 1856, no theatro da cidade de Tavira. E anos antes levara o seu
militantismo ao ponto de escrever a letra para uma canção de homenagem à mulher de D. Miguel, canção que
foi mesmo publicada em partitura: O Astro d’ Esperança / Novo hymno /dedicado por seus auctores / á
augusta espoza / do / Senhor Dom Miguel de Bragança / a Senhora / Dona Adelaide Sophia / Princeza de
Loewenstein-Werteim. / Muzica de Dona Maria Carlota Tulli da Costa / e / poezia / de S. P. M. Estacio da
Veiga. / 1851. / Lith. de Lopes & Bastos. R. N. dos M. es Nº 14. Lx.ª 1852. Coisas destas, num meio pequeno
como era o da Lisboa da época, sem dúvida que eram do conhecimento de todos... nomeadamente de quem
distribuía subsídios e benesses. Anos depois de tudo isto (é verdade que num momento em que Veiga já não
devia andar a pedir dispensas de serviço com vencimento), ainda encontramos sinais públicos da militância
miguelista do nosso autor. Assim, n’ O Povo de 29/3/1860 (p. 1), o nome de Estácio da Veiga surge integrado
numa lista de “cavalheiros legitimistas” a quem o jornal encarregou de, em seu nome, receberem donativos
para uma subscrição a favor de D. Miguel (que, no exílio, ao que se dizia, estava com grandes problemas
económicos).
775
776
Romanceiro do Algarve, p. xxxii.
Op. cit., p. xxviii, nota 2.
234
Passa a transcrever um decreto que, em França, lançara, a nível nacional e
patrocinada pelo Estado, uma recolha de poesia oral.
777
E, no fim, desabafa: “Estas coisas
aqui é que não se imitam do francez, quiçá por serem de reconhecida utilidade...”
778
Locais da Recolha e Informantes
Pelos manuscritos das versões existentes no espólio de Veiga é possível
conhecermos, frequentemente, a localidade onde foram recolhidas, e mesmo, por vezes, o
nome do informante,
779
e até outras indicações, como a sua morada e/ou profissão,
certas particularidades, por vezes curiosas.
777
781
780
ou
As versões raramente têm data de recolha.
782
Veiga tem conhecimento de tal decreto, como ele próprio informa, a partir da sua publicação no
Almanach de Lembranças (cf. Alexandre Magno de Castilho, “Poesias Populares”, Almanach de Lembranças
para 1854, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, p. 269). Terá interesse recordar que esta
campanha francesa de recolha é a chamada “enquête Fourtoul”, do nome do ministro da Instrução Pública que
a promoveu. Foi lançada a larga escala e acompanhada pela publicação dumas interessantes e pioneiras
“instruções” para os colectores: [Jean-Jacques Ampère], Poésies populaires de la France. Instructions du
Comité de la Langue, de l’ Histoire et des Arts de la France, [Paris], Imprimerie Impériale, 1853. Este
opúsculo constitui uma espécie catálogo dos vários géneros —sobretudo do ponto de vista funcional ou
temático — da poesia tradicional, cada um ilustrado com exemplos e comentado. Sobre Ampère e a “enquête
Fourtoul”, pode ler-se o recente artigo de Michèle Simonsen, “Jean-Jacques Ampère and the Campaign for the
Collection of ‘Poésies Populaires de la France’ (1853-1855)”, in Nicolae Constantinescu (org.), Ballad and
Ballad Studies at the Turn of the Century. Proceedings of the 30th International Ballad Conference, Bucureşti,
Editura Deliana, 2001, pp. 213-218.
778
779
Romanceiro do Algarve, p. xxix.
Por exemplo: Anna Paula Rua, de Tavira, informante do Conde Claros Frade (5 B / 11r) e duma
Delgadinha + Silvana (5 B / 11-12).
780
Por exemplo: Rosa Maria de Oliveira, lavadeira das Fontinhas, Tavira, que contribuiu com um D.
Aleixo (5 E / 39) e outras versões. Ou “Marianna José Xavier, que foi parteira. Mora ao Cano, na rua das
Capacheiras”, informante, nomeadamente, dum Frei João (5 B /32).
781
Numa versão da Má Sogra (5 B / 19r), anotou Veiga: “Uma filha do compadre Antonio Bruno. A
filha valle muito mais do que todos estes romances”. E noutra (Príncipe que Enganou uma Pastora é Obrigado
a Casar com Ela): “É este um romance bem asno!” (5 B / 34r).
782
Um dos raros casos é uma versão da Confissão de Nossa Senhora (5 C / 70), que tem a seguinte
pormenorizada indicação: “Mª José da Conc.ão natural das Cabanas da Conceição [concelho de Tavira] filha da
235
Em geral, esses informações (excepto, por vezes, o nome das localidades) foram omitidas
quando os textos saíram publicados em 1870, sem dúvida porque, para Estácio da Veiga, o
texto primitivo do romance e todas as suas circunstâncias teriam sido importantes, mas não o
modo como ele vivia na actualidade, guardado naquela espécie de odres em más condições
que eram os informantes.
Pelos dados existentes nos manuscritos, podemos, de qualquer modo, saber que as
recolhas feitas pelo próprio Veiga foram essencialmente na cidade de Tavira e arredores, e
na cidade de Faro.
783
E, por outro lado, vemos que as versões obtidas por colaboradores de
Veiga vieram de Lagos, Portimão, Silves, Olhão e Castro Marim, tendo sido (uma vez que
nada se diz sobre isso) muito provavelmente recolhidas nas próprias sedes de concelho
(nestes casos, todas elas cidades ou vilas importantes, quase todas do litoral), e não em
aldeias.
Esta realidade vai contra aquilo que Veiga afirma em vários lugares do Romanceiro
do Algarve: ter ido recolher os textos a aldeias muito recuadas. Por exemplo, ao falar do D.
Julião, menciona “a raridade com que o povo o já conserva de memoria. No Algarve cidades
inteiras ha que o desconhecem; e onde melhor o encontrei, posso dizer que foi na gente
camponeza mais arredada das maiores povoações”.
784
Esta frase deve ter sido escrita, aliás,
com enorme má consciência, pois, como mais à frente veremos, tal romance não foi
recolhido da oralidade, mas sim traduzido por Veiga a partir da versão velha castelhana...
Mª de Giões [Giões é uma aldeia da freguesia de Moncarapacho, concelho de Olhão], e afilhada de Stao M ~
rz
[i. e., Sebastião Martins]. 8 de Setembro de 1857 — Tavira”.
783
Quanto a informantes de Faro há a indicação duma Helena Rosa, “junto á ermida da Srª do
Repouso”, informante duma Má Sogra (5 B / 20), e duma Maria da Conceição Belles, “mandada chamar pelo
Nicola da estalagem”, informante de 3 romances, entre eles um Conde Ninho (5 C / 79 c-d). Antes da indicação
de “mandada chamar”, etc., há, riscada, a indicação: “junto á Srª do Repouso”. Talvez seja a esta última
informante que se referem as palavras crípticas do já nosso conhecido Simplicio Alfarroba, que num dos seus
folhetins se refere a “o Estacio da Veiga, que por aqui [i. e., por Faro] andou por toda a parte arranjando
romances antigos para fazer um romanceiro propriamente do Algarve, ao qual para este effeito nem se quer lhe
escapou a menina B., que móra ao pé da Senhora do Repouso, e que, segundo por aqui dizem, sabe romances
de muitas qualidades” (“Correio do Algarve. Carta do Coveiro do Cemiterio de Faro ao Guarda-Portão da Real
Sociedade Humanitaria do Porto”, O Povo, 11/9/1856, pp. 1-2). É possível que o “B.” seja inicial de “Belles”,
apelido da mencionada Maria da Conceição. Nas palavras de Simplicio [“nem sequer lhe escapou...”] parece
haver uma alusão semi-escondida, talvez a algo de amores. Teria a referida menina sido galanteada por Veiga?
Ou seria ela uma prostituta [“sabe romances de muitas qualidades”...]?
784
Romanceiro do Algarve, p. 4.
236
A necessidade de a recolha ser levada a cabo preferencialmente nas aldeias tem a
ver com uma ideia que, desde Herder (pelo menos), “andava no ar”, entrando no modo de
pensar de qualquer romântico minimamente instruído: a essência das nações, o Volksgeist,
estivera vivo apenas até fins da Idade Média. A partir daí, a invasão do Classicismo grecolatino fora paulatinamente descaracterizando os países, ou melhor: descaracterizara a
burguesia, e, por arrastamento, o povo citadino. Mas o espírito nacional, os hábitos e
costumes ainda medievais, mantinham-se vivos (embora ameaçados pelo progresso — e daí
a necessidade da sua recolha) entre a população dos campos, sobretudo a que vivia afastada
dos grandes centros. E terá sido isso que Estácio da Veiga, provavelmente, esperava
encontrar e ajudar a salvar, quando chegou ao Algarve, com a cabeça cheia de sonhos,
depois de 11 anos de exílio em Lisboa, para onde partira adolescente. Ora ao regressar à sua
província, terá ficado surpreendido com o estado de modernidade em que se achava o povo
rural e o das pequenas cidades, tão longe da visão bucólica e idealizada que, na sua mente, se
ligava a essa parte da população. Tal visão estava, obviamente, bem longe de ser exclusiva
de Estácio da Veiga. A mesma maneira de idealizar o povo dos campos, em flagrante
contradição com a realidade social, encontra-se (para não recuarmos mais, até ao Bucolismo
da Grécia clássica) em todos os românticos (a começar por Herder), com poucas excepções.
Uma dessas excepções é constituída por Camilo (ou melhor, por um certo Camilo), que,
caçoando dos citadinos que imaginavam o povo rural como um poço de virtudes (povo que
ele, pelo contrário, bem conhecia, nomeadamente pelo facto de viver em São Miguel de
Ceide), escreve algures (citamos de memória) que dentro desse povo, na sua alma, o melhor
que se podia encontrar era um naco de bom toucinho...
Mas Veiga não partilharia, sem dúvida, sarcasmos destes. E, por outro lado, ele
sabia que, nas suas recolhas, nunca fora, verdadeiramente, para muito longe, nunca se
internara pelo interior do Algarve, e menos ainda pela Serra do Caldeirão, onde talvez
existisse ainda então aquilo que se considerava a tradição incontaminada.
785
785
Ruth Finnegan tem algumas interessantíssimas páginas discutindo a possibilidade de existência
daquilo que muitos autores olham como sendo o tipo de sociedade verdadeiramente adequado à vida das
baladas (área rural, isolada, sem centros de instrução, sem contactos com sociedades industriais e urbanas,
baseada num sistema de comunicação oral, sem influências da sociedade escrita), e põe muitas dúvidas sobre as
características incontaminadamente orais de muitos (se não da maioria) dos textos obtidos por colectores que,
no entanto, estavam convencidas de ter contactado com uma sociedade 100% “genuína” (Oral Poetry. Its
nature, significance and social context, Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press, 1992, p.
246ss.). Na colecção de Estácio da Veiga há um caso que dá muita razão a Ruth Finnegan. Na verdade, a aldeia
mais afastada dos grandes centros de que há material nos manuscritos de Veiga é Cachopo, em plena Serra do
237
É possível que certas transformações que, como veremos adiante, Estácio da Veiga
introduziu nos textos que publicou, nomeadamente uma idealização da sociedade rural (com
pastoras que passeiam cantando e tocando viola pelos campos, e gente cujo passatempo é
tecer grinaldas de rosas) tenha a ver com algo que ele esperava encontrar mas não encontrou,
ou que pensava que fosse possível existir nessas aldeias afastadas onde não tinha ido, ou,
muito simplesmente, algo que ele achava que agradaria ao gosto dos leitores urbanos
(lisboetas em especial) que eram, sem dúvida, o público-alvo do seu Romanceiro.
Além disso, é possível que, no método editorial de Veiga, haja uma parte fruto do
efeito que tinham os retoques introduzidos pelos seus antecessores (sobretudo Almeida
Garrett) quando publicavam textos orais. Como vimos, Garrett admite que faz algumas
transformações (realização de versões factícias, eliminação de “refacimentos” modernos,
retoques de modo a aproximar mais o texto em relação ao respectivo modelo quinhentista...),
mas, tal como Percy ou Scott, não diz tudo o que faz — e que foi bastante mais profundo
que isso, nomeadamente através da invenção de numerosos versos. Este silêncio poderá ter
como consequência que o público (incluindo Estácio da Veiga), ao ler os romances
publicados por Garrett, ficasse com uma ideia errada de como era a tradição, a qual não tinha
(e provavelmente não teve nunca) umas características assim tão parecidas com as da poesia
escrita como o Romanceiro de Garrett faz crer.
Essas consequências negativas tinham sido apontadas, bastantes anos antes, por
aquele que é um dos raríssimos editores respeitosos (pelo menos em teoria) da letra da
tradição antes dos anos 50 do séc. XIX: o escocês William Motherwell, autor de Minstrelsy,
Ancient and Modern (1827). Na surpreendente introdução desta obra
786
Motherwell defende
repetidas vezes e com toda a veemência que o editor de baladas não deve retocar
minimamente os textos,
787
protestando, inclusive, contra o estabelecimento de versões
Caldeirão, a mais de 50 Km da costa, para onde, na época, as estradas deviam ser bem más e onde o nível geral
da instrução devia ser muito baixo. Ora o texto que consta nesse manuscrito (5 D / 37; escrito com uma
péssima caligrafia e ainda pior ortografia) é uma versão do romance vulgar O Pássaro Verde, com nítidos
vestígios do estilo dos folhetos de cordel.
786
A obra, infelizmente, nunca foi reeditada (tanto quanto sabemos), mas da sua introdução uma boa
parte pode-se ler apud D. Dugaw, The Anglo-American Ballad. A Folklore casebook, cit., pp. 46-55.
787
“It has become of the first importance to collect these songs with scrupulous and unshrinking
fidelity. [...] It will not do to indulge in idle speculations as to what they once may have been, and to recast
them in what we may fancy were their original moulds” (p. 49).
238
factícias.
788
É que, além do mais, uma das consequências do método editorial criativo é a
seguinte:
Such copies [os textos factícios] [...] are those which find their way readiest
into our every-day compilations of such things, as well on account of their
superior poetical merit, as of the comparative distinctness and fulness of their
narrative; and to readers not accustomed to inquire into the nature of
traditionary poetry they thus convey very inaccurate impressions of the state
789
in which these compositions are actually extant among us.
E essa “perfeição” ia influenciar também os próximos colectores de romances, que,
possivelmente, ao recolherem textos, ficavam muito desapontados por não conseguirem
romances tão correctos, tão completos, tão sem nódoa. Foi desapontado, como vimos, que
Teófilo Braga admite ter-se sentido quando começou a recolher e se apercebeu de que as
versões que conseguia eram inferiores às de Garrett. Claro que, conforme também vimos,
Braga ultrapassou essa inferioridade, valorizando a verdade etnográfica das suas versões —
aspecto com o qual os textos de Almeida Garrett não podiam competir. Acontece que
Estácio da Veiga tem uma visão do romanceiro muito distante da de Teófilo, obedecendo,
pelo contrário, a critérios exclusivamente estéticos. Portanto, nele, o desapontamento não
poderia deixar de levar ao retoque, ao desejo de tornar as suas versões pelo menos tão boas
como as do Mestre — até porque tinha o aguilhão do remorso: talvez a culpa fosse apenas
dele, que, em vez de se deslocar às recônditas aldeias onde dizia ter ido, se deixara ficar por
788
“By selecting the most beautiful and striking passages which present themselves in the one copy,
and making these cohere as they best may with similar extracts detached from the other copy, the editor of oral
poetry succeeds in producing from the conflicting texts of his various authorities a third version, more perfect
and ornate than any individual one as it originally stood. This improved version may contain the quintessence,
the poetick elements, of each copy consulted; but, in this general resemblance to all, it loses its particular
affinity to any one. Its individuality entirely disappears [...]. This mode, then, of editing ancient ballads, by
subjecting them to the process of refinement now described, though it be more conscientious and less liable to
censure than another method also resorted to, is nevertheless highly objectionable, as effectually marring the
venerable simplicity of early song, destroying in a great measure its characteristick peculiarities” (pp. 50 e 51).
789
Op. cit., p. 51. Sobre o que Motherwell parece dever aos conselhos de Walter Scott, muito
tardiamente arrependido do método editorial que adoptara no Minstrelsy, ver Flemming G. Andersen, “ ‘All
There Is... As It Is’. On the development of textual criticism in ballad studies”, Jahrbuch für
Volksliedforschung, 39 (1994), pp. 28-40. Sobre a obra (não apenas baladística) de Motherwell, saiu
recentemente uma importante monografia: Mary Ellen Brown, William Motherwell’s Cultural Politics (17971835), Lexington, The University Press of Kentucky, 2001 (ver, sobretudo, o cap. 8, “The Ballad Errantry”, pp.
78-102).
239
Tavira e Faro... Talvez fosse a sua falta de espírito empreendedor que, afinal, explicava o
facto de não ter recolhido versões melhores, de não ter encontrado na tradição a singeleza, a
pureza, a graça desafectada, a correcção versificatória, a antiguidade de linguagem, os temas
que exprimiam a genuína alma algarvia. E, como não conseguira tais características na
oralidade, poderia pelo menos consegui-las graças à facilidade poética que Deus lhe dera. A
sua província é que não podia ficar mal — nem ele, já agora.
Datas da Organização do Romanceiro do Algarve. Sua Publicação
Assim foi, portanto, formado o Romanceiro do Algarve, que esteve para ser o
segundo romanceiro português e o primeiro dedicado à tradição duma província
específica.
790
A data indicada habitualmente pelos estudiosos como a da conclusão da obra é
1860, baseando-se no que Estácio da Veiga escreveu na “Advertencia”: “Ha feitos dez annos
que escrevi este livro; mas só agora pude conseguir a sua publicação”.
791
Repare-se, porém,
que, numa curta nota, perdida no meio da “Introducção”, o mesmo Veiga afirma: “Em 1858
já estava inteiramente concluido este trabalho”.
792
Qual das duas declarações será correcta? A segunda delas está de acordo com a
afirmação que Estácio da Veiga fez num artigo de jornal publicado em 1859: “o
‘Romanceiro do Algarve’ [...] desde janeiro deste anno o tenho em mão de um editor para se
imprimir”.
793
Se assim foi, então a obra teria de estar acabada em 1858. Note-se, porém, que,
neste artigo (em que publica A Moura Encantada de Tavira), Veiga explica que tal romance
794
não está incluído no referido Romanceiro que tem no editor.
790
Contudo, em 1861, ao
Sê-lo-ia se Estácio da Veiga tivesse publicado a obra quando a concluiu. Porém, acabou por ser
ultrapassado por duas obras de Teófilo Braga: o Romanceiro Geral (1867) e os Cantos Populares do
Archipelago Açoriano (1869).
791
792
Romanceiro do Algarve, p. v.
Op. cit., p. xxvii, nota 1.
793
S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, p.
794
Porque, segundo afirma (loc. cit.), “não dou eu ainda [...] por completo o romance [...], visto que
1.
ainda tenciono cotejal-o com outras lições, que delle espero alcançar”.
240
publicar novamente este artigo noutro jornal,
795
Veiga omitiu o parágrafo em que se
encontrava tal explicação. Ora, se tivermos em atenção que o referido romance foi, de facto,
incluído no Romanceiro saído em 1870, podemos pôr a seguinte hipótese: em 1858, Estácio
da Veiga terminou, de facto, o livro, e, em Janeiro de 1859, conseguiu colocá-lo num editor.
Porém, mais tarde, reviu a obra (incluindo nela, então, A Moura Encantada), revisão que
teria acontecido em 1860, pelo que, em de Junho de 1861, ao republicar esse romance na
Estrella d’ Alva, já não diz que o excluiu do seu Romanceiro. Esta hipótese permite pôr de
acordo a afirmação da “Advertencia” e a da nota da p. xxvii, uma vez que elas se referirão,
afinal, a estádios diferentes da obra.
Terminado, pois, em 1860, o Romanceiro do Algarve teve a má-sorte de só
conseguir ser publicado 10 anos depois, em 1870, provavelmente devido a dificuldades
editoriais.
796
E, quando saiu, parece não ter suscitado nenhuma reacção na imprensa. Pelo
menos, não encontrámos nenhuma recensão (nem sequer simples referência à sua saída) em
seis jornais, do ano de 1870 e primeiro semestre de 1871, que consultámos,
797
isto não
obstante todos esses jornais publicarem (uns mais, outros menos) artigos ou notícias desse
tipo sobre variados outros livros que iam saindo.
795
Agora com o título “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João” [Estrella d’ Alva, II, nº 12
(Junho 1861), pp. 91-92].
796
Durante anos, a obra foi sendo anunciada como estando concluída e pronta para ser impressa. É
assim que surge na bibliografia de Veiga contida na edição dos Fastos, organizada por Castilho, para onde ele
escrevera uma “Nota” (ver o “Catalogo Alphabetico dos 106 Srs. Annotadores d’ esta Obra”, por Manuel Vidal
de Castilho, in Publio Ovidio Nasão, Os Fastos, traducção em verso portuguez por Antonio Feliciano de
Castilho, seguidos de copiosas annotações por quasi todos os escriptores portuguezes contemporaneos, Lisboa,
Por Ordem e na Imprensa da Academia Real das Sciencias, Tomo I, Parte I, 1862, pp. lv-cxli; a bibliografia de
Veiga está na p. cxxxii) e no Diccionario de Inocêncio (cit., VII, p. 221).
É bem possível que o editor inicial (aquele em cujas mãos, em 1859, Veiga diz ter o Romanceiro do
Algarve) não tenha sido o mesmo que, em 1870, acabou por publicá-lo, pois custa a acreditar que, durante 11
anos, a obra tenha ficado na mesma empresa, à espera da ocasião de sair .
797
Eis os jornais que, com esta finalidade, pesquisámos (entre parênteses, damos a indicação do
período que pudemos consultar de cada um deles): Jornal do Commercio (1870 e 1º semestre de 1871) O
Conimbricense (1870), Revolução de Setembro (de Outubro de 1870 a Fevereiro de 1871, ambos inclusive), A
Nação (1870 e os dois primeiros meses de 1871), O Primeiro de Janeiro (Janeiro e Fevereiro de 1870) e Diario
de Noticias (1870).
241
Chegámos mesmo a pensar que o Romanceiro do Algarve, fazendo jus aos atrasos
que sofreu,
798
embora tendo no frontispício a data de 1870, teria saído depois, talvez já no
segundo semestre de 1871, período aonde não tínhamos estendido as nossas pesquisas. Mas,
finalmente, na Gazeta do Povo, jornal diário publicado em Lisboa, encontrámos, no número
de 4 de Dezembro de 1870, um anúncio ao “Romanceiro do Algarve, por S. P. M. Estacio da
Veiga. Um volume, contendo uma introducção de trinta e oito paginas, vinte e seis romances
e nove legendas christãs”.
799
O anúncio apresenta depois a lista dos temas, que reproduz o
índice do livro, e, no fim, informa: “Preço 500 réis. Vende-se nas lojas do costume. —
Remette-se franco de porte a quem enviar a importancia, em sêllos ou valles do correio, a
Sousa Neves, rua da Atalaia, 65. — Lisboa”.
Este “Sousa Neves” era Joaquim Germano de Sousa Neves, o editor do Romanceiro
do Algarve. Ora, era na tipografia de Sousa Neves que se imprimia a Gazeta do Povo, da
qual (pelo menos a partir de 7 de Dezembro de 1870)
800
o mesmo Neves se tornou gerente.
Ou seja, o presente anúncio (que, sublinhe-se, não encontrámos em mais nenhum dos jornais
consultados) não mostra qualquer tipo de empenho na divulgação da obra por parte do
editor, o qual, como vemos, se limitou a anunciar a obra num jornal a que ele próprio estava
ligado, pelo que essa publicidade lhe terá saído grátis.
798
801
Para já não falar dos anos em que a obra esteve à espera de começar a ser impressa, sabe-se que a
saída da edição que acabou por ser de 1870 foi anunciada num almanaque logo em finais de 1868 ou princípios
de 1869. É o que se vê por duas cartas de Teixeira Soares a Teófilo (datadas de 24/2 e de 23/5 de 1869) onde o
colector jorgense fala do facto, explicando ter lido essa informação “no Almanach popular, publicado em
Lisboa” [ver Braga (org.), Quarenta Annos de Vida Litteraria, cit., p. 45; ver também p. 44]. Na Biblioteca
Nacional, um almanaque com aquele título e editado em Lisboa só existe o referente aos anos de 1849 e 1851.
799
800
801
Gazeta do Povo, 4/12/1870, p. 4.
Ver n.º desse dia, p. 1.
O anúncio repete-se sete vezes em outros tantos números da Gazeta do Povo (portanto, com
numerosas interrupções, por vezes de mais de um mês), até 4/3/1871, inclusive. A partir do n.º de 30/4/1871, e
até ao último número do jornal (31/12/1872), o anúncio reaparece muitas vezes (por vezes com grandes
interrupções), desta feita com um formato mais pequeno, embora com texto igual.
Não obstante a pouca publicidade que anunciou a saída do livro, encontrámos dois sinais da sua
distribuição em livrarias. Ver O Livreiro. Catalogo-periodico da Livraria de Ferreira, Lisboa & Cª., nº 3
(1871), p. 8, e a lista de obras (possivelmente catálogo das obras disponíveis para venda na livraria Cruz
Coutinho, do Rio de Janeiro) que se encontra no verso da capa e da contracapa de AA. VV., O Trovador.
Collecção de modinhas, recitativos, arias, lundús, etc., nova ed., correcta, II e III, Rio de Janeiro, Na Livraria
Popular de A. A. da Cruz Coutinho — Editor, 1876.
242
A falta de repercussão da saída do Romanceiro do Algarve poderá ser devida ao seu
carácter extemporâneo. Na verdade, pensada para uma determinada época, feita de acordo
com os respectivos critérios, a obra acabou por sair 10 anos depois, e durante esse período as
condições de recepção tinham mudado drasticamente, como a seu tempo veremos.
Os Manuscritos da Colecção de Estácio da Veiga
Os manuscritos relacionados com o nascimento do Romanceiro do Algarve
encontram-se repartidos por três locais.
Manuscritos Existentes no Museu Nacional de Arqueologia
A grande maioria dos manuscritos romancísticos de Estácio da Veiga pertence ao
arquivo do Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa) e está integrada no espólio documental
do autor ali existente (o qual é, acima de tudo, sobre assuntos arqueológicos).
Guardados (juntamente com vários outros documentos), na caixa nº 2 desse espólio,
os manuscritos do romanceiro (e, em pequeno número, de poesias pertencentes a outros
subgéneros tradicionais) são de dois tipos. Por um lado, os textos originais, tal como foram
recolhidos por Estácio da Veiga ou por colaboradores seus;
802
802
por outro lado, as cópias dos
Os textos originais formam a totalidade dum maço contido numa capa moderna (cota: espólio de
Estácio da Veiga, 5 B), que, por sua vez, tem dentro outra capa, antiga, com uma inscrição, escrita por Veiga:
“Apontamentos para o Romanceiro do Algarve. [a lápis (Ja se acham explorados)]” (sobre os símbolos que
adoptámos na transcrição dos documentos de Veiga, ver adiante pp. 271-2). Além disso, também existem
textos originais (aí, misturados com cópias) noutros três envelopes grandes, modernos, guardados na mesma
caixa, que têm as cotas 5 C, 5 D e 5 E. Nessa caixa existe ainda, no envelope que tem a cota 7, um texto
original (do Frei João: 7 / 2), juntamente com a carta que o seu colector (João Lúcio Pereira, de Olhão) enviou
a Estácio da Veiga.
Sobre a catalogação dos manuscritos, diga-se que os cinco grandes conjuntos citados (assim como o
mencionado na nota seguinte) já possuíam uma cota (5 C, por exemplo), quando analisámos pela primeira vez
o espólio. De nossa responsabilidade foi a atribuição duma cota a cada um dos documentos integrados nesses
conjuntos, através do acrescento dum número de ordem, depois duma barra. Assim, por exemplo, o primeiro
243
originais. Na sua relação com os originais da recolha, as cópias apresentam vários graus de
fidelidade, indo desde textos que se limitam a, com leves retoques, repetir o original, até
àqueles que constituem, de facto, poemas novos, de tal modo estão longe do que foi
recolhido. Note-se que, em muitos casos, no espólio se encontram várias cópias,
sucessivamente retocadas, dum mesmo original, possibilitando, assim, seguir passo a passo o
percurso editorial criativo dos romances publicados por Estácio da Veiga no Romanceiro do
Algarve (e mesmo de alguns outros romances que acabaram por ficar inéditos).
No espólio existe também a maior parte do manuscrito final do Romanceiro do
Algarve, o enviado para a tipografia quando a obra foi impressa.
faltando-lhe a introdução,
804
803
Está incompleto,
o primeiro romance (D. Julião), e todos os romances que
constituem a segunda parte da obra (as “Lendas christans”), ou seja, A Senhora da Piedade e
textos seguintes. Neste manuscrito, o texto da maior parte dos romances está sem emendas,
ou quase. No entanto, relativamente a alguns dos romances, há duas versões do texto,
estando a primeira muito emendada e sendo a segunda uma passagem a limpo daquela.
Além dos textos dos romances, no espólio conserva-se ainda a maior parte dos
prólogos que Estácio da Veiga escreveu para cada romance, todos com emendas (e, num
caso ou noutro, em mais duma versão), e vários documentos relacionados com o
Romanceiro do Algarve, nomeadamente rascunhos de algumas cartas a colaboradores que o
manuscrito contido no envelope 5 C ficou com a cota 5 C / 1. Através de letras minúsculas ( r ou v; a, b, c, ou
d), indicamos, quando necessário, a foliação ou a paginação de cada documento.
803
Este manuscrito constitui um maço que possui a cota 5 A. É possível ter a certeza de que ele é, de
facto, o manuscrito enviado para a tipografia, graças a dois pormenores. O primeiro está no rodapé duma
página (5 A / 43a) do prólogo de O Encarcerado e consiste numa nota para o tipógrafo, a propósito duma parte
do referido prólogo, no qual Veiga transcreve o texto de duas inscrições antigas existentes num monumento de
Tavira e noutro de Castro Marim. Ora, para transcrever esses textos tal qual (mais especificamente as
abreviaturas neles usadas) seria necessário colocar, por cima de certas letras, uns caracteres tipográficos
especiais, que talvez não estivessem disponíveis. Sobre a questão, Veiga escreveu, no rodapé da referida
página, um recado, de que transcrevemos o início: “Sr Agostinho — Se não poder arranjar os seguintes signaes
Ω ω, podem ser suppridos ambos por um traço — assim sobre a letra”.
O segundo pormenor que nos dá a certeza de estarmos em presença do manuscrito enviado à
tipografia está no verso dum dos fólios do prólogo de A Serrana (5 A / 63v) e consiste na seguinte nota de
Estácio da Veiga: “Devolvidas as provas em 15 de junho — até quasi ao fim do romance da Serrana.”
804
Noutro local do espólio (5 C / 53 - 5 C / 63), existe, porém, uma grande parte do texto da
introdução, embora as folhas em que está escrita não sejam da mesma dimensão da das folhas enviadas à
tipografia.
244
ajudaram nas recolhas e também o rascunho dos dois requerimentos (ao rei e ao ministro
Carlos Bento da Silva) que atrás mencionámos.
Não nos foi possível determinar exactamente a forma pela qual estes manuscritos
deram entrada no Museu Nacional de Arqueologia, e menos ainda a época em que ali
chegaram.
O manuscrito que serviu para a tipografia deve ter pertencido, em primeiro lugar, ao
próprio Leite de Vasconcelos, que, mais tarde, o terá depositado no Museu. É o que parece
deduzir-se dum estudo que o próprio Vasconcelos dedicou a Estácio da Veiga e às suas
múltiplas actividades,
805
no qual, nomeadamente, se ocupa do Romanceiro do Algarve. Ora
aí revela o seguinte:
Depois do fallecimento de Estacio da Veiga, obtive da familia parte de um
manuscrito ou rascunho dos romances que constituírão o Romanceiro. Este
manuscrito ou rascunho, que foi o original que serviu para a impressão da
obra, pois não differe do texto que está impresso, contém várias emendas [...]
Quando vi a primeira vez o manuscrito emendado, fiquei muito satisfeito, por
suppôr qee[sic] teria deante de mim as fórmas primitivas dos romances,
embora com emendas, e que me seria facil, debaixo dos traços, recompôr o
texto original; mas para logo verifiquei que estas emendas assentavão num
texto já tambem por sua vez emendado e aperfeiçoado. [...] As emendas são
bastante numerosas; comtudo ás vezes limitão-se a transposições de versos e
a substituição de uma palavra por outra, — e ha composições inteiras sem
806
emendas ou com muito poucas.
As características do manuscrito descrito por Leite de Vasconcelos coincidem,
como vemos, com as que atrás dissemos serem as do manuscrito existente no Museu que
serviu para a tipografia. E outras informações que Vasconcelos dá, mais à frente, sobre o seu
manuscrito confirmam a hipótese de se tratar, verdadeiramente, do manuscrito hoje existente
no Museu. De facto, escreve ele:
Como justificação do que affirmo, e como amostra do processo das
correcções, aqui transcrevo do referido manuscrito alguns passos:
1) Verso riscado: Mal o sol vinha raiando.
Substituição: Ao romper da madrugada.
805
Ver J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, I, Espozende, Collecção Silva Vieira,
1891, pp. 261-288. Embora a obra esteja datada, no frontispício, de 1891, a verdade é que só saiu em 1896 (ver
p. 360).
806
Op. cit., pp. 275-6 e 277-8 (itálico do original).
245
2) V. riscado: Viu vir uma grande armada.
Substituição: Forte armada avista ao longe.
3) V. riscado: A Virgem santa o ouvia.
Substituição: Sua voz o ceu ouvia.
4) V. riscado: Sua pôpa já rendida.
Substituição: E a pôpa em grande avaria.
5) V. riscado: Se não fôras meu sobrinho.
Substituição: Se meu sobrinho não fôras.
6) V. riscado: Eram tres de sangue puro.
Substituição: E todas de sangue puro.
7) V. riscado: E duas de tinta preta.
Substituição: Que outra tinta não houvéra.
8) V. riscado: E porque com outro tratas.
Substituição: É que és de outro namorado.
9) V. riscado: Os sinos, bem que dobravam.
807
Substituição: Um sino ao longe dobrava.
Cotejando os versos referidos por Vasconcelos, extraídos do seu manuscrito, com
os versos que lhes correspondem no manuscrito do Museu Nacional de Arqueologia,
808
concluímos que, em relação a 7 dos 9 exemplos, a transcrição coincide quase
perfeitamente.
807
808
809
Op. cit., p. 277.
Conforme vemos, Vasconcelos não fornece os títulos dos textos de onde extraiu esses exemplos,
e, tendo em atenção que o Romanceiro do Algarve contém 34 textos, em geral bastante extensos, teria sido
muito complicado descobrir, nesses textos, os versos citados. Felizmente para nós, a identificação encontra-se
já feita por Maria Aliete Galhoz, em “O Romance Vulgar ‘D. Aleixo’ na Tradição Algarvia: Análise de dois
testemunhos de Estácio da Veiga”, Revista Lusitana, n. s., nº 11 (1993), pp. 23-4.
809
Trata-se dos exemplos seguintes (depois do número de cada exemplo, fornecemos o título do
romance, o número do verso citado, e a cota do documento em que ele se encontra no manuscrito pertencente
ao Museu): nº 2 (Dom Joaquim, v. 15; 5 A / 29 c); nº 3 (id., v. 34; id.); nº 4 (id., v. 42; id.); nº 5 (Dona
Aldonça, v. 67; 5 A / 41r); nº 6 (Dona Branca, v. 65; 5 A / 49r); nº 7 (id., v. 66; id.); e nº 9 (A Donzella e o
Punhal, v. 66; 5 A / 61c). Dizemos que a transcrição de Vasconcelos coincide “quase perfeitamente” com o
que se lê no manuscrito do Museu porque, no exemplo nº 9, neste último manuscrito, o verso riscado não tem a
vírgula que Leite de Vasconcelos dá como estando presente no verso em causa do seu manuscrito. Pensamos,
246
Em dois casos, o texto transcrito por Leite de Vasconcelos não coincide com o que
se lê no manuscrito do Museu. Assim, em relação ao exemplo nº 1, o manuscrito do Museu
diz precisamente o oposto daquilo que Vasconcelos transcreve como estando no seu
manuscrito: “Ao romper da madrugada” é o riscado, e “Mal o sol vinha raiando” é o verso
de substituição. E, quanto ao exemplo nº 8, o verso de substituição, no manuscrito do
Museu, diz “É que és d’ outro enamorada”, em vez de “É que és de outro namorado”,
conforme Leite de Vasconcelos transcreve do seu manuscrito.
Poder-se-ia argumentar que estas duas diferenças, num total de nove exemplos,
seriam suficientes para provar a existência de dois manuscritos diferentes. Pensamos, no
entanto, que tais diferenças se podem explicar, respectivamente, como um deslize de
Vasconcelos e como uma gralha. De facto, no primeiro exemplo, a diferença da leitura
fornecida por Leite de Vasconcelos é, muito provavelmente, apenas fruto da má
interpretação que ele próprio fez do apontamento que, antes, tirara do manuscrito, e em que
não devia ter ficado claro qual o verso riscado e qual o acrescentado.
810
No segundo
exemplo, estamos, sem dúvida, em presença duma gralha: na verdade, conhecendo a atenção
obsessiva com que Estácio da Veiga vigiava a rima e a versificação em geral (facto a que,
mais à frente, nos voltaremos a referir), é perfeitamente impossível admitir que ele alguma
vez pudesse ter escrito (e menos ainda como emenda!) “de outro namorado” no final dum
verso cuja assonância não poderia ser em á-o mas sim em á-a (esta última é a rima do
romance em causa, A Donzella e o Punhal). A assonância desse verso teria de ser algo como
“d’ outro enamorada”, ou seja, a lição que está no manuscrito do Museu e, sem dúvida,
também estaria no manuscrito pertencente a Leite de Vasconcelos. Parece-nos, portanto, ser
de concluir que o manuscrito que serviu para a tipografia e se encontra hoje no Museu
Nacional de Arqueologia é, de facto, o mesmo que Leite de Vasconcelos obteve da família e
de que fala nos Ensaios Ethnographicos.
811
porém, que tal é um pormenor sem valor, que, por si só, não indica estarmos em presença de manuscritos
diferentes.
810
Note-se, além disso, que o verso que Vasconcelos diz estar riscado no seu manuscrito (“Mal o sol
vinha raiando”) não só é o adoptado no manuscrito do Museu —conforme dissemos—, mas também é o verso
adoptado na versão impressa no Romanceiro do Algarve (ver p. 55).
811
Corrija-se, portanto, aquilo que escrevemos há anos, quando, ao não nos termos apercebido da
identidade dos dois manuscritos, dizíamos sobre o manuscrito referido nos Ensaios Ethnographicos que o seu
“paradeiro se desconhece” (ver Contribuição para o Estudo do Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga à
Luz de Manuscritos Inéditos, trabalho de síntese elaborado no âmbito das provas de aptidão pedagógica e
capacidade científica, Faro, U. C. E. H., Universidade do Algarve, 1997, p. 36, n. 77, e “Os Manuscritos do
247
Resolvida, pensamos, a questão de como chegou ao Museu uma parte do espólio
romancístico de Veiga (mas não a de quando ele ali entrou), fica-nos ainda por tentar
descobrir esses dados em relação ao resto dos manuscritos, aliás a sua parte mais importante:
os originais das recolhas e as primeiras cópias, anteriores ao manuscrito preparado para a
tipografia.
Ora, precisamente no maço dos manuscritos enviados à tipografia, existe um
pequeno papel (escrito quase certamente por Leite de Vasconcelos)
seguintes dizeres: “compra 12. IV. 918”.
813
812
que contém os
A questão é, naturalmente, saber a que se refere
esta nota. Será que, na data ali indicada, o Museu (possivelmente através da pessoa do
próprio Leite de Vasconcelos) comprou à família de Estácio da Veiga o resto do manuscrito
que servira para a tipografia (recorde-se que, em 1891, Vasconcelos escrevia que tinha
apenas “parte de um manuscrito ou rascunho dos romances que constituírão o
Romanceiro”)? É possível tal interpretação, embora não seja fácil admitir que Vasconcelos
se tenha decidido a gastar dinheiro (que sempre falta num Museu...) para comprar um
manuscrito em que os romances —como ele se apercebera há muito— apresentavam um
estádio de transformação tal que tornava impossível usar o dito manuscrito para “recompôr o
texto original” deles. Além disso, como dissemos, o manuscrito existente no Museu está,
também ele, incompleto.
Será, então, que o papelinho em causa, embora actualmente junto com o maço dos
manuscritos que foram enviados à tipografia, se refere à aquisição de todo o resto do espólio
romancístico de Veiga, isto é, à compra não só da parte que faltava no manuscrito feito para
a impressão (se é que o manuscrito que Leite possuía em 1891 era ainda mais incompleto do
que o actualmente guardado no Museu), mas também à compra dos manuscritos originais e
das cópias (de facto, depois das várias mexidas que o espólio levou, como saber onde é que
o referido papelinho foi sido inicialmente colocado por Vasconcelos?).
De qualquer modo, a verdade é que, no mínimo, só em 1918 os preciosos
manuscritos originais e as primeiras cópias deram entrada no Museu. Assim se compreende
que, em 1915, Leite de Vasconcelos, na Historia do Museu Etnologico (designação inicial
Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga Existentes no Museu Nacional de Arqueologia”, O Arqueólogo
Português, IV série, 11/12 (1993/94) [saiu apenas em 1999], p. 159, n. 11. Nestes estudos, revelámos a
existência do espólio romancístico de Veiga e apresentámos uma primeira tentativa do seu inventário.
812
Identificação corroborada pela Doutora Maria Aliete Galhoz, cuja colaboração muito
agradecemos.
813
Cota: 5 A / 1r.
248
do Museu Nacional de Arqueologia), não mencione tais manuscritos. Isto embora se refira à
compra da colecção arqueológica de Estácio da Veiga —que forma parte importante do
núcleo antigo daquela instituição—, sublinhando que ela foi levada a cabo por si próprio,
tendo-lhe custado muitas e difíceis diligências.
814
No entanto, quer quando refere
resumidamente aquilo de que consta o referido espólio de objectos arqueológicos,
815
quer
quando dá a lista dos manuscritos existentes no arquivo do Museu (entre eles os “papeis
avulsos”),
816
nunca fala dos manuscritos do romanceiro de Veiga.
Mas, se tal silêncio de Leite de Vasconcelos é, em 1915, perfeitamente
compreensível, como explicar o mesmo silêncio muitos anos depois, em 1933? Nessa data,
no I vol. da Etnografia Portuguesa, ao apresentar um panorama das investigações sobre a
literatura oral do nosso país, Vasconcelos menciona, de passagem, “o amaneirado
Romanceiro, de Estacio da Veiga”,
817
— e dele nada mais diz. Ora, logo depois duma
qualificação como esta que Vasconcelos faz (com toda a razão) da obra de Veiga, pareceria
obrigatória uma referência aos manuscritos da colecção pertencente ao Museu, quer fosse
para mostrar, com provas palpáveis e indesmentíveis, o “amaneiramento” sofrido pelos
textos ao entrarem no Romanceiro do Algarve, quer fosse para sublinhar a sorte que os
estudiosos da literatura oral tinham pelo facto de se terem salvo os textos originais que
estavam na base daquela obra. E é óbvio que Leite de Vasconcelos —como mostra o que
escrevera logo em 1891— teria sido o primeiro a aperceber-se da importância de tais
manuscritos.
Será, então, que Vasconcelos tinha algum motivo para não referir a existência dos
manuscritos originais de Veiga? Será que, depositados no arquivo do Museu desde 1918, ele
próprio, em 1933, se tinha esquecido deles? Será que, pura e simplesmente, os manuscritos
adquiridos em 1918 constituíam, apenas, parte do manuscrito da tipografia, e que o resto do
espólio (a mais importante para o conhecimento da verdadeira letra da tradição) deu entrada
no Museu já depois de 1933? Não sabemos responder.
814
Ver J. Leite de Vasconcellos, Historia do Museu Etnologico Português (1893-1914), Lisboa,
Imprensa Nacional, 1915, p. 20. Sobre o trabalho que teve nessa aquisição, escreve: “Quasi me custou tanto a
reunir [a colecção arqueológica de Veiga] no Museu, como se eu proprio fizesse as excavações e as buscas que
ele fez. Ninguem imagina os passos que dei, as cartas que escrevi, as ralações que tive!” (op. cit., p. 308).
815
816
817
Ver op. cit., pp. 307-8.
Ver op. cit., pp. 271-5.
J. Leite de Vasconcellos, Etnografia Portuguesa. Tentame de sistematização, I, Lisboa, Imprensa
Nacional de Lisboa, 1933, p. 259.
249
A verdade é que o precioso espólio romancístico de Estácio da Veiga (e o resto do
seu espólio manuscrito, de tema fundamentalmente arqueológico, como dissemos)
permaneceu no arquivo do Museu Nacional de Arqueologia, embrulhado, esquecido, até
1975. Nesse ano, uma conservadora do Museu —por estranha coincidência, uma bisneta de
Veiga, Maria Luísa E. V. Silva Pereira— iniciou a reorganização do mencionado arquivo, de
modo a tornar consultável a numerosa documentação que ali se encontrava depositada a
monte. Para tal, procedeu, nomeadamente, à abertura de vários embrulhos, de cujo conteúdo
já não havia memória, e, entre eles, estavam os do espólio de Estácio da Veiga.
818
Esse
espólio foi, depois, acondicionado em caixas e agrupado do modo em que hoje se encontra.
A Doutora Maria Luísa Silva Pereira, porém, não se apercebeu —o que é
perfeitamente compreensível, dado ser arqueóloga de formação— da importância de que se
revestia a parte do espólio de Estácio da Veiga respeitante ao romanceiro. Por tal motivo,
essa parte do espólio continuou ignorada, embora, curiosamente, uma parte dos manuscritos
do romanceiro (cremos que o manuscrito preparado para a tipografia) tenha inclusive estado
patente ao público, numa vitrina, durante a exposição sobre Estácio da Veiga realizada no
Museu Nacional de Arqueologia, em 1978/79.
819
Pela nossa parte, o primeiro contacto que tivemos com a colecção de romances de
Veiga pertencente ao Museu deu-se em 1993.
820
Manuscritos Existentes em Casa da Família de Estácio da Veiga
Uma outra parte, muito mais pequena, dos manuscritos romancísticos de Estácio da
Veiga continua em posse da família, representada actualmente pela Doutora Maria Luísa E.
818
Ver Maria Luísa Veiga Silva Pereira,
“Relatório sobre o Arquivo do Museu Nacional de
Arqueologia e Etnologia”, O Arqueólogo Português, 3ª série, 7/9 (1974-1977), p. 18-20.
819
“O 1º Centenário da Carta Archeologica do Algarve. Estácio da Veiga — O Homem e a Obra”,
de 29/12/1978 a 28/2/1979 (ver Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, Estácio da Veiga[,] Cientista
Algarvio[,] Pioneiro da Arqueologia em Portugal, Lisboa, Casa do Algarve, 1984, p. 22).
820
Sobre as circunstâncias em que chegámos a esta descoberta, ver “Os Manuscritos do Romanceiro
do Algarve de Estácio da Veiga...”, cit., pp. 160-1.
250
V. Silva Pereira, de Lisboa.
821
Aí (juntamente com inúmeras poesias originais de Veiga
822
e
com os importantes manuscritos —atrás mencionados— do que deveria ter sido o
Cancioneiro do Algarve, mas que nunca chegou a ser publicado) estão vários manuscritos
(originais e cópias retocadas) de romances e de outros textos orais, de que se destacam os
823
referentes à construção do que veio a ser A Senhora dos Mártires.
Manuscritos Existentes na Faculdade de Letras de Lisboa
Finalmente, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, existe, como parte
do legado de Leite de Vasconcelos, um conjunto de manuscritos de Estácio da Veiga, cuja
existência foi revelada há alguns anos por Maria Aliete Galhoz.
824
Segundo esta investigadora, tal conjunto é “um elo já perto do apuramento final que
o Autor deu ao Romanceiro do Algarve; mais concretamente [...] [é] o penúltimo documento
global manuscrito”,
825
imediatamente anterior aos linguados que foram enviados à tipografia.
Informa ainda a autora que o manuscrito da Faculdade de Letras foi oferecido a Leite de
Vasconcelos pela família de Veiga, conforme inscrição feita “no verso da capinha de
guarda”.
826
Actualmente, aquele manuscrito encontra-se nas instalações do Centro de Estudos
Geográficos, da referida Faculdade, integrado num conjunto de documentos legados por
Leite de Vasconcelos cuja consulta, segundo informação que obtivemos, não é por enquanto
possível.
821
822
A quem muito agradecemos as facilidades concedidas para a consulta e a cópia dos manuscritos.
Sobre os manuscritos com poemas originais de Estácio da Veiga, ver Apêndice nº 1. Para mais
dados sobre a obra poética do autor, ver J. J. Dias Marques, “Veiga, Sebastião Filipes Martins Estácio da”, in
Álvaro Manuel Machado (org.), Dicionário de Literatura Portuguesa, Lisboa, Editorial Presença, 1996, pp.
489-490.
823
Na catalogação (de nossa responsabilidade) desta parte dos manuscritos de Veiga, atribuímos a
cada um deles uma cota, sempre iniciada por um F (de “Família”), seguido por um número de ordem — por
exemplo: F / 11 (que designa um texto de A Senhora dos Mártires).
824
825
826
Ver “O Romance Vulgar ‘D. Aleixo’ na Tradição Algarvia...”, cit.
Art. cit., p. 22.
Loc. cit.
251
Embora o estádio do processo editorial que os textos do manuscrito em causa
ocupam os torne, em princípio, desnecessários —já que, quase sempre, há, no Museu ou em
casa da família, a cópia imediatamente anterior à contida neste manuscrito e, também, aquela
que lhe sucede—, a verdade é que, nalguns casos, o manuscrito da Faculdade de Letras pode
revelar-se muito importante, pelo menos em um. De facto, como à frente diremos, o único
texto de Branca Flor e Filomena existente no Museu Nacional de Arqueologia pertence ao
conjunto de linguados destinado à tipografia, e o seu texto (com excepção de pequenos
riscados, emendados nas entrelinhas) corresponde ao que foi publicado no Romanceiro do
Algarve. Se no manuscrito da Faculdade de Letras existir uma versão de tal romance, ela,
por muito retocada que esteja, será sempre anterior ao texto do Museu, e, portanto,
indispensável para o estudo do romance em questão.
Inventário da Colecção
Fornecemos, seguidamente, a lista dos temas (romancísticos e não romancísticos)
presentes nos manuscritos de Estácio da Veiga. Apresentamos esses temas divididos em dois
grupos: por um lado, aqueles de que, no espólio, existem versões verdadeiramente recolhidas
da tradição oral;
827
por outro lado, os temas cujas versões não foram (ou parece não terem
sido) recolhidas da tradição oral.
Para a arrumação dos temas num ou noutro desses grupos, baseámo-nos em três
parâmetros, que combinámos entre si, quando possível: a atestação (ou não) da existência
desses temas na tradição oral (através de versões recolhidas por colectores fidedignos); o
estilo tradicional (ou não) da linguagem das versões; e as características do documento em
que os textos estão escritos.
Quanto à última destas características, tenha-se presente que as versões dos
romances que apresentam um estilo tradicional foram anotadas, quase todas elas, no que
827
Dizemos “versões recolhidas da tradição oral” e não “versões tradicionais” porque algumas delas,
não obstante recolhidas da oralidade, não se encontravam ainda tradicionalizadas. É o caso, nomeadamente, de
Santo António e a Princesa, canção narrativa obtida na cidade de Tavira, que está escrita com péssima
ortografia, o que mostra que sem dúvida foi recolhida da oralidade e oferecida pelo colector (talvez o próprio
informante, alguém provavelmente de origem popular, como mostra a letra muito tosca e o papel de má
qualidade) a Estácio da Veiga. Porém, o seu texto repete, com excepções mínimas, um texto escrito
seiscentista, como no lugar próprio dizemos.
252
parecem papéis escritos no momento da recolha, por vezes finos e de pouca qualidade,
cortados em linguados ou dobrados ao meio, de modo a formar dois linguados. Tais versões,
em geral, estão escritas com caligrafia apressada, muitas vezes a lápis, várias vezes por mãos
diferentes da de Estácio da Veiga, e frequentemente possuem indicação da localidade em
que foram recolhidas e mesmo dados sobre o informante. Muitas vezes, o texto não possui
sinais de pontuação nem os travessões indicativos das falas das personagens. Como veremos
pelo inventário seguinte, dessas versões há, bastantes vezes, uma ou mais cópias retocadas
(que designamos por “textos ‘criativos’”, tendo em atenção que, neles, a versão tradicional
foi objecto da “criatividade” do editor), por vezes pouco, outras vezes muito ou até
muitíssimo. Pelo inventário, ver-se-á, além disso, que os romances que possuem um estilo
tradicional estão, muitas vezes, presentes no espólio em duas ou mais versões diferentes.
Sublinhe-se que de mais de metade destes temas (28 num total de 50) não foi publicada
qualquer versão no Romanceiro do Algarve, facto que não custa a compreender, já que se
trata de textos que “vieram à rede”, tendo Estácio da Veiga —ao decidir fazer um
romanceiro de reduzida extensão (ou ao ser obrigado a tal, face à dificuldade que teve para
editar a obra, como vimos)— escolhido os temas que, por qualquer motivo, mais lhe
agradaram.
828
Quanto aos romances que consideramos não serem tradicionais, as suas versões,
geralmente anotadas em folhas grandes, muitas vezes azuis, de bom papel, escritas a tinta,
com caligrafia mais ou menos cuidada, sempre da mão de Estácio de Veiga, parecem já
passagem a limpo de algo anterior, que aqui surge muito retocado, com estilo pouco (ou
mesmo nada) tradicional. Não têm indicação do nome do informante ou do local de recolha.
De todos esses textos há cópia (ou cópias sucessivamente mais) retocada(s). Nenhum deles
ficou inédito, tendo sido todos publicados no Romanceiro do Algarve (e, três deles, aliás,
828
Não conseguimos encontrar um motivo (além do gosto pessoal, claro) para a selecção de temas
feita por Veiga. Inicialmente, como atrás vimos, pareceria que a sua decisão era a de publicar apenas romances
que não tivessem sido incluídos no Romanceiro de Garrett: “Passados alguns annos [depois da morte do
Visconde] occorreu-me investigar, até onde chegasse o meu alcance, o que, além dos romances populares já
publicados, alli [no Algarve] haveria de mais notavel e digno de compilar-se” (Romanceiro do Algarve, p.
xxxi). Mas a verdade é que as coisas se não passaram assim, e no seu livro Veiga incluiu alguns romances que
estavam já na colecção de Garrett, tendo, pelo contrário, deixado de fora outros que naquela faltavam.
253
mesmo antes),
829
coincidência que não surpreende, uma vez que foi exactamente para saírem
impressos que Veiga os escreveu.
Tenha-se presente que quando designamos por “textos ‘criativos’” aqueles que,
pertencem aos romances não tradicionais, usamos o termo “criativos” num sentido muito
mais radical do que quando falamos dos “textos ‘criativos’” do grupo de temas tradicionais.
Neste último grupo, os “textos ‘criativos’” são, como dissemos, apenas textos retocados (é
verdade que, por vezes, muitíssimo), de versões que, de facto, existiram na tradição; no
outro grupo, pelo contrário, os “textos ‘criativos’” são textos totalmente criativos, ou seja,
textos que nunca existiram (ou, pelo menos, parece nunca terem existido) na tradição oral do
Algarve, sendo da autoria de Estácio da Veiga.
Vejamos, então, o conteúdo do espólio de Veiga, tendo em conta quer a parte
existente no Museu Nacional de Arqueologia, quer a parte que permanece na posse da
família.
830
Textos Recolhidos da Tradição Oral
829
831
A Serrana Fiel foi publicada primeiro no artigo “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro,
7/5/1858, pp. 1-2; A Moura Encantada de Tavira saiu no artigo “Cantos Populares do Algarve. Recordações”,
A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2, tendo sido republicada, pelos menos, duas vezes, antes de entrar no Romanceiro
do Algarve; e A Senhora dos Mártires Salva um Cativo começou por sair no artigo com o título “A Vigilia e a
Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim”, A Nação, 18/8/1860, pp. 1-2, tendo voltado a ser impressa
pelo menos duas vezes antes de 1870.
830
Como dissemos, a grande maioria dos textos pertence ao Museu Nacional de Arqueologia; por
isso, quando, em nota de rodapé, nada dizemos sobre a localização dum texto concreto, deve entender-se que
ele se encontra naquela instituição.
831
Designamos os temas pelo (ou por um dos) título(s) habitualmente usado(s) pela crítica actual.
No caso dos romances existentes só no Romanceiro do Algarve, em geral criámos um título, que, tanto quanto
possível, indicasse claramente de que tema se tratava. Não tivemos em conta as contaminações de pouca
extensão. Depois do título do romance (ou da canção narrativa ou lírica), indicamos, entre parênteses, o seu
número identificativo segundo o catálogo de Manuel da Costa Fontes (O Romanceiro Português e Brasileiro:
Índice temático e bibliográfico, cit., I). Caso ele aí falte, fornecemos o número segundo o Índice general del
romancero hispánico. Quando o tema também não existe no IGRH (caso dos textos não romancísticos), para
que o leitor tenha a certeza de qual o texto-tipo a que nos estamos a referir, indicamos uma obra em que esteja
publicada uma sua versão.
254
Romances
Aliarda (R1) + Conde Claros Frade (B4)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Aposta Ganha (T2) + Aliarda (R1) + Conde Claros Frade (B4)
Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas.
Batalha de Lepanto (C7)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 4. O último foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dom
Joaquim).
Bernal Francês (M5) + Aparição (J2)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Branca Flor e Filomena (F1)
Versões tradicionais: faltam.
832
Textos “criativos”: 1. Foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dona Branca).
832
Deste romance, o texto mais antigo (já muito afastado do estilo oral) existente no espólio é o
incluído no conjunto de manuscritos que serviu para a tipografia. Porém, há prova de que na colecção de
Estácio da Veiga houve uma versão tradicional, recolhida em Olhão, por João Lúcio Pereira, que este remeteu a
Veiga, com uma carta, em 16/11/1856. De facto, nessa carta (guardada no espólio, com a cota 7 / 1), Pereira
explica que junto remete “as rhapsodias que me tem sido possivel coligir” e, por uma anotação da letra de
Estácio da Veiga existente no fim, ficamos a saber que com tal carta, além de outros dois textos, “veiu o
romance de D. Branca”. Ora Dona Branca é, precisamente, o título que a Branca Flor e Filomena tem no
Romanceiro do Algarve. Não deve pôr-se de lado, obviamente, a possibilidade de que, na referida anotação,
Veiga se tenha limitado a designar o texto pelo nome que ele tinha na versão olhanense, e que essa versão não
pertencesse ao romance a que, no seu romanceiro, ele deu o título de Dona Branca. De qualquer modo, se
existir uma versão de Branca Flor e Filomena no manuscrito da Faculdade de Letras de que atrás falámos, este
é um caso em que o referido manuscrito, por ser o mais antigo testemunho conservado, se reveste de especial
importância.
255
Cativa Libertada pelo Pai (H12)
833
833
Este romance parece consistir na tradicionalização dum romance vulgar, o qual enversaria a
história contada na “patraña” nº 11 do Patrañuelo de Timoneda. Esse romance vulgar estaria, além disso,
inspirado também num outro romance (da autoria do próprio Timoneda), incluído numa cena da referida
“patraña”, no qual a protagonista canta a história da sua triste vida. O enredo das três versões orais (todas
algarvias) conhecidas contém vários pormenores que não existem no romance de Timoneda mas que estão na
“patraña” propriamente dita, na sua parte em prosa, o que mostra não terem sido inventados pela tradição oral
portuguesa. As versões orais pressupõem, portanto, a existência do referido romance vulgar, talvez em
espanhol (hoje perdido ou, pelo menos, desconhecido), posterior a Timoneda, romance do qual os textos
recolhidos no Algarve seriam versões (em português).
Não podendo, neste lugar, apresentar na sua totalidade os factos em que baseamos as nossas
afirmações, limitamo-nos a transcrever alguns versos do início da versão algarvia (tal como surge em 5/C 21, o
testemunho mais antigo que dela se inclui no espólio de Veiga; o texto publicado no Romanceiro do Algarve
foi bastante retocado) e as passagens que a esses versos correspondem ou no romance de Timoneda ou na parte
em prosa da “patraña” (citamos por Joan Timoneda, El patrañuelo, org. de José Romera Castillo, 2ª ed.,
corregida y aumentada, Madrid, Cátedra, 1986; a “patraña” nº 11 está nas pp. 193-230, e o romance, nas pp.
222-4):
Espólio de Estácio da Veiga
Timoneda
Eu na terra fui gerada
2
Nas ondas do mar nascida
En la tierra fui engendrada
2
De meu triste nascimento
4
Mi madre foi fallecida
[...]
Ao cabo de sete annos
12 Mi ama foi fallecida
Eu tomei por devoção
14 Á cova resar-lhe-ia
de dentro de la mar nascida,
y en mi triste nascimiento
4
mi madre fue fallescida.
[...]
el ama que me criara
20 murió, dejóme afligida;
No romance, falta este pormenor, mas na parte em prosa da “patraña”
diz-se que a ama
“fue enterrada [...] en un rico sepulcro, [...] de Politanea
[a órfão, futura cativa] con mil ofrendas y
sacrificios de cadal día visitado” (p. 214)
256
A filha do senador
21 y Dionisia, la mujer
22 de Heliato, combatida
(No romance de Timoneda nunca se diz que Heliato era
senador; tal informação é dada apenas na parte em prosa
da “patraña” — p. ex., p. 213)
16 Oh de raiva que me tinha
de envidia de verme hermosa
24 mas que su hija querida,
Promettia a um preto
18 A carta de alforria
concertó con un esclavo
26 que diese fin a mi vida
Para me deitar da ponte abaixo No romance, só se dão estes pormenores sobre o plano do crime, nada
20 Quando eu resar-lhe-ia
se dizendo sobre a modalidade que ele devia revestir nem sobre a paga
do escravo. Mas na parte em prosa da “patraña” há muito mais
pormenores, que correspondem aos do texto algarvio:
“Dionisia [...] tomó un esclavo que tenía [...] diciéndole:
— Mira, sí tú, cuando fueras con Politania al sepulcro de su ama,
al pasar de la puente le dieres tal empujón que caya en el río,
y fenescan allí sus días, yo te doy fe y palabra de hacerte que seas
franco” (p. 214)
Bem recentemente, detectámos a existência duma versão deste romance, há muito publicada. Está
incluída no conto “Maria Extravandia”, recolhido por F. Xavier Ataíde Oliveira (Contos Tradicionais do
Algarve, I, prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa, Lisboa, Vega, s/ d., pp. 122-6). O achamento deste
conto veio complicar a questão, uma vez que ele consiste num resumo de toda a “patraña” nº 11, incluindo, a
meio, a versão do romance, cantada pela heroína, tal como acontece em Timoneda. Porém, o conto recolhido
por Ataíde Oliveira não pode derivar directamente da “patraña” de Timoneda, pois a versão, que nesse conto se
inclui, do romance Cativa Libertada pelo Pai é semelhante à que existe no espólio de Estácio da Veiga, e,
portanto, não consiste simplesmente numa tradicionalização do romance incluído por Timoneda na sua
“patraña”. Deste modo, o conto de Ataíde Oliveira parece mostrar que existiu um conto que, embora
claramente derivado da “patraña” de Timoneda, apresentava o texto dum modo diferente, pelo menos no que
diz respeito à letra do romance cantado pela heroína. É possível que esse conto tenha corrido em folheto de
cordel, possivelmente espanhol, como pareceriam mostrar os castelhanismos “Mi madre” (v. 4), “Mi ama” (v.
12) e “foi fallecida” (vv. 4 e 12), talvez mesmo “tomei por devoção” (v. 13). É um facto que nas restantes
versões algarvias se não encontram castelhanismos (pelo menos tão visíveis como estes), mas tal pode dever-se
à rodagem do texto na tradição portuguesa.
Além das versões recolhidas por Estácio da Veiga e Ataíde Oliveira, recentemente surgiu outra
versão algarvia, apenas do romance. Essa versão (recolhida em Quarteira, em 1999, por Idália Farinho
Custódio) apresenta um texto que, embora se pareça com o incluído no conto de Ataíde Oliveira (com o qual
partilha vários versos e também o nome da heroína: Maria de Extravandia), não deriva dele nem do de Estácio
257
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 2. O último foi publicado no Romanceiro do Algarve (A
Captiva).
834
Cativo do Renegado (H3) + Cativo Firme na Fé (IGRH 0317)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 4. O último foi publicado no Romanceiro do Algarve (O
Captivo).
Cid e Búcar (A14)
Versões tradicionais: faltam.
835
Textos “criativos”: 2. O último foi publicado no Romanceiro do Algarve (O
Cavalleiro da Silva).
Claralinda (M1)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Conde Alarcos (L1)
Versões tradicionais: 5. Encontram-se inéditas.
Conde Claros e a Princesa Acusada (B2) + Conde Claros Frade (B4)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Conde Claros Insone (B3) + Conde Claros e a Princesa Acusada (B2)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
Conde da Alemanha (M9)
da Veiga, subentendendo um arquétipo comum aos três. Muito agradecemos a Maria Aliete Galhoz o
conhecimento desta versão de Quarteira, que será publicada brevemente numa colectânea de romances
organizada por Idália F. Custódio.
834
Este romance não consta no catálogo de Fontes; o número que acima fornecemos é o que lhe
corresponde no Índice general del romancero hispánico, o qual é fornecido pelo catálogo de Flor Salazar (El
romancero vulgar y nuevo, preparado en el Centro de Estudios Históricos Menéndez Pidal, con la guía y
concurso de Diego Catalán, por..., Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal / Seminario Menéndez Pidal,
Universidad Complutense, 1999), onde se pode ler um texto exemplificativo (nº 197). Por este catálogo, parece
que tal romance (de assonância em á-o, enquanto a do Cativo do Renegado é em é-a) existe apenas na tradição
portuguesa e como contaminação em versões do Cativo do Renegado.
835
O texto mais antigo que deste romance existe no espólio não é, de modo algum, produto directo
duma recolha na tradição, encontrando-se já bastante próximo do que foi impresso e é extremamente suspeito.
Porém, vários indícios a que mais à frente aludiremos provam, segundo pensamos, que Veiga possuiu, de facto,
uma versão tradicional deste romance.
258
Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
Conde Ninho (J1)
Versões tradicionais: 3.
836
Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Foi publicado no Romanceiro do Algarve (Dom Diniz).
Delgadinha (P2)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Devota da Ermida (L6)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 2.
837
O último deles é antecedente próximo
838
do publicado
no Romanceiro do Algarve (Santa Cecilia).
D. Aleixo (V2) + Testamento do Apaixonado (K5)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 4. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(Dom Aleixo).
Donzela Guerreira (X5)
Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas.
Falso Cego (O3),
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
A Fonte das Almas (U65)
Versões tradicionais: faltam.
839
Textos “criativos”: 1. É antecedente próximo
840
do que foi publicado no
Romanceiro do Algarve (A Fonte das Almas).
836
Duas destas versões são parecidíssimas, apresentando variantes mínimas. Estando escritas pela
mesma mão (a qual é diferente da de Veiga), provavelmente são produto de duas recitações da mesma versão,
recolhidas pelo mesmo colector.
837
838
Um destes textos pertence à parte do espólio que é propriedade da família de Estácio da Veiga.
Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve,
deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia.
839
Embora o texto mais antigo que deste romance existe no espólio esteja já muitíssimo
transformado, encontrando-se num estádio próximo do que foi publicado no Romanceiro do Algarve, não há
dúvida de que não se trata de invenção de Veiga. Ver, mais à frente, o subcapítulo que dedicamos ao assunto.
840
Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve,
deste texto não existe cópia no conjunto de manuscritos que foi para a tipografia.
259
Fonte Fecundante (R4) + Infanta Parida (R2) + Conde Claros Frade (B4) +
Gerinaldo (Q1)
Versões tradicionais: 4.
841
Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(Dona Aldonça).
Frei João (M2)
Versões tradicionais: 4. Encontram-se inéditas.
Gerinaldo (Q1)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
Infantina (X2) + Cavaleiro Enganado (T1) + D. Boso e a Irmã Cativa (H2)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 5. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(Almendo).
Irmãs Rainha e Cativa (H1)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Má Sogra (L3)
Versões tradicionais: 6. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
Morte do Príncipe D. João (C5)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
Morte do Príncipe D. João (C5) + Testamento de Fernando I (A7) + Queixas de D.
Urraca (A8) + Afuera, afuera, Rodrigo (A10)
Versões tradicionais: 1. Encontrava-se inédita.
842
Textos “criativos”: 4. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(Dom Rodrigo).
841
Uma das versões não inclui a contaminação de Gerinaldo e uma outra, fragmentária, consta
apenas do tema da Infanta Parida.
842
Dizemos “encontrava-se” uma vez que foi recentemente publicada por nós em três ocasiões:
Contribuição para o Estudo do Romanceiro do Algarve..., cit., pp. 52-6; “Os Manuscritos do Romanceiro do
Algarve ...”, cit., pp. 166-8; e “Subsídios para o Estudo do Método Editorial de Estácio da Veiga no
Romanceiro do Algarve” in Gabriela Funk (org.), Actas do 1º Encontro sobre Cultura Popular, Ponta Delgada,
Universidade dos Açores, 1999, pp. 274-6.
260
Nau Catrineta (X1) + Batalha de Lepanto (C7)
Versões tradicionais: 2.
843
Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Foi publicado no Romanceiro do Algarve (A Nau
Cathrineta).
Novas da Crucificação Chegam a Nossa Senhora (?)(U16) + O Rasto Divino
844
(?)(U17) + Queixas de Maria Madalena (?)(U18)
Versões tradicionais: faltam.
845
Textos “criativos”: 1. É antecedente próximo
846
do que foi publicado no
Romanceiro do Algarve (A Senhora das Angustias).
O Pássaro Verde (K7)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(A Donzella e o Punhal).
Princesa Peregrina (K1) + Conde Ninho (J1)
Versões tradicionais: 4.
843
844
847
Encontram-se inéditas.
Só uma delas tem a contaminação da Batalha de Lepanto.
É muito difícil classificar o presente texto, uma vez que dele, no espólio, não existem as versões
originais, e Estácio da Veiga, na sua obsessão muito peculiar pela versificação perfeita, o transformou num
romance de assonância única, em á-a. Ora a assonância, como se sabe, é, pelo menos no presente estádio da
espinhosa classificação do romanceiro religioso, uma característica fundamental para identificar os romances e
para distinguir temas cuja história é muito parecida. Portanto, podemos apenas dizer que a história contada no
texto publicado por Veiga nos parece ser constituída pela sucessão dos três romances que acima enunciamos (e
que, na tradição, têm assonâncias diferentes).
845
Embora o único testemunho que deste romance existe no espólio não seja um original de recolha
(como mostram as suas características materiais, sobretudo o facto de estar escrito a tinta, repousadamente, e de
possuir toda a pontuação), a verdade é que o texto que contém é, do ponto de vista estilístico, claramente
tradicional. De notar, contudo, que, ao longo de todo o poema (nas entrelinhas) e também no seu final, o texto
apresenta já várias emendas, início da transformação que o romance sem dúvida sofreu no texto “criativo”
subsequente, hoje perdido, reflectidas no texto publicado, de estilo menos tradicional. Note-se, porém, que a
Senhora das Angustias talvez seja, no Romanceiro do Algarve, o romance menos retocado.
846
Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve,
deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o
livro.
847
Só duas das versões incluem a contaminação do Conde Ninho.
261
Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(D. Manoel).
Princesa Peregrina (K1) + Testamento do Apaixonado (K5)
Versões tradicionais: faltam.
848
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(A Enganada).
Regresso do Marido (I1)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
Regresso do Navegante (I9)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(A Noiva Arraiana).
Santa Iria (U32)
Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: faltam.
849
Existe um texto publicado no Romanceiro do
Algarve (Santa Iria).
848
O texto mais antigo que deste romance existe no espólio está já bastante próximo do que foi
publicado e é, sem dúvida, fruto de grande transformação editorial. É possível que, pelo menos em parte, tal
trabalho “criativo” seja fruto da actuação da pessoa que enviou a Veiga o texto inicial. Na verdade, no referido
manuscrito mais antigo (do punho de Estácio da Veiga), existe, no final, a indicação: “Pelo Ill.mo S.r João de
Mello Pereira” (5 C / 34v). E, no prólogo com que o romance foi publicado, dão-se pormenores sobre o
colector: “O conhecimento deste bello romance devo eu ao meu particular amigo e patricio o sr. João de Mello
Pereira, cavalheiro muito distincto da minha terra, que de certo é verdadeiro apreciador destas antigualhas,
porque teve educação litteraria, e porque ama a poesia, que em outro tempo cultivou com esmerado zelo”
(Romanceiro do Algarve, p. 129). É muito possível, portanto, que uma pessoa assim, ainda que poeta
“aposentado”, não tenha resistido a “melhorar” o texto recolhido da boca do povo. Sublinhe-se, contudo, que o
texto publicado tem, sem dúvida, uma origem tradicional, pois, além de ser, claro, uma versão da Princesa
Peregrina, romance que, como é sabido, existe na tradição portuguesa, se distancia muito do único texto que,
então, existia publicado (e que poderia ter sido, além da oralidade, a sua única fonte): a versão de Garrett, no II
vol. do Romanceiro. Além disso, a contaminação do Testamento do Apaixonado, no final da versão, é mais um
indício da tradicionalidade do texto, muito ocultada, verdade seja, pelo método editorial criativo a que este foi
submetido.
849
Deste romance não existe qualquer texto “criativo” no espólio, faltando inclusive no maço de
linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o Romanceiro do Algarve. No entanto,
subentende-se a existência de, pelo menos, um texto “criativo” antes do que está publicado no livro, dado que a
262
Sentença Modificada por Milagre (U66)
850
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. É antecedente próximo
851
do que foi publicado no
Romanceiro do Algarve (A Senhora da Orada).
A Senhora da Piedade Salva uma sua Devota de ser Violada (U67)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
852
Textos “criativos”: 2. O último deles é antecedente próximo
do que foi
publicado no Romanceiro do Algarve (A Senhora da Piedade).
Silvana (P1) + Delgadinha (P2)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
versão aí incluída é formada por versos extraídos das três versões tradicionais existentes no espólio, retocados,
e entremeados com outros versos inventados (sem dúvida, por Veiga).
850
Embora na maioria das versões que deste romance conhecemos o milagre seja atribuído (tal como
na versão recolhida por Veiga) a Nossa Senhora da Orada (por vezes em colaboração com o Bom Jesus da
Pedra), não encontrámos referência ao presente milagre em três obras onde se apresentam vários efectuados
pela citada Virgem: ver Fr. Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, e Historia das Imagens Milagrosas
de N. Senhora, e das milagrosamente Apparecidas [...], VI, Lisboa, na Officina de Pedrozo Galram, 1718, pp.
433-6; P.e José M. Semedo Azevedo, Nossa Senhora da Orada. Seu culto na História de Portugal, s/ l., s/ Ed.,
1956; e J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas coligidos por..., coordenação de Alda da Silva
Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, II, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1966, pp. 509-12.
Note-se que, embora o templo mais conhecido dedicado à Senhora da Orada seja em Melgaço,
Semedo Azevedo refere 14 igrejas ou ermidas portuguesas daquela invocação, uma delas a ermida situada
perto de Albufeira, da qual, como se imaginará, Estácio da Veiga não perde ocasião de falar (Romanceiro do
Algarve, pp. 188-9), a ela ligando, tacitamente, a criação do romance em causa.
851
Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve,
deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o
livro.
852
Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve,
deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o
livro.
263
Textos não romancísticos
853
Confissão de Nossa Senhora (U53)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Deus te Salve, Rosa (T3)
Versões tradicionais: 2. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
Entre Canas e Canais
854
Versões tradicionais: 3. Encontram-se inéditas.
Textos “criativos”: 1. Encontra-se inédito.
A Marquesinha de Loulé
853
855
Deixamos de lado as quadras líricas soltas existentes no Museu Nacional de Arqueologia (um
total de 10) e, sobretudo, na parte do espólio que continua na posse da família de Veiga (aí são cerca de 600,
como dissemos a seu tempo). Nesta última parte do espólio, contêm-se igualmente algumas orações.
Excluímos ainda do inventário uma cópia de O Acalentar da Neta, balada de ambiente medieval, de
António Feliciano de Castilho, remetida a Estácio da Veiga por João Lúcio Pereira (Olhão), como se fosse
proveniente da oralidade, mas que não apresenta qualquer vestígio de tradicionalização. Ao texto, Veiga apôs,
aliás, a seguinte nota: “É este romance composição de A. F. de Castilho, e por isso não pode ir na collecção dos
do Algarve” (5 B / 3 d).
854
Despique não compreendido nos catálogos atrás indicados. Versões suas podem ler-se, por
exemplo, em Manuel da Costa Fontes, Romanceiro Português do Canadá, Coimbra, Por Ordem da
Universidade, 1979, nºs 299-301.
855
Texto culto ou semiculto, lírico, em que se dão conselhos a uma jovem sobre como se há-de
comportar em sociedade, do ponto de vista amoroso. Um dos conselhos é que não tenha um amante, mas sim
vários. Não é impossível que o texto aluda à infanta D. Ana de Jesus Maria, que foi marquesa de Loulé (pelo
seu casamento com o 2º marquês deste título, depois 1º duque, Nuno de Moura Barreto), e de cuja conduta
dissoluta muito se falou na época. De notar que o 2º marquês de Loulé sempre despertou os ódios miguelistas,
uma vez que, embora originário duma das mais aristocráticas famílias do reino (possuía também o velho título
de conde de Vale de Reis) e tendo sido ajudante de D. Miguel (com quem participou no golpe absolutista da
Vilafrancada), acabou por se pôr ao lado de D. Pedro, fazendo nesse partido toda a guerra civil. Para mais,
depois de esta acabar, juntou-se ao grupo mais radical dos liberais, tendo sido setembrista e inclusive um dos
chefes da Patuleia. Foi presidente do conselho por várias vezes, nomeadamente entre 1856 e 1859, ou seja, na
época em que a colecção de Estácio da Veiga foi formada [sobre o duque de Loulé, ver, por exemplo, A[lberto]
M[artins] de C[arvalho], in Joel Serrão (director), Dicionário de História de Portugal, IV, Porto, Livraria
Figueirinhas, 1989, p. 61, e José Mattoso (director), História de Portugal, V: O Liberalismo, [Lisboa],
Editorial Estampa, 1993, pp. 115, 123-4 e 127-8]. Ora, como dissemos, Estácio da Veiga era miguelista, e
264
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Na Escola de Cupido
856
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(Os Dois Amantes).
Príncipe que Enganou uma Pastora é Obrigado a Casar com Ela
857
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Santo António e a Princesa (U35)
858
provavelmente também o seriam alguns dos seus amigos, entre eles o colector da Marquesinha de Loulé (o
presente texto está escrito por uma mão diferente da de Veiga, com uma caligrafia de pessoa instruída).
856
Embora o texto publicado por Veiga seja versificatoriamente um romance, a verdade é que essa
forma foi conseguida através das profundas transformações a que o editor submeteu o texto, pois o original
existente no espólio é (tal como as restantes versões que do tema se conhecem) em quadras de tipo tradicional.
Trata-se dum diálogo engenhoso (despique) entre rapaz e rapariga, de que se podem ler versões, por exemplo,
em Fontes, Romanceiro Português do Canadá, cit., nºs 325-6.
857
Parece fragmento duma peça de teatro em verso. Versões suas, parcialmente versificadas (vários
dos seus versos são comuns ao fragmento de Veiga), encontram-se em Teófilo Braga, “O Conde Soldadinho”,
Contos Tradicionais do Povo Português, I, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1987, pp. 108-9 (é versão
algarvia), e em Ataíde Oliveira, “A Pastorinha”, Contos Tradicionais do Algarve, cit., I, pp. 229-230.
858
O texto publicado por Veiga é versificatoriamente um romance, mas tal é produto da grande
“criatividade” do editor, pois o original existente no espólio é em quintilhas de heptassílabos.
Embora o testemunho original esteja escrito com uma péssima ortografia, facto que, só por si, mostra
ter sido recolhido da oralidade, provavelmente pelo próprio informante, e oferecido pelo colector a Estácio da
Veiga, a verdade é que essa versão constitui apenas o estádio inicial da tradicionalização dum texto escrito. De
facto, reproduz, com diferenças mínimas, um poema da autoria de Francisco Lopes, Sancto Antonio de Lisboa:
Primeira e Segunda Parte, do seu Nascimento, Creação, Vida, Morte e Milagres, Lisboa, Por Pedro Crasbeeck,
1610, canto V, estrofes 1428-1440, fóls. 184v-186r (o exemplar que desta obra existe na Biblioteca Nacional
não possui frontispício; extraímos do cólofon o nome do autor, do editor, o local e a data; o título citamo-lo tal
como aparece em Innocencio Francisco da Silva, Diccionario Bibliographico cit., II, p. 419). Este texto pode
consultar-se mais facilmente em Theophilo Braga, Romanceiro Geral Portuguez, 2ª ed., III, Lisboa, J. A.
Rodrigues & Cª.—Editores, 1909, pp. 157-159. Braga transcreveu-o da 2ª ed. da obra de Lopes (mesmo editor,
1620), que, em relação à 1ª, apresenta apenas duas variantes lexicais e algumas, pequenas, de ortografia e
pontuação. De notar que, na transcrição de Braga, não foi respeitada a divisão em quintilhas que o texto
apresenta no original.
Além da de Estácio da Veiga, a única versão que conhecemos de Santo António e a Princesa é a
publicada por Braga, Cantos Populares do Archipelago Açoriano, cit., nº 72, a qual, embora meio
tradicionalizada (bastante mais que a algarvia), mostra ainda claramente derivar do texto de António Lopes.
Esclareça-se que não é versão do presente poema o Santo Antônio e a Princesa, canção narrativa brasileira de
265
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 2. O último deles é antecedente próximo
859
do publicado no
Romanceiro do Algarve (Santo Antonio e a Princeza).
Santo António Salva o Pai da Forca (U34)
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Vida de Frade (X21)
Textos “criativos”: 1.
860
Encontra-se inédito.
Vida de Freira (X20)
Textos “criativos”: 1.
861
Encontra-se inédito.
que Antônio Lopes (Presença do Romanceiro. Versões maranhenses, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1967, nº 22) publicou um texto proveniente da oralidade. Ao contrário do que diz Lopes (ver p. 187), esse
texto, embora partilhe a história contada na versão de Estácio da Veiga (e, acrescentemos nós, no texto
seiscentista), não deriva deste, como prova o facto de não terem em comum um único verso. Arrastado pelo
título dado por Antônio Lopes ao seu texto (e, possivelmente, também pela citada afirmação deste autor), Costa
Fontes inclui essa versão brasileira na bibliografia do nº U35 (i. e., o poema derivado do Santo António e a
Princesa do António Lopes seiscentista) do seu catálogo.
859
Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve,
deste texto não existe cópia no manuscrito da tipografia.
860
Embora o único testemunho do Soláo do Frade (assim o designa Veiga) que existe no espólio de
modo algum tenha aparência de ser um original de recolha, nem tenha indicação de nome de informante ou de
outra índole que autentifique o texto, a verdade é que o seu estilo está perfeitamente de acordo com outras
versões que conhecemos deste poema semitradicional. Note-se que o presente texto se encontra na parte do
espólio que pertence à família de Estácio da Veiga.
861
Embora o único testemunho que deste “soláo” existe no espólio de modo algum tenha aparência
de ser um original de recolha, nem tenha indicação de nome de informante ou de outra índole que o
autentifique, a verdade é que o seu estilo está perfeitamente de acordo com outras versões que conhecemos
deste poema semitradicional.
Deve ter estado prevista a publicação deste texto num jornal. De facto, está acompanhado por um
prólogo e, no fim, encontra-se datado e assinado: “Lisboa—1859—Julho—13 / S. P. M. Estacio da Veiga”. As
mesmas indicações finais se encontram no texto da Senhora dos Mártires existente no espólio e que saiu n’ A
Nação (18/8/1860, pp. 1-2). Além disso, o prólogo tem o título “Cantos populares do Algarve. A Freira.
Soláo”, que é claramente paralelo do título de outros dois artigos publicados por Veiga: “Cantos Populares do
Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, p. 2 (é aqui que se publica pela primeira vez A Moura
Encantada), e “Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp.
9-10. Sem forçar demasiado, parece-nos possível que, a ter sido pensado por Veiga para sair n’ A Nação (como
antes A Moura Encantada), o motivo de Vida de Freira ali não ter sido publicado seja a feição anticlerical que
o poema claramente possui, ao falar da existência de raparigas que professam contra vontade e ao mostrar as
266
Vida de Marujo
862
Versões tradicionais: 1. Encontra-se inédita.
Textos “criativos”: 1.
863
Encontra-se inédito.
Textos não Recolhidos (ou aparentemente não Recolhidos) da Tradição Oral:
Os Calvos (L10)
864
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(Os Calvos).
Cavaleiro Lamenta-se pela Ausência da Amada (X34)
865
Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(A Ausencia).
Cativo em Fuga Morre no Mar (H14)
866
Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(O Encarcerado).
Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura (H13)
867
contrariedades da vida monástica. Conforme se sabe, A Nação era o mais importante jornal miguelista, feroz
defensor da ortodoxia católica. Acrescente-se que a Vida de Freira pertence à parte do espólio que permaneceu
na posse da família de Estácio da Veiga.
A maior parte do prólogo escrito por Veiga para a (hipotética) publicação da Vida de Freira acabou
por servir de prólogo ao citado artigo sobre A Enjeitada (1861).
862
Este poema lírico (ou, se quisermos, lírico-narrativo) não está classificado nos catálogos que
indicámos. Uma versão sua pode ler-se, por exemplo, em Maria Aliete Galhoz, Romanceiro Popular
Português, II, cit., nº 1087.
863
864
865
Este texto está incluído na parte do espólio de Veiga que ficou na posse da família.
Como à frente veremos, foi feito por Veiga a partir da tradução de um poema de Quevedo.
Escrito por Veiga a partir da tradução do romance culto espanhol Triste estaba el caballero, triste
está sin alegría (Ochoa, Tesoro, pp. 8-9; em Agustín Durán, Romancero general, é o nº 303). Apresenta ainda
alguma influência dum romance de Pedro Manuel de Urrea (Cancionero de todas las obras de dõ...,
nuevamente añadido, Toledo, Juan de Villaquirã, 1516, p. lxxiii).
866
Feito por Estácio da Veiga com base no romance Donde se acaba la tierra y comienza el mar de
España (Ochoa, Tesoro, p. 504; é o nº 260 do Romancero general de Durán).
867
Conforme veremos, é escrito por Veiga com base num poema de João Francisco Dubraz.
267
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(O Paladim Cativo).
Descrição duma Bela Pastora
868
Textos “criativos”: 3. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(A Aldeana).
D. Julião (A1)
869
Textos “criativos”: 2. O último deles é antecedente próximo
870
do que foi
publicado no Romanceiro do Algarve (Dom Julião).
O Frade e a Freira (S25)
871
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(O Frade).
872
A Moura Encantada de Tavira (S24)
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(A Moira Encantada).
Pastora Morre de Amor (K12)
868
873
Não surge nos catálogos indicados. A única versão que dele se conhece é a publicada por Veiga,
que, como veremos à frente, foi feita a partir da tradução dum romance de Quevedo.
869
Como veremos, foi escrito por Estácio da Veiga com base na tradução do romance espanhol En
Ceuta está don Julián.
870
Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve,
deste texto não existe cópia no maço de linguados que foram para a tipografia e a partir dos quais se imprimiu o
livro.
871
Deve ser criação de Veiga. Pelo menos, o seu estilo indica que muito dificilmente alguma vez
terá existido na tradição oral.
872
873
Conforme veremos, deve tratar-se da versificação, por Estácio da Veiga, duma lenda de Tavira.
Embora o texto mais antigo que dele há no espólio não tenha um ar nada tradicional, a história
que este romance conta tem maior complexidade que a dos romances totalmente escritos por Veiga. Assim, não
é impossível que se trate duma canção narrativa culta ou semiculta que ele, de facto, tenha recolhido, e,
provavelmente, retocado muito, sobretudo se o poema inicial não tinha forma romancística e Estácio da Veiga
(na sua obsessão de reduzir todos os textos narrativos a romances) o transformou muito com esse objectivo.
Note-se ainda que Veiga afirma, no prólogo do romance (p. 142), que a melhor versão que desse texto possuía
foi por ele recolhida em Tavira, na feira de S. Francisco, a 3 de Outubro de 1857, de uma informante de Martim
Longo. Embora sabendo nós o pouco crédito que o editor algarvio merece em questões de genuinidade das
versões de que fala, a quantidade de pormenores que, neste caso, ele dá cremos que devem fazer-nos pensar um
pouco antes de decidir.
268
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(A Pastora).
A Senhora dos Mártires Salva um Cativo (H11)
Versões tradicionais: 4.
Textos “criativos”: 3.
875
876
874
Encontram-se inéditas.
O último deles é antecedente próximo
877
do que foi
publicado no Romanceiro do Algarve (A Senhora dos Martyres).
878
A Serrana Fiel (J11)
Textos “criativos”: 2. O último deles foi publicado no Romanceiro do Algarve
(A Serrana)
874
875
Como veremos, foi escrito por Veiga, com base numa lenda de Castro Marim.
Um destes textos é versão duma lenda, em prosa, e os três textos restantes são versões duma
oração-canção narrativa. Os três últimos não tiveram papel na génese do romance escrito por Veiga, que é,
fundamentalmente, a versificação da lenda. Informe-se que, com excepção dum deles, todos os quatro textos
tradicionais aludidos pertencem à parte do espólio de Estácio da Veiga que permanece em casa da família.
876
877
Todos estes textos estão no parte do espólio de Veiga que é pertença da família.
Ao contrário do que acontece com a maioria dos textos publicados no Romanceiro do Algarve,
deste texto não existe cópia no maço de linguados que foi para a tipografia.
878
Deve ser criação de Veiga. Pelo menos, nunca deve ter existido na tradição oral, conforme mostra
o seu estilo e tema.
VI
DOIS ROMANCES VERDADEIROS,
MAS APARENTEMENTE PROBLEMÁTICOS
O Caso do Cid e Búcar
Como vimos na lista atrás fornecida, há certos romances que, embora deles faltem
no espólio versões claramente recolhidas da tradição, não podemos considerar serem produto
da inventiva de Veiga, pelos motivos que, em nota de rodapé, no lugar respectivo,
enunciámos. Dois desses romances, porém, talvez necessitem duma explicação mais
detalhada, que agora passamos a dar.
O primeiro de tais romances é o Cid e Búcar. Conforme dissemos, o texto mais
antigo que dele existe no espólio (e que, a partir de agora, designaremos como testemunho
A) está, sem dúvida, muito transformado em relação às versões tradicionais, incluindo já,
até, a cena final, em que a rapariga foge com um cavaleiro cristão, totalmente inventada por
Veiga (ou por quem lhe deu a versão). Passamos a transcrever esse testemunho; mas, antes,
fornecemos o conjunto de símbolos
879
que usamos no aparato genético. Incluímos desde já
nesta lista alguns símbolos que não foram necessários na transcrição seguinte, mas de que
nos serviremos mais à frente, na transcrição de outros manuscritos:
[ ] = acrescento (quando sozinho, significa que o acrescento foi feito na linha)
[↑] = acrescento na entrelinha superior
[↑↑] = acrescento na segunda entrelinha superior
[ ] = acrescento na entrelinha inferior
[ ] = acrescento na segunda entrelinha inferior
[
879
] = acrescento na margem esquerda
Adaptado do que usam os membros da Equipa Pessoa nas suas edições. Ver, por exemplo,
Fernando Pessoa, Poemas de Ricardo Reis, edição de Luiz Fagundes Duarte (Edição Crítica de Fernando
Pessoa. Série Maior, vol. III), Lisboa, Imprensa Nacional—Casa da Moeda, 1994, p. 218.
270
[
] = acrescento na margem direita
[marg. sup.] = acrescento na margem superior
< > riscado
< >[ ] = substituição por riscado e acrescento
< >/ \ = substituição por sobreposição
/*/ = leitura duvidosa
/†/ = ilegível
/a lápis/ = o segmento indicado está escrito a lápis, num contexto escrito a tinta
/a tinta/ = o segmento indicado está escrito a tinta, num contexto escrito a lápis
Eis, agora sim, o testemunho A do Cid e Búcar:
O Cavalleiro da Silva
Chega-te cá, minha filha,
2
Linda filha da minha alma,
Vai-te por esses sobrados
4
E sobe áquella varanda,
Verás um lindo moirinho
6
Quando estejas debruçada.
Detem-no alli, detem-no
8
Com tuas doces palavras,
Antes que ellas sejam poucas,
10
Que sejam arrezoadas;
Filha, de quando em quando
12
Sejam de amores tocadas.
— Que heide eu dizer, meu pae,
14
Se de amores não sei nada?
Moriana sobe ao balcão
16
Muito bem ataviada,
Logo vira o tal moirinho,
18
880
Que por outra não andava:
Cota: 5 C / 12r-13v.
880
271
Assim que ella apparecia
20
Elle bem que a saudara.
— Deus te salve, ó bom moiro,
22
Lindo encanto da minha alma,
Ha sete annos que ando
24
Por ti louca enamorada.
— Tambem eu na minha terra
26
Já por ti venci batalhas.
— Se eu cuidara de assim ser
28
Já para ti me voara;
—Assim é... ái mesmo aqui
30
Nos meus braços te aparara.
— Ai corre dahi bom moiro,
32
Não digas que te eu fallava.
De além vem um cavalleiro,
34
Seu cavallo relinchava;1
O cavallo era branco,
36
Dom da Silva o cavalgava.
— Não m’ importa Dom da Silva
38
Nem a sua gente armada;
Se por aqui me não queres,
40
É que és sua namorada.
Tem-te, tem-te, ó moirinho,
42
Ouve-me uma palavra.
— Como te heide ouvir, senhora,
44
Se do cavalleiro a lança
Já me atravessa o corpo,
46
E o ferro me entra n’ alma? —
Era por manhã de maio
48
Cavalleiro alli chegava.
Moriana ama o christão,
50
Como ao moiro não amava;
Nem o pae nem o amante
52
Daquelle amor a voltava.
272
Inda não era solposto
54
Remedio ninguem lhe dava;
Co’ o cavalleiro da Silva
56
1
Moriana cavalgava.
Seu cavallo que rinfava
Aparato genético
[
Margem de 5 C / 12r
3
A Vide na collecção de rhapsodias o romance do moiro.]
Va<e>/i\-te por esses sobrados. Uma vez que Veiga parece considerar erro ortográfico a
forma de vai escrita com e, adoptámos, no texto, a forma com i, que, aliás, é a que se encontra no testemunho
B.
4
<E> <s>/S\obe <áquella varanda,>[↑ além aquella escada]
9
Antes que ellas <p>/s\ejam poucas, A letra riscada parece subentender uma forma anterior
do verso em que se diria poucas sejam, a qual, porém, não nos pareceu lícito restaurar no texto.
— Que <*e>/h\eide eu dizer, meu pae, Uma vez que o e parece um deslize ortográfico de
13
Veiga, não o adoptámos no texto.
14
Se [eu] de amores não sei nada?
17
<†>/Lo\go vira o <†>/tal\ moirinho,
27
— Se <eu> cuidara de assim ser
28
<Já>[↑Eu] para ti me voara;
29
— [Se] Assim
30
Na entrelinha inferior deste verso, há o sinal #, que remete para outro igual, posto na
881
é... ái mesmo aqui
margem esquerda do documento, antes dos versos que constituem o acrescento seguinte:
30a
[
30b
Ao longe /* bem/ que assomava
30c
Cavalleiro de armas brancas
30d
Que sobre a areia voava
30e
Montado em <negro>[↑ rijo] cavallo
30f
Que pela <*p>/b\occa espumava,
30g
E com elle tambem vinha
30h
Uma nobre cavalgada.]
32
Não <†>/di\gas que te eu fallava
881
Ditas que eram taes palavras
Não obstante Assim passe, depois do acrescento, a ser a segunda palavra do verso, a maiúscula
com que está escrito não foi emendada.
273
34
<Seu cavallo relinchava;1>[↑↑ Com espada, lança e malha;]
34a
[↑ O cavallo estava longe]
34b
[ E ja bem que relinchava1]
56
Moriana <cavalgava.>[↑ se apartava.]
Como é sabido, em Portugal o Cid e Búcar só existe em Trás-os-Montes (onde é
raro) e nos Açores e na Madeira (regiões onde se encontra atestado com apenas duas versões
cada). Quanto ao Algarve, depois do texto publicado por Veiga, nunca mais aqui voltou a ser
recolhido. Este vazio, combinado com o facto de, como dissemos, o texto existente no
espólio não ser, de modo algum, tradicional, encontrando-se, pelo contrário, retocadíssimo,
torna ainda mais suspeita a versão do Romanceiro do Algarve.
882
A conclusão pareceria ser,
portanto, a de que Estácio da Veiga se teria limitado a traduzir um texto espanhol, que
depois transformou muito. Mas esta hipótese não parece de modo algum provável.
Na verdade, a única versão de que Veiga podia dispor era a do Cancioneiro de
Antuérpia, s/ d. (“Helo, helo por do viene / El moro por la calçada”),
republicada no Tesoro de Ochoa,
884
883
que estava
obra que, conforme a seu tempo dissemos, era a fonte
pela qual o autor algarvio conhecia o romanceiro velho. Ora, cotejando atentamente o texto
antigo com o de Veiga, em apenas 6 versos deste último (num total de 66) se poderá achar
qualquer traço discursivo daquele. Trata-se dos seguintes versos:
Estácio da Veiga
1
882
Chega-te cá, minha filha
Ochoa
25
Venid vos acá, mi fija
A esta versão, aliás, Samuel G. Armistead e Joseph H. Silverman chamam “dreadful nineteenth-
century manipulation” (Folk Literature of the Sephardic Jews, II: Judeo-Spanish Ballads from Oral Tradition,
I: Epic Ballads, Berkeley/Los Angeles/London, University of California Press, 1986, p. 238, nota 9).
883
Cancionero de romances impreso en Amberes sin año, edición facsimil con una introducción por
R. Menéndez Pidal, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1914, fóls. 179r – 180v.
884
Tesoro de romances, cit., nº XLIII, p. 185.
274
Detem-no alli, detem-no
8
30
Com tuas doces palavras
Ha sete annos que ando
24
Detiénemelo en palabras
Por ti louca enamorada.
30b Ao longe /* bem/ que assomava
Siete años ha, rey, siete,
42
Que soy vuestra enamorada
46
El buen Cid ya se asomaba
Como vemos, trata-se de muito pouco para se poder concluir por uma falsificação
de Veiga. Além disso, duas das passagens suspeitas existem, afinal, também em formas
discursivamente muito próximas noutras versões modernas:
Estácio da Veiga
8
24
Outras versões tradicionais
detém-m’ aquele mourinho de
Detem-no alli, detem-no
6
Com tuas doces palavras
palavras em palavras
Ha sete annos que ando
6
Por ti louca enamorada.
que sou tua namorada
885
há sete anos, ó bom moiro,
886
Antes de prosseguirmos, parece-nos necessário abrir aqui um parêntese a propósito
do v. 30b: “Ao longe /* bem/ que assomava” (que no texto publicado no Romanceiro do
Algarve —doravante designado como testemunho B— aparece com a forma “Lá muito ao
longe assomava”). Como dissemos, esse verso é um dos raros em que é possível encontrar
uma semelhança discursiva com a versão velha, transcrita por Ochoa, que Veiga poderia ter
conhecido e na qual se poderia ter inspirado para escrever o seu texto. Naturalmente, é o
verbo “assomar”, pouco habitual em português, que levanta dúvidas. Ora, conforme vimos
pela transcrição, este verso pertence a um conjunto de versos (vv. 30b-30h) acrescentados
por Estácio da Veiga na margem de A, pelo que parecem não proceder do texto tradicional
mas serem, isso sim, fruto da inventiva do editor, hipótese que a análise da sua linguagem
(ver mais à frente) corrobora totalmente. Deste modo, sendo esse verso da autoria de Veiga,
pareceria deduzir-se que, ao contrário do que defendemos, o editor algarvio teria conhecido,
efectivamente, a versão de Ochoa, e nela se teria inspirado (pelo menos, num momento já
tardio do processo editorial criativo), para transformar o seu texto.
885
Versão trasmontana, apud Pere Ferré, Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna.
Versões publicadas entre 1828 e 1960, cit., nº 35.
886
Versão açoriana, apud Ferré, op. cit., nº 42.
275
Acontece, porém, que no conjunto de versos acrescentado a que este pertence, se
encontra outro verso que, pelo contrário, pode ser visto como vestígio de algo existente em
versões tradicionais:
30c Cavalleiro de armas brancas
30d Que sobre a areia voava
Não nos referimos ao “Cavalleiro de armas brancas” (que, como diremos à frente,
talvez seja simples recordação dum verso célebre de Garrett), mas sim ao “voava”, verbo
que, aplicado embora à fuga de Búcar (e não à chegada do Cid, como em Veiga),
encontramos em textos fidedignos, provenientes da tradição oral moderna:
20
Fugiu por um vale abaixo, não fugia que voava
887
ou
23
Botou por um vale abaixo, não corria que voava
888
E o mesmo verbo surge também pelo menos numa versão espanhola do romance:
(fala o mouro:)
que si bien corre bauieça
mi yegua buela sin alas.
887
888
889
Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 37.
Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 38. Um verso igual surge noutra versão trasmontana,
apud Ferré, nº 39.
889
Cena da Comedia de las haçañas del Cid, apud Diego Catalán, “Helo, helo por do viene el moro
por la calzada. Vida tradicional de un episodio del Mio Cid”, Siete siglos de romancero (Historia y poesía),
Madrid, Editorial Gredos, S. A., 1969, p. 155. A versão do Cid e Búcar que esta cena inclui, embora não
pertencente, claro, à tradição oral moderna (a peça em causa, anónima, foi publicada em 1603), é independente
do texto do Cancioneiro de Antuérpia, s/ d. (o transcrito por Ochoa).
276
Parece-nos, portanto, claro que o v. 30d do acrescento de Estácio da Veiga (Ao
longe /* bem/ que assomava), embora redigido por ele, pode estar inspirado numa passagem
que existisse na versão tradicional de que dispunha. E, a ser assim, parece perfeitamente
possível pôr também a hipótese de o verbo pouco corrente “assomar”, incluído no mesmo
acrescento tardio, ter igualmente existido em qualquer parte da versão oral recolhida por
Veiga. Em última análise, aliás, talvez este verbo, com o seu suspeito ar arcaico, seja mesmo
fruto da pena de Estácio da Veiga, mas tenha sido inventado independentemente da versão
de Ochoa, com a finalidade de dar ao texto um toque medieval, processo que se encontra
noutras passagens do texto e que analisaremos mais à frente.
Repare-se, finalmente, que outro pormenor dos versos, acrescentados à margem,
“Cavalleiro de armas brancas / que sobre a areia voava” poderá ser, também, ele proveniente
de algo que terá existido, de facto, na versão algarvia recolhida por Veiga. Referimo-nos ao
facto de o cavaleiro voar “sobre a areia”. Na versão antiga, não há referência ao tipo de
terreno por onde passa Búcar ao fugir, mas certas versões espanholas explicam que o mouro
“Deja los caminos anchos y se va por las aradas”.
890
Tal pormenor é usado, nessas versões
espanholas, “simplemente, para expresar que el moro huye a campo a través”, mas,
nalgumas versões portuguesas, o mesmo pormenor serve para explicar o atraso que o mouro
sofre, pois o seu cavalo acaba por se atolar (ou quase) na terra recém-lavrada.
891
O facto é
expresso pela maldição lançada por Búcar, em versos como “— Mal o hajas las lavradas e os
toiros que as lavraram!”
lavrada”,
893
890
892
ou “— Leve o diabo o lavrador que lavra a terra tão bem
e, mais claramente ainda, por uma explicação do narrador: “o vale estava
Versão leonesa, publicada em Diego Catalán e Mariano de La Campa, Romancero general de
León. Antología (1899-1989, preparado por..., con la colaboración de Débora Catalán, Paloma Esteban,
Ángeles Ferrer y Maite Manzanera, composición a cargo de Suzanne Petersen, Madrid, Seminario Menéndez
Pidal, Universidad Complutense de Madrid / Diputación Provincial de León, 1991, nº 0045:02, p. 14, v. 30.
891
Ver Catalán (Siete siglos, cit., p. 199, de onde extraímos a citação que fornecemos acima), ao que
sabemos o primeiro autor a chamar a atenção para o facto.
892
Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 38, v. 26. Um verso quase igual surge na versão nº
39, v. 23.
893
Versão madeirense, publicada em Pere Ferré, com a colaboração de Vanda Anastácio, José
Joaquim Dias Marques e Ana Maria Martins, Romances Tradicionais, [Funchal], Câmara Municipal do
Funchal, 1982, nº 8, v. 15.
277
lavrado, o cavalo se lhe atolava”.
894
Revelando-se, portanto, a questão do tipo de solo tão
importante na tradição portuguesa, não parece abusivo pôr a hipótese de algo semelhante aos
versos acima citados ter existido na versão de Veiga, e de este o ter usado, aplicando-o
embora à chegada do cavaleiro cristão (o “sucessor” do Cid) e não à fuga do mouro.
Fechando o parêntese aberto para resolver o problema que poderia representar a
forma “assomava”, continuemos a apresentar as razões por que consideramos de origem oral
a versão do Cid e Búcar que (inegavelmente bastante retocada, verdade seja) surge no
testemunho A. Não é apenas o facto (que esperamos ter deixado claro) de o discurso da
versão algarvia não ser um eco da versão do Cancioneiro de Antuérpia que evidencia a
proveniência tradicional do mencionado texto. Não: na história contada pela versão algarvio
há dois pormenores que faltam no texto velho, mas que, pelo contrário, existem em todas (ou
quase) as versões modernas: referimo-nos, por um lado, à pergunta da filha do Cid ao pai e,
por outro, à fala em que esta avisa o mouro da traição armada contra ele. Vejamos:
Estácio da Veiga
Outras versões tradicionais
— Que heide eu dizer, meu pae, 9
14
Se de amores não sei nada?
amores não sei nada?
— Ai corre dahi bom moiro,
32
34
— Como farei isso, meu pai, s’ eu d’
895
— Vai-te daí, ó mourinho, que eu não
Não digas que te eu fallava.
quero ser falsa,
De além vem um cavalleiro,
16
Seu cavallo relinchava;
na calçada
os cavalos [d]e el-rei meu pai já relincham
896
Por outro lado, são vários os exemplos de versos do texto algarvio que, embora
contando pormenores presentes na história do texto velho, estão, do ponto de vista
discursivo, longe deste, mas, pelo contrário, próximos das palavras de algumas versões
tradicionais modernas. Vejamos os casos mais salientes:
894
Versão trasmontana, apud Ferré, Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna, cit., nº 38,
v. 24. Um verso igual surge na versão nº 39, v. 22.
895
896
Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 34.
Versão cit.
278
Estácio da Veiga
10
12
Outras versões tradicionais
Antes que ellas sejam poucas,
3
As palavras sejam poucas, sejam
Que sejam arrezoadas
bem arrematadas,
Filha, de quando em quando
4
Sejam de amores tocadas.
de amores tocadas.
essas poucas que lhe deres sejam
897
— Las palabras sean pocas y muy
16
bien arrazonadas.
898
899
26
Já por ti venci batalhas.
24b
que por ti riendo batallas.
28
Já para ti me voara;
25b
por este balcón me echaba!
— Assim é... ái mesmo aqui
26
30
Nos meus braços te aparara
brazos te aparara
37
Dom da Silva
901
897
898
899
900
901
— Si de veras me lo dices, en mis
900
902
6
D. Cidro
6
D. Alcidro
903
Versão açoriana, apud Ferré, op. cit., nº 42.
Versão leonesa, apud Catalán, op. cit., p. 164.
Versão andaluza, apud Catalán, op. cit., p. 169.
Loc. cit.
É possível que o informante tenha dito “o Dom Silva”, e que Veiga, para corrigir o que lhe
parecia um erro tolo (usar o título de “Dom”, imediatamente antes dum apelido, e não dum nome próprio),
criou o semi-aristocrático “Dom da Silva”, imaginando que podia haver por ali alusão a “um cavalleiro da
Ordem da Madre-Silva”, a um “daquelles esforçados guerreiros que militavam debaixo da verde bandeira da
madre-silva, daquelles que acompanharam o Mestre de Aviz e o Condestabre aos campos de Aljubarrota”
(Romanceiro do Algarve, p. 11). Não pondo em dúvida os conhecimentos históricos de Estácio da Veiga, que
sem dúvida eram muitos (como mostram várias das suas obras — ver, no Apêndice nº 1, a sua bibliografia), e
as suas muitas leituras neste campo, não queremos deixar de referir que, no Romanceiro de Garrett, no prólogo
do D. Aleixo, aparece a seguinte passagem, que Veiga bem conhecia: “este romance [...] cheira aos perfumes do
boudoir de uma nobre donzella do tempo da ‘Madre-silva’ ou da ‘Ala-dos-namorados’. Se o cantaria o
condestabre á sua dama?” (II, p. 86). Dizemos que Veiga “bem conhecia” esta passagem porque ele próprio a
cita no prólogo à sua versão do D. Aleixo: “como diz o nosso poeta [refere-se a Garrett] [...] [o romance em
causa] cheira a um salão da meia idade, aos perfumes do boudoir de uma nobre donzella do tempo da Madresilva, ou da Ala-dos-namorados” (Romanceiro do Algarve, p. 24). A alusão de Veiga à referida ordem poderá,
portanto, ser influência da leitura do Romanceiro de Garrett.
902
Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 34.
279
38
— Não m’ importa Dom da Silva
11
— Não tenho medo a seu pai nem à sua
Nem a sua gente armada
gente armada.
904
Tem-te, tem-te, ó moirinho,
Atendedeme mi yerno
42
Ouve-me uma palavra
oyades me una palaura
44
Se do cavalleiro a lança
22
Já me atravessa o corpo,
à água.
46
905
a lança ficou no corpo e o pau caiu
906
E o ferro me entra n’ alma?
Pensamos que estas coincidências provam que Veiga teve, de facto, uma versão do
Cid e Búcar recolhida da oralidade, e que a origem do texto por si publicado não foi o
Tesoro de Ochoa, ao contrário do que poderia parecer (e do que aconteceu com o Dom
Julião que ele publicou, conforme a seu tempo veremos). Aliás, pensamos mesmo que Veiga
não deve sequer ter conhecido a versão do romance incluída em Ochoa. De facto, reparemos
nas diferenças que a versão de Veiga apresenta, em relação a todas as restantes deste
romance (incluindo a versão velha), quanto à identidade das personagens e à própria história:
o pai e a filha não são cristãos, mas sim mouros; o mourinho não vem atacar a cidade, mas
sim namorar com a rapariga; o pai da jovem está conluiado com o mourinho, e quer que filha
namore com o rapaz, pelo que, ao mandá-la dizer “doces palavras” ao mouro, não está a
querer atrair a atenção deste para, pelas costas, o atacar, mas, bem pelo contrário, está a
propiciar o namoro; quem ataca o mourinho não é, portanto, o pai da jovem, mas sim um
cavaleiro cristão que nada tem a ver com os “sitiados”; esse cavaleiro e a jovem estavam
apaixonados, e o seu amor era contrariado pelo pai desta, o qual queria que ela casasse com
o mouro. Ora uma história tão diferente —cujos meandros, aliás, um leitor habituado ao Cid
e Búcar “normal” apenas compreende depois de reler o texto algarvio com muita atenção (e,
sobretudo, depois do resumo que Veiga apresenta no prólogo do romance...)— é impossível
que seja invenção deliberada de Veiga, pois, se assim fosse, não se entenderia, no espírito
global que preside ao Romanceiro do Algarve, a finalidade de tais transformações. Essas
903
904
Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 36.
Versão trasmontana, publicada em J. J. Dias Marques, “Romances dos Concelhos de Bragança e
de Vinhais”, Brigantia, IV, 4 (Out./Dez. 1984), p. 534.
905
Cena da Comedia de las haçañas del Cid, apud Catalán, op. cit., p. 155. Tanto quanto sabemos,
foi Catalán o primeiro a chamar a atenção para o paralelo que estes versos apresentam com os da versão
algarvia (ver op. cit., p. 206).
906
Versão trasmontana, apud Ferré, op. cit., nº 34.
280
transformações não nos parecem intencionais, mas sim, pelo contrário, fruto de confusão,
palpite errado de alguém que se deita a adivinhar, a tentar compreender uma versão cuja
história lhe parece (e talvez fosse, de facto) pouco clara. É bem possível, na verdade, que o
início truncado do texto no testemunho A (testemunho onde, como vimos, brilham pela
ausência a chegada de Búcar a Valência, as suas maldições e o desafio lançado ao Cid) já se
desse na versão que Veiga conseguiu da oralidade, e que, por arrastamento, também faltasse
(ou não fosse claro ao olhos de Veiga —como, de facto, não costuma ser claro na tradição—
907
,
o que daria o mesmo resultado) que o conselho do Cid à filha para ir falar com Búcar
visava apenas distrair este para o apanhar à traição. Conforme se sabe, a erosão do texto no
início dos romances não é facto raro, nomeadamente em versões mal recordadas pelos
informantes, e, no caso do Cid e Búcar, tal corte (acompanhado, também ali, pela omissão
do segmento que explica o estratagema do Cid) está inclusive atestado noutra versão
portuguesa, mais precisamente madeirense.
908
A hipótese, repetimos, de que tal duplo
desaparecimento se tivesse dado também na versão recolhida por Veiga parece-nos, além
disso, a única capaz de explicar as referidas transformações, tão profundas, a que ele
submeteu o texto. Na verdade, ao faltar o início, como poderia Veiga saber que o pai e a
filha são cristãos? Como poderia saber que o pai, ao dizer à filha
Detem-no alli, detem-no
8
907
Com tuas doces palavras,
De facto, nas versões tradicionais, as palavras do Cid à filha deixam meio subentendido o motivo
da ordem que lhe dá de ir falar com o mouro, e só no final do texto se percebe totalmente que o Cid visava ir
por trás atacar o inimigo, enquanto este estava distraído. Vejamos um exemplo:
8
— Vai-te daí, minha filha, com costura e almofada,
entretém-me aquel’ mourinho de palavra em palavra,
10
dá-lhe palavras d’ amores, poucas, que vão bem tocadas.
— Como farei, ó meu pai, s’ eu d’ amores não sei nada?
(versão transmontana, apud Ferré, op. cit., nº 37)
908
Ver Pere Ferré, Romances Tradicionais, cit., nº 8. Sublinhe-se que, não obstante esta dupla falta,
a presente versão conclui-se com a chegada do pai da jovem, a fuga do mouro e a morte deste, mostrando que a
informante, não obstante ter esquecido (?) o início do romance, não esquecera que o texto girava, de facto, à
volta duma rivalidade entre o Cid e o mouro. Diga-se que a informante desta versão sempre a recitava com o
truncamento do início, como se verifica pelo facto de ele já faltar numa recitação anterior àquela que Ferré
publica (ver lista das variantes, no fim do texto) e por continuar a faltar na recitação que, anos depois, em 1985,
nós próprios gravámos da mesma senhora (para a série de televisão O Romanceiro, episódio nº 2).
281
Antes que ellas sejam poucas,
10
Que sejam arrezoadas;
Filha, de quando em quando
12
Sejam de amores tocadas,
não a está a incitar ao namoro com Búcar, mas sim a preparar um estratagema para
surpreender este pela retaguarda e o matar? Como poderia Estácio da Veiga saber que o
cavaleiro cristão que, no fim do texto, surge é o próprio pai da jovem? No fim da versão
recolhida por Veiga, figurava, sem dúvida (como mostra o testemunho A), a chegada dum
cavaleiro, o choque dele com o mouro e talvez a fuga deste, do mesmo modo que figuram
ambas na referida versão madeirense, também ela de princípio truncado. Só que é muito
possível que, ao contrário do que acontece com a mencionada informante madeirense, o
informante algarvio já não entendesse a relação de identidade entre o cavaleiro que aparecia
no fim e o pai que aparecia no início (ou não a tivesse explicitado ao colector, facto que teria
a mesma consequência); ou então (o que, mais uma vez, iria a dar ao mesmo) que, embora o
informante a tivesse explicitado a Estácio da Veiga, este não tenha acreditado nas palavras
dele, convencido como estava —opinião expressa em várias passagens do Romanceiro do
Algarve— de que a tradição oral moderna não é de fiar. Seja como for, parece-nos quase
certo que, na mente de Veiga, o Cid e Búcar que recolhera apresentava um enredo confuso,
em que era necessário pôr lógica. E, arrastado pelas histórias, tão correntes na sociedade
oitocentista (e na de todas as épocas, claro, mas que então, em Portugal, nomeadamente com
Camilo, começavam a ser denunciadas pela literatura), de casamentos preparados pelos pais
contra a vontade das filhas e contradizendo inclinações que estas já tinham por outros
homens, Estácio da Veiga imaginou a história que vimos, dando-lhe um fim quase camiliano
de duelo entre os rivais e fuga dos apaixonados.
Diga-se, além disso, ser possível que a invenção do duelo (ou melhor, a invenção de
o encarar como duelo entre competidores pela mão da jovem, uma vez que, sem dúvida, na
versão tradicional recolhida por Veiga, havia também um duelo, ou esboço dele, entre o Cid
e Búcar, como sempre surge nas versões orais) e, sobretudo, a invenção da fuga final do
vencedor com a jovem estivessem, na mente de Estácio da Veiga, relacionadas com o duelo
entre o cavaleiro cristão e o mouro guardador da infantina (e que por ela estava apaixonado),
o ferimento do mouro e a fuga do cavaleiro com a menina que Veiga inventou para o final da
282
sua versão da Infantina, consciente ou inconscientemente inspirado no famoso poema
909
apócrifo No Figueiral, Figueiredo.
909
Um dos aspectos mais interessantes da época romântica (em Portugal e em toda a Europa) é o dos
textos a que falsamente se atribui um estatuto que não têm. Tal questão é muito importante no que diz respeito
a numerosos poemas e contos pretensamente recolhidos da oralidade, conforme adiante veremos. Mas não são
só esses os falsos que encontramos neste período. Certos poemas apócrifos, apresentados como escritos em
épocas muito recuadas, surgem repetidamente publicados ou citados em revistas ou livros oitocentistas. Tratase das chamadas “cinco relíquias da poesia portuguesa”, como lhes chama Teófilo Braga, às quais, aliás, já
fizemos referência, ao falarmos do Cancioneiro Popular (1867) deste autor.
O mais famoso desses apócrifos é No Figueiral, Figueiredo (conhecido também como Canção —ou
Trovas— do Figueiral), poema narrativo atribuído a um autor medieval chamado Goesto Ansures. O poema foi
publicado pela primeira vez por Frei Bernardo de Brito, seu provável autor [ver Monarquia Lusitana. Parte
Segunda, introd. de A. da Silva Rego, notas de A. A. Banha de Andrade e M. dos Santos Silva, Lisboa, I.N.C.M., 1975 (reed. facsimilada da 1ª ed., 1609), fol. 296v] e republicado, logo em 1629, por Leitão de Andrada
(Miscellanea, cit., pp. 25-6). O texto estaria baseado no salvamento das donzelas, que todos os anos eram
enviadas ao emir de Córdova, como tributo a que estava obrigado o rei cristão das Astúrias. No poema, Goesto
Ansures conta como encontrou as donzelas num bosque, e como, para as salvar, lutou com o mouro que as
guardava.
Estácio da Veiga sem dúvida que conheceu esse texto e, de modo consciente ou inconsciente, deve
tê-lo imitado no episódio que inventou para a sua Infantina. Sem propósitos de exaustividade, mas apenas para
mostrar como o poema foi muito difundido durante o Romantismo, e como, portanto, Veiga com ele se deve ter
deparado várias vezes, apresentamos no Apêndice nº 5 a lista das republicações de No Figueiral, Figueiredo
que encontrámos durante as nossas leituras, assim como as baladas ou contos que em tal poema se inspiram.
Nas Epopêas da Raça Mosárabe (cit., pp. 173-207), Teófilo Braga fala longamente sobre a Canção
do Figueiral, em cuja genuinidade acredita piamente. Na p. 203, depois de lembrar que Miguel Leitão de
Andrada diz ter ouvido o Figueiral a uma informante do Algarve, afirma haver uma versão algarvia em que
esse poema está “interpolad[o] no romance da Infantina, e a que no Algarve ainda hoje se chama Almendo,
talvez da terra Valldalmiellos[sic], que tambem pagava os votos de Sam Thiago”. Passa a transcrever (pp. 203204) aquilo a que chama “versão oral da Canção do Figueiral” (e que explicitamente extraiu da colecção de
Veiga). Trata-se de parte do Almendo (Romanceiro do Algarve, pp. 40-44), mais precisamente a partir do verso
“Que fazeis aqui, senhora” (p. 41), cortando, além disso, os versos que vão de “Encantada me leixaram” (p. 41)
até “Lá tereis albergaria” (p. 43). Põe em itálico os versos seguintes: “Aqui me trouveram [que transcreve
“trouxeram”] moiros” (p. 41), “infanta que fugia”, “Perro moiro lhe saía, / Que era quem a vigiava, / Que era
quem a guardaria” (p. 43). Depois dessa transcrição diz (p. 204): “Quem não vê n’ este bello romance uma
nova versão do seculo XV da Canção do Figueiral do seculo XIII? O facto de não o ter comprehendido o
collector do Algarve, é uma garantia da sua genuinidade. Os versos que sublinhamos mostram a identidade da
lenda, como a vimos, com o que se passa no romance”. Num apontamento manuscrito existente no espólio
(caixa nº 3, 2 / 1), Estácio da Veiga refere-se a estas afirmações de Braga. Trata-se duma folha dobrada ao
meio, de modo a formar quatro páginas, onde se transcreve (explicitamente a partir da Miscellanea de Leitão de
Andrada, ed. de 1629) o Figueiral. No fim da transcrição (2 / 1b) existe a seguinte observação: “T. Braga diz
283
Aí aparecem, de facto, o cavaleiro e a infantina descida da árvore, que
A caminhar se pozeram
84
Quando a lua mais lumbria,
E dava o clarão no rosto
86
De la infanta que fugia,
Quando ao meio do caminho
88
Perro mouro lhe saía,
Que era quem a vigiava,
90
Que era quem a guardaria.
— Tem-te, tem-te, cavalleiro,
92
Se a vida não te agonia;
Se la poncella me levas,
94
Levas a luz do meu dia.
— Só m’ importa o que te levo,
96
De ti não m’ importaria.
— Se a dona tu me roubáras,
98
Logo aqui te mataria.
Para elle avança o moiro,
que este romance é o mesmo que no R. do Algarve começa: Que fazeis aqui senhora, / Quem vos aqui
prantaria? !!! É tolo!” Tendo em atenção esta nota, pareceria que Veiga não se inspirou conscientemente no
Figueiral para escrever os versos inventados que juntou à sua Infantina. Além disso, se a transcrição do
Figueiral existente neste manuscrito do espólio for contemporânea da nota de Veiga sobre Braga (ou não muito
anterior), pareceria mesmo que o autor algarvio não possuíra cópia do texto antes de 1871 (data das Epopêas da
Raça Mosarabe).
Ainda sobre o Figueiral, recorde-se que João Pedro Ribeiro e Carolina Michaëlis de Vasconcelos
(como dissemos ao falar do Cancioneiro de Braga, 1867) negaram a sua autenticidade. No entanto,
recentemente, Magdalena Altamirano sublinhou o carácter tradicional de certos processos estilísticos existentes
nesse poema, concluindo que, “si Brito usó un texto apócrifo (compuesto por él o por otro autor), este texto se
inspiró en un romance-villancico auténtico” [“No figueiral, figueiral...”, comunicação a publicar nas Actas de
las VII Jornadas Medievales (México, D. F., 21-25/9/1998), cujo texto pudemos ler graças à amabilidade da
autora].
284
100
Pensando que o deteria,
Mas ao puxar pela infanta
102
A mão aos pés lhe caia.
Quêda-se elle pensativo,
104
Sem saber o que faria.
Em quanto o moiro pensava,
106
Em quanto elle se doria,
O christane com la infanta
108
Voava, que não corria!
910
A relação entre este final da Infantina e o final do Cid e Búcar parece ser aquilo a
que alude Veiga quando, como assinalámos na transcrição, escreveu na margem do primeiro
fólio do testemunho A do Cid e Búcar (5 c / 12r): [
A Vide na collecção de rhapsodias o
romance do moiro.] No espólio de Estácio da Veiga, incluindo nos romances que ficaram
inéditos, não há nenhum designado pelo título de O Moiro, e em nenhum dos poucos textos
entre cujas personagens há mouros encontramos uma história que pareça relacionar-se com a
do Cid e Búcar, com excepção, precisamente, da “sua” Infantina, a qual, como vimos,
apresenta um final, sem dúvida, muito semelhante. Qual será a relação de dependência entre
ambos os finais? Pelo que atrás dissemos, o fim do Cid e Búcar parece menos fruto da
invenção pura e simples de Veiga do que o fim da Infantina, uma vez que, no Cid e Búcar, o
duelo quase certamente aparecia na versão recolhida, tendo-se Estácio da Veiga limitado a
imaginar (ou, talvez mais precisamente, a deduzir mal) que o motivo da luta era a mão da
jovem e a acrescentar ao texto o happy-ending da fuga dos apaixonados, que levam a sua
avante, sobre os desígnios da sociedade. Se assim for, será o final do Cid e Búcar a ter
influído na invenção do final da Infantina, pois este último não apresenta qualquer
semelhança com o das versões tradicionais, pelo que nelas não pode, portanto, ter-se
inspirado.
A hipótese, que atrás enunciámos, não só de a versão do Cid e Búcar publicada no
Romanceiro do Algarve não provir do texto publicado em Ochoa (e isso parece-nos
provado), mas também, além disso, de Veiga não ter conhecido o texto velho, nem sequer na
fase do “retoque” da sua versão (ou de, pelo menos, não ter identificado o texto que
recolhera da oralidade como sendo uma versão daquele romance), é ainda mais provável se
910
Romanceiro do Algarve, pp. 43-4.
285
tivermos em consideração que não parece crível que ele tivesse introduzido as profundas
transformações que vimos se conhecesse a história contada no romance velho, que era
perfeitamente compreensível. Além de que, se Estácio da Veiga tivesse compreendido que o
“Dom da Silva” (ou, talvez mais provavelmente, como dissemos, “o Dom Silva”) da versão
que recolhera era, afinal, “o Dom Cid”, e que os camponeses do seu Algarve eram os únicos
(ou assim o pensava ele) a repetir, tantos séculos depois, uma história ainda meio épica sobre
aquele herói, custa muito a acreditar que ele tivesse deliberadamente desvirtuado a “não
sonhada apparição”
911
que tivera a sorte de conseguir. Pelo contrário, parece-nos fora de
dúvida que, se conhecesse aquilo que tinha entre as mãos, Veiga teria feito brilhar tão
arqueológico achado, restituindo ao Cid a sua identidade (do ponto de vista onomástico e,
sobretudo, se tal fosse necessário, diegético), em vez de manter a corruptela popular do
nome do herói e de o comprometer numa história de amores contrariados, com assassínio do
rival e fuga dos apaixonados, mais própria duma novela oitocentista, como dissemos, do que
duma história medieval, pelo menos na visão idealizada e nobre que os românticos tinham
de “aquella época de aventurosas cavallarias”.
912
Aliás —conforme vimos, quando
analisámos a formação do D. Rodrigo—, a má compreensão, por parte de Veiga, dum texto
tradicional (que, fazendo jus ao seu estilo tão próprio, apresenta quase sempre saltos no
discurso e, muitas vezes, exige que o ouvinte subentenda certas informações que se não dão
explicitamente), cuja versão velha Veiga desconhece, não é caso único na formação do
Romanceiro do Algarve. No D. Rodrigo (i.e., o Testamento de Fernando I + Queixas de D.
Urraca + Afuera, afuera, Rodrigo), como vimos, a má compreensão da história teve,
também aí, como resultado que, ao pretender retocá-la, o editor a tenha transformado
muitíssimo, muito mais do que, sem dúvida, pensaria que estava a fazer
913
— e, pelo que nos
parece, a mesma incompreensão é responsável pelas grandes modificações sofridas pelo Cid
e Búcar.
911
Assim chama Estácio da Veiga ao seu romance, de que não conhecia paralelos (Romance do
Algarve, p. 12).
912
913
91ss.
Romanceiro do Algarve, prólogo do Cid e Búcar, p. 12.
Ver a nossa Contribuição para o Estudo do Romanceiro do Algarve de Estácio da Veiga..., cit., p
286
Aspectos do Método Editorial Criativo no Cid e Búcar
O estudo que acabamos de apresentar teve, fundamentalmente, o objectivo de
mostrar que, embora deste romance não exista no espólio um texto credível, a verdade é que
tal texto sem dúvida existiu, não sendo o Cavalleiro da Silva, como deixaria supor o aspecto
com que aparece aos nossos olhos, uma invenção de Estácio da Veiga.
Cumprido este objectivo, passamos a chamar a atenção para as principais
transformações introduzidas por Veiga no Cid e Búcar, nas entrelinhas do próprio
testemunho A ou no testemunho B, transformações que, como veremos, são similares ao que
já se conhece sobre o método editorial criativo de Estácio da Veiga.
914
O primeiro tipo de alterações, afectando profundamente a identidade das
personagens e a história, é fruto da preocupação de Estácio da Veiga com tornar lógico
915
o
texto recolhido da boca do povo da sua província natal, e que o editor não quereria mostrar
sob uma má luz. Como já observámos com algum pormenor esse tipo de modificações, não
será necessário debruçarmo-nos aqui mais sobre elas.
As restantes
alterações
introduzidas por
Veiga
afectam (sobretudo
ou
exclusivamente) o discurso e visam elevar o nível de língua do texto, não deixando ficar mal
a poesia popular. Vejamos alguns exemplos, começando por casos em que é nítida a
preocupação de usar um léxico mais cuidado:
916
“Assim que ella apparecia” (v. 19) => “Assim que assoma seu rosto” (v. 21);
“Ditas que eram taes palavras” (v. 30a)=> “Ditas que eram taes blandicias” (v. 33);
914
Referimo-nos ao estudo do método editorial adoptado por Veiga no Dom Rodrigo, que
realizámos em Contribuição para o Estudo..., cit., pp. 135-160), tomando como corpus os cinco testemunhos
daquele romance existentes no espólio manuscrito de Veiga e também a versão impressa. Um resumo desse
trabalho (limitando-se a dois testemunhos manuscritos: o original de recolha e a sua primeira cópia retocada)
pode ler-se no nosso artigo “Subsídios para o Estudo do Método Editorial de Estácio da Veiga...”, cit.
915
O mesmo tipo de transformações, visando acentuar a lógica da história e duma das personagens,
foi introduzido por Estácio da Veiga no romance Dom Rodrigo (ver Contribuição para o Estudo do
Romanceiro do Algarve..., cit., pp. 145-7).
916
Nas indicações que se seguem, o termo ou o sintagma que apresentamos em primeiro lugar é o
que se encontra no testemunho A (por vezes, em A, essa forma inicial foi riscada e logo aí substituída); o termo
ou o sintagma que se lhe segue é o adoptado no testemunho B (ou na emenda feita logo em A), substituindo a
forma anterior. O mesmo tipo de transformações foi introduzido por Veiga, com o mesmo fim, no Dom
Rodrigo (ver a nossa Contribuição para o Estudo..., cit., pp. 138-142).
287
“espumava” (v. 30f)=> “escumava” (v. 38);
917
“Seu cavallo que rinfava” (v. 34) => “E já bem que relinchava” (v. 46);
“Moriana cavalgava” (v. 56)=> “Já Moriana se apartava” (v. 72).
Em segundo lugar, vejamos alguns casos onde a elevação do nível da linguagem é
obtida através da imposição ao texto duma patina medieval:
918
“Tambem eu na minha terra / Já por ti venci batalhas” (vv. 25-6)=> “Por ti deixai
minha terra / E aqui vim fazer pousada” (vv. 27-8);
“Cavalleiro de armas brancas” (v. 30c)
“Com espada, lança, e malha” (v. 34);
919
920
“christão” (v. 49)=> “christane” (v. 65).
Este tipo de transformação, além de provir duma simples vontade inventiva de
Estácio da Veiga, duma sua decisão de adequar o texto, discursivamente falando, à Idade
Média, época em que ele teria sido escrito, poderá também (ou sobretudo?) visar exprimir
917
Em A, este verso surge em nota de rodapé, como variante. Tendo em atenção o que veremos na
análise doutros romances, mais à frente (sobretudo de Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura), é
praticamente certo que tal variante é, apenas, a forma que o verso tinha no testemunho anterior (perdido, no
caso agora em análise), e que neste aparece substituída. Aliás, o facto de “rinfava” ser um regionalismo e de
“relinchar” ser a forma pertencente à linguagem normativa já mostraria, só por isso, que aquela teria grandes
probabilidades de ser a palavra que estava na versão inicial do texto. Note-se que, em B, se manteve tal nota de
rodapé, só que aí o texto aparece modificado sintacticamente, passando a “E muito bem que rinfava” (itálico do
próprio Veiga, bem elucidativo da sua opinião quanto ao carácter regional do termo).
918
Transformações do mesmo tipo observam-se no Dom Rodrigo (ver Contribuição para o Estudo,
cit., pp. 147-9).
919
Introduzido na entrelinha de A, sem vir substituir nada anterior. Devia ser um sintagma do agrado
de Estácio da Veiga, pois surge novamente num poema todo ele inventado, a Moura Encantada de Tavira (ver
p. 36, v. 33). É bem possível que a expressão tenha ficado na mente de Veiga como lembrança do celebérrimo
verso do “Cavalleiro de armas brancas” que, quatro vezes (três deles acompanhado pelo não menos célebre
“Seu cavallo tremedal”), surge no Dom Beltrão de Garrett (ver Romanceiro, cit., II, pp. 235-7).
Como é sabido, as “armas brancas” designam o escudo do cavaleiro jovem, que permanecia em
branco enquanto este não cometia uma façanha, a qual, de modo mais ou menos simbólico, era depois
representada, em pintura, no escudo. Talvez seja para tirar ao cavaleiro cristão do Cid e Búcar o ar de caloiro
que Veiga, em B, mudou o verso para “Cavalleiro todo armado” (v. 35).
920
Este verso foi introduzido (numa entrelinha de A) por si só, não vindo substituir nada (na
verdade, o verso que, por baixo dele, surge riscado volta a ser introduzido a seguir —ligeiramente retocado—,
como v. 44).
288
uma forma de viver (e, portanto, de falar) verdadeiramente castiça, e, por consequência
(segundo as teorias românticas), necessariamente medieval, uma forma de vida que —como
dissemos atrás— Veiga muito possivelmente ansiava descobrir entre os camponeses quando
começou as recolhas no Algarve. E, não a descobrindo, terá decidido restaurá-la, nos textos
que recolheu, dando-lhes o tom medieval que eles deveriam ter.
Seja como for, seja por este último motivo ou, então, por desejo inventivo, por
pulsão mistificadora ou para agradar ao público leitor romântico, tão apreciador de coisas
medievais, a verdade é que os termos aí estão no texto de Veiga, distanciando-o, sem dúvida,
da linguagem corrente e moderna.
O último processo usado por Estácio da Veiga para elevar o nível do texto está
ligado à correcção estilística. Também aqui o editor não quis deixar a sua honra (e a da sua
província) por mãos alheias, e fez questão de fornecer à poesia popular que publicava a
perfeição que, segundo as teorias românticas, ela teria, ipso facto, de possuir. Tal é visível
mais nitidamente em dois exemplos.
O primeiro tem a ver com a necessidade de variar o vocabulário usado, evitando as
repetições de palavras.
921
É assim que os versos seguintes
— Tem-te, tem-te, ó moirinho,
42
Ouve-me uma palavra.
— Como te heide ouvir, senhora
vão ser mudados, de modo a que deixem de neles aparecer duas formas do verbo
“ouvir”, para mais em versos seguidos.
922
Em B, portanto, esta passagem passa a ser:
— Tem-te, tem-te, ó moirinho,
58
Escuta-me uma palavra.
— Como te heide ouvir, senhora
Claro que, com esta variedade —agradável, sem dúvida, aos ouvidos do leitor
instruído, habituado como está a encontrá-la na poesia escrita— desapareceu uma das
921
922
O mesmo se passa no Dom Rodrigo (ver Contribuição..., cit., pp. 150-3).
As duas formas iguais “tem-te” (v. 41) não lhe devem ter parecido mal, pelo facto de, estando ao
lado uma da outra, não poderem ser criticadas como deslize involuntário do poeta.
289
características do estilo tradicional: a repetição de palavras e/ou construções. Mas Veiga
parece não ter achado que essa característica fosse um bem a conservar, antes pelo contrário.
O segundo exemplo de transformação editorial tendente a melhorar o estilo do texto
é constituído pelo colmatar duma daquelas elipses da narrativa tão próprias do estilo
tradicional, graças às quais se passa duma cena a outra da história, sem necessidade de usar
intermédios, que o ouvinte tradicional, treinado como está, perfeitamente dispensa e deve
mesmo achar desagradáveis. Tal não é, porém, o modo de ver do leitor instruído, que,
habituado à racionalidade da literatura escrita, vê esses vazios como um erro, como algo que
deve ser preenchido. Já Herder, aliás, fala dos “saltos” da narrativa como uma das
características da poesia popular que, indo contra os usos da poesia escrita,
923
mais
desagradam às pessoas instruídas:
in tutta la sua semplicità e popolarità non c’è [num determinado poema de
que Herder mostra gostar muito e transcreve mais à frente] [...] un solo verso
privo di salti e lanci nel dialogo, che desterebbe certo stupore in una poesia
moderna e a proposito del quale i nostri critici paralitici griderebbero che è
924
incompreensibile, ardito e ditirambico.
Ora Veiga parece pertencer ao grupo dos “critici paralitici” (ou, pelo menos, ter
medo do que eles dirão do seu livro) e introduz, a meio do diálogo entre a rapariga e o
mourinho, um intermédio narrativo que deixa imediatamente claro por que é que ela, depois
de se mostrar disposta a saltar para os braços do mouro, logo a seguir o manda embora:
923
Na balada e no romance tradicionais, “a acção caminha segundo um ritmo irregular, dando saltos
freqüentes no tempo, no espaço, no assunto, na transição da narrativa para o diálogo ou vice-versa, na
passagem de um diálogo para outro entre personagens diferentes, saltos êstes que a poesia culta evita, servindose de transições graduais” (Frederico Laranjo, “Subsídios para o Estudo Comparativo da Balada Inglêsa e do
Romance Popular Português”, Revista da Faculdade de Letras (Lisboa), 2ª série, IX, nº s 1-2 (1943), pp. 59-84;
citação extraída da p. 74).
924
Herder, “Frammenti da un carteggio su Ossian e le canzoni dei popoli antichi”, apud Parvopassu
e Rizzuti, op. cit., p. 113. Sublinhe-se que as leituras muito variadas de Herder lhe permitiram reconhecer que
tais saltos parecem ser conaturais à essência da poesia tradicional, qualquer que seja o seu país de origem:
“Tutte le canzoni antiche mi sono testimoni! Dalla Lapponia all’ Estonia, lettoni, polacche, scozzesi, tedesche e
tutte quelle che conosco appena, quanto più sono antiche, popolari, vive, tanto più sono audaci e piene di lanci”
(p. 114). E passa a dar outro exemplo: uma versão da balada inglesa Sweet Williams Ghost, transcrita das
Reliques de Percy, em que, de facto (tal como nos romances, por exemplo), a narrativa apresenta muitas
elipses.
290
— Se eu cuidara de assim ser
28
Já para ti me voara;
— Assim é... ái mesmo aqui
30
Nos meus braços te aparara.
30a
[
30b
Ao longe /* bem/ que assomava
30c
Cavalleiro de armas brancas
30d
Que sobre a areia voava
30e
Montado em <negro>[↑ rijo] cavallo
30f
Que pela <*p>/b\occa espumava,
30g
E com elle tambem vinha
30h
Uma nobre cavalgada.]
Ditas que eram taes palavras
— Ai corre dahi bom moiro,
32
Não digas que te eu fallava.
De além vem um cavalleiro,
34
Seu cavallo relinchava;
Ainda que a explicação suplementar introduzida por Veiga seja desnecessária (pela
explicação que a própria jovem dá na sua fala), a verdade é que essa passagem narrativa
introduz algo que, no entanto, sem ela, o texto não possuiria, e que, embora ausente na
poesia tradicional, é considerado importante pela literatura narrativa escrita: a descrição das
personagens. Além disso, a passagem introduzida por Veiga fornece ainda uma informação
suplementar: a de que o cavaleiro cristão chega acompanhado por “uma nobre cavalgada”.
Este pormenor, importante para explicar o modo decidido como ele enfrenta o mouro,
servirá também para outro objectivo não despiciendo: o de indicar que, no final, a “fuga” da
rapariga com o cavaleiro não é nada de reprovável, pois este, longe de ser uma pessoa de
fracos recursos e baixa estirpe, com quem ela, mais tarde, se arrependa de ter ligado o seu
destino, é, ao fim de contas, alguém de elevada posição social. E, graças à “nobre cavalgada”
que “com elle [o rapaz] vinha”, a fuga dos apaixonados, tornar-se-á, isso sim, um cortejo,
ordenado e honroso, de modo que fica, portanto, afastado todo o aspecto moralmente
reprovável que poderia ter a decisão da jovem de ir contra os desejos do pai.
925
925
A preocupação com aspectos morais leva também a uma transformação importante no Dom
Rodrigo (ver Contribuição..., cit., p. 138).
291
O Caso da Fonte das Almas
O segundo dos casos de autenticidade aparentemente problemática a que acima nos
referimos é o da Fonte das Almas.
É indesmentível que este romance, pelo aspecto extremamente arrebicado do texto
dado à estampa no Romanceiro do Algarve (que doravante designaremos como testemunho
B) e por dele não haver versões nos romanceiros mais conhecidos, “até há relativamente
pouco tempo, pareceria uma das composições quase totalmente levantadas pelo ‘retoque’ de
Estácio da Veiga”.
926
Por outro lado, o facto de o único texto que dele existe no espólio (e a
que passaremos a chamar testemunho A) ter um aspecto muitíssimo próximo de B (e ser,
portanto, muito artificioso) parecia a prova final de a Fonte das Almas não ter chegado a
Veiga a partir da tradição oral,
927
constituindo um dos textos devidos à fértil inventiva e à
facilidade versificatória de Veiga .
No entanto, como lembra Maria Aliete Galhoz,
anos 90 por Idália Farinho Custódio
929
928
as duas versões recolhidas nos
vieram mostrar que existe, de facto, na tradição
algarvia, um texto sobre este tema. Comecemos por dizer que se encontra, noutras regiões de
Portugal (e também no Algarve), uma “pequena narrativa lírica do ‘milagre da fonte’”,
926
930
Maria Aliete Galhoz, “Breve Nota sobre o Romanceiro no Algarve”, in Madalena Braz Teixeira
(org.), Traje do Algarve. Orla marítima, Lisboa, Museu Nacional do Traje, 2001, p. 65.
927
É verdade que Estácio da Veiga se refere aos textos orais que possuiu, dando mesmo alguns
pormenores: “Uma só lição obtive deste romance, e muito adulterada, com o titulo de Milagre da Senhora do
Rosario; e bem assim mais uns fragmentos pouco validosos” (Romanceiro do Algarve, p. 201). Porém, estas
palavras só por si nada provariam, sabendo-se —por outros romances que à frente analisaremos— que
afirmações deste teor aparecem feitas sobre poemas que é possível provar terem sido inventados por Veiga. No
presente caso, no entanto, é bem possível que as versões que ele efectivamente possuiu (e é ponto assente,
como adiante se concluirá, que ele, de facto, possuiu pelo menos uma versão do texto) apresentassem as
referidas características, conforme se depreende do que veremos sobre a aparência que a Fonte das Almas tem
na tradição oral.
928
929
Loc. cit.
Ver Idália Farinho Custódio e Maria Aliete Farinho Galhoz, Memória Tradicional de Vale Judeu,
[I], [Loulé], Câmara Municipal de Loulé, 1996, p. 89, e op. cit., II, id., id., 1997, p. 61.
930
Maria Aliete Galhoz, “Breve Nota sobre o Romanceiro no Algarve”, cit., p. 66.
292
que, além de aparecer em versões autónomas,
931
surge também integrada na Fonte das
Almas. Vejamos uma versão (inédita) autónoma dessa narrativa, versão que exemplifica bem
a forma que o texto em causa, de variação mínima, costuma apresentar:
Senhora da Lapa
2
fez um milagre no monte:
o Menino pediu água,
4
logo se abriu uma fonte.
A fonte era de prata,
6
a água era de cheiro,
o Menino era santo,
8
filho de Deus verdadeiro.
932
A Fonte das Almas, porém, é um tema mais complexo e longo do que a “pequena
narrativa” do Milagre da Fonte. Passamos a transcrever uma sua versão:
Nossa Senhora se levantou numa manhã ao cantar do galo.
2
Ia a Nossa Senhora com um passo muito asseado,
e, no meio desses caminhos,
4
ali ambas se ajuntaram com Nossa Senhora do Carmo,
e foram fazer visita à Nossa Senhora do Rosário.
6
No meio desses caminhos, um menino pediu água
e ali se abriu uma fonte em manjerona cercada.
8
Tinha três chaves:
uma com que se abria, outra com que se fechava
10
e outra com que o Senhor s’ alumiava.
Numa ponta tinha a lua, noutra tinha o sol pintado,
931
Um exemplo trasmontano pode ler-se em Pe. Firmino A. Martins, Folklore do Concelho de
Vinhais, [I], Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928, pp. 73-74.
932
Informante: Albertina Viana Guerreiro, 81 anos, Espiche, concelho de Lagos. Recolha (em
Dezembro de 1996) e transcrição de Vera Lúcia Fernandes. Esta versão, gravada no âmbito da cadeira de
Literatura Oral, leccionada pela Prof.ª Isabel Cardigos, pertence ao arquivo sonoro do Centro de Estudos
Ataíde Oliveira (Universidade do Algarve).
293
12
noutra tinha Nosso Senhor crucificado.
Já lá vem o Bom Jesus, todo vestido de branco.
14
Já lá vem Nossa Senhora, toda lavada num pranto.
— Ó filho, dá-me a tua cruz qu’ eu bem ta quero levar.
16
— Ó Mãe, deixa-me a minha cruz qu’ eu bem n’a posso levar.
Lá no céu oiço gemer, também cá oiço chorar,
18
são n’os filhos de Deus que choram p’ra n’os salvar.
933
A Fonte das Almas é bastante rara, pois, além de três versões algarvias (as duas
acima referidas e uma outra, que, entretanto, tinha escapado à atenção dos estudiosos),
dela parece existirem publicadas apenas outras quatro versões, alentejanas.
935
934
Não
conhecemos paralelos seus na tradição de língua castelhana, embora em Espanha e entre os
Sefarditas haja algumas orações em que surge o motivo das “três chaves”,
936
presente
também, como vimos, no romance Fonte das Almas.
Dada, pois, a raridade deste romance poliassonantado (ou, talvez mais exactamente,
deste conjunto de fórmulas migratórias, organizadas com grande felicidade) dele
transcrevemos outra versão algarvia, até agora inédita. Esta transcrição ajuda a traçar o
retrato da Fonte das Almas, que, nas restantes versões conhecidas, muda, em relação aos
dois exemplos que fornecemos, apenas do ponto de vista discursivo (e, mesmo assim,
pouco):
Ontem à noite, à meia-noite, bem cedo, ao cantar do galo,
933
934
Idália F. Custódio e Maria Aliete F. Galhoz, op. cit., [I], p. 89.
Deu com ela recentemente a Doutora Maria Aliete Galhoz, a quem muito agradecemos ter-nos
comunicado a sua existência. Foi recolhida em Estoi, concelho de Faro, e encontra-se publicada no
Cancioneiro Popular Português, de J. Leite de Vasconcellos, org. por Maria Arminda Zaluar Nunes, III,
Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1983, p. 227.
935
Além das três incluídas por Costa Fontes na bibliografia de U65, A Fonte das Almas (são as
indicadas pelas siglas Martins-Ferré, Pires e Marques-Silva), conhecemos apenas (através de informação
pessoal de Maria Aliete Galhoz) o texto publicado em Manuel Joaquim Delgado, A Etnografia e o Folclore do
Baixo Alentejo, Beja, Assembleia Distrital de Beja, 1985, pp. 11-2.
936
Referimo-nos a versos como “[María] Tiene tres llaves: / con una cierra, / con otra abre, / con
otra dice / el Ave María y la Salve”. Sobre esta fórmula, ver José Manuel Pedrosa, “Las tres llaves y Los
huevos sin sal: versiones hispanocristianas y sefardíes de dos ensalmos mágicos tradicionales”, Sefarad, año
58, fasc. 1 (1998), pp. 153-165 (os versos referidos foram retirados deste artigo, p. 154).
294
2
levantou-se Nossa Senhora mais a Virgem Mãe do Carmo,
foram fazer a oração a Nossa Senhora do Rosário.
4
Indo no meio do caminho, logo o Menino pediu água.
Logo se ele abriu uma fonte, em manjerona cercada.
6
Era uma água tão preciosa, uma fonte tão lavadinha,
onde bebeu o Verbo Divino, Filho da Virgem Maria.
8
Ela tinha três chaves com que se ela servia:
uma com que se ela abria,
10
outra com que [se] ela fechava,
outra com que se ela aumentava,
12
quando as almas por lá iam.
937
Para evidenciar o profundíssimo trabalho editorial a que Estácio da Veiga submeteu
o seu texto, mas também para que fique claro ter ele, de facto, possuído uma base oral, não
sendo a Fonte das Almas uma completa invenção do seu editor, iremos agora transcrever o
testemunho A. Sublinhe-se que o testemunho B está muitíssimo próximo de A, e dele se
afasta praticamente só por ter adoptado as pequenas transformações que, em A, se fazem nas
entrelinhas. Vejamos, pois, o testemunho A:
938
A Fonte das Almas
Era de maio uma tarde,
2
De taes flores perfumada,
Que a virgem mãe do Rozario
4
De tanto enlevo enlevada,
Junto á margem de um ribeiro
6
Céu e terra contemplava.
Nas aguas que alli corriam,
8
937
Via-se ella retratada,
Informante: Maria Otília Margarida Pacheco Duarte, 58 anos, natural de Paderne, concelho de
Albufeira (onde aprendeu), e residente em Faro, onde foi entrevistada, a 6/4/1997, por Carla Lúcia Carreto.
Transcrição de J. J. D. Marques. O texto foi recolhido para a referida cadeira de Literatura Oral e pertence ao
arquivo sonoro do Centro de Estudos Ataíde Oliveira.
938
5 D / 30a-c.
295
E dos myrtaes e roseiras
10
Que o ribeiro refrescava,
Uma capella tecêra
12
Para a senhora da Orada.
Tecida que era a capella
14
Logo dalli se ausentára,
Levando em seu regaço
16
O filhinho de su’ alma.
Indo em meio do caminho
18
Tanto calor apertava;
Que o menino pedia agua,
20
Mas sua mãe lha não dava,
Que d’ entre aquellas restevas
22
Olho d’ agua não brotava.
Crescia a sêde, crescia
24
E então a virgem parára.
Lança os olhos pelo campo
26
Vê uma rocha escarpada,
Onde o sol dava de face
28
Com tal ardor, que crestava!
Palavras que a virgem disse,
30
Como ninguem escutava,
Só o rochedo as ouvira
32
Sómente /*elle/ as escutára.
O caso é que, em bem pouco
34
Agua tão fresca brotava,
Que aos pés da virgem corria
36
Como quem lhe os pés beijava.
Bebendo o santo menino,
38
Toda a fonte se cercava
De alecrim e mangeronas,
40
E de rosas perfumadas.
Desde então ficou a fonte
42
Chamada a fonte fadada,
296
Com tres chaves, uma de oiro
44
E as outras duas de prata,
Uma para ser aberta,
46
Outra para ser fechada,
E outra para alli guardar
48
Almas puras como a agua.
Das muitas almas que a virgem
50
Muitas vezes lá deixava,
O povo, que isto sabia,
52
Lhe chamou — Fonte das almas”.
Aparato genético
15
Levando <em>/no\ seu regaço
18
<Tanto>[↑ <Muito> Grande] calor apertava;
19
<Que o>[↑ Agua o] menino pedia <agua>,
24
E então a virgem pará<*d>/r\a. Dado que não estamos seguros de ser um d a letra escrita,
num primeiro momento, por Veiga e dado que a forma parada parece não estar de acordo com os versos
seguintes, decidimos adoptar no texto a segunda forma da palavra.
25
Lança <os> olhos <pelo campo>[↑ á ventura]
30
<Como ninguem escutava,> [↑ Logo pelo céu entraram]
31
<Só>[↑ E] o rochedo [↑ que] as ouvira
32
<Sómente /*elle/ as <escutára.>[<↑contemplára.>]>[ Em fonte se transformára.]
34
Agua tão fresca <brotava>[lançava],
35
Que /*as/ pés da virgem corria O sentido, obviamente, pede aos (lição que, aliás, é a presente
em B), mas a verdade é que a palavra existente em A tem apenas duas letras: a segunda é um s, e a primeira
poderá ser um a ou um o. De qualquer modo, decidimos corrigir, no texto, o que parece apenas um lapso de
Veiga.
40
E <de> rosas <perfumadas.>[↑ de toda a casta.]
post 40
<Fadou a senhora a fonte>
42
Chamada a fonte fadada <,>[.]
43
<Com tres chaves, uma de oiro>[↑ Dera-lhe a virgem tres chaves]
44
<E as outras duas>[↑ Uma d’ oiro e as mais] de prata,
49
Das <muitas> almas que a [↑ santa] virgem
post 49
50
<Alli ás vezes>
Muitas vezes lá <deixava,>[↑ guardava,]
297
Um confronto, mesmo breve, entre os dois últimos textos transcritos torna evidente
que, embora da Fonte das Almas não exista no espólio um texto minimamente credível, a
verdade é que tal texto sem dúvida existiu. Por outro lado, uma vez que, no tempo de Estácio
da Veiga, não havia publicada nenhuma versão do romance em causa, é óbvio que o texto
tradicional cuja existência o testemunho A pressupõe terá de ser aquele que Veiga possuiu.
Assim, a Fonte das Almas não é, como deixaria supor o aspecto com que aparece aos nossos
olhos, uma simples invenção de Estácio da Veiga.
Aspectos do Método Editorial Criativo na Fonte das Almas
Da Fonte das Almas, como vimos, não existe no espólio o texto fruto da recolha,
nem sequer um texto minimamente próximo desse. No presente caso, portanto —ao
contrário do que felizmente acontece com outros romances de Veiga—, não podemos
analisar vários testemunhos, de modo a avaliar o trabalho de polimento a que Estácio da
Veiga julgou necessário submeter os romances, antes de os expor aos olhos do público. No
entanto, poderemos sempre ter em conta as versões algarvias de que dispomos, as quais
apresentam, como dissemos, um aspecto bastante estável, de que não deveria afastar-se
muito o texto recolhido por Veiga. Além disso, temos para nos ajudar, como outra pedra de
toque, as características estilísticas do romanceiro tradicional, cujo estudo, provavelmente
ainda não feito com toda a profundidade necessária, parece permitir, no entanto, já bastantes
certezas.
939
Vejamos, então, algumas das transformações introduzidas por Estácio da Veiga, tal
como as podemos deduzir do testemunho A.
Um dos aspectos que mais chama a atenção é o modo como Veiga expandiu o texto
tradicional.
939
940
Sem acrescentar núcleos à ténue narratividade das versões tradicionais, o seu
Ver, sobretudo, R. Menéndez Pidal, Romancero hispánico, 2ª ed., I, Madrid, Espasa-Calpe, 1968,
p. 58-80.
940
Também o Dom Rodrigo aumenta muito o seu comprimento, passando de 65 versos (curtos) na
versão recolhida da oralidade a 84 versos no texto publicado.
298
aumento fez-se graças ao acrescento de múltiplas catálises e informantes:
941
minúsculos
incidentes narrativos e descrições. E, assim, a essencialidade de versos como
6
Indo meio do caminho, logo o Menino pediu água.
Logo se ele abriu uma fonte, em manjerona cercada.
942
transformou-se, graças à pena de Veiga, na seguinte penosa prolixidade:
18
Tanto calor apertava
Que o Menino pedia agua,
20
Mas sua Mãe lha não dava,
Que d’ entre aquellas restevas
22
Olho d’ agua não brotava.
Crescia a sêde, crescia
24
E então a virgem parára
Lança os olhos pelo campo
26
Vê uma rocha escarpada,
Onde o sol dava de face
28
Com tal ardor, que crestava!
Palavras que a virgem disse,
30
Como ninguem escutava,
Só o rochedo as ouvira
32
Sómente /*elle/ as escutára.
O caso é que, em bem pouco
34
Agua tão fresca brotava,
Que aos pés da virgem corria
36
Como quem lhe os pés beijava.
Catálises e informantes, conferindo muito mais pormenor ao texto, tornam-no, sem
dúvida, mais perfeito do ponto de vista da literatura escrita romântica, ao evitarem, por um
941
Utilizamos a terminologia (“noyaux”, “catalyses” e “informants”) proposta por Roland Barthes,
“Introduction à l’ analyse structurale des récits”, in AA. VV., L’ Analyse structurale du récit (Communications,
8), Paris, Éditions du Seuil, 1981, pp. 7-33.
942
Extracto da versão inédita (originária de Paderne) atrás transcrita.
299
lado, os saltos da história, e, por outro, a falta de pormenores sobre espaços e personagens.
Este duplo vazio, aliás, repugnava muito a Estácio da Veiga, como já vimos no Cid e Búcar
e como teremos ocasião de verificar na análise de outros casos.
Além disso, o aumento de extensão assim obtido (em A —e também em B— o
poema tem 52 versos) talvez fosse mesmo condição sine qua non para a própria existência
do romance. Na verdade, sobretudo se tivermos em atenção os textos publicados no
Romanceiro de Garrett, deveria ser difícil para Estácio da Veiga (e para o seu público)
admitir a legitimidade da publicação dum poema tão pequeno como é sempre a Fonte das
Almas, que, na mais longa versão tradicional acima transcrita (a primeira delas), tem, apenas,
943
34
versos (a segunda versão, por seu lado, não passa de 20 versos).
E já que falamos na extensão dos textos, reparemos nos 34 versos da referida versão
tradicional. Se virmos bem, apenas 18 desses versos (os acima transcritos, em versos longos,
como 1-10)
944
são ocupados pela narrativa do passeio e do milagre e a descrição da fonte. Os
restantes agregam vários motivos que nada têm a ver com o início do texto, mas que se
“pegaram” à minúscula história:
Numa ponta tinha a lua, noutra tinha o sol pintado,
12
noutra tinha Nosso Senhor crucificado.
Já lá vem o Bom Jesus, todo vestido de branco.
14
Já lá vem Nossa Senhora, toda lavada num pranto.
— Ó filho, dá-me a tua cruz qu’ eu bem ta quero levar.
16
— Ó Mãe, deixa-me a minha cruz qu’ eu bem n’a posso levar.
Lá no céu oiço gemer, também cá oiço chorar,
18
são n’os filhos de Deus que choram p’ra n’os salvar.
Esse acrescento de versos emigrados doutros lugares (no caso presente, reconhecese o motivo da descrição do “panal dourado”
943
945
e versos provenientes de romances sobre a
Se dividirmos o texto em heptassílabos, como faz Veiga, a versão em causa terá, de facto, 34
versos.
944
Uma vez que os vv. 3 e 8 já eram curtos, a subdivisão em hemistíquios dos vv. 1-10 dá um total
de 18 versos curtos.
945
Encontra-se no cancioneiro (por exemplo numa das quadras duma cantiga, recolhida em Serpa,
publicada em Fernando Lopes Graça, A Canção Popular Portuguesa, 3ª ed., s/l., Publicações Europa-América,
300
946
Paixão) dá-se noutras versões da Fonte das Almas,
e devia verificar-se também naquela
que Veiga possuiu. De facto, a versos desse tipo se refere, sem dúvida, o editor quando, no
prólogo do romance, escreve:
O povo tem addicionado a este pequeno poema certos trechos, que, por mal
apropriados, e deslocados da desinência obrigada, assentei dever abandonar
947
como refacimentos, que á arte repugnavam.
Aos olhos de hoje, mas não certamente aos de alguém habituado (através do
exemplo de Garrett) a fugir dos “refacimentos”,
948
chocará a naturalidade com que Veiga
admite ter eliminado esses versos. “Mal apropriados”, ilógicos, e, portanto, necessitados de
eliminação lhe deveriam parecer, certamente, “trechos” em que, como na versão atrás citada,
Cristo aparece adulto e conversando com a mãe sobre a sua morte próxima, quando, apenas
alguns versos acima, sem transição, ele era ainda menino, acompanhando a mãe num
passeio.
E quanto a versos “deslocados da desinência obrigada”, é o que mais há na versão
tradicional citada e em todas as outras que conhecemos de A Fonte das Almas. No caso
s/d., nº 18) e no romanceiro, sobretudo na Pastora Apaixonada por Cristo (ver, por exemplo, J. Leite de
Vasconcellos, Romanceiro Português, II, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1960, nº 718).
946
Por exemplo, versos perfeitamente paralelos aos que, acima, têm os nºs 13-18 encontram-se na
versão, alentejana, publicada por Manuel Joaquim Delgado (op. cit., p. 112), vindo, também ali, logo a seguir à
descrição da fonte:
Lá vem Nossa Senhora vestida de branco...
Lá vem Jesus Cristo alagado em pranto...
Ó minha Mãe, dê-me a Sua Cruz,
Que eu bem na posso levar;
Eu no Céu oiço gemer
E na Terra oiço chorar.
Ó meu bendito Filho, Jesus,
Que eu para o Céu quero-Vos salvar.
947
948
Romanceiro do Algarve, p. 202.
Veja-se, por exemplo, esta passagem de Garrett, no prólogo do Conde da Alemanha, segundo ele,
“uma das xácaras mais validas” na tradição: “de todas as provincias, até das de alêm mar, obtive cópias d’ ella;
algumas visivelmente adulteradas com grosseiros rifacimentos modernos, addições e ‘melhoramentos’ de
algum presumido cantor d’ aldea que pretendeu corrigir éstas antigualhas como os nossos architectos de Lisboa
corrigiram o convento de Belem, e apperfeiçoaram o frontispicio da Conceição-velha” (Romanceiro, II, p. 77).
301
daquela, temos a seguinte variação: á-o, á-a, novamente á-o, e, por fim, á. Pelo contrário,
como se viu, a versão de Veiga rima, toda ela, em á-a.
Estas duas preocupações (com a lógica dos textos e com a rima obrigada,
949
própria
do romance) são, aliás, uma constante no método editorial de Estácio da Veiga, e à sua dupla
950
acção se fica a dever grande parte das transformações a que ele submeteu os textos.
Trata-
se de, mais uma vez, fazer os textos orais, populares, obedecerem às regras que seguiam os
textos escritos, cultos, aqueles com que —quer se queira, quer não— o leitor da época iria
confrontar os poemas do Romanceiro do Algarve, os quais, portanto, Veiga não podia deixar
“errados”, sob pena de mostrar a sua província, e ele próprio, a uma luz desfavorável. Isto se
o próprio Veiga não fosse o primeiro a dar por esses “erros” —no caso da versificação, aliás,
ele é muitíssimo mais estrito que a maioria dos seus contemporâneos quanto às regras do
romance, conforme adiante veremos— e a achar que os tinha de corrigir.
Outro aspecto que, no texto publicado por Estácio da Veiga, mais atrai a atenção,
pelo choque que, também aqui, se verifica com o estilo tradicional, é a idealização do campo
(locus amoenus inicial, apresentado com todos os lugares-comuns; locus horrendus seguinte,
que, pelo milagre da Virgem, se torna, também ele, amoenus) e a concomitante idealização
da vida que no campo vive a personagem principal (deleitar-se com os encantos da natureza,
mirar-se nas águas do ribeiro ou tecer grinaldas de rosas para com elas coroar outrem, no
mais puro estilo clássico).
À idealização da paisagem e das acções corresponde, adequadamente, uma
linguagem não menos alambicada, com um léxico bem pouco tradicional (“enlevo”,
“enlevada”, “contemplava”, “myrtaes”, “ausentára”, “escarpada”, etc.) e uma sintaxe culta,
caracterizada por hipérbatos e outras construções complexas (“Era de maio uma tarde / De
taes flores perfumada”; “E dos myrtaes e roseiras / Que o ribeiro refrescava, / Uma capella
tecêra”; “Das muitas almas que a virgem / Muitas vezes lá deixava, / O povo, que isto sabia,
/ Lhe chamou — Fonte das almas”.
949
951
A regularização da rima (e também da métrica) levaram a numerosas transformações no Dom
Rodrigo (ver Contribuição, cit., pp. 143-5).
950
951
É o que se verifica no Dom Rodrigo (ver Contribuição, cit., p. 143).
No testemunho B, esta última passagem aparece modificada, apresentando, agora, um vistoso
encavalgamento:
Das almas que a Santa Virgem
50
Muitas vezes lá guardava,
302
A Fonte das Almas é, cremos, um bom exemplo da idealização, a que já antes nos
referimos, que o editor tende a apresentar do povo rural do seu Algarve, do modo como ele,
provavelmente, esperava ter encontrado esse povo, e, sem dúvida, do modo como tal povo,
de acordo com as teorias românticas, deveria ser. No presente romance, a idealização
exprime-se em duas vertentes: por um lado, no desenho da própria personagem principal,
habitante do campo, cuja ocupação (tecer grinaldas) e características psíquicas (o enlevo
com a beleza do campo) pouco terão a ver com os camponeses reais, e muito com a
imaginação do poeta que mora em Lisboa, afastado da sua terra natal desde a adolescência.
(Poder-se-á obstar, claro, que a personagem do texto não é uma camponesa, mas sim uma
figura divina. Porém, o modo como ela se comporta, indo de visita a casa duma amiga, para
lhe levar um presente, e deslocando-se a pé, pelo “grande calor”, em vez de, digamos assim,
se “teletransportar”, nada tem de divino, mas sim de humano.)
952
A segunda vertente da idealização presente neste texto liga-se às características da
poesia oral que ele pressupõe, e, por sua vez, poderá subdividir-se em dois aspectos.
Em primeiro lugar, o facto (que já encontrámos no Cid e Búcar e se verifica,
também, em qualquer texto do Romanceiro do Algarve) de essa poesia apresentar uma
linguagem culta, que muito pouco tem a ver com a das pessoas que oralmente a transmitiam
(teoricamente, os aldeões algarvios, embora, como vimos, os manuscritos do espólio
mostrem ter a recolha sido feita sobretudo nos centros populacionais maiores), mas muito,
isso sim, com o sociolecto que os poetas burgueses citadinos da época (nomeadamente
lisboetas) usavam nos seus livros.
Em segundo lugar, o facto de essa poesia exprimir a “tocante simplicidade” do
“bom povo” camponês, pouco esclarecido teologicamente (identifica as várias invocações da
Virgem com sendo diferentes Nossas Senhoras, que se visitam umas às outras, levando
presentes) e acreditando em milagres ingénuos, um pouco tolos, mas que —numa época em
Ficou o povo chamando
52
Á fonte “A fonte das almas”.
(Romanceiro do Algarve, p. 204)
952
Conforme vimos, nas versões tradicionais da Fonte das Almas Nossa Senhora comporta-se
também como uma camponesa, mas, ali, o seu comportamento não é, de modo algum, tão idealizado como no
texto do Romanceiro do Algarve. Nas versões tradicionais, a Virgem pode, também, dar-se ao luxo de ir fazer
uma visita às outras nossas senhoras suas amigas, parecendo um grupinho de camponesas ricas, que não
precisam de trabalhar, algo que, portanto, faz todo o sentido, neste contexto. Mas, ao contrário do que acontece
no texto de Veiga, nas versões tradicionais Nossa Senhora não leva de presente uma grinalda de mirtos e rosas,
nem passa o tempo olhando embevecidamente a paisagem, como uma citadina de visita ao campo.
303
que a sociedade citadina se encontrava infectada pela descrença religiosa— tinha a enorme
qualidade de persistir nas crenças dos antepassados, constituindo a verdadeira imagem do
“bom tempo antigo” cuja desaparição Veiga mostra mais duma vez lamentar.
953
É claro que,
neste caso, o editor quase nada inventou: nos textos tradicionais da Fonte das Almas há, de
facto, esse desdobramento da Virgem em várias personagens (segundo as diferentes
invocações), as quais se visitam ente si, limitando-se Veiga a acrescentar o pormenor de elas
levarem presentes (toque que, aliás, seria muito mais uma característica das visitas feitas no
meio burguês citadino do que no meio rural popular). Mas por que terá ele aproveitado este
poema para publicação no Romanceiro do Algarve, quando mais de metade dos romances
que recolheu não foram ali incluídos? Não custa muito a imaginar, pensamos, o
enternecimento com que Estácio da Veiga encontrava neste poema as referidas
características da “ingénua crença popular” e, em última análise, a essência do Portugal
Velho, desaparecido com o Liberalismo.
954
Finalmente, este texto apresenta um aspecto que, no mínimo, confessa a sua própria
falsidade. Referimo-nos ao final, em que alguns versos, teoricamente recolhidos da boca do
povo, se referem, paradoxalmente, ao mesmo povo usando a terceira pessoa:
Das muitas almas que a virgem
50
Muitas vezes lá deixava,
O povo, que isto sabia,
52
Lhe chamou — Fonte das almas.
Revela-se aqui, obviamente, o ponto de vista do narrador culto, do homem
instruído, que conhece a existência de lendas etiológicas, em prosa, e se interessa por elas.
Narrador que, além disso, pretende apresentar o poema como a versificação, feita pelo povo,
duma dessas lendas, labor em que é ajudado pelos comentários do prólogo, onde Estácio da
Veiga disserta sobre a possibilidade de o poema se referir a uma localidade chamada Fonte
953
“De bom tempo é, sem duvida, o romance do Cavalleiro da Silva”, diz-se logo a começar o
prólogo do Cid e Búcar (Romanceiro do Algarve, p. 11), romance que, pelas palavras de Veiga, não seria
posterior a fins do séc. XIV. E, no prólogo da Batalha de Lepanto, há as seguintes palavras muito
significativas: “tudo era grandeza nesses dias, em que o nosso Portugal, dominando em toda a parte, sem
demasiada vaidade, chamava sua colonia, (ainda não ha bem meio seculo) a um dos mais consideraveis
imperios da terra!” (op. cit., p. 53).
954
Recorde-se que, conforme atrás dissemos, Veiga era miguelista.
304
Santa, no concelho de Albufeira, “da[ndo-se] a coincidencia de [ela] não ficar muito longe
da Senhora da Orada,
955
para quem a Virgem tecêra uma capella de myrto e rosas”.
956
De
facto, na versão de Veiga, como vimos, Nossa Senhora vai visitar Nossa Senhora da Orada,
mas esta invocação não se encontra em nenhuma das restantes versões conhecidas da Fonte
das Almas, onde, pelo contrário, surgem sempre Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora
do Carmo. Será que a inclusão do nome da Senhora da Orada se deve a Estácio da Veiga, de
modo a tornar mais fundamentada a característica de lenda etiológica de que ele quis revestir
o poema?
Seja como for, vê-se que o editor se não apercebeu de que o gato, embora
escondido, tinha o rabo de fora, pois o simples facto de um poema versificar uma lenda
revela, só por si, que ele é de origem erudita. Este último aspecto, o dum poema culto que
consiste na versificação dum texto popular em prosa, é, aliás, algo que voltaremos a
encontrar no Romanceiro do Algarve e um dos pontos em que, nesta obra, se verifica mais
claramente a influência dum subgénero da poesia culta contemporânea de Veiga, a balada, a
que à frente daremos a devida atenção.
955
956
Entenda-se: da igreja de Nossa Senhora da Orada, que se situa em Albufeira.
Romanceiro do Algarve, p. 201.
VII
TRÊS CASOS DE ROMANCES FALSOS
Como vimos atrás, no inventário do espólio de Estácio da Veiga há um grupo de 11
romances que intitulámos “Textos não recolhidos (ou aparentemente não recolhidos) da
tradição oral”. Nesse grupo, podemos estabelecer três subgrupos:
i) Inclui 7 romances, sobre os quais (tendo em atenção o que dissemos atrás nas
respectivas notas de rodapé e aquilo que adiante veremos) há a certeza de não virem, de
facto, duma recolha na tradição oral, sendo invenções de Estácio da Veiga, com base em
outros textos, não tradicionais. Trata-se dos seguintes: Os Calvos; Cativo em Fuga Morre no
Mar; Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura; Cavaleiro Lamenta-se pela Ausência
da Amada; Descrição duma Bela Pastora; D. Julião; e A Senhora dos Mártires Salva um
Cativo.
ii) Inclui um romance (Pastora Morre de Amor), que, pelos motivos indicados na
respectiva nota, temos dúvidas em dizer que seja invenção total de Estácio da Veiga.
iii) Inclui 3 romances, que, pelos motivos atrás indicados (e, no caso do terceiro
deles, pelo que adiante veremos), nos inclinamos muitíssimo a atribuir à pena exclusiva de
Estácio da Veiga, embora não o possamos provar de modo indiscutível: A Serrana Fiel, O
Frade e a Freira e A Moura Encantada de Tavira.
O Caso do D. Julião
O único dos 11 romances atrás citados de que, como se sabe, existe uma versão
antiga é o D. Julião, pelo que poderia pôr-se a hipótese de Veiga ter, de facto, possuído uma
sua versão oral.
É verdade que a versão publicada no Romanceiro do Algarve é altamente suspeita,
apresentando um estilo muito pouco tradicional,
957
957
e que certos versos seus ecoam
O primeiro a chamar a atenção para tal aspecto foi Teófilo Braga, que, logo no ano seguinte ao da
publicação do Romanceiro do Algarve, fez várias certeiras observações sobre o texto do D. Julião, o qual,
demasiado algumas passagens da versão antiga. Contudo, seria sempre possível pôr a
hipótese de que tal se ficara a dever ao método editorial criativo de Estácio da Veiga:
possuindo, num primeiro momento, uma versão tradicional do romance, Veiga tê-la-ia,
depois, modificado, aproximando-a da versão antiga (que conhecia pelo Tesoro de Ochoa),
entendida como a versão “correcta”. O texto publicado no Romanceiro do Algarve seria,
precisamente, produto desse segundo momento.
958
Analisando, porém, os manuscritos que
do D. Julião existem no espólio, somos levados a concluir que o caminho que eles deixam
adivinhar é precisamente o inverso da anterior hipótese.
Comecemos por observar o testemunho A,
959
e, em paralelo, os versos ou formas
que lhe correspondem, no texto antigo (extraído da obra de Ochoa).
960
Deste último,
transcrevemos, não só os versos em que a semelhança discursiva com A é inegável, mas
também alguns em que, mudadas embora a maioria das palavras, pensamos que se continua
a sentir uma forte identidade sinonímica (estes últimos versos vão transcritos em itálico).
Testemunho A
Dom Rodrigo, dom Rodrigo,
2
Ochoa
31, etc. don Rodrigo
Rei traidor e sem palavra,
Com a vida hasde pagar
afirmava, “traz em si a prova da [sua] falsidade”. Baseava-se ele no facto de, na versão de Veiga, as
personagens e os topónimos conservarem os nomes históricos (“Rodrigo”, “Juliano”, “Cava”, “Ceita”,
“Oppas”, “Guadalete”...), “sabendo-se que os nomes de pessoas e de logares são a primeira cousa que se
oblitera na tradição” (Theophilo Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, Porto, Imprensa Portugueza—Editora,
1871, pp. 372 e 373).
958
É tal hipótese que explica, pensamos, ter sido este —entre os temas romancísticos
suspeitosamente atestados apenas no Romanceiro do Algarve— o único a conseguir entrar na Bibliografia do
Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna, cit., de Pere Ferré e Cristina Carinhas. O mesmo
acontecera, aliás, no C.G.R., onde (embora qualificando como “muy retocada” a versão de Veiga), Diego
Catalán e seus colaboradores não deixam de incluir o romance En Ceuta está don Julián, baseando-se apenas
na atestação fornecida pelo Romanceiro do Algarve, ainda que possivelmente desconfiando dela (ver Diego
Catalán, con la colaboración de J. Antonio Cid, Beatriz Mariscal, Flor Salazar, Ana Valenciano y Sandra
Robertson, El romancero pan-hispánico[.] Catálogo general descriptivo, 2, Madrid, Seminario MenéndezPidal, 1982, nº1).
959
960
5 D / 68 – 69.
Tesoro de romances, cit., p. 84.
307
4
6
A traição de Dona Cava.1
48 Cava
Dom Julião está em Ceuta,2
1
En Ceuta está don Julian,
3
2
En Ceuta la bien nombrada
Lá em Ceuta a bem fadada,
A jurar está vingança
8
Pelas suas mesmas barbas.
Mouro velho escrevia,
10 O conde a carta notava,
Mal acaba de escrever
12 Ao rei moiro a mandava.
Na carta lh’ off’rece o conde
14 Todo o reino de Granada,
5 Moro viejo la escrebia,
6 Y el conde se la notaba:
7 Despues de haberla escripto,
11 Las cartas van al rey moro,
12 En las cuales le juraba
14 Le dará por suya España
Se lhe quizesse mandar
16 Sua gente bem armada,
Para vingar sua filha,
18 Que elrei lhe deshonrára.
Mal que elrei recebe a carta
20 Sua gente aparelhava
13 Que si le daba aparejo
Para vingar Dom Julião,
22 Para conquistar Granada.
Hispanha, Hispanha, ái de ti!
15 España, España, ¡ ay de tí!
24 Tão formosa e desgraçada
Por amor de uma mulher
26 Irás a ser arrasada!
Hispanha, Hispanha, ái de ti!
28 Tão formosa e desgraçada,
Por vingança de um traidor
30 Irás a ser abrasada!
23 Por un perverso traidor
24 Toda eres abrasada,
Hispanha, Hispanha, ái de ti,
32 Tão formosa e desgraçada,
Por amores do teu rei
34 Serás hoje ainda escrava!
Eras das sete partidas
36 No mundo a mais nomeada,
Mais do que todas formosa,
38 E em proezas estremada;
Tantas cidades e villas
40 Hoje te serão ganhadas!
17 La mejor de las partidas,
16 En el mundo tan nombrada
21 Dotada de hermosura,
22 Y en proezas estremada,
25 Todas tus ricas ciudades
27 Las domeñan hoy los moros
Andaluzia não hade
42 Dar-te mais vida, mais alma. (Nota)
961
O triste rei Dom Rodrigo
31 El triste rey don Rodrigo
44 Ao campo vai dar batalha
34 Sale á la campal batalla,
Mas o traidor de Dom Oppas (Nota)
46 Tudo alli lhe atraiçoára.
962
41 Maldito de tí, don Oppas,
42 Traidor y de mala andanza
Grande senhor de Marrocos4
48 Commandava grande armada;
Pondo o pé em terra firme
50 Toda a terra conquistava,
O sangue já era tanto
52 Que todo o campo alagava;
Assim perde Dom Rodrigo
54 A sua grande batalha,
Tambem perde Andaluzia,
56 Tambem perde Granada.
Toda Hispanha se converte
58 Em poderosa Moirama.
Dom Julião e Dom Oppas
60 Dona Cava assim vingavam.
Notas (do testemunho A)
No fim do texto do romance: Vide Ochoa pg 84 — Rom. 8º
Em rodapé:
1
A traição de Dona Clara.
961
A palavra Nota remete, sem dúvida, para uma nota de rodapé que, porém, se não encontra em
nenhuma parte do presente testemunho. No testemunho B (cópia modificada de A) existe, no entanto, no
mesmo verso, uma nota (ali a nº 4), que diz o seguinte: “Estes dois versos referem-se talvez ao facto de ter sido
em Andaluzia que Dom Rodrigo foi primeiramente proclamado rei pelos inimigos de Witiza.” (5 D / 65v). Esta
nota surge também, ligeiramente retocada, no testemunho C (Romanceiro do Algarve, p. 10).
962
Passa-se com esta Nota o mesmo que com a anterior. A que lhe corresponde em B diz o seguinte:
“Refere-se que dom Oppas arcebispo de Sevilha, que figurou no principio do VIII seculo, capitaneá<ra>/ndo\
os filhos de Witiza contra o rei Rodrigo, <e que> tomára uma parte muito integrante na conjuração do conde
Dom Julião.” (5 D / 66r). A mesma nota surge, retocada, em C (Romanceiro do Algarve, loc. cit.).
309
Este nome de D. Clara vê-se immediatamente que é adoptado pelo povo em vez do
de Cava, que assim se diz ter-se chamado a filha do conde de Ceuta D. Julião, a qual fôra
objecto de criminosas affeições de el rei D. Rodrigo
2
Juliano está em Ceuta
3
Para te fazer a barba
4
Este Grande senhor de Marrocos não pode deixar de ser o celebre Muza, com
quem o conde Dom Julião se compozéra entregando-lhe as praças africanas de seu
commando, e abrindo-lhe o passo para a conquista de Hispanha, para assim desthronar e
anniquilar o famoso violador de Cava sua filha, ou mulher, como tambem se diz.
Aparato genético (do testemunho A)
2
Rei <traidor>[↑ sem alma] e sem palavra,
5
Dom Julião <está>[↑ lá] em Ceuta,2
9
Mouro velho [<lhe>] escrevia,
24
Tão formosa e <desgraçada>[↑ malfadada]
25
Por amor de uma <mulher>[↑ donzella]
28
<Tão formosa e desgraçada,>[↑ Formosa e mal empregada]
39
<Tantas>[↑ Tuas] cidades e villas
52
Que todo o campo <alagava;>[↑ ensangoava;]
56 [E] <T>/t\ambem perde <g>/G\ranada; Adoptámos no texto a última destas emendas, uma vez
que a forma anterior é um visível lapso de Veiga.
57
Toda <E>/Hi\spanha se converte Tendo em atenção que Hispanha é a forma que surge
anteriormente no testemunho (por três vezes), e que não indica nenhuma diferença fonética relativamente à
forma Espanha, constituindo apenas um latinismo gráfico, decidimos adoptá-la no texto, embora, no presente
verso, ela não seja a forma inicial.
Nota 1
... a filha [↑ ou mulher] do conde ...
... affeições de <el rei> D. Rodrigo [ultimo rei godo.]
Nota 4 Este <g>/G\rande senhor ...
... Muza, <a>[↑ com] quem [↑ se diz que] o conde Dom Julião <entregara> se compozéra
entregando-lhe as praças africanas...
Uma vez que a forma inicial desta frase está incompleta (falta-lhe, de
facto, o complemento directo, dado que as praças africanas foi escrito quando entregara já tinha sido riscado e
substituído), não a pudemos adoptar no texto.
... filha, ou mulher, <como tambem se diz.>[ em signal de sua vingança.]
É inegável e altamente suspeita a semelhança de tantos versos, sendo, para mais,
muitos deles de estilo nada tradicional, pelo que seria extremamente improvável que
tivessem podido sobreviver na oralidade, caso nela tivessem alguma vez dado entrada — e
pensamos, por exemplo, nos versos seguintes:
17 La mejor de las partidas,
16 En el mundo tan nombrada
21 Dotada de hermosura,
22 Y en proezas estremada,
e na sua teórica sobrevivência oral:
Eras das sete partidas
36 No mundo a mais nomeada,
Mais do que todas formosa,
38 E em proezas estremada
Note-se que, no testemunho A, temos uma referência à versão de Ochoa, no fim do
texto do romance, antes das notas: “Vide Ochoa pg 84 — Rom. 8º”. A página mencionada é,
precisamente, aquela onde, como assinalámos, se encontra, no Tesoro de romances, o Don
Julián, o qual é, aí, o “VIII” dos “romances del rey Rodrigo”.
Antes de passar adiante, vejamos ainda um outro aspecto interessante da influência
de Ochoa no nascimento do D. Julião de Veiga. Como pudemos observar, em A, existe uma
passagem que consiste em três quadras de construção paralelística:
Hispanha, Hispanha, ái de ti!
24 Tão formosa e desgraçada
Por amor de uma mulher
26 Irás a ser arrasada!
Hispanha, Hispanha, ái de ti!
28 Tão formosa e desgraçada,
Por vingança de um traidor
30 Irás a ser abrasada!
Hispanha, Hispanha, ái de ti,
32 Tão formosa e desgraçada,
Por amores do teu rei
311
34 Serás hoje ainda escrava!
“Hispanha, Hispanha, ái de ti!” é, obviamente, claríssima tradução do “España,
España, ¡ ay de tí!”, presente no texto nº VIII de Ochoa, mas a influência da colectânea deste
autor no nascimento do D. Julião de Veiga não se fica por aqui. De facto, na mesma página
do texto nº VIII, numa coluna paralela (no Tesoro, em cada página há sempre duas colunas),
está o princípio (e quase toda a totalidade, uma vez que só dois versos passam para a página
seguinte) do romance nº IX do rei Rodrigo.
963
Trata-se dum romance artificioso, que tem por
incipit “De lo mas alto de um monte, / A quien Guadalete baña”. Ora tal romance é formado
precisamente por três partes, de 12 + 15 + 12 versos, e, no final de cada parte, há o refrão
— ¡ Ay España, España,
Que culpa no mereces y te abrasas!
Parece-nos, pois, que este romance nº IX influiu igualmente na criação do texto de
Veiga, e, observe-se, não só na questão do nascimento das referidas três quadras
paralelísticas. De facto, parece-nos que o poema nº IX também desempenhou um papel na
formação do texto de Estácio da Veiga, no facto de, no texto “algarvio”, a invocação de
“Hispanha, Hispanha, ái de ti!” aparecer ligada ao pormenor de “Hispanha” ir “ser abrasada”
(ou, forma paralela, derivada daquela, “ser arrasada”). Com efeito, o verso “Toda eres
abrasada”, está, de facto, no nº VIII de Ochoa, mas aparece nove versos depois do “España,
España, ¡ ay de tí!” A união, na mesma quadra, dos dois aspectos (tal como surge em Veiga)
deve atribuir-se, pensamos, à influência do texto nº IX.
Diga-se, no entanto, que ao autor algarvio se parece dever a ideia de construir a
referida passagem de três quadras de paralelismo total (entre todos os versos das três
quadras), uma vez que no romance nº IX de Ochoa o paralelismo se limita à existência do
refrão e à (aproximada) identidade do número de versos de cada uma das partes do poema. A
ideia das três quadras paralelística totais é bem possível que tenha vindo a Estácio da Veiga
através do conhecimento que ele tinha do cancioneiro tradicional (de que, como vimos a seu
tempo, foi grande colector), onde tal artifício é, como se sabe, bastante corrente. E, verdade
seja, o resultado deste triplo influxo (textos nºs VIII e IX e cancioneiro tradicional) foi, no
que se refere às três quadras mencionadas, bastante positivo, sendo talvez esse o lugar do
963
Tesoro, pp. 84-5.
testemunho A onde o estilo oral está mais presente. (Mas, como veremos, tal felicidade
inventiva não terá vida longa...).
De sublinhar que aquilo que observámos no nascimento do testemunho A é, no
fundo, a formação duma versão factícia, prática que, como mostrámos, Veiga deixa bem
claro, repetidas vezes ao longo do Romanceiro do Algarve, ter sido a sua no estabelecimento
dos textos.
Mais precisamente, ao formar o seu D. Julião, Veiga adopta a combinatio,
procedimento de que, ele próprio, nunca fala de modo explícito, mas que, como vimos, em
Scott é vulgar e em Garrett (conforme igualmente vimos) surge enunciado pelo menos uma
vez.
964
No modo como Estácio da Veiga formou o seu D. Julião, o processo adoptado foi
exactamente o mesmo — com o “pequeno” pormenor de tanto o texto-base adoptado (a
versão nº VIII de Ochoa) como a versão auxiliar (a nº IX) serem falsas, não tradicionais...
Mas continuemos a análise dos manuscritos do D. Julião. Se Veiga tivesse
possuído, de facto, uma versão tradicional, que, depois, tivesse transformado com base na
versão “certa” de Ochoa, e, se tivesse chegado até nós (como chegou) mais do que um
testemunho do processo de formação do texto publicado, sem dúvida que o testemunho mais
recente estaria mais próximo do texto de Ochoa. Se tivéssemos a sorte de possuir o texto
obtido durante a recolha, nele não encontraríamos nenhum vestígio da letra de Ochoa, e,
mesmo se o texto tradicional se tivesse perdido (como teria acontecido no caso do D. Julião
de Veiga), o testemunho mais antigo que se tivesse conservado seria, de todos, aquele que
menos marcas apresentasse da influência de Ochoa. Acontece que, no caso do D. Julião, se
passa o contrário: o segundo testemunho (que passamos a designar por B), cópia
transformada de A, está mais longe da lição de Ochoa do que A, mostrando que aquilo que
Estácio da Veiga fez foi, primeiro, traduzir o texto antigo (ou escrever um texto que nele
claramente se baseava), e, depois, tentar disfarçar tal descendência, modificando
progressivamente o texto, primeiro em B, e, por fim, em C (i. e., o texto publicado no
Romanceiro do Algarve, e que é cópia um pouco modificada de B).
No caso do D. Julião (ao contrário do que acontece com Descrição duma Bela
Pastora, que mais à frente analisaremos), não se conservou, é verdade, o testemunho com a
tradução directa do texto espanhol, mas é um facto que só a existência dum testemunho
assim (com a tradução portuguesa da versão de Ochoa ou, pelo menos, com um texto muito
964
“Este romance [o Frei João] é vulgar na Extremadura e Beira e nas duas provincias d’ alêm Tejo.
Seguiu-se principalmente o exemplar vindo de Castello-branco, que era o mais amplo; mas approveitou-se de
outras licções provinciaes o que foi necessario para lhe dar complemento” (Romanceiro, III, p. 50).
313
inspirado em Ochoa) explica que, repetimos, o testemunho B esteja mais longe de Ochoa do
que A, e que C esteja ainda mais longe.
Haveria apenas uma possibilidade de Estácio da Veiga ter, de facto, possuído uma
versão tradicional do D. Julião e de, ao mesmo tempo, os testemunhos apresentarem, em
relação a Ochoa, o mesmo nível de proximidade que apresentam (i. e., A ser o mais
próximo, afastando-se B um pouco, e sendo C o mais afastado de todos). A possibilidade
seria a de Veiga ter usado Ochoa para transformar a hipotética versão tradicional, criando A,
mas, depois, ter decidido retocar o texto assim obtido, o que teria dado origem a B e, depois,
a C, mais afastados da lição de Ochoa. Porém, tal hipótese parece-nos impossível, uma vez
que, a ser assim, Veiga teria actuado contra a lógica a que obedece o estabelecimento de
textos factícios (tentar corrigir o romance desnaturado pela oralidade) e leva os editores
portugueses a (como Garrett, conforme vimos) guiarem-se pelos textos antigos castelhanos
correspondentes.
Estácio da Veiga, se tivesse lançado mão ao texto de Ochoa para retocar uma versão
portuguesa “demasiado fragmentária” que possuísse, visaria, também ele, conseguir um
texto melhor, e tal seria atingido quando o seu texto se passasse a assemelhar mais ao texto
de Ochoa, formando aquilo que designamos por testemunho A, o qual, repita-se, é, sem
dúvida, o que mais próximo está de Ochoa. Ora, uma vez conseguido tal estádio, seria
impensável que o editor voltasse a afastar-se da perfeição, através duma dupla remodelação
do texto “perfeito” A, produzindo B e, pior ainda, C, que mais errado estaria.
Face a tal impossibilidade lógica, parece-nos ser necessariamente de concluir que
Veiga não dispôs de nenhuma versão tradicional, e que o seu texto deriva duma tradução do
texto antigo. Além disso, parece-nos de concluir também que o editor algarvio actuou de máfé e que o seu trabalho editorial criativo, neste caso, visou disfarçar o mais possível a origem
fraudulenta do texto que publicou.
Para seguirmos esse trabalho editorial, passamos a confrontar as passagens de A em
que a lição de Ochoa
966
testemunhos B
965
967
e C.
é mais clara, com as passagens que lhes correspondem nos
Note-se que, na coluna correspondente ao texto de Ochoa, em dado
momento, transcrevemos, além dos versos da versão do Don Julián (o nº VIII dos seus
“romances del rey Rodrigo”), também os versos do texto nº IX, que, como dissemos, nos
965
966
967
Tesoro de romances, p. 84
5 D / 65 – 67.
Romanceiro do Algarve, pp. 6-8.
parece ter igualmente influenciado a criação do texto de Veiga. Os versos desse segundo
poema espanhol são os transcritos em itálico.
315
Ochoa
Testemunho A
Testemunho B
Testemunho C
1 En Ceuta está don Julian,
5 Dom Julião está em Ceuta,
5 Dom Julião lá em Ce<u>/i\ta,
1 Dom Juliano lá em Ceita,
2 En Ceuta la bien nombrada
6 Lá em Ceuta a bem fadada,
6 Lá em Ce<u>/i\ta a bem fadada,
2 Lá em Ceita a bem fadada,
21 Quer escrever, mas não póde,
22 Por seus servos rebradára;
5 Moro viejo la escrebia,
9
6 Y el conde se la notaba:
10 O conde a carta notava,
10 O conde a carta notava,
15 España, España, ¡ ay de tí!
23 Hispanha, Hispanha, ái de ti!
23 < Hispanha, Hispanha, ái de ti!
13 — ¡ Ay España, España,
24 Tão formosa e desgraçada
24 Nobre Hispanha malfadada,
25 Por amor de uma mulher
25 Por amor de uma <donzella>[↑ dona]
26 Irás a ser arrasada!
26 Irás a ser arrazada!
27 Hispanha, Hispanha, ái de ti!
27 Hispanha, Hispanha, ái de ti!
28 Tão formosa e desgraçada,
28 Formosa e mal empregada,
23 Por un perverso traidor
29 Por vingança de um traidor
29 Por vingança de um tr<ai>/e\dor
24 Toda eres abrasada,
30 Irás a ser abrasada!
30 Irás a ser abrazada! >
30 — ¡ Ay España, España,
968
Mouro velho escrevia,
968
9 Velho mouro
escrevia,
23 Ao mais velho escrever manda,
24 E o conde a carta notava;
Na transcrição que fazemos no texto, interpretámos o sentido do manuscrito. Nele, o que temos é o seguinte: Mouro velho escrevia; por cima de Mouro, está um 2 e,
por cima de velho, um 1.
31 Que culpa no mereces y
te abrasas!
45 — ¡ Ay España, España,
31 Hispanha, Hispanha, ái de ti,
32 Tão formosa e desgraçada,
31 <Hispanha,>[↑ Triste] Hispanha,
37 Triste Hispanha, flor do
<ái de ti,> [↑ flor do mundo,]
mundo,
32 Tão <formosa e>[↑ nobre e tão]
38 Tão nobre, e tão desgraçada!
desgraçada!
33 Por amores do teu rei
33 <Por amores do teu rei>[↑ Por
39 Por vingança de um trédor
vingança de um trédor]
34 Serás hoje ainda escrava!
34 Serás hoje ainda escrava!
40 Serás dentro em pouco escrava!
17 La mejor de las partidas,
35 Eras das sete partidas
35 < Eras das sete partidas
16 En el mundo tan nombrada,
36 No mundo a mais nomeada,
36 Do mundo a mais nomeada,
21 Dotada de hermosura,
37 Mais do que todas formosa,
37 Mais do que todas formosa,
22 Y en proezas estremada,
38 E em proezas estremada;
38 Em proezas estremada; >
31 El triste rey don Rodrigo
43 O triste rei Dom Rodrigo
45 O triste de dom Rodrigo
47 O triste de dom Rodrigo
34 Sale á la campal batalla,
44 Ao campo vai dar batalha
46 Ao campo vai dar batalha,
48 Ao campo vai dar batalha,
41 Maldito de tí, don Oppas,
45 Mas o traidor de Dom Oppas
47 Mas lo tr<ai>/e\dor de dom Oppas
49 Mas lo trédor de dom Oppas
42 Traidor y de mala andanza
46 Tudo alli lhe atraiçoára.
48 Tudo lhe atraiçoára.
50 Tudo alli lhe atraiçoára.
317
O quadro que apresentámos fala por si. Faremos apenas algumas observações sobre
duas das quatro passagens transcritas.
Quanto à primeira, na sua evolução podemos apreciar como, por um lado, se vai
disfarçando a relação existente entre os versos de Veiga e o texto antigo e, por outro, como
esses versos adquirem uma invejável patina toponímica medieval:
969
Ochoa En Ceuta está
don Julian=> A Dom Julião está em Ceuta => B Dom Julião lá em Ce<u>/i\ta=> C Dom
Juliano lá em Ceita.
A ideia do toque medievo nasce, como vemos, em B. Nesse testemunho, existe uma
nota de rodapé que, remetendo para o verso em causa, apresenta uma sua variante, provinda,
teoricamente, duma outra versão que, do mesmo romance, Veiga possuía (tal variante, como
quase sempre acontece no Romanceiro do Algarve, afinal é apenas o estádio anterior do
verso que está no texto, antes de ele ser retocado). Diz essa pretensa variante: “Juliano está
em Ceuta”. Depois, num segundo momento (contemporâneo daquele em que, no texto,
Veiga emendou o verso), a palavra “Ceuta”, na nota, foi, também aí, mudada para “Ceita”.
E, além disso, com um sangue-frio que teria feito corar Judas, o editor acrescentou: “(Ceita,
como então se escrevia)”. Em C, a nota passa a ter a seguinte redacção: “Juliano está em
Ceita. Nesta mesma variante se repete Ceita,
970
como então se escrevia”.
971
Que descoberta,
portanto: na boca dos camponeses do Algarve, permanecia viva a forma antiga, medieval,
genuína, do topónimo! Que honra para eles, para a sua província (que o resto de Portugal
considerava atrasada), e, obviamente, para o próprio colector...
Quanto à terceira das passagens que acima comparámos, assistimos à sua quase
desaparição, pois, dos 16 versos que ela apresenta em A (vv. 23-38), acaba, em C, reduzida a
apenas 4 (vv. 37-40). Como dissemos, nesta passagem verificava-se, em A, a influência de
dois textos de Ochoa, os nºs VIII e IX dos “romances del rey Rodrigo”. Na evolução sofrida
pelo texto, a marca proveniente do nº IX desapareceu de todo, já que a série de três quadras
paralelísticas ficou reduzida a apenas uma.
969
970
972
Tipo de transformação que já encontrámos no Dom Rodrigo e no Cid e Búcar.
Como se depreende, nesta frase o termo “variante” é usado no sentido de “versão”. Ao falar da
repetição de “Ceita” Veiga refere-se, obviamente, ao facto de a mesma palavra aparecer nos vv. 1 e 2.
971
972
Romanceiro do Algarve, p. 10.
É possível que a eliminação de tais quadras paralelísticas (cuja introdução fora, aliás, o único
aspecto em que o testemunho B ganhara, através do trabalho de Veiga, um toque tradicional) se deva à
preocupação de evitar as repetições lexicais, preocupação que se faz sentir também no Dom Rodrigo e no Cid e
Búcar, como vimos, e que, tem como consequência a perca duma característica básica do estilo oral.
Quanto à influência do nº VIII, um dos seus aspectos mais evidentes —o
“Hispanha, Hispanha, ái de ti” (<“España, España, ¡ ay de tí!”)—, acabou por ficar quase
irreconhecível: “Triste Hispanha, flor do mundo”. E os versos sobre a “formosa” Espanha,
“em proezas estremada”, “a mais nomeada” das “sete partidas” do mundo (claríssima
tradução dos vv. 16-17 e 21-22 de Ochoa), pura e simplesmente desapareceram.
Claro que, mesmo depois da evolução que o texto sofreu, o seu carácter falso
continuou visível, nomeadamente através da sobrevivência (impossível de admitir na
tradição) de todos os nomes das personagens, incluindo os exóticos “Cava” e “Oppas”. E
Veiga (embora menos perspicaz que Teófilo Braga, cuja opinião sobre estes fósseis lexicais
já transcrevemos) não deve ter deixado de pensar no perigo que eles poderiam representar
sob a lupa de algum crítico mais atento. Terá sido talvez por isso que, no prólogo deste
romance, escreveu o seguinte:
Assentando não dever alterar o estilo do povo, para o que me não julguei
autorisado, fiz quanto possivel por conserval-o em todos os romances que
delle alcancei; e por isso em muitos se notarão certos termos, e modos de
dizer pouco usados hoje, mas que os bons apreciadores receberão sem duvida
973
com agrado.
Além disso, em nota de rodapé, apresenta —para afastar suspeitas, sem dúvida—
uma pretensa variante de “Cava”, produto de corruptela popular: “Dona Clara”. No entanto,
no texto, manteve a improvável “Cava”, não resistindo a mostrar como a tradição da sua
província tinha mantido intactos (para cúmulo e espanto dos lisboetas) os nomes das
personagens e, como vimos, até a fonética original do topónimo “Ceita”.
Mas, claro, não é apenas pelo léxico que este romance é notável. Não: trata-se duma
importante descoberta, algo até hoje desconhecido, antiquíssimo e que só no Algarve se
conserva, como Veiga faz questão sublinhar:
O romance algarvio do Conde de Ceuta [...], viva tradição popular dos
derradeiros alentos da monarchia wisigothica, resurgindo do mal aventurado
esquecimento em que jazia, e offerecendo-se como verdadeira novidade
litteraria, com quanto haja logrado muitos seculos de recondita existencia,
apparece hoje impresso pela primeira vez.
Se a restituição deste perdido monumento constitue ou não um bom serviço
ás lettras, outros, e não eu, o dirão com mais autorisada palavra.
973
Op. cit., p. 3.
319
Como regatear elogiosos a um colector assim? Sobretudo quando sabemos que,
para recolher este diamante, ele teve de calcorrear muitas terras, incluindo aldeias bem
afastadas, como Veiga não deixa de explicar: “cidades inteiras ha que o desconhecem; e
onde melhor o encontrei, posso dizer que foi na gente camponeza mais arredada das maiores
povoações”.
974
E, um pouco mais abaixo, voltará a falar sobre o trabalho que lhe deu encontrar
versões deste romance, e, en passant, sobre o método filológico rigoroso que teve de aplicar,
para fixar o texto que oferece aos leitores:
bem poucas memorias já delle restavam, e por isso me foi mister procural-o
muito, até conseguir, como consegui, varias lições, que, simultaneamente
cotejadas, podéram produzir esta, que na essencia não differe de nenhuma, e
975
de todas mais ou menos se aproxima.
Depois de tantas provas a favor da genuinidade do D. Julião, restava só dar mais
uma: frisar que, ao contrário do que pudesse parecer, o texto algarvio, para além do tema
comum, nada tinha a ver com um certo romance antigo que algum leitor mais erudito (e
maldoso) poderia conhecer... do livro de Ochoa:
No Romancero castelhano do illustre litterato D. Eugenio Ochoa, na
collecção dos romances de elrei Rodrigo, acha-se um anónimo, o oitavo, que,
comquanto defira mui sensivelmente deste, comporta todavia o mesmo
assumpto; e assim aqui o indico para poder ser cotejado com este, que é
inquestionavelmente portuguez, e algarvio de nação.
Qual dos dois parecerá ser mais antigo e de melhor estilo? Quanto a mim, se
me não chamassem vaidoso das cousas da minha terra, preferiria á castelhana
976
esta lição algarvia.
Parece depreender-se destes surpreendentes parágrafos que Estácio da Veiga,
mesmo depois de transformar tanto o seu texto em relação ao original, não deveria, contudo,
estar completamente seguro dos resultados do seu método editorial. Por um lado, decide
lançar mão do conhecido estratagema de “com a verdade me enganas”: depois da referência
ao texto de Ochoa, seria impossível que qualquer leitor fosse pensar ter-se ele inspirado no
974
975
976
Op. cit., p. 4.
Loc. cit.
Op. cit., p. 5.
mencionado texto para escrever o seu, pois, nesse caso, Veiga teria de ser a última pessoa
interessada em falar na semelhança entre ambos.
Por outro lado, decide arrumar de vez a questão, decidindo (sem apresentar provas
do facto) que o romance de que publica uma versão “é inquestionavelmente portuguez, e
algarvio de nação”, e que (neste aspecto, baseando-se numa prova vaga: “ser mais antigo e
de melhor estilo”) a sua versão é preferível à castelhana.
Finalmente, Estácio da Veiga decide não facilitar mesmo nada as coisas ao possível
adversário: pelo motivo que já vimos, revela a existência do paralelo na obra de Ochoa, mas
acaba por não transcrever esse texto, receoso provavelmente de que o seu uso pelo leitor
pudesse ter um resultado não desejado. Sublinhe-se que, num primeiro momento, Veiga
pensou, efectivamente, em transcrever a versão castelhana, em apêndice ao seu texto,
seguindo, assim, um processo que, como dissemos, Garrett usara várias vezes no seu
Romanceiro. De facto, no espólio, guarda-se uma versão do prólogo do D. Julião
977
anterior
à publicada no Romanceiro do Algarve, e que, em relação a esta, apresenta várias diferenças,
possuindo, além disso, o próprio manuscrito numerosas emendas nas entrelinhas. Vejamos a
forma que, aí, reveste a passagem acima citada:
No Romanceiro castelhano de D. Eugenio Ochoa, [↑ na collecção dos
romances del rei Rodrigo, <*u>] acha-se um romance anonimo, [↑ o 8º,] que,
comquanto defira mui sensivelmente deste, comporta todavia o mesmo
assumpto, <o qual em seguida appresento>[↑ entretanto aqui o indico] para
com <elle>[↑ este] poder ser cotejad<a>/o.\ <a licção algarvia.>[<↑ esta
licção.>]
Qual dos dois parecerá mais antigo, e de melhor estylo? Cá por mim, se me
não chamassem vaidoso das cousas da minha terra, preferiria [↑ á castelhana]
978
esta licção algarvia [.] <á castelhana.>
“Seria arriscar demasiado” —terá pensado Veiga— enquanto cortava a expressão
“o qual em seguida appresento”. Para os raros leitores do Romanceiro do Algarve que
possuíssem o Tesoro de Ochoa, a referência de que, ali, existia uma versão parecida com a
sua bastaria para o proteger de suspeitas de plágio, sobretudo quando essa referência (numa
inteligente tentativa de condicionar a priori o juízo do leitor) ia acompanhada por uma
declaração ex cathedra de que ambos os textos se limitavam a partilhar o mesmo assunto,
mas eram independentes. Quanto aos outros leitores, os que, não possuindo o livro de
977
978
5 D / 62 – 64.
5 D / 62c.
321
Ochoa, não poderiam cotejar os textos, melhor ainda: era preferível que Veiga não fosse
arranjar inimigos onde os não havia.
Repare-se, também, que na primeira versão do prólogo, a frase categórica “que é
inquestionavelmente portuguez, e algarvio de nação” ainda não existia, mas surgirá na
versão impressa: é que (terá pensado Veiga) os cuidados nunca são demais.
Para concluirmos a análise do D. Julião, resta-nos tentar descobrir o que terá levado
Estácio da Veiga a fabricar esta falsificação. Um dos motivos parece-nos ser algo de que já
falámos várias vezes e que, no nosso entender, explica muitas coisas no Romanceiro do
Algarve: o amor de Veiga pela sua província e a vontade de a dignificar. Que grande
presente para a tradição oral da sua terra atribuir-lhe a posse d’ “esta reliquia litteraria” de
“immemorial idade”, ausente do Romanceiro de Garrett, e tão, tão antiga, “que bem póde ser
que [...] nascesse ella mesmo muito antes de constituida a nossa monarchia”!
979
O outro motivo que terá levado Veiga a escrever este romance liga-se
provavelmente à fama que teve no século XIX, em Portugal, a história de Rodrigo. Tal fama
parece, em última análise, ter como fonte a Monarquia Lusitana, de Frei Bernardo de Brito,
onde se conta que Rodrigo não morreu na batalha de Guadalete, e, pelo contrário, fugiu para
o território onde hoje é Portugal, trazendo consigo uma imagem de Nossa Senhora, a mesma
que, séculos depois, foi achada por D. Fuas Roupinho, na Nazaré (onde Rodrigo, aliás, teria
morrido). Além do mais, Brito menciona ainda que a Cava era portuguesa, nascida em
Idanha, razão por que essa vila se chamava, em latim, Cava Juliani...
980
Por outro lado, em 1629, Leitão de Andrada publicou quatro oitavas que,
alegadamente, seriam fragmento dum Poema da Cava antiquíssimo, coevo dos
acontecimentos narrados.
981
Não obstante João Pedro Ribeiro, logo em 1810, na melhor linha
iluminista, ter acusado de apócrifo tal poema,
979
980
982
o texto continuou a ser publicado,
Op. cit., p. 4.
O próprio Veiga não se esquece de recordar esse facto, que constituiria mais uma achega para
provar que o D. Julião tinha de ser português (Romanceiro do Algarve, p. 9, nota 1).
981
982
Miguel Leitão de Andrade, Miscellanea, cit., pp. 333-4.
Ver João Pedro Ribeiro, Dissertações Chronologicas e Criticas sobre a historia e Jurisprudencia
Ecclesiastica e Civil de Portugal publicadas por ordem da Academia R. das Sciencias, I, Lisboa, Na
Typographia da Mesma Academia, 1810, p. 181. Ribeiro, aliás, como já atrás vimos, nega a autenticidade de
todas as chamadas “cinco relíquias da poesia portuguesa arcaica”, em cujo número se integra o Poema da
Cava.
nomeadamente na obra de Balbi, de grande prestígio da época,
983
ou em artigos de revistas.
Costa e Silva, na sua conhecida história da literatura, não deixa de o incluir,
985
984
e Teófilo
986
Braga sempre defendeu a sua autenticidade, publicando-o no Cancioneiro Popular.
Além disso, a figura de Rodrigo é o tema de, pelo menos, três obras românticas
987
portuguesas: duas baladas —uma de Castilho
uma peça de teatro, de Campos e Melo.
Senhora da Nazaré)
990
989
e
Sublinhe-se que o poema de Castilho (Rimance da
se tornou célebre, tendo sido admirado até por Antero, que o incluiu
991
no seu Tesouro Poético da Infância.
O próprio Estácio da Veiga se lhe refere
elogiosamente, na introdução do Romanceiro do Algarve.
983
988
e outra de António de Serpa Pimentel—
992
Ver Adrien Balbi, Essai statistique sur le royaume de Portugal et d’ Algarve comparé aux autres
états de l’ Europe, II, Paris, Chez Rey et Gravier, Libraires, 1822, pp. i-ii.
984
Anónimo, “Resumo Historico da Literatura Portugueza”, O Cidadão Literato, I, nº 2 (Fev. de
1821), pp. 86-89, e nº 3 (Março de 1821), pp. 156-161 (nas pp. 86-7, refere-se ao Poema da Cava, de que
publica três estrofes);
Anónimo, “Lingua Portugueza no Seculo Oitavo”, Universo Pittoresco, I, nº 1 (1/1/1839), p. 14
(publica o poema, acompanhado por notas esclarecedoras do léxico); e
Anónimo, “Das Origens do Idioma Patrio, e dos Nossos Primeiros Monumentos Litterarios”, Museu
Pittoresco, I (1842), nº 15, pp. 114-116 (fala do poema, que transcreve).
985
José Maria da Costa e Silva, Ensaio Biographico-Critico sobre os Melhores Poetas Portuguezes,
I, Lisboa, Imprensa Silviana, 1850. Transcreve o poema (pp. 83-84) e dedica-lhe longos comentários (pp. 8285).
986
987
Braga, Cancioneiro Popular, cit., pp. 1-2.
Incluída em Antonio Feliciano de Castilho, Quadros Historicos de Portugal, Lisboa, Na
Typographia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1838, pp. 50-51. Foi republicada, pelo
menos, em O Futuro, 8/8/1858, pp. 1-3, e, mais tarde, na obra de Castilho O Outono. Collecção de poesias,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1863, pp. 153-171.
988
A[ntonio] de Serpa [Pimentel], O Rei Rodrigo, O Farol, [II], nº 31 (21/9/1848), p. 56.
Republicada nas Poesias do autor, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1851, pp. 17-19.
989
Antonio Firmino da Silva Campos e Mello, D. Rodrigo, drama original em cinco actos, Lisboa,
Typ. de Antonio José da Rocha, 1842.
990
991
É a versificação da lenda contada por Frei Bernardo de Brito.
Anthero de Quental, Thesouro Poetico da Infancia, colligido e ordenado por..., Porto, Ernesto
Chardron Editor, 1883, pp. 61-78.
992
Romanceiro do Algarve, p. xii.
323
O mesmo Veiga, também na introdução do seu romanceiro, fala do Poema da Cava,
e, embora deixe claro que o acha “muito posterior ao XI seculo”, a verdade é que não lhe
chama falsificação do séc. XVII (como ele, certamente, é). E, logo a seguir, afirma:
Eu creio firmemente que mesmo composições muito anteriores áquelle seculo
[i. e., o “XI seculo”] nos terá conservado a tradição oral, mas não decerto com
o genuino relevo das feições primitivas, que sucessivamente alteradas vão
993
sendo pela passagem de umas para outras gerações.
E, portanto, quem poderia dizer que algo como o D. Julião não existia, de facto,
nalguma aldeia da Serra do Caldeirão? Numa dessas aldeias recuadas —onde Veiga sabia
muito bem que deveria ter ido e que não fora—, entre a “gente camponeza mais arredada das
maiores povoações”, não os camponeses que ele inventa como informantes no prólogo do D.
Julião, mas os verdadeiros? Porém, já que ali não foi, pode, pelo menos, inventar algo que lá
poderia ter existido. É que, terá pensado ele, nem seria uma coisa assim tão despropositada
inventar que um poema sobre D. Rodrigo existia no Algarve:
Que esta tradição se haja conservado no Algarve, cujas terras do mesmo
modo que as de Andaluzia fôram saqueadas por Tarek-ben-Zeyad, ou Tarik,
depois da tomada de Carteia, não é de admirar; e tanto mais porque os
disturbios populares e guerras civis que originaram a quéda de Witiza, e
elevaram ao throno dos godos o celebre Ruderico, ou D. Rodrigo, tiveram
994
incremento em Andaluzia: são pois tradições de tal natureza, que jámais se
995
apagam nas proprias localidades.
O Caso da Descrição duma Bela Pastora
O D. Julião, como vimos, foi traduzido dum texto espanhol. Uma origem similar
explica a existência de outros quatro dos romances de Estácio da Veiga pertencentes ao
993
994
Op. cit, pp. xvi-xvii.
Como vimos, a este facto se refere Veiga na nota 4 do testemunho B (retomada depois em C), a
propósito da presença, no seu texto, dos versos “Andalusia não hade / Dar-te mais vida, mais alma!”.
995
Romanceiro do Algarve, p. 5.
grupo de romances inventados (Descrição duma Bela Pastora, Os Calvos, Cativo em Fuga
Morre no Mar e Cavaleiro Lamenta-se pela Ausência da Amada), dos quais os dois
primeiros são tradução de romances de Quevedo.
Caso escandaloso —devido ao facto de todos os manuscritos se terem conservado,
dando-nos a possibilidade de, sem apelo, provar a fraude e seguir o seu percurso completo—
é o da Descrição duma Bela Pastora. Sobre este texto, informa Estácio da Veiga, no prólogo
respectivo:
Esta chácara não é das mais vulgares no Algarve; ha todavia quem a saiba e
cante em varias povoações, mas tão desalinhadamente, que faz lastima ouvila. A lição, que se segue, alcancei-a em Tavira, e é de quantas obtive a que
mais completa, e sem refacimentos, me parece. Sendo muito meus
conhecidos os romances do poeta castelhano D. Francisco de Quevedo [...],
lembrou-me ter entre elles visto um, que algum tanto com este se
assimilhava: com efeito, percorrendo de novo os romances do nobre poeta,
sem muito custo observei, que o 11º da sua edição de 1661, contêm o mesmo
assumpto, postoque de diverso modo ataviado. Será pois esta lição algarvia
imitação da castelhana? Estou assás inclinado a crêl-o e, ainda mais, que este
romance é muito do tempo do nosso Rodrigues Lobo, cuja linguagem e
versificação não deixam de ter com a desta lição algumas relações de
996
similhança.
Acontece que o manuscrito mais antigo que deste romance se conserva no espólio
mostra claramente que o poeta “do tempo do nosso Rodrigues Lobo” se chamava... Estácio
da Veiga. Se não, vejamos, o testemunho A:
997
A donzella dos olhos paladinos
Olhos paladinos,
2
Que por toda Europa
Desventuras matam,
4
E aventuras logram.
É gala e não culpa
6
O seres traidora,
Que assim são no mundo
996
997
Op. cit., p. 137.
5 C / 39.
325
8
Todas as formosas!
Rica e avarenta
10
É a linda bocca,
Onde lhe eu bebera
12
Um sorriso agora.
Suas roseas faces,
14
Só do que lhes sobra,
Ao verão emprestam
16
O que em Maio adornam.
Nos jardins de Chypre
18
Nunca vi taes rosas
Como as que ella tem
20
Nas faces mimosas.
Seus cabellos soltos
22
Ao romper da aurora
Negros e tão bellos
24
Sua tez lhe adornam.
Um suave fogo
26
Suas mãos vigora
E em amores arde
28
Quem lhe nellas toca.
Em toda esta aldeia
30
Onde o mar assoma,
Nunca vi taes olhos
32
Em outra pastora!
Neste mundo, Rosa,
34
Todos te enamoram,
Mas ninguem no mundo
36
Como eu te adora.
Aparato genético
Antetítulo
[marg. sup. Romance do Algarve]
Título <A donzella dos olhos paladinos>[ A Aldeana]
1
Olhos <paladinos,>[↑ matadores]
2
<Que por toda Europa>[↑ Na aldeana moram]
3
<Desventuras matam,>[↑ Tão formosa luz]
4
<E aventuras logram.>[↑ Não nasce da aurora]
5
<É gala e não culpa>[↑ Se ella assim não fôsse]
6
<O seres traidora,>[↑ Como é traidora]
7
<Que assim são no mundo>[↑ Fora menos falsa]
8
<Todas as>[↑ Porem mais] formosa<s>!
10
<É a>/Sua\
11
<Onde lhe eu bebera>[↑ Um sorriso brando]
12
<Um sorriso agora.>[↑ Sempre nella mora.]
15
<E>/A\
A ideia inicial do verso deve ter sido E ao verão emprestam. No entanto, tal não
chegou a ser escrito, e, ainda antes de escrever o a de ao, Estácio da Veiga emendou logo o E para A (início
de Ao). Portanto, ao contrário do que costumamos fazer, decidimos não adoptar no texto a forma anterior à
emenda.
16
<em>/que\ Deve tratar-se de lapso de escrita.
23
<Negros>[↑ Loiros]
27
E <em>/m\ O m da sobreposição foi escrito de modo a unir-se com o E, formando Em.
ante 30 <Olhos que mais fallem> A eliminação deste verso é seguida imediatamente pela escrita
do v. 30, na linha abaixo. Uma vez que a lição Olhos que mais fallem não se pode ligar sintacticamente com o
contexto da quadra em que se integraria, adoptámos no texto a segunda forma desta passagem (30, em lugar
de ante 30).
Nest<e>/a\ <mundo,>[↑ aldeia,]
33
Como vemos, o romance começou, logo no testemunho A, a sofrer uma grande
modificação, sobretudo nos versos 1-12, que ficaram irreconhecíveis. Tal transformação
continua em B, e, um pouco ainda, em C, dando como resultado um texto muito longe já da
lição inicial. Vejamos em seguida, em colunas paralelas, o poema, tal como surge nos três
998
testemunhos que dele existem: A, B
Quevedo
1000
998
999
e C.
999
Na primeira coluna, damos o romancilho de
que, segundo Veiga (como vimos), “algum tanto com este se assimilhava”.
5 C / 38.
Romanceiro do Algarve, pp.139-140.
1000
Francisco de Quevedo Villegas, Poesias, [III], Brusselas, De la Emprenta de Francisco Foppens,
impressor y mercader de libros, 1661, p. 149.
327
Quevedo
Testemunho A
Testemunho B
<A donzella dos olhos paladinos> [ A Aldeana]
Pintura no vulgar de una hermosura
Testemunho C
A Aldeana
A Aldeana
Tus niñas, Marica,
Con su luz me asombran;
Y mirando à penas
Dan à mirar glorias.
Olhos <paladinos,>[↑ matadores]
Ojos Paladines,
Que por toda Europa
2
4
6
Rica, y avarienta,
Tienes essa boca,
Pues de risa, y perlas
Nunca dà limosna.
4
<O seres traidora,>[↑ Como é traidora]
8
<Todas as>[↑ Porem mais] formosa<s>!
Rica e avarenta
10 <É a>/Sua\ linda bocca,
<Onde lhe eu bebera>[↑ Um sorriso brando]
12 <Um sorriso agora.>[↑ Sempre nella mora.]
Essas dos mexilllas,
Suas roseas faces,
De lo que les sobra,
14 Só do que lhes sobra,
2
Do que a mesma aurora.
6
Se ella assim não fôra,
4
Outra mais formosa!
Rica <e sempre avara>[↑ de perfumes]
10 Sua <ardente>[↑ linda] bocca,
Um <sorriso>[↑ risinho] brando
Do que a mesma aurora!
Se varia não fôsse,
6
Não houvera o mundo
8
Ái, quando elles olham
Bem mais luz derramam
Se <ella assim>[↑ varia] não fôsse,
<Que assim são no mundo>[↑ Fora menos falsa]
Pues tendràs dos caras,
Que seràn hermosas.
<E aventuras logram.>[↑ Não nasce da aurora]
Quando elles olham
Olhos matadores,
Bem mais luz derramam
<É gala e não culpa>[↑ Se ella assim não fôsse,]
Es gala, y no culpa,
En tí el ser traïdora,
2
<Desventuras matam,>[↑ Tão formosa luz]
Desventuras vencen,
Y aventuras logran.
<Que por toda Europa>[↑ Na aldeana moram]
Olhos matadores,
Se ella assim não fôra,
Não tivéra o mundo
8
Outra mais formosa.
Rica de perfumes
10 Sua linda bocca,
Um sorriso brando
12 Sempre nella mora.
12 Sempre nella móra.
Nas mimosas faces
Nas mimosas faces
14 Da gentil pastora
14 Da gentil pastora
Prestan al Verano,
Lo que à Mayo adorna.
Jardines de Chipre
Son à puras Rosas;
Y de Falerina
Por lo que aprisionan.
Tu cabello bate
Moneda en coronas,
Indias son tus sienes,
Minas son tus cofias.
El nevado fuego,
Que tus manos forman
Yà amenaça yelos,
Quando rayos forja.
Ao verão emprestam
16 O que em Maio adornam.
Os amores brincam
16 Com jasmins e rosas.
Os amores brincam
16 Com jasmins e rosas.
Nos jardins de Chypre
18 Nunca vi taes rosas
Como as que ella tem
20 Nas faces mimosas.
Seus cabellos soltos
22 Ao romper da aurora
<Negros>[↑ Loiros] e tão bellos
24 Sua tez lhe adornam.
Um suave fogo
26 Suas mãos vigora
E <em>/m\ amores arde
28 Quem lhe nellas toca.
Suas loiras tranças
22 Pelas costas soltas
Valem mais que o oiro,
24 Inda mais namoram.
<E em>/Um\ suave fogo
Suas loiras tranças,
22 Pelas costas soltas
Valem mais que o oiro,
24 Inda mais namoram.
Um suave fogo
26 Suas mãos vigora,
26 Suas mãos vigóra;
Com amores arde
Com amores arde
28 Quem lhe nellas toca.
28 Quem lhe nellas toca.
28a Suas brandas fallas,
28a Suas brandas fallas,
28b Sua voz canora,
28b Sua voz canora,
28c O amor derramam
28c Grato amor derramam
28d Que lhe n’ alma sobra.
28d Que lhe n’ alma sobra.
28e Quando ella canta
28e Quando ás vezes canta
28f <Seu cantar se dobra>[↑ Ao som da viola] 28f Ao som da viola,
28g Té o mar não quebra
28g Té o mar não quebra
28h Na praia arenosa;
28h Na praia arenosa;
28i As aves se calam,
28i As aves se calam,
28j O vento não sopra,
28j O vento não sopra,
329
28k Quêdo fica tudo
28k Quêdo fica tudo
28l Somente ella folga.
28l Sómente ella folga.
29 Em toda esta aldeia
29 Em toda esta aldeia
30 Onde o mar assoma,
30 Onde o mar assoma,
30 Onde o mar assoma,
Nunca vi taes olhos
Nunca vi taes olhos
Em toda esta aldeia
32 Em outra pastora!
Todos te codician,
Y te invidian todas,
pero yo entre todos
Soy, quien mas te adora.
Que es cosa, y cosa,
Pena, y Parayso, Infierno, y Gloria.
Nest<e>/a\ <mundo,>[↑ aldeia,] Rosa,
34 Todos te enamoram,
Mas ninguem no mundo
36 Como eu te adora.
32 Em outra pastora!
Mais formosas graças
32 Não nas tem pastora!
331
Como vemos, o poema de Quevedo é, sem sombra de dúvida, a fonte de onde
deriva a Descrição duma Bela Pastora, que no início (primeiro estádio de A) mais não é que
uma tradução quase literal do texto espanhol. Temos à nossa frente, portanto, algo mais do
que dois simples poemas que “algum tanto [...] se assimilhava[m]”: temos as provas duma
falsificação, provas que Veiga, no seu cuidado de tudo guardar, é o próprio a fornecer.
E se ele não estaria à espera de que os seus manuscritos viessem a ser lidos por
outrem, já o mesmo se não diga sobre o prólogo que escreveu para acompanhar o presente
romance. Ora no entanto, aí, como vimos, Estácio da Veiga forneceu a pista inicial para a
descoberta da sua fraude. Possivelmente, ele terá raciocinado aqui como no caso do D.
Julião: “com a verdade te engano”. Ninguém iria pensar —julgava o editor algarvio— que,
se ele tivesse cometido um plágio, fosse ele próprio o primeiro a apontar a semelhança
existente entre a cópia e o original...
Ainda assim, e mesmo escudado atrás da cortina de fumo suplementar constituída
pela referência às semelhanças entre o estilo deste poema e o de Rodrigues Lobo, Estácio da
Veiga terá achado que era preferível não arriscar demasiado. De facto, aqui, tal como no D.
Julião, há prova, nos manuscritos, de ele ter pensado em publicar também o texto espanhol,
juntamente com a versão “tradicional” por si “recolhida”. Com efeito, o rascunho do prólogo
existente no espólio termina com esta frase: “Em seguida transcrevo o romance castelhano
para poder ser com este comparado”.
1001
Mas, na versão impressa, tal frase desapareceu... e,
claro, o texto de Quevedo não aparece transcrito.
O caso da Descrição duma Bela Pastora é rico em ensinamentos. Ensina-nos como
Veiga trabalhava, como ele poderia partir dum texto, traduzi-lo, e, depois, graças à sua
extraordinária facilidade versificatória (não nos esqueçamos de que foi prolífico poeta),
1002
ir-se afastando progressivamente do original, acabando por chegar a algo cuja origem é
quase irreconhecível.
Além disso, o presente caso dá também ensinamentos para a compreensão do
nascimento de outros poemas do Romanceiro do Algarve que podemos suspeitar serem
produto duma tradução, mas de cujo processo de formação se não conservaram todos os
testemunhos. É o caso, sobretudo, do D. Julião, do qual, como atrás vimos, o primeiro
testemunho que possuímos pertence já a um momento adiantado da evolução do texto. O
1001
1002
5 C / 40r.
Ver, no Apêndice nº 1, a parte relativa à poesia original de Estácio da Veiga.
caso da Descrição duma bela Pastora reforça o que assinalámos a propósito do D. Julião: a
de que deve ter existido um testemunho anterior a A em que a dependência do texto
“algarvio” em relação a Ochoa estaria mais clara, em que se veria que o D. Julião de Veiga,
no primeiro estádio, mais não era que a tradução do texto espanhol. E que, portanto, a
influência de Ochoa é seminal para o nascimento de texto “algarvio”, não se tendo apenas
feito sentir a meio do processo, servindo de diapasão pelo qual Veiga teria apenas retocado o
texto supostamente recolhido da tradição.
Imagine-se o que saberíamos nós sobre a origem da Descrição duma Bela Pastora
se o testemunho A se tivesse perdido, e apenas conhecêssemos B? Como poderíamos
suspeitar (ou, mesmo que suspeitássemos, como poderíamos prová-lo) que
Olhos matadores,
2
Quando elles olham
Bem mais luz derramam
4
Do que a mesma aurora.
é produto da tradução de
Ojos Paladines,
2
Que por toda Europa
Desventuras vencen,
4
Y aventuras logran.
se não possuíssemos o estádio intermédio:
Olhos <paladinos,>[↑ matadores]
2
<Que por toda Europa>[↑ Na aldeana moram]
<Desventuras matam,>[↑ Tão formosa luz]
4
<E aventuras logram.>[↑ Não nasce da aurora]
?
Descoberta a origem inegável da Descrição duma Bela Pastora, tentemos agora
descobrir o motivo da sua criação por Estácio da Veiga. Tal como nos restantes romances
333
falsos, é claro que uma das razões deve ser a certeza de que dum poema assim mais nenhum
colector tinha (nem teria) outra versão.
Mas que o terá atraído especificamente na Pintura no vulgar de una hermosura e
originado a ideia de inventar a sua existência na tradição oral algarvia? É muito possível que
tenha sido algo que já antes encontrámos, na Fonte das Almas: o modo idealizado como
Veiga acha que devem ser representados os camponeses da sua província. Além disso,
encontramos aqui o topos da pastora requestada pelo homem —homem tendencialmente
culto e/ou dum meio não rural—, que, embora de origem pelo menos medieval, teve muita
voga ainda no séc. XVIII. E, na poesia original de Estácio da Veiga, encontramos bastos
exemplos de poemas de gosto arcádico.
Dissemos no parágrafo anterior que no poema de Quevedo e, claro, na tradução de
Veiga encontrávamos o modo como este último “acha que devem ser representados os
camponeses da sua província”. Ao escrever isto, temos em mente a dúvida que já antes
exprimimos: será que poemas como este apresentam apenas uma visão falsa do Algarve, que
Veiga está consciente de ser falsa, querendo apenas impressionar com ela os leitores do seu
romanceiro, público citadino e extra-algarvio? Ou será que aqui deparamos (ou deparamos
também) com o produto duma espécie de auto-engano de Estácio da Veiga, que, ao visitar o
seu Algarve (ou ao recordá-lo), tem tendência a vê-lo através de lentes cor-de-rosa?
A dúvida voltou a surgir-nos quando tentámos determinar quais os aspectos do
poema de Quevedo que Veiga tinha abandonado ao escrever o seu próprio romance, quais os
que lá tinha deixado ficar e, sobretudo, quais os aspectos novos que lá introduzira. O mais
saliente dos aspectos eliminados é o dos jogos engenhosos, tão tipicamente barrocos, de que
não há vestígio logo no primeiro estádio de A. Estamos a pensar em versos como
Es gala, y no culpa,
En tí el ser traïdora,
Pues tendràs dos caras,
Que seràn hermosas
ou
Tu cabello bate
Moneda en coronas,
Indias son tus sienes,
Minas son tus cofias.
Esta desaparição, embora talvez, em parte, produto duma certa dificuldade de
tradução, não deixará de exprimir também a ideia que Veiga, tal como qualquer estudioso
romântico, tinha da simples e desafectada poesia do povo — e a Descrição duma Bela
Pastora é, não o esqueçamos, um poema que ele recolheu da tradição oral...
Olhando, agora, para os aspectos que Veiga introduziu no poema, vemos que o mais
importante deles (até pela quantidade de versos novos, não traduzidos de Quevedo, a que
obrigou) é a inclusão da pastora cantando e tocando viola:
28a Suas brandas fallas,
28b Sua voz canora,
28c Grato amor derramam
28d Que lhe n’ alma sobra.
28e Quando ás vezes canta
28f Ao som da viola,
28g Té o mar não quebra
28h Na praia arenosa;
28i As aves se calam,
28j O vento não sopra,
28k Quêdo fica tudo
28l Sómente ella folga.
Para lá do uso dum topos arquiclássico (o poder mágico que a música e/ou o canto
possui/em sobre o mundo envolvente), o essencial destes versos criados por Veiga parecenos ser pura e simplesmente a acção da personagem que toca viola e canta. Esta actividade
parecia a Estácio da Veiga algo tão adequado para o romanceiro algarvio, que voltamos a
encontrá-la em mais três romances falsos por ele construídos.
1003
O que o atraía neste
pormenor era possivelmente as associações medievais que tal imagem despertaria num
público (a começar por ele próprio) habituado à personagem do trovador, cantando xácaras
no seu arrabil, que enchia baladas e dramas históricos. E, naturalmente, uma sobrevivência
medieval era algo de extremamente adequado para aparecer num poema recolhido da boca
1003
Referimo-nos a Cativo em Fuga Morre no Mar, Cavaleiro Lamenta-se pela Ausência da Amada
e A Serrana Fiel (neste último caso, a personagem não toca precisamente uma viola, mas sim uma guitarra).
335
do povo algarvio, o qual, ao contrário do de Lisboa, mantinha vivos os usos pátrios, bem
enraizados na Idade Média.
Além disso, o facto de, como neste romance, o canto aparecer posto na boca duma
camponesa associa-se também, sem dúvida, à ideia de que o povo (sobretudo o rural) é
alegre e amigo de cantar e que as suas canções são belas e aprazíveis, ao contrário dos
habitantes citadinos, que, ou não cantam, ou, como vimos em Herder, cantam coisas
horríveis. Uma personagem rural cantando aparece também na Serrana Fiel (outro dos
romances inventados por Veiga), e as canções populares são um dos aspectos que, como
veremos, mais ficaram na retentiva do autor ao assistir às festas do São João, quando
regressou à sua terra, em 1856, depois de 11 anos de ausência em Lisboa.
Assim, medievalismo e alegria do povo parecem coisas muito convenientes para
serem acrescentadas a um poema que, como a Descrição duma Bela Pastora, pretende
fornecer uma visão idealizada do Algarve. E, para tal visão ser perfeita, não falta sequer a
pincelada final dos cabelos da gentil pastora, os quais, começando por ser “negros” (escolha
bem verosímil, atendendo ao tipo corrente do povo algarvio), passam, logo no segundo
estádio do testemunho A, a ser “loiros”. Estácio da Veiga, como se vê, não resiste a atribuir
aos camponeses algarvios todos os tópicos da perfeição clássica.
E não nos escape um último pormenor: de todas as versões que deste romance
Estácio da Veiga possuía, a melhor (aquela que ele publica) foi a recolhida em... Tavira, sua
cidade natal.
1004
O Caso de Os Calvos
O caso deste romance é parecido com o do anterior. Trata-se dum texto que tem a
sua origem clara num romance de Quevedo, embora a parte propriamente inventada por
Estácio da Veiga seja aqui bastante maior do que na Descrição duma Bela Pastora.
Vejamos, em colunas paralelas, o poema de Quevedo
1004
1005
(transcrevemos apenas os versos —
“Ha [...] quem a saiba e cante em varias povoações, mas tão desalinhadamente, que faz lastima
ouvil-a. A lição, que se segue, alcancei-a em Tavira, e é de quantas obtive a que mais completa, e sem
refacimentos, me parece” (Romanceiro do Algarve, p. 137).
1005
Francisco de Quevedo Villegas, Poesias, [III], cit., p. 350.
e os termos soltos, em rima— de que há reflexo no poema de Veiga), o testemunho A de Os
1006
Calvos
e o testemunho B:
1006
1007
1007
Cota: 5 C / 36.
Romanceiro do Algarve, pp. 135-6.
337
Quevedo
Testemunho A
Varios linajes de Calvas
Testemunho B
Os calvos
Os calvos
Romance
Madres, las que teneis hijas,
2
Ansi Dios os dè ventura,
Mães [,] que tendes vossas filhas,
2
Que no se las deis à calvos,
4
Sino à gente de pelusa.
Mães, que tendes vossas filhas,
Assim Deus vos dê ventura,
2
Não lhes deis maridos calvos,
4
Escarmentad en mi todas,
Não lhes deis maridos calvos,
Se lhes quereis dar fortuna.
<Em mim ponde os vossos olhos>
4
Que me casaron à zurdas,
6
Con un capon de cabeça,
8
Desbarbado hasta la nuca.
Ái pobre de mim, coitada,
6
Que me cazei ás escuras
Desbarbado até á nunca!
1009
<Cazai, mães,>[↑ Mães, casai] as vossas filhas,
10 Mas não lhes deis amarguras;
1008
1009
Este riscado é imediatamente anterior à escrita do verso seguinte, na linha de baixo.
Sic, por “nuca”, obviamente.
Que me cazei ás escuras
Com um capão de cabeça
Com um capão de cabeça
8
Se lhes quereis dar fortuna.
1008
Ai pobre de mim, coitada,
6
Assim Deus vos dê ventura!
8
Desbarbado até á nuca!
Mães, cazai as vossas filhas,
10 Mas não lhes deis amarguras;
9
Antes que calvi casadas,
Para com calvos cazal-as,
Para com calvos cazal-as,
10 Es mejor verlas difuntas.
12 Melhor é vêl-as defuntas.
12 Melhor é vêl-as defuntas.
Ponde em mim os vossos olhos,
14 Se entendeis minha tristura,
Se[m] ser turca me cazaram
16 Com homem de meia lua!
Ay calvas de Mapamundi,
Ha calvas de mappa-mundi,
38 Que con mil lineas se cruçan; 18 Que com mil linhas se cruzam,
Con zonas, y paralelos
40 De carreras, que las surcan.
Com zonas e parallelos,
20 Com cidades e com ruas.
Deus nos livre de taes calvas,
22 <E mais de outras, como ha muitas,> [↑ Dessas <desertas>[↑↑ nefandas] planuras,]
Que nos fazem parecer
24 Mancebas de padre-cura.
Ai, fugi, fugi meninas,
52 Judas
26 Desses depenados Judas,
Ponde em mim os vossos olhos,
14 Se entendeis minha tristura.
Sem ser turca me cazaram
16 Com homem de meia lua!
Ha calvas de mappa-mundi,
18 Que só com mil linhas se cruzam,
Com zonas e parallelos,
20 Com cidades e com ruas.
Deus nos livre de taes calvas,
22 Dessas nefandas planuras,
Que nos fazem parecer
24 Mancebas de padre-cura.
Ái, fugi, fugi, meninas,
26 Desses depennados Judas,
Que nos dão cruz e calvario
Que nos dão cruz e calvario
28 Em vez de nos dar venturas.
28 Em vez de nos dar venturas!
339
Se <os>/o\ marid<os>/o\ <já>[↑ <*nos>/já\] vem calv<os>/o\
30 E a bola <já> nos traz madura,
Ai, como, minhas meninas,
24 tonsura
32 Como fazer-lhe a tonsura?...
Se o marido já vem calvo
30 E a bóla nos traz madura,
Ái como, minhas meninas,
32 Como fazer-lhe a tonsura?...
Como podemos observar, o estádio de evolução do texto que se reflecte no mais
antigo testemunho conservado (A) não deve ser o inicial, pois aí a maior parte do poema já
não apresenta qualquer correspondência discursiva com o texto espanhol. Tal como ensina o
caso da Descrição duma Bela Pastora, deve ter existido um manuscrito anterior ao actual A,
contendo um texto que consistiria em algo muito mais próximo da tradução literal. O verso
ante 5 de A (“Em mim ponde os vossos olhos”), riscado e imediatamente substituído, se (tal
como sucede com a emenda do v. 22) não for fruto de uma reelaboração imediata feita em
A, contemporânea do momento da primeira escrita deste testemunho, pode constituir um
erro de cópia. A ser assim, o verso ante 5 deixaria transparecer que A é a passagem a limpo
de um testemunho onde esse verso (tradução do v. 5 de Quevedo: “Escarmentad en mi
todas”) existia e onde já tinha sido substituído por outro (“Ai pobre de mim, coitada”). É
possível, portanto, que esse perdido testemunho contivesse algo parecido com o testemunho
A da Descrição duma Bela Pastora, ou seja, um testemunho apresentando duas fases de
escrita: a primeira, na linha, com a tradução mais ou menos literal do texto de Quevedo; e a
segunda, na entrelinha, reelaborando o texto traduzido.
Tal como acontece no D. Julião e na Descrição duma Bela Pastora, no prólogo de
Os Calvos encontramos a referência à fonte do poema, sem dúvida pelos mesmos calculados
motivos:
Este gracioso romance, com assimilhar-se a um dos que na collecção de
Quevedo vem sob o titulo de Varias [sic] linages de Calvas, não se póde
comtudo dizer que fôsse traduzido da lição castelhana. Esta do Algarve segue
até certo ponto o mesmo dominante rhytomo [sic], é menos desenvolvida,
mas sem duvida mais chistosa e concisa, e canta-se sem estribilho obrigado; o
que não acontece á de Quevedo, que, da 15ª estrophe em diante, muda de
consoante, e é seguida de quatro sextinas sujeitas ao seguinte estribilho:
Calvos van los hombres, madre,
Calvos van.
Mas ellos cabellaran.
O que talvez possa parecer verosimil, é que o menestrel algarvio, tendo
conhecimento da composição castelhana, aproveitaria della alguma cousa
para construir a sua. Seja como fôr, o povo do Algarve proclama este
romancesinho como propriedade que exclusivamente lhe pertence, e a
1010
ninguem o cederia em troca do melhor romance de Castella.
1010
Romanceiro do Algarve, p. 134.
341
As afirmações de Estácio da Veiga têm, neste caso, uma dose de verdade um pouco
maior do que na Descrição duma Bela Pastora. Com efeito, embora seja mentira que o seu
texto não é (ou melhor, não começou por ser) “traduzido da lição castelhana”, é um facto
que a actuação de Veiga foi sobretudo a de “aproveitar” da poesia de Quevedo (muito mais
extensa, pois tem 99 versos, face aos apenas 32 do texto “algarvio”) “alguma cousa para
construir a sua”, que (quase se nota o sorriso de orgulho com que estas palavras estão
escritas) é “sem duvida mais chistosa e concisa” que o original. Agora onde, é
indesmentível, o nosso autor continua falso como Judas é ao deixar implícito que Os Calvos
se devem a um “menestrel algarvio”, popular, e que “o povo do Algarve” canta este romance
“como propriedade que exclusivamente lhe pertence” (expressão feliz, que definiria bem,
aliás, a essência do texto tradicional).
Esta última afirmação de Veiga, além de pretender enganar o leitor, será também
uma espécie de wishful thinking: talvez de modo inconsciente, exprimirá a sua aspiração de
que este poema (e outros, muitos!, dos do Romanceiro do Algarve) venha um dia a ser
cantado, tornado seu, pelo povo, facto que, para um teórico romântico, deveria ser a maior
honra a que um poeta podia aspirar. Note-se que Veiga procurou algo duma aura, se não
tradicional, pelo menos popular,
1011
ao conseguir (e promover?) que 6 poemas seus
(apresentados, esses sim, como originais) fossem musicados: O Astro d’ Esperança,
1013
Adeus, Lisboa!,
1011
Canto Patriotico. Aos bravos voluntarios de Zambezia,
1014
1012
Não
Usamos estes termos no sentido que lhes dá Pidal, nomeadamente em Estudios sobre el
romancero, Madrid, Espasa-Calpe, S. A., 1973, pp. 344-5.
1012
Impresso numa partitura: O Astro d’ Esperança / Novo hymno /dedicado por seus auctores / á
augusta espoza / do / Senhor Dom Miguel de Bragança / a Senhora / Dona Adelaide Sophia / Princeza de
Loewenstein-Werteim. / Muzica de Dona Maria Carlota Tulli da Costa / e / poezia / de S. P. M. Estacio da
Veiga. / 1851. / Lith. de Lopes & Bastos. R. N. dos M. es Nº 14. Lx.ª 1852. Desta partitura (de 4 pp.) existem
dois exemplares na parte do espólio pertencente ao Museu (cotas: 12 / 3 e 12 / 4).
1013
É uma pagela (Lisboa, Typ. Franco-Portugueza, s/ d.). O poema (não acompanhado de música),
tem o subtítulo: “Melodia de F. A. N. dos Santos Pinto. / Cantada por M. elle Estelle Baudier / no 1º de Maio de
1859”. No espólio pertencente ao Museu Nacional de Arqueologia, há dois exemplares desta pagela, um
impresso em papel verde (12 / 1) e outro cor-de-rosa (12 / 2).
Em casa da família do autor, há uma cópia manuscrita deste poema, onde o subtítulo é mais
explícito: “Melodia de F. A. N. dos Santos Pinto, cantada na sala do Café Concerto por Estelle Baudier no dia
1 de maio de 1859”. Trata-se dum manuscrito, sem a música, integrado num conjunto de caderninhos com
poemas, que parecem formar uma obra (sem título). Este poema está no caderninho nº 19.
1015
Chores,
Hymno cantado pelas orfãs da Casa Pia de Belem na occasião da primeira visita
de SS. MM. o Senhor D. Pedro V e a Senhora D. Estephania áquella
Pastores.
1016
e O Anjo e os
1017
Repare-se como, nos comentários acima transcritos, Veiga dá tanta importância a
questões versificatórias, sublinhando que o poema algarvio, ao contrário do de Quevedo, não
“muda de consoante” nem de métrica. Aliás, da segunda parte do texto espanhol (em que a
versificação muda em relação à da primeira) Veiga não aproveitou nada, nem do discurso
nem das ideias. Como já dissemos, em todos os seus romances, Veiga preocupou-se sempre
em seguir as regras próprias da forma fixa romancística, quanto à métrica e à rima. Muitas
O texto em questão foi sem dúvida escrito para ser cantado, pela própria, numa festa de despedida
por uma cantora lírica que viera actuar a Lisboa. Era um tipo de festa então bastante corrente, de que fazia
sempre parte que a cantora (ou o cantor) cantasse algo, em português, especialmente composto para a ocasião,
texto que, além disso, era também muitas vezes impresso em pagelas, as quais se distribuíam durante a sessão
ou, caso esta fosse num teatro, se chegavam a lançar por sobre a plateia.
Existem vários outros casos de poesias de Veiga escritas para ocasiões similares que nos chegaram
inéditas ou através da sua publicação em revistas. De uma dessas poesias existe cópia integrada no manuscrito
inédito das Tentativas Poeticas, de 1850-51 (pp. 69-73). Tem o título Clara Novello (nome duma célebre
cantora da época) e está acompanhado pela seguinte indicação: “Distribuida impressa no theatro de S. Carlos,
em 18 de junho de 1851; publicada na Semana Theatral nº 16 [não conseguimos encontrar este fascículo da
presente revista]; e reimpressa a 8 de julho do mesmo anno e distribuida na Assembléa Philarmonica, e escripta
no album de Mme Clara Novello”.
1014
Foi publicado (só o texto) no Diario de Noticias, 27/3/1869, p. 2. Aí se diz o seguinte: “O nosso
amigo e conhecido poeta sr. Estacio da Veiga dedicou aos voluntarios que vão para a Zambezia o seguinte
hymno que já está posto em musica pelo sr. Gomes Ribeiro, mestre da banda dos filhos dos soldados.”
1015
Acompanhado por música da autoria de José Veloso Dantel e Hortas, o poema foi incluído, com
o subtitulo de “romanza”, em Cesar das Neves e Gualdino de Campos, Cancioneiro de Musicas Populares
contendo letra e musica [...] Collecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano por....
coordenada a parte poetica por ..., II, Com uma apreciação crítica do Exmº. Snr. Dr. Sousa Viterbo, Porto,
Empresa Editora Cesar, Campos & Cª., 1895, texto nº 208, pp. 88-92.
O texto (sem a música) fora inicialmente publicado n’ A Semana, I, nº 19 (Maio 1850), p. 152, tendo
saído, depois, em Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças para 1854, Lisboa, Na
Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, pp. 126-127.
1016
Manuscrito inédito, sem a música, na posse da família de Estácio da Veiga. Pertencente ao
conjunto de caderninhos acima referido, está integrado no caderninho nº 34.
1017
da Veiga.
Manuscrito inédito, acompanhado por uma pauta com a música, na posse da família de Estácio
343
das versões por ele recolhidas sofreram, aliás, grandes modificações de modo a obedecerem
a tais regras, sobretudo a da regularidade de rima.
1018
Quanto à linguagem do texto, não deixa de ser curioso que Veiga tenha pensado que
um poema com termos como “mappa-mundi” (v. 16) ou “nefandas planuras” (v. 22) alguma
vez pudesse ser tomado como tradicional. Tal parece mostrar que o autor tinha uma
concepção da linguagem popular algarvia pouco de acordo com a realidade, ou, então, que
pretendia fazer crer ao leitor que essa linguagem era muito mais cuidada do que alguma vez
deve ter sido.
1019
Com a inclusão de Os Calvos no seu romanceiro, Estácio da Veiga visaria, talvez,
mostrar que os camponeses da sua província, além de amigos de cantar (como provavam as
personagens da Descrição duma Bela Pastora e d’ A Serrana Fiel), eram também pessoas
“chistosa[s]”, ambas elas características que um lugar-comum citadino costuma considerar
próprias do povo rural. Será este aspecto um reflexo da visão do próprio Veiga ou uma sua
tentativa calculada de ir ao encontro das expectativas dos leitores lisboetas?
1018
Estácio da Veiga refere-se mais duma vez ao assunto, como sendo um modo de reconhecer se
uma versão é perfeita. Por exemplo, das suas versões de Dona Aldonça (Fonte Fecundante + Infanta Parida),
diz ele que, embora posteriores em data de recolha à versão de Garrett, não são piores que esta última (no modo
de pensar de Veiga, a posição cronológica, por si só, como já vimos, implicava a inferioridade da versão mais
recente), pois, tal como o texto de Garrett, “satisfaze[m] ao consoante ou assoante a que é obrigado todo o
romance de forma regular” (Romanceiro do Algarve, p. 76).
1019
A elevação do nível de língua é algo comum a todos os textos que Veiga publicou, e encontra-se
bem atestada no caso do Dom Rodrigo ou do Cid e Búcar.
VIII
A BALADA ROMÂNTICA
E AS SUAS RELAÇÕES COM OS ROMANCES FALSOS
DE ESTÁCIO DA VEIGA
A Questão dos Romances Falsos
O aspecto mais original (não no melhor sentido do termo) do Romanceiro do
Algarve é, como vimos, o elevado número de romances falsos que inclui (11 —ou, pelo
menos 10—, num total de 34),
1020
o que corresponde à elevada cifra de 32,4% (ou 29,3%),
sem igual noutros romanceiros portugueses.
Este surpreendente facto não se pode dever, cremos, a um especial espírito
embusteiro de Estácio da Veiga, o qual, nos seus estudos arqueológicos se revela, pelo
contrário, autor credível e de boa-fé, quer no que diz respeito às escavações quer às obras
que sobre elas escreveu.
De facto, os comentários que especialistas da matéria fazem sobre Veiga sublinham
o grande cuidado e honestidade com que ele levou a cabo o seu labor e mesmo a novidade
científica que representou na evolução da Arqueologia do nosso país. Maria Luísa E. V.
Silva Pereira escreve:
Ao definir e seguir um programa de trabalhos arqueológicos que incluía
prévio conhecimento dos locais a explorar através de questionários aos
governadores civis e às pessoas amigas, trabalhos de campo propriamente
dito, [...] levantamento topográfico, desenho de alçados, plantas de
monumentos ou estruturas, [...] reprodução sistemática de estruturas e
objectos exumados, e ensaio de fotografia [...], [Estácio da Veiga] inaugura
com as escavações de Mértola (e subsequentemente do “seu” Algarve natal) a
arqueologia científica [...]. Assim, as escavações de Mértola marcam o fim de
uma época e o nascimento de outra. Tinha terminado a arqueologia romântica
1020
A dúvida está, conforme dissemos, na Pastora Morre de Amor.
baseada na recolha do ‘objecto’ raro ou curioso, ou na formação de colecções
1021
“ad hoc”.
Para que não se pense ser a “voz do sangue” que fala pela boca da autora (bisneta
de Veiga, como dissemos), vejamos dois comentários de outros autores:
trabalho raro, este [as Antiguidades Monumentaes do Algarve, de Veiga],
ainda hoje, num País [...] onde as monografias de fundo continuam a
escassear [...] Estácio da Veiga [...] empreende [...] a cartografia arqueológica
de uma região geograficamente bem delimitada, o Algarve e à volta da
localização de monumentos e sítios, na sequência de numerosas escavações
empreendidas, foram emergindo ideias, teorias, explicações e, de um certo
modo, uma dada perspectiva global, um redimensionamento do passado,
1022
subjectivado pelo presente, talvez inéditos em Portugal.
O que é decisivo em Estácio da Veiga é a perspectiva global que imprime aos
seus trabalhos, a busca de uma realidade que seja possível controlar (através
da cartografia) e entender (através da classificação e ordenação dos
1023
“característicos”, para usar uma palavra que muito lhe agradava).
Até Leite de Vasconcelos, cuja “lenda negra” conta não ter, no mínimo, facilitado
os projectos arqueológicos de Estácio da Veiga,
1024
escreveu que este:
deixou-nos nas collecções archeologicas que organizou, e sobretudo nas
Antiguidades monumentaes do Algarve e nas Memorias de Mertola,
importantissimos materiaes, que eternizarão e tornarão sempre venerando e
1025
sympathico o seu nome.
1021
Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, “Prefácio” in Cláudio Torres e Santiago Macias
(coordenadores), Museu de Mértola. Basílica paleocristã, Mértola, Campo Arqueológico de Mértola, 1993, pp.
6-22; citações retiradas das pp. 8-9.
1022
Victor dos Santos Gonçalves, Estácio da Veiga: Um programa para a instituição dos estudos
arqueológicos em Portugal (1880-1891), Lisboa, Congresso Nacional de Arqueologia / Centro de História da
Universidade de Lisboa / Cooperativa Editora “História Crítica”, 1980, pp. vii, viii e ix.
1023
Victor S. Gonçalves e Ana Catarina Sousa, “Estácio da Veiga, Mafra e a sua Arqueologia”, in
Estácio da Veiga, Antiguidades de Mafra, s/ l., Mar de Letras, 1996, pp. 5-35; cit. extraída da p. 7.
1024
Victor S. Gonçalves e Ana C. Sousa, op. cit., pp. 6-7, falam mesmo n’ “a aversão que Leite de
Vasconcellos sentia por ele”.
1025
J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, cit., I, p. 286.
347
Aliás, Vasconcelos publicou, no Archeologo Português, os capítulos
1026
que Veiga
escreveu para o V vol. das Antiguidades Monumentaes do Algarve (que deixou inacabado),
facto que mostra bem como considerava cientificamente válidos os estudos arqueológicos
daquele autor.
Não sendo, portanto, fruto duma idiossincrasia embusteira de Estácio da Veiga, os
11 romances falsamente atribuídos por ele à tradição oral parece terem de explicar-se por
outro motivo. Segundo cremos, pela influência de uma corrente poética que, na literatura
escrita portuguesa do seu tempo, apresenta (pelo menos em número de textos) uma grande
importância: a balada romântica. É lendo os textos falsos de Veiga à luz desse movimento
que, pensamos, a sua existência poderá ser adequadamente perspectivada.
A Balada Romântica
Ao longo das pesquisas que levámos a cabo sobre a história da literatura oral no
nosso país (cujos resultados foram atrás apresentados no capítulo IV), folheámos perto de
centena e meia de revistas e jornais, de entre 1820 e 1870. Ora, enquanto fazíamos esse
trabalho, fomo-nos apercebendo da existência duma realidade que só vagamente
conhecíamos e de cuja força não suspeitávamos: a balada romântica.
Trata-se de poemas narrativos curtos ou não muito longos, em geral portugueses
(mas, em muito menor número, também traduzidos de outras línguas), cujas histórias estão
localizadas quase sempre em épocas antigas, sobretudo na Idade Média. O facto de serem
(tal como os romances tradicionais cujo rasto procurávamos) narrativas em verso despertou a
nossa atenção, e mais ainda a época em que a acção desses textos maioritariamente se
passava, devido, claro, às ligações existentes entre romanceiro e Idade Média, as quais, no
Romantismo, eram ainda mais sentidas que hoje, pois, na época, os textos tradicionais eram
valorizados apenas enquanto sobrevivências medievas.
Além disso, no panorama que se ia assim desdobrando à nossa frente, apercebíamo-nos também dum certo número de baladas que eram (ou diziam ser) versificações ou
reversificações de textos recolhidos da tradição oral, nomeadamente de romances, algo que,
como se imaginará, mais ainda nos interessou.
1026
Ver Apêndice nº 1, no fim deste trabalho.
Decidimos, então, tomar nota das baladas (portuguesas ou traduzidas) que íamos
descobrindo nas nossas pesquisas, sem ter, no início, um objectivo definido, além da
curiosidade de ver o que dali “sairia”. E o que acabou por “sair” foram dois corpora (ver, no
fim desta tese, os Apêndices nºs 2 e 3) que individualizam um movimento cuja existência,
peso e amplitude cronológica são indiscutíveis. Mesmo deixando de lado, neste momento, os
textos traduzidos (incluídos naquilo a que chamaremos, de ora em diante corpus B), temos,
no que diz respeito a poemas de autor português (ou seja, o corpus A), 285 baladas
diferentes (mais 102 republicações, o que faz o total de 387 items), devidas a 107 poetas, e
publicadas (excluindo os extremos menos característicos) entre meados dos anos 30 e
meados dos anos 60. Admitimos que a grande maioria desses poemas tem, segundo o gosto
de hoje, uma qualidade muito discutível, mas o simples facto de existirem deveria ter como
consequência que fossem estudados, pelo menos enquanto sinal duma época.
Um Movimento mal Conhecido
Ora, parece ser bem pouca a atenção que o movimento baladístico tem recebido da
parte dos estudiosos da literatura portuguesa. Essa pouca atenção surge frequentemente
acompanhada por uma atitude negativa sobre o valor literário —quando não social— da
balada romântica, atitude que, de modo mais ou menos explícito, justifica o pouco espaço
que os referidos estudiosos lhe concedem. E, atrevemo-nos a supor, explica também o pouco
tempo que à sua investigação a maioria desses estudiosos dedicou, como parece mostrar o
facto de citarem quase sempre os mesmos três ou quatro poetas enquanto representantes do
género baladístico, e de também não variarem as duas ou três obras cujos títulos apresentam.
A atitude displicente com que a balada romântica tem sido olhada encontra-se já
nalguns autores românticos, que, nos anos 50, se referem ao movimento como algo
ultrapassado, e dele falam com distanciação crítica, sublinhando o ridículo de certos aspectos
cuja menção se tornou um Leitmotiv nos autores sucessivos. Por exemplo, numa comédia de
Costa Cascais estreada provavelmente em inícios da década de 50,
1027
existe uma
personagem (um mascarado num baile de máscaras) que se descreve caricaturalmente a si
1027
J. da Costa Cascaes, O Extrangeirado, in Theatro, III, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal,
1904, pp. 39-57. A acção da peça passa-se em 1845. Publicada apenas postumamente, esta peça (ao contrário
de quase todas as outras do volume) não traz indicação de data de estreia; porém, pela sua situação dentro do
volume, pareceria ter sido estreada em inícios dos anos 50.
349
própria com todos os lugares-comuns (até os arcaísmos linguísticos) das personagens dos
dramas históricos românticos (género que, em seguida, critica) e também, acrescente-se, de
tantas e tantas baladas:
Sou mui nobre cavalleiro,
Monto meu corcel fouveiro,
E já fui á Palestina,
Terra muito papa-fina.
Capacete e acicates,
Trago-os sempre commigo.
E chamo-me D. Rodrigo.
[...]
1028
Sou trovador.
E, em 1852, Silva Túlio, num artigo que mistura referências às poesias recolhidas
da oralidade e às baladas românticas (numa indefinição genológica que, aliás, é frequente na
época, como veremos), escreve:
... muitos se afadigam a desentranhar do pó da tradição os chamados cantos
populares, a ressuscitar nos seus poemas o viver de gerações que foram ha
seculos. Mas que nos importa a nós tudo isso? Que aproveita ao povo de
agora que vós lhe deis em chacaras e em balladas o que chamaes a poesia
popular, a poesia nacional do paiz? [...] Deixai o passado, ao tumulo e voltae
1029
os olhos para a geração de que sois.
Por alturas da Questão Coimbrã, encontramos uma crítica bem mais acerba contra o
movimento baladístico, sustentada por uma posição ideológica ainda mais claramente
marcada. Assim, em 1865, Germano Vieira de Meireles, depois de censurar os assuntos
banais tratados em muita poesia romântica, escreve:
No meio de este funesto anno mil da poesia houve um interim, um parenthesis
divertidissimo. Foi o cyclo das chacaras, balladas e solaus moyenâge [sic].
1028
1029
Op. cit., p. 54.
“Poesia Popular. Sejamos deste Seculo!”, A Semana, II, nº 41 (Abril 1852), pp. 453-454 (a
citação é extraída da p. 454). O artigo não está assinado, mas pelo que diz, vê-se ser do director da revista,
lugar que, nessa época, era ocupado por Silva Túlio.
Construia-se um solau como na grande tragedia do Fausto engendrava
homunculos, no recesso do gabinete, não sei que tragico personagem. Que
importava a vida e a poezia? Bem medidos es [sic, por “e”] pautados aquelles
ridiculos versinhos, pespontados d’ assi e outros piegas archaismos, e
1030
tinhamos solau e chacara!
Mas parece ser Teófilo Braga o autor que mais contribuiu para desqualificar a
balada romântica. O seu desprezo por ela, intimamente motivado por a encarar como género
típico duma época de decadência social, política e literária, faz-se sentir em várias obras.
Vejamos quatro exemplos, três dos quais, aliás, atestam outra vez a ligação frequente que, no
espírito da época, havia entre baladas românticas e poesias (sobretudo romances) recolhidas
da tradição, algo que nos parece muito importante para a compreensão do caso de Estácio da
Veiga e dos seus 11 poemas falsos, e de que voltaremos a falar mais à frente:
Quando os nossos poetas quizeram imitar o que na Allemanha faziam Uhland
e Bürger, trovavando [sic] os seus poemas sobre as tradições nacionaes,
mostraram-se a nú, mediocres e sem alma. É vêr essa infinidade de solaos,
1031
xacaras de accalentar netos,
balladas, e outros prenuncios do ultraromantismo em Portugal, que se cansou de andar a tombos com uma edade
media de papelão. Para que ennumerar aqui nomes odiosos, de falsos
sacerdotes da arte? A poesia do povo precisa de uma extraordinaria boa-fé
1032
para ser entendida.
A peor consequencia d’ este erro de Garrett [o de escrever os “romances
reconstruídos”], foi a moda da poesia do povo, não consultada nas fontes
vivas da tradição oral, mas na imaginação esteril de desesperados
metrificadores [...] Todos os jornaes litterarios regorgitavam com romances
de juras e emprazamentos, de espectros que se revolviam nas campas,
assignados por Latino Coelho, Antonio de Serpa, João de Lemos, Passos, e
1030
G[ermano] V[ieira de Meireles], “Odes Modernas por Anthero do Quental”, O Seculo XIX,
23/8/1865, pp. 1-2 (citação extraída da p. 2). O artigo tem uma segunda parte publicada em 26/8/65, pp. 1-2, e
uma terceira (e última) em 30/8/65, pp. 1-2. Grande parte destes textos é transcrita em Alberto Ferreira e Maria
José Marinho, Bom Senso e Bom Gosto (A Questão Coimbrã), I: 1865/1866, 2ª ed., Lisboa, Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, 1985, pp. 479-88. A passagem que citámos aparece nesta colectânea na p. 482.
1031
Alusão clara à famosa balada de Castilho O Acalentar da Neta, publicada pela primeira vez em
1838 (ver Apêndice nº 2).
1032
liii.
Theophilo Braga, Floresta de Varios Romances, [Lisboa], Typ. da Livraria Nacional, 1868, p.
351
outros tantos [...] Esqueceu-se a legitima poesia popular; foram após as
1033
balladas tristes, que se cantavam nos theatros, nas salas e nas serenatas.
... facil foi á mediocridade apossar-se dos caracteres exteriores da vida
medieval; pintando castellos e pontes levadiças, juras á meia noite e
despedidas de cruzados partindo para a terra santa, torneios e banquetes,
terrores de claustro e aventuras galantes, tudo isto recortado como se fosse de
1034
cartão, aí estavam fórmas novas da Arte romantica.
Foi pelo Romanceiro que Almeida Garrett começou a obra do Romantismo
em Portugal; a sua falta de respeito scientifico fez com que fosse imitado
mais desgraçadamente, pelos noveis escriptores que inventaram tradições de
1035
sua phantasia e as metrificaram em redondilhas de estylo popular.
A visão negativa sobre a balada romântica dir-se-ia ter ficado definitivamente
estabelecida por estas e outras passagens de Teófilo, dispensando os estudiosos posteriores
de se preocuparem com um movimento de qualidade tão inferior.
E essa visão parece continuar hoje, mesmo numa história da literatura portuguesa
como é a dirigida por Carlos Reis. De facto, aí as referências à balada romântica limitam-se
às poucas linhas seguintes, que claramente ecoam as posições e até a linguagem de Teófilo
Braga:
A par do romance histórico (e também do drama histórico [...] ), a Literatura
ultra-romântica cultiva avassaladoramente o lirismo, pela palavra empolada
de trovadores e bardos em que se escutam, não raro, ecos de medievalismo,
cruzados com um sentimentalismo de raiz lamartiniana: sucedem-se as
xácaras, as baladas fúnebres e os solaus, retoma-se incessantemente uma
1036
entoação melodramática, mais do que autenticamente lírica.
Tanto quanto sabemos, o único autor que dedicou à balada romântica a atenção que,
pelo menos, o seu peso numérico justifica foi Júlio Nogueira, no âmbito duma importante
1033
1034
Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, cit., pp. 355-356.
Theophilo Braga, Theoria da Historia da Litteratura Portugueza, Porto, Imprensa Portugueza,
Editora, 1872, p. 81. Na 3ª ed. (Porto, Imprensa Portugueza—Editora, 1881, p. 145), esta passagem aparece sob
uma forma mais compreensível: “...de cartão, aí estava a receita infallivel para contrafazer a Arte romantica”.
1035
Theophilo Braga, Manual da Historia da Litteratura Portugueza desde as Origens até ao
Presente, Porto, Livraria Universal, 1875, p. 457.
1036
Carlos Reis e Maria da Natividade Pires, História Crítica da Literatura Portuguesa, V: O
Romantismo, Lisboa, Editorial Verbo, 1993, p. 252 (os sublinhados são do original).
tese de licenciatura dedicada ao tema da Idade Média no nosso Romantismo literário.
1037
Nogueira parte, porém, dum corpus de baladas não muito extenso (facto, aliás, perfeitamente
compreensível, tendo em atenção que o seu estudo abrange todos os géneros da literatura),
pelo que as suas conclusões, sobretudo quanto à cronologia do movimento e ao respectivo
período cimeiro, nos parecem necessitar certa correcção.
Cronologia, Baladas e Baladistas, Versificação. Lugar de Estácio da Veiga no
Movimento Baladístico
A balada romântica constitui, só por si, um tema merecedor de atenta e demorada
investigação.
1037
1038
Não é, claro, a essa investigação que dedicaremos as páginas seguintes, nas
Júlio Taborda Azevedo Nogueira, Idade Média e Romantismo. Contribuição para o estudo da
corrente medievalista no movimento romântico português, dissertação de licenciatura em Filologia Românica,
Coimbra, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1972.
1038
Bem sintomático da necessidade de investigação que a balada romântica apresenta é a falta de
conhecimentos seguros que existe à volta das obras de Serpa Pimentel, não obstante ele seja em geral apontado
como o autor fundamental para o início do género baladístico. De facto, os estudiosos não estão de acordo nem
quanto à data da edição nem quanto ao título de tais obras. Por exemplo, Inocêncio fala em três livros: Soláos,
publicado em 1839, Tradições Cavalleirosas da Minha Patria: Primeira epocha, publicado em 1840, e
Cancioneiro; parte primeira: saraos[sic], publicado em 1849 (Dicionario Bibliographico, cit., IV, p. 356);
Jacinto do Prado Coelho e António Coimbra Martins referem ambos apenas os Solaus, 1839 [verbetes
“Romantismo” e “Solau”, respectivamente, in Jacinto do Prado Coelho, Dicionário de Literatura (org.), 3ª ed.,
Porto, Figueirinhas, 1983, III, p. 963, e V, p. 1038]; António José Saraiva e Óscar Lopes falam de Solaus,
1839, e Cancioneiro (Solaus), 1840 (História da Literatura Portuguesa, 16ª ed., Porto, Porto Editora, s/d., p.
780), e o mesmo faz S. M. Gonçalves Castelão, acrescentando, porém, referência a um “drama inédito” (!):
Tradições Cavaleirosas da Minha Pátria [“Serpa Pimentel” in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do
Romantismo Literário Português, cit., pp. 420-1].
Pela nossa parte, apenas, pudemos ver duas obras, com os títulos e datas seguintes: Tradicções
Cavalleirosas da Minha Patria. 1ª epocha, publicada em 1840, e Cancioneiro. Parte primeira: Solaos,
publicada em 1849. As restantes, nomeadamente os Solaus de 1839, não existem na Biblioteca Nacional nem
na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, e não aparecem referidas na PORBASE.
O Cancioneiro (Solaus) de 1840 mencionado por Saraiva e Lopes é, possivelmente, uma simples
confusão com as Tradicções Cavalleirosas, obra que, publicada, de facto, em 1840, é omitida por aqueles
autores, e cujos textos, individualmente, têm o antetítulo de “soláo”. Mas os Soláos de 1839, referidos por
Inocêncio, são mais difíceis de explicar como confusão (com o Cancioneiro de 1849), porque o ilustre
bibliógrafo fala de ambas as obras. No entanto, a terem existido os Soláos de 1839, é estranho que Serpa
353
quais, pelo contrário, fazendo o possível por não nos deixarmos arrastar pelo fascínio do
tema, tentaremos centrar a nossa análise num aspecto: o contributo que o movimento
baladístico pode fornecer para perspectivarmos melhor o caso do Romanceiro do Algarve e,
sobretudo, dos 11 romances falsos que contém.
Para formar os nossos corpora, começámos as investigações no ano de 1820
(embora tivéssemos feito pesquisas pontuais nalguns anos anteriores) e fomos até 1870. O
último destes anos justifica-se, obviamente, por ser o da publicação do Romanceiro do
Algarve; o primeiro ano referido, por ser o da revolução liberal, e o nascimento do
Romantismo estar, em certa medida, ligado a esse movimento político.
Os nossos corpora são fruto de anos de pesquisas, que nos levaram a folhear mais
de 75 jornais e revistas (em muitos casos a colecção completa, que compreende vários anos)
e 53 livros (alguns com mais duma edição). Estes números correspondem, apenas, às obras
de que, efectivamente, extraímos material para os corpora, e não englobam muitos mais
títulos (dezenas, sem exagero) que também consultámos mas em que não encontrámos
Pimentel se lhes não refira no prefácio das Tradicções Cavalleirosas, e mais estranho ainda que, em tal
prefácio, o autor assuma o tom de quem apresenta o seu primeiro livro, e não um segundo (que, para mais,
surgindo apenas um ano depois do primeiro, marcaria um verdadeiro sucesso comercial, perfeitamente de
assinalar). De facto, no texto introdutório das Tradicções, Pimentel modestamente diz ter sido seu único
propósito mostrar “a alguem de mór esfera, e talentos o quanto fôra valiosa a restauração da nossa primitiva, e
original poesia, não ataviada com o explendor contrafeito de alheios ornatos, — pura, modesta, simples, como
as practicas, e os corações d’ aquelles nossos esquecidos avós. Abundoso, e formosissimo campo de
cavalleirosas façanhas offerece a minha patria á imaginação do poeta; — se por ventura me não é dado colher o
delicadissimo beijo, e pura flôr d’ aquellas suaves toadas, e melancholicos soláos dos antigos menestreis, licito
me seja ao menos lidar por imital-os. — E releve-me o minguado da execução polo sincero, e grandioso
desejo” (pp. [i]-[ii]). É óbvio que estas palavras não podem ser de alguém que está a prefaciar o seu segundo
livro de solaus.
Repare-se, por outro lado, na data que cada um dos poemas (com excepção de dois: Engracia
Ramila e O Cid, não datados) traz na ed. de 1849. Se virmos bem, só 3 desses poemas (D. Martim, A Virgem
Martyr Santa Comba e O Corujão do Bussaco) têm uma data anterior a 1839, pelo que só 3 do total de 21
textos datados contidos na ed. de 1849 estariam já na hipotética 1ª ed. de 1839. Não deixaria, portanto, de ser
estranho que essa 1ª ed. apenas contivesse 3 poemas ou, então, que todos os restantes tivessem sido eliminados
na 2ª, de 1849. Será, então, que, pura e simplesmente, a edição de 1839 não existiu, sendo fruto duma gralha
(por “1849”)?
Independentemente da questão dos Soláos de 1839, repare-se que, de qualquer modo, o papel de
Serpa Pimentel no nascimento do género baladístico terá de ser repensado. Na verdade, Castilho e Morais
Sarmento publicaram várias baladas logo em 1838, isto para não falar, claro, das quatro traduções de 1834-35
(feitas por “V.” e por Herculano).
nenhuma balada. Ainda assim, não obstante, o muito tempo que dedicámos a esta
investigação, não temos a ilusão de ter reunido todas as baladas românticas existentes.
Sabemos que em várias revistas ou jornais da época que não tenhamos consultado se podem
descobrir novas baladas ou a republicação de outras já conhecidas. É possível, além disso,
que alguns anos estejam sub-representados nos corpora, e que, provavelmente, mais
investigações, sobretudo na imprensa, permitam fornecer uma imagem mais consentânea
com a realidade.
1039
De qualquer modo, pensamos que os corpora que pudemos formar
garantem à nossa análise conclusões razoavelmente alicerçadas.
Uma vez que o nosso interesse pela balada romântica se relaciona intimamente com
a questão dos 11 falsos romances tradicionais publicados por Estácio da Veiga, decidimos,
durante as nossas pesquisas, não tomar nota das baladas cuja acção se desenrolasse
claramente na actualidade, a não ser que estivessem localizadas em meios populares (o
romance de Veiga Descrição duma Bela Pastora, embora não situado, nem explícita nem
implicitamente, numa época antiga, passa-se numa aldeia).
1040
Temos consciência, claro, de que, ao tomar essa decisão, condicionámos os
corpora, pelo que, se as listas assim formadas servem indiscutivelmente o objectivo que nos
propúnhamos estudar (os referidos poemas falsos de Estácio da Veiga), poderá, no entanto,
argumentar-se que, ao excluirmos as baladas ambientadas no séc. XIX, falseámos a
representatividade dos corpora enquanto imagem do movimento da balada romântica.
Devemos, no entanto, referir que, de qualquer modo, o número de textos ambientados no
séc. XIX nos pareceu muitíssimo pequeno. Esta impressão, pela sua subjectividade, vale
pouco, mas é corroborada pelo facto provado de serem muito poucas as baladas cuja acção
se passa nos séculos imediatamente anteriores, os XVIII e XVII. De facto, ao séc. XVIII
1039
É o caso de, por exemplo, no corpus A, o ano de 1837, que, como veremos, não apresenta
qualquer item, mas que, pela sua situação, num conjunto de 5 anos em que o número de items vai sempre
aumentando, seria de esperar que apresentasse uma quantidade de items superior à do ano anterior (que tem 4
items) e inferior à do seguinte (12 items). Surpreendem, também, por exemplo, os números muito baixos
referentes aos anos de 1855 e 1856 (respectivamente, 1 e 2 items), que parecem deslocados no contexto em que
se integram (1854 e 1857 apresentam, respectivamente, 5 e 6 items). É possível que mais investigações
permitam corrigir estas aparentes anomalias.
1040
Sendo os costumes do povo rural encarados, durante o Romantismo (e não só), como
sobrevivências de algo muito antigo, mesmo medieval, compreende-se a espécie de equivalência que, em Veiga
e na balada romântica em geral, existe entre acções passadas na Idade Média e acções passadas no séc. XIX
mas localizadas em ambientes rurais, sobretudo quando ligadas a tradições populares.
355
pertence, tanto quanto podemos determinar, a acção de apenas três baladas,
XVII a acção de outras três.
1041
e ao séc.
1042
A clara maioria das baladas passa-se na Idade Média, o que não causa qualquer
surpresa, já que se trata da época preferida pelo Romantismo em toda a Europa. Uma parte
menor das baladas, mas ainda assim importante, passa-se nos sécs. XV e XVI.
1043
Como atrás dissemos, tomámos nota também das traduções portuguesas de baladas
estrangeiras (o corpus B), desde que estivessem traduzidas em verso, pois, embora não
pertencentes à nossa literatura, fazem indiscutivelmente parte do conjunto de poemas
narrativos de ambiente antigo que o leitor da época tinha à sua frente. Além disso, o seu
papel no início do movimento baladístico português parece, como dentro em pouco veremos,
decisivo.
Comecemos por apresentar um resumo dos números de baladas presentes nos
nossos corpora:
Baladas portuguesas originais
1044
(corpus A)
Items: 387
Textos novos: 285
Republicações: 102
Baladas traduzidas (corpus B)
Items: 58
Textos novos: 43
1041
O Massinga (de Morais Sarmento, 1845), Caçada Real (de Palmeirim, 1849) e O Conde dos
Arcos (de A. F. Barata, 1866).
1042
O Desacato (de Costa Cascaes, 1842) e O Manoelinho d’ Evora e Martim Affonso de Lucena
(ambas de Sarmento, 1845).
1043
O interesse por esta época, pouco típico do Romantismo a nível europeu, nasce, no caso
português, sem dúvida do facto de nesses séculos se situarem as Descobertas, que para muitos (já no
Romantismo) constituem a idade de ouro da História de Portugal.
1044
Temos consciência de que algumas das baladas constantes deste grupo não devem ser originais
portugueses mas sim traduções, sendo os poetas que as assinam seus simples tradutores. Conseguimos
aperceber-nos de alguns casos desses, que colocámos no corpus B (Apêndice nº 3): ver Lewis, 1834; Anónimo,
1848; e Lewis, 1858.
Republicações: 15
Total dos corpora A e B
Items: 445
Textos novos: 328
Republicações: 117
De modo a podermos apreciar a cronologia do movimento baladístico,
apresentamos seguidamente uma sua lista ordenada por anos:
Panorama da balada romântica
(1828 – 1870)
TOTAL
ANO
Items
Textos
ORIGINAIS
Republ.
Items
novos
Textos
TRADUÇÕES
Republ.
Items
novos
Textos
novos
2
2
1834
2
2
2
2
1835
2
2
2
2
1836
4
3
2
2
1838
12
12
4
4
1839
16
10
6
4
1840
28
1841
2
1828
2
Republ.
2
1829
1830
1831
1832
1833
1
2
1
1
8
8
6
10
6
4
21
7
28
21
7
21
14
7
19
12
7
2
1842
13
11
2
12
11
1
1
1843
18
15
3
18
15
3
1844
13
12
1
12
11
1
1
1
1845
16
13
3
15
12
3
1
1
1846
12
11
1
11
10
1
1
1
1847
6
6
5
5
1
1
1837
2
1
357
1848
39
38
1
25
25
1849
53
36
17
53
36
17
1850
22
14
8
16
12
4
1851
20
14
6
20
14
6
1852
7
4
3
6
4
2
1
1853
16
7
9
14
5
9
2
2
1854
5
4
1
5
4
1
1855
1
1
1
1
1856
2
2
2
2
1857
6
6
6
6
1858
18
10
8
17
9
8
1
1
1859
11
8
3
9
7
2
2
1
1860
11
5
6
8
5
3
3
1861
8
5
3
7
4
3
1
1
1862
11
8
3
8
6
2
3
2
1863
10
1864
4
4
3
3
1
1
1865
5
4
5
4
1
1866
17
15
17
15
2
1867
4
2
4
2
2
1868
8
5
7
5
2
1869
1
1
1
1
1870
1
1
1
1
3
13
1
6
2
4
1
1
3
1
10
10
2
14
1
1
Como vemos, os dados do nosso corpus apontam para que, ao contrário do que se
costuma afirmar (mesmo durante a época em causa),
1045
1045
a Adozinda não parece ter tido
Em 1838, nas palavras introdutórias que escreve para certa balada de Morais Sarmento (Fernam
Rodrigues), um autor anónimo (provavelmente membro da redacção da revista) afirma: “É com a maior
satisfação que nós vemos resurgir este genero de poesia d’ antigos e ditosos tempos, tão proprio para
popularisar feitos honrosos da historia patria. Ao Snr. J. B. d’ A. Garret[sic] deve-se indubitavelmente o
renascimento desta poesia nacional, a sua Adosinda é, como já dissemos, um primor d’ arte” [Revista
Litteraria, I, nº 6 (30/9/1838), p. 339]. Poderia pensar-se que, ao falar da Adozinda e de “esta poesia nacional”,
o autor anónimo se referia ao papel de Garrett enquanto iniciador do movimento de interesse pelo romanceiro e
não enquanto iniciador do movimento da balada romântica. No entanto, uma menção que logo a seguir surge a
Castilho (“o Sr. A. F. de Castilho, brilhante ornamento da nossa litteratura, tambem não desdenha enriquecê-la
com valiosas producções neste estilo”), poeta que, como sabemos, não publicou textos de romances
consequências para o nascimento e menos ainda para o desenvolvimento subsequente do
género baladístico.
1046
O mesmo se diga do Romance de Bernal e Violante, que, embora, pela
sua extensão, esteja muito mais perto daquilo que veio a ser a balada romântica tipo, só
voltou a ser republicado em 1836, quando o movimento baladístico já estava em curso.
O vazio de baladas que se verifica durante 5 anos (de 1829 a 1833, inclusive)
mostra que os dois citados poemas de Garrett não tiveram imitadores.
1047
Pelo contrário,
quando, em 1834 e 1835, voltamos a encontrar baladas, estamos perante traduções de 4
textos ingleses ou alemães, traduções que formam 100% do total de items baladísticos desses
anos. Em 1836, as traduções ainda representam 50% dos textos do corpus; nesse ano surge,
aí sim, a republicação do Romance de Bernal e Violante, que, deste modo, mais do que
impulsionar a nova moda, parece arrastado por ela.
Mas, em 1838 e 1839, as traduções já representam apenas 33,3% do corpus anual,
e, nos anos posteriores, nunca mais atingem sequer este valor.
1048
Pareceria, então, que,
depois de terem suscitado o renascimento (talvez pudéssemos mesmo dizer o verdadeiro
nascimento) do género baladístico português, as traduções vão diminuindo à medida que o
modelo vai sendo imitado pelos poetas nacionais, imitação que se revela muito veloz. De
facto, em 1838, encontramos logo 12 items, dos quais 8 já são baladas portuguesas. Neste
tradicionais, mostra que o autor anónimo, quando falava de Garrett e da Adozinda, se referia de certeza à
origem do movimento baladístico.
1046
De facto, nesse aspecto, a Adozinda, com a sua relativa complexidade de acções, a sua
abundância de descrições e, consequentemente, a sua extensão (63 páginas na ed. de 1843), está mais ligada ao
passado do que ao futuro: faz lembrar mais a tradição dos longos poemas arcádicos, em vários cantos (por
exemplo, o Oriente, de José Agostinho de Macedo, ou as primícias arcádico-românticas do próprio Garrett:
Camões e Dona Branca), do que os poemas que formam o grosso do movimento baladístico, cuja extensão não
ultrapassa algumas páginas.
1047
O exemplo da Adozinda parece fazer-se sentir na génese de três longos poemas narrativos, em
vários cantos, da autoria de Costa e Silva: Isabel, ou a Heroina de Aragom (1832), Emilia, e Leonido (1836) e
O Espectro (1838). Embora a sua grande extensão e a sua linguagem arcádica mais os aproxime da Dona
Branca, a verdade é que neles se sente, também, a marca da Adozinda: no facto de estes poemas estarem
inspirados em textos tradicionais (Isabel e O Espectro em romances; Emilia, e Leonido numa balada de Walter
Scott, que Costa e Silva parece julgar ser recolhida da oralidade), textos que, além disso, Costa e Silva
transcreve na introdução, ou seja, exactamente como Garrett fizera na Adozinda. Além disso, Costa e Silva
menciona expressamente o modelo da Adozinda (ver Isabel, pp. iii-iv).
1048
De facto, o mais que sobem é até 27, 3%, em 1860 e 1862 (ex aequo), seguido por 1864 (25%) e
1859 (18,2%). Pelo contrário, descem até 6,25% (em 1845) ou, inclusive, 0%, vazio que se verifica num total
de treze anos (1843, 1849, 1851, 1854-57, 1861, 1863, 1865-67 e 1869).
359
ano de 1838 surgem mesmo representados (com textos de Castilho e Morais Sarmento) os
três aspectos temáticos principais que o género baladístico virá a desenvolver ao longo do
seu trajecto: a balada que versifica episódios da História de Portugal (Castilho e Sarmento),
a balada que versifica lendas (Castilho) e a balada de tema totalmente ficcional (Castilho).
De modo a apercebermo-nos de quais os pontos cimeiros do movimento baladístico,
vejamos, ordenados por número de items publicados, os anos mais produtivos:
Principais anos, atendendo ao número
de items baladísticos publicados
Lugar
Ano
Nº de items
1º
1849
53
2º
1848
39
3º
1840
28
4º
1850
22
5º
1841
21
6º
1851
20
7º ex aequo
1843 e 1858
18
8º
1866
17
9º ex aequo
1839, 1845 e 1853
16
10º ex aequo
1842 e 1844
13
11º ex aequo
1838 e 1846
12
12º ex aequo
1859, 1860 e 1862
11
13º
1863
10
14º ex aequo
1861 e 1868
8
15º
1852
7
Segundo o nosso corpus, o período áureo da balada romântica está, pois,
compreendido entre 1839 e 1853. Nestes 15 anos se publicaram 300 items, o que representa
nada menos que 67,4% do total, ficando os restantes 32,6% repartidos por um total de 28
anos (1828-1838 e 1854-1870).
O referido período áureo distingue-se, além de pelo número total de items que
apresenta, também pelo facto de, nele, o número de items publicados por ano não ser inferior
a 13, exceptuando três anos: 1846 (com 12 items), 1847 (com 6) e 1852 (com 7).
O período dos 28 “anos magros”, por seu lado, caracteriza-se, além de, como
vimos, por uma quantidade muito menor de items, também pelo facto de o total de items
publicados em cada ano nunca ser superior a 11, com excepção de três anos: 1838 (12
items), 1858 (18) e 1866 (17).
O período áureo não é homogéneo, e, pelo contrário, apresenta dois cumes de dois
biénios cada: um primeiro, inferior, em 1840-41 (com, respectivamente, 28 e 21 items) e
outro, superior, em 1848-49 (com, respectivamente, 39 e 53 items). Ao primeiro desses
núcleos está associado o ano de 1843 (18 items), e ao segundo núcleo estão claramente
associados os anos de 1850 e 1851 (com 22 e 20 items, respectivamente), os quais, de modo
claro, pertencem já à fase descendente. Estes sete anos (1840-41, 1843, 1848-49, 1850,
1851) ocupam por si só, como pudemos verificar na tabela anterior, os primeiros 6 lugares
da “classificação”.
Qual o lugar que os falsos romances tradicionais escritos por Estácio da Veiga
ocupam na cronologia do movimento baladístico? Como se sabe, antes de surgirem no
Romanceiro do Algarve, 3 desses romances (que, no fundo, são baladas românticas) tinham
saído já na imprensa: A Serrana em 1858, A Moira Encantada em 1859, e A Senhora dos
Martyres em 1860. Como vemos, então, as primeiras baladas de Veiga são publicadas já no
período descendente do movimento baladístico: 1859 e 1860 ocupam, como podemos ver na
tabela anterior, o 12º lugar. Claro que o ano de 1858 (em que surge a primeira balada de
Estácio da Veiga) ocupa, graças aos seus 18 items, o 6º lugar, e pareceria constituir um
momento de recuperação na lenta —ainda que contínua— decadência do género. De facto,
será preciso recuarmos até 1851 (com os seus 20 items) para encontrarmos um ano em que
se tenham publicado mais items do que em 1858. Trata-se, porém, duma recuperação
perfeitamente ilusória, pois, nos anos seguintes, até ao fim do nosso corpus (1870), nunca
mais se volta a atingir o número de items de 1858 (18, como dissemos). Aliás, o único ano
que se aproxima desse número (1866, com 17 items) representa uma realidade bem
enganadora, pois, destes 17 items, 14 são devidos a uma única obra, nascida perfeitamente
fora de tempo: o Cancioneiro Portuguez de A. F. Barata, remake do Romanceiro Portuguez
361
de Morais Sarmento, com todo o sabor requentado de algo que chega com 15 anos de
atraso.
1049
As baladas de Estácio da Veiga surgem, portanto, num momento em que publicar
baladas (entenda-se: baladas assumidamente originais) já não era nenhuma novidade e
menos ainda uma moda. Porém, seria quase novidade, agora que Garrett tinha falecido,
aparecerem a lume romances recolhidos da tradição oral.
Assim, parece que, se A Serrana, A Moira Encantada ou A Senhora dos Martyres
tivessem sido publicadas como aquilo que são (isto é, como baladas de Estácio da Veiga)
não teriam tido nenhum acolhimento especial. Pelo contrário, enquanto romances recolhidos
da tradição oral (aquilo que afirmam ser), chamam a atenção, sobretudo ao serem publicados
com uma introdução explicativa, que os situa como etnotextos, algo semelhante ao que
Garrett fizera, mas que, desde a morte dele, se não voltara a ver. Aliás, parece ser a esse
vazio que, em 1861 (ou seja, mais ou menos na mesma época em que surgiram as três
baladas/romances falsos), o redactor de certo jornal alude, ao publicar um romance de
Estácio da Veiga, Santo António e a Princesa (esse, aliás, verdadeiramente recolhido da
tradição, embora retocadíssimo):
O genero a que hoje se dedica o consciencioso escriptor [i. e., Veiga], é de
muito interesse e encanto, mas quasi olvidado pelos nossos engenhos, é
portanto mais recommendavel o seu merecimento e ainda mais digno da
1050
curiosidade publica.
A quase novidade representada pelos pretensos romances tradicionais de Estácio da
Veiga ajuda a explicar que dois deles (precisamente os que mais cor local, maior ligação ao
1049
O livro de Barata, colecção de baladas sobre episódios histórico-lendários nacionais (tal como o
livro de Sarmento), segue o modelo deste, como vemos, até no título. Além disso, tal como n’ O Romanceiro
Portuguez, cada balada é precedida por uma introdução, em que se apresenta o texto cronístico que o poeta
versificou.
Embora, como pudemos observar pela lista cronológica da publicação de baladas, a segunda parte
dos anos 60 seja já de aberta decadência, não se deve pensar que as baladas acabam em 1870. Este ano é apenas
aquele em que, pelas razões a seu tempo explicadas, parámos as nossas pesquisas. A publicação de baladas
deve ter continuado, ainda que, provavelmente, com pouca expressividade, e assinadas por autores cada vez
mais epigonais. De qualquer modo, em princípios do séc. XX, ainda saiu um livro totalmente ocupado por
baladas: Antonio A. dos Santos Silva, Romances Historicos e Lendas, Porto, Typ. a vapor de Arthur José de
Souza & Irmão, 1903.
1050
A Epoca, 15/6/1861, p. 1.
Algarve apresentam: A Senhora dos Martyres e A Moira Encantada) sejam, num curto
espaço de tempo, republicados na imprensa (juntamente com os respectivos artigos
introdutórios) três e duas vezes, respectivamente.
1051
Para nos apercebermos bem do que
significam, no corpus global da balada romântica, essas republicações dos dois falsos
romances tradicionais / baladas de Estácio da Veiga, vejamos uma lista com as baladas que
foram objecto de mais publicações:
Baladas portuguesas mais publicadas
Lugar
Título
Autor
1º
Bernal e Violante
Garrett
2º
Adozinda
Garrett
ex aequo Tomada Coimbra
1051
Castilho
Nº total de
Ano da publicação
publicações
(e anos das republicações)
5
1828 (1836, 1843, 1853, 1863)
1828 (1843, 1853, 1863)
4
1838 [1839 (2 vezes), 1863]
A Senhora dos Martyres foi republicada uma vez no próprio ano em que saiu (1860) e, depois,
também em 1861 e 1862; A Moira Encantada foi republicada duas vezes em 1861. Quanto à Senhora dos
Martyres, sublinhe-se que a republicação de 1862 se fez no mesmo jornal onde o poema inicialmente saira (A
Nação). Neste segundo momento, a balada é antecedido por umas linhas da redacção, bem significativas do
agrado com que o público recebera o poema: “Vamos reproduzir um folhetim, que ha tempos aqui inserimos,
em consequencia de se ter extrahido toda a edição da folha em que então apparecêra, e de não podermos de
outro modo satisfazer ao desejo que varias pessoas nos tem manifestado de o possuirem”. Note-se que A
Senhora dos Martyres parece ser, aliás, o romance de Estácio da Veiga que maior sucesso conseguiu. De facto,
no período posterior àquele em que termina o nosso corpus (1870), sabemos que esse poema foi republicado,
pelo menos, por Victor Eugenio Hardung (Romanceiro Portuguez, coordinado, annotado e accompanhado d’
uma introducção e d’ um glossario por..., II, Leipzig, F. A. Brockhaus, 1877), por Puymaigre, em tradução
(Romanceiro. Choix de vieux chants portugais. Traduits et annotés par..., Paris, Ernest Leroux, Éditeur, 1881,
pp. 59-62) e por Antero (Thesouro Poetico da Infancia, cit., pp. 102-6). Voltou também a sair na imprensa pelo
menos duas vezes: na Revista do Minho, VII, nº 18 (1892), pp. 77-8, e n’ O Elvense, em data que não podemos
determinar (ver Leite de Vasconcellos, Romanceiro Português, cit., nº 629; este item constitui a republicação
da balada de Veiga, embora com o início truncado, a partir da sua transcrição no referido jornal alentejano).
É possível que o sucesso desta balada se explique pelo facto de ela ir ao encontro de um certo gosto
burguês, condescendente e enternecido, pela “ingénua religiosidade popular”. O texto poderá também ter
agradado pelas ligações que apresenta com uma época áurea da História pátria, a das lutas entre Portugueses e
Mouros, além de que, aqui, vence o português, embora comece por estar numa posição de dominado, e o
mouro, mais que vencido, é convencido pela força evidente da religião cristã.
363
Santa Comba
S. Pimentel
1840 [1840 (2 vezes), 1849]
2º
D. Martim
S. Pimentel
1840 [1840 (2 vezes), 1849]
ex aequo
Por Bem
Garrett
(cont.)
Srª dos Martyres
E. Veiga
1860 (1860, 1861, 1862)
Srª da Nazareth
Castilho
1838 (1858, 1863)
4
Duarte d’ Almeida M. Sarmento
1846 (1853, 1858, 1863)
1839 [1841 (2 vezes)]
Egas Moniz
S. Pimentel
1840 (1840, 1849)
Cindasunda
S. Pimentel
1840 (1840, 1849)
Infante de Granada
M. Leal
1840 (1845, 1858)
Noite San’ João
Garrett
1843 (1853, 1863)
3º
Anjo e a Princeza
Garrett
ex aequo
Chapim d’ Elrei
Garrett
1843 (1853, 1863)
Rosalinda
Garrett
1843 (1853, 1863)
Miragaia
Garrett
1843 (1853, 1863)
O Diabo
G. Amorim
1849 (1858, 1866)
Aposta do Rei
F. Palha
1850 (1852, 1858)
Infanta de Castella
F. Palha
1850 (1852, 1858)
Marianninha
G. Amorim
1856 (1858, 1866)
Moira Encantada
E. Veiga
1859 [1861 (2 vezes)]
3
1843 (1853, 1863)
Como podemos observar, A Senhora dos Martyres ocupa um destacado 2º lugar ex
aequo e A Moira Encantada um 3º lugar ex aequo. Repare-se, além disso, que esses dois
poemas de Veiga saem numa época já tardia, quando faltam cerca de 10 anos para o fim do
nosso corpus, pelo que o mérito de, por exemplo, A Senhora dos Martyres (publicada em
1860) sair 4 vezes é, em termos relativos, maior que, por exemplo, o d’ A Tomada de
Coimbra, que saiu 4 vezes também, mas foi publicada muito antes (em 1830), pelo que teve
muito mais tempo para atingir o referido total de publicações.
Note-se, ainda, que essas duas baladas de Estácio da Veiga conseguem a respectiva
“classificação” apenas através das publicações que tiveram na imprensa. Pelo contrário,
qualquer uma das outras baladas incluídas na lista anterior foi publicada, pelo menos, uma
vez num livro dos respectivos autores, e algumas delas conseguem a sua “classificação”
sobretudo graças a esse facto (A Noite de San’ João, O Anjo e a Princeza, O Chapim d’ Elrei
e Rosalinda constituem um caso extremo, pois não apresentam no nosso corpus qualquer
publicação em jornais, surgindo apenas graças à sua inclusão nas várias edições do
Romanceiro de Garrett). Em princípio, a inclusão das baladas em obras do próprio autor
deve mostrar menos a popularidade dos textos do que a sua republicação na imprensa,
sobretudo porque essa republicação se não costumava dever à vontade do autor mas apenas à
dos redactores, que, com toda a sem-cerimónia, transcreviam nos seus periódicos certos
textos que tinham lido na “concorrência” e que achavam susceptíveis de agradar aos seus
leitores.
E, já que vimos a lista de primeiros lugares das baladas portuguesas, aproveitamos
para fornecer, igualmente, a mesma lista em relações às baladas estrangeiras traduzidas para
português:
Baladas traduzidas mais publicadas
Lugar
Título
Autor
Tradutor Nº total de
Ano de publicação
publicações (e anos das republ.)
Romance
1º
Affonso e Isolina
V.
Lewis
Aphonso e Imogina
5
1836 (1838, 1858)
Lobo
1847
Herculano
1834 (1850, 1860)
Cav. Toggenburgo
Herculano
1835
Cav. Toggenburg
Schiller Varnhagen
1838
Leonor
2º
Herculano
1834
Bürger
Cav. Togenburgo
Monteiro
ex aequo A Noiva do Sepulcro Anónimo Herculano
1848
3
1838 (1850, 1860)
O Caçador Feroz
Bürger
Herculano
1839 (1850, 1860)
O Mergulhador
Schiller
P.
1839 (1839)
Sousa Jr.
1850
O Mergulhador
Quanto a número de items publicados, mesmo tendo em atenção apenas os 3
romances falsos divulgados na imprensa (com as respectivas republicações), Estácio da
365
Veiga continua bastante bem situado na lista dos baladistas mais publicados, ocupando um
honroso 9º lugar, num total de 107 poetas diferentes.
1052
Vejamos os primeiros 10 lugares:
Autores de baladas com mais items publicados
Lugar
Nome
Número de items
(textos novos + republ.)
1º
José de Serpa Pimentel
46 (24 + 22)
2º
Garrett
30 (10 + 20)
3º
Morais Sarmento
22 (14 + 8)
4º
Gomes de Amorim
16 (12 + 4)
ex aequo
Mendes Leal
16 (10 + 6)
5º
António F. Barata
15
6º
Maria Peregrina de Sousa
14 (10 + 4)
7º
Castilho
10 (4 + 6)
ex aequo António Serpa Pimentel
10 (6 + 4)
8º
Pereira da Cunha
9
9º
Estácio da Veiga
8 (3 + 5)
10º
Rodrigues Cordeiro
7 (6 + 1)
ex aequo
João Dubraz
7 (6 + 1)
João de Lemos
7 (5 + 2)
Tenha-se presente que, conforme dissemos, apenas considerámos, no que diz
respeito a Estácio da Veiga, os três romances falsos / baladas publicados antes do
Romanceiro do Algarve. Se no nosso corpus incluíssemos também esta obra de 1870, então,
o contributo de Veiga para o movimento baladístico (mesmo deixando de lado os textos que
são fundamentalmente traduções/adaptações) seria acrescentado com mais uma ou duas
baladas
1053
e com as 3 republicações (em 1870) dos romances antes publicados na imprensa,
1052
Além das baladas pertencentes a estes 107 poetas, o corpus apresenta ainda 12 textos sem
indicação de nome de autor.
1053
O Frade e a Freira teria quase certamente que ser incluído. A atribuição a Veiga de Pastora
Morre de Amor é que seria, como atrás vimos, mais contestável.
atingindo um total de 12 ou 13 items. O autor algarvio subiria, assim, para o 7º lugar,
destronando Castilho e António de Serpa Pimentel.
Para concluir a análise da posição ocupada por Estácio da Veiga e os seus falsos
romances tradicionais, no seio do movimento baladístico, vejamos a questão do ponto de
vista versificatório:
Baladas segundo o tipo de versificação
Baladas portuguesas originais (corpus A)
(total: 285)
Em quadras de tipo tradicional:
1055
Em outros
1054
76 (26,6%)
/ Em vários tipos de estrofes de heptassílabos: 71 (24,9%)
Em sextilhas de heptassílabos: 48 (16,8%)
1056
Em outros
/ Em vários metros: 48 (16,8%)
Romances: 42 (14,7%)
Total de baladas em heptassílabos, incluindo os romances: 237 (83,1%)
Baladas traduzidas (corpus B)
(total: 43)
Em outros / Em vários tipos de estrofes de heptassílabos: 15 (34,8%)
Em quadras de tipo tradicional: 12 (27,9%)
Em outros / Em vários metros: 10 (23,2%)
Romances: 5 (11,6%)
Em sextilhas de heptassílabos: 1 (2,3%)
1054
1055
Designamos assim as quadras de heptassílabos com esquema rimático ABCB.
Entenda-se: em outros tipos de estrofes de heptassílabos que não sejam as quadras de tipo
tradicional ou as sextilhas.
1056
romances.
Entenda-se: em outros metros que não sejam nem os heptassílabos nem os bi-heptassílabos dos
367
Total de baladas em heptassílabos, incluindo os romances: 33 (76,7%)
Baladas portuguesas + Baladas traduzidas (corpora A + B)
(total: 328)
Em quadras de tipo tradicional: 88 (26,8%)
Em outros / Em vários tipos de estrofes de heptassílabos: 86 (26,2%)
Em outros / Em vários metros: 58 (17,7%)
Em sextilhas de heptassílabos: 49 (14,9%)
Romances: 47 (14,3%)
Total de baladas em heptassílabos (incluindo os romances): 270 (82,3%)
A principal conclusão a tirar é que, na balada romântica, o heptassílabo é, por
esmagadora maioria, o metro mais usado, sendo a quadra a estrofe preferida. Este duplo
aspecto tem, sem dúvida, a ver com o facto de, como dissemos no capítulo III, o heptassílabo
andar, desde o Arcadismo, associado à ideia de poesia popular, sobretudo quando agrupado
em quadras de rima ABCB.
A concepção do heptassílabo enquanto verso popular (e, portanto, de acordo com as
teorias românticas, nacional) por excelência é defendida expressamente por Garrett, logo em
1828, como adiante diremos.
1057
Este autor escreve, aliás, no metro em causa as duas
primeiras baladas do movimento (a Adozinda e o Romance de Bernal e Violante), sendo a
segunda destas em quadras de tipo tradicional.
O carácter “popular” do heptassílabo parece estar já de tal modo interiorizado que,
em 1843, Andrade Ferreira, ao reversificar uma versão do Falso Cego que lhe chegara da
tradição em versos de 5 sílabas, resolve não manter o verso do original, adoptando, isso sim,
o de 7 sílabas.
1057
1058
1058
Ver Adozinda, cit., pp. ix, xv, xvi e xxi.
J[osé] M[aria] d’ A[ndrade] F[erreira], O Cego Peregrino. Rimance, O Panorama, II, 2ª série, nº
58 (4/2/1843), pp. 35-36, e nº 84 (5/8/1843), pp. 247-248. A versão em que se “funda” esta balada é, de facto,
em pentassílabos, como se vê pelo excerto citado em nota por Andrade Ferreira: “Abri essa porta, / Fechai o
postigo, / Botai cá um lenço, / Que eu venho ferido” (p. 35).
E, em 1845, Pereira Caldas (poeta do grupo do Trovador) vai dedicar ao
heptassílabo um estudo monográfico,
1059
que, de certo modo, constitui a consagração do
carácter português (ou, como ele aponta, mais propriamente ibérico em geral) desse verso:
Os pequenos metros octonarios ou de redondilha maior, como os nossos
antigos escriptores lhes chamavam, são, sem duvida, a primitiva e mais
1060
adequada forma da nossa poesia eminentemente nacional.
O heptassílabo (em geral agrupado em estrofes, nomeadamente quadras, de rima
não seguida) quase se pode dizer que, a par da acção situada na Idade Média, constitui um
dos sinais identitários da balada romântica. Ora, no aspecto versificatório, Estácio da Veiga
afasta-se de quase todos os outros baladistas, pois os três textos seus presentes no corpus são
verdadeiros romances, em heptassílabos, de rima seguida do princípio ao fim. As mesmas
características surgem, aliás, em todos os textos do Romanceiro do Algarve, constituindo
excepção parcial apenas A Aldeana e O Frade, por estarem escritos em pentassílabos, ainda
que de rima seguida (são romancilhos, portanto). E Veiga tem perfeita consciência do
1059
Por vezes, o autor não usava o último apelido. É o que acontece na obra que aqui nos interessa,
cuja descrição bibliográfica é a seguinte: J[osé] J[oaquim] da S[ilva] P[ereira], Da Poesia Antiga: ou da
antiguidade e belleza dos versos octosyllabos, Porto, Typographia da Revista, 1845. Trata-se duma separata da
Revista Litteraria, 2ª série, vol. XII, segundo informação de Inocêncio (Diccionario, cit., IV, pp. 397-8), que
não pudemos comprovar, porque tal volume falta na colecção da Biblioteca Nacional e na da Biblioteca Geral
da Universidade de Coimbra.
No fim da separata (p. 21), o texto está datado de “Coimbra, Março 1845”. O exemplar do opúsculo
que consultámos (na Biblioteca Nacional) tem, depois da referida data, a indicação manuscrita, a tinta, de
“(Continúa)” (a tinta é a mesma com que, na capa, está escrita uma dedicatória assinada pelo autor). Ora o
referido vol. XII foi o último da Revista Litteraria (ver Inocêncio, loc. cit.), tendo, portanto, o artigo ficado
incompleto, e não parece ter continuado noutro periódico. Note-se que o início do artigo saíra na Revista
Academica (Coimbra), nº 2 (2/4/1845), pp. 28-30, mas que, naquele periódico, o texto não continuara a sua
publicação. Depois, a parte publicada na Revista Academica foi transcrita (com pequenos retoques) na
mencionada Revista Litteraria, que, além disso, acrescentou outra grande parte, até aí inédita.
1060
Op. cit., p. 1. Ao falar em “octonarios”, Pereira Caldas segue, claro, o modo de contagem de
sílabas usado em Portugal antes da reforma de Castilho.
O carácter não apenas português mas ibérico do heptassílabo está atestado em três passagens da obra
de Caldas: “o romance octosyllabo é, de certo, primitiva e essencial fórma da poesia popular dos peninsulares”
(p. 9); “nos pequenos metros octonarios se acha a primitiva fórma poetica, com que entre os peninsulares fôra
concebida a versificação popular” (p. 11); “A sua [dos heptassílabos] verdadeira origem [...] vai, sem duvida,
entroncar-se ufana no primeiro balbuciar das linguas peninsulares” (p. 17).
369
carácter distinto destas duas baladas, como mostra o facto de ter agrupado os versos delas de
1061
modo diferente do dos outros textos seus.
O cuidado com a correcção versificatória é, como vimos a seu tempo, uma das
características, dos textos publicados por Veiga, autor que, aliás, usa sempre o termo
“romance” (e o seu derivado “romanceiro”) de forma terminologicamente correcta. Nisso
distingue-se da esmagadora maioria dos seus contemporâneos, a começar logo por Garrett, o
qual, como sabemos, chama “romances” à Adozinda e ao Bernal e Violante, coisa que eles,
porém, não são, pois não obedecem à rima obrigada, própria do género. E vários poetas
posteriores aplicam o termo “romance” a baladas que nem sequer são em heptassílabos.
1062
Tanto quanto sabemos, o único autor que, além de Veiga (e antes dele, servindo-lhe, talvez,
de modelo), mostra expressamente ter noção clara das características não só métricas mas
também rimáticas do romance é Castilho.
1063
É muito possível que a falta de propriedade
com que o termo “romance” surge usado na poesia romântica portuguesa seja consequência
de dois factos que pudemos observar no capítulo III:
i) os romances serem muito raros nos nossos poetas arcádicos, e
1061
A Aldeana tem os versos agrupados em quadras e O Frade em dísticos. Pelo contrário, os
restantes textos do livro têm os versos agrupados em tiradas.
1062
Entre os vários casos presentes no Apêndice nº 2, citem-se, por exemplo, Moraes Sarmento, Fr.
Luiz de Souza. Romance historico (1840), que é em oitavas camonianas, ou Costa Cascaes, Romance do 4º
Acto do Drama Original — O Alcaide de Faro (1848), em versos de 5, 7 e 10 sílabas.
1063
Escreve Castilho: “A chacara, o romance popular, popularissimo, das Hespanhas, esse formoso e
invejado exclusivo das nossas gentes, tinha por formula quasi consagrada e indispensavel o verso seti-syllabo
em quadras, com rima toante, ainda que algumas vezes se enfiava toda a narração, só com um ou outro lapso,
em rimas perfeitas, que comummente não passavam do ia. Renasceu este genero em nossos dias, porém tão
desfigurado que faz pena. [...] sobre tudo não se curou de o revestir com coisa que se assimilhasse, por pouco
que fosse, á sua rima. Sob o nome de chacara se fizeram uns pequenos poemas, talvez de maior valor poetico
absoluto, mas que não eram chacaras [...] É pois esta uma rica mina, que está ainda para explorar [...] Áquelles,
que a tal empreza houvessem de pôr peito, aproveito eu esta occasião para lembrar, que a rima é uma das
principaes feições por onde a chacara genuina se contrasta e reconhece, e que substituir-lhe consoantes variadas
é matal-a.
Como porém ousaremos rimar em toantes?
Não é necessario; rimae cada quadra em consoantes, e cada quadra com as outras do canto em
toantes, ou todas as quadras em consoantes perfeitos, e os mesmos se quizerdes” (A. F. de Castilho, Tractado
de Metrificação Portugueza para em Pouco Tempo, e até sem Mestre, se Aprenderem a Fazer Versos de Todas
as Medidas e Composições, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851, pp. 113-4).
ii) os poucos romances que aparecem no Arcadismo já não seguirem as duas
características mais típicas do género (narratividade e versificação em heptassílabos), sendo
1064
sobretudo líricos
e em decassílabos.
A Teoria da Imitação da Poesia Oral pela Poesia Escrita
Através de tudo o que deixamos exposto, conclui-se que os romances falsos /
baladas de Estácio da Veiga possuem uma filiação determinada, não sendo fruto do acaso
nem da completa inventiva do seu autor. E conclui-se também que, na época em que esses
textos falsos surgem na imprensa, o facto de serem publicados como romances tradicionais e
não como baladas de autor constitui, só por si, meia garantia de sucesso.
Porém, não nos parece que a busca do sucesso explique, só por si, que Veiga tenha
escrito textos daquele tipo, ou seja, não nos parece que apenas a vontade de ser original
explique que ele tenha pensado em escrever (e publicar) alguns textos falsamente
tradicionais. Pelo contrário, o movimento baladístico possui uma faceta que, julgamos, ajuda
a iluminar a criação, por Veiga, dos romances falsos. Referimo-nos à ligação existente entre
muitas baladas românticas e a literatura oral. Com efeito, um grande número de baladas do
nosso corpus apresentam-se como a reversificação de romances tradicionais ou como a
versificação de lendas ou contos populares. Tal facto se, em bastantes casos, é evidente ou
provável, noutros é, sem dúvida, falso. Além disso, existem mesmo algumas baladas que se
apresentam como verdadeiros textos recolhidos da oralidade, algo que as suas características
versificatórias, estilísticas e conteudísticas desmentem.
Antes de vermos com um pouco mais de atenção as modalidades que revestem
essas relações entre baladas de autor e poemas orais, comecemos por tentar situar tais
ligações no âmbito teorético do Romantismo.
1064
Conforme vimos, já na Fénix Renascida a maioria dos (numerosos) romances que surgem são
líricos, embora mantenham a versificação heptassilábica.
371
Nascimento da Teoria da Imitação da Poesia Oral pela Poesia Escrita
Conforme vimos no I capítulo, um dos teóricos fundacionais do movimento
romântico —Herder— defendeu, pelo menos desde 1773, que a poesia escrita devia imitar a
poesia oral, de modo a reformar-se. A poesia popular seria capaz de
infondere un poco di semplicità nei nostri canti lirici, nelle nostre odi e
canzoni, [...] abituare a soggetti più semplici e ad argomenti più nobili [...], in
breve di liberarci da questi ornamenti oppressivi, divenuti per noi pressoché
legge. [...] in che stile oraziano artificioso siamo caduti [...] noi tedeschi —
Ossian, i canti dei selvaggi, degli scaldi, romanze e poesie provinciali
1065
potrebbero portarci su strade migliori.
E Bürger, poeta que começava a tornar-se famoso (publicara já, em 1773, a balada
Lenore), impressionado pelas ideias de Herder, escreveu, em 1776, o artigo “Desabafo do
Coração sobre a Poesia Popular”.
1066
Ali defende, também ele, que a poesia culta deve deixar
modelos eruditos, franceses ou greco-latinos, e aprender com a poesia popular alemã; será
esse, aliás, o único modo de os poetas se tornarem verdadeiramente apreciados pelo público:
Questi antichi canti popolari offrono al poeta che si sta formando un
importantissimo studio preliminare del “naturalmente poetico” nell’arte, in
particolare in quella lirica ed epico-lirica. [...]
Con questo intento ho spesso teso l’orecchio per ascoltare il suon magico
delle ballate e delle canzoni di strada che risuonano al crepuscolo sotto i tigli
del paese, fra gli stenditoi biancheggianti e nei filatoi. [...] Da questa
esperienza è facile e davvero meraviglioso apprendere il modo di eseguire la
ballata e la romanza, o la poesia lirica ed epico-lirica. [...]
Siamo tedeschi! Tedeschi che devono rendere digeribile e nutriente per il
popolo tutto non la poesia greca, latina o di qualunque altro popolo tradotta in
lingua tedesca, bensì la poesia tedesca in tedesco. Voi poeti, voi che non
avete fatto ciò e che per questo motivo veniti letti poco o nulla, non accusate
1067
il pubblico freddo e pigro, ma voi stessi!
1065
“Sobre Ossian e as Canções dos Povos Antigos. Resumo duma correspondência”, apud Clelia
Parvopassu e Alberto Rizzuti (orgs.), “A salti e lanci”, cit., pp. 133-4.
1066
“Herzensausguß über Volks-Poesie”; tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp.
143-150.
1067
Op. cit., pp. 146 e 147.
Sublinhe-se que o artigo termina com uma balada do próprio Bürger, escrita com o
objectivo de ilustrar a sua teoria. Bürger, como se sabe, é considerado o criador da balada
artística alemã (Kunstballade), e os seus textos tornaram-se famosíssimos por toda a Europa
romântica, exercendo enorme influência. Apresentam frequentemente temas e recursos
estilísticos mais ou menos ligados à poesia popular e, na maioria, estão ambientadas na
Idade Média, entendida como a época em que a essência nacional estava mais viva.
1068
Em 1777, ou seja, no ano seguinte ao do artigo teórico-prático de Bürger, Herder
vai referir-se a este poeta. Segundo Herder, em Bürger, “che conosce a fondo la lingua e il
cuore” do povo alemão, reside a esperança de vir a nascer um dia “un canto tedesco eroico o
d’azione pieno di tutta la forza e tutto il movimento di queste piccole canzoni” (as canções
populares).
1069
Conforme podemos observar, estamos em presença dum conjunto de ideias que
andava no ar e era defendido por vários. Mas que também tinha os seus oponentes. O mais
famoso de todos, Friedrich Nicolai, figura de proa do Iluminismo alemão, publicou em
1777-78, com propósitos claramente polémicos, o Pequeno Almanaque Elegante (Kleyner
feyner Almanach). Trata-se duma antologia, em dois volumes, de poesias populares ou
popularizantes, em que misturou textos bons e textos maus, de modo a desmentir os que
defendiam a superioridade da poesia popular e a necessidade de ela servir de modelo. Na
introdução de cada volume,
1070
mete a ridículo tais defensores, aludindo claramente aos
escritos de Herder e Bürger. E, em passagens provocatórias (embora ricas em pontos dignos
de reflexão), escreve que estaria errado dizer que
il popolo canta canzoni meglio di Omero e di Ossian e di Ariosto, e chi non
canta come il popolo è maledetto! Sarebbe [...] pura follia, poichè il popolo
canta bene e male, non meno di tutti i poeti istruiti.
E adverte os poetas cultos contra os perigos da imitação do popular:
Qui [no Almanach] ci sono molti autentici antichi canti popolari, [...] come li
cantano onesti garzoni, gente della montagna e cantastorie. Siano essi buoni o
1068
Ver João da Providência Sousa Costa, A Balada. A balada popular, a balada artística alemã,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1918, e Wolfgang Kayser, Geschichte der deutschen Ballade, Berlin,
Junker und Dünnhaupt Verlag, 1936.
1069
Herder, “Da Semelhança entre a Poesia Medieval Inglesa e a Alemã, juntamente com Várias
Coisas que daí se Seguem”, apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 205.
1070
Tradução italiana apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., pp. 153-163 e 164-168.
373
cattivi, basta, sono autentici. Se ora voi, cara gente istruita, volete
abbandonare i vostri canti eruditi e accogliere quei canti popolari, o se potete
imparare qualcosa da loro, davvero!, tutto mi può stare bene. Soltanto non
fate mescolanza ermafrodita o abborracciamenti alla moda, che non possono
far piacere né ai garzoni né agli uomini istruiti, dato che non sono né canti
1071
popolari né poetare erudito.
E, quase a concluir, escreve:
io credo che ogni cosa rimarrà com’è, e i canti popolari saranno sempre canti
per il popolo e il poetare erudito sará sempre poetare per eruditi, fino al
1072
giorno del guidizio universale.
Ideias com que, obviamente, os teóricos e poetas românticos não concordaram,
facto que esteve na origem de muita poesia mais ou menos popularizante (ou assim
apresentada) por essa Europa fora — e nomeadamente em Portugal, com boa parte dos
textos pertencentes ao movimento baladístico. E os resultados, como se sabe, do ponto de
vista estético, não foram os melhores.
1073
E, já que falámos de teóricos românticos, diga-se ainda, para sermos honestos, que
o próprio Herder parece não ter ficado contente com os resultados que via da influência da
poesia popular na culta, e nomeadamente na obra de Bürger. Repare-se, aliás, que as
afirmações dele sobre Bürger que atrás transcrevemos (e também toda a passagem em que
elas se integram), mais do que um elogio da poesia já escrita por esse poeta, exprimem, isso
sim, a ideia de que ele tem condições para, no futuro, vir a escrever a tal poesia culta
redimida pelo exemplo da poesia popular. Mas a opinião de Herder sobre a obra
verdadeiramente produzida por Bürger parece não ter sido muito lisonjeira, pois, numa carta
particular escrita em 1779, mete essa obra no mesmo saco do Kleyner feyner Almanach de
Nicolai:
1071
1072
1073
Op. cit., p. 165.
Op. cit., p. 167.
As baladas tradicionais, diz um seu grande conhecedor, “are extremely difficult to imitate by the
highly civilized modern man, and most of the attempts to reproduce this kind of poetry have been ridiculous
failures” (Child, cit. por Walter Morris Hart, “Professor Child and the Ballad”, in Francis James Child, The
English and Scottish Popular Ballads, V vol., New York, Dover Publications, Inc., 1965, pp. 755-807; citação
extraída da p. 757).
[I canti popolari] non [...] sono scritti nel modo in cui fanno cattiva poesia
popolare Bürger, l’ Almanach, ecc., che mi danno ai nervi, davvero, con le
1074
loro ninne nanne!
A Teoria da Imitação da Poesia Oral pela Poesia Escrita em Portugal
A mais antiga atestação desta teoria em Portugal que encontrámos parece estar
numa carta de Garrett a Duarte Lessa, escrita em 1824:
Lembra-se das nossas conversas de Londres sobre antigualhas portuguesas e
o muito que delas se podia aproveitar quem de nossas legendas e velhas
histórias e tradições fizesse o que tão bem fazem ingleses e alemães, que é
vesti-las dos adornos poéticos, e sacudir-lhes a poeira dos séculos com bem
assisada escolha e apropriado modo? Pois desde então (e já de mais tempo me
fervia isto na cabeça) não fiz eu senão pensar no jeito com que me haveria
para armar assim uma coisa que se parecesse, mas que de longe, com tanta
coisa boa que por cá [refere-se à França —onde está no momento de escrever
esta carta— ou, mais provavelmente, aos países estrangeiros em geral,
incluindo a Inglaterra] há por estas terras de Cristo, e que pelas nossas, de tão
ricos que somos, se esperdiçam e andam a monte, por desacerto de letrados e
1075
barbarismo de ignorantes.
Dizemos que a referida teoria “parece estar” atestada nesta carta porque, de facto,
no seguimento das frases transcritas, Garrett explica ao amigo que foi lendo a Crónica de D.
Afonso III de Duarte Nunes de Leão que lhe veio a ideia de escrever a D. Branca. Claro que
essa crónica nada tem de oral, mas não deixa de ser verdade que o assunto das mencionadas
conversas de Londres poderá não se ter restringido a obras escritas. Com efeito, a expressão
“nossas legendas e velhas histórias e tradições” é, naturalmente, susceptível de também se
aplicar a lendas e poemas orais.
De qualquer modo, não deixa de ser extremamente significativo que esta primeira
(possível) atestação da teoria da imitação da poesia oral por parte da escrita surja num
contexto em que o modelo a imitar é uma lenda de origem hipoteticamente popular integrada
numa obra escrita, antiga, sobre a Idade Média. É que, como veremos mais adiante, muitas
vezes as baladas românticas irão precisamente versificar textos de obras historiográficas
1074
1075
Carta a Ildefons Kennedy, apud Parvopassu e Rizzuti, op. cit., p. 37.
Carta datada do Havre, 19 de Novembro de 1824, in Garrett, Obras, cit., I, p. 1383.
375
antigas, sobretudo daquelas que, olhadas pelo Homem oitocentista como dignas de pouco
crédito científico, se apresentavam, pelo contrário, ricas em narrativas mais ou menos
lendárias.
Em 1826 é publicada a Dona Branca, longo poema em que, para lá da referida fonte
teoricamente lendária (mas extraída duma obra escrita), haveria, segundo Garrett, uma
grande influência das tradições populares, visível no facto de “todo o seu maravilhoso [ser]
tirado das fábulas populares, crenças e preconceitos nacionais”.
1076
Porém, na Dona Branca não se encontra vestígio de “fábulas populares”, no sentido
que a expressão poderia ter de “narrativas ficcionais recolhidas da tradição”. Nesta obra
existem, é verdade, marcas de “crenças e preconceitos nacionais”, mas não sob a forma de
textos (narrativos ou líricos), apenas, sim, enquanto motivos, como a crença em bruxedos e
encantamentos. E até certos aspectos que se ligam a narrativas orais (sobretudo o tão
exageradamente celebrado uso das fadas, que aparecem, de facto, como personagens do
poema de Garrett) já atrás vimos que seguem muito mais uma tradição escrita estrangeira do
que uma possível influência oral portuguesa. Influência oral que, de qualquer modo, mesmo
que se tenha verificado, não está patente na história narrada pelo poema e menos ainda na
sua linguagem (claramente arcádica), mas apenas enquanto algo exterior, ornamental, como
as referências às mouras encantadas. De facto, como atrás também vimos, as mouras
1076
Garrett, Dona Branca, in Obras, cit., II, p. 606. O poema começa, aliás, com umas passagens
que se fizeram famosas, onde o narrador explicitamente “abjura” o maravilhoso greco-romano dos poetas
clássicos e neoclássicos:
Áureos numes de Ascreu, ficções risonhas
Da culta Grécia amável, crença linda
De Vénus bela [...]
[...] — do magano Jove
[...]
[...] — de Baco alegre,
Do louro Apolo, e das formosas nove
Castas irmãs [...]
[...]
Gentil religião, teu culto abjuro,
Tuas aras profanas renuncio;
Professei outra fé, sigo outro rito,
E para novo altar meus hinos canto.
(Op. cit., II, p. 465)
aparecem na Dona Branca apenas enquanto algo em que o povo crê, algo tradicional, muito
antigo, a que alude o narrador, mas sem que o conteúdo das lendas protagonizadas pelas
ditas mouras seja minimamente usado no poema como matéria narrativa.
O uso dum modelo popular para a poesia escrita só aparece indiscutivelmente
atestado em 1828, na Adozinda. E, neste caso, a questão do modelo oral faz-se sentir não só
na prática (como é sabido, naquela obra publicam-se duas baladas que reversificam
romances orais), mas também enquanto reflexão teórica.
De facto, na introdução da Adozinda, Almeida Garrett, conforme vimos a seu
tempo, começa por afirmar que a poesia portuguesa mais antiga foi a lírica trovadoresca:
a nossa poesia primitiva e eminentemente nacional, a que do princípio, e para
assim dizer, do primeiro balbuciar de nossa lingua, nos foi commum com
todos os outros povos que mais ou menos nos approximámos da lingua
provençal [...] é a poesia dos trovadores. — Singela, romanesca, apaixonada,
1077
de uma especie lyrico-romantica que não tem typo nos poetas antigos.
No entanto, algumas páginas mais à frente, mostra-se duvidoso de tal precedência.
E, depois de mencionar “as canções antiquissimas conservadas nos dous cancioneiros, o do
Collegio dos Nobres [...] e o de Resende”, refere a existência de “outras poesias mais antigas
talvez, os romances populares historicos ou Chacras, que por tradição immemorial se
conservam entre o povo”.
1078
Seja como for —e já sabemos que, em 1843, na remodelação deste texto, o autor
passa a afirmar a clara precedência do romanceiro
1079
—, o importante é que a “poesia
primitiva” dos países europeus não é a greco-latina (“não tem typo nos poetas antigos”).
Foi a essa primitiva poesia que os poetas europeus modernos, românticos,
“enfastiados dos Olympos e Gnidos, saciados das Venus e Apollos de nossos paes e
avós”,
1080
decidiram regressar (ainda que polindo-a um pouco pelo modelo clássico):
1077
1078
1079
Adozinda, cit., pp. x-xi.
Op. cit., p. xvi.
Quando a introdução da Adozinda foi republicada no I vol. do Romanceiro, a primeira das frases
citadas aparece transformada em: “A nossa poesia primitiva e eminentemente nacional [...] foi seguramente o
romance historico e cavalheresco, ingenua e ruda expressão do enthusiasmo de um povo guerreiro; logo vieram
esses trovadores de Provença e nos ensinaram modos mais cultos porêm menos originaes e menos cunhados do
sêllo popular: era coisa mais de côrte” (Romanceiro, I, p. 6). E, na segunda afirmação, Garrett omite o “talvez”,
passando a dizer decididamente que, além dos cancioneiros trovadorescos, há “outras poesias mais antigas, os
romances populares ou xacaras” (p. 11).
377
A poesia romantica, a poesia primitiva, a nossa propria, que não herdámos de
Gregos nem Romanos, nem imitámos de ninguem, mas que nós modernos
creámos, a abandonada poesia nacional das nações vivas, resuscitou bella e
remoçada, com suas antigas gallas porêm melhor talhadas, com suas feições
primeiras porêm mais compostas. [...] Não ficou menos natural nem menos
nacional, porêm muito mais amavel e incantadora a nossa poesia primitiva
1081
assim resuscitada por Sir W. Scott e alguns poucos mais.
E é no grupo desses “poucos mais” que Garrett entra, com a Adozinda e o Romance
de Bernal e Violante. Trata-se de baladas que obedecem a duas características que, durante o
Romantismo, são consideradas necessárias na poesia escrita que se queira renovada pelo
modelo da poesia oral: além de estarem, obviamente, ligadas a uma origem tradicional, estão
ligadas também à Idade Média. De facto, os textos de que tais baladas procedem foram
recolhidos da boca do povo, de “amas-seccas e cuzinheiras velhas”
antiquissimas de nossa infancia poetica”.
1082
e são “peças
1083
Ora as baladas que se publicam em 1828, além dessa dupla característica,
apresentam uma terceira: estão escritas em versos de 7 sílabas (Garrett chama-lhes de 8, uma
vez que Castilho ainda não introduzira a nova terminologia, baseada, como sabemos, no
modelo francês de escansão). É esse, afirma ele, o metro nacional por excelência, próprio da
poesia primitiva e da poesia popular (que, segundo o Romantismo, são o mesmo, claro) e,
portanto, aquele que a poesia moderna, romântica, regenerada pelo modelo oral, deve
adoptar. E trata-se de uma característica tão importante das baladas que aqui publica que
Garrett começa por sublinhá-la logo ao iniciar o segundo parágrafo da introdução, ainda
antes de referir qualquer outra característica da sua obra:
Creio que é ésta a primeira tentativa que se faz de escrever em Portuguez
poema ou romance, ou coisa assim de maior extenção, n’ este genero de
versos pequenos, octosyllabos, ou de redondilha, como lhe chamavam d’
antes os nossos. No meu resummo da historia da lingua e da poesia
portugueza, que vem impresso no primeiro volume do Parnaso Lusitano [...]
toquei eu de leve [...] sôbre a belleza d’ estes nossos versos octosyllabos, que
1084
nos são proprios a nós hespanhoes, tanto portuguezes como castelhanos.
1080
1081
1082
1083
1084
Adozinda, p. xii.
Op. cit., pp. xiii e xiv.
Op. cit., p. xxiv.
Op. cit., p. xxvi.
Op. cit., pp. viii-ix.
E, ao longo da introdução, volta a referir-se várias vezes a “estes nossos metros
primitivos”,
1085
à sua incontestada antiguidade, à sua ligação às épocas mais recuadas da
língua, ao facto de (como é que isso surpreenderia um romântico?) serem os versos usados
pelo povo em sua poesia:
os nossos mais rudos camponezes improvisam em seus serões e festas com
uma facilidade que deve espantar os estrangeiros: mas observe-se que o metro
d’ estes improvisos é sem excepção alguma o da redondilha de oito syllabas.
A causa é obvia; é a medição mais natural que lhes appresenta a musica da
lingua.
Não so as canções antiquissimas conservadas nos dous cancioneiros, o do
Collegio dos Nobres [...] e o de Resende, são todas ou quasi todas n’ este
metro, mas tambem outras poesias mais antigas talvez, os romances populares
historicos ou Chacras, que por tradição immemorial se conservam entre o
1086
povo, principalmente nas aldeias.
Portanto, não admira que seja esse o verso que Garrett considera adequado para a
balada, a parte da poesia moderna que se inspira na popular:
Depois de muitas tentativas, de exame longo e reflectido, eu por mim
convenci-me de que o metro proprio e natural de nossa lingua para este
1087
genero de poesia (e tambem para outros) é o dos versos octosyllabos.
Segundo Garrett, “não é [...] em nenhum sentido novo o genero romantico em nossa
litteratura”,
1088
pois ao longo dos séculos teria havido vários poetas que seriam românticos (o
Camões lírico, Rodrigues Lobo ou Corte-Real). Portanto, a Adozinda não traz novidade — a
não ser num ponto:
Se reclamo prioridade é somente em ter instaurado as antigas e primitivas
fórmas metricas da nossa lingua em uma especie de poesia que tambem foi a
1089
primitiva nossa.
Temos, então, enunciadas as que parecem ser para Garrett as três características da
balada romântica: estar escrita em heptassílabos, e ser feita a partir dum texto que, vivo hoje
na tradição oral, venha da Idade Média.
1085
1086
1087
1088
1089
Op. cit., p. ix.
Op. cit., p. xvi.
Op. cit., pp. xiv-xv.
Op. cit., pp. xx-xxi.
Op. cit., p. xxi.
379
Claro que o seu exemplo era difícil de ser seguido, pelo menos em todos os
aspectos. No meio burguês e urbano em que vivia a maioria dos poetas, só a muito custo (ou
assim pensavam eles) poderiam achar romances tradicionais. Um artigo semianónimo,
perdido num jornal hoje esquecido, apresenta o assunto do modelo oral da poesia culta duma
maneira com que muitos poetas da época deveriam concordar. O autor começa por dizer
algo que é um lugar-comum no Romantismo:
a poesia, para ser poesia, e não adella de emprestados ouropeis de uma
sociedade morta, mumia engrinaldada com as rosas que serviram a um culto
extincto, deve ir procurar no povo e nas suas crenças, as suas galas e a sua
1090
vida.
Ora no povo há uma enorme riqueza de literatura. E surge a imagem idílica dos
serões no campo, tantas vezes glosada:
Sentado no preguiceiro, junto da lareira em que crepita um fogo soberbo; o
camponez encurta as enfadonhas noites de inverno, ora com a lenda de um
santo, ora com a façanha de um guerreiro; com uma trova de paladinos, ou
1091
com um conto de fadas.
Portanto, recolher literatura oral e, a partir dela, compor novos textos, textos de
literatura escrita, culta, não deveria ser um problema. O autor que assina estas linhas também
teve, como Garrett, a sua Brígida:
Se ainda tivesse uma velha creada, que, quando eu era criança, me
esconjurava com todas estas tradições a rabugem do somno, que de historias
não vos poderia contar, que de singelas trovas não reproduziria?... Narravame tudo com uma graça, uma naturalidade, que lh’ a invejariam, se a
ouvissem muitos dos nossos prosadores: dava aos seus contos phantasticos
mais interesse, que não teem essas estopadas romanticas-historicophilosophico-regeneradoras, e não sei que mais, que em dósis extraordinarias,
1092
para consumo do tempo e da paciencia, nos lançam á cara todos os dias.
Pois é: “Se ainda tivesse...” Mas a verdade é que
1090
1091
1092
R., “O Minho Poetico”, O Pirata, II, nº 17 (Out. 1851), p. 129.
Loc. cit.
Art. cit., p. 130.
a minha pobre velha morreu, e com ella perdi eu o meu romanceiro. Para o
arranjar de novo, forçoso me seria percorrer a provincia, para o que se me
1093
sobeja a vontade, falta-me tudo o mais.
Portanto, o articulista termina, fazendo votos para que outros (não ele, que não pode
sair de Lisboa...) formem “uma collecção completa de todas as tradições do Minho e de todo
o resto de Portugal”, que seriam de grande “valor para a litteratura [escrita, subentende-se],
sobretudo para a poesia”, e que “nos livraria por muito tempo de pagar juros a Victor Hugo,
Chateaubriand, Lamartine, André Chenier, Aimée Martin, &c.”
1094
Difícil ou não, a verdade é que alguns poetas, seguindo na vereda traçada pela
Adozinda e, sobretudo, pelo Romance de Bernal e Violante, se abalançaram a recolher
romances (ou a ler romances recolhidos por outros) e a reversificarem-nos. Na recolha e nas
sugestões para o seu aproveitamento baladístico há mesmo provas de esses poetas terem sido
coadjuvados por amigos. É o caso do próprio Garrett, a quem Gomes Monteiro, ao enviar
uma versão de “D. Silvana”,
1095
tal “como corre n’ esta cidade [o Porto] na bôca das velhas
de bom tempo”, sugere: “Este póde dar um lindo poema”.
1096
É o caso também de Costa e Silva, que decidiu escrever Isabel, ou a Heroina de
Aragom por conselho de um amigo, o qual, inclusivamente, “offerece[u]-se-me pera ajudarme na pesquiza dos necessarios Romances”.
1097
E numa época extremamente tardia (1864), Teófilo Braga ainda se mostra, também
ele, partidário da teoria de que a poesia oral deve contribuir para reformar a poesia escrita.
Com efeito, num artigo em que comenta já de modo “moderno”, comparativista, uma versão
do Lavrador da Arada, integrando esse romance no conjunto de lendas internacionais sobre
a hospitalidade devida aos pobres e viandantes, termina escrevendo algo que parece vir da
pena de Herder:
1093
1094
1095
Loc. cit.
Loc. cit.
Trata-se dum Conde Alarcos, como se vê pelo facto de, mais à frente, Monteiro dizer que, no
romanceiro de Durán, 1832 (que, a pedido de Garrett, lhe envia pelo mesmo correio), está “o romance do conde
Alarcos, que é o portuguez de D. Silvana” (carta datada do Porto, 11/9/1839, apud Gomes de Amorim, Garrett.
Memorias biographicas, cit., II, p. 527).
1096
1097
p. iv.
Op. cit., pp. 526 e 527.
Joseph Maria da Costa e Silva, Isabel, ou a Heroina de Aragom, Lisboa, Impressão Regia, 1832,
381
De todos os poetas portuguezes, depois de Garrett, o que tem um gosto
delicado, uma intuição viva do sentimento do povo é indubitavelmente o sr.
Castilho. Se o poeta dos Fastos [sic, por Quadros] Historicos seguisse a
indole da sua musa, excederia Uhland, Bürger, Scott. [...] só o sr. Castilho nos
poderia fazer rivalisar com as littteraturas estrangeiras n’ estas restaurações. E
que ceara tão rica de legendas, como as da nossa historia, e tão mal
1098
aproveitadas na quasi totalidade.
Aliás, no mesmo ano de 1864, Braga “aproveita”, precisamente, a referida versão
do Lavrador da Arada, e a partir dela compõe uma balada.
1099
Portanto, uma parte (é verdade que pequena) das baladas românticas consiste
precisamente na reversificação de romances tradicionais.
Outros poetas (claramente em maior número) irão, porém, voltar-se para os contos e
as lendas (sobretudo estas), talvez porque mais fáceis de encontrar, ou, pelo menos, de
encontrar em “boas condições”. De facto, a estrutura prosística, mais fluida, mascara bem
melhor o desgaste da memória verificável nos romances, desgaste a que, já no séc. XIX, os
colectores se referem com insistência. Além disso, as lendas, ao relacionarem-se
directamente com determinados lugares, sobretudo rurais, apresentam o interesse
suplementar duma maior cor local. É possível ainda que, nalguns desses poetas, a ideia de
versificar contos ou lendas tenha, pelo menos em parte, a ver com uma teoria romântica (a
que adiante nos referiremos com mais pormenor), segundo a qual, como a literatura oral
mais antiga teria sido sempre em verso, a existência de contos ou lendas explicar-se-ia pela
redução a prosa (acontecida numa época posterior) de antigos textos versificados. Assim,
para alguns desses poetas, a escrita de baladas inspiradas em contos seria como que a
reconstituição da forma primitiva do texto, reconstituição em que, obviamente, como se
imaginará, não eram guiados por preocupações de método científico. Um vestígio de tal
posição parece-nos estar atestado nas considerações de Garrett (que adiante veremos) sobre
1098
Theophilo Braga, “Poesia Popular”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 5º ano (1864),
pp. 302-307 (citação extraída da p. 307). Este artigo é republicado duas vezes, nos dois anos seguintes, embora
com outro título e com vários acrescentos [“Lenda Popular da Hospitalidade”, Jornal do Commercio,
24/5/1865, p. 2; e idem, O Instituto, XIII, nº 5 (1866), pp. 115-8]. Na parte referente a Castilho e à imitação da
poesia oral apenas foram feitas ligeiras mudanças vocabulares.
1099
Parabola do Bispo á Mesa do Ágape in Tempestades Sonoras, Porto, Em Casa da Viuva Moré
— Editora, 1864, pp. 43-6.
o modo como, ao escrever a balada O Chapim de Elrei, quis reconstruir um texto que lhe
chegara da tradição oral parte em verso, parte em prosa.
Por último, outros poetas, ainda menos dispostos a fazer recolhas, decidem seguir o
exemplo de Garrett na D. Branca, e viram-se para lendas que encontram em obras escritas,
nomeadamente a mina que, nesse aspecto, é a Monarquia Lusitana.
Como explicitação do que atrás afirmámos, indicamos em seguida as baladas do
nosso corpus que consistem na versificação de textos originários da tradição oral.
Inicialmente, daremos as que reversificam romances, e, depois, as que versificam lendas e
contos.
Baladas Românticas que (Re)versificam Textos Tradicionais
Reversificação de Romances Tradicionais
Garrett,
1100
Adozinda.
Baseia-se numa versão
tradicional
de
Silvana
+
1101
Delgadinha.
Garrett, Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular
1102
antiquissima, e no mesmo stylo.
Reversifica um texto tradicional de Bernal Francês +
1103
Aparição.
1100
[Almeida Garrett], Adozinda. Romance, Londres, Em Casa de Boosey & Son e de V. Salva,
1828, pp. 1-101. Republicado em J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I: Adozinda e
Outros, Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim. Úteis, 1843, pp. 23-95. Republicado em todas as
reedições deste volume (que, a partir da 2ª ed., passa a intitular-se apenas Romanceiro, I).
1101
1102
Que se transcreve nas pp. 107-113.
Adozinda, cit., pp. xxxiii-xlvii. Republicado em J. B. L. d’ Almeida Garrett, Romance de Bernal
e Violante. Imitado de uma cantiga popular antiquissima, e no mesmo estylo, O Correio das Damas, I, nº 22
(15/11/1836), pp. 173-176. Ao contrário do que acontece em 1828, nesta republicação não se inclui o texto
recolhido da tradição. Ao ser republicado novamente no Romanceiro, I, cit., pp. 103-118, a balada passa a
intitular-se Bernal-Francez. Romance. É incluída, com o mesmo título e subtítulo, nas edições seguintes desta
obra.
1103
Que se transcreve nas pp. xxvi-xxxii.
383
Morais Sarmento, Joam Pires (por Cognome) da Bandeira.
1104
Apresenta, no final,
uma passagem em que (por várias palavras e mesmo pela rima, que, neste lugar, passa a ser,
nos versos pares, sempre em –i)
1105
parece haver influência do romance tradicional da
1106
Aparição.
Garrett, Rosalinda. Romance.
1107
Reversificação de cenas dos romances Conde
Claros e a Princesa Acusada e Conde Ninho.
Andrade Ferreira, O Cego Peregrino. Rimance.
1108
Reversifica (em quadras de
heptassílabos) uma versão tradicional (pentassilábica) do Falso Cego.
1104
1109
A balada apresenta
J[sic, por I, de Ignacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], Joam Pires (por Cognome) da
Bandeira ou o Alferes d’ Affonso 5º. Romance historico, Revista Litteraria, IV, nº 20 ([Agosto] 1839), pp. 169186.
1105
1106
Até àquele momento, o poema é em quadras de heptassílabos, de rima variável.
Op. cit., p. 186. Luiza, mulher de Joam, fizera-se freira durante a ausência dele, por este ter sido
dado como morto na guerra. Joam acaba por regressar, vai ao mosteiro (em que Luiza acabava de proferir os
votos) e ela diz-lhe (p. 186):
“Vive, nobre cavalleiro,
Vive tu que eu já vivi,
E sê tu fiel herdeiro
D’ este amor, por que eu morri:
De ser freira n’ um mosteiro
Juramento proferi:
Adeus, nobre cavalleiro,
Vive tu, que eu já morri.”
1107
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I, cit., pp. 183-9. É republicado nas
edições seguintes desta obra.
1108
J[osé] M[aria] d’ A[ndrade] F[erreira], O Cego Peregrino. Rimance, O Panorama, II, 2ª série, nº
58 (4/2/1843), pp. 35-36, e nº 84 (5/8/1843), pp. 247-248.
1109
O poema é acompanhado pela seguinte nota: “Funda-se a nossa breve composição nas antigas
trovas do cego, que principiam.[sic]
Abri essa porta,
Fechai o postigo,
Botai cá um lenço,
muitos pormenores inventados (sobretudo na segunda parte, cujo final, de enredo
complicado, é todo novo).
1110
Rodrigues Cordeiro, O Conde Alarcos (lenda popular).
apresente como simples retocador,
versão tradicional do romance.
1112
1111
Embora o autor se
a verdade é que esta balada reescreve, de facto, uma
1113
Que eu venho ferido, &c.”
Andrade Ferreira conhecia este romance sem dúvida da tradição oral, uma vez que, na época, não
havia nenhuma sua versão publicada.
1110
Porém, nalgumas passagens, sentem-se ainda claros ecos da versão tradicional que serviu de
base ao poema. Vejam-se os seguintes exemplos:
“‘Acordai, ó minha mãe,
Deixai já tanto dormir:
Não ouvis lá fóra o cego
Com seu estranho pedir?’ —”
(p. 35)
e
“— ’Pega na róca, ó filha,
E na estriga de linho,
Sabe o cego seus int’resses,
Vai ensinar-lhe o caminho.’ —”
(p. 36)
1111
A. X. R[odrigues] Cordeiro, O Conde Alarcos (lenda popular), Revista Academica (Coimbra),
nº 17 (S/ d.; 1845?), p. 272.
1112
Em nota ao texto, Rodrigues Cordeiro escreve: “Esta lenda, chácara, ou soláo, ou como lhe
quizerem chamar, ouvi-a gargantear em Coimbra, e assentei que a não devia deixar morrer entre o povo. Ahi
vai pois; a tradicção que conserva, estragando, tinha-lhe desfigurado muitas côres primitivas — uns versos
errados — outros incompletos no sentido — alguns visivelmente desdizendo da epocha de quasi todos. —
Estes defeitos intentei suppri-los conservando tudo o que poude [sic], e modelando o que lhe accrescentei pela
antiga singeleza. Como não achei nome á Princeza baptisei-a, e chamei-lhe Maria. Isto é bastante para dizer
que não me responsabiliso pela verdade historica do Romance”. Não é possível saber, claro, qual o estado da
versão que Cordeiro possuiu. A verdade, porém, é que, do ponto de vista discursivo, se vê que dela
“conservou” muito pouco e, pelo contrário, lhe “accrescentou” muitíssimo.
1113
oral.
Nenhuma das suas quadras é como as tradicionais. No entanto, baseia-se sem dúvida num texto
385
Garrett inclui, n’ O Arco de Sant’ Ana, uma quadra
1114
que é a reversificação duma
1115
passagem do romance tradicional de Claralinda.
Bulhão Pato, D. Claros. Romance.
1116
Inspira-se numa versão do romance do Conde
1117
Claros e a Princesa Acusada.
1114
Almeida Garrett, O Arco de Sant’ Ana, apud Obras, I, Porto, Lello & Irmão—Editores, s/ d., p.
247 (a 1ª ed. do vol. I deste romance data de 1845).
1115
A quadra, cantada por uma personagem, diz o seguinte: “Que cavalos são aqueles / Que além
ouço relinchar? / ‘Vossos são, dom cavaleiro, / Que se enfadam de esperar’”. Os três primeiros versos parecem
adaptados (para os aplicar à acção de O Arco de Sant’ Ana) da conhecida passagem do romance tradicional que
referimos. Note-se, porém, que Garrett não possuía (ou pelo menos nunca publicou) nenhuma versão deste
romance.
1116
R. A. de Bulhão Pato, D. Claros. Romance, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, II, nº 39
(4/7/1850), pp. 471-472, e nº 41 (18/7/1850), pp. 496-497. Republicado (ou pré-publicado?) nas Poesias do
autor (Lisboa, Typographia da Revista Universal, 1850, pp. 73-86).
1117
A história que surge na balada de Pato é a seguinte: um cavaleiro (em certas passagens, chama-
se-lhe conde), D. Claros de Montalvan, apaixonado da infanta D. Branca, “brinca” com ela no jardim. Um
caçador vê-os, mas promete não dizer nada. Posteriormente, um pagem canta ao rei uma canção sobre os
amores da infanta com um rapaz que a encontrara no jardim, mas o rei não percebe a alusão. Porém, mais tarde,
D. Branca aparece muito triste: o conde vai ser degolado por “atentar / Contra a pureza da infanta”; tal sentença
deve-se a ela se ter queixado ao rei seu pai. D. Branca desmaia ao ver D. Claros que vai para o patíbulo, e pede
ao pai que perdoe ao conde. Tudo acaba em bem, com um casamento.
A fonte desta balada pareceria ser a versão velha do romance (Romance del conde Claros de
Montalván), presente no Cancionero de romances, sem data (fols. 83-91v), que Bulhão Pato poderia ter
conhecido através da sua reprodução, por exemplo, em Durán (aliás, como se pode ver no Apêndice nº 3, feita
por Pato chegou-nos também a tradução do Romance del rey moro que perdió Alhama, o qual, obviamente, ele
só pode ter conhecido por uma fonte escrita). Sinais inequívocos da origem escrita da presente balada parecem
ser o nome de “D. Claros de Montalvan” que a personagem aqui tem e igualmente o facto de os amantes serem
descobertos por um caçador (e não por um pagem, como nas versões tradicionais), tal como no texto
quinhentista.
No entanto, o texto velho do Conde Claros conta a história de modo diferente do que aparece em
Bulhão Pato. Na verdade, entre outras coisas, na versão velha, a condenação do conde não é fruto duma queixa
da infanta (como acontece na balada de Pato), mas sim do conhecimento que o rei tem, através da denúncia que
lhe é feita pelo caçador. Por outro lado, no texto velho, a infanta não espera (ao contrário do que faz no poema
de Pato) que o conde passe junto dela, no caminho para o cadafalso, nem desmaia ao vê-lo, mas, pelo contrário,
é ela que vai ao seu encontro, decidida a impedir a execução. As aparentes faltas de lógica que se notam na
balada de Pato (o rei não entende as alusões do pagem, pelo que, para explicar a condenação à morte do conde,
é preciso inventar que foi a infanta quem o denunciou, embora esta, depois, apareça muito triste por ele ir ser
1118
Francisco Palha, A Infanta de Castella. Lenda popular.
Narra uma história em
que (juntamente com muitos pormenores inventados) se sucedem acções derivadas de
1119
Infantina, Cavaleiro Enganado, Dom Boso e a Irmã Cativa e Conde Alarcos.
1120
Pereira da Cunha, O Conde Alarcos.
Reversifica uma versão do romance do
1121
mesmo título.
castigado), assim como a irregularidade narrativa que, nesse ponto, se observa no poema (a denúncia da infanta
é objecto duma elipse, e só tomamos conhecimento dela quando a infanta aparece a chorar), talvez sejam fruto
duma versão tradicional mal recordada, que Bulhão Pato tivesse, efectivamente, ouvido, e que estaria, portanto,
na origem do seu poema. No entanto, parece inegável que Pato conhecia também a versão velha e dela se
serviu, pelo menos como complemento.
1118
F[rancisco] Palha, A Infanta de Castella. Lenda popular, A Semana, I, nº 3 (Janeiro 1850), pp.
23-24, nº 4 (Janeiro 1850), pp. 30-32, nº 5 (Fevereiro 1850), pp. 39-40, e nº 6 (Fevereiro 1850), pp. 47-48.
Republicada nas Poesias do autor (Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1852, pp. 55-85), e na 2ª ed. da
mesma obra (Lisboa, Typographia de J. Germano de Sousa Neves, 1858, pp. 33-54).
1119
Alguns versos deixam ver que Palha usou como base do seu poema uma versão oral (aliás, a
junção dos três primeiros temas referidos é já prova disso, pois, como se sabe, estão separados nos romanceiros
antigos, os únicos em que, em 1850, aqueles temas se encontravam registados). São estas as passagens em que
ecoa o texto tradicional que Palha possuiu: “os teus cães cançados”, “com pente de prata fina / Teus cabellos
pentear”, “sete fadas me fadaram”, “os annos hoje findaram” (p. 23), “ria do cavalleiro, / Que menina foi achar
/ [...] /Respeito soube guardar” e “Ao descer essa collina / Uma espora vi saltar”, “Dourada espora em
chegando / Sei que meu pae te ha de dar” (p. 31).
Ao regressar ao palácio, a infanta diz ao rei que quer casar com um conde por quem, antes de ser
encantada pelas fadas, estava apaixonada. Esse conde, entretanto, tinha casado. O rei manda chamá-lo e
ordena-lhe que mate a mulher e case com a infanta. Assim se une, à história anterior, o Conde Alarcos. No fim,
a infanta morre. Na parte relativa ao Conde Alarcos, há as seguintes passagens de origem claramente
tradicional: “Sentaram-se ambos á mesa / [...] / Nem um nem outro comia!” “o pranto / [...] era tanto / Que pela
mesa corria”, “Se tuas penas contasses / Minhas penas contaria”, “Que eu a morte não mer’cia” (p. 39), “Eu
mettida n’ um convento / Nem sol nem lua veria”, “Quer que vá tua cabeça / N’ esta dourada bacia!”, “Mamae,
— mamae, meu menino / Este leite de agonia!... / Que amanhã por esta hora / Has de ter mãe e senhora, / De
mais alta senhoria!...” (p. 40) e “Por casados descasar; / Coisa que Deos não consente” (p. 47).
1120
Antonio Pereira da Cunha, O Conde Alarcos, Revista Popular, III, nº 34 (23/4/1850), pp. 272-
274.
1121
Nalgumas passagens do poema, reconhecem-se vestígios da versão tradicional que, sem dúvida,
esteve na sua origem: “Cousa que nunca fazia, / Portas, janellas corria”, “Conta-me as tuas tristezas, / Que as
minhas te contarei”, “— ‘Cal’-te, conde, cal’-te, conde, / Que isso remedio ha-de ter’”, “Bebo a agua por
387
1122
Francisco Palha, A Aposta do Rei. Lenda popular.
romance Aposta Ganha.
Reversifica uma versão da
1123
1124
Augusto P[ereira?] S[oromenho?], Affonso e Isaura.
Narra uma história muito
parecida com a do romance Regresso do Marido, em que se deve ter inspirado.
1125
medida, / E, por onças, como o pão”, “Adeos, ó douradas salas / [...] / Adeus, vasta galeria, / [...] / Adeus, ó
lyrios e rosas”, “Bebe este leite, menino” e “Dobram sinos á porfia / Nas altas torres da sé. / Quem morreu?
quem morreria? / Foi a infanta [...].”
Note-se que o poema de Cunha acaba de modo completamente distinto do romance do Conde
Alarcos, quer na versão velha quer nas tradicionais: o rei arrepende-se e manda recado ao conde para que não
mate a condessa e vá ao paço. O conde vai. O rei pede-lhe perdão. O conde diz que é demasiado tarde — e
mostra ao rei a cabeça da esposa.
O poema foi reimpresso em Pereira da Cunha, Selecta, Lisboa, Typographia Universal, 1879, pp. 4252. Nas pp. 191-200, há uma nota sobre este texto. Aí o autor fala da sua amizade com Garrett. Um dia, este
disse-lhe: “‘Li o seu Conde Alarcos e gostei; comprehendeu-me o pensamento, de que proveio Adozinda, e vêse que sentia o que escreveu [...] É verdade que o assumpto tambem devia inspiral’o. Conta-se assim o romance
lá pelo norte do Minho?’
— ‘Foi assim— respondi eu — que o ouvi na minha infancia’ [...]
Foi este elogio de Garrett que obstou a que estes versos ficassem excluidos, como outros, da presente
selecção [...] Eu procurei conservar-lhe toda a sua cruel simplicidade, como a lição oral nol’o ensinou. Por ella
só me guiei; nem podia, se o tentasse, recorrer a outra origem, porque ignorava qual fosse” (p. 198). Custa,
porém, a acreditar que o nome do conde (“Alarcos”) tivesse chegado a Pereira da Cunha através da tradição
oral.
1122
F[rancisco] Palha, A Aposta do Rei. Lenda popular, A Semana, I, nº 18 (Maio 1850), pp. 143-
144. Republicada nas Poesias do autor, cit., pp. 87-94, e na cit. 2ª ed. da mesma obra, pp. 55-60.
1123
Embora o estilo do poema esteja muito longe do tradicional e a história tenha sido bastante
aumentada nos pormenores, alguns dos versos deixam transparecer uma versão necessariamente oral (já que,
em 1850, não as havia impressas, antigas ou modernas): “Porém hoje, madre minha, / Fiz uma aposta real! /
[...] / Dou [...] / Meu cavalo, e meu punhal”, “Logo que o gallo cantar!” (p. 143), “Quem sois vós — por esta
hora, / Tão de noite!... a passear?! / — Tecedeirinha, senhora, / Das bandas d’ além do mar!”, “— Calla-te ahi,
ó moirinha, / Não te queiras diffamar!” (p. 144). No final, não tem incorporação de outros temas: a jovem é
abandonada pelo sedutor.
1124
1125
Augusto P. S., Affonso e Isaura, Miscellanea Poetica, II, nº 5 (4/9/1851), pp. 37-38.
Trata-se da história dum cavaleiro que, ao regressar da Palestina, vai disfarçado ver a noiva e lhe
diz que o noivo se casou por lá. Ela desmaia. Ele dá-se, então, a conhecer e explica que procedeu assim para a
pôr à prova. Casam. O texto acaba com um dístico que se encontra muitas vezes como fórmula de fecho em
versões de contos tradicionais: “Victoria e Victoria / Acabou-se a historia”.
Maria Peregrina de Sousa, Origem do Cannavial.
1126
Tem como origem uma versão
tradicional do romance Princesa Peregrina + Conde Ninho, porém com a linguagem quase
totalmente alterada, e com grandes acrescentos na história, sobretudo no começo e no
final.
1127
1128
Teófilo Braga, Parabola do Bispo á Mesa do Ágape.
Reversifica uma versão do
1129
Lavrador da Arada.
Versificação de Contos Tradicionais
A ideia de versificar contos e lendas —de que, como veremos, existem muitos
exemplos no nosso corpus— pode ter nascido, simplesmente, da extensão à parte em prosa
da literatura oral daquilo que antes já vimos ter sido feito em relação aos romances.
1126
Maria Peregrina de Souza, Origem do Cannavial, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 12, pp. 177-
179. Republicado em Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o
Anno de 1861, Lisboa, Typographia Franco-Portugueza, 1860, p. 214.
1127
Mesmo assim, duas passagens ecoam ainda a letra da versão oral que esteve na sua base:
“Cavalleiro mora aqui; / Aqui deve de morar” ou “Palavras não eram ditas, / A Princeza a espirar”.
1128
Theophilo Braga, Tempestades Sonoras, Porto, Em Casa da Viuva Moré — Editora, 1864, pp.
43-6. A presente balada está integrada no poemeto narrativo-dramático Ceas de Nero, uma das partes das
Tempestades Sonoras. Dado que as Ceas de Nero, como o título deixa prever, se passam em Roma, no tempo
daquele imperador, pareceu-nos, depois de algumas hesitações, que não se justificava incluir a Parabola do
Bispo á Mesa do Ágape no nosso corpus de baladas de ambiente medieval, razão por que nele se não encontra.
1129
Nas Ceas de Nero, surge, em dado momento, a Parabola do Bispo á Mesa do Ágape, cujo título
se explica por ser um bispo cristão o seu narrador. A origem da Parabola deve estar na versão do Lavrador da
Arada que Braga publicou em 1864, o mesmo ano das Tempestades Sonoras [ver Theophilo Braga, “Poesia
Popular”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 5º ano (1864), pp. 306-307].
O presente poema de Braga mostra uma maneira “moderna”, “científica” de entender o facto de usar
romances tradicionais como base de baladas cultas. Na verdade, como o autor escreve noutro lugar,
defendendo-se duma crítica de Camilo (segundo o qual o tema do Lavrador da Arada vinha perfeitamente fora
de propósito num poema passado no tempo de Nero, entre os primeiros cristãos), “foi sobre a autenticidade
canonica que estudámos a lenda de Jesus Peregrino para representar a confraternidade christã, nas Ceias de
Nero [...] As citações de S. Matheus [,] S. Lucas e S. João [a que antes aludira neste artigo] mostram que a
parabola, embora pertença ‘áquella ordem de lendas da edade media, que vieram com a sua rudeza primitiva
até nós’ [,] já estava em formação no primeiro seculo da egreja” e, portanto, faria todo o sentido incluí-la num
poema que se passa nessa época (“Lenda Popular da Hospitalidade”, Jornal do Commercio, 24/5/1865, p. 2).
389
Não é, no entanto, impossível que para essa prática tenha contribuído a teoria
romântica de que as lendas históricas eram prosificações de antigos poemas narrativos, cuja
armadura versificatória se tinha perdido. Assim, faria algum sentido “reconstruir” a sua
forma versificada, não, claro, do modo mais ou menos científico com que, por exemplo,
Pidal o tentou fazer para as gestas prosificadas, mas sim adoptando o princípio único (ou
quase) que rege os autores românticos quando lidam com a literatura oral: a preocupação
estética.
Diga-se que a teoria das lendas enquanto prosificação de cantos históricos parece
ter nascido no séc. XVII, com o holandês Perizonius,
1130
e foi defendida veementemente pelo
historiador oitocentista alemão Niebuhr na sua História Romana (1810-1812). Aí explica ele
que os textos históricos romanos mais antigos eram cantos populares, transmitidos
oralmente, que se perderam, mas que, antes disso, foram prosificados pelos historiadores,
sobretudo Tito Lívio. A parte mais ou menos maravilhosa da História de Roma
1131
viria de
tais cantos, e “celui qui dans la partie épique de l’ histoire romaine ne reconnaît point les
chants [...] sera tous les jours plus isolé”.
1132
Curiosamente, um poeta inglês oitocentista, Macaulay, pôs em prática as teorias de
Niebhur sobre as origens da matéria de Tito Lívio, escrevendo um livro que é, literalmente, a
versificação de episódios da obra do historiador romano.
1133
No prefácio, mostra-se firme
partidário das ideias perozinianas, que, segundo afirma, eram, no séc. XIX, geralmente
aceites e estavam atestadas pelo estudo dos cantos de todos os povos europeus.
1134
Segundo
Macaulay, a literatura latina teve, também ela, uma “ballad-poetry”, que desapareceu,
1135
mas de que “numerous fragments” podem ser reconhecidos “in the early history of
Rome”.
1136
Assim,
1130
Ver B. G. Niebuhr, Histoire romaine, traduit de l’ allemand sur la troisième édition par M. P. A.
de Golbéry, I, Bruxelles, Société Belge de Librairie, 1842, p. 236. Perizonius é o nome latino de Jakob
Voorbroek, que parece ter apresentado a mencionada teoria nas Animadversiones historicae (1685).
1131
Segundo Niebhur (op. cit., pp. 239-240), sobretudo os episódios relativos a Rómulo, a Túlio e
aos Tarquínios, que constituiriam a prosificação de três distintos cantos.
1132
1133
1134
1135
1136
Op. cit., p. 237.
Lord Macauley, Lays of Ancient Rome, London, Longmans, Green, Reader, & Dyer, 1877.
Ver p. 9. Nas pp. 10ss, Macaulay resume essa teoria, aplicando-a à História de Roma.
Ver p. 14.
Op. cit., p. 24.
The lost ballad-poetry of Rome was transformed into history. To reverse that
process, to transform some portions of early Roman history back into poetry
1137
out of which they were made, is the object of this work,
isto é o livro de versos que ele escreveu, o qual, por exemplo, começa com uma
balada sobre Horatius, de que Macaulay diz: “There can be little doubt that among those
parts of early roman history which had a poetical origin was the legend of Horatius
Cocles.”
1138
Não queremos afirmar que é apenas (nem sequer talvez sobretudo) esta teoria que
explica a decisão dos poetas portugueses românticos de versificarem contos e, sobretudo,
lendas. No entanto, é bem possível que tais ideias andassem “no ar” e ajudassem os nossos
baladistas a ir nessa direcção. Parece-nos que elas poderão ter tido influência, por exemplo,
no desembaraço com que Estácio da Veiga, logo no início da sua tarefa de colector e editor
de poesia tradicional, se propõe (como observámos na carta a Vaz Velho), sem quaisquer
sinais de má-consciência, “reduzir a versos” as lendas orais que “vierem em prosa”, de modo
a podê-las publicar.
Vejamos agora a lista dos contos versificados existentes no nosso corpus de baladas
românticas:
1139
Garrett, O Chapim d’ Elrei ou Parras Verdes. Xacara.
No prólogo desta balada,
o autor diz ter, nela, tentado reconstruir um conto que, em fragmentos, “parte em prosa, parte
em verso”, lhe chegou da tradição oral de Évora.
1140
Refere-se, sem dúvida, a versões de AT
891 B*, The King’s Glove. Tal conto, além de narrar a mesma história que a balada em
1137
1138
1139
Op. cit., p. 32.
Op. cit., p. 37.
Romanceiro e Cancioneiro Geral, I, cit., pp. 163-5. É republicado nas edições seguintes desta
obra.
1140
“Foi verdadeiramente reconstruida ésta xacara dos fragmentos soltos da composição popular
antiga, como hoje se reconstruiria das pedras cahidas de uma tôrre velha, — não exactamente o mesmo
edificio, porque o cimento e algum enchume novo aqui ou ali, sería mister empregar; mas quasi a mesma coisa,
— na fórma e nos materiaes a mesmissima. Vieram-me de Evora os fragmentos por intervenção do sr. Rivara
[...]: são parte em prosa, parte em verso, estado em que alguns d’ estes fosseis se desinterram ás vezes.
Verifiquei depois que pelas vizinhanças de Lisboa se incontravam na mesma fórma e quasi os mesmo” (op. cit.,
pp. 159-160).
391
apreço, também costuma, na tradição portuguesa (nomeadamente alentejana),
1141
incluir
algumas pequenas partes versificadas, as quais, aliás, embora retocadas, se reconhecem n’ O
1142
Chapim d’ Elrei.
Note-se que a ideia de Garrett ao escrever esta balada, mais do que a
simples decisão de pôr em verso um conto, talvez seja o convencimento de que estaria a
“reconstruir” (termo que ele próprio usa) um texto em verso, que lhe teria chegado às mãos
1141
Versões alentejanas podem ler-se, por exemplo, em António Thomaz Pires, Contos Populares
Alentejanos Recolhidos da Tradição Oral, ed. crítica e introdução de Mário F. Lages, Lisboa, Universidade
Católica Portuguesa, 1992, nº 64 (versão de Elvas); e em Manuel Viegas Guerreiro e António Machado
Guerreiro (orgs.), Literatura Popular do Distrito de Beja, s/l., Ministério da Educação e Cultura, DirecçãoGeral da Educação de Adultos, Coordenação Distrital de Beja, 1986, pp. 20-21 (versão de Vila Nova da
Baronia, concelho de Alvito).
1142
No conto, as passagens em verso constituem declarações da rainha, do rei e do pretenso amante
da rainha, e são muito parecidas em todas as versões. Vejamos, em colunas paralelas, as passagens em causa na
citada versão de Elvas (Tomás Pires) e na balada de Garrett (inspirada, segundo ele, numa versão de Évora do
conto):
Versão de Elvas
Garrett
Já fui querida e estimada,
Já fui vinha bem cuidada,
Agora não o sou nem serei,
Bem querida, bem trattada,
Porque ou porque não,
Como eu medrei!
Isso é que eu não sei.
Ora não sou nem serei:
O porquê não sei
Nem n’ o saberei!
Eu na minha vinha entrei,
Minha vinha tam guardada!
Rasto de ladrão achei,
Quando n’ ella entrei
Se provou ou não das uvas
Rastos do ladrão achei,
Isso é que eu não sei.
Se elle me roubou não sei:
Como o saberei?
Eu é que fui o ladrão,
Eu fui que na vinha entrei,
Eu na tua vinha entrei,
Rastos de ladrão deixei,
Parras verdes levantei,
Parras verdes levantei,
Com esta me cortem as goelas Uvas bellas
Se nas uvas eu toquei.
N’ ellas — vi:
Assim Deus me salve a mi
Como, d’ ellas
Não comi!
(XI, est. 3, 5 e 7)
numa fase já adiantada do seu processo de dissolução em prosa. Três razões parecem apontar
no sentido de tal hipótese: (i) as palavras usadas por Garrett para falar na escrita da sua
balada, nomeadamente quando fala em “fragmentos” e, sobretudo, em “reconstruir”; (ii) a
experiência que Garrett (como todos os colectores) sem dúvida teve de recolher versões de
romances mal recordadas, que são semi-prosificadas pelos informantes; (iii) a teoria de que
atrás falámos sobre a origem poética de textos que até nós chegaram apenas em prosa.
1143
E. de Barros, O Jogador. Conto popular.
Versifica a “acção preparatória” do
conto tradicional conhecido entre nós por Branca Flor (AT 313, The Girl as Helper in the
Hero’s Flight).
1144
António Francisco Barata, O Conto da Avósinha.
tradicional (AT 307, The Princess in the Shroud).
1145
Versificação dum conto
1146
José Inácio de Araújo, Os Ladrões e os Defuntos. Conto de minha avó.
1147
Versificação dum conto jocoso tradicional (AT 1654, The Robbers in the Death
Chamber).
1148
1143
E. de Barros, O Jogador. Conto popular, Preludios-Litterarios, II, nº 11 (Abril 1860), p. 88, e nº
12 (Abril 1860), p. 95.
1144
A balada conta a história dum rapaz que sai de casa para ir correr mundo. Joga com o Diabo e
este acaba por lhe ganhar a alma. O rapaz benze-se e o Diabo foge. Tudo acaba em bem, com o regresso do
rapaz a casa. O acto de o rapaz se benzer e a sua consequência não se encontram nas versões conhecidas deste
conto, pelo que devem ser invenção de Barros. Como, à data, não havia, em Portugal, textos publicados do
conto em causa, a fonte desta balada deve ter sido a tradição oral.
1145
A. F. Barata, O Conto da Avósinha, A Pobre Lyra, Elvas, Typographia da Voz do Alentejo,
1861, pp. 25-34.
1146
Na época, não havia deste conto versões portuguesas publicadas. Assim, a fonte de Barata deve
ter sido a tradição oral.
1147
J[osé] I[gnacio] de Araujo, Os Ladrões e os Defuntos. Conto de minha avó, Diario de Noticias,
24/3/1867, p. 1.
1148
Este conto só poderia ter chegado ao conhecimento de Araújo através duma versão oral, uma vez
que, à época, não existia nenhuma publicada.
393
1149
José Inácio de Araújo, Os Cabellos da Barba. Conto de minha avó.
Versificação
1150
dum conto jocoso tradicional (sem número no catálogo de Aarne/Thompson).
Versificação de Lendas a partir duma (Provável) Fonte Tradicional
Costa Cascais, O Desacato, ou o Calado é o Melhor.
1151
Versificação da lenda
1152
sobre a “maldição” que caíra sobre as obras da igreja de Santa Engrácia (Lisboa), durante
séculos inacabada.
Serpa Pimentel, S. Thiago e Belzebut. Solao.
1153
Embora o autor nada diga sobre a
questão, talvez esta balada versifique uma lenda ou conto tradicionais.
1154
Pereira da Cunha, A Moira de Sancta Luzia (Tradicção da minha terra).
1155
Versificação duma lenda de moura encantada, ligada ao monte de S. Luzia, perto de Viana
1156
do Castelo.
1149
J[osé] I[gnacio] de Araujo, Os Cabellos da Barba. Conto de minha avó, Diario de Noticias,
5/5/1867, p. 1.
1150
1151
A fonte deste poema deve ter sido uma versão oral.
J[oaquim] da C[osta] Cascaes, O Desacato, ou o Calado é o Melhor. Romance historico, O
Panorama, 2ª série, I, nº 25 (18/6/1842), pp. 197-199. O texto foi republicado —com o acrescento de “(16301631)” ao subtítulo— em Joaquim da Costa Cascaes, Poesias, I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, pp. 57-79.
1152
O “desacato” ao Santíssimo e o estranho silêncio mantido até ao fim pelo acusado (mesmo sob
risco de ser condenado à morte, como, de facto, aconteceu) são históricos, mas a tradição oral acrescentou-lhes,
sem dúvida, pormenores, nomeadamente a maldição lançada pelo acusado sobre as obras da igreja.
1153
Serpa Pimentel, S. Thiago e Belzebut. Solao, Revista Universal Lisbonense, III, nº 44
(20/6/1844), pp. 528-531. Republicada em J[osé] F[reire] de Serpa Pimentel, Cancioneiro. Parte primeira:
Solaos, Coimbra, na Imprensa de E. Trovão, 1849, pp. 41-56.
1154
A balada conta que Santiago e o Demónio apostam sobre o destino final de três seres humanos:
uma donzela e dois cavaleiros (um mouro e um cristão) que por ela estão apaixonados. No fim, vão os três para
o Céu, e o Diabo, tendo perdido a aposta, serve de cavalgadura a Santiago, durante três dias. É sobretudo a
parte final (com a jocosa actualização da aposta) que nos faz suspeitar ter esta balada a ver com qualquer texto
tradicional.
1155
A. Pereira da Cunha, A Moira de Sancta Luzia (Tradicção da minha terra), Revista Universal
Lisbonense, III, nº 45 (27/6/1844), pp. 541-543.
1157
Serpa Pimentel, Engracia Ramila. Soláo.
encantada, localizada perto de Coimbra.
Versificação duma lenda de moura
1158
1159
Gama Lobo, A Moura Encantada.
Versifica a lenda duma moura que aparece, na
noite de S. João, num castelo de Segóvia.
1160
Costa Cascais, Pedro Sem.
agora já não tem”.
1156
Versifica a lenda do famoso Pedro Sem, “que teve e
1161
Um cavaleiro encontra, naquele lugar (que na época era ermo), uma donzela, na noite de S. João.
Esta pede-lhe que jure ser dela para sempre. Ele assim faz. Entram, então, nos paços da jovem, mas estes
transformam-se em rochedos (ela era uma moura encantada) e os apaixonados lá ficam para sempre. “Em fatal
encantamento / Jazem ambos sepultados / Em minas d’ oiro e prata” (p. 543). Ainda hoje lá aparecem,
precisamente na noite de S. João, sobre os rochedos, “A seccar barras doiradas, / E brilhante pedraria” (loc.
cit.).
1157
J. F. de Serpa [Pimentel], Engracia Ramila. Soláo, Revista Academica (Coimbra), nº 7
(15/6/1845), pp. 105-108. Republicado no Cancioneiro do autor, cit., pp. 103-114.
1158
Em nota, diz Serpa Pimentel: “Este soláo é tirado de um conto ou tradicção, que por velhas e
moças d’ aquelles contornos de Falla, juncto a Coimbra, temos ouvido sobejas vezes relatar. Só lhe
acrescentámos o nome do captivo, que o conto não refére; os ciumes dos esposos; e as flores da poesia, em que
fizemos por imitar a singeleza das narrações, que ouvimos” (p. 105; sublinhado do original). O poema conta
que, na referida aldeia, há uma “fonte da moura”, onde vive uma encantada, com os seus imensos tesouros, os
quais oferecerá a quem lhe quebrar o encanto. Um cavaleiro (que esteve cativo no norte de África) volta, com
instruções para proceder ao desencantamento, mas não as segue, pelo que dobra o encanto da moura. Ainda
hoje esta “o seu ouro assoalha / Nas manhãs de san João” (p. 114), mas nunca mais ninguém a soube salvar. A
parte da balada relacionada com a história do cativo até chegar ao local onde está a moura faz parte, sem
dúvida, d’ “as flores da poesia” a que alude Pimentel, mas o resto é similar ao que se passa noutras lendas deste
tipo.
1159
Manoel da Gama Lobo, A Moura Encantada, Revista Recreativa, I (1846), nº 13, pp. 102-105,
nº 14, pp. 110-112, nº 24, pp. 190-191, e nº 29, pp. 231-232.
1160
J[oaquim] da C[osta] Cascaes, Pedro Sem, Revista Universal Lisbonense, VII, nº 5 (6/1/1848),
pp. 56-57.
1161
Comerciante portuense que, tendo sido imensamente rico, caiu depois em total ruína, devido a
um castigo divino pela sua arrogância blasfema (ver, por exemplo, J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares
e Lendas, cit., II, pp. 718-9). O poema de Cascaes começa assim:
395
1162
Alexandre Braga, Saluquia.
Versificação da lenda (etiológica) da moura
Salúquia, que se suicida ao ver o seu castelo (vila de Moura) conquistado pelos cristãos.
Moraes Pimentel, O Castello de Celorico.
1164
1163
Versifica a lenda da truta durante o
cerco a Celorico, no início do reinado de D. Afonso III, sendo alcaide Martim de Freitas, que
dera voz por D. Sancho II.
1165
1166
Garrett, Por Bem ou as Pegas de Cintra.
Versificação da lenda etiológica sobre a
decoração da Sala das Pegas (Palácio da Vila, Sintra).
1167
A. C. L., A Moura Encantada.
Versificação da lenda duma moura encantada.
1168
“Quereis ouvil-o, singello,
O fallar do coração?
Abri o livro do povo,
O livro da tradicção.”
Foi republicado na obra do autor Poesias, II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894 (na capa: 1898), pp.
71-79.
1162
1163
Alexandre Braga, Vozes d’ Alma, Porto, Typ. de J. L. de Sousa, 1849, pp. 21-38.
Uma versão desta lenda pode ver-se, por exemplo, em Gentil Marques, Lendas de Portugal, III,
[Lisboa], Círculo de Leitores, 1997, pp. 115-120.
1164
1165
P. A. de Moraes Pimentel, O Castello de Celorico, A Patria, 27/4/1850, pp. 1-2.
É possível que a lenda em questão tenha chegado ao conhecimento de Pimentel através de
qualquer obra escrita, e não directamente da tradição oral, pelo que esta balada deveria ser classificada no
subgrupo seguinte. Porém, a verdade é que não pudemos esclarecer tal facto.
1166
A[lmeida] G[arrett], Por Bem ou as Pegas de Cintra, A Illustração. Jornal universal, II, nº 5
(Agosto 1846), p. 70. Republicado em J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I: Romances da Renascença, 3ª
ed., Lisboa, Viuva Bertrand e Filhos, 1853, pp. 271-5.
1167
A. C. L., A Moura Encantada, O Bardo. Jornal de poesias ineditas publicadas desde Março de
1852 a Março de 1854, Porto, Na Typographia de Sebastião José Pereira, 1854, pp. 355-7.
1168
Narra, de facto, a história duma moura encantada numa serra, que mata os rapazes que encontra
e por ela se apaixonam. Informa ainda que, nos penedos onde a moura vive, estão (como habitualmente)
enterrados tesouros, mas (desta vez) também três vasos cheios de peste, motivo esse pelo qual “ninguem se
atrevera na terra a cavar” (p. 356). Este segundo aspecto corresponde à lenda das duas talhas, que não costuma
estar ligada, como aqui, à narrativa do aparição duma moura encantada, embora tenha a ver, sempre, com a
Henrique Augusto, A Quinta do Preto (Tradição popular).
lenda etiológica duriense.
1169
1170
1171
Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 4º: A Visão do Regato.
história de fantasmas.
Versificação duma
Versificação duma
1172
saída dos Mouros de Portugal (duas versões dela podem ler-se, por exemplo, nos Contos Populares e Lendas
de Leite de Vasconcellos, cit., II, pp. 769-770).
1169
Henrique Augusto, A Quinta do Preto (Tradição popular), A Grinalda, I (1855[-1857]), nº 1, pp.
13-15.
1170
O poema começa:
“Historias escritas de reis, ou de fadas
Encerram prodigios que a gente não crê;
Mas quando p’ra netos d’ avós são passadas,
não sendo impossiveis, merecem ter fé.”
1171
Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 4º: A Visão do Regato, A Grinalda, I (1855[-1857), nº 6,
pp. 93-96.
1172
Trata-se duma história de amor e morte, cuja heroína aparece ainda hoje como fantasma.
Segundo o autor-narrador, foi-lhe contada por uma velha. O poema começa assim:
“Eu julgo que sabe de contos horriveis,
Quem junto das moças, em volta do lar,
Nas noites de inverno, tão grandes — terriveis
As vozes do povo tem ido escutar.” (p. 93)
Como vemos, é aqui representada uma situação de recolha, feita, porém, em condições que são um
perfeito tópico e de modo algum garantem a sua veracidade. Como também parece um tópico o facto de,
segundo o narrador, o seu informante ter sido uma velha.
A introduzir a história, o narrador diz:
“Elle [i. e., o conto] é tão singelo — despido de galas,
Que adornos estranhos não são para aqui,
Mas sim a rudeza mais propria das falas,
Que vou relatar-vos tal qual as ouvi.” (p. 94)
É óbvio que o simples facto de o relato da possível lenda estar em verso impede que ele seja “tal
qual” o narrador o ouviu. Note-se que essa parte da balada (a metadiegese, quando fala a velha, narrando a
lenda) é em quadras de tipo tradicional (o resto do texto é em versos de 11 sílabas) e apresenta uma linguagem
397
M. P., S. Domingos da Sovereira.
1173
Versificação duma lenda de milagre ligada à
ermida de São Domingos, em Sovereira, perto de Penamacor.
1174
Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 8º: A Cruz Fatal!
1175
O narrador diz que a
história lhe foi contada por um “bom velho”, mas tal pode não passar dum tópico sem
consequências.
1176
Maria Peregrina de Sousa, As Casarias Medonhas (Conto popular).
duma possível lenda.
1177
Versificação
1178
que tenta parecer popular. Esta dupla característica, com o objectivo óbvio de dar verosimilhança à pretensão
de a balada ter a sua origem num relato oral, mais não faz que acrescentar as nossas suspeitas sobre a verdade
de tal origem. No entanto, embora a situação envolvente possa ser (e provavelmente seja) invenção, é muito
possível que a história que nesta balada se narra tenha, com efeito, chegado ao autor pela oralidade, ou que, no
mínimo, se baseie em factos comuns a várias lendas de suicidas dos quais se conta que aparecem como
fantasmas.
1173
1174
M. P., S. Domingos da Sovereira, A Grinalda, I (1855[-1857), nº 8, pp. 113-115.
Existe, de facto, uma lenda tradicional que poderia ser a fonte do poema de M. P. (ver Adelino
Cardoso, Etnografia da Beira. Religião e crendices, lendas e costumes de Penamacôr, Viana, Tip. Com. “A
Aurora do Lima”, 1937, pp. 69-76). No entanto, não é de afastar a hipótese de, mais rasteiramente, o poema
(como acontece no caso de algumas baladas que adiante veremos) proceder duma fonte escrita: a História de S.
Domingos de Frei Luís de Sousa (ver, na edição com introdução e revisão de M. Lopes de Almeida, I, Porto,
Lello & Irmão—Editores, 1977, as pp. 416-8 e 419-21).
1175
Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 8º: A Cruz Fatal!, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº 5, pp.
78-80.
1176
Trata-se duma história de fantasmas que aparecem num ermo, junto a um cruzeiro. Aplica-se a
esta balada o fundamental daquilo que atrás escrevemos a propósito de Contos Fantasticos. 4º: A Visão do
Regato e que, portanto, justifica a presença do texto neste grupo e não no seguinte (o das baladas totalmente
inventadas, mas que pretensamente se baseiam em lendas orais).
1177
Maria Peregrina de Souza, As Casarias Medonhas (Conto popular), A Grinalda, III (1860[-
1862]), pp. 33-35.
1178
Um espectro aparece ao narrador e leva-o ao local onde está um tesouro enterrado. A linguagem
tem alguns regionalismos, claramente usados para dar “cor local”. A fonte desta balada parece ser o
cruzamento (talvez da autoria de D. Maria Peregrina) dum tópico extraído das lendas de fantasmas com alguma
lenda das que se contam sobre tesouros escondidos.
Almeida e Araújo, A Moura da Fonte.
moura encantada.
1179
Versificação duma possível lenda de
1180
António Francisco Barata, Ouro e Peste (Conto).
1181
Versificação da lenda das duas
1182
talhas.
João Francisco Dubraz, excerto dum poema sem título.
1183
Versificação da lenda da
moura encantada do castelo de Campo Maior.
Versificação de Lendas a partir duma (Provável) Fonte Escrita
1184
Castilho, Rimance da Senhora da Nazareth.
Versificação duma lenda, em parte,
etiológica, do rei Rodrigo (que, tendo escapado da batalha de Guadalete, fugiu para Portugal,
1179
Francisco Duarte d’ Almeida e Araujo, Minhas Lembranças. Poesias, Lisboa, Typographia do
Panorama, 1864, pp. 237-239.
1180
A balada narra os amores duma moura com um cavaleiro cristão. Ele tem de partir, mas promete
voltar para a levar consigo. Porém, não cumpre a promessa. Ela morre e ainda hoje o seu fantasma surge à
meia-noite. No mínimo, parece-nos que Araújo se baseou em motivos existentes em lendas tradicionais.
1181
1182
A. F. Barata, Cancioneiro Portuguez, Coimbra, Imprensa Litteraria, 1866, pp. 131-145.
Trata-se duma lenda a que já atrás nos referimos. Segundo ela, os Mouros, ao partirem de
Portugal, deixaram os seus fabulosos tesouros dentro duma talha. Sabe-se onde ela está, o pior é que, ao lado,
há outra talha, dentro da qual os Mouros meteram a peste. Por isso, até hoje ninguém se decidiu a destapar uma
das talhas, com medo de se enganar. Como já dissemos, versões desta lenda podem ler-se, por exemplo, nos
Contos Populares e Lendas de Leite de Vasconcellos, II, pp. 769-770.
1183
J[oão Francisco] Dubraz, Recordações dos Ultimos Quarenta Annos. Esboços humoristicos,
descripções, narrativas historicas e memorias contemporaneas, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de
Sousa Neves, 1868, p. 16. O texto apresenta-se como excerto (são duas oitavas de heptassílabos) dum poema
publicado n’ A Voz do Alemtejo, 1/1/1865, facto que não pudemos comprovar, ao não conseguirmos encontrar
o referido jornal.
1184
Antonio Feliciano de Castilho, Quadros Historicos de Portugal, Lisboa, Na Typographia da
Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1838, pp. 50-51. O texto está integrado numa nota relativa
ao “quadro” intitulado “D. Fuas Roupinho” (pp. 49-52).
399
e cá morreu, na Nazaré) e da lenda de D. Fuas Roupinho.
Lusitana, de Fr. Bernardo de Brito.
1185
A fonte é a Monarquia
1186
A mesma Monarquia Lusitana é também a fonte da lenda etiológica (da família
Figueiredo e/ou da aldeia de Figueiredo das Donas) de Goesto Ansures,
1187
de que
conhecemos duas versificações:
Serpa Pimentel, Goésto Anzur, ou o Brasão dos Figueiredos;
e Morais Sarmento, Gaésto Ansor.
1188
1189
Serpa Pimentel publica em 1840 três baladas que parecem versificar outras tantas
lendas de origem livresca. A segunda delas (pelo menos) tem como fonte a Monarquia
Lusitana, de Brito: A Torre d’ Hercules,
1190
Cindasunda ou o Brasão de Coimbra
1191
eA
1192
Virgem Martyr Santa Comba.
Foi republicado em Antonio Feliciano de Castilho, Rimance da Senhora da Nazareth, O Futuro,
8/8/1858, pp. 1-3, e, com o título de Senhora da Nazareth (Chacara), na obra do autor O Outono. Collecção de
poesias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1863, pp. 153-171.
Este poema foi muito apreciado no séc. XIX: por exemplo, Estácio da Veiga (na introdução do
Romanceiro do Algarve, p. xii), refere-se ao “muito acolhimento” que ele “conquistou para este genero de
poesia” (a que pretende “fazer reviver as nossas velhas crenças e tradições”)¸ e o próprio Antero o incluiu na
sua conhecida antologia destinada ao público infantil (ver Thesouro Poetico da Infancia, cit., pp. 61-78).
1185
Rodrigo trouxe consigo uma imagem de Nossa Senhora (feita por S. José em Nazaré, Palestina).
Ao chegar ao local da costa portuguesa hoje chamado Nazaré, o rei constrói aí uma ermida, para a referida
imagem. Muitos anos depois, D. Fuas Roupinho, andando à caça naquela zona, é salvo de cair ao mar por um
milagre de Nossa Senhora da Nazaré.
1186
Na mesma fonte se inspirara já o lusófilo inglês Southey para escrever o longo poema narrativo
Roderick, the Last of the Goths: A tragic poem, publicado em 1814 (ver Robert Southey, The Poetical Woks
of... Complete in One Volume, new ed., London, Longman, Brown, Green, and Longmans, 1850, pp. 628-726).
Na nota 1 ao Roderick (pp. 636-40), há a tradução dum longuíssimo excerto da crónica de Brito.
1187
Na Monarquia Lusitana, aparecem também pela primeira vez as famosíssimas Trovas do
Figueiral, poema apócrifo que teria como base o salvamento das donzelas pelo dito Goesto Ansures.
1188
1189
J[osé] F[reire] de Serpa Pimentel, Cancioneiro, cit., pp. 81-4.
Ignacio Pizarro de M[oraes] Sarmento, O Romanceiro Portuguez, II, cit., pp. 1-45. No posfácio
que acompanha o texto, indica-se explicitamente como sua fonte a Monarquia Lusitana.
1190
José Freire de Serpa Pimentel, Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. 1ª epocha, Coimbra,
Na Imprensa da Universidade, 1840, pp. 1-2. O poema (com o antetítulo de Soláo I) é sobre uma lenda, sem
Outra obra de Fr. Bernardo de Brito (a Crónica de Cister) é a fonte da lenda dos
amores de Gonçalo Hermigues (o “Traga-Mouros”) e Ouroana.
1193
Dela temos no nosso
corpus as seguintes versificações baladísticas:
António Maria do Couto, Gonçalo Hermigues;
Anónimo, Chacara do Traga-Mouros;
1194
1195
Alexandre Braga, Gonçalo Hermigues;
1196
e Morais Pimentel, Gonçalo Hermigues.
1197
Noutra obra histórica, desta feita de Fr. Luís de Sousa, se inspira o poema de João
1198
de Lemos Nossa Senhora do Pranto,
versificação duma lenda de milagre.
1199
Como
1200
informa o próprio autor, a fonte desta balada é a História de S. Domingos.
dúvida erudita, que conta a passagem de Hércules por Coimbra, onde teria construído uma torre e se teria
apaixonado por cinco donzelas. É republicado no Cancioneiro do autor, cit., pp. 177-181.
1191
Op. cit., pp. 9-15. A balada (com o antetítulo de Soláo III) é sobre a lenda erudita de
Cindasunda, donzela sueva cujo casamento com o rei dos Alanos selou a paz entre os dois povos. A sua figura
aparece representada no brasão de Coimbra, cidade cuja fundação estaria ligada a tal casamento.
Este poema foi republicado duas vezes: na Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº
8 (18/4/1840), pp. 114-120; e no Cancioneiro do autor, cit., pp. 1-16.
1192
Op. cit., pp. 17-21. O poema (de antetítulo Soláo V) é sobre a lenda de Santa Comba, jovem
goda, cristã, que vivia perto de Coimbra. Um rei mouro apaixona-se por ela, e, ao não ser correspondido,
manda-a crucificar.
Foi republicado três vezes: na Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 15
(6/6/1840), pp. 236-240; n’ O Ramalhete, nº 128 (16/7/1840), pp. 222-224; e no Cancioneiro do autor, cit., pp.
85-96.
1193
Nesta crónica surge também pela primeira vez a canção apócrifa que Hermigues teria escrito à
amada (“Tinhera bos, nam tinhera bos”), uma das famosas “cinco relíquias” da poesia antiga portuguesa..
1194
A[ntonio] M[aria] do Couto, Gonçalo Hermigues, o Tragamouros. Romance historico, O
Panorama, I, 2ª série, nº 44 (29/10/1842), pp. 349-351.
1195
1196
1197
1198
[Anónimo], Chacara do Traga-Mouros, O Jardim Litterario, I (1847), nº 2, p. 8.
Alexandre Braga, Vozes d’ Alma, Porto, Typ. de J. L. de Sousa, 1849, pp.1-13.
P. A. de Moraes Pimentel, Gonçalo Hermigues, O Portugal (Porto), 23/6/1851, pp. 1-4.
J. de Lemos, Nossa Senhora do Pranto, O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas,
redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 7), pp. 97-101.
401
Tratados linhagísticos ou, talvez, a Monarquia Lusitana ou obra do género, devem
ser a fonte de três baladas do nosso corpus que versificam lendas genealógicas:
Ribeiro de Sá, As Armas dos Menezes;
Pereira da Cunha, Vasconcellos;
1201
1202
1203
e Serpa Pimentel, Caio Carpo, ou o Brasão dos Pimenteis.
1199
Sobre uma aparição de Nossa Senhora do Pranto e um milagre que estão na origem da fundação
do mosteiro daquela invocação existente em Aveiro
1200
Escreve Lemos: “Esta legenda, ou como lhe quizerem chamar, foi colhida em Frei Luiz de
Sousa e tão textualmente que mais não pôde ser” (p. 97, em nota; sublinhados do original). Ver a cit. ed. da
História de S. Domingos, I, pp. 927-8.
1201
L[uiz] A[ntonio] Ribeiro de Sá, As Armas dos Menezes, Revista Universal Lisbonense, VII, nº
13 (2/3/1848), pp. 151-152.
1202
Pereira da Cunha, Vasconcellos, A Illustração. Jornal universal I, nº 11 (Fevereiro 1846), pp.
180, 182-183 e 186-7.
1203
Pimentel é um dos apelidos do autor, claro. A imodéstia parecerá menor se tivermos em conta
que, na época ele era habitualmente conhecido por José Freire de Serpa (ou mesmo só por José Freire),
portanto, sem Pimentel. Aliás, era como “José Freire de Serpa” que assinava, por vezes, os seus versos.
A balada narra um milagre que se teria dado em Leça, no dia de S. João, e que, no tempo de Serpa
Pimentel, ainda seria celebrado anualmente pelo povo: um rei mouro convertera-se ao cristianismo, depois de
lutar (e perder), nas águas do mar, com Santiago. É muito possível que tenha existido (não o pudemos
confirmar) qualquer celebração solsticial, na praia de Leça, consistindo, talvez, num “banho santo”. Esse tipo
de banhos rituais na noite ou madrugada de S. João, destinados a curar doenças (e, sobretudo, a proteger delas),
está bem atestado em vários lugares de Portugal, nomeadamente nas praias da Foz do Douro, perto, portanto,
de Leça (ver Ernesto Veiga de Oliveira, “O S. João em Portugal”, Festividades Cíclicas em Portugal, Lisboa,
Publicações Dom Quixote, 1984, pp. 119-169; sobre os “banhos santos”, ver pp. 139-141). Também não nos
parece impossível que a essa hipotética festa da praia de Leça andasse ligada qualquer lenda como a narrada
por Serpa Pimentel. No entanto, a ligação dessa lenda com a família Pimentel é que nos parece mais duvidosa.
Segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (XXI, p. 664), o brasão dos Pimentéis apresenta duas
modalidades, de acordo com o ramo da família: o ramo mais comum possui um brasão esquartelado, tendo, no
primeiro e no quarto quartéis, três vieiras de prata; o outro ramo da família usa um brasão inteiro, com cinco
vieiras. Como timbre, ambos os brasões têm um touro. As vieiras devem ser alusão a Santiago, mas não
sabemos em que medida essa alusão será explicada pelos linhagistas através duma história como a contada por
Serpa Pimentel (o verbete relativo à família, na Enciclopédia acima referida, pp. 663-4, não apresenta nenhuma
lenda). De qualquer modo, tendo em atenção que possa, de facto, existir algum tratado genealógico onde essa
lenda surja, tendo Serpa Pimentel ido aí buscar o assunto da sua balada, decidimos colocar Caio Carpo, ou o
Brasão dos Pimenteis no presente grupo, e não no grupo das baladas que, embora se apresentem como
versificação de lendas, narram, afinal, um enredo totalmente inventado pelo autor do poema.
Duma fonte escrita deverá vir também M., O Convento da Peninha (Lenda),
1204
que
se apresenta como a versificação da lenda duma aparição de Nossa Senhora a uma pastora,
em Sintra, no reinado de D. João III.
Finalmente, uma obra escrita (embora relatando uma lenda tradicional) foi a fonte
1205
de Simões Dias, O Christo da Veiga.
Na verdade, esta balada é, no fundamental, a
reversificação (não a simples tradução) do famoso poema de Zorrilla A buen juez mejor
1206
testigo.
O texto espanhol (e, portanto, a balada portuguesa) narra a lenda ligada a uma
imagem de Cristo existente na igreja do Cristo de la Vega, em Toledo.
Baladas Românticas que se Apresentam como a Versificação de Textos
Tradicionais, mas que o não são (ou Parecem não o ser)
Na teoria romântica das desejáveis relações entre a literatura escrita e a oral, a ideia
de Herder e de Garrett, como vimos, é que a primeira daquelas tome como modelo a
segunda, e dela extraia características. Por exemplo, no caso das cinco baladas garrettianas
atrás mencionadas, tais características incluem tema, nível de linguagem e mesmo
versificação.
Ao escolherem lendas registadas em obras escritas, como também vimos, alguns
autores, continuando, teoricamente, a seguir as ideias de Herder, começam, porém, na
realidade, a afastar-se delas.
No grupo que agora iremos ver, as baladas, embora afirmem tomar por modelo
textos orais (mais precisamente lendas), são, com muita (ou mesmo total) probabilidade,
produto exclusivo da inventiva dos seus autores. Assistimos, portanto, a mais um passo em
frente no caminho da sobreposição do escrito sobre o oral no âmbito das preconizadas
relações entre literatura oral e literatura escrita. No caso presente, as baladas contam
histórias inventadas, iguais às que surgem noutras baladas localizadas na Idade Média que se
1204
1205
M., O Convento da Peninha (Lenda), O Estudo, nº 25 (3/8/1868), p. 2.
J. Simões Dias, As Peninsulares. Canções meridionaes, Elvas, Typographia da Democracia
Pacifica, 1870, pp. 194-208.
1206
Ver José Zorrilla, Obras, nueva edicion corregida, y la sola reconocida por el autor, con su
biografia por Ildefonso de Ovejas, I: Obras poéticas, Paris, Baudry, Libreria Europea, 1852, pp. 70-6. O
próprio Simões Dias (p. 220) informa sobre a sua fonte.
403
podem ler em revistas e livros — a única diferença é que afirmam ser a versificação de
lendas tradicionais, mas isso constitui já apenas um tópico, uma simples marca do género, ao
mesmo nível que o cenário medieval ou a versificação em heptassílabos.
Almeida Garrett, Noite de San’ João. Romance.
1207
Garrett não afirma que esta
balada seja a versificação duma lenda, apresentando-a, isso sim, como um poema inspirado
em cantigas tradicionais.
1208
Porém, como, no nosso corpus, não existem outros textos que se
auto-apresentem com as mesmas características e como, de qualquer modo, Garrett exagera,
segundo nós, a proximidade entre a sua balada e as presumíveis cantigas do povo,
1209
decidimos colocá-la neste grupo.
1210
Almeida Garrett, Miragaia.
Ao falar deste “romance reconstruído”, Garrett não é
muito claro, mas das suas palavras parece depreender-se que se trata da versificação de uma
lenda etiológica, em prosa, que ouviu na tradição oral, lenda em que existiriam algumas
partes em verso.
1207
1208
1211
Segundo Menéndez Pidal, porém, a fonte da Miragaia é o famoso
Romanceiro, I, 1843, pp. 134-8. Foi republicada nas edições seguintes desta obra.
Escreve Garrett: “Este romance é e não é de minha simples composição. Estavam-me na saudosa
memoria as vagas reminiscencias d’ aquelles cantares tão graciosos com que, na minha infancia, ouvia o povo
do Minho festejar a abençoada noite de san’ João; estavam-me as fogueiras e as alcachofas de Lisboa a arder
tambem na imaginação; e eu era muito longe de Portugal, e muito esperançado de me ver n’ elle cedo: aqui está
como e quando fiz ésta cantiga. [...] O romance é tam feito dos dittos e cantares do povo que nem uma idea
nem talvez um verso inteiro tenha que seja bem e todo meu” (Romanceiro, I, pp. 133-4).
1209
É verdade que os motivos tratados neste poema são tradicionais: a noite de São João e seus
festejos, a ideia de que até os mouros celebram este santo (a acreditarmos no que diz uma famosa quadra
tradicional, de que Garrett, aliás, transcreve uma versão como epígrafe desta balada) e as práticas divinatórias
ou propiciatórias feitas com alcachofras nessa noite. No entanto, a insipiente história que aqui se narra (uma
moura está apaixonada por um cavaleiro cristão, que, ausente, vem ter com ela na noite de São João) e, mais
ainda, os versos do poema são sem dúvida de Garrett.
1210
A[lmeida] G[arrett], Miragaia, Jornal das Bellas Artes, I, nº 1 (Outubro 1843), pp. 8–12, e nº 2
(s/d.), pp. 33-37. Republicado em J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I: Romances da Renascença, 3ª ed.,
Lisboa, Viuva Bertrand e Filhos, 1853, pp. 205-238; e nas edições seguintes desta obra.
1211
“O auctor, ou, mais exactamente, o recopilador, seguiu muito pontualmente a narrativa oral do
povo”, e, antes, dissera que “algumas coplas [deste romance] são textualmente conservadas da tradicção
popular, e se cantam no meio da historia rezada, ainda hoje repettida por velhas e barbeiros do lugar”
(Miragaia, cit., p. 12; itálico do original). Repare-se que as características do texto que Garrett menciona são
episódio do rei Ramiro e Gaia, que Garrett teria versificado a partir do relato do Livro de
Linhagens do Conde D. Pedro;
1212
segundo Pere Ferré, trata-se da reversificação do poema
culto de João Vaz, sobre o mesmo tema, escrito no séc. XVII.
1213
A verdade é que, tanto
quanto se sabe, nunca foi registada na região do Porto (onde Garrett teria ouvido o texto)
uma lenda tradicional sobre Ramiro e Gaia.
pesquisas,
1215
1214
Assim, enquanto esperamos por outras
parece mais prudente considerar a Miragaia a versificação (ou reversificação)
dum texto escrito, falsamente atribuído à tradição oral.
Pereira da Cunha, Peccado em Noite Benta (Chronica braccharense).
1216
Apresenta-
se como versificação da lenda dum crime acontecido na sé de Braga, mas a história, similar à
de muitas baladas românticas, mais parece produto da imaginação do seu autor.
1217
parecidas com as do conto que deu origem à balada O Chapim de Elrei, o qual, como vimos, existe, de facto,
assim, na tradição.
1212
Ver Ramón Menéndez Pidal, De primitiva lírica española y antigua épica, 3ª ed., Madrid,
Espasa-Calpe, S. A., 1977, pp. 137-154.
1213
1214
Ver Pere Ferré, “Oralidad y escritura en el romancero portugués” (inédito), cit.
Muito agradecemos a Carlos Nogueira as pesquisas que, acedendo ao nosso pedido, levou a cabo
em monografias locais recentemente publicadas, assim como as consultas que fez a estudiosos das tradições de
Vila Nova de Gaia. Tudo veio confirmar, infelizmente, o vazio de dados que pela nossa parte tínhamos
encontrado em obras mais antigas.
1215
Recentemente, foram recolhidas no concelho de Vila Velha de Ródão três versões duma lenda
que se relaciona de forma evidente com a de Ramiro e Gaia e não parece simples popularização duma fonte
escrita: ver Francisco Henriques, Jorge Gouveia e João Carlos Caninas, Contos Populares e Lendas dos
Cortelhões e dos Plingacheiros (Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão), Vila Velha de Ródão, s/n., 2001 [=
Açafa, nº 4 (2001)], nºs 170, 171 e 172. Estes textos (cujo conhecimento devemos a Isabel Cardigos, a quem
muito agradecemos) merecem, sem dúvida, um exame atento, que aqui não lhes podemos dedicar.
A comprovar-se a existência verdadeiramente tradicional dessa lenda em Portugal, estaríamos em
presença dum etnotexto que tem paralelos noutros países. Sobre o tema da “lenda de Gaia”, existe, na verdade,
um conto tradicional (AT 946 A*, Baldak Borisevich), de que se conhecem versões russas e sérvias, e também
uma balada, com versões escocesas (Child nº 266), suecas, norueguesas e dinamarquesas (ver F. J. Child, The
English and Scottish Popular Ballads, cit., V vol., pp. 1-8; Child resume as versões escandinavas da balada, e
também as versões russas e sérvias do conto. Além disso, apresenta uma utilíssima panorâmica do assunto).
1216
A. Pereira da Cunha, Peccado em Noite Benta (Chronica braccharense), Revista Universal
Lisbonense, IV, nº 23 (24/12/1844), pp. 276-278.
1217
O marido assassina a mulher, quando esta se encontra com o amante, numa capela da sé.
405
1218
Antónia Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular.
história parece completamente inventada pela autora.
Não obstante o subtítulo, a
1219
1220
Serpa Pimentel, A Lapa dos Esteios. Soláo.
Apresenta-se como versificação
duma lenda, mas o cunho erudito da história mostra que, sem dúvida, foi inventada pelo
1221
autor.
1222
Serpa Pimentel, O Corujão do Bussaco. Ballada.
tem todo o aspecto de inventada pelo autor.
1218
Versificação duma lenda que
1223
D. A[ntonia] G[ertrudes] Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular, Revista Universal
Lisbonense, nº 48 (19/6/1845), pp. 577-8. Republicada na Assembléa Litteraria, nº 34 (29/6/1850), pp. 20-21, e
n’ A Beneficencia, nº 17 (1/7/1853), pp. 3-5.
1219
Trata-se duma história de amores, ambientada na época das lutas no norte de África, que se
contaria sobre uma antiga mansão, “de nome Torre do Fato”, situada “em logar triste e deserto / Não longe de
Benfica”, em Lisboa. A história (um cavaleiro parte para a guerra, é dado por morto, mas regressa, para grande
felicidade da mulher, que se julgava viúva) é semelhante a muitas que encontramos na baladística da época, e
nada faz crer que verdadeiramente tenha existido como lenda. Aliás, nem sequer sabemos se existiu a torre que
dá título à balada. É verdade que existiu, isso sim, até aos anos 80 do séc. XX (e disso podemos dar testemunho
pessoal), uma quinta da Torre do Fato (mas sem qualquer vestígio de torre), situada nuns terrenos até essa
época não urbanizados, numa zona limitada aproximadamente pelo Largo da Luz, o Paço do Lumiar e
Telheiras. Ainda hoje existe uma artéria (actualmente uma normalíssima rua, entre edifícios modernos) com o
nome (assim está escrito na placa toponímica) de Azinhaga da Torre do Fato. Antónia Pusich pode, pura e
simplesmente, ter inventado uma história a propósito do topónimo Torre do Fato, de evidente patina medieval,
sem que fosse necessário que, no seu tempo, existisse na referida quinta qualquer torre e menos ainda uma
“lenda popular”.
1220
J. F. de Serpa [Pimentel], A Lapa dos Esteios. Soláo, O Trovador. Collecção de poesias
contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, pp.
17-20. Republicada no Cancioneiro do autor, cit., pp. 139-143.
1221
Narra a metamorfose de dois apaixonados (ela em rochedo e ele em freixo), no lugar dos
arredores de Coimbra conhecido por Lapa dos Esteios. No imaginário coimbrão, este local devia começar, na
época, a consolidar as suas conotações “românticas”, originadas, como se sabe, pela Primavera de Castilho.
1222
J. F. de Serpa [Pimentel], O Corujão do Bussaco. Ballada, O Trovador, cit., pp. 92-94.
Republicada no Cancioneiro do autor, cit., pp. 157-160.
1223
Conta a história dum “negro corujão” que vivia na mata do Buçaco e seria a metamorfose dum
cavaleiro apaixonado.
No Cancioneiro de Serpa Pimentel, incluem-se (além das republicações atrás
referidas) mais duas baladas românticas:
O Penedo da Saudade.
1224
certamente invenção total do poeta;
e A Captiva de Burgos.
Apresentada como versificação duma lenda etiológica, é
1225
1226
Apresentada como versificação duma lenda, foi sem
dúvida totalmente inventada por Pimentel.
1227
1228
Gomes de Amorim, O Diabo.
história recolhida da oralidade,
1229
Embora se apresente como versificando uma
tal afirmação parece apenas um tópico literário, não se
esforçando o poeta para que o leitor em tal acredite.
Pereira da Cunha,
1230
O Poço de Dona Sancha (Tradição popular do Minho).
1231
Apresentando-se embora como versificação duma lenda, é provavelmente total invenção do
1232
autor.
1224
1225
Op. cit., pp. 17-20.
Conta a história duma donzela que teria morrido no Penedo da Saudade, enquanto debalde
esperava o seu amado, que nunca mais voltou das guerras com os Mouros.
1226
1227
Op. cit., pp. 192-6.
Conta uma história de amor e morte, em que um mouro e um cristão disputavam o amor duma
jovem moura. Matam-se mutuamente em combate. A balada diz que, ainda hoje, no lugar da morte, “alta noite,
lá se ve / A donzella a suspirar” (p. 196).
1228
F. Gomes de Amorim, O Diabo, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de 1849), nº 21, pp. 166-
167. Republicada na obra do autor Cantos Matutinos, Lisboa, Typographia Progresso, 1858, pp. 176-9.
1229
De facto, no final do poema diz-se: “A minha avó, que Deos haja, / Este conto ouvi contar” (p.
167).
1230
A atribuição deste poema (que foi publicado anónimo) a Pereira da Cunha é feita por Inocêncio
(Diccionario, cit., VIII, 1867, p. 275).
1231
[Antonio Pereira da Cunha], O Poço de Dona Sancha (Tradição popular do Minho), Revista
Popular, II, nº 8 (28/4/1849), pp. 60-62.
1232
A acção passa-se num castelo à beira do rio Minho, talvez em Caminha (de que o pai de Sancha,
a donzela, é capitão-mor). Sancha suicida-se, depois duma história de amores contrariados, afogando-se num
poço. Inclinamo-nos a que, de facto, exista ou tenha existido, em Caminha ou algures no Minho, um poço
chamado, precisamente, “poço de D. Sancha”, embora não o tenhamos podido confirmar. Também não seria
impossível, claro, a existência duma lenda etiológica que explicasse o nome do poço. No entanto, parece-nos
407
Machado Pinheiro, A Noviça.
1233
lenda, tal parece perfeito tópico literário.
Apresentada pelo autor como a versificação duma
1234
1235
Luís Ribeiro, O Não. Lenda.
É sem dúvida total invenção, não obstante o
1236
subtítulo.
Aires de Gouveia, A Sernada.
1237
O poema apresenta-se como a versificação da
lenda etiológica de Sernada, aldeia nas margens do Vouga, mas a história que narra é sem
dúvida invenção do poeta.
1238
improvável que tal lenda fosse parecida com a que se narra na balada de Cunha, cuja trama desenvolve os
lugares-comuns de numerosas histórias ultra-românticas.
1233
J[oão] Machado Pinheiro [Corrêa de Mello], A Noviça, Miscellanea Poetica, II, nº 8
(16/10/1851), pp. 61-64.
1234
O namorado, que partira para a guerra e fora dado por morto, volta no momento exacto em que a
namorada se vai fazer monja. Casam. A última estrofe diz:
“Ainda hoje no mosteiro
Este conto é popular:
Ainda hoje boas velhas,
Vendo moça suspirar,
Vão-lhe o conto da Noviça
Logo, logo relatar.”
(p. 64)
1235
L[uiz] R[ibeiro], O Não. Lenda, O Portugal, 14/5/1853, pp. 1-2, e 17/5/1853, pp. 1-2.
Republicado em Luiz Ribeiro de Sottomaior, Poesias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1862, pp. 176-191.
1236
Conta uma história truculenta, em que um senhor feudal vinga o adultério da mulher (ocorrido
enquanto ele estivera na Palestina), matando-a a ela e ao amante. Afiança-se que a história se passou num
castelo da Serra da Estrela, e que “Inda hoje se podem ver / Os restos do castello [...] / E dizem que, n’ alta
noite, / Ha quem veija apparecer / Dous brancos, negros phantasmas / Sôbre as ruinas a gemer”, os fantasmas
dos assassinados.
1237
A. Ayres [de Gouvêa], A Sernada, O Novo Trovador. Collecção de poesias contemporaneas,
redigida por alguns academicos, Coimbra, Imprensa de E. Trovão, 1856, pp. 82-9.
1238
Admitimos que possa existir uma tradição popular, narrativizada ou não, que “explique” ser
“serenada” (no sentido de “serenata”) a origem do topónimo Sernada. Mas sem dúvida nada tem a ver com isso
1239
António Varajão, Lenda Popular.
Apesar do título, parece uma simples balada
neomedieval.
1240
Francisco Xavier da Silva, O Castello dos Mouros em Cintra. Lenda popular.
Não obstante o subtítulo, esta balada não parece contar nenhuma lenda tradicional, mas sim
uma história totalmente inventada pelo autor.
1241
Almeida e Araujo, Bemfica!
Embora esta balada se apresente como a
versificação duma lenda etiológica [facto ainda mais assumido quando é republicada:
1242
Bemfica (Lenda popular)],
a história que narra é tipicamente neomedieval.
1243
Costa Goodolphim, Dona Urraca. Romance historico.
Apresenta-se como a
versificação duma lenda tradicional sobre o rei Ramiro II de Leão, mas essa proveniência
oral deve ser falsa, tendo-se o autor baseado muito provavelmente no Livro de Linhagens do
conde D. Pedro e também na balada de Garrett Miragaia, atrás mencionada.
1244
a história contada no poema de Aires de Gouveia, lista de lugares-comuns neo-góticos, a que não falta o do
cavaleiro chegado das Cruzadas cantando uma “serenada”.
1239
1240
A[ntonio] de M[ello] Varajão, Lenda Popular, A Saudade. Jornal poetico, I, 1859, pp. 19-22.
F[rancisco] X[avier] da Silva, O Castello dos Mouros em Cintra. Lenda popular, Aurora
Litteraria, III, nº 10 (16/12/1862), pp. 77-78.
1241
Francisco Duarte d’ Almeida e Araujo, Minhas Lembranças. Poesias, Lisboa, Typographia do
Panorama, 1864, pp. 134-141.
1242
1243
Restauração, 7/2/1865, p. 1, e 9/2/1865, p. 1.
Costa Goodolphim, Primeiros Versos, Lisboa, Typ. de Vicente Alberto dos Santos, 1865, pp.
147-181.
1244
A história narrada por Goodolphim é a mesma que a da Miragaia, só que, no presente caso, a
acção está localizada em Espanha e a rainha chama-se Urraca. Menéndez Pidal (De primitiva lírica española y
antigua épica, cit., pp. 147-150) refere a existência em Espanha duma lenda semelhante à lenda de Gaia, ainda
que a conheça apenas dum texto escrito medieval. De qualquer modo, pareceria possível ter sido, de facto, a
oralidade a fonte de Goodolphim. Porém, o facto de o rio onde D. Urraca morre afogada se chamar, segundo a
balada, Aldora, topónimo que derivaria de “Urraca”, é extremamente suspeito, uma vez que Aldora se chama
exactamente a mulher de Ramiro na versão do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro [ver José Mattoso (org.),
Narrativas dos Livros de Linhagens, Lisboa, I.N. / C.M., 1983, pp. 49-61].
409
Baladas Românticas falsamente Apresentadas como Recolhidas da Tradição
Oral
Se, nas baladas do grupo anterior, a falsidade não estava no texto da balada em si
mas na pretensa lenda oral que lhe servia de fonte, há alguns textos que avançando mais um
passo, chegam à fraude total: as baladas cujo autor se apresenta como simples colector,
afirmando que as recolheu da tradição oral.
No nosso corpus existem apenas três baladas pertencentes a este tipo, mas a análise
dos seus casos é, sem dúvida, rica em ensinamentos.
Comecemos pelo pretenso romance tradicional do castelo de Almourol, cuja fortuna
é inesperadamente fecunda. Tudo parece começar em 1843, quando o conde de Melo publica
1245
um conto
onde transcreve uma falsa balada oral.
1246
O início do conto apresenta o narrador sendo conduzido, de barco, até ao castelo de
Almourol. A dada altura, o barqueiro começa a cantar a dita balada, que alude à fuga da filha
do alcaide do castelo, acompanhada por um mouro, escravo do alcaide. O narrador fica
excitadíssimo (“Uma xacara! um romance popular! Oh! isto era um thezoiro que eu não
devia, que eu não podia perder”) e pede ao barqueiro que lhe cante todo o “romance
popular”. O barqueiro não sabe mais versos, mas oferece-se para o levar à vila de
Constância, ali próxima, onde há uma velhota que sabe o romance todo. O narrador
concorda. Chegados a Constância, a velhota diz que já se esqueceu dos versos, mas que se
lembra da história, que, efectivamente, conta ao narrador. O resto do conto (que é a sua parte
mais extensa) é apresentado como o reconto do relato da velhota. Por aí, fica a saber-se que
o mouro fora raptado enquanto criança, na Palestina, pelo alcaide, o qual, para mais, lhe
assassinara a mãe e a irmã. A fuga da filha do castelão com o mouro é, portanto, o castigo
dum velho crime. O alcaide (que dá pelo nome muito adequadamente arcaico de D. Ramiro)
morre de desgosto. Como vemos a lenda não tem a menor aparência de tradicional,
1247
eo
mesmo se diga do pretenso “romance popular” (na verdade, um poema em quadras).
1245
1246
1247
C[onde] de Mello “O Castello d’ Almourol”, Jornal das Bellas Artes, I (1843), pp. 67-75 e 83-7.
Art. cit., pp. 72-3.
Pinho Leal (Portugal Antigo e Moderno. Diccionario geographico, estatistico, chorographico,
heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico, I, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira &
Companhia, 1873, pp. 155-6) narra a mesma história (sem indicar a fonte de que se serviu) e diz que ela é
“conservada por tradição, entre o povo d’ estes sitios, e narrada por alguns escriptores antigos”. Porém, o
Três anos depois, em 1846, um autor anónimo publica o conto “O Castello de
Almourol”,
1248
que explicitamente se apresenta como um resumo do conto do conde de
1249
Melo.
Passam outros três anos, e, em 1849, Gomes de Amorim publica a balada O
1250
Castello de Almourol,
que põe em verso a parte medieval do conto do conde de Melo (a
história do castelão e da filha, não a parte passada no séc. XIX). Sem dúvida para frisar que
se trata da versificação duma lenda tradicional, a balada de Amorim começa do seguinte
modo:
Rica terra é esta minha!
Tão rica de tradições!
Contos de fadas, de mouros,
Encantados castellões;
Feitiços de velhas bruxas,
Que tomam muitos serões;
Combates de cavalleiros,
Extremados campiões!
1251
Finalmente, em 1863, no que calha a ser o 20º aniversário da publicação do conto
1252
do conde de Melo, Sá Magalhães dá a conhecer O Castello de Almourol,
longo poema que
se apresenta, também ele, como a versificação da lenda do referido castelo, que —escusado
seria dizê-lo— é, apenas, a história neomedieval inventada pelo conde de Melo. E não foi só
resumo que faz da “lenda” segue o modo como ela vem no conde de Melo e nos três autores subsequentes (a
que adiante nos referiremos), usando até os mesmos nomes das personagens.
1248
1249
“O Castello de Almourol”, A Illustração. Jornal Universal, II, nº 4 (Julho 1846), pp. 66-7.
É, aliás, por tal artigo anónimo que ficamos a saber o nome do autor do conto de 1843, já que, de
facto, este texto está assinado apenas “C. de Mello”. É o autor anónimo que fala em Conde de Mello. Trata-se,
acrescente-se, do primeiro conde desse título, de seu nome Luiz de Mello Breyner Moura, de que apenas se
conhece colaboração dispersa em revistas.
1250
F. G de Amorim, O Castello de Almourol, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de 1849), nº 17,
pp. 133-134, nº 18, pp. 141-143, nº 19, pp. 149-150, e nº 20, pp. 157-158.
1251
1252
1863.
Op. cit., p. 133.
Francisco Bernardino de Sá Magalhães, O Castello de Almourol, Lisboa, Imprensa Nacional,
411
o conto que, à força de repetição, se tornou uma lenda tradicional: a própria balada do conde
de Melo (o pretenso fragmento do “romance popular”) ganhou o estatuto de texto oral. Com
efeito, o poema de Sá Magalhães tem, como epígrafe, três quadras da referida balada, sem
qualquer indicação bibliográfica de fonte, apenas com a informação de serem duma...
“canção popular”!
O segundo caso de balada falsamente tradicional está contido, também ele, num
conto: “O Filho da Montanha”, de Silva Mengo.
1253
Esse conto, de ambiente rústico, tem, no
fim a seguinte indicação:
Das desgraças de Malvina [personagem principal da história] muito
poderiamos dizer; porém a chacara, que abaixo transcrevemos, bem
conhecida em grande parte do Alemtejo, melhor do que nossa debil penna o
1254
faria, as descreverá.
E segue-se a balada,
1255
que, não obstante o que sobre ela afirma o narrador, é
claramente um poema culto.
O último exemplo duma falsa balada tradicional faz parte duma novela de Gomes
de Amorim, “Viagem ao Minho”. A balada, integrada no cap. XV, chama-se
1256
Marianninha.
Como o título da novela indica, a acção passa-se no Minho. Em dado momento, o
narrador atravessa o Tâmega, perto de Penafiel, numa barca. O barqueiro (tal como,
curiosamente, no conto do conde de Melo) canta, então, a balada. E o narrador tece os
seguintes comentários:
Estou diante d’ um poeta do XIV ou XV seculo; d’ um desses poetas cujas
singelas e admiraveis canções a tradição oral do povo transmittiu até ao
visconde de Almeida Garrett, que as colligiu e publicou para gloria sua e da
1253
J[acinto da] S[ilva] M[engo], “O Filho da Montanha”, O Correio das Damas, VI, nº 1
(31/1/1844), pp. 10-11, e nº 2 (29/2/1844), pp. 9-11.
1254
1255
1256
Op. cit., p. 10.
Op. cit., pp. 10-11.
F. G. d’ Amorim, “Viagem ao Minho”, O Panorama, 3ª série, V (1856), pp. 234-238. A balada
propriamente dita está a pp. 237-8; foi republicada na obra do autor Cantos Matutinos, Lisboa, Typographia
Progresso, 1858, pp. 164-8, e, novamente, na sua obra Versos, II: Ephemeros, Lisboa, Typ. da Sociedade
Typographica Franco-Portugueza, 1866, pp. 107-113.
terra cujas são [...] Eis a canção do barqueiro tal qual a pude copiar; não tenho
a pretenção de saber a que seculo pertence, com quanto me pareça bastante
1257
antiga pelos estudos que tenho feito do Romanceiro de Garrett.
Marianninha (que, versificatoriamente falando, é um romance) conta a história dum
conde que, encontrando uma romeira no monte, a quer violar. Ela é salva por um lobo, que
mata o conde. Ao vê-lo morto, a romeira, condoída, reza-lhe por alma. Então, o conde
ressuscita e oferece-se para casar com ela, em paga da sua compaixão. A história, no início,
parece inspirar-se no romance tradicional Vingadora da sua Honra. Aliás, a rima desta
balada é em –ia, tal como no referido romance, de que já havia publicada uma versão no III
vol. do Romanceiro de Garrett.
1258
Note-se que Almeida Garrett, no prólogo respectivo,
1259
escreve que esse romance existia apenas no Minho e em Trás-os-Montes, pelo que a sua
inclusão numa novela de ambiente minhoto poderá ter parecido muito adequada a Gomes de
Amorim.
Além duma balada falsamente apresentada como recolhida da oralidade,
Marianninha constitui, portanto, também, a reversificação (não assumida) dum romance
tradicional.
Finalmente, tal como a balada do conde de Melo, Marianninha acabou por ser
tomada como tradicional, só que, desta vez, por alguém de bem mais elevado coturno que o
pouco erudito Sá Magalhães: nada menos que pelo maior conhecedor do romanceiro no seu
tempo — Teófilo Braga. De facto, este autor, dando crédito à ficção inventada pela novela
de Amorim, incluiu Marianninha no seu Romanceiro Geral Portuguez, como sendo,
precisamente, uma “versão [tradicional, claro] da Margem de Tamega, Douro, da Romeira”,
1260
i. e., da Vingadora da sua Honra.
1257
1258
1259
1260
Op. cit., p. 237.
Romanceiro, cit., III, pp. 4-6.
Ver op. cit., p. 3.
Romanceiro Geral Portuguez, I, Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1906, pp. 411-4. Pelo menos
mais uma balada romântica (a D. Ignez de Castro de Alexandre Gomes Monteiro, 1842 — ver Apêndice nº 2)
foi confundida por Braga com um romance tradicional e publicada como tal (nos Cantos, pp. 345-7, e, depois,
no Romanceiro Geral Portuguez, II, pp. 340-1). Neste caso, contudo, parece que a confusão nasceu de alguém
ter dado um manuscrito com tal balada a Teófilo Braga e de, a este, a caligrafia ter parecido setecentista (ver a
nota que, no referido apêndice, colocámos a D. Ignez de Castro, 1842).
413
Não sabemos se este tipo de baladas (as falsamente atribuídas à tradição) aparecem
apenas incluídas em contos e novelas ou se foi por coincidência que só nesse contexto as
encontrámos.
A verdade é que, como vimos atrás no cap. IV, é integrados também num texto em
prosa (uma narrativa de viagens) que surgem os primeiros casos nossos conhecidos de
canções falsamente atribuídas à tradição oral portuguesa: as que Julia Pardoe “recolheu”
durante as festas dum casamento campestre, em 1833. E, anos depois, Castilho incluiu, num
conto confessadamente de sua autoria, passado na Serra da Estrela, uma quadra que teria
ouvido cantar na região, mas que não parece de modo algum tradicional.
1261
Seja como for, existam ou não apenas dentro de narrativas em prosa, os referidos
poemas pretensamente tradicionais devem ter sido incluídos nesses textos de autor com o
objectivo de lhes dar cor local. Trata-se dum uso perfeitamente similar ao que vimos no
capítulo IV, de integrar romances ou canções tradicionais em contos (como fizeram Pereira
da Cunha ou Raposo de Almeida) e em peças de teatro (como Garrett, Mendes Leal ou Costa
Cascais).
Uma Longa Série de Indefinições
Com o terceiro grupo de baladas a que nos referimos (as que constituem um falso
produto de recolha na oralidade) entramos, obviamente, na questão das fraudes literárias, a
mesma questão que se nos deparou a propósito dos 11 romances pretensamente orais
publicados por Estácio da Veiga, os quais, como vemos, estão em boa companhia.
Parece-nos que a questão das falsas baladas tradicionais (incluindo os textos de
Veiga) se compreende melhor quando encarada como um aspecto do problema, mais vasto,
da indefinição de fronteiras de tudo quanto diz respeito à literatura oral, indefinição que
repetidamente encontramos nesta época, em Portugal, revestindo várias modalidades.
Essa indefinição começa logo no momento em que se publicam os textos orais, que,
como vimos a seu tempo, são, em geral, bastante reelaborados pelos respectivos colectoreseditores, os quais, assim, se tornam, em boa medida, seus co-autores. Esse retoque, aliás,
parecia perfeitamente óbvio aos colectores, tendo em atenção o estado de inferioridade
1261
Antonio Feliciano de Castilho, “O Rabequista”, Revista Universal Lisbonense, I, nº 35
(2/6/1842), pp. 421-3; a quadra está na p. 422.
estética que, na sua opinião, os textos apresentavam. O mau estado da tradição é um lugarcomum nos comentários de todos eles, desesperados por não encontrarem na poesia oral as
qualidades que a fariam superior à poesia escrita e que, fazendo fé nos teóricos (os quais,
como Herder, na sua maioria nunca fizeram recolhas), esperariam que os textos orais
necessariamente possuíssem. Logo em 1828, Garrett escrevia sobre os textos recolhidos pela
“jovem menina” de Lisboa estas desabridas palavras:
Depois de muitos trabalhos e indagações, de conferir e estudar muita cópia
barbara, que a grande custo se arrancou á ignorancia e acanhamento de amasseccas e cuzinheiras velhas, hoje principaes depositarias d’ este genero de
archeologia nacional, —galantes cofres, em que para descubrir alguma coisa
é necessario esgravatar como o pullus gallinaceus de Phedro,— alguma coisa
se pôde obter informe, e mutilada pela rudeza das mãos e memorias por onde
passou; mas emfim era alguma coisa, e forçoso foi contentar-me com o pouco
1262
que me davam e que tanto custou.
E, assim, para Garrett, será óbvio (até aos anos 40) que publicar os textos
tradicionais por si próprios não faz sentido, pois o estado lastimoso destes (fragmentarismo,
versificação oscilante, faltas de lógica, saltos na narrativa...) afastava-os muito daquilo que,
na poética contemporânea, era concebido como um bom poema.
Ora, onde considerariam os poetas que acabavam as versões tradicionais retocadas e
começavam as baladas de autor em que se reescreviam romances provenientes da oralidade?
Rodrigues Cordeiro, como a seu tempo vimos, publicou a balada O Conde Alarcos
(lenda popular),
1263
de que se apresenta como simples colector e retocador. Porém, a verdade
é que o texto é, claramente, uma reescrita do romance, uma balada original, pois nenhuma
das quadras em que está dividido é semelhante às das versões tradicionais.
1264
Por seu lado, Pereira da Silva publicou uma versão do Regresso do Marido,
que,
embora retocada e com acrescento de várias quadras, está, sem dúvida, muito mais próxima
da tradição do que a balada de Cordeiro. No entanto, ao contrário de Cordeiro, Pereira da
Silva assinou a sua como se fosse exclusivo autor dela, e nem num subtítulo nem numa nota
acrescenta qualquer coisa que revele o carácter da sua fonte.
Poderemos sempre considerar que, no fundo, se trata duma questão de ponto de
vista: para Pereira da Silva, se o texto estiver retocado, passa a ser do seu retocador,
1262
1263
Adozinda, cit., pp. xxiv-xxv.
A. X. R[odrigues] Cordeiro, O Conde Alarcos (lenda popular), Revista Academica (Coimbra),
nº 17 (S/ d.; 1845?), p. 272.
1264
João Xavier Pereira da Silva, O Encontro. Xácara, O Ramalhete, nº 67 (2/5/1839), pp. 129-131
415
enquanto para Cordeiro, por mais que o colector transforme o texto, este nunca lhe pertence,
é sempre um texto tradicional. A verdade é que, qualquer que seja o motivo para os dois
procedimentos, encontramos, na mesma época, duas concepções muito diferentes das
fronteiras entre texto oral e texto de autor.
E a questão complica-se: se, nos dois casos anteriores, tudo podia estar na diferença
de opinião entre pessoas distintas, como compreender um caso como o de Francisco Palha?
Conforme se viu, nas Poesias
1265
deste autor há uma secção intitulada “Romances
Populares”, constituída por três poemas: A Infanta de Castella, A Aposta do Rei e Dona
1266
Guiomar.
Os dois primeiros são baladas que reversificam romances tradicionais, não
podendo de modo algum considerar-se simples versões retocadas (ainda que muito) de textos
orais. Pelo contrário, o terceiro dos mencionados poemas (Dona Guiomar) é uma versão da
Donzela Guerreira, que, tirando o final (a partir do momento em que D. Marcos abandona a
guerra), é bastante parecida com as versões tradicionais. Ou seja, duas situações claramente
diferentes foram resolvidas do mesmo modo por Palha: considerando-se autor de ambos os
tipos de texto. Estamos, de facto, perante uma verdadeira indefinição de fronteiras entre
texto tradicional e texto de autor, e não parece que tudo se possa resolver apenas recorrendo
à figura do falsário ou plagiador.
Tal indefinição é favorecida, obviamente, pelo facto de, na mesma época, existirem
baladas produto da exclusiva invenção dos autores e outras que são reenversamentos de
romances tradicionais. Além disso, tais géneros diferentes são, por vezes, praticados pelos
mesmos poetas. Com efeito, no grupo dos poetas que reversificam romances, cinco
escreveram também baladas sem qualquer fundo tradicional, como se pode ver consultando,
no Apêndice nº 2 os nomes seguintes, nos anos indicados: Garrett, 1845; Rodrigues
Cordeiro, 1843, 1848 (três items) e 1852; Bulhão Pato, 1849; Pereira da Cunha, 1840, 1843,
1849 e 1850; e Maria Peregrina de Sousa, 1842 (3 items), 1843, 1854, 1857/60, 1860/62 e
1869. E, no Apêndice nº 3, os nomes de Rodrigues Cordeiro, 1848 e Bulhão Pato, 1850.
Além disso, a indefinição de fronteiras entre romances tradicionais e baladas que
reversificam romances tradicionais é um produto, também, do facto de, na mesma época,
coexistirem dois movimentos em princípio (mas só em princípio...) diferentes: o de
publicação de romances recolhidos da oralidade e o de publicação de baladas de autor. A
1265
1266
F[rancisco] Palha, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1852.
Op. cit., respectivamente pp. 55-85, 87-94 e 97-109.
confusão que se podia verificar entre as duas coisas está bem exemplificada com o caso do
Bernal Francês reversificado por Garrett.
Quando sai em 1828, o Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga
popular antiquissima, e no mesmo stylo assume-se como uma reescrita: pelas palavras da
introdução, pelo facto de no mesmo livro se publicar (“para ver e conbinar”) o texto
tradicional que serviu de fonte à balada, e pelo próprio subtítulo desta.
Quando a balada é objecto de republicação, em 1836 (no Correio das Damas), as
palavras introdutórias do autor e a versão tradicional base já são omitidas, apresentando-se
apenas o texto de Garrett, que, no entanto, continua a ter o subtítulo aclaratório. Pelo
contrário, quando a balada é incluída no I vol. do Romanceiro (1843), o seu título e subtítulo
passam a ser Bernal-Francez. Romance, ou seja, exactamente os mesmos com que a versão
tradicional aparecerá em 1845 (n’ A Illustração) e em 1851 (no Romanceiro, II). Claro que
Garrett nunca esconde que a sua balada é uma reescrita do texto tradicional, mas a verdade é
que a confusão está servida.
Essa confusão, aliás, existe no Romanceiro de Garrett desde os alicerces. Conforme
sabemos, o I vol. desta obra não inclui textos tradicionais, mas, no máximo, baladas que
reescrevem textos tradicionais (três romances, é verdade, mas também um conto, como se
viu). No entanto, o volume é apresentado com o título de Romanceiro (como se fosse uma
colecção do género do Romancero de Durán, 1828-1832) e será acompanhado, mais tarde,
por dois volumes, com o mesmo título, que, para complicar, incluem —esses sim— versões
de romances tradicionais.
Para acabar de turvar as águas, duas das baladas do vol. I nem sequer são
reversificações de textos tradicionais (romances ou contos que fossem), constituindo poemas
completamente originais de Garrett,
foram tradicionais.
1267
e quatro dos poemas do III vol. são textos que nunca
1268
É óbvio que Garrett, como a seu tempo vimos, explica, no I vol., que este
1267
Com efeito, a Noite de San’ João. Romance e O Anjo e a Princeza. Legenda nada têm a ver com
textos orais: o primeiro narra uma história em que surgem usos e superstições populares, mas sem suporte
literário oral; e o segundo nem sequer se relaciona com tradições populares.
1268
Referimo-nos aos poemas A Ama, Avalor e Cuidado e Desejo, todos de Bernardim Ribeiro, e a
O Marquez de Mantua, de Baltazar Dias. Para sermos rigorosos, talvez nesse número de textos não tradicionais
se devesse incluir o Dom Duardos. É claro que este romance existe, ainda hoje, na nossa tradição oral, mas o
texto publicado por Garrett parece ser apenas uma tradução portuguesa, retocada, do texto original vicentino.
417
é a primeira parte, ou mais exactamente a introducção [do Romanceiro], e [...]
apenas contêm o que eu [...] designarei com o título de Romances da
renascença [...]
1269
Os textos originaes d’estes [...] sahirão em seguimento d’este volume.
E, na introdução do II vol., fala ainda mais claramente, dizendo:
o primeiro livro d’ esta collecção [...] só deve considerar-se como introducção
a este que agora chamo segundo, mas que em realidade vem a ser o primeiro
1270
do Romanceiro.
Pode ser que, para Garrett, a distinção entre baladas que reversificam romances e
romances tradicionais tenha sido (pelo menos a partir de dado momento) clara. Mas a
verdade é que as suas distinções especiosas entre I vol. que não é o I vol. mas sim apenas a
introdução da obra, e II vol. que afinal é o I vol. e não o II são feitas em frases perdidas no
fim duma longa introdução, e não tiram um facto: quer se queira quer não, o Romanceiro de
Garrett junta, na mesma obra, romances tradicionais e baladas que os reversificam. E, para
mentes menos lúcidas que a de Almeida Garrett, o mal está feito e, para mais, canonizado
com a chancela do Mestre.
É assim que, como acima vimos, escritores como Pereira da Silva e Francisco Palha
assinam como seus certos textos que são, apenas, versões retocadas de romances
tradicionais; é assim que Morais Sarmento publica O Romanceiro Portuguez (1841 e 1845),
que, não obstante o seu título, apenas contém baladas originais; é assim que Lopes de
Mendonça
1271
1269
1270
e Inocêncio
1272
chamam “romances populares” a baladas que são da total
Op. cit., I, pp. xxii-iii.
Romanceiro, II, p. xliv. Algumas páginas antes, Garrett dissera já algo muito parecido: “A
primeira parte e volume do presente Romanceiro deve ser considerada como a introducção d’ esta segunda e
das que se lhe seguem” (p. ix).
1271
“O sr. Pereira da Cunha [...] asseguram-nos que possue na pasta um volume de romances
populares, que tenciona publicar com o titulo de Album Heraldico, visto que o assumpto versa sobre as
legendas dos appelidos que se tornaram illustres na historia” (A. P. Lopes de Mendonça, Memorias de
Litteratura Contemporanea, Lisboa, Typographia do Panorama, 1855, p. 282). A obra nunca foi publicada, mas
dela deveria fazer parte a balada Vasconcellos (1846, q. v.), que, conforme antes dissemos, apresenta a lenda
genealógica do referido sobrenome e não apresenta quaisquer características “populares”. A serem assim os
restantes textos, o Album Heraldico seria um livro do género do Romanceiro de Morais Sarmento.
1272
Inocêncio, conforme atrás dissemos, identifica Pereira da Cunha como o autor de O Poço de
Dona Sancha, balada que não é, de modo algum um romance tradicional, e que, na melhor das hipóteses,
autoria de Pereira da Cunha; é assim que Estácio da Veiga, ao traçar, na introdução do
Romanceiro do Algarve, o panorama da recolha do romanceiro português, integra também
nesse panorama várias referências ao movimento da balada romântica, falando duma balada
de Castilho, da tradução duma balada de Lewis feita por Herculano, e das baladas de Morais
Sarmento e Serpa Pimentel:
o visconde de Almeida Garrett [...] foi quem neste paiz, primeiro que
ninguem, desenrolou o estandarte da revolução, que restituiu aos nossos
primitivos poemas todos os fóros da sua nacional realesa, sendo auxiliado
nesta importante empreza com interessantes e valiosos conhecimentos, que
lhe ministraram os srs. Alexandre Herculano, e A. F. de Castilho, como elle
1273
proprio se ufana de proclamar.
Muitos homens de lettras se empenharam depois nesta bem vinda cruzada em
fazer reviver as nossas velhas crenças e tradições.
O sr. A. F. de Castilho com a sua interessante Chácara da Nazareth,
conquistou para si novos applausos, e para este genero de poesia muito
acolhimento.
O sr. Alexandre Herculano com a sua linda chácara de Affonso e Isolina,
distribuída em quadras de octosyllabos, e as Lendas e Narrativas em prosa,
mas naquella prosa opulenta, que a sua penna sabe escrever, não menor
interesse por este genero conseguiu despertar no espirito publico; de modo
que esta litteratura meio esquecida, meio proscripta, começou a fazer-se
rediviva, tratada por mão de tão inimitaveis cultores.
Outros talentos, que de feito muita acceitação merecem, tambem de coração
se empenharam por este difficil, mas proveitoso estudo. Entre outros
1274
appareceu o sr. Pizarro com o seu Romanceiro Historico, obra que logo fez
a volta dos mais elegantes salões, ganhando mesmo popularidade em todas as
constitui a versificação duma lenda tópica (se não for, como suspeitamos, apenas uma balada que falsamente se
apresenta como a versificação duma lenda). Ora Inocêncio chama a esta balada (e também a um D. Sapo, texto
do mesmo autor de que não tinha “conhecimento ocular” e que nós também não encontrámos) nada menos que
“romances em verso de tradição popular” (I. P. da Silva, Diccionario ..., cit., VIII, 1867, p. 275).
1273
Como vimos a seu tempo, está provado que Castilho ajudou, de facto, na recolha de textos para
o Romanceiro de Garrett, coisa que este lhe agradece nas pp. xv-xvi do I vol. Igual agradecimento faz a
Herculano, mas, pelas suas palavras, não nos parece que a colaboração do distinto historiador tenha consistido
na recolha de versões tradicionais. Se não, vejamos o que escreve Garrett: “O Sr. Herculano, bibliothecario da
Real bibliotheca da Ajuda [...], tambem me tem ajudado não pouco com os preciosos achados que, no seu
incessante lavrar das minas archeologicas, tem incontrado e repartido commigo. Por seu favor tornei a
examinar, no Ms. original, o famoso cancioneiro ditto Do[sic] collegio dos Nobres, hoje na bibliotheca Real: e
com éstas e com as collecções allemans e francezas [...] tenho collacionado as nossas rhapsodias populares”
(op. cit., I, pp. xviii-xix).
1274
Sarmento.
Sic. Refere-se, obviamente, a O Romanceiro Portuguez, de Ignacio Pizarro de M[oraes]
419
classes; e bem assim se apresentou o sr. José Freire de Serpa, hoje visconde
de Gouvêa, contribuindo para a propaganda dos primitivos estilos populares
1275
com a publicação dos seus Soláos.
A transcrição foi longa, mas não a quisemos truncar, para que se pudesse apreciar o
raciocínio de Estácio da Veiga na sua integralidade. Como vemos, é verdade que, de modo
explícito, Veiga não diz que os romances tradicionais são o mesmo que as baladas de autor,
mas, no mínimo, não mostra delimitar as fronteiras entre uma realidade e outra, e, ao falar da
primeira, parece-lhe perfeitamente natural falar da segunda.
Se, portanto, os limites entre texto tradicional e texto de autor que reversifica o
texto tradicional não se mostram claros, na época, não admira o aparecimento duma classe
de baladas que, como vimos, constitui não a reversificação de romances tradicionais (que,
em última análise, ainda se poderia encarar como parte do processo de retoque, embora
levado ao extremo), mas sim a versificação de lendas ou contos tradicionais.
Esta transformação dum texto oral e em prosa num texto de autor e em verso pode,
em boa medida, ser o passo decisivo no caminho da falsificação. Claro que os autores de tais
baladas dizem a verdade quando afirmam que se basearam em textos tradicionais, mas uma
mente a quem parece óbvio que um texto oral possa ser recolhido para ser posto ao serviço
da literatura de autor, para que esse texto em prosa passe a ser um poema do poeta fulano,
uma mente que, portanto, mostra tão pouco respeito pela literatura tradicional, essa mente já
está predisposta, mesmo sem dar por isso, a continuar na senda da falta de respeito pelos
textos orais, explorando-os na criação individual. Assim, mais um pequeno passo e estamos
nas baladas totalmente originais, mas apresentadas como versificação de lendas ou contos
que, afinal, nunca existiram. Daí até às baladas de autor apresentadas, elas próprias, como
textos recolhidos da tradição o passo é ainda menor.
E talvez a indefinição seja até bastante mais substancial do que, à primeira vista,
parece. De facto, vimos atrás um grupo de baladas que, embora apresentadas pelos seus
autores como a versificação de textos tradicionais (nomeadamente de lendas), são, na
verdade, textos totalmente inventados. Nesse caso, a questão das fronteiras entre tradicional
e individual põe-se, conforme dissemos, no que diz respeito à história que a balada versifica
e não à balada propriamente dita, uma vez que ela, em si, é apresentada pelo respectivo autor
como um texto individual, não recolhido da oralidade. Porém, é possível que, nesse grupo de
baladas, haja algumas que levem a indefinição mais longe do que julgámos. Referimo-nos às
5 baladas que têm o subtítulo (ou título) “lenda” ou “lenda popular”: Antónia Pusich, A
1275
Romanceiro do Algarve, pp. xi-xii.
Torre do Fato. Lenda popular; Luís Ribeiro, O Não. Lenda; António Varajão, Lenda
Popular; Francisco Xavier da Silva, O Castello dos Mouros em Cintra. Lenda popular; e
Almeida e Araújo, Bemfica (Lenda popular).
A nossa ideia inicial foi que os autores, ao usarem esse subtítulo (ou título), se
queriam referir ao texto em que, alegadamente, se teriam inspirado para escrever as ditas
baladas. Mas pode ser que a indefinição seja bem maior, e que, de facto, eles estejam a
afirmar, isso sim, que as próprias baladas em causa são textos populares, recolhidos da
tradição. Nesse caso, portanto, essas 5 baladas constituiriam outros tantos exemplos de
textos falsamente atribuídos à tradição oral, a juntar, assim, aos 3 textos do grupo das
pretensas baladas tradicionais (as do conde de Melo, Silva Mengo e Gomes de Amorim) e,
obviamente, aos 11 romances falsos de Estácio da Veiga.
Claro que, aos nossos olhos de hoje, “lenda” (ou “lenda popular”) é um termo
inadequado para classificar um texto em verso, e, daí, a ideia que inicialmente tivemos de,
com a palavra “lenda”, os autores se estarem a referir a algo que não a balada propriamente
dita. Mas a verdade é que, no nosso corpus, existem alguns casos em que, sem dúvida, os
respectivos autores usam o termo “lenda” para designar um texto versificado. É o que se
passa com Rodrigues Cordeiro e o seu O Conde Alarcos (lenda popular), e com dois textos
de Francisco Palha: A Infanta de Castella. Lenda popular e A Aposta do Rei. Lenda popular.
Estamos, de facto, perante a reversificação de três romances, e, portanto, quer se refira à
balada em si, quer ao romance em que esta se inspira, o termo “lenda” surge aqui aplicado,
sem sombra de dúvida, a um texto em verso.
A mesma imprecisão terminológica aparece, aliás, no próprio Romanceiro do
Algarve. Como vimos, a sua segunda parte, a que inclui os romances religiosos, tem o título
genérico de “Lendas christans”, e várias vezes Estácio da Veiga designa do mesmo modo
cada um desses romances, individualmente.
1276
Aliás, curiosamente, na lombada do
Romanceiro do Algarve, o que está escrito, no original brochado, é... Lendas do Algarve.
1276
1277
Por exemplo, do primeiro deles, A Senhora da Piedade, escreve Veiga: “Esta lenda é
manifestamente do Algarve” (p. 159).
1277
Do Romanceiro do Algarve conhecemos 7 exemplares: dois na Biblioteca Nacional, um na
biblioteca do Museu Nacional de Arqueologia (pertenceu a Leite de Vasconcelos e tem algumas breves notas
ou traços a lápis, em geral assinalando a linguagem retocada dos textos), um na biblioteca da Região de
Turismo do Algarve, em Faro (pertenceu a colecção de Lyster Franco), um que é propriedade de Maria Luísa
E. V. Silva Pereira (Lisboa), outro incluído na biblioteca particular de Pere Ferré (Faro), e outro que nos
pertence. Com excepção do nosso exemplar (que nos foi oferecido por José Camões, cuja generosidade muito
421
Não se pense, porém, que, na terminologia de Veiga, “lenda” é palavra usada
apenas enquanto sinónimo de “romance”. Não: sobre A Senhora dos Martyres, diz Estácio
da Veiga ser “uma lenda convertida em romance”,
1278
o que, obviamente, mostra que, para
ele, “lenda” pode significar, também, aquilo que nós designamos com esse termo.
Concluindo: dos “romances” em oitavas camonianas (como o Frei Luiz de Souza de
Morais Sarmento) até aos 11 romances falsamente tradicionais publicados por Estácio da
Veiga, passando pelas baladas que versificam lendas, as que se apresentam como recolhidas
da oralidade (sem o serem), e o Romanceiro do Algarve designado como Lendas do Algarve,
talvez estejamos, afinal sempre (e apenas?) perante diferentes avatares duma única e
generalizada indefinição de fronteiras.
Dois Casos de Influência Textual da Balada Romântica no Romanceiro do
Algarve
Além da influência a nível geral que o movimento da balada romântica deixou nos
11 romances falsos de Estácio da Veiga, há pelo menos três casos em que essa influência se
dá a um nível mais profundo. Trata-se dos romances Cativo Morre por Recusar o Amor
duma Moura, A Moura Encantada de Tavira e A Senhora dos Mártires Salva um Cativo.
Vejamos, como exemplo, os dois
1279
primeiros casos:
agradecemos), todos estão encadernados, pelo que a lombada original se perdeu, sendo substituída por uma
lombada de couro com a inscrição “Romanceiro do Algarve”.
1278
1279
Romanceiro do Algarve, p. 163.
O caso de A Senhora dos Mártires Salva um Cativo é extremamente interessante. No espólio,
existem três versões dum texto (meio oração, meio canção narrativa) sobre um milagre de Nossa Senhora, que
salva um cativo da Barbaria. Existe também uma versão duma lenda, em prosa, sobre o mesmo milagre. As
versões do texto versificado contam a história de modo muito fragmentário, pelo que Veiga, insistiu com um
seu amigo de Castro Marim para que lhe conseguisse uma “boa” versão (ver carta a Sebastião Nogueira
Mimoso, atrás citada). Como nada conseguiu (sobretudo porque estava à espera que lhe descobrissem um
romance sobre tal tema, coisa que nunca deve ter existido na tradição, apenas a referida oração/canção
narrativa), Estácio da Veiga decidiu escrever ele próprio um romance, versificando a lenda em prosa (de que
possuía uma versão, como dissemos).
Na tradição oral de Castro Marim, a lenda, de facto, existe (e dela pudemos recolher, recentemente,
várias versões), mas o romance, tendo sido criado por Veiga (como mostram os próprios manuscritos), nunca
O Caso de Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura
Este é, dos três casos, aquele em que a influência do género baladístico é mais clara.
É que este romance
1280
consiste, nem mais nem menos, na reversificação (melhor diríamos,
na “romancização”) duma balada romântica, de autor perfeitamente conhecido. A sua
origem está, de facto, num poema de João Dubraz, publicado em 1848, numa revista.
1281
Trata-se dum longo poema narrativo, onde, em dado momento, uma personagem canta um
texto, que constitui, por si próprio, uma história. E é essa parte que foi transformada por
Veiga num romance.
Originalmente, o poema era em quadras de tipo tradicional. Ora, Estácio da Veiga
parece ter estado convencido de que a forma versificatória “romance” era própria de toda a
poesia primitiva portuguesa e que as restantes formas se deviam simplesmente à corrupção
introduzida pela oralidade.
1282
Ao olhar para o texto em causa, Veiga considerou-o “um dos
taes romances quasi desfigurados”,
1283
e decidiu modificá-lo completamente, de modo a que
se tornasse um romance.
Vejamos o começo do poema original:
O captivo
teve existência tradicional, e dele não encontrámos qualquer rasto. Da nossa recolha parece poder-se concluir
também que, no seu romance, Veiga combinou duas lendas (o milagre da salvação do cativo e o milagre da
criação duma fonte, pela mesma Senhora dos Mártires) que, na tradição, andam separadas. Esperamos, um dia,
dedicar um estudo a esta questão, para que aqui nos falta tempo. Não queremos, porém, deixar de agradecer
desde já ao nosso colega de Faculdade Luís Faísca, com cuja companhia contámos durante a recolha em Castro
Marim, e que, sendo natural dessa vila, muito facilitou todos os contactos com os informantes.
1280
1281
Romanceiro do Algarve, pp. 98-100.
J[oão Francisco] Dubraz Dom Florisel (O Farol, [I], nº 6 (29/4/1848), p. 48, nº 7 (6/5/1848), pp.
55-56, nº 8 (13/5/1848), pp. 63-64, e nº 9 (20/5/1848), p. 72; a parte correspondente ao Cativo é a que está no
nº 8).
1282
Esta ideia, em última análise, deve ter-lhe chegado através de Garrett. No entanto, embora, como
atrás vimos, este autor tenha considerado os romances os textos mais antigos da poesia portuguesa, não
conhecemos palavras suas em que se diga que as restantes formas versificatórias não passavam de
degenerescências daquela.
1283
Romanceiro do Algarve, p. 96.
423
Sendo nas terras de mouros
2
Surprehendido um paladim
Por escravo foi levado
4
Ao nobre Miramolim.
Tinha o rei mouro uma filha
6
D’ extremada formosura,
Lindos olhos, gentil corpo,
8
Branca tez, doce candura.
Certo dia de seu quarto
10
Zulima vio o christão:
D’ amores logo rendido
12
Teve a moura o coração.
1284
Face a isto, que fez Estácio da Veiga? Adoptou a rima da primeira quadra como
assonância obrigada, e aplicou-a ao resto do texto, que passou, deste modo, a ser um
romance perfeito, em -i:
Sendo em terra de moiros
2
Surprehendido um paladim
Como escravo foi levado
4
Ao nobre Miramolim.
Tinha o rei moiro uma filha
6
Mais alva que um jasmim,
1
Os seus olhos eram lindos,
8
O seu corpo era gentil.
Certo dia olha Celima
10
3
4
Para as terras de Safim,
5
Viu estar o pobre escravo,
12
1284
Que se passeava alli.
2
6
7 1285
J. Dubraz, Dom Florisel, O Farol, [I], nº 8 (13/5/1848), p. 63.
E, em notas de rodapé, como se fossem variantes, apresenta o seguinte:
1
2
3
4
5
6
7
D’ extremada formosura,
Lindos olhos, gentil corpo,
Branca tez, dôce candura.
Certo dia do seu quarto
Zulima viu o christão,
De amores logo rendido
Teve a moura o coração.
1286
Como é evidente, as “variantes” são pura e simplesmente os versos originais de
Dubraz.
Poder-se-ia pensar que estávamos, mais uma vez, em presença dum exemplo
extremo do método editorial de Veiga, que pura e simplesmente apresentaria como
tradicional um texto que se limitou a tirar duma revista. De facto, provavelmente, é apenas a
sua imaginação que o leva a escrever que “corre elle em diversas povoações do Algarve,
com muitas variantes, pela maior parte inacceitaveis”.
1287
No entanto, parece que o autor da
fraude original não foi Veiga, mas sim o seu correspondente e colaborador de Castro Marim
Sebastião António Nogueira Mimoso, que, a fazermos fé nas palavras de Veiga, lhe remeteu
esse texto, como tendo sido recolhido na tradição.
1288
Claro que seria possível admitir a hipótese de o texto (proveniente, isso não há
dúvida, da fonte escrita que vimos) ter, verdadeiramente, corrido na oralidade, com pouca ou
nenhuma tradicionalização, pelo que Mimoso teria actuado de boa-fé, limitando-se a
1285
1286
5 E / 21r.
5 E / 21r. Na versão publicada no Romanceiro do Algarve (em que o texto do romance apresenta
várias diferenças em relação ao manuscrito), apresentam-se apenas, em nota, estes sete versos de “variantes”
(os quais aí apresentam só uma diferença de grafia em relação às “variantes” que acima transcrevemos). No
manuscrito, porém, existem, já perto do fim do romance, mais algumas notas com “variantes”, em que se
reconhecem indesmentivelmente outras duas quadras do poema de Dubraz.
1287
1288
Romanceiro do Algarve, p. 96.
Ver loc. cit., nomeadamente a nota de rodapé.
425
enganar-se sobre a sua origem e antiguidade. No entanto, há um facto que aponta em sentido
contrário. O texto de Dubraz tinha, dentro do longo poema de que faz parte (Dom Florisel),
um título próprio: O Captivo (foi, aliás, esse título que nos chamou imediatamente a atenção
quando folheávamos a revista em causa). Ora no testemunho mais antigo que, no espólio,
existe do Cativo Morre por Recusar o Amor duma Moura o texto intitula-se, também ali, O
Captivo. O título dado no manuscrito, sublinhe-se, não parece poder ter sido criado
independentemente do título que o poema tinha na revista. Com efeito, no texto, a
personagem é designada apenas por “um paladim”, facto que, aliás, produziu o título com
que Veiga o veio a publicar: O Paladim Captivo. Mesmo que o texto tivesse existido na
oralidade, parece impossível que, por muito próximo que a sua letra continuasse da versão
da revista, até o título se tivesse conservado, e, para mais, intacto.
Assim, a recolha desse texto da tradição deve ter sido, muito provavelmente, uma
burla imaginada por Sebastião Mimoso. Dizemos que deve ser dele pois, a ter sido Estácio
da Veiga o autor da proeza, parece impossível que a tivesse atribuído a outrem, tanto mais
que o poema lhe parece algo de grande antiguidade, e sublinha a importância do achado:
Deverá [...] inscrever-se a renascença deste romance na época comprehendida
entre a tomada de Ceuta e a posse de Tanger? É possivel; nem parece mais
moderno. [...]
Posso com boas razões julgar que este era um dos taes romances quasi
desfigurados e perdidos, que, se não se lhe acudisse agora, passado algum
tempo já talvez ninguem o arrancaria do abismo do esquecimento em que se
1289
ía prostrando.
Aliás, Estácio da Veiga foi vítima doutra burla perfeitamente similar a esta, até mais
escandalosa, dada a celebridade do autor do poema. Referimo-nos ao caso de O Acalentar da
Neta, balada romântica de Castilho, que foi enviada a Veiga por um seu colaborador, como
proveniente da oralidade. Com efeito, no espólio existe uma cópia desse poema, remetido,
de Olhão, por João Lúcio Pereira, juntamente com outros dois romances, esses, sim,
tradicionais. Num primeiro momento, Veiga nem deu por que se tratava dum poema de
1290
autor,
e só mais tarde se apercebeu do facto.
1289
1290
1291
Também nesse caso se não trata duma
Loc. cit.
Na carta de Pereira que veio juntamente com os textos, Estácio da Veiga anotou, no final, os
romances enviados: “Veiu o romance da D. Branca, o de Fr. João, com o nome de —Morena— e outro que
começa Dorme, dorme, minha neta” (7 / 1c).
incipiente tradicionalização dum texto escrito, pois o poema, embora muito longo, não
apresenta qualquer diferença em relação ao publicado.
1292
O facto de a sua acção se localizar na Idade Média e de a versificação ser de tipo
tradicional (o poema de Dubraz é em quadras de heptassílabos, com rima ABCB, como se
viu; o de Castilho é um romance) devem ter sido factos suficientes para Sebastião Mimoso e
João Lúcio Pereira pensarem que os textos em causa poderiam ser tomados por orais. Esta
ideia e, também, o facto de Estácio da Veiga se ter deixado enganar em ambos os casos
mostra, mais uma vez, como as fronteiras entre balada romântica e romance tradicional eram
difíceis de sentir.
O Caso de A Moura Encantada de Tavira
O segundo texto do Romanceiro do Algarve onde a influência da baladística
romântica é mais nítida é A Moura Encantada de Tavira. Trata-se dum texto com muito
pouca narratividade (característica que, aliás, se encontra em geral nos textos que Veiga
inventou de raiz, isto é, que não são traduções ou imitações de poemas já existentes),
1293
onde se apresenta um cavaleiro cristão, D. Ramiro, apaixonado pela moura que, na noite de
S. João, aparece no dito castelo. Hesita em subir a muralha para a desencantar e, quando a
isso se decide, já é tarde: a moura desapareceu.
Vimos atrás como um dos grupos das baladas românticas é constituído por textos
que põem em verso lendas tradicionais. Ora o presente romance, embora não o possamos
materialmente provar, tem todo o aspecto de se basear na lenda duma moura encantada que
se contaria a propósito do castelo de Tavira. Nas nossas pesquisas, inclusive em monografias
regionais, não encontrámos referência a essa lenda. Mesmo Ataíde Oliveira, n’ As Mouras
1291
De então deve datar a nota que pôs no fim do manuscrito do poema: “É este romance
composição de A. F. de Castilho, e por isso não pode ir na collecção dos do Algarve” (5 B / 3d).
1292
O Acalentar da Neta foi publicado em volume nas Excavações Poeticas de Castilho (Lisboa,
Typographia Lusitana, 1844, pp. 264-274). Anteriormente, já saíra, pelo menos, uma vez numa revista [O
Panorama, II, nº 74 (29/10/1838), pp. 310-312].
1293
É precisamente o facto de apresentar uma narrativa de certo modo elaborada que nos faz pensar
que Pastora Morre de Amor constitui um texto que não deve ser totalmente inventado por Estácio da Veiga,
embora, como já dissemos, desconheçamos a sua fonte.
427
1294
Encantadas,
embora tenha um capítulo intitulado “A Moura do Castelo de Tavira”,
1295
limita-se a transcreve o romance de Veiga, com alguns comentários que nada acrescentam ao
assunto, e não refere nenhuma lenda em prosa. Pode ser, no entanto, que ela tenha existido,
embora Ataíde Oliveira, face ao poema de Estácio da Veiga, o tenha considerado mais ou
menos como a forma originária da lenda (ou a sua forma literariamente mais perfeita, o que
acabaria por ter a mesma consequência) e, portanto, tenha achado dispensável transcrever a
sua forma em prosa.
De qualquer modo, seja ele a versificação duma lenda que, verdadeiramente,
existiu, seja apenas a aplicação feita por Estácio da Veiga, à sua cidade natal, dum modelo
que, como é sabido, se repete em numerosos lugares de Portugal, é um facto que ao autor
algarvio não faltaram modelos de poemas deste tipo. Na verdade, no nosso corpus existem,
conforme vimos, sete baladas que consistem na versificação de lendas de mouras
encantadas: Pereira da Cunha (A Moira de Sancta Luzia), Serpa Pimentel (Engracia
Ramila), Gama Lobo (A Moura Encantada), Alexandre Braga (Saluquia), Almeida e Araújo
(A Moura da Fonte), A. C. L. (A Moura Encantada) e J. Dubraz (poema sem título).
Em última análise, este subgrupo de baladas sobre lendas de mouras é produto das
referências que, como a seu tempo vimos, Garrett faz a tais lendas logo na D. Branca:
E vós, formosas mouras encantadas,
Na noite de São João ao pé da fonte
Áureas tranças com pentes de oiro fino
Descuidadas penteando
1296
[...]
e, mais ainda, das afirmações do mesmo autor sobre o carácter tipicamente
português dessas lendas, que por isso mesmo interessaria usar na poesia romântica nacional:
1297
A nossa mythologia popular tem mais outra especie
de entes
sobrenaturaes, que é privativa nossa. — São as moiras-incantadas, que nem
1294
Francisco Xavier d’ Ataíde Oliveira, As Mouras Encantadas e os Encantamentos no Algarve, 2ª
ed., prefácio de João Corpas Viegas, “Palavras Necessárias” por José Maria da Piedade Barros e “Breve
Biografia [de] Ataíde Oliveira” por João Valadares d’ Aragão e Moura, Loulé, “Notícias de Loulé”, 1994 [a 1ª
ed. é de Tavira, Typographia Burocratica, 1898].
1295
1296
Op. cit., pp. 193-198.
Almeida Garrett, Dona Branca, in Obras, cit., vol. II, canto III, 3, p. 499.
são bruchas, duendes, nem fadas, mas lindas e amaveis creaturas que se
divertem a incantar, a excitar os desejos dos pobres mortaes — e ás vezes,
1298
tam boas são! a satisfazê-los.
Produto de versos e frases como estes (e, por sua vez, possíveis influenciadores das
baladas românticas acima mencionadas) são os seguintes versos de Costa e Silva, em Emília
e Leonido (1836):
[...]
encantadas Mouras,
Recobrando a belleza, e fórma antiga,
Dia de São João, com aureo pentem
Longas tranças sulcando, em torno ás fontes,
Á meia noite, módulas suspiram,
1299
Namorados Mancebos seduzindo.
E, a propósito dos presentes versos, afirma Costa e Silva: “Destas, e de outras
mythologias Nacionaes poderão tirar-se lindissimas feições”, isto é, motivos para poesias.
1300
Além das baladas sobre mouras encantadas, cuja linhagem visivelmente se
reconhece n’ A Moura Encantada de Tavira, há também no nosso corpus várias baladas que,
tal como acontece neste romance de Estácio da Veiga, tratam de amores entre cavaleiros
cristãos e jovens mouras. De facto, vejam-se, no Apêndice nº 2, os sete poemas seguintes:
Fernando Mousinho de Albuquerque, A Noute de S. João (1840-41), Garrett, Noite de San’
João (1843), Serpa Pimentel, S. Thiago e Belzebut (1844), Couto de Albuquerque, Dom
Ramiro (1846), Serpa Pimentel, A Moura no Deserto (1848) e A Captiva de Burgos (1849),
e Bulhão Pato, Zilla (1849).
Note-se que as baladas de Mousinho de Albuquerque e de Garrett, como se
depreende logo dos títulos, se passam durante a noite de S. João (tal como o poema de
1297
Garrett mencionara imediatamente antes a crença “do vulgo” português nas “sombras de
finados” e nas “bruchas”, que “são cosmopolitas”, ou seja, comuns a vários povos.
1298
1299
Adozinda, cit., p. 117.
José Maria da Costa e Silva, Emilia, e Leonido, ou os Amantes Suevos, Lisboa, Typographia de
A. S. Coelho & Comp.ª, 1836, p. 164.
1300
Op. cit., p. xxxii.
429
Estácio da Veiga), e que na mesma balada de Mousinho de Albuquerque e na de Couto de
Albuquerque o cavaleiro cristão se chama D. Ramiro, tal como o do poema de Veiga.
1301
É, pensamos, do cruzamento dos dois mencionados tipos de balada romântica
(sobre aparições de mouras encantadas e sobre amores entre mouras e cristãos) que se
originou A Moura Encantada de Tavira. Note-se também que este poema de Estácio da
Veiga começa dum modo que parece eco (inclusive textual) da Noite de San’ João de
Garrett.
1302
Por outro lado, tenha-se presente que, no séc. XIX, as lendas de mouras eram
consideradas algo muito típico do Algarve (e ainda hoje haverá quem assim pense).
1303
Andrade Ferreira afirma-o claramente:
a poesia sempre diversificou de provincia para provincia, como ainda hoje
diversifica: em cada uma existe com o seu cunho natural; e no Algarve, as
mouras encantadas, as talhas encerrando ramo de peste e thesouros
prodigiosos, e os contos mouriscos, assentam n’ um maravilhoso mui
differente do maravilhoso da provincia do Minho, onde fortalece as lendas
1304
dos santos, os milagres e os contos religiosos da hospitalidade.
E Hardung, no seu Romanceiro, em nota ao texto de Estácio da Veiga, escreve: “O
lindo romance da Moira encantada [...] é expressão pura do genio algarvio”.
1301
1305
Este nome devia ser considerado, no Romantismo, muito tipicamente medieval, algo para que
deve ter contribuído, como se imaginará, a Miragaia de Garrett (1843).
1302
Cf. “Meia noite além resôa / Cêrca das ribas del mar, / Meia noite já é dada” (Veiga, vv. 1-3) e
“Meia-noite já é dada” (Garrett, v. 1). A balada de Veiga tem ainda um verso (o nº 33) que é textualmente igual
a outro muito célebre de Garrett: “Cavalleiro de armas brancas”. Este último constitui algo que, como atrás
vimos, surge também no Cid e Búcar publicado por Veiga, sendo, aí, introdução devida à pena do editor.
1303
Isto embora as numerosas lendas de mouras que surgem, por exemplo, nos Contos Populares e
Lendas de Leite de Vasconcelos tenham sido recolhidas de norte a sul de Portugal continental, não se vendo
que o Algarve esteja mais representado que outras províncias (cf. J. Leite de Vasconcellos, Contos Populares e
Lendas, cit., II).
1304
José Maria d’ Andrade Ferreira, Curso de Litteratura Portugueza, Lisboa, Livraria Editora de
Mattos & Compª., 1875, pp. 111-2.
1305
Victor Eugenio Hardung, Romanceiro Portuguez, coordinado, annotado e accompanhado d’
uma introducção e d’ um glossario por..., II, Leipzig, F. A. Brockhaus, 1877, p. 34, n.1
É, aliás, pela ligação privilegiada entre o Algarve e as lendas de mouras que Veiga
atribui uma origem algarvia à Infantina. No prólogo respectivo, escreve mesmo que esse
romance
poderia talvez attribuir-se proximamente aos tempos do nosso terceiro
Affonso, quando desertos os castellos e arruinados os muros do Algarve,
aquelles, estes, e até as cisternas, e os proprios poços, começaram a ser
povoados por uma invasão de moiras e moirinhos encantados dos que ainda
1306
hoje alli respiram no ambiente das tradições feiticeiras moiriscas.
Veiga conta, depois, uma lenda de moura encantada relativa à cisterna do castelo de
Silves e menciona também a lenda que, segundo ele, anda ligada ao castelo de Tavira. E
conclui, dizendo que “muitas outras apparições similhantes se manifestam com profusão em
diversos logares da provincia”.
1307
Finalmente, observe-se que o S. João em Tavira e os festejos populares dessa noite
(sobretudo os bailes à roda dos mastros)
1308
traziam a Estácio da Veiga recordações muito
gratas, referentes, sobretudo, ao ano de 1856, quando passou uma temporada no Algarve,
depois de 11 anos de exílio em Lisboa, para onde partira na adolescência. A essas festas se
refere ele mais duma vez, nomeadamente no prólogo d’ A Moura Encantada de Tavira.
1309
Repare-se também que o primeiro dos romances que publicou (a Serrana Fiel),
texto
devido à sua total inventiva, se passa no dia de S. João, no Algarve, entre bailes e cantorias.
Por tudo isto, uma história como a que se conta n’ A Moura Encantada de Tavira
terá parecido a Estácio da Veiga extremamente própria para mostrar o tipicismo da sua
terra,
1310
facto que explicará, estamos certos, o facto de este romance ter sido o segundo que
ele publicou, logo em 1859.
1306
1307
1308
1311
Romanceiro do Algarve, p. 38.
Op. cit., p. 39.
Sobre os mastros (e sua elaborada decoração) e os bailes que à sua volta se faziam no Algarve (e
que, ao que parece, aqui eram mais correntes do que noutras regiões de Portugal), ver, por exemplo, Ernesto
Veiga de Oliveira, Festividades Cíclicas em Portugal, cit., pp. 127-8.
1309
1310
Está incluído no artigo “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2.
O mesmo pensaram, pelo menos, outros dois autores algarvios, que, em época posterior,
puseram, também eles, em verso duas lendas de mouras. De facto, Ataíde Oliveira, transcreve (n’ As Mouras
Encantadas, cit., pp. 92-102) uma longa balada de J. P. de Sousa Macário, sobre a história da moura Cássima
(lenda ligada a uma fonte, perto de Loulé, que o mesmo Oliveira publica nas pp. 61-70). Além disso, um dos
431
A ideia de pôr em verso lendas do Algarve é algo que, como vimos, está presente
logo no que parece ser a mais antiga atestação do interesse de Estácio da Veiga pela
literatura oral: a carta a Vaz Velho, pedindo-lhe que, em Tavira, recolha “lendas, xacaras,
romances, ou solaos [...] quer em prosa, ou em versos” e lhos envie. Ora, nessa carta,
recorde-se, Veiga observa sobre “taes antigualhas”: “as que [...] vierem em prosa, farei
quanto em mim couber para as reduzir a versos, adequando-lhes a forma e estylo que mais
conheça em relação com o seu respectivo assumpto e a epocha”. No espólio não se conserva
qualquer carta ou outro manuscrito relacionado com Vaz Velho, pelo que não é possível
dizer se foi através dele que chegou a Veiga a lenda da moura de Tavira,
1312
a qual, de
qualquer modo, entra perfeitamente dentro da categoria das “lendas [...] em prosa”, por ele
“reduzidas a versos”.
capítulos d’ As Mouras Encantadas (pp. 103-121) é sobre “A Moura de Salir”, e aí, além da lenda em prosa,
publica-se também (pp. 109-110) uma balada que a versifica. Sobre esta balada diz Ataíde Oliveira (p. 109)
que o poeta “reduziu a forma métrica os versos que encontrou entre o povo, conservando as assoantes”. Não
sabemos em que medida terá alguma vez existido, na oralidade, um poema sobre essa lenda, mas, se existiu, é
quase certo que deve ter sido constituído pela tradicionalização duma balada culta. De qualquer modo, o poema
publicado por Ataíde Oliveira nada tem de estilo tradicional. Sobre ele informa o mesmo Oliveira (p. 279) que
o autor foi o seu amigo Joaquim António Teixeira, “escrivão de direito”. Na p. 121, transcreve-se ainda a
música que para essa balada fez o “habilíssimo regente” da filarmónica de Salir (p. 109). Note-se que este
poema aparece também no Romanceiro Popular Português de Maria Aliete Galhoz (nº 1082), tendo sido
transcrito dum “papel velho” encontrado em Salir, em 1977, por Viegas Guerreiro, que não deve ter
reconhecido a sua origem. O texto em causa não apresenta vestígios de tradicionalização.
Do segundo dos poetas citados (Joaquim António Teixeira) não encontrámos vestígio de obras
publicadas. O primeiro deles, que Oliveira indica como J. P. de Sousa Macário, deve ser o Joaquim Pinto de
Sousa Macário de quem Inocêncio (op. cit., XII, p. 135) refere uns Recreios Poeticos (Coimbra, Imp. da
Universidade, 1866), que, porém, não conseguimos encontrar nem se encontram registados na PORBASE.
1311
1312
Ver “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2.
Mesmo que Vaz Velho lha tenha enviado, parece que Veiga já a deveria conhecer antes, porque,
a fazermos fé nas suas palavras, “esta é uma das tradições algarvias, que mais de perto conheço, poisque della
ouvi sempre falar desde os meus primeiros annos” (Romanceiro do Algarve, p. 33).
IX
O ROMANCEIRO DO ALGARVE,
PRODUTO DO SEU EDITOR E DA ÉPOCA EM QUE FOI ORGANIZADO
O título deste capítulo, de tão óbvio, pode parecer um truísmo, mas talvez não seja
demasiado sublinhar a realidade aí expressa, que ajuda não só a compreender a adopção por
Estácio da Veiga de determinado método editorial, mas até, talvez, a admitir a sua
inevitabilidade.
Um Método Editorial Criativo, necessariamente
Logo em 1871 (ou seja, no ano seguinte à saída do Romanceiro do Algarve),
Teófilo Braga dedicou à obra umas páginas desapiedadas, onde, sobretudo, critica os
retoques a que Estácio da Veiga submeteu os textos tradicionais. “O Romanceiro do Algarve
—denuncia ele— está adulterado, aperfeiçoado pelo collector, que formou versões novas
com as variantes que recebia”.
1313
E, escandalizado, transcreve
1314
passagens dos prólogos de
quatro romances (D. Julião, Nau Cathrineta, A Pastora e O Frade) em que Veiga,
candidamente, explica serem esses textos versões factícias.
O interesse maior destas palavras de Braga talvez esteja na incapacidade que ele
revela de perceber como é que alguém afirmava, sem problemas, que publicava versões
factícias. Os 10 anos que medeiam entre a conclusão do Romanceiro do Algarve e a sua
publicação tinham trazido muitas mudanças no conceito de como devia ser organizada uma
1313
Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, cit., p. 372 (itálico do original). Muitos anos depois, Teófilo
voltará a publicar sobre Veiga algumas afirmações extremamente críticas, também a propósito do seu método
editorial [ver Historia da Poesia Popular Portugueza. Cyclos épicos, 3ª ed. reescrita, Lisboa, Manuel Gomes,
Editor, 1905 (reed. facsimilada, com pref. de João David Pinto-Correia, Lisboa, Vega, 1987), p. 527].
1314
Ver Epopêas, cit., pp. 372-373.
colectânea de textos orais — e a obra de Veiga surge claramente desfasada em relação aos
novos tempos.
A verdade, porém, é que, quando ela nasceu, não só o estabelecimento de versões
factícias era prática comum a quase todos os editores europeus,
1315
como o retoque dos textos
era considerado algo natural. E, mesmo que Estácio da Veiga tivesse sonhado proceder de
modo diferente, a verdade é que, em 1860, o público português não parecia estar preparado
para aceitar uma obra respeitadora da poesia popular. Se não, vejamos um episódio muito
instrutivo.
Uma Polémica Reveladora
Em 9 de Junho de 1859, sai, no jornal miguelista A Nação, um pequeno artigo, não
assinado, em que se informa ir ser publicada em breve a tradução portuguesa do
“interessante romance” de George Sand Lélia, referindo-se também “a boa nomeada que este
romance tem alcançado”.
1316
A 28 do mesmo mês, surge n’ A Nação um novo artigo, também não assinado
(talvez de Estácio da Veiga),
1317
em que se desdiz o elogio anterior.
1318
O motivo é que,
entretanto, no jornal tinham sabido que o referido romance estava no Index e, por isso,
decidem avisar os leitores para o perigo da sua leitura.
1319
Ora no mesmo número do jornal em que sai tal palinódia, publica-se também (esse,
sim, assinado por Veiga), o artigo “Cantos Populares do Algarve. Recordações”.
1315
1320
Nele,
A única excepção conhecida antes dessa época é constituída pelo escocês William Motherwell, a
que já nos referimos, autor de Minstrelsy, Ancient and Modern (1827).
1316
1317
“Lelia”, A Nação, 9/6/1859, p. 3.
De facto, no espólio de Veiga (cota: 5 E / 7) existe o rascunho, incompleto, dum texto em que se
apresentam as razões por que o jornal se referira à publicação de Lélia. Note-se, porém, que este texto não
corresponde, do ponto de vista discursivo, ao artigo “A Lelia” saído, efectivamente, n ’A Nação de 28/6/1859.
1318
1319
“A Lelia”, A Nação, 28/6/1859, p. 2.
No artigo, frisa-se que, na notícia de 9 de Junho, apenas tinham elogiado a obra e não
propriamente aconselhado a sua leitura, acrescentando: “constava-nos que o traductor se propunha remover da
traducção algumas partes do original, onde a immoralidade era mais escandalosa”.
1320
pp. 1-2.
S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859,
435
além dum texto introdutório sobre as festas de S. João no Algarve, o autor publica A Moira
Encantada (que afirma ser um romance oral, recolhido em Tavira, em 1856) e, também, 16
quadras tradicionais, por si recolhidas durante os bailes de S. João, igualmente em Tavira.
Daí a dias, a 4 de Julho, o Archivo Universal, jornal de orientação política liberal,
investe contra A Nação, a propósito dos dois artigos de 28 de Junho. Num artigo não
assinado, depois de sarcasticamente se referirem à palinódia a respeito de Lélia, afirmam não
querer entrar em discussões sobre o Index “e o modo porque elle vê e condemna tudo e todos
que valem, pensam e escrevem”. No entanto, fazem notar à Nação
que mal andou tão orthodoxo periodico publicando no mesmo numero, em
que o sacro furor transbordava em imprecações, estas duas quadras, de
orthodoxia, e de moralidade muito mais que duvidosa.
São João váe embarcado
Com vinte e quatro donzellas,
Todas olham para elle
Elle para todas ellas.
São João leva a seu lado
Mais vinte e quatro viuvas,
Mas ao embarcar tal tropa
S. João perdeu as luvas.
Realmente quem pecca contra a repeitabilidade do santo, a moral, a sisudez, a
poesia e o senso comum, deveria ser mais tolerante para com Jorge Sand e o
seu traductor, que talvez tenham peccado muito contra o index, mas que estão
1321
puros destes peccados de parvoice.
As quadras transcritas pelo Archivo Universal são, como se imaginará, duas das que
se incluem no artigo de Estácio da Veiga sobre o S. João... Veiga, portanto, não podia deixar
de acusar o golpe e, no dia 6, sai n’ A Nação um artigo que, embora não assinado, é sem
dúvida dele. Aí defende as “pobres quadras de poesia popular, que haviamos publicado n’
um folhetim” e, ao mesmo tempo, ataca a irreligiosidade de que dá mostras o Archivo. Eis
alguns excertos mais intimamente ligados à questão das quadras, interessantes também pelo
facto de, por detrás da ironia e dos ataques à revista opositora, se sentir o conceito que, no
fundo, o próprio Veiga tem do povo e da poesia tradicional — é “inocente”, “rude”, “faltalhe a arte”:
1321
Anón., s/título, Archivo Universal, 2ª série, nº 1 (4/7/1859), p. 16.
Nos seus innocentes folguedos pode o povo dedicar a Sam João, por que
muito lhe quer, quadras que denotam confiança com o Sancto, mas não
1322
revelam intenção de falta de respeito. [...].
Não se espante o lerdo Archivo da parvoice de taes trovas; bem sabe que o
povo rude não pode intentar obras de tanto vulto, como a apotheose dos livros
condemnados pela Egreja.
O povo é naturalmente poeta, improvisador, e essencialmente inclinado ao
maravilhoso; mas o que hade ser? — Falta-lhe a arte com que o Archivo sabe
1323
avaliar as composições alheias.
No dia 11, sai novo artigo no Archivo Universal. Aí, depois de responderem aos
ataques de Veiga sobre matéria de religião, passam a falar de poesia tradicional:
o povo compoz e conservou com egual bohonomia as insulsezas e as
sublimidades, as joias do cancioneiro [sic] de Garrett, e os calhaus do
cancioneiro folhetinista da Nação; o primeiro colheu e aproveitou, estudando,
esmerilhando, apurando; o segundo agarrou tudo o que se achava no chão,
alfarroba bixosa, figo secco, quadras de S. João, e lançou sobre o Algarve as
culpas de semsaboria que mais de direito cabem ao collector do que aos
1322
Está bem atestada a existência, na tradição oral, de várias quadras que apresentam S. João como
uma personagem brejeira, perfeitamente similares às que parecem ter surpreendido o Archivo Universal.
Consiglieri Pedroso, por exemplo, publicou duas quadras que são muito semelhantes às duas quadras
transcritas, como exemplo de imoralidade, pelo Archivo, e a semelhança é quase total do que diz respeito à
quadra das “luvas”, cujo itálico, da responsabilidade do Archivo, mostra ter sido a que mais desagradou ao
jornalista (ver C. Pedroso, “Contribuições para um Romanceiro e Cancioneiro Popular Português”,
Contribuições para uma Mitologia Popular Portuguesa e Outros Escritos Etnográficos, org. de João Leal,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1988, pp. 362 e 364). Mais exemplos podem ver-se no Cancioneiro
Popular Português, de Leite de Vasconcelos, cit., III, pp. 334, 338, 350 e 352. Nos Ensaios Ethnographicos,
cit., do mesmo autor, I, há também cantigas desse tipo; e aí se encontram as seguintes palavras, que parecem
escritas para corroborar a defesa que Veiga se viu obrigado a fazer do povo de Tavira: “O S. João é um dos
santos, senão o santo, que o nosso povo mais ama. Por isso este o identifica com os seus costumes” (p. 66).
Sobre o aspecto malicioso das celebrações populares do S. João, leia-se o que escreve Ernesto Veiga
de Oliveira: esta “festa, por toda a parte, contém um elemento marcadamente licencioso, por vezes expresso, na
alusão sempre presente ao carácter brejeiro do santo, aos amores, etc. [...] A licenciosidade colectiva, em
determinadas celebrações cíclicas, como o Carnaval, parece, segundo as teorias mitográficas, ser de origem
ritual, como vestígio de actos de purificação dos espíritos nocivos, ou de estímulo de forças renascidas. Tal
pode ser o sentido das licenciosidades positivas ou difusas da noite de S. João” (“O S. João em Portugal”,
Festividades Cíclicas em Portugal, cit., pp. 119-169; citação extraída da p. 124).
1323
“Esperteza Digna de Archivo”, A Nação, 6/7/1859, p. 3. No espólio de Veiga, existe o rascunho
deste artigo (cota: 5 E / 8).
437
inventores; se é que a colheita não foi da lavra propria, porque nos parece
1324
menos obra dos Algarvios, do que do seu amarellento e estirado Homero.
Mais do que a desconfiança sobre a autoria das quadras (que parece sobretudo estar
aqui para levar ao auge o ataque contra Estácio da Veiga), o fundamental desta passagem
parece ser a defesa da adopção dum método editorial bem “criativo” no momento de a
literatura oral ser publicada. O problema, segundo o jornalista, não estaria tanto na poesia do
povo, mas sim no seu editor, pois, ao contrário de Garrett, Veiga não soubera “esmerilhar” e
“apurar” os textos, tendo publicado os materiais tal como os recolhera da oralidade: “agarrou
tudo o que se achava no chão, alfarroba bixosa, figo secco, quadras de S. João”. Frase cruel,
sem dúvida, mas muito provavelmente bem representativa daquilo que, ao leitor urbano da
época, parecia a literatura oral quando lida sem retoques.
Por cruel que seja (e é) contra a poesia tradicional, o ataque, no entanto, parecia
acabar por se orientar contra Veiga e os seus fracos dotes poéticos, que ele teria querido
disfarçar, atribuindo as quadras ao povo. Essa insinuação e esse ataque voltam, aliás, a surgir
mais à frente, quando, depois de o Archivo Universal dizer que só publica poesia de bons
poetas (e cita Castilho, Gomes de Amorim, etc.), acrescenta ter “cerr[ado] [...] a porta ao
poeta das quadras de S. João, e aos que as podessem escrever eguaes”.
Mas, tal como nos lacraus, as mais depreciativas opiniões sobre a poesia oral
estavam guardadas para o fim do artigo. Aí, o jornalista do Archivo explica com desprezo
que, se o seu jornal não publica poemas tradicionais,
não é porque lhe falte poesia popular da força daquella, que tanto extasia o
escriptor da Nação; quanta della queira encontra-a [o Archivo Universal] ao
pé da porta da typographia. Basta-lhe descer a escada ou chegar á janella.
Tanta e tão egual á do S. João das luvas, que não atinou ainda porque sem ter
o trabalho de ir ao Algarve, o bardo auricrinito, a não veio procurar mais
perto. Passados pela sua bocca ficaria tão appetitosa e chata, como os figos
da sua terra.
E se é preciso anzol para erguer até á altura do Bairro Alto o enthusiasmo
daquella eiroz poetica alli lhe atiramos esta quadra que no caminho ouvimos e
que porque nos parece não desdizer das suas lhe pomos ao lado.
1324
Anónimo, “O Archivo Universal e a Nação”, Archivo Universal, 2ª série, nº 2 (11/7/1859), pp.
30-31 (citação extraída da p. 31).
Cancioneiro do Bairro Alto
1325
Por aquella parede acima
Vai um caracol abaixo
Tem-te, caracol, não caias
Apega-te á confiança
Cancioneiro das
1326
Escadinhas da Barroca
São João leva a seu lado
Mais vinte e quatro viuvas,
Mas ao embarcar tal tropa
S. João perdeu as luvas.
No primeiro artigo do Archivo Universal, a poesia tradicional ficara mal parada
com as referências à sua imoralidade, mas, pelo que agora se vê, não fora propriamente esse
aspecto que chocara o jornalista liberal. Com grande probabilidade, ele nem repararia na
pretensa imoralidade das quadras, se ela não viesse mesmo a jeito para criticar a Nação com
as suas próprias armas. Aquilo que mais parece ter desagradado ao jornalista é a pretensa
falta de lógica da segunda das quadras algarvias que citou no artigo de 4 de Julho (falta que,
aliás, já aí criticava ao falar de “parvoice”). Mas é agora, pela comparação com a quadra
que, teoricamente, o jornalista ouvira entre os habitantes incultos do Bairro Alto, que se
1325
O Archivo Universal, segundo se indica no próprio jornal, era impresso na “Typograhia
Universal, rua dos Calafates 113”, a actual Rua do Diário de Notícias, situada precisamente no Bairro Alto (ver
Eduardo O. P. Q. Velloso, Roteiro das Ruas de Lisboa e Immediações, Lisboa, Typ. da Sociedade
Typographica Franco-Portugueza, 1864, p. 27).
1326
Não conseguimos entender a alusão a esta artéria, situada junto ao Largo de S. Domingos, com a
qual nem A Nação nem Estácio da Veiga parecem ter a ver. De facto, a redacção e a tipografia de A Nação
eram na “R. da Praga nº 12”, a actual R. do Cardal de S. José, paralela à R. de S. José (ver Eduardo O. P. Q.
Velloso, op. cit., p. 92), relativamente distante das tais escadinhas.
Quanto à morada de Estácio da Veiga, pelo menos três anos antes deste artigo era na R. dos
Douradores, 31 (ver o Almanach de Portugal para 1856, Lisboa, Imprensa Nacional, 1856, p. 565), longe,
também ela, das Escadinhas da Barroca. É claro que, entretanto, Veiga poderá ter mudado de casa, passando a
residir nas referidas Escadinhas; infelizmente, o Almanach de Portugal, obra que possui, ministério por
ministério, a lista nominal de todos os funcionários públicos, com a indicação da morada particular de cada um,
parece ter sido publicado apenas em 1855 e 56 (pelo menos, não existem outros anos na Biblioteca Nacional),
pelo que não podemos saber onde residiria Veiga no ano de 1859.
Nas “Escadinhas da Barroca[,] junto ao Rocio[,] nº 19”, existia, pelo menos em 1834, uma certa
Typographia Transmontana, em que se imprimia o Semanal de Poezias, conforme se diz nos números desse
periódico. Será que tal firma continuava a existir em 1859, e que, por qualquer motivo, estava relacionada com
A Nação?
Seja como for, parece óbvio que, ao falar no “Cancioneiro das Escadinhas da Barroca” o jornalista
do Archivo quer referir-se a Estácio da Veiga e/ou à Nação.
439
indica verdadeiramente o maior pecado da poesia oral: o de não obedecer às regras que estão
na base da poesia escrita, incorrendo, portanto, em faltas de lógica e de rima.
Poderia, claro, pensar-se que, mais uma vez, o Archivo Universal se limita a
exagerar, com o objectivo de, agora pela chalaça, vencer o seu contendor. E que finge
apenas não entender que a falta de sentido e de rima nos versos da quadra do “Cancioneiro
do Bairro Alto” é um duplo recurso estilístico, sabiamente destinado a provocar o riso, e não
um fruto involuntário da “parvoice” do povo, que, ao invés da gente instruída a que pertence
o jornalista do Archivo, não sabe pensar com lógica.
Podemos, repita-se, considerar que se trata de novo fingimento do jornalista. Mas a
verdade é que, se procurarmos um pouco na memória, nos aperceberemos de que já antes
nos apareceu uma quadra do tipo da que o Archivo citou, e apresentada, também essa, num
artigo de jornal, a propósito, exactamente, de faltas de lógica. De facto, quando esboçámos a
história do cancioneiro e dos outros géneros tradicionais não romancísticos, surgiu-nos, na
Revista Universal Lisbonense, no ano de 1842, uma notícia em que se criticava a má
qualidade do libreto duma ópera então recém-estreada.
1327
Ora, para mostrar a falta de
sentido e as rimas deficientes de tal libreto, surge, dir-se-ia que com toda a naturalidade
(como no artigo do Archivo), a comparação com a literatura popular, na sua modalidade de
quadras disparatadas, cuja propositada falta de lógica o jornalista da Revista Universal
Lisbonense parece (tal como o do Archivo) não entender. No caso de 1842, as quadras são
atribuídas à tradição beirã, que, desde Gil Vicente, era considerada o nec plus ultra da
rusticidade ingénua. Ei-las:
Semeei no meu quintal
Amorinhos de Izabel;
Nasceu-me um pé de um burro,
Com uma candêa na mão.
Ó almas do purgatorio,
Que estaes á borda do rio;
Virae-vos da outra banda,
Que vos dá o sol nas costas.
1327
1328
1328
Anónimo, artigo sem título, Revista Universal Lisbonense, II, nº 12 (8/12/1842), pp. 151-2.
Art. cit., p. 152.
Já são, como vemos, duas ocasiões em que pessoas instruídas citam este tipo de
quadras parecendo não entender a intencionalidade da sua falta de lógica e de rima, e
parecendo considerá-las simples fruto da falta de preparação escolar do povo rude. Ou seja,
para ser apenas produto de simulação, de alguém que finge não entender a lógica de tal falta
de lógica, já começam as ser demasiadas coincidências.
E um terceiro caso de reflexões duma pessoa instruída sobre esse tipo de poemas
parece vir mostrar que, de facto, a forma mentis de tais pessoas as tornava incapazes de
compreender este recurso. Dir-se-ia, pois, ser genuíno o choque que lhes causa quadras
assim, as quais, aliás, pareciam vir dar razão à ideia, bem enraizada no Romantismo, de que
o povo é ingénuo e simples, se deixa levar apenas pelo coração, é (como diz Veiga)
“essencialmente inclinado ao maravilhoso” — em resumo, não sabe pensar. De facto, num
interessante artigo de José Manuel Pedrosa dedicado a este tipo de textos (que existem
noutras tradições europeias, nomeadamente de Espanha),
1329
voltamos a dar com uma
declaração que está na mesmíssima linha da dos dois citados jornalistas portugueses. De
facto, um literato oitocentista espanhol escreveu sem pestanejar:
hoy mismo se oye al pueblo cantar coplas sin sentido y sin gramatica, lo cual
prueba que si son obras suyas, no tiene ni gramatica ni sentido, y si son obra
1330
de otro, al pasar por el pueblo han perdido el sentido y la gramatica.
A 18 de Julho, Estácio da Veiga surge com novo artigo, tentando rebater as
opiniões do confrade — mas vê-se que o ataque à sua falta de perícia editorial o atingiu bem
fundo. É que, ao publicar sem retoques (ao que nos parece) as referidas quadras, Veiga
deixara-se arrastar talvez pelas recordações mágicas daquela noite de S. João em Tavira, e,
de facto, não corrigira (ou não corrigira suficientemente) os textos recolhidos da boca do
povo! Ao contrário de Garrett, não soubera transformar esses textos em jóias dignas de
figurar num jornal lido por gente instruída! Deixara passar até (segundo o Archivo) faltas de
lógica, algo que, ainda por cima (como vimos na análise dos textos do Romanceiro do
Algarve), era uma das principais preocupações de Veiga ao “arranjar” os textos para
publicação!
1329
José Manuel Pedrosa, “Canciones disparatadas y rimas frustradas: notas sobre un recurso
poético del cancionero popular (siglos XVII al XX)”, Boletín de la Biblioteca de Menéndez Pelayo, 72 (1996),
pp. 39-67.
1330
Frase de José Selgas, no epílogo a Melchor de Palau, Poesías y cantares, Barcelona, Biblioteca
del siglo XIX, s/d., p. 174 (apud Pedrosa, art. cit., p. 50).
441
Era, de facto, algo demasiado embaraçoso para um autor que dir-se-ia aspirar a ser
o novo Garrett, pelo menos o Garrett do Algarve. Estácio da Veiga escolhe, então, fugir à
crítica do Archivo, atribuindo a falta de qualidade dos textos à diferença de origem que
existiria entre as suas quadras e os romances de Garrett: estes últimos viriam de fontes
escritas (afirmação que, como se sabe, não corresponde à realidade), enquanto as quadras de
Tavira, além de orais, seriam improvisadas (o que também não é certo).
1331
O modo como,
no artigo, por mais duma vez, Veiga se refere à poesia tradicional, o seu tom de quem quase
pede desculpa pelas deficiências dos textos publicados, exprime provavelmente a sua mais
profunda opinião sobre aquela poesia e acaba, afinal, por dar razão, pelo menos em parte, às
críticas desdenhosas do Archivo Universal. Vejamos um excerto do artigo, em que se mostra
tudo aquilo que acabamos de dizer:
1332
a respeito da religião poetica do povo [...] dir-lhe-emos
que o achamos
leigo [...] e com tacto muito mais grosseiro, do que o mais grosseiro
improvisador de aldêa; pois que começa por querer comparar uma cantiga
improvisada com toda a natural liberdade do folguedo popular, com os
romances tradicionaes e escriptos, que João Baptista de Almeida Garrett
coordenou para o seu magnifico romanceiro.
¿Quereria talvez encontrar o oiro de lei, de que nos falla, n’ umas pobres
quadras compostas por gente camponeza, que as improvisa, porque sente,
mas que não as corrige porque ignora a arte poetica por que estudou o
noticiarista aggressor dos seus innocentes brinquedos?
Se nos seios do povo teve o sr. noticiarista occasião de saber que ha bom oiro
de lei, tambem deve saber que não é elle frequente nestes cantares, e que nem
1333
por isso se tornam indignos de publicação.
A polémica ainda se arrasta por mais quatro artigos, em que penosamente vai
esmorecendo.
1331
1334
Mas o fundamental já estava dito: a poesia tradicional tem algum interesse,
Na verdade, as ditas quadras estão bem longe de ser improvisadas, uma vez que paralelos seus
quase perfeitos se encontram em várias colecções (por exemplo, a de C. Pedroso e a de L. de Vasconcelos,
como dissemos).
1332
1333
Nesta parte do artigo, Estácio da Veiga apostrofa directamente o jornalista adversário.
“Últimas Palavras ao Archivo Universal”, A Nação, 18/7/1859, p. 3. O artigo não está assinado,
mas a expressão “as rapsodias, que colligimos no Algarve” revela ser da autoria de Veiga.
1334
Anónimo, “Parallelo entre Duas Summidades Litterarias”, Archivo Universal, 2ª série, nº 4
(25/7/1859), p. 63; [Estácio da Veiga], “Ainda Algumas Palavras ao Archivo Universal”, A Nação, 2/8/1859, p.
3 (embora não assinado, este texto é, sem dúvida, de Veiga, pois alude ao que escreveu no artigo anterior);
se o seu colector, no momento de a publicar, fizer uso dum método editorial fortemente
interventivo, para corrigir aquilo que nela existe de contrário à poesia romântica escrita.
Um Romanceiro ou um Livro de Baladas Românticas?
Extremamente significativo da opinião do articulista do Archivo e, provavelmente,
do geral das pessoas do seu meio sociocultural (ou seja, a pequena e média burguesia
lisboeta), é o facto de, como se viu, nunca ao longo da série de artigos da polémica ele ter
atacado a qualidade d’ A Moura Encantada de Tavira, embora este poema, publicado —não
o esqueçamos— no mesmo artigo das quadras, ser apresentado por Veiga como provindo, tal
como elas, da boca do povo. A verdade é que, possuindo um estilo bem longe do tradicional,
A Moura Encantada está ao nível da balada romântica tipo e, por esse facto, não deve ter
sido achada passível de crítica pelo jornalista do Archivo, o qual, pelo contrário, vê má
qualidade nas quadras de S. João, e por isso finge suspeitar que, elas sim, são de Veiga.
Não era, portanto, preciso mais para que o futuro organizador do Romanceiro do
Algarve visse robustecida a opinião (que já tinha, como se vê pelo estilo d’ A Moura
Encantada e também de A Serrana Fiel, publicada um ano antes) de que, para agradar ao
público lisboeta, o melhor eram as baladas inventadas, similares às do tipo romântico. A
defesa que o articulista do Archivo faz do Romanceiro de Garrett (e, quem sabe?, talvez
estivesse até a pensar mais no I vol. do que nos restantes) mostra bem que aprova o método
editorial criativo e que, na sua opinião, só assim se admite a publicação de poesias
tradicionais: reelaboradas por grandes poetas. Poesia popular não transformada (ou pouco
transformada), como as quadras de Tavira, era algo impossível de agradar àquele tipo de
público — que constituía, claro, o público que Estácio da Veiga queria atingir com os seus
artigos e o seu projectado romanceiro.
Por mais que Veiga tenha achado que o Archivo exagerava as suas críticas às
quadras populares apenas com o fim último de atacar A Nação e o miguelismo, a verdade é
que —convencido da razão do jornalista adversário ou receoso de mais críticas
escandalizadas—se não atreveu a incluir as ditas quadras nas duas republicações que fez do
Anónimo, “Ponto Final”, Archivo Universal, 2ª série, nº 6 (8/8/1859), p. 95; e Anónimo, “Parece-nos que se
Acaba desta Vez”, A Nação, 11/8/1959, p. 3.
443
artigo.
1335
Com efeito, nessas republicações só saíram a balada A Moura Encantada de
Tavira e a introdução em prosa, pensada para agradar ao público romântico, em que, de
envolta com referências às saudades da terra natal e protestos de admiração pelo espírito
alegre do bom povo de Tavira, se afirma o carácter tradicional da dita balada e a sua pretensa
recolha da oralidade.
E quando Veiga voltou a publicar, na imprensa, outro texto de lírica tradicional, em
vez de quadras soltas, escolheu algo que lhe parecia mais adequado ao gosto do público: a
1336
cantiga A Engeitada,
de linguagem semiculta (ainda mais acentuada nesta versão, sem
dúvida devido aos retoques de Veiga) e tema sentimental, próprio para comover: o sujeito da
enunciação é uma enjeitada, a quem “os [s]eus paes [...] abandonaram”, e que vive da
caridade pública, à qual se dirige, agradecida: “Para pagar teus affectos / Só tenho prantos de
amor”. Além disso, exprime-se com voos líricos semelhantes aos de qualquer poeta ultraromântico: “Sou filha das pobres hervas, / Neta das aguas correntes”. Se literatos e semiliteratos lisboetas, a fazer fé no articulista do Archivo Universal, queriam uma poesia oral
bonitinha, moralmente perfeita, cheia de bom-senso e com todas as característica da poesia
escrita da época, então, com A Engeitada, ficaram bem servidos.
1337
Claro que Veiga já conhecia estes gostos (que, como mostra desde o início o seu
método editorial, ele próprio partilhava), e, exceptuando o deslize das quadras de S. João, os
textos que publicou na imprensa como fruto da sua colheita eram coisas que, pela sua
linguagem e tema, se mostravam capazes de agradar aos leitores lisboetas e dar-lhes, ao
mesmo tempo, uma boa imagem, muito típica, idílica e amaneirada, do Algarve, a província
perdida no extremo continental do país, tão pouco conhecida e tão mal considerada.
Vejamos quais foram, de facto, os textos escolhidos por Veiga para começar a
divulgar, na imprensa, a sua recolha. O primeiro romance publicado foi A Serrana Fiel,
1338
de linguagem semelhante à das baladas românticas, texto de que não havia o perigo de haver
versões publicadas — porque, como se sabe, foi inventado por Estácio da Veiga. Nele temos
1335
Com o título mudado para “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, o artigo de A Nação
foi republicado na Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92, e n’ A Epoca, 23/6/1861, pp. 1-2.
1336
“Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp.
9-10.
1337
A Engeitada, ao contrário das quadras, teve boa recepção, e até foi republicada por Braga (ver
Cancioneiro Popular colligido da tradição, cit., pp. 147-8) e por Antero (Thesouro Poetico da Infancia, cit., pp.
22-3).
1338
“Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2.
uma camponesa algarvia, alegre, cantadeira e tocadora de guitarra, que, calçada ao gosto
medieval (“com seu borzeguim de seda”) e coroada de flores, vai, pelos campos, até ao baile
de S. João. Aí, embora requestada pelos mancebos, mostra-se inabalavelmente fiel ao seu
amado (um Dom Beltrão, de garrettiano sabor), que, no fim, para alegria de todos, volta “de
matar moiros / Dos campos de Marzagão”.
1339
Com a Moura Encantada de Tavira,
1340
o segundo dos romances publicados por
Veiga (também ele sem possibilidades de aparecer “repetido” na colectânea de outro autor,
por razões óbvias) temos novamente os festejos de S. João, desta vez os da noite, situados
também numa época antiga (com cavaleiros —neste caso um não menos garrettiano D.
Ramiro— que vão combater com os Mouros), misturados com uma lenda de mouras
encantadas, muito típica do Algarve, passando-se, neste caso, a acção na própria cidade natal
de Estácio da Veiga.
No terceiro texto publicado (A Senhora dos Mártires Salva um Cativo),
1341
mais
uma vez completamente original e de linguagem culta, volta o cenário algarvio, também
aqui antigo, com um milagre ingénuo, próprio para enternecer os leitores citadinos,
sobretudo os bons católicos d’ A Nação (onde o artigo saiu), que sem dúvida apreciaram a fé
sem complicações que o bom povo rural —ao transmitir tal romance— mostrava manter,
naquela conturbada época de ateísmo galopante e ataques à Igreja Católica.
1342
O quarto texto a ser publicado por Veiga foi o texto lírico A Enjeitada,
cujas
características já referimos.
No quinto e último artigo, Santo António e a Princesa
recolhido da tradição,
1339
1344
1343
(texto verdadeiramente
mas de origem culta, de estilo muito pouco tradicionalizado, e, para
A escolha desta cidade para a incluir no poema deve-se, provavelmente, ao facto de a ela
andarem ligados os próprios antepassados de Veiga, tendo-se um deles, inclusive, distinguido na sua defesa
contra os Mouros, como o editor não deixa de informar (ver Romanceiro do Algarve, p. 120; as mesmas
informações são repetidas no artigo “Apontamentos”, Gazeta do Algarve, 27/10/1874, p. 3 — ver, no Apêndice
nº 1, a respectiva nota de rodapé).
1340
1341
“Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2.
A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim, A Nação, 18/8/1860, pp. 1-2.
1342
“Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), pp.
1343
“Poesia Popular do Algarve”, Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), pp. 83-84.
9-10.
1344
Como prova o facto de o manuscrito dele existente no espólio (escrito por uma mão diferente da
de Veiga) ter uma ortografia muito deficiente, impossível de ser copiada dum impresso.
445
mais, adicionalmente retocado por Veiga), volta a aparecer um milagre, desta vez ligado a
um santo português, um dos mais amados do povo, duplo facto que muito adequado o torna
à publicação numa revista literária.
Do panorama de artigos que acabamos de observar, pareceria concluir-se que o
projecto de Estácio da Veiga (e, portanto, consequentemente, a sua materialização última: o
Romanceiro do Algarve) tem, desde o início, duas vertentes: por um lado, as baladas escritas
por ele, mais ou menos inspiradas em temas tradicionais; por outro, os romances recolhidos
da oralidade e pesadamente retocados.
Quanto aos retoques dos romances tradicionais, Veiga segue, sem dúvida, e com
toda a boa-fé, o espírito da sua época, embora preocupações de ordem regionalista e uma
concepção demasiado “escrita” do que devem ser as regras da poesia oral o tenham feito ir
mais longe nas suas transformações do que, por exemplo, Garrett.
Quanto à junção de dois tipos de textos patente no Romanceiro do Algarve, ela
deve-se talvez à forma mentis de Veiga, ao facto de, tal como a generalidade dos autores do
seu tempo (embora não como o Garrett post 1843), ele ter uma concepção apenas estética,
literária, do romanceiro — e, portanto, necessariamente ligada à criação. Daí, talvez, o facto
de ele parecer não conseguir (ou não querer?) diferenciar entre textos recolhidos da tradição
e textos da sua autoria, quando estes últimos são versificações de textos tradicionais ou
quando são textos completamente originais mas sobre temas “populares” (como A Serrana
Fiel).
É possível que tenha sido, pois, com (certa) boa-fé que Veiga formou uma colecção
onde juntou coisas (aos nossos olhos) bem diferentes e a publicou sob um título (para nós)
enganador. Ora, para poder publicar um romanceiro do Algarve, era necessário, obviamente,
afirmar que todos os textos vinham da tradição, tanto os que aí, na verdade, tinham sido
recolhidos, como os inventados. Haverá algum remorso no modo como Veiga faz essas
afirmações? Poderemos sempre pensar que, se, para ele, o romanceiro era, apenas literatura,
o fingimento não podia deixar de lhe estar inerente — como a toda a literatura.
Mas não será que Estácio da Veiga chegou demasiado tarde para poder proceder a
todas estas operações com total ingenuidade e, portanto, total boa-fé? O modo como ele
actuou nos prólogos do D. Julião ou de Os Calvos parece, de facto, mostrar, no mínimo,
certa dose de má-fé. Com efeito, quando ele alude à fonte de onde, sub-repticiamente,
traduziu os referidos textos, para (como tudo leva a concluir) se proteger, caso o seu plágio
venha a ser descoberto pelo leitor, parece mostrar que, pelo menos em parte, sabia estar a
fazer algo incorrecto, mesmo segundo a sua visão do problema.
Portanto, que parte de boa-fé, que parte de má-fé haverá no Romanceiro do
Algarve? Confessamos que isso é algo que, mesmo depois de 8 anos de lidar com o
Romanceiro do Algarve, Veiga e os autores do seu contexto cultural, e de virar e revirar a
questão, nos custa a decidir.
A verdade —escreveu Oscar Wild — nunca é pura e raramente é simples. E muito
poucas vezes esta famosa frase, ao vir-nos à memória, nos pareceu chegar tão a propósito
como no caso do Romanceiro do Algarve.
A Colecção Manuscrita de Estácio da Veiga e o Futuro
Seja como for, a verdade é que, ao sair (por motivos alheios à vontade do autor)
apenas em 1870, o Romanceiro do Algarve não correspondeu aos desejos dos seus dois
possíveis públicos: os leitores comuns, apreciadores de poesia escrita (para quem a obra foi
pensada),
1345
e o grupo, então nascente, de estudiosos ou simples amadores da literatura oral
vista dum ponto de vista não exclusivamente estético.
Na verdade, no espaço de 15 anos (os que medeiam entre as primeiras ideias da
recolha de Veiga e 1870) o gosto literário mudara radicalmente. A balada romântica tinha
passado de moda, e, embora, como vimos, continuasse a publicar-se, estava já no seu ocaso,
pelo que uma obra inteiramente dedicada a tal subgénero não poderia ter sucesso. Assim se
explicará, provavelmente, a indiferença com que o Romanceiro do Algarve foi recebido
pelos meios literários.
1345
Além do facto de o método adoptado por Veiga no retoque (e na escrita) dos seus romances
deixar adivinhar que é este o público que ele tinha em mente, há, no espólio, um apontamento manuscrito (5 D
/ 36v) que parece indicá-lo expressamente. Trata-se do rascunho do que esteve para ser a primeira página do
Romanceiro do Algarve, e que diz assim:
Dedicatoria
É ás illustres damas algarvias, que tomo a espontanea liberdade de dedicar esta obra, sob o
titulo de Romanceiro do Algarve. Ninguem [sic] eu poderia porventura offerecel-a com
melhor presumpção de bom acolhimento e estima, por que, nascido na mesma terra,
comprazo-me sobremaneira de conhecer até que ponto são elevados o seu natural espirito,
intelligencia, e delicado gosto, os quaes as constituem credoras de outras ainda mais
grandiosas offertas.
447
E as coisas não lhe correriam melhor da parte dos estudiosos de literatura oral. Os
requisitos pedidos a uma colecção de textos recolhidos da tradição tinham mudado muito,
mesmo em Portugal. Aqui, desde 1864-65, com os artigos de Teófilo Braga, e, sobretudo,
com a publicação das suas primeiras colecções (1867 e 1869), tinham passado a ser de rigor,
por um lado, a fidelidade (ainda que aproximativa) à letra da tradição e, por outro lado, uma
decidida visão comparativista com outras colecções, nomeadamente de outros países.
O mundo era já outro, e assim se compreende a surpresa escandalizada que o
Romanceiro do Algarve provocou em Teófilo Braga, que, em 1871, mostra já não entender
(e não é uma figura de retórica) que se publique uma obra destas, feita de versões
assumidamente factícias e comentada de modo tão impressionista.
Desde a nascença, portanto, o Romanceiro do Algarve foi empurrado para o canto
das obras imprestáveis. Braga, logo nesse ano de 1871, escreve: “Foi uma infelicidade para
esta provincia [o Algarve] o ser explorada pelo snr. Stacio[sic] da Veiga”.
1346
E Leite de
Vasconcelos, em 1882, não é menos duro: “O Romanceiro do Algarve serve apenas de
indicação para um futuro investigador fazer uma collecção séria e exacta”.
1347
Tal má opinião não fez mais que consolidar-se com a passagem do tempo e o
consequente aumento das condições consideradas indispensáveis para que uma colecção de
literatura oral possa ser considerada um válido corpus de estudo. Em 1982, numa
panorâmica do romanceiro em Portugal, Pere Ferré escreveu: “Estácio da Veiga, com
desastrados e abusivos retoques, elabor[ou] um dos mais polémicos romanceiros
portugueses”.
1348
E Costa Fontes exemplifica bem a posição dos investigadores actuais, que
afastam do seu corpus as versões publicadas por Veiga. Assim, num artigo de 1996 dedicado
ao Testamento de Fernando I na tradição portuguesa, afirma explicitamente: “Since Estácio
da Veiga tampered considerably with his version, I have omitted it from this study.”
1349
Enquanto obra literária e enquanto obra de etnoliteratura, o Romanceiro do Algarve
está, portanto, desde a sua publicação, duplamente ultrapassado — é esse o seu drama.
1346
1347
Theophilo Braga, Epopêas da Raça Mosárabe, cit., p. 204, nota 1.
J. Leite de Vasconcellos, “Romanceiro, choix de vieux chants portugais, traduits et annotés par
le Comte de Puymaigre”, cit., p. 72.
1348
Pere Ferré, “Romanceiro”, Quaderni Portoghesi, 11/12 (Primavera/Autunno 1982), p. 17.
1349
Manuel da Costa Fontes, “The Ballad A Morte do Rei D. Fernando and the Cantar de la muerte
del rey don Fernando y cerco de Zamora”, Anuario medieval, 8 (1996), p. 113, n. 17.
Mas há motivos, parece-nos, para Estácio da Veiga olhar com esperança o futuro.
Por um lado, a sua rica colecção de textos (romances, e também, como vimos, lírica
tradicional), formada, em grande parte, pelos manuscritos originais da recolha (incluindo
muitos romances inéditos) ou, pelo menos, por cópias pouco retocadas, apresenta-se hoje aos
nossos olhos como uma importante fonte para o conhecimento da poesia oral portuguesa em
meados do séc. XIX.
Por outro lado, ao ter conservado os manuscritos de campo e, também, cópias
sucessivamente retocadas de muitos deles,
1350
Estácio da Veiga permite uma análise
aprofundada do seu método editorial. Nalguns romances, tal análise poderá fazer-se até em
condições absolutamente perfeitas, uma vez que a totalidade dos testemunhos chegou até
nós, desde o original de recolha até ao texto de 1870, passando por todos os rascunhos e pelo
manuscrito enviado à tipografia.
Ora uma das maiores surpresas que tivemos como fruto das investigações no âmbito
desta tese foi a de encontrarmos em variados editores de poesia narrativa oral, de variados
países e, mesmo, épocas, um método de estabelecimento de texto bastante similar ao de
Estácio da Veiga, com características que, muitas vezes, se repetem exactamente de autor
para autor. Repare-se que foi só depois de termos feito a nossa primeira análise do método
editorial de Veiga
1351
que tomámos contacto com os estudos existentes sobre os métodos de
Percy ou Scott, pelo que não se pode dever a influência que da leitura de tais estudos
tivéssemos recebido o facto de, na nossa análise, termos chegado a conclusões muito
parecidas. Há, de facto, e independentemente de quem as examine, assinaláveis semelhanças
entre esses métodos.
Como vimos, o método editorial de alguns autores foi já estudado, e até (pelo
menos nos casos de Percy e Scott) com certa profundidade, mas, tanto quanto julgamos
saber, numa perspectiva sobretudo (para não dizer sempre) individual e não inter-autoral. Tal
1350
Um dos aspectos mais surpreendentes do espólio de Estácio da Veiga é o próprio facto de ele ter
chegado até nós, de Veiga não o ter deitado fora, depois de publicar o Romanceiro do Algarve. É possível que o
projecto (que menciona no fim da introdução, p. xxxviii) de publicar uma nova edição, “ampliada”, da obra
explique que tenha conservado os manuscritos originais dos romances que, em 1870, não publicara; mas a
conservação dos originais dos romances que na sua obra já tinham saído impressos, e, mais ainda, a
conservação das sucessivas cópias desses originais parece algo só explicável por uma espécie de preocupação
de antiquário em conservar tudo o que diga respeito ao passado, sem dúvida relacionável com a faceta de
arqueólogo de Estácio da Veiga.
1351
Algarve..., cit.
A que forma a parte fundamental da nossa Contribuição para o Estudo do Romanceiro do
449
facto levou a que, salvo erro, nenhum dos anteriores estudiosos da matéria pareça ter-se
apercebido de algo que pode constituir um ovo de Colombo, mas não deixa de ser inegável:
as grandes semelhanças que, quanto ao estabelecimento do texto, existem entre as colecções
de Percy, Walter Scott, Garrett e Estácio da Veiga, casos sobre que mais de perto nos
debruçámos, e também entre essas obras e as do bretão La Villemarqué,
Lönnrot,
1353
1354
do espanhol Amador de los Ríos,
Rodrigues de Azevedo,
1352
1356
ou do norueguês Moe.
1352
do finlandês
dos portugueses Teófilo Braga
1355
e
1357
Barzaz-Breiz, 1839. O método editorial deste autor não teve ainda, ao que julgamos saber, o
estudo que merece, e que, aliás, é perfeitamente possível, pelo facto de se terem conservado os manuscritos
originais de grande parte das baladas que publicou. Acontece que La Villemarqué foi durante muito tempo
acusado de falsário, de ter pura e simplesmente inventado a maioria dos textos da sua colecção [ver Francis
Gouvril, Théodore-Claude-Henri Hersant de La Villemarqué (1815-1895) et le “Barzaz-Breiz” (1839-18451867). Origines [-] Éditions - Sources - Critique [-] Influences, thèse pour le Doctorat d’ Université (Faculté
des Lettres de Rennes), Rennes, Imprimeries Oberthur, 1960]. Por tal motivo, Donatien Laurent, feliz
descobridor dos manuscritos de La Villemarqué (há mais dum século procurados e cuja existência chegou a ser
completamente posta em causa), optou por estudar esses textos não como um modo de conhecer o método
editorial criativo do editor bretão, as enormes transformações que, ao serem publicados, os textos recolhidos
sofreram (facto que os manuscritos amplamente documentam), mas como um modo de provar que o BarzazBreiz assenta sobre versões recolhidas da tradição. Esta última realidade, embora seja, com efeito, inegável,
parece-nos demasiado sublinhada por Laurent (Aux sources du Barzaz-Breiz. La mémoire d’ un peuple,
Douarnenez, ArMen, 1989), que, na nossa opinião, não explorou suficientemente o aspecto mais interessante e
novo que os manuscritos de La Villemarqué permitiam estudar (o seu método editorial criativo), e a que se
poderia ter dedicado sem remorsos, uma vez que a tradição oitocentista bretã já era suficientemente conhecida
pelas obras de Luzel, organizadas sobre bases fiáveis, e não muito posteriores ao Barzaz-Breiz.
Diga-se ainda que o contexto da recolha de La Villemarqué apresenta muitos pontos de contacto
com o contexto da recolha de Estácio da Veiga, pelo que o estudo interrelacionado de ambas promete ser
extremamente iluminador.
1353
Kalevala, 1849. Publicado numa língua que não o finlandês apenas existe, ao que sabemos, o
interessantíssimo estudo de Thomas A. DuBois sobre o modo como Lönnrot transformou radicalmente uma
balada tradicional para a incluir na Kalevala. Publicado primeiro sob a forma dum artigo [“From Maria to
Marjatta: The Transformation of an Oral Poem in Elias Lönnrot’s Kalevala”, Oral Tradition, 8, 2 (1993), pp.
247-288], este estudo foi expandido em dois capítulos na obra do autor Finish Folk Poetry and the Kalevala,
New York and London, Garland Publishing, Inc., 1995 (pp. 39-91 e, sobretudo, pp. 93-125).
1354
“Romances tradicionales de Asturias”, 1861. Ao método editorial deste autor dedicou algumas
palavras Jesus Antonio Cid (Silva asturiana, I: Primeras noticias y colecciones de romances en el s. XIX,
estudio y edición de..., Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal, etc., 1999, pp. 75-6). Tanto quanto
sabemos, nada mais existe publicado quanto ao método editorial dum autor do romanceiro espanhol.
Tais coincidências poderão, de certo modo, explicar-se como imitação da parte dos
princípios de Percy que este expressamente enuncia, imitação que poderá ter sido directa
(nos casos de Scott e Garrett, por exemplo) ou indirecta (por exemplo, Veiga, que segue
Garrett, que teria seguido Percy). Mas, como vimos, Percy não admitiu ter feito certas
transformações que realmente fez, sobretudo o aspecto mais radical delas, e, no entanto,
também esse tipo de transformações se vai repetir nos autores seguintes. As semelhanças
metodológicas entre os vários editores explicar-se-ão, assim, por uma espécie de poligénese:
independentemente de conhecerem as obras e os métodos uns dos outros (facto que, de
qualquer modo, terá sido importante, nomeadamente na decisão de formarem versões
factícias), os editores, pelo facto de terem em comum certas características (semelhanças a
nível de classe social, educação, características pessoais, objectivos com que levaram a cabo
as suas recolhas...), acabaram por desenvolver um tipo de método editorial que apresenta
bastantes (por vezes muitas) semelhanças.
Ora, partilhando o Romanceiro do Algarve, como vimos, numerosos aspectos do
seu método editorial com o de várias colecções de poesia oral de diferentes países e épocas,
para cujo estudo e entendimento bastantes vezes se não dispõe da quantidade de documentos
que possuímos no caso de Veiga, arriscamo-nos a dizer que a importância desta obra a nível
europeu não é de modo algum menosprezável.
É no duplo aspecto indicado (aproveitamento dos manuscritos originais e estudo do
método editorial do autor) que, pensamos, faz sentido encarar, hoje, o labor de Estácio da
Veiga. É nessa direcção que gostaríamos de contribuir, preparando, num futuro que
esperamos não muito distante, quer a publicação dos manuscritos originais da colecção
formada por Estácio da Veiga de romances e também de canções, quer o estudo, numa
1355
Ver as pioneiras e interessantes observações que Cristina Carinhas dedicou a aspectos do
método editorial de Braga nos Cantos Populares do Archipelago Açoriano, 1869, Cantos Populares do Brazil,
1883, e Romanceiro Geral Portuguez, 1906-1909 [Ana Cristina Porfírio Carinhas, Romanceiro das Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira (1825-1960). Edição crítica, Tese de Mestrado, Lisboa, F. C. S. H.,
Universidade Nova de Lisboa, I, 1994, pp. 90-97].
1356
Sobre o método editorial de Rodrigues de Azevedo (Romanceiro do Archipelago da Madeira,
1880), ver Ana Cristina Carinhas, op. cit., I, pp. 23-25 e 84-87.
1357
Norske Folkeviser, 1912. Escrito numa língua que nos seja acessível, sobre o método editorial de
Moe apenas conhecemos o interessante artigo de Velle Espeland “Oral Ballads as National Literature: The
reconstruction of two Norwegian Ballads”, que, a nosso pedido, o autor aceitou publicar nos Estudos de
Literatura Oral, 6 (2000), pp. 19-31.
451
perspectiva comparada a nível europeu, do método que ele adoptou na edição dos seus
romances.
Pensamos que os resultados de ambas as tarefas podem ser muito positivos para o
conhecimento da literatura oral, e a elas esperamos dedicar-nos, agora que terminámos a
presente tese. Mas isso, obviamente, já é outro romance.
APÊNDICE Nº 1:
BIBLIOGRAFIA DE ESTÁCIO DA VEIGA
1358
Inéditos Localizados
1359
Recolha de Poesia Tradicional
Manuscritos que parecem estar relacionados com a formação do Cancioneiro do
Algarve, obra de que, em 1870, Veiga dizia estar “já concluida ha quasi dez annos”.
1360
Hoje
na posse da bisneta do autor, Doutora Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira (Lisboa),
estes manuscritos (que parecem os originais da recolha e/ou cópias suas) constam de um
caderno e de numerosos papéis avulsos, com perto de 600 quadras soltas e 6 canções.
Poesia Original
Em casa da bisneta do autor, existem os seguintes manuscritos inéditos, que,
embora contendo vários poemas saídos em periódicos, constam sobretudo de composições
não publicadas:
1358
A partir de dado momento, Veiga passou a assinar sempre as suas obras com “S. P. M. Estacio
da Veiga”. Por tal motivo, nas espécies bibliográficas adiante citadas, indicaremos o nome do autor apenas
quando o texto estiver assinado de modo diferente (ou quando não estiver assinado).
1359
Não fazemos referência aos manuscritos do romanceiro, do cancioneiro narrativo e das canções
líricas extensas, cujo inventário foi fornecido no cap. V.
1360
Ver Romanceiro do Algarve, p. xxxviii. Leite de Vasconcelos parece ter chegado a ver a obra, na
forma acabada (Ensaios Ethnographicos cit., I, p. 272), que, entretanto, se deve ter perdido.
454
a) Sebastião Philippes Estacio Martins e Veiga, Tentativas Poeticas (datado de
1849). Manuscrito encadernado, de 131 + i-iv [índice] pp. Contém 64 poesias, nenhuma
delas com data própria.
b) Sebastião Philippes Estacio Martins e Veiga, Tentativas Poeticas (datado de
1850-1851). Manuscrito encadernado, de 190 pp. Inicia-se com uma “Advertencia”, em
prosa (pp. 5-12). Contém 51 poesias, datadas de entre 1849 e 1852, ambos inclusive.
c) Manuscrito sem título, não assinado, não datado. Composto por 42 cadernos,
soltos, numerados de 1 a 43 (faltam os cadernos nºs 7 e 11; por lapso, há dois cadernos com
o nº 17), com um total de 164 pp., não numeradas. Os cadernos têm 4 pp. cada, com
excepção dos nºs 8 e 12, que apenas têm 2 pp. O presente manuscrito contém 56 poesias,
datadas de entre 1844 e 1872 (a maioria pertence aos anos 50).
d) Manuscrito sem título, não assinado, não datado. Fragmento dum caderno. Tem 6
pp. Contém 6 poesias, que constituem novas versões de outras tantas que se encontram nas
Tentativas Poeticas de 1850-51.
e) A Flor de Montelavar [.] Lenda popular. Manuscrito não assinado, não datado.
Composto por 2 folhas soltas, cada uma com 4 pp. É apenas um fragmento, uma vez que o
texto pára no fim da última página.
f) A Rosa do Mosteiro. Poemetto lyrico em quatro cantos. Datado de 1855.
Manuscrito encadernado. Começa por um prefácio, não paginado, de 9 pp. O poema em si
está paginado de 1 a 70. No fim, há 6 páginas, não paginadas, de notas.
No Museu Nacional de Arqueologia, existe o seguinte manuscrito:
Arbustos sem Flor. Versos.
sem dúvida muito maior.
1361
1362
1361
Manuscrito datado de 1853. É um fragmento de algo
No estado actual, é composto por 9 fólios e contém uma única
Espólio de Estácio da Veiga, caixa nº 6, doc. 1.
455
1363
poesia, Tavira,
seguida por uma série de notas sobre o texto, que ficam incompletas,
terminando a meio duma palavra.
Teatro
No espólio pertencente à família de Estácio da Veiga, há algumas páginas soltas,
com fragmentos do texto duma peça, datada de 1860, que parece intitular-se Um Caballero
Particular. A sua acção decorre, aparentemente, em Leganés (localidade que de facto existe,
nos arredores de Madrid). Ao princípio, parecia-nos que se tratava duma obra original de
Veiga, mas investigações posteriores levam-nos a inclinar-nos a que se trate apenas de
tradução duma zarzuela do espanhol Carlos Frontaura (que foi musicada pelo famoso
Barbieri).
1364
Na posse da família está também um manuscrito, cremos que encadernado,
contendo Os Esposos Roubados, comédia em prosa, em um acto, datada de 1851, que não
pudemos ver.
1365
História
1362
Leite de Vasconcelos (op. cit., p. 265) refere ter visto, em casa da família de Veiga, já depois da
morte do autor, um manuscrito com o mesmo título que este, contendo poemas datados “de 1850 e anos
seguintes”.
1363
Este poema (datado de 1849) encontra-se também nas segundas Tentativas Poéticas (de 1850-
51) antes referidas, e foi publicado em A Illustração. Periodico universal, em 1852, como à frente se verá.
1364
Carlos Frontaura, Un caballero particular, juguete cómico-lírico en un acto, representado por
primera vez en Madrid, en el teatro de la Zarzuela en junio de 1858, original de D. ..., música de D. Francisco
Asenjo Barbieri, s/l., s/ n., 1858. Infelizmente, não pudemos consultar esta obra (cuja referência retirámos do
catálogo em linha da Biblioteca Nacional de Madrid), pelo que não estamos seguros de o texto de Veiga se
tratar duma sua tradução.
1365
Nos dois momentos em que examinámos o espólio de Veiga em posse de sua família, este
manuscrito não se encontrava aí, tendo sido emprestado pela Doutora Maria Luísa E. V. Silva Pereira à Câmara
Municipal de Tavira, que planeia publicar a obra.
456
Campanha Peninsular 1808-1809-1811 e 1812. Memoria dos serviços que fez
Sebastião Martins Mestre, restaurador do Algarve, e documentos que o comprovam, assim
como varios apontamentos posteriormente colligidos para poder ser ampliada a dita
memoria, escripta por seu neto. Manuscrito não datado.
Arqueologia
1368
Varias Antiguidades do Algarve.
1366
1367
Manuscrito não datado. É a primeira versão
daquilo que veio a ser as Antiguidades Monumentaes do Algarve (ver à frente, impressos).
Inéditos cujo Paradeiro se Desconhece
Leite de Vasconcelos informa ter visto em casa da família de Estácio da Veiga, já
depois da morte deste, dois manuscritos, que, porém, hoje ali se não encontram:
a) Versos (poemas “desde 1849 até 1863”),
1369
e
b) Arbustos sem Flor (poemas “de 1850 e anos seguintes”).
1366
1370
M. N. A., espólio de Estácio da Veiga, caixa nº 2, doc. 6 A / 1 – 36. É possível que seja o mesmo
que a “Memoria historica —ou relação documentada dos relevantes serviços patrioticos de Sebastião Martins
Mestre desde a restauração do Algarve em 1808, até ao fim da gloriosa campanha peninsular”, que Estácio da
Veiga refere na contracapa do Romanceiro do Algarve como estando “preparada para a impressão”.
1367
Por não serem, estritamente falando, obras a ter em conta numa bibliografia de Veiga, não
referimos os numerosos apontamentos avulsos que sobre Arqueologia existem no espólio, nem os cadernos
contendo as relações de objectos por ele obtidos nas suas escavações (como, por exemplo, um caderno de 98
fólios existente na caixa nº 4, doc. 2).
1368
M. N. A., espólio de Estácio da Veiga, caixa nº 1, doc. 1.
1369
Ver J. Leite de Vasconcellos, Ensaios Ethnographicos, cit., I, p. 266.
1370
J. Leite de Vasconcellos, op. cit., p. 265. Conforme atrás dissemos, com o título de Arbustos sem
Flor, encontra-se, no espólio de Estácio da Veiga guardado no Museu Nacional de Arqueologia, um manuscrito
muito fragmentário, datado de 1853.
457
Na contracapa do Romanceiro do Algarve, há uma lista de “Obras do autor [...]
Preparadas para a impressão”, onde, além de algumas atrás mencionadas, encontramos:
a) “Monchique — Memoria economica-descriptiva da serra, thermas, e villa deste
nome”,
1371
b) “Narrativas historicas do Algarve”,
c) “Flores sem Fruto — Composições poeticas”,
d) “A Captiva de Santa Cruz — Drama historico em cinco actos”.
Também na contracapa do Romanceiro do Algarve, há uma lista com as “Obras que
se preparam para a impressão”, onde constam:
a) “Assumptos litterarios—Publicados em diversos periodicos de Portugal e
Hispanha” e
b) “Catálogo das plantas de Mafra e Ericeira”.
1371
1372
Esta obra aparece também referida com o título de Memoria Descriptiva das Belezas da Serra
Incluindo a Villa e as suas tão Nomeadas Thermas (ver Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos,
“Estácio da Veiga, a Carta Arqueológica e o Museu do Algarve”, in AA. VV., Noventa Séculos entre a Serra e
o Mar, Lisboa, IPPAR, Ministério da Cultura, 1997, p. 26; a autora desconhece, também ela, o paradeiro de tal
manuscrito de Estácio da Veiga).
1372
Nas Antiguidades de Mafra (Lisboa, Typographia da Academia, 1879, p. 4), Estácio da Veiga
informa que, enquanto viveu naquela vila, se empenhou-se na “exploração da flora local, cujo catalogo já
conclui[u]”.
458
Impressos
1373
Textos de Poesia Tradicional
Recolhidos e Comentados por Estácio da Veiga
“Poesia Popular do Algarve”,
1375
1374
O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2.
“Cantos Populares do Algarve. Recordações”,
1376
A Nação, 28/6/1859, pp. 1-2.
Republicado, com o título de “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, na
Estrella d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92; e, com este mesmo título, n’ A Epoca,
1377
23/6/1861, pp. 1-2.
“A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de Castromarim”, A Nação,
1378
18/8/1860, pp. 1-2.
Republicado em O Agapito, 21/8/1860, pp. 1-3; na Estrella d’ Alva, II, nº 20
(Agosto 1861), pp. 149-152; e n’ A Nação, 16/8/1862, pp. 1-2.
“Cantos Populares do Algarve. Canção da Engeitada”,
1379
Estrella d’ Alva, II, nº 2
(Abril 1861), pp. 9-10.
“Poesia Popular do Algarve”,
1373
1380
Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), pp. 83-84.
A partir de dado momento, Veiga passou a assinar sempre as suas obras com “S. P. M. Estacio da
Veiga”. Por tal motivo, nas espécies bibliográficas adiante citadas, apenas quando o texto estiver assinado de
modo diferente, indicaremos o nome do autor.
1374
Incluímos também nesta secção os textos que, embora atribuídos à tradição oral por Estácio da
Veiga, as nossas investigações permitiram mostrar serem, afinal, de sua autoria.
1375
Inclui o romance Serrana Fiel.
1376
Inclui o romance A Moura Encantada de Tavira e 16 quadras líricas soltas.
1377
Nas duas republicações, o artigo inclui apenas A Moura Encantada, omitindo-se, pois, as quadras
1378
Inclui o romance A Senhora dos Mártires Salva um Cativo.
1379
Inclui a canção lírica popularizada que começa “Não conheço pai nem mãe / nem nesta terra
soltas.
parentes”.
459
Republicado n’ A Epoca, 15/6/1861, p. 1.
[S. P. M. Estacio da Veiga?],
1381
A Santo Antonio. — Cantiga Popular do Algarve,
Estrella d’ Alva, II, nº 11 (Junho 1861), p. 80.
Romanceiro do Algarve, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves,
1870.
Poesia Original
S. P. Estacio M. e Veiga, A uma Rosa, O Jardim das Damas, IV, nº 17 (7/10/1848),
pp. 269-270..
S. P. Estacio M. Veiga, A uma Rosa do Japão, O Jardim das Damas, IV, nº 25
(23/12/1848), p. 398.
S. P. Estacio M. e Veiga, Ao Vêl-a..., O Jardim das Damas, V (1849), nº 2, p. 32.
S. E. M. V.,
1382
A uma Nuvem, O Jardim das Damas, V (1849), nº 16, p. 256.
S. P. Estacio M. e Veiga, A Adelina, Assembléa Litteraria, nº 30 (20/4/1850), p.
237.
S. P. Estacio M. e Veiga, A Julia, Apollo, nº 16 (24/4/1850), p. 64.
1380
Inclui o romance Santo António e a Princesa.
1381
Inclui quatro quadras soltas. O artigo não está assinado. Porém, achamos que se justifica a sua
atribuição a Veiga, tendo em atenção o local de recolha das quadras e sobretudo que o autor publicou vários
artigos na Estrella d’ Alva, nomeadamente no presente fascículo (ver item anterior) e no seguinte (“Poesia
Popular do Algarve. Festas de S. João”, cit.).
1382
Estas iniciais representam, sem dúvida, “Sebastião Estacio Martins e Veiga”. Tal atribuição é
claramente validada pelo facto de, no citado manuscrito das Tentativas Poeticas (1849), de Veiga, estar
incluído (p. 124) este poema.
460
1383
S. P. Estacio M. e Veiga, Não Chores,
A Semana, I, nº 19 (Maio 1850), p. 152.
Republicado in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças
para 1854, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1853, pp. 126-127; e, com o subtítulo
de “romanza” e acompanhada por música (da autoria de José Veloso Dantel e Hortas), in
Cesar das Neves e Gualdino de Campos, Cancioneiro de Musicas Populares contendo letra e
musica [...], collecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano por....,
coordenada a parte poetica por ..., II, Com uma apreciação crítica do Exmº. Snr. Dr. Sousa
Viterbo, Porto, Empresa Editora Cesar, Campos & Cª., 1895, nº 208, pp. 88-92.
S. P. Estacio M. e Veiga, Á Saudosa Memoria da Exmª. Srª. D. Anna Henriqueta de
Sousa e Serra, Falecida em Tavira a 2 de Fevereiro de 1850, Assembléa Litteraria, nº 31
(4/5/1850), pp. 247-248.
1384
S. P. Estacio M. e Veiga, A Sultana,
A Semana, I, nº 22 (Junho 1850), p. 176.
Republicado na Assembléa Litteraria, nº 33 (15/6/1850), pp. 14-15; e no Boudoir, nº
83 (1865).
1385
S. P. Estacio M. e Veiga, A Ella, Assembléa Litteraria, nº 32 (1/6/1850), p. 7.
S. P. Estacio M. e Veiga, N’ uma Noite á Beira-Tejo, Assembléa Litteraria, nº 35
(17/8/1850), pp. 29-30.
S. P. Estacio M. e Veiga, Ao Eximio Tenor, o Sr. Ambrosio Volpini, Assembléa
Litteraria, nº 37 (21/9/1850), p. 46.
1383
Datado de “6 d’ abril de 1850”.
1384
Datado de “22 d’ abril de 1850”.
1385
O presente número do Boudoir falta na colecção da Biblioteca Nacional. Conhecemos esta
segunda republicação do poema apenas por um recorte existente em Factos Historicos, manuscrito da
Biblioteca Nacional (Reservados, cota: Cod. 13253), datado, no frontispício, de 1866, não paginado (não
obstante o seu título, forma parte da miscelânea O Curioso, a que já nos referimos, tendo, na lombada, a
indicação “O Curioso, 22”). À margem do recorte do poema de Veiga indica-se o jornal donde provém, o
número do fascículo e a data deste, mas não a página.
461
1386
S. P. Estacio M. e Veiga, Á Muito Insigne Artista a Srª. Drusilla Mugnaini,
A
Nação, 16/9/1850, p. 4.
S. P. Estacio M. e Veiga, A Sahida do Brigue Moçambique. Dedicada a Minha Irmã
D. M. D. P. E. M. e V.,
1387
A Nação, 24/7/1851, p. 4.
S. P. M. S.[sic, talvez por Stacio] da Veiga, A Minha Irmã,
1388
Revista Popular, IV,
nº 39 (Outubro 1851), pp. 383-384.
O Astro d’ Esperança / Novo hymno /dedicado por seus auctores / á augusta espoza
/ do / Senhor Dom Miguel de Bragança / a Senhora / Dona Adelaide Sophia / Princeza de
Loewenstein-Werteim. / Muzica de Dona Maria Carlota Tulli da Costa / e / poezia / de S. P.
M. Estacio da Veiga. / 1851. / Lith. de Lopes & Bastos. R. N. dos M.es Nº 14. Lx.ª 1852.
Trata-se duma partitura (com 4 pp.).
1390
Tavira,
1389
A Illustração. Periodico universal, nº 6 (31/3/1852), p. 47.
1391
Despedida de Mme. Novello,
Revista Popular, IV, nº 25 (Julho 1851), p. 218.
Ao Meu Amigo Ernesto Marecos, Vendo a sua Poesia — Morte d’ Alma,
1392
Revista
Popular, VI, nº 32 (1854), p. 254.
Rosa ou Estrella, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças
Luso-Brasileiro para 1855, Lisboa, Na Imprensa de Lucas Evangelista, 1854, p. 191.
1386
Datado de “Lisboa 13 de setembro de 1850”.
1387
Datado de 13/7/1851.
1388
Datado de “Lisboa 30 d’ agosto de 1851”.
1389
Na parte do espólio pertencente ao Museu Nacional de Arqueologia, existem dois exemplares
desta partitura (cotas: 12 / 3 e 12 / 4).
1390
1391
Datado de “Lisboa, 3 de agosto de 1850”.
Embora publicada anónima, esta poesia deve ser de Veiga, pois uma cópia sua encontra-se
integrada num livro inédito, a que atrás nos referimos, existente em posse da família (Tentativas Poeticas,
1850-51), onde tem o título Despedida d’ uma Distincta Artista ao Publico Lisbonense (pp. 14-5).
1392
A poesia de Marecos a que Veiga se refere tinha sido publicada na mesma revista, vol. VI, nº 9
(3/9/1853), pp. 69-71.
462
Lamentos. N’ um Album, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de
Lembranças Luso-Brasileiro para 1856, Lisboa, Typographia Universal, 1855, p. 310.
Flor ou Beijo, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças
Luso-Brasileiro para 1857, Lisboa, Typographia Universal, 1856, p. 95.
Saudades da Minha Terra. Poesia recitada pelo auctor, em 22 de Junho de 1856,
1393
no theatro da cidade de Tavira, O Povo, 2/8/1856, pp. 1-2.
1394
O Tumulo e a Saudade, O Povo, 28/8/1856, pp. 1-3.
A Eugenia, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças LusoBrasileiro para 1858, Lisboa, Imprensa Nacional, 1857, p. 321.
Pallida!, in Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças LusoBrasileiro para o Anno de 1859, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, p. 300.
Adeus, Lisboa! Melodia de F. A. N. dos Santos Pinto. / Cantada por M.elle Estelle
Baudier / no 1º de Maio de 1859, Lisboa, Typ. Franco-Portugueza, s/ d . É uma pagela.
Á Exmª Srª D. A. C. L.
1396
1397
no Dia dos seus Annos,
1395
Almanach da Estrella d’ Alva
para o Anno de 1862, Lisboa, Typ. de José da Costa Nascimento Cruz, 1861, pp. 109-110.
1393
Datada de “Tavira — 1856 — Abril — 15”.
1394
Datado de “185...”.
1395
No espólio pertencente ao Museu Nacional de Arqueologia, há dois exemplares desta pagela, um
impresso em papel verde (12 / 1) e outro em papel cor-de-rosa (12 / 2). Contém apenas o texto (sem a música,
portanto).
Em casa da família do autor, há uma cópia do poema, onde o subtítulo é mais completo: “Melodia de
F. A. N. dos Santos Pinto, cantada na sala do Café Concerto por Estelle Baudier no dia 1 de maio de 1859”.
Trata-se dum manuscrito, sem a música, integrado num conjunto de 42 caderninhos com poemas, que parecem
formar uma obra sem título a que antes já nos referimos. Este poema está no caderninho nº 19.
1396
Trata-se muito provavelmente da futura mulher de Estácio da Veiga: Amélie Claranges du
Lucotte.
1397
Datado de “1860— novembro— 23”.
463
Republicado na Estrella d’ Alva, III, nº 46 (Fevereiro 1863), p. 365.
Já não Creio. No album da Exmª. Srª. D. A. C. L., in Alexandre Magno de Castilho
(org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1862, Lisboa, Typ. da
Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1861, p. 371.
No Baile, Estrella d’ Alva, II, nº 7 (Maio 1861), pp. 51-52.
1398
Republicado em A Epoca, 21/5/1861, p. 2.
1399
A uma Poetisa Hispanhola,
Estrella d’ Alva, II, nº 28 (Outubro 1861), p. 216.
Já não Amas!, Estrella d’ Alva, IV, nº 5 (Maio 1863), pp. 35-36.
1400
Adeus ao Valle das Furnas. Dedicado ao Exmº Sr. Barão das Larangeiras,
in
Alexandre Magno de Castilho e Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro (orgs.), Almanach de
Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1865, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica
Franco-Portugueza, 1864, p. 371.
1401
No Album de ***,
Boudoir, nº 12 (7/3/1864), p. 2.
Canto Patriotico. Aos bravos voluntarios de Zambezia, Diario de Noticias,
27/3/1869, p. 2.
1402
1398
Datado de “185... dezembro—11”.
1399
Grande elogio da poesia de Carolina Coronado (de quem, em epígrafe, transcreve dois versos).
Datado de “1854—junho—29”.
1400
Datado da “Ilha de S. Miguel”, mas sem indicação de dia, mês ou ano. Por um artigo de jornal
(”Chegada”, O Algarviense de 11/11/1863, pp. 3-4), ficamos, porém, a saber que Veiga, que estivera algum
tempo nos Açores, de lá regressara em princípios de Novembro de 1863, pelo que o poema é, possivelmente,
dessa época.
1401
Datado de “Outubro, 1855”.
1402
É acompanhado por uma nota da redacção, em que se diz: “O nosso amigo e conhecido poeta sr.
Estacio da Veiga dedicou aos voluntarios que vão para a Zambezia o seguinte hymno que já está posto em
musica pelo sr. Gomes Ribeiro, mestre da banda dos filhos dos soldados”. O poema está datado “Mafra—
1869—Março 1”.
464
[S. P. M. Estacio da Veiga],
1403
Ode a Luiz de Camões em 10 de Junho de 1880,
Lisboa, Typographia da Casa Progresso, 1880.
Sebastião Philippes Estácio Martins [da] Veiga,
1404
Poesias (ou Banalidades
Poéticas), prefácio de Maria Luísa Estácio da Veiga Silva Pereira, [Lisboa/Tavira], Edições
Colibri/Câmara Municipal de Tavira, 2000.
1403
1405
Este opúsculo saiu anónimo, embora seja atribuído a Veiga por todos os seus biógrafos. A razão
de o autor não o ter assinado deve-se, provavelmente, ao tema da obra em causa. Se não, vejamos: no poema, o
sujeito da enunciação começa por saudar as comemorações do centenário de Camões, que então se realizavam,
mas lastima que cheguem tão tarde, e diz:
“Oh, triste e amargo exemplo aos que ora vivem
Á patria devotados, consumindo
Em perenne holocausto inteira a vida,
Dando ás lettras, á sciencia e ás artes dando
Quantos alentos seu engenho cria,
Quantas memorias seu esforço alcança,
Quantas grandezas o seu genio exalta!”
(p. 4)
Se a Camões , “o mais alto e raro espirito / Que a lusitana terra tem gerado”, “Só hoje inteira a patria
se alevanta”, que acontecerá, interroga-se, aos génios da época contemporânea?
“Que premios, pois, aos martyres de agora
Reserva a sorte, sempre iniqua e varia?”
Depois, narra o regresso de Camões a Portugal, vindo do Oriente, e a sua morte. Conclui que, se hoje
houvesse outro como ele, também seria desprezado, “Que o genio, em quanto ha vida, affronta aos vivos, / E só
é grande e eximio após a morte!”.
Deve ter sido para que não dissessem que Veiga se estava a referir a si e a propor-se à glorificação
pública (ele que, aliás, se sentia tão pouco apoiado nos seus trabalhos etnoliterários e arqueológicos — e o
escrevia) que o opúsculo saiu anónimo.
1404
No frontispício da obra, falta o “da” antes de “Veiga”. Porém, na capa, no verso do anterrosto (ao
indicar-se o título da colecção) e no verso do frontispício (na ficha técnica), o nome do autor aparece sempre
com a partícula “da”.
1405
Esta obra (cujo manuscrito, na posse na família do autor, está datado de 1848) é o primeiro
volume das “Obras de Sebastião Philippes Estácio Martins da Veiga”. No prefácio, diz-se (p. 7) que tal
colecção englobará “a obra literária, inédita” de Veiga. No verso do anterrosto, indicam-se os títulos dos
restantes volumes da colecção: Tentativas Poética [sic] I, Tentativas Poética [sic] II e Esposas Roubadas.
465
História
S. P. Estacio M. e Veiga, “Historia dos Cavalleiros que Jazem na Egreja Matriz de
Sancta Maria de Tavira”, O Jardim das Damas, V (1849), nº 1, pp. 2-3, nº 2, pp. 17-18, nº 3,
1406
pp. 33-34, e nº 4, pp. 49-50.
S. P. Estacio M. e Veiga, “A Volta de D. João I para Lisboa. 1389”, Assembléa
Litteraria, nº 34 (29/6/1850), pp. 22-23.
E. V., “A Procissão do Corpo de Deus na Cidade de Tavira, no Principio do XVI
Seculo”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 1-2.
“Origem e Festas de Abril”, Estrella d’ Alva, II, nº 3 (Abril 1861), pp. 17-18.
1407
Republicado n’ A Nação, 1/4/1862, p. 1.
“Festas de Maio”, Estrella d’ Alva, II, nº 5 (Maio 1861), pp. 33-34.
1408
Republicado n’ A Epoca, 14/5/1861, p. 1; n’ A Nação, 1/5/1862, p. 1; e in
Alexandre Magno de Castilho e Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro (orgs.), Almanach de
Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1863, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica
Franco-Portugueza, 1862, pp. 178-180.
“Campanha do Roussillon, e Invasão Hispanhola em Portugal em 20 de Maio de
1801”, Estrella d’ Alva, II, nº 8 (Maio 1861), pp. 58-59.
“Festas de Junho entre Gregos e Romanos”, Estrella d’ Alva, II, nº 10 (Maio 1861),
pp. 74-75.
1406
Sobre os cavaleiros cristãos que morreram junto de Tavira, num combate com mouros, e a
posterior conquista da cidade por Paio Peres Correia.
1407
Sobre as festas de Abril na Roma antiga.
1408
Sobre estas festas na Antiguidade e também no seu tempo, nomeadamente no Algarve.
466
Republicado n’ A Epoca, 13/6/1861, p. 1.
“Gibraltar e Olivença. Apontamentos para a historia da usurpação destas duas
1409
praças coordenados por...”, A Nação, 26/1/1863, p. 1, 27/1, p. 1 e 28/1, pp. 1-2.
Gibraltar e Olivença. Apontamentos para a historia da usurpação destas duas
praças coordenados por..., Lisboa, Typographia da Nação, 1863
S. F.[sic] M. Estacio da Veiga, “Commemoração Dedicada á muito Notavel e
1410
Florescente Villa de Olhão da Restauração. 1808—18 de Junho”,
Gazeta do Algarve
(Lagos), 28/1/1874, pp. 1-2 e 4/2/1874, pp. 1-2.
Republicado, com o título de “18 de Junho”, n’ O Porvir, nº 2 (4/11/1888), pp. 1-2,
1411
e nº 3 (11/11/1888), pp. 1-2.
Arqueologia
[S. P. M. Estácio da Veiga]
1409
1412
, “Emerita Augusta”, A Nação, 26/9/1859, p. 3.
1413
São excertos do opúsculo com o mesmo título (ver item seguinte), que iria sair brevemente. A
partir de 26/2/1863, aparece em vários números d’ A Nação um anúncio publicitando a obra em causa.
1410
Sobre a revolta de Olhão contra os Franceses e o combate da ponte de Quelfes (travado em
18/6/1808). Dá muito relevo à figura de Sebastião Martins Mestre, avô paterno de Veiga. Está datado de
“Mafra, 18 de junho de 1871”.
1411
No nº 2 do jornal, p. 2, o artigo não assinado (mas sem dúvida da responsabilidade da redacção)
“O Nosso Folhetim” diz: “Chamamos a attenção dos nossos leitores para o folhetim que hoje começamos a
publicar. Cópia de um manuscrito que em 1871 foi offerecido á camara municipal d’ este concelho pelo
distincto archeólogo algarvio, o sr. Estacio da Veiga”.
1412
Embora não assinada, esta notícia é muito provavelmente de Estácio da Veiga, pela referência
que faz a um achado na quinta de Torre d’ Ares, que pertencia a um primo de Veiga, e onde este, aliás, fez
escavações. Note-se que no mesmo ano de 1859, há, n’ A Nação, mais algumas curtas notícias arqueológicas,
também não assinadas, que talvez se devam a Veiga. Por exemplo, no nº de 30/3/1859, p. 3, sob o título
“Archeologia”, dá-se conta de em Espanha (segundo informações dum jornal desse país) se terem descoberto
recentemente sepulcros, moedas e uma via, todos romanos.
467
“Municipio de Calahorra. Moeda Romana”, Estrella d’ Alva, II, nº 4 (Abril 1861),
pp. 27-28.
1414
“Nota Vigessima [sic] Quinta: Hercules, e os Seus Templos” in Publio Ovidio
Nasão, Os Fastos, traducção em verso portuguez por Antonio Feliciano de Castilho,
seguidos de copiosas annotações por quasi todos os escriptores portuguezes contemporaneos,
Lisboa, Por Ordem e na Imprensa da Academia Real das Sciencias, Tomo I, Parte II, 1862,
1415
pp. 469-78.
E. da V., “Vestigios de Edificações Romanas na Aldêa de Quarteira, na Costa do
Algarve”, A Nação, 16/4/1862, p. 1.
1416
Povos Balsenses. Sua situação geographico-physica indicada por dous monumentos
romanos recentemente descobertos na Quinta da Torre d’ Ares distante seis kilometros da
cidade de Tavira, Lisboa, Livraria Catholica [é o que está no frontispício; na capa está
1417
Imprensa Nacional], 1866.
“Duas Palavras em Memoria do Principe dos Archeologos [,] A. de Caumont.
Elogio lido em sessão publica e solemne de 6 de Maio de 1875, pelo antigo socio...”, Boletim
Architectonico e de Archeologia da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos
Portuguezes, 2ª série, I, nº 7 (1875), pp. 97-100.
1413
1418
Sobre uma moeda romana muitíssimo rara (“um meio bronze” de Augusto, cunhado em Mérida),
“encontrad[a] ha dois annos na quinta da Torre d’ Ares, a uma legua de Tavira”.
1414
Sobre esta cidade espanhola na época romana. Dá imagem duma moeda (“que pertence á minha
pequena collecção de moedas antigas”, p. 27), a qual prova que Calahorra era município no tempo de Augusto.
1415
Esta “nota” (ao v. 3, p. 59, do poema de Ovídio) versa fundamentalmente sobre ruínas existentes
em Budens, perto do Cabo de Vicente.
1416
Fala dumas ruínas há pouco postas a descoberto pelo mar, na praia de Quarteira. Defende que ali
foi em tempos uma povoação romana, talvez “a Cartéia dos fenicios [,] karthaginezes e romanos.”
1417
1418
16/4/1874.
Sobre a cidade romana de Balsa, situada perto de Tavira.
Caumont, arqueólogo francês e estudioso da arquitectura religiosa medieval, falecera a
468
Antiguidades de Mafra ou relação archeologica dos caracteristicos relativos aos
povos que senhorearam aquelle territorio antes da instituição da monarchia portugueza.
Memoria apresentada á Academia Real das Sciencias de Lisboa, por..., Lisboa, Typographia
da Academia, 1879.
Republicado em edição facsimilada, com introdução de Victor S. Gonçalves e Ana
Catarina Sousa, s/l., Mar de Letras, 1996.
Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga, Memoria das Antiguidades de
Mertola Observadas em 1877 e Relatadas por..., Lisboa, Imprensa Nacional, 1880.
Republicado em edição facsimilada (com, na capa e no frontispício moderno, o
título de Memórias [sic] das Antiguidades de Mértola), s/l., Imprensa Nacional-Casa da
Moeda/Câmara Municipal de Mértola, 1983.
A Tabula de Bronze de Aljustrel [,] lida, deduzida e commentada em 1876. Memoria
apresentada á Academia Real das Sciencias de Lisboa por..., Lisboa, Typographia da
Academia, 1880.
1419
Sem título,
O Algarve Illustrado, nº 2 (15/6/1880), p. 7.
Archeologia. Projecto de legenda symbolica para a elaboração e interpretação da
carta de archeologia historica do Algarve, Lisboa, Typographia da Academia Real das
Sciencias, 1885 [é separata do Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, XLI
(1885)].
1419
Trata-se duma carta, datada de Lisboa, 10/6/1880. Promete dar, em breve, notícias sobre o
“museu archeologico do Algarve” aos seus “mui estimados conterraneos, por isso que, muito a meu pesar,
ficaram privados de assistir a uma instituição que exclusivamente lhes pertencia”. Nos restantes números destas
revista existentes na Biblioteca Nacional, nada mais há de Veiga. Como ele próprio informa [ver “Antiguidades
Monumentaes do Algarve”, O Archeologo Português, IX, 7-10 (Julho-Out. 1904), p. 204], o Governo deu
sempre respostas desfavoráveis às várias diligências feitas a fim de transferir para Faro o Museu Arqueológico
do Algarve, que, fundado por Veiga, em Lisboa, em 1880, foi encerrado um ano depois e guardado em caixotes
[sobre o museu, ver Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos Silva Pereira, O Museu Archeologico do
Algarve (1880-1881). Subsídios para o estudo da museologia em Portugal no séc. XIX, Faro, suplemento dos
Anais do Município de Faro, 1981].
469
Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga, Antiguidades Monumentaes do
Algarve. Tempos prehistoricos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886-1891, 4 vols.
Estacio da Veiga, Programma para a Instituição dos Estudos Archeologicos em
1420
Portugal, s/ l., s/ n., s/ d.
Republicado em fac-símile in Victor dos Santos Gonçalves, Estácio da Veiga: um
programa para a instituição dos estudos arqueológicos em Portugal (1880-1891), Lisboa,
Congresso Nacional de Arqueologia / Centro de História da Universidade de Lisboa /
Cooperativa Editora “História Crítica”, 1980.
1421
“Antiguidades Monumentaes do Algarve”, O Archeologo Português, IX, 7-10
(Julho-Out. 1904), pp. 200-10; X, 1-2 (Jan.-Fev. 1905), pp. 6-14; X, 3-5 (Março-Maio 1905),
1422
pp. 107-18; e XV (1910), pp. 209-33.
Botânica
Plantas da Serra de Monchique Observadas em 1866, extracto do Jornal de
Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, VI (1869) e VII (1869 [sic]), 2 vols., s/l., s. n.,
s/ d.
1423
1420
No fim do opúsculo (p. 16), diz-se: “É este o prefacio do quarto volume das Antiguidades
monumentaes do Algarve” (trata-se, de facto, das pp. 1-16 desse volume).
1421
Embora a sua descrição bibliográfica possa ser enganadora, este opúsculo consiste na
republicação da referida obra de Veiga, com uma introdução de V. Gonçalves (pp. vii-xii).
1422
Leite de Vasconcelos, director da revista, informa (vol. IX, pp. 200-1), que, do projectado V vol.
das Antiguidades, Estácio da Veiga “apenas deixou redigidos por inteiro os quatro primeiros capitulos, e parte
do 5º”. São esses inéditos que aqui se publicam.
1423
Estes dois opúsculos (de 11 e 22 pp., respectivamente), separatas da referida revista, constituem
um catálogo das plantas da Serra de Monchique, com o nome latino e as várias designações que têm em
português.
470
Sebastião Philippes Martins Estacio da Veiga, Orchideas de Portugal. Memoria
apresentada á Academia Real das Sciencias de Lisboa por..., Lisboa, Typographia da
Academia Real das Sciencias, 1886.
1424
VARIA
Texto sobre o Algarve,
1425
in José Maria Latino Coelho, Encyclopedia das Escolas
d’ Instrucção Primaria, composta por distintos escriptores sob a direcção do sr...., Lisboa,
No Escriptorio de Francisco Arthur da Silva, 1857, pp. 271-2.
“Lelia”,
1426
“A Lelia”,
1424
1425
A Nação, 9/6/1859, p. 3.
1428
1427
A Nação, 28/6/1859, p. 2.
A obra inclui 36 estampas ilustrativas das flores que descreve.
Inocêncio (Diccionario Bibliographico, cit., VII, p. 221) informa que Veiga foi um dos
colaboradores desta Encyclopedia. Ora, nenhum dos textos do livro está assinado, e na introdução também se
não diz quem são os colaboradores. Porém, num texto dedicado ao Algarve, dá-se grande relevo a Sebastião
Martins Mestre e José Lopes de Sousa, a quem “coube a gloria de serem considerados restauradores do Algarve
[...] por haverem com seu proprio esforço, movidos do amor de liberdade patria, expulso daquelle reino [o
Algarve], sem auxilio de estrangeiros, as tropas francezas, que no principio do corrente seculo invadiram toda a
peninsula hispanica; morrendo o primeiro (sem a menor recompensa honorifica) assassinado em Villa Real de
Santo Antonio, em 27 de setembro de 1834, por motivos politicos” (p. 271). São estas (com excepção do
Infante D. Henrique) as únicas pessoas cujo nome se cita no texto, o que é caso para fazer pensar, sobretudo
pelo destaque que se dá à morte de Mestre, até com indicação do dia. Acontece que Sebastião Martins Mestre
foi avô de Estácio da Veiga, e este, tentando reabilitar a memória do seu antepassado (preso por absolutista e
assassinado pelas sevícias que praticara contra os liberais), sobre ele escreveu várias vezes, em termos muito
parecidos com os do extracto anterior. Por exemplo, na “Commemoração Dedicada á muito Notavel e
Florescente Villa de Olhão da Restauração. 1808—18 de Junho” (Gazeta do Algarve, 4/2/1874, p. 1), Veiga diz
que a Lopes de Sousa e Martins Mestre deveria ser dado o “titulo de ilustres chefes da restauração do Algarve”,
o que lembra muito a expressão “coube[-lhes] a gloria de serem considerados restauradores do Algarve”
presente, como vimos, no texto anónimo da Encyclopedia das Escolas d’ Instrucção Primaria. Parece-nos,
pois, atribuível a Veiga o referido texto sobre o Algarve.
1426
Embora não esteja assinado, é possivelmente de Veiga. Ver o subcapítulo que dedicámos à
polémica de Veiga com o Archivo Universal.
1427
Dá-se notícia da próxima publicação da tradução portuguesa da obra de George Sand com aquele
título, referindo-se “a boa nomeada que este romance tem alcançado”.
471
“Esperteza Digna de Archivo”,
1429
A Nação, 6/7/1859, p. 3.
“Últimas Palavras ao Archivo Universal”,
1430
A Nação, 18/7/1859, p. 3.
“Ainda Algumas Palavras ao Archivo Universal”,
[Carta ao jornal], A Nação, 23/5/1860, p. 2.
“Necrologio”, A Nação, 12/9/1860, p. 3
1431
A Nação, 2/8/1859, p. 3.
1432
1433
“Monumentos a Luiz de Camões”, A Nação, 20/10/1860, p. 1.
1434
Republicado em A Epoca, 21/10/1860, pp. 2-3.
1435
“Portugal”, Estrella d’ Alva, II, nº 1 (Abril 1861), pp. 2-3.
1428
Embora não esteja assinado, é provavelmente de Veiga. De facto, no espólio (cota: 5 E / 7) existe
o rascunho, incompleto, dum texto em que se explica que, em tempos, o jornal elogiara a próxima publicação
de Lelia, apenas porque não sabia que “esta obra se achava reprovada pela egreja”. Ora o presente artigo tem
como fulcro a mesma questão. Note-se, porém, que o texto manuscrito não corresponde, do ponto de vista
discursivo, ao artigo “A Lelia”.
1429
Embora não assinado, é sem dúvida de Veiga, como prova o rascunho deste texto existente no
seu espólio (cota: 5 E / 8 r-v).
1430
O artigo não está assinado, mas a expressão “as rapsodias, que colligimos no Algarve” revela ser
ele da autoria de Veiga.
1431
Embora não assinado, é sem dúvida de Veiga, pois alude a coisas que escreveu no artigo anterior.
1432
Datado de 19/5/1860. No espólio de Veiga, existe o rascunho desta carta (cota: 5 C / 43 a-c).
Tem várias diferenças em relação ao impresso. Fala dos problemas do Algarve e de, em 1856, quando esteve
em Tavira, ter proposto à Santa Casa da Misericórdia que aproveitasse o devoluto convento de S. Bernardo para
asilo de mendicidade (ver, à frente, o artigo publicado, também n’ A Nação, em 10/4/1862).
1433
Datado Lisboa, 9/9/1860. A propósito da morte do antigo brigadeiro miguelista António José
Vaz Velho, natural de Tavira.
1434
Datado de Lisboa, 19/10/1860. É recensão muito elogiosa do vol. I das Obras de Camões
organizadas pelo Visconde de Juromenha, que acabava de sair. Refere-se também à estátua do poeta, por Vítor
Bastos, cuja inauguração, no Chiado, estava para breve.
1435
Contra o projecto da União Ibérica.
472
Republicado n’ A Nação, 16/4/1861, p. 2; no Almanach da Estrella d’ Alva para o
Anno de 1862, Lisboa, Typ. de José da Costa Nascimento Cruz, 1861, pp. 76-79; em
Gibraltar e Olivença (q. v.), do próprio Veiga, como prefácio, pp. iv-vii; e n’ A Epoca,
1436
5/3/1863, pp. 1-2.
“Brios Heroicos de Portuguezas”, Estrella d’ Alva, II, nº 2 (Abril 1861), p. 10.
1437
“Revista Litteraria. Brios Heroicos de Portuguezas, por Antonio Pereira da Cunha”,
Estrella d’ Alva, II, nº 26 (Setembro 1861), pp. 198-200.
Reproduzido n’ A Nação, 23/1/1862, p. 1.
1438
“Agora sim que o Algarve vai Começar a Prosperar!”,
1439
A Nação, 10/4/1862, p. 3.
Estacio da Veiga, “Theatro Normal”, A Nação, 31/5/1862, pp. 1-2.
1440
1441
Estacio da Veiga, “Theatro Anormal”, A Nação, 18/12/1862, pp. 1-2.
1436
Neste último jornal, vem acompanhado por umas palavras introdutórias, muito elogiosas, de F.
Teixeira Viegas.
1437 Noticia que vai sair a obra homónima d’ “o nosso bom amigo [António] Pereira da Cunha” e
refere o seu tema.
1438
Recensão muito elogiosa. Veiga deixa aqui claramente expressas as suas opiniões anti-iberistas.
Datada de “Cintra—1861—Setembro—14”.
1439
Notícia, não assinada, sobre o encerramento definitivo do mosteiro de Nossa Senhora da Piedade,
em Tavira, e sua incorporação nos bens nacionais. Diz que a Santa Casa da Misericórdia de Tavira, “a quem foi
suscitada em 1858 a idéa de requerer a apropriação do dito mosteiro com suas pertenças, para nelle instituir um
asylo de caridade que servisse de amparo aos desgraçados da provincia, não quiz figurar neste assumpto.” Insta
a Câmara Municipal a que requeira para si esse mosteiro, para um “asylo de mendicidade, ou um collegio de
educação para orfãs desamparadas.” Fala ainda do “vergonhoso estado de abandono e profanação” a que
chegou o convento de S. Francisco, em Faro. A possível atribuição deste artigo a Veiga baseia-se nas
semelhanças que apresenta com a carta aberta que, por ele assinada, o mesmo jornal A Nação publicara a
23/5/1860 (q. v.). Nessa carta, como dissemos, Estácio da Veiga informava ter proposto, em 1856, à Santa Casa
da Misericórdia de Tavira que aproveitasse o devoluto convento de S. Bernardo para asilo de mendicidade.
1440
Crítica, bastante favorável, ao drama de Ernesto Biester Cora ou a Escravatura. Estreado a 22 de
Maio daquele ano, era uma peça anti-esclavagista.
1441
Crítica, bastante negativa, ao melodrama de César de Lacerda Homens do Mar.
473
“Apontamentos”,
1442
1442
Gazeta do Algarve, 27/10/1874, p. 3.
Este artigo —não assinado— constitui a genealogia de João Valentim Estácio da Veiga e a sua
biografia. Em nota da redacção, diz-se que devem este artigo “à obsequiosidade d’ um sobrinho do sr. João
Valentim Estacio da Veiga”. Trata-se muito provavelmente de S. P. M. Estácio da Veiga. O nosso autor era, de
facto, sobrinho de João Valentim, pois que filho do irmão deste, José Agostinho Estácio da Veiga. Não consta
que, na época em que este artigo foi escrito, houvesse outro sobrinho de João Valentim tão adequado para
escrever um artigo de jornal como S. P. M. Estácio da Veiga, quer por ter sido jornalista, quer pelo seu interesse
por assuntos históricos. Além disso, há vários passos deste artigo que retomam algo a que poderíamos chamar
idiossincrasias de Veiga, que, não muito a propósito, aparecem também em escritos por ele assinados. Na
verdade, no artigo diz-se que João Valentim era bisneto de Rui Fernandes Estaço, fidalgo da casa real,
“cavalleiro da praça de Mazagão [...] ao qual el-rei D. João V conferiu varias tenças por ter vencido na barra de
Azamor em combate naval a 19 de agosto de 1727 um corsario mourisco que ameaçava Mazagão”. Ora, no
Romanceiro do Algarve (p. 120, n. 1), Veiga, depois de ter falado do “ultimo cerco” posto pelos Mouros a
Mazagão (no tempo do domínio português), aproveita para dizer aos leitores: “O meu terceiro avô paterno
Roque Fernandes Estaço, fidalgo e cavalleiro da praça de Mazagão, assistiu a este cêrco, bem como em 19 de
agosto de 1727, tendo saído da praça contra um navio de guerra mourisco, o foi esperar á barra de Azamor, e
ahi o venceu [...] Por este e outros serviços lhe eram pagas varias tenças pelo almoxarifado de Mazagão.”
Noutra parte, o articulista anónimo escreve que João Valentim descendia dos Estaços, “que se
distinguiram na conquista do Algarve em tempo de el-rei D. Affonso III”. Ora, S. P. M. Estácio da Veiga, numa
passagem da Memoria das Antiguidades de Mertola, cit., p. 151, não deixa escapar a ocasião de informar que,
por parte do pai, descendia duma família nobre algarvia, que entroncava em “D. Pedro Estaço, rico-homem, que
assistiu com el-rei D. Affonso III á conquista de Faro”.
Finalmente, o cuidado com que o anónimo articulista, cada vez que fala dum membro da família,
acrescenta sempre o epíteto de “fidalgo da casa real”, faz, sem dúvida, lembrar o “moço-fidalgo com exercicio
na R[eal] C[asa] de S[ua] M[ajestade] F[idelissima]” que Veiga houve por bem colocar por baixo do seu nome
na página de rosto do Romanceiro do Algarve.
É de recordar, ainda, que a mesma Gazeta do Algarve em que apareceu este artigo anónimo
publicara, em 28/1 desse ano, um artigo claramente assinado por Veiga (“Commemoração Patriotica...”, q. v.).
A propósito de tal texto, a redacção do jornal referira-se (p. 3 desse número), aliás, a Estácio da Veiga com
palavras muito lisonjeiras, chamando-lhe “distincto escriptor, bem conhecido no meio litterario do paiz”.
474
APÊNDICE Nº 2:
BALADAS ROMÂNTICAS DE AMBIENTE ANTIGO OU TEMA POPULAR
(1828-1870)
Não incluimos no corpus da balada romântica os poemas narrativos muito longos,
em vários cantos, ainda que de acções localizadas em épocas antigas (quase sempre —com
excepção do D. Jayme— a Idade Média), de que, no período cronológico em análise, existem
vários exemplos. Dado que, no entanto, poderá ter interesse, apresentamos em nota a lista
daqueles que encontrámos durante as nossas pesquisas.
1443
1443
[Almeida Garrett], D. Branca, ou A Conquista do Algarve, obra posthuma de F. E., París, Casa
de J. P. Aillaud, 1826.
Joseph Maria da Costa e Silva, Isabel, ou a Heroina de Aragom, Lisboa, Impressão Regia, 1832.
A. Feliciano de Castilho, A Noite do Castello, e Os Ciumes do Bardo, poemas, seguidos da
Confissão de Amelia, traduzida de Mlle. Delfine[sic] Gay, Lisboa, Typ. Lisbonense, 1836 (desta obra,
incluimos, no nosso corpus, Os Ciumes do Bardo, dado ser um poema curto).
José Maria da Costa e Silva, Emilia, e Leonido, ou os Amantes Suevos, Lisboa, Typographia de A. S.
Coelho & Comp.ª, 1836.
José Maria da Costa e Silva, O Espectro ou a Baroneza de Gaia, Paris, Em Casa de Guiraudet e
Jouaust, 1838.
Fernando Luiz Mousinho de Albuquerque, Reullura, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1840.
José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz, O Castello do Lago. Poema, Coimbra, Na Imprensa da
Universidade, 1841.
L[uiz] da S[ilva] Mousinho d’ Albuquerque, Ruy[,] o Escudeiro. Conto, Lisboa, Typ. da Sociedade
Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1844.
Antonia Gertrudes Pusich, Olinda, ou a Abbadia de Cumnor-Place, poema original em cinco actos,
Lisboa, Na Typographia de G. M. Martins, 1848.
Thomaz Ribeiro, D. Jayme ou A Dominação de Castella, Lisboa, Typ. da Sociedade Typographica
Franco-Portugueza, 1862.
Theophilo Braga, A Ondina do Lago. Poema de cavalleria, Porto, Typographia Commercial, 1866.
Ernesto Marecos, O Thesouro de Fafnir. Legenda extrahida das tradições germanicas ácerca da
morte de Attila, Lisboa, Typographia do Futuro, 1866.
476
Devido à sua extensão relativamente grande, tivemos muitas dúvidas sobre se
deveríamos incluir ou não no corpus a Adozinda (referimo-nos ao poema assim intitulado, e
não a todo o conteúdo da obra publicada em 1828, uma vez que aí surge também o Romance
de Bernal e Violante, cuja pequena extensão lhe garantia necessariamente um lugar no nosso
corpus). Decidimo-nos, finalmente, pela inclusão de Adozinda, dado o papel que a este
poema costuma ser atribuído nas origens do género baladístico romântico.
Tenha-se presente que, no corpus, quando dizemos sobre determinado item que é
uma republicação, não se entenda que, necessariamente, o texto se mantém sem alterações
em relação ao da primeira publicação. Na verdade, com certa frequência, é precisamente o
contrário que se passa, havendo mesmo casos de baladas em que há enormes diferenças entre
as duas publicações. Embora não tenhamos procedido a uma comparação sistemática dos
textos, apercebemo-nos por vezes dessas remodelações, mas raramente as assinalámos em
nota, uma vez que, para o nosso objectivo de estabelecer uma cronologia da balada
romântica, tal facto não era relevante.
Nenhum dos items presentes neste corpus é citado a partir duma fonte secundária,
ou seja, todos eles foram por nós vistos pessoalmente, pelo que garantimos a sua existência.
1828
[Almeida Garrett], Adozinda. Romance, Londres, Em Casa de Boosey & Son e de
V. Salva, 1828. Inclui:
Adozinda (pp. 1-101). Poema em quatro cantos,
rimáticos vários;
1444
em heptassílabos, de esquemas
1445
e Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga popular antiquissima, e
no mesmo stylo (pp. xxxiii-xlvii). Em quadras de tipo tradicional.
1444
1446
Na 2 ª ed., de 1843 (q. v.), os “cantos” passam a chamar-se “cantigas”, pela razão que adiante
veremos.
1445
1446
Baseado numa versão tradicional de Silvana + Delgadinha (que se transcreve nas pp. 107-113).
Baseado numa versão tradicional de Bernal Francês + Aparição (que se transcreve nas pp. xxvi-
xxxii). Por “quadras de tipo tradicional” entendemos quadras de heptassílabos, de esquema rimático ABCB.
477
1836
A. F. de Castilho, A Noite do Castello, e Os Ciumes do Bardo, poemas, seguidos da
Confissão de Amelia, traduzida de Mlle. Delfine[sic] Gay, Lisboa, Typ. Lisbonense, 1836.
Inclui:
Os Ciumes do Bardo (pp. 153-168). Em decassílabos brancos.
1447
J. B. L. d’ Almeida Garrett, Romance de Bernal e Violante. Imitado de uma cantiga
popular antiquissima, e no mesmo estylo, O Correio das Damas, I, nº 22 (15/11/1836), pp.
173-176.
Republicação do texto saído em 1828.
1838
Antonio Feliciano de Castilho, Quadros Historicos de Portugal, Lisboa, Na
Typographia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1838. Inclui:
um poema sem título (pp. 19-20), integrado no “quadro” intitulado “Jornada de
Ourique (Anno 1139)” (pp. 17-24). É um romance,
1448
embora os versos estejam agrupados
em sextilhas de heptassílabos, sendo além disso diferente a assonância em cada uma das
1449
cinco tiradas que formam o texto;
e o Rimance da Senhora da Nazareth (pp. 50-51), integrado numa nota relativa ao
“quadro” intitulado “D. Fuas Roupinho” (pp. 49-52). Exceptuando o prólogo e o final, é um
1447
Embora não situado temporalmente de modo explícito, este poema parece de ambiente antigo (o
bardo tem um manto — ver p. 153). Note-se que este texto é, na sua maior parte, lírico (monólogos do bardo
contra a amada).
Como se vê pelo título, este volume inclui, na primeira parte (pp. 1-136), A Noite do Castello, poema
narrativo em quatro cantos. Embora de ambiente medieval, a sua grande extensão impede-o de ser colocado no
grupo das baladas, e que, por isso, não o tomámos em consideração.
1448
1449
O próprio autor o designa assim (ver p. 23).
O poema tem como tema a conquista de Coimbra por Fernando de Leão e é cantado por um
cavaleiro, personagem do conto.
478
romance
1450
(embora com os versos agrupados em quadras), com rima igual em cada uma das
suas cinco tiradas.
1451
[Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento],
Commercial Portuense, 1838.
1452
Dona Lianor, Porto, Typographia
1453
Em quadras de tipo tradicional.
1454
F[rancisco] L[opes] d’ A[zevedo Velho da Fonseca],
1455
Amor e Receio. Conto,
Revista Litteraria, I, nº [1] (15/7/1838), pp. 62-70.
Em decassílabos brancos.
1450
1456
“Rimance”, aliás, se lhe chama no título e, além disso, na última quadra, v. 1, diz-se, em
referência ao próprio poema: “Fenece o rimance da historia mui pia”.
1451
Sobre este poema (versificação duma lenda sobre o rei Rodrigo), ver o que escrevemos atrás, no
cap. VIII.
1452
A obra foi publicada anónima. Porém, o exemplar que dela existe na Biblioteca Nacional tem, na
capa, a indicação, a lápis, do nome do autor. Além disso, tal poema foi republicado n’ O Romanceiro
Portuguez, I, de Moraes Sarmento, em 1841, com o título de O Conde de Ourem (q. v.).
1453
No presente opúsculo, pp. 1-4, há, sobre o poema, um texto em prosa, não assinado, que se vê
não ser do autor do poema. Por vários passos desse texto, pareceria que a Dona Lianor saiu numa revista e que
o texto seria uma nota dos directores, constituindo o opúsculo, portanto, uma separata. Eis dois extractos do
texto introdutório: “O lindo Romance, com que entendemos recrear os nossos leitores” (p. 1) e “Muito sentimos
ter de deixar de publicar o nome do auctor de D. Lianor [...] obedecemos forçados á condição que nos foi
imposta, e que religiosamente observamos de occultar-lhe o nome” (p. 3). Tenha-se em mente, ainda, que
quatro “romances” de Morais Sarmento saíram na Revista Litteraria (os dois primeiros, para mais, igualmente
em 1838 — q. v.), e que na mesma revista saíram, também nesse ano de 1838, dois dramas seus, de que se
fizeram separatas impressas precisamente pela mesma tipografia (Typographia Commercial Portuense) que
imprimiu este opúsculo, separatas essas que, além disso, têm um aspecto gráfico igual ao do presente opúsculo.
Pareceria, então, que a Dona Lianor teria saído também na Revista Litteraria; porém, assim não aconteceu (a
colecção deste periódico existente na Biblioteca Nacional não tem falhas). É possível, contudo, que essa
publicação tenha estado prevista e da composição tipográfica se tenha mesmo feito uma separata (o presente
opúsculo), mas que, por motivo que desconhecemos, o texto tenha acabado por não sair na revista. Note-se, de
qualquer forma, que o poema ocupa 33 páginas, o que provavelmente seria demasiado para poder sair numa
revista.
1454
1455
O poema é sobre Leonor Teles e o assassínio do conde Andeiro.
Literariamente mais conhecido pelo seu título: Visconde (e depois Conde) de Azevedo.
479
[Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento],
1457
A Duqueza de Bragança. Romance
historico, Revista Litteraria, I, nº [3] (15/8/1838), pp. 165-178.
Em quadras de tipo tradicional e em quadras de heptassílabos de rima duplamente
cruzada.
1458
1456
Sobre os amores do pagem Eginhardo com Emma, filha de Carlos Magno. Conta o célebre
episódio em que Emma transporta o pagem às costas, para ele não deixar pegadas na neve, ao sair dos
aposentos dela. No fim, casam. Não é impossível que um tema estrangeiro como este tivesse chegado ao autor
português através de qualquer texto poético, talvez francês, pelo que Amor e Receio poderia ser mesmo uma
tradução mais ou menos livre. De notar que sobre a história dos amores do secretário de Carlos Magno com a
filha deste há um longo poema narrativo do chamado genre troubadour escrito por Millevoye: Emma et
Éginard, inicialmente incluído, ao que parece, em Recueil d’ élégies, 1811 (pode ler-se em Millevoye, Oeuvres,
précédées d’une notice par M. Sainte-Beuve, Paris, Garnier Frères, s/d., pp. 283-296). O texto de Millevoye
deve ter sido famoso em Portugal, já que Garrett o menciona duas vezes (cf. Romanceiro, I, p. xvi, e II, p. 154)
como se fosse uma referência perfeitamente clara para os seus leitores. Porém, aquele poema nada tem a ver
com o de Azevedo, a não ser, em linhas gerais, a história. O poema português, note-se, embora apresentando
um episódio claramente romântico, tem com frequência um tom cómico e uma linguagem pouco “poética”.
Vejamos um exemplo (p. 67):
“Andava Carlos Magno malucando
N’ uma nova Campanha contra os Mouros.
Estes Mouros jámais se despegavão
Do bestunto do Rei, era o seu fraco!...”
Esta linguagem, longe de romântica, é muito mais típica de certos textos satíricos neoclássicos, e não
esqueçamos que o poema é todo ele em decassílabos brancos, verso bem arcádico, como se sabe. Aliás, os
restantes poemas que se conhecem de Lopes de Azevedo (recolhidos na obra Distracções Poeticas, à frente
mencionada quando indicamos a republicação do presente texto em 1868) são neoclássicos. Amor e Receio
poderia, então, ser um poema romântico francês, de um qualquer poeta do chamado genre troubadour, que
Azevedo tivesse traduzido livremente, dando-lhe uma “demão” neoclássica. De sublinhar que vários dos
poemas das Distracções Poeticas são expressamente apresentados como traduções ou imitações de autores
estrangeiros.
1457
O poema não está assinado. Na introdução (escrita pela redacção da revista?) que o precede, o
autor deste texto é referido como “o nosso ilustre e joven menestrel” (p. 160; itálico do original), parecendo ser
alguém que antes já publicara versos na revista. Ora o único poema nela publicado até então fora Amor e
Receio. Conto, no nº [1] (15/7/1838), pp. 62-70, que está assinado F. L. D’ A. Porém, A Duqueza de Bragança
(remodelada e muito aumentada) aparece, em 1841, no Romanceiro Portuguez, I vol., de Moraes Sarmento (q.
v.).
480
[Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento],
1459
Fernam Rodrigues (Cognominado o
Passaro), Revista Litteraria, I, nº [6] (30/9/1838), pp. 343-357.
Em quadras de tipo tradicional e em quadras de heptassílabos de rima duplamente
cruzada.
1460
[Anónimo], Alvina. Romance Mouro, O Mercurio, nº 13 (1/10/1838), p. 104.
Em quadras de heptassílabos brancos.
1461
Antonio Feliciano de Castilho, O Acalentar da Neta. Xácara, O Panorama, II, nº 74
(29/10/1838), pp. 310-312.
É um romance.
1458
1462
Sobre o famoso episódio da morte de D. Leonor de Mendonça, assassinada por ciúmes (ao que
parece infundados) pelo marido, o duque de Bragança D. Jaime. Na introdução (da autoria da redacção da
revista?) que precede o poema (pp. 160-164), diz-se que nele “a historia é fielmente seguida, o estilo do
romance plenamente sustentado” (p. 160).
1459
O poema não está assinado. Na introdução (escrita pela redacção da revista?) que o precede, o
autor deste texto é referido como “o nosso erudito menestrel” (p. 339; itálico do original), pelo que deveria ser
o mesmo que, num número anterior da revista, publicara A Duqueza de Bragança (q. v.), ou seja, como vimos,
Moraes Sarmento. Além disso —prova decisiva— o poema foi republicado em 1841 (muito aumentado e com o
título de Fernão Rodrigues Pereira) n’ O Romanceiro Portuguez, I, de Sarmento.
1460
É uma espécie de continuação da história do duque de Bragança D. Jaime (ver o item anterior: A
Duqueza de Bragança), tendo como protagonista um Fernão Rodrigues Pereira, criado do duque, que teria
estado ligado ao crime cometido pelo seu patrão.
Na introdução (pp. 339-342) do poema, a redacção da revista (?) diz que o texto é um “romance”,
acrescentando: “É com a maior satisfação que nós vemos resurgir este genero de poesia d’ antigos e ditosos
tempos, tão proprio para popularisar feitos honrosos da historia patria. Ao Snr. J. B. d’ A. Garret[sic] deve-se
indubitavelmente o renascimento desta poesia nacional; a sua Adosinda é, como já dissemos, um primor d’ arte
[...] o Sr. A. F. de Castilho, brilhante ornamento da nossa litteratura, tambem não desdenha enriquecê-la com
valiosas producções neste estilo” (p. 339).
1461
1462
Um mouro andaluz declara o seu amor a uma moura.
Uma avó canta à neta, para a embalar, uma cantiga sobre uma dama que, disfarçada de romeiro,
vai à Terra Santa à procura do amado, que lá estava cativo dos Mouros. Ele, afinal, morrera e ela, ao sabê-lo,
morre também. Acontecem depois várias peripécias, que incluem a aparição de ambos, pedindo a um ermitão
missas de sufrágio e até o próprio casamento (que se celebra sendo madrinha Nossa Senhora do Rosário, de
quem ambos eram muito devotos). Tudo acaba com eles enterrados na mesma campa, “Que inda agora na
481
1839
J. S. M[endes] Leal-[sic]Junior, Theatro, I: Os Dous Renegados, drama em cinco
actos, Lisboa, Typographia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, s/ d. (a
peça foi estreada em 1839). Inclui:
Poema sem título (p. 132). Em sextilhas de heptassílabos.
1463
[Mendes Leal], Xacara do 5º Acto da Peça Os Dous Renegados, O Mosaico, I, nº
22 (1839), p. 176.
Republicação (ou pré-publicação) do item anterior.
[Anónimo], O Cavalleiro do Amor. Xacara, O Mosaico, I, nº 1 (14/1/1839), pp. 7-8.
Em quadras de heptassílabos.
1464
João Xavier Pereira da Silva, O Encontro. Xácara, O Ramalhete, nº 67 (2/5/1839),
pp. 129-131.
É fundamentalmente um romance, embora apresente também várias quadras de tipo
tradicional.
1465
Antonio Feliciano de Castilho, Jornada de Ourique (Anno 1139), O Correio das
Damas, III , nº 17 (25/5/1839), pp. 134-136.
Biscaya / Se vai vêr áquella ermida”. A nível temático (mas não quanto ao discurso), o romance, como se vê,
tem semelhanças com o romance tradicional do Conde Sol e, sobretudo, com certos romances vulgares de
cativos e/ou de milagres.
1463
O poema (designado por “xacara” na didascália) é cantado por uma personagem da peça (Isabel).
1464
Quando neste Apêndice falamos em “quadras de heptassílabos” queremos dizer algo diferente de
quando usamos a expressão “quadras de tipo tradicional”. De facto, nestas últimas, como já explicámos, os
versos, além de serem heptassilábicos (como na outra forma atrás referida), apresentam uma rima em ABCB.
Pelo contrário, por “quadras de heptassílabos” referimo-nos a quadras que, embora, obviamente, formadas por
versos heptassilábicos, têm uma rima com um esquema rimático diferente do das “quadras de tipo tradicional”.
1465
Sobre este poema (reversificação duma Bela Infanta oral, muito acrescentada), ver o que
escrevemos atrás, no cap. VIII.
482
Republicação do texto sem título saído em 1838.
1466
I[gnacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], O Pagem de Dom Diniz. Romance
historico, Revista Litteraria, III, nº [6] (Junho 1839), pp. 363-370.
Em vários tipos de estrofes de heptassílabos.
1467
A. F. de Castilho, Jornada de Ourique (Anno 1139). Chacara, A Vedeta da
Liberdade, 16/7/1839, pp. 1-2.
Republicação do texto sem título saído em 1838.
J[sic, por I, de Ignacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], Joam Pires (por
Cognome) da Bandeira ou o Alferes d’ Affonso 5º. Romance historico, Revista Litteraria, IV,
nº 20 ([Agosto] 1839), pp. 169-186.
Em quadras de heptassílabos.
1468
Aires Pinto de Souza de Mendonça e Menezes, Dona Maria Telles de Menezes,
Revista Litteraria, IV, nº 24 ([Dezembro] 1839), pp. 577-598.
Em quadras de tipo tradicional.
1469
J[sic, por I, de Ignacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], Joam Pires (por
Cognome) da Bandeira ou o Alferes d’ Affonso 5º. Romance historico, A Vedeta da
Liberdade, 4, 5, 6 e 7/12/1839, pp. 1-2 (de todos os n.ºs).
1466
1467
1468
Na breve introdução que o acompanha, chama-se “chacara” a este poema.
Sobre um milagre da Rainha Santa.
Sobre Duarte de Almeida, o famoso porta-bandeira português da batalha de Toro (a propósito do
título correcto do poema e do nome da personagem histórica, ver o que dizemos aquando da sua republicação
em O Correio das Damas, 1841).
Quanto a uma possível infuência do romance tradicional Aparição sobre esta balada, ver o que
escrevemos atrás no cap. VIII.
1469
É precedido por um prólogo (p. 576), não assinado, ao que tudo leva a crer da autoria dos
redactores da revista. Aí se chama ao poema “romance historico” e se diz: “Ja mais d’ uma vez temos dito que
este genero é por certo mui proprio para vulgarisar os acontecimentos mais notaveis em que a nossa historia
abunda, unindo o util ao deleitoso”. Diz-se que havia na época outros poetas a escrever romances históricos e
que “seria de grande vantagem nacional, que continuassem a empregal-os para tratar outros igualmente
interessantes assumptos”.
483
Republicação do texto saído em Agosto do mesmo ano.
1840
José Freire de Serpa Pimentel, Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria. 1ª
1470
Epocha,
Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1840. Contém:
Soláo I. A Torre d’ Hercules (pp. 1-2). Em sextilhas de heptassílabos;
1471
Soláo II. O Grão Beirão ou as Bodas de Viriato (pp. 3-8). Em sextilhas e dísticos de
heptassílabos;
1472
Soláo III. Cindasunda ou o Brasão de Coimbra (pp. 9-15). Em sextilhas, quadras e
dísticos de, sobretudo, heptassílabos;
1473
Soláo IV. D. Martim (p. 16). Em quadras de tipo tradicional e dísticos de
heptassílabos;
Soláo V. A Virgem Martyr Santa Comba (pp. 17-21). Em sextilhas, quadras e
dísticos, sobretudo de heptassílabos;
1474
e Soláo VI. D. Egas ou o Castello da Louzan (pp. 22-27). Em sextilhas de
heptassílabos.
1470
1471
1475
Não obstante o subtítulo, não parece ter havido mais volumes da obra.
Sobre uma tradição, sem dúvida erudita, que conta a passagem de Hércules por Coimbra, onde
teria construído uma torre e se teria apaixonado por cinco donzelas.
1472
1473
Sobre a figura histórica do chefe lusitano Viriato.
Sobre a lenda erudita de Cindasunda (inventada provavelmente por Frei Bernardo de Brito),
donzela sueva cujo casamento com o rei dos Alanos selou a paz entre os dois povos. A sua figura está
representada no brasão de Coimbra, cidade cuja fundação estaria ligada a tal casamento.
1474
Sobre a lenda de Santa Comba, jovem goda, cristã, que vivia perto de Coimbra. Um rei mouro
apaixona-se por ela, e, ao não ser correspondido, manda-a crucificar.
1475
Sobre os amores infelizes de Egas Moniz Coelho com D. Violante, tal como se depreendem das
duas apócrifas canções (a ela dirigidas) que se lhe atribuem, e foram publicados pela primeira vez por Leitão de
Andrada (Miscellanea, cit., pp. 334-7). A história contada por Serpa Pimentel tem igualmente em conta certos
pormenores fornecidos nos comentários do próprio Andrada.
Num dos seus dramas, Serpa Pimentel volta a aludir à personagem de Egas Moniz. Aí, em dado
momento, este rei recita um excerto duma das referidas canções apócrifas, e comenta: “Pobre D. Egas traído!
Pobre D. Sancho abandonado!” (José Freire de Serpa Pimentel, Theatro, III: D. Sancho II, Coimbra, Na
484
J[sic, por I, de Ignacio] P[izarro] de M[oraes] S[armento], Fr. Luiz de Souza.
Romance historico, Revista Litteraria, V, nº 26 ([Fevereiro] 1840), pp. 137-145.
Em oitavas camonianas.
1477
Silva Leal J.ºr
1476
[i. e., José da Silva Mendes Leal Jr.], “Historia Portugueza. 5:
Gonçalo Mendes da Maia o Lidador (Anno de 1170)”, O Mosaico, II, nº 49 (10/2/1840), pp.
41-43. É um conto. Inclui:
Poema sem título (p. 45). Em heptassílabos, agrupados em estrofes de tipos
diferentes.
1478
C. de L., A Maldição. Romance, O Cosmorama Litterario, nº 10 (7/3/1840), pp. 7677.
Em quadras de tipo tradicional.
José da Silva Mendes Leal Junior, Rimance do mui Applaudido Drama O Homem
da Mascara Negra Composto por..., O Mosaico, II, nº 53 (9/3/1840), pp. 74-75.
Em quadras de tipo tradicional, e sextilhas e oitavas de heptassílabos.
F[ernando] L[uiz] Mousinho d’ Albuquerque, Olinda e D. Aleixo. Chácara,
Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 3 (14/3/1840), pp. 35-37.
Em quadras de tipo tradicional.
1479
Imprensa da Universidade, 1846, p. 61). O fragmento em causa é a quinta quadra da segunda daquelas canções
(ver Andrada, op. cit., p. 336).
1476
Sobre o episódio da vida de Sousa que é tema do drama homónimo de Garrett, do qual, aliás, já
chegou a ser apontado como uma das fontes.
1477
Os primeiros cinco contos da série estão assinados “S. L. J.”. O nome por extenso vem apenas no
fim do sexto conto da série, “Martim de Freitas” (nº 58, 13/4/1840, p. 115). Deve tratar-se do famoso Mendes
Leal (cujo nome completo era, de facto, José da Silva Mendes Leal Jr.), e não do muito menos conhecido José
Maria da Silva Leal. Na verdade, assinados “Silva Leal J.º r” aparecem outros dois textos, um dos quais é sem
qualquer dúvida de Mendes Leal [ver, mais à frente, A Infante de Granada, na mesma revista O Mosaico, II, nº
78 (1840)].
1478
É um poema à morte do Lidador, improvisado por um trovador, personagem do conto.
485
V., O Cavaleiro da Cruz. Romance, O Cosmorama Litterario, nº 11 (14/3/1840),
pp. 83-85.
Em quadras de tipo tradicional.
1480
T. de C., O Bosque dos Finados. Chácara, O Cosmorama Litterario, nº 13
(28/3/1840), pp. 100-108.
Em quadras de tipo tradicional.
J[osé] M[aria] de A[lmeida] T[eixeira] de Queiroz, D. Elvira, e D. Ramiro. Balada ,
Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 6 (4/4/1840), pp. 81-84.
Em quadras de tipo tradicional.
A[ntonio?] J[osé da?] C[unha?] Salgado, A Vingança. Romance, O Cosmorama
Litterario, nº 15 (11/4/1840), pp. 114-115.
Em quadras de tipo tradicional.
J. Freire de Serpa [Pimentel], Cindasunda ou o Brasão de Coimbra, Soláo,
Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 8 (18/4/1840), pp. 114-120
1479
O poema tem dedicatória “Ao Illmº Sr. José Freire de Serpa Pimental”, que, a partir de Abril de
1840, iria publicar na mesma Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica alguns solaus. É provável que,
antes dessa publicação, tais poemas já fossem conhecidos no meio estudantil coimbrão, dando celebridade ao
seu autor, o que justificaria melhor que, neste número de Março da Chronica, Serpa Pimentel surja como
dedicatário duma balada medievalizante.
1480
Está claramente inspirado na famosa balada Alonzo and Imogine, de Lewis, cuja história segue
na maior parte, embora inove alguns aspectos, nomeadamente o final. Quanto à linguagem, este texto não
mostra depender da primeira tradução portuguesa de tal balada (1834), embora essa tradução tenha sido feita
por alguém que, curiosamente, também assina “V”. Por outro lado, afasta-se, dum modo geral, de qualquer uma
das traduções que Herculano fez da balada de Lewis (ver Apêndice nº 3, anos de 1835 e 1836). No entanto, por
vezes, parecem sentir-se no texto de 1840 certos ecos da versão herculaniana de 1835, nomeadamente no início:
cf. “Lá se aparta o guerreiro / De sua Dama, a mui formosa” (V., 1840) com “De Isolina a mui formosa / Já se
parte o seu guerreiro” (Herculano, 1835). Note-se que o original inglês é, nesta passagem, completamente
distinto, não tendo versos que correspondam aos excertos portugueses citados, e o mesmo se diga da tradução
francesa (na qual, como dizemos no Apêndice nº 3, se baseou Herculano, sobretudo ao fazer a sua primeira
versão).
486
Republicação (ou pré-publicação?) do texto saído no mesmo ano de 1840 nas
Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria.
J. Freire de Serpa [Pimentel], D. Martim. Soláo, Chronica Litteraria da Nova
Academia Dramatica, I, nº 10 (2/5/1840), pp. 155-156.
Republicação (ou pré-publicação?) do texto saído no mesmo ano de 1840 nas
Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria.
[Anónimo], A Virgem do Mosteiro. Balada, O Cosmorama Litterario, nº 19
(9/5/1840), pp. 148-150.
Em quadras de tipo tradicional.
J. Freire de Serpa [Pimentel], A Virgem Martyr Santa Comba, Soláo, na Chronica
Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 15 (6/6/1840), pp. 236-240.
Republicação (ou pré-publicação?) do texto saído no mesmo ano de 1840 nas
Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria.
[Anónimo], O Dia do Noivado. Xacara, O Mosaico, II, nº 66 (8/6/1840), pp. 183184.
Em estrofes de vário tipo, versos de 7, 3 e 4 sílabas.
J[osé] M[aria] de A[lmeida] T[eixeira] de Queiroz, Balada, O Ramalhete, nº 124
(19/6/1840), pp. 190-192.
Republicação, com outro título, de D. Elvira, e D. Ramiro. Balada, saída em Abril
do mesmo ano.
J. F. de Serpa [Pimentel], A Virgem Martyr Santa Comba, O Ramalhete, nº 128
(16/7/1840), pp. 222-224.
Republicação do texto saído em Junho do mesmo ano.
1481
J. F. de Serpa [Pimentel], D. Martim, Soláo, O Ramalhete, nº 131 (6/8/1840), p.
248.
1481
Dramatica.
Indica-se explicitamente que o texto foi transcrito da Chronica Litteraria da Nova Academia
487
Republicação do texto saído em Maio do mesmo ano.
1482
A. Pereira da Cunha, D. Branca, ou o Castello de Gondar. Soláo, Chronica
Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 20 (8/8/1840), pp. 309-319.
Em estrofes de vário tipo, de vv. de 7 (sobretudo), 4 e 6 sílabas.
1483
J. Freire de Serpa [Pimentel], D. Egas ou o Castello da Louzan, Soláo, Chronica
Litteraria da Nova Academia Dramatica, I, nº 23 (19/9/1840), pp. 353-358.
Republicação (ou pré-publicação?) do texto saído no mesmo ano de 1840 nas
Tradicções Cavalleirosas da Minha Patria.
Valdez, Astyr e Elvira, O Ramalhete, nº 146 (19/11/1840), pp. 366-368.
Em quadras de tipo tradicional.
1484
Silva Leal J.ºr[i. e., José da Silva Mendes Leal J.ºr], A Infante de Granada. Rimance
moirisco, O Mosaico, II, nº 78 (1840), pp. 273-276.
É, com pequenas excepções na rima, um romance, embora os heptassílabos estejam
agrupados em sextilhas e quadras e a assonância seja diferente em cada uma das seis partes
em que o texto se divide.
1485
Silva Leal J.ºr[i. e., José da Silva Mendes Leal J.ºr], Esposa!, O Mosaico, II, nº 79
(1840), p. 281.
Em sextilhas de heptassílabos, com repetições simétricas de versos, a lembrar o
popular.
1482
Indica-se explicitamente que o texto foi transcrito da Chronica Litteraria da Nova Academia
Dramatica.
1483
1484
1485
Com dedicatória “Ao Illmº Sr. José Freire de Serpa Pimental”.
A história passa-se no tempo de Viriato.
Como se fica a saber por uma sua republicação [ver nota em Mendes Leal, Rimance da Infante
de Granada, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 43 (15/5/1845), p. 518], a balada pertence ao I acto de D.
Antonio de Portugal. Tal peça, embora se tenha representado, parece nunca ter chegado a ser editada (ver
Innocencio Francisco da Silva, Diccionario, cit., V, p. 129).
488
1841
J. F. de Serpa [Pimentel], A Morte de D. Maria Telles, Chronica Litteraria da Nova
Academia Dramatica, II (1840-41), pp. 37-47.
Em decassílabos brancos e noutros metros, nomeadamente quadras de tipo
tradicional.
1486
J[osé] M[aria] de A[lmeida] T[eixeira] de Queiroz, “Um Mosteiro da Ordem de
Cister ou o Cerco de Montemór”, Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, II
(1840-41), pp. 79-90. É um conto. Inclui:
Poema sem título (pp. 81-2). Em sextilhas de heptassílabos.
1487
Fernando Luiz Mousinho de Albuquerque, A Noute de S. João. Chacara, Chronica
Litteraria da Nova Academia Dramatica, II (1840-41), pp. 110-116.
Em quadras de tipo tradicional.
1488
[José Freire de Serpa Pimentel],
1489
Ballada do 4º Acto do Drama Original A Actriz
Representado pela Primeira Vez em 14 de Abril de 1841, no Theatro Normal de Lisboa,
Chronica Litteraria da Nova Academia Dramatica, II (1840-41), p. 203.
Em sextilhas de heptassílabos.
João de Andrade Corvo, A Voz da Campa, O Mosaico, III, nº 98 (1841), p. 96.
Em sextilhas de heptassílabos (as três primeiras rimam como um romance) e
quadras de 7+7+7+1 sílabas.
1486
Sobre o assassínio, pelo infante D. João, de sua mulher, Dona Maria Teles, irmã da famosa
Leonor.
1487
O poema é cantado por um cavaleiro, personagem do conto (que se passa no tempo do rei
Ramiro).
1488
1489
Sobre os amores entre uma moura e D. Ramiro, cavaleiro cristão.
O poema não está assinado, mas foi Serpa Pimentel o autor de A Actriz, peça que nunca chegou a
ser impressa (ver Innocencio Francisco da Silva, Diccionario, cit., IV, Lisboa, Imprensa Nacional, 1860, p.
355).
489
Ignacio Pizarro de M[oraes] Sarmento, O Romanceiro Portuguez, ou Colecção dos
Romances de Historia Portugueza Compostos por..., I, Lisboa, Typographia do
Panorama,1841. Contém:
1490
1491
O Pagem de Dom Diniz (pp. 1-10) Republicação do texto saído em 1839;
O Conde de Ourem (pp. 15-76). Republicação do texto, com o título de Dona
1492
Lianor, saído em 1838;
Duarte d’ Almeida (pp. 83-114) Republicação do texto, com o título de Joam Pires
(por Cognome) da Bandeira ou o Alferes d’ Affonso 5º. Romance historico, saído em 1839 e
em Jan./Fev. de 1841;
1493
Fernão Rodrigues Pereira (pp. 121-152) Republicação do texto, com o título de
Fernam Rodrigues (Cognominado o Passaro), saído em 1838;
1494
A Duqueza de Bragança (pp. 157-198). Republicação do texto saído em 1838;
As Barbas do Viso-Rey (pp. 205-212). Em quadras de heptassílabos;
1496
Frey Luiz de Sousa (pp. 217-232) Republicação do texto saído em 1840;
e O Cavalleiro da Cruz (pp. 239-268). Em sextilhas de heptassílabos.
1490
1495
1497
1498
No fim de cada poema, há uma nota, por vezes longa, em que se transcreve a fonte histórica em
que se baseia o texto.
1491
No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a [Historia da] Vida [, Morte,
Milagres, Canonização e Trasladação] de Santa Isabel, de Fernando Correia de Lacerda (1680).
1492
Foi remodelado quase completamente e muito aumentado em relação ao texto de 1838. No
posfácio que acompanha o poema, indica-se como sua fonte a Crónica de D. Fernando e a Crónica de D. João
I, de Fernão Lopes, e as Memórias da Academia da História.
1493
No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a Crónica de D. João II, de Garcia
de Resende, e a Crónica de D. Afonso V, de Duarte Nunes de Leão.
1494
No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte um manuscrito sobre a família dos
Pereiras, que serviu à História Genealógica da Casa Real, de D. António Caetano de Sousa.
1495
No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a citada História Genealógica da
Casa Real.
1496
Sobre um famoso episódio da vida de D. João de Castro. No posfácio que acompanha este
poema, indica-se como sua fonte a Vida de D. João de Castro, de Jacinto Freire de Andrade.
1497
No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a vida de Frei Luís de Sousa que
(escrita por Frei António da Encarnação) acompanha a edição da segunda parte da História de São Domingos,
daquele autor.
490
I[gnacio] P[izarro de] M[oraes] S[armento], Joam Pires (por Cognome) da
Bandeira, ou o Alferes d’ Affonso V. Romance historico, O Correio das Damas, IV, nº 13
(25/1/1841), pp. 101-104, e nº 14 (25/2/1841), pp. 108-112 [no nº 14, o poema tem o título
de Duarte d’ Almeida (o Decepado) ou o Alferes de Affonso V. Romance historico].
Republicação do texto saído em 1839.
1499
Antonio Carlos da Silva, O Espirito das Trevas, O Ramalhete, nº 187 (9/9/1841), p.
288.
Em quadras de tipo tradicional.
J[oaquim] da C[osta] Cascaes, Romance do 1º Acto do Drama Original O Vallido,
O Mosaico, III, nº 99 (1841), pp. 103-104.
É um romance, embora os heptassílabos estejam agrupados em quadras e a
assonância seja diferente em cada uma das três partes em que o texto se divide.
1498
1500
Nada tem a ver com o poema (assinado por “V.”) com o mesmo título publicado em 1840. O
poema de Sarmento conta a história segundo a qual D. Sebastião não morreu em Alcácer, tendo conseguido
escapar para Veneza, onde foi descoberto pelos esbirros de Filipe II e condenado à morte. Trata-se, claro, do
episódio do calabrês Marco Tullio, que, em Itália, se fez passar pelo defunto rei e foi morto por isso. No
posfácio que acompanha o presente poema, Sarmento indica como sua fonte a História de Portugal de La
Clède, e as “memórias de D. João de Castro”, i. e., sem dúvida o Discurso da Vida do sempre Bem-vindo e
Aparecido Rei Dom Sebastião (1602), escrita pelo neto do vice-rei do mesmo nome, famoso apoiante da causa
do Prior do Crato contra Filipe II.
1499
No nº 14 da revista, onde se publica o “canto II” (e último) da balada, o título do texto, como
dissemos, é diferente. Numa “advertencia” (pp. 107-108), assinada por J[acinto da] S[ilva] M[engo] (director da
revista), que antecede o referido canto II, diz-se que o título que o poema agora aqui tem é o correcto. O outro
título fora erro do autor, que o corrigiu para esta nova publicação, para a qual também remodelou a segunda
parte do texto.
Silva Mengo informa igualmente que o poema fora já incluído em dois jornais do Porto [Revista
Litteraria do Porto (publicação que já descriminámos atrás) e o Athelta (deve tratar-se de gralha, por O Athleta,
em cujos poucos exemplares que conseguimos descobrir se não encontra o poema)], num de Lisboa (aí,
“traduzido” em prosa) e no jornal brasileiro Brazil (não pudemos consultar esse jornal). Foi deste último que O
Correio das Damas extraiu o poema para o publicar. Moraes Sarmento (explica ainda Silva Mengo), ao ver a
publicação da primeira parte do poema n’ O Correio das Damas, escreveu à redacção do jornal e comunicoulhe as transformações acima referidas.
491
J. M. C. de C. R., A Camara Negra (Romance), O Mosaico, III, nº 105 (1841), pp.
151-152.
Em quadras de tipo tradicional.
[Anónimo], Poesia, Revista Litteraria, VII (1841), nº 37, pp. 40-48.
Em heptassíbos agrupados em sextilhas, oitavas e, sobretudo, quadras.
J[oão Corrêa Manoel d’] Aboim, Tomada de Santarem, Revista Litteraria, VII
(1841), nº [42], pp. 535-554.
Em heptassílabos agrupados em sextilhas e quadras.
1842
João Corrêa Manoel d’ Aboim, Devaneios Poeticos, Lisboa, Imprensa Nacional,
1842. Inclui:
Um Torneio em Castella (pp. 22-35). Em sextilhas e sobretudo em quadras de tipo
tradicional;
e Tomada de Santarem (pp. 65-92). Republicação do texto saído em 1841.
[Maria Peregrina de Souza],
1501
Erico e Batilde, O Archivo Popular, VI, nº 1
(1/1/1842), pp. 2-3, nº 2 (8/1/1842), pp. 14-15, e nº 3 (15/1/1842), pp. 21-23.
Em sextilhas de heptassílabos.
1500
1502
O Vallido só parece ter sido publicado postumamente: J. da Costa Cascaes, Theatro, I, Com uma
noticia sobre o auctor e a sua obra dramatica por Maximiliano de Azevedo, Lisboa, Empreza da Historia de
Portugal, 1904, pp. 1-75 (o romance está a pp. 13-15).
1501
O texto está assinado apenas “Por huma senhora da cidade do Porto” (p. 2, em nota). É possível
saber, porém, que foi escrito por D. Maria Peregrina de Souza. Com efeito, numa carta a Castilho [incluída em
Antonio Feliciano de Castilho, “D. Maria Peregrina de Sousa”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, 3º
ano (1861), pp. 273-312], a autora em causa diz que publicou no Archivo Popular algumas “chacaras”
(Bernardo del Carpio, Erico e Batilde, Jacques 1º, Chacara, Um Cavalleiro Portuguez e A Moira de Lissibona)
“ainda engeitadas”, i. e., não assinadas. Quanto a Um Cavalleiro Portuguez, esclareça-se que tal poema não
saiu no Archivo Popular, mas no Jardim Litterario. Acrescente-se ainda que nem no Archivo Popular nem
noutro lugar encontrámos A Moira de Lissibona.
492
J[oaquim] da C[osta] Cascaes, O Desacato, ou o Calado é o Melhor. Romance
historico, O Panorama, 2ª série, I, nº 25 (18/6/1842), pp. 197-199.
Em quadras de tipo tradicional.
[Maria Peregrina de Souza],
1503
1504
Bernardo del Carpio. Chacara, O Archivo Popular,
VI, nº 27 (2/7/1842), p. 211, e nº 28 (9/7/1842), pp. 218-220.
Em sextilhas de heptassílabos.
[Maria Peregrina de Souza],
1505
1506
Jaques[sic] 1º. Chacara, O Archivo Popular, VI, nº
41 (8/10/1842), p. 324, e nº 42 (15/10/1842), pp. 330-331.
Em quadras de tipo tradicional.
[Anónimo], A Noiva de Hugo. Chacara,
1507
O Archivo Popular, VI, nº 42
(15/10/1842), p. 192.
Em quadras de tipo tradicional.
A[ntonio] M[aria] do Couto, Gonçalo Hermigues, o Tragamouros. Romance
historico, O Panorama, I, 2ª série, nº 44 (29/10/1842), pp. 349-351.
Em quadras de tipo tradicional (sobretudo) e em sextilhas. Há uma tirada de sete
quadras em que a rima é sempre igual (versificação romancística, portanto).
1502
1503
1508
A acção passa-se na Dinamarca.
Sobre a lenda que explicaria a “maldição” das obras da igreja de Santa Engrácia (Lisboa). Foi
republicado —com o acrescento de “(1630-1631)” ao subtítulo— em Joaquim da Costa Cascaes, Poesias, I,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, pp. 57-79.
1504
O texto não está assinado, dele se dizendo apenas (p. 211): “Esta chácara he composição da
mesma senhora portuense, de que já démos no Archivo outras producções”. Trata-se de D. Maria Peregrina de
Souza (ver nota a Erico e Batilde, 1842).
1505
Sobre a lenda de Bernardo del Carpio. A fonte deste poema não parece ser o romanceiro velho,
mas qualquer reconto moderno de relatos cronísticos medievais.
1506
“Pela senhora portuense, de quem temos dado outras obras no Archivo” (p. 324, em nota). Trata-
se de Maria Peregrina de Souza (ver nota a Erico e Batilde, 1842).
1507
O subtítulo vem apenas no índice do volume, p. [4].
493
J. Freire de Serpa [Pimentel], Dona Lucinda Moniz, ou a Emparedada de Penacova.
1509
Soláo, O Panorama, I, 2ª série, nº 47 (19/11/1842), pp. 375-376.
Em sextilhas de heptassílabos e em quadras (a maioria destas últimas, de tipo
tradicional).
A[lexandre] J[osé] G[omes] Monteiro, D. Ignez de Castro. Romance, Revista
Litteraria, VIII (1842), pp. 170-174.
É um romance. Os versos estão sobretudo em tiradas (laisses), de rima vocálica,
sempre igual. Parte do texto tem os versos agrupados em quadras, mas estruturalmente
continua um romance, embora nesta parte a rima seja diferente da rima da parte das
1510
laisses.
1508
Em nota (p. 349), diz-se que o tema é tirado da “Chronica de Cister liv. 6º cap. 1º”. Esta obra de
Frei Bernardo de Brito parece ser, aliás, a origem da lenda de Gonçalo Hermigues e seus amores infelizes com
Ouroana. Lá se inclui também, aliás, a canção apócrifa que Hermigues teria escrito à amada (“Tinhera bos, nam
tinhera bos”).
1509
Sobre a história dum rei mouro que se apaixona por uma cristã que vive emparedada, em
penitência. O rei acaba por se converter ao cristianismo.
1510
Teve separata: A. J. G. M., D. Ignez de Castro. Romance, Porto, Typographia da Revista, 1842.
Como atrás dissemos, este texto foi republicado por Teófilo Braga, que o apresenta como anónimo
(Cantos Populares do Archipelago Açoriano, cit., pp. 345-7). Do poema (a que dá o título de Romance de Dona
Inez de Castro. Lição ms. do seculo XVIII) afirma Braga (p. 457) que ele “foi achado entre os papeis velhos de
um burguez honrado do Porto, escripto em letra dos fins do seculo XVIII”. No Romanceiro Geral Portuguez,
do mesmo Braga (2ª ed., II, cit., pp. 340-1), o poema traz o subtítulo de “(Lição ms. do seculo XVII)”, mas o
“XVII” é sem dúvida gralha: no índice do volume, o subtítulo diz “XVIII” (p. 583) e na nota a este romance
(incluída no III vol., cit., p. 578) Teófilo afirma que o romance “foi achado entre os papeis de um burguez do
Porto [,] antigo contraste de ouro, e escripto em letra do seculo XVIII”.
Face ao exposto, duas hipóteses se nos deparam: será que Monteiro publicou com o seu nome um
poema que, afinal, era setecentista? Ou será que o poema é, de facto, da autoria de Monteiro, tendo, no entanto,
depois da morte deste, sido encontrado por alguém entre os seus papéis e, posteriormente, oferecido a Braga,
como tratando-se dum texto inédito antigo? Sabe-se que Monteiro era do Porto, cidade onde nasceu em 1816,
mas nem Inocêncio nem Brito Aranha (que se lhe referem por quatro vezes: Diccionario Bibliographico, cit., I,
p. 39, VII, p. 41, XV, p. 324, e XX, p. 324) nem a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (XII, p. 540)
fornecem a data da sua morte. O mais que se sabe é que, em 1867 (ou pouco antes), ainda estava vivo, pois é
dessa data o vol. VIII de Inocêncio, em que se diz (p. 41): “é actualmente Secretario da Alfandega da mesma
cidade” [refere-se ao Porto, onde informara ter ele nascido]. De qualquer modo, Monteiro poderia ter falecido
494
Nuno Maria de Sousa Moura, O Bispo de Lisboa, Museu Pittoresco, I (1842), nº 14,
pp. 108-109.
Em sextilhas de heptassílabos.
1511
N. M. de Sousa Moura, Uma Jornada ao Paiz das Fadas, A Distracção Instructiva,
I (1842), nº 2, pp. 30-31.
entre 1867 e 1869, pelo que a sua morte se poderia coadunar com a afirmação dos Cantos (que parecem deixar
subentender que, em 1869, o tal “burguês honrado do Porto” já tinha morrido).
Claro que, como dissemos, Monteiro nasceu em 1816, pelo que talvez não seja provável que tivesse
uma caligrafia que leitores de meados do séc. XIX pudessem confundir com a do século anterior. No entanto,
como é sabido, as datações de letras feitas por Teófilo Braga não são, de modo algum, de fiar [ver um caso de
atribuição errónea corrigido em Pere Ferré “Problemas Textuais do Romanceiro Português: algumas notas”,
Quaderni Portoghesi, 11-12 (Primavera-Autunno, 1982), pp. 39-66].
Obviamente que poderá pôr-se, ainda, uma terceira hipótese: a de o manuscrito em causa ter sido
escrito por um portuense nascido, efectivamente, no séc. XVIII, mas que se tivesse limitado a copiar o poema
quando ele foi publicado em 1842, na Revista Litteraria. Para a não identificação desse escriba com o
oitocentista Alexandre Monteiro pareceria apontar a informação que Braga fornece sobre o primeiro, dizendo
que ele tivera a profissão de “contraste de ouro” (i. e., “pessoa encarregada, antigamente, de avaliar as jóias e de
examinar o toque das peças dos ourives” — Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua
Portuguesa Contemporânea, Lisboa, Verbo, 2001, s. v.). A não ser que o papel de “contraste” pudesse ter sido
também uma das atribuições de Monteiro, que, como vimos, segundo informa Inocêncio, foi secretário da
alfândega do Porto.
De qualquer modo, é um facto que Alexandre Monteiro foi poeta, pelo que poderia, perfeitamente,
ter escrito a D. Ignez de Castro, embora tal balada, para lá da edição em separata, não volte a aparecer nas obras
que deste autor pudemos consultar: Obras Poeticas e Dramaticas. Camões (Porto, Typographia da Revista,
1848; contém apenas o drama especificado no subtítulo) e Obras Poeticas (Porto, Typographia de Sebastião
José Pereira, 1852). Esta última, além duma peça (Odette), inclui também alguns poemas narrativos e outros
líricos. Entre os narrativos há, por exemplo, O Pobre Negro (Imitado de Millevoye), pp. 91-7.
1511
Sobre o assassínio do bispo de Lisboa, às mãos dos manifestantes, por não mandar tocar os sinos
da sé em sinal de regozijo aquando da morte do conde Andeiro. Na nota (1), p. 108, diz-se: “O assumpto deste
romance foi extrahido das memorias de D. João I, da Academia de Lisboa [,] Tom. I”. Trata-se de referência a
um manuscrito da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes (não o mais famoso, pertencente à Torre do Tombo)
que existe na biblioteca da Academia das Ciências, o qual, no séc. XIX, parece ter passado por ser autógrafo,
facto que explicará talvez que Sousa Moura o apresente como fonte do seu poema, não obstante, como se sabe,
a Crónica estar publicada desde 1644. Na verdade, no fólio 1v do referido manuscrito (o nº 391, Série
Vermelha) diz-se o seguinte: “O caracter deste Manuscrito, a numeração das folhas em conta romana, as
abbreviaturas das palavras, etc., mostrão assaz a sua anteguidade, e que he coevo do Author, se acaso não he
authographo” (ver Academia das Ciências de Lisboa, Catálogo de Manuscritos. Série Vermelha, I, Lisboa,
Academia das Ciências de Lisboa, 1978).
495
Em sextilhas de heptassílabos.
1512
1843
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro e Cancioneiro Geral, I: Adozinda e Outros
(“Obras de J. B. de A.-Garret [sic]”, IV) Lisboa, Typ. da Soc. Propagadora de Conhecim.
Úteis, 1843.
Contém os seguintes poemas:
Adozinda. Romance (pp. 23-95).
1513
Republicação do texto saído em 1828;
Bernal-Francez. Romance (pp. 103-118). Republicação do texto saído em 1828 e
em 1836, com o título Romance de Bernal e Violante;
Noite de San’ João. Romance (pp. 134-8). É um romance, embora a assonância seja
diferente em cada uma das tiradas;
1514
O Anjo e a Princeza. Legenda (pp. 149-155). Em quadras de tipo tradicional;
O Chapim d’ Elrei ou Parras Verdes. Xacara (pp. 163-5). É um romance;
1512
1515
Embora de ambiente medievo, é poema à clef: no fim diz-se “Tu és a ingrata do conto [que
narrei] / E o desgraçado eu o sou”.
1513
As quatro partes em que o poema se divide são aqui chamadas “cantigas”, em vez de, como na 1ª
ed. (1828 q. v.), “cantos”. Na nota “L” à Adozinda, Garrett (p. 201) explica que usar a terminologia antes
adoptada “era dar-lhe [ao poema] uma pretenção de epopea que o pobre não tinha. Demais, cantiga é o nome
popular verdadeiro”.
1514
Deste texto diz Garrett: “Este romance é e não é de minha simples composição. Estavam-me na
saudosa memoria as vagas reminiscencias d’ aquelles cantares tão graciosos com que, na minha infancia, ouvia
o povo do Minho festejar a abençoada noite de san’ João; estavam-me as fogueiras e as alcachofas de Lisboa a
arder tambem na imaginação; e eu era muito longe de Portugal, e muito esperançado de me ver n’ elle cedo:
aqui está como e quando fiz ésta cantiga. [...] O romance é tam feito dos dittos e cantares do povo que nem uma
idea nem talvez um verso inteiro tenha que seja bem e todo meu” (Romanceiro, I, pp. 133-4). É verdade que os
motivos tratados neste poema são tradicionais: noite de São João e seus festejos, a ideia de que até os mouros
celebram este santo (a acreditarmos no diz uma famosa quadra tradicional, de que Garrett, aliás, transcreve uma
versão como epígrafe desta balada) e as práticas divinatórias ou propiciatórias feitas com alcachofras nessa
noite. No entanto, a insipiente história que aqui se narra (uma moura está apaixonada por um cavaleiro cristão,
que, ausente, vem ter com ela na noite de São João) e mais ainda os versos do poema são sem dúvida de
Garrett.
1515
no cap. VIII.
Sobre esta balada (que versifica o conto AT 891 B*, The King’s Glove), ver o que deixámos dito
496
e Rosalinda. Romance (pp. 183-9). É um romance.
1516
J. S. M[endes] Leal Junior, O Homem da Mascara Negra, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1843. Drama histórico. Inclui:
um poema sem título (pp. 29-30). Em sextilhas de heptassílabos;
1517
e
outro poema sem título (pp. 33-5). Republicação do texto que, com o título de
Rimance do mui Applaudido Drama O Homem da Mascara Negra, saíra em 1840.
1518
A. X. R[odrigues] Cordeiro, D. Elvira. Romance, Revista Litteraria, XI (1843), pp.
247-258.
Em versos de várias medidas, nomeadamente heptassílabos, agrupados em sextilhas
e quadras (várias das quadras são de tipo tradicional).
Mendes Leal Junior, Rimance do Moiro, Universo Pittoresco, III, nº 5 (1843), p. 80.
Em quadras de heptassílabos.
1516
1519
Como dissemos no cap. VIII, está baseada em versões tradicionais de Conde Claros e a Princesa
Acusada e Conde Ninho.
Por se ligarem a este poema de Garrett, podem citar-se aqui os seguintes artigos:
Almeida Garrett, Rosalinda. Versões em francez e inglez, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, IV,
nº 28 (19/2/1852), pp. 333-336 (as traduções são acompanhado por uma pequena introdução, anónima, em que
se diz pertencer o poema original ao vol. I do Romanceiro de Garrett, “restaurador destas riquezas primitivas da
litteratura patria”).
[Anónimo], “Critica Litteraria. Estudo sobre a Rosalinda do sr. V.[sic] de Almeida Garrett — por
Mr. Eduardo Fournier. Paris, 1852”, A Semana, II, nº 39 (Fevereiro 1852), pp. 433-435. Esta recensão da obra
de Fournier é, na sua maior parte, a transcrição pura e simples do prefácio e da tradução francesa do poema. Na
Biblioteca Nacional não existe a obra de Fournier, que também não vem referida na PORBASE. Na Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (XI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Limitada, s/d., p.
719) dá-se conta da existência dum livro de Edouard Fournier intitulado La Rosalinda et l’ origine portugaise
de la fiancée du roi de Garbe, Paris, 1851, que talvez seja aquele de que trata o presente artigo d’ A Semana.
1517
1518
Este poema é lido pelo conde, uma das personagens.
Este poema é recitado por Branca, que, antes de o fazer, se dirige deste modo ao conde: “dirte-
hei para distrahir-te o rimance de não sei que antigo trovador... tem muita relação com os nossos amores”.
1519
O poema tem a indicação de pertencer à peça O Pagem d’ Aljubarrota, obra publicada apenas
em 1846, mas estreada sem dúvida antes.
497
C[onde] de Mello “O Castello d’ Almourol”, Jornal das Bellas Artes, I, nº 5 (1843),
pp. 67-75, (e nº 6? — não há essa indicação) pp. 83-7. É um conto. Inclui:
Poema sem título (pp. 72-3). Em quadras de tipo tradicional.
1520
[Anónimo], A Victima d’ Amor, O Ramalhete, nº 256 (26/1/1843), pp. 23-24.
Em quadras de tipo tradicional.
Aires Pinto de Sousa de Mendonça e Menezes, A Despedida. Romance, O Prisma,
nº 4 [Janeiro 1842 (sic, por 1843)], pp. 30-31, e nº 5 (Fevereiro 1843), pp. 38-40.
Em quadras de tipo tradicional.
J[osé] M[aria] d’ A[ndrade] F[erreira], O Cego Peregrino. Rimance,
1521
O
Panorama, II, 2ª série, nº 58 (4/2/1843), pp. 35-36, e nº 84 (5/8/1843), pp. 247-248.
Em quadras de tipo tradicional.
1522
[Maria Peregrina de Souza],
1523
Chacara, O Archivo Popular, VII, nº 23
(10/6/1843), p. 182. Em sextilhas de heptassílabos.
José Osorio de Castro Cabral d’ Albuquerque Junior, A Serra-Negra. Romance, O
Ramalhete, nº 281 (20/6/1843), pp. 222-224 e 230-232.
Em quadras de tipo tradicional.
Antonio Pereira da Cunha, Dom Florentim Barreto. Soláo, Revista Universal
Lisbonense, II, nº 48 (17/8/1843), pp. 597-601.
Sobretudo em heptassílabos, agrupados em vários tipos de estrofes.
1520
Ver o que sobre esta balada (apresentada falsamente como um romance tradicional) dizemos no
capítulo VIII.
1521
Em nota, o autor escreve: “João de Barros dá este nome [“Rimance”] ás trovas populares antigas,
persuadido talvez de que provém das rimas ou consoantes: romance deriva da lingua romaã ou dos trovadores
provençaes.”
1522
Ver o que no cap. VIII escrevemos sobre esta balada, a qual é a reversificação dum Falso Cego
tradicional.
1523
“Da senhora portuense, de quem já temos publicado outras produções” (p. 132, em nota). Trata-
se de Maria Peregrina de Souza (ver nota a Erico e Batilde, 1842).
498
A[lmeida] G[arrett], Miragaia, Jornal das Bellas Artes, I, nº 1 (Outubro 1843), pp.
8–12; e nº 2 (s/d.), pp. 33-37.
É um romance.
1524
1844
Antonio Feliciano de Castilho, Excavações Poeticas, Lisboa, Typographia Lusitana,
1844. Inclui:
Sancta Iria. Chacara (pp. 17-27) Em quadras de tipo tradicional;
1525
e O Acalentar da Neta. Xácara (pp. 264-274). Republicação do texto saído em
1838.
J[acinto da] S[ilva] M[engo], “O Filho da Montanha”, O Correio das Damas, VI, nº
1 (31/1/1844), pp. 10-11, e nº 2 (29/2/1844), pp. 9-11. É um conto de ambiente rústico.
Inclui:
Poema sem título (pp. 10-11). Em quadras de tipo tradicional.
1526
F[rancisco] da C[osta] Nascimento, Elisa, ou a Virgem do Mosteiro. Romance, O
Ramalhete, nº 318 (4/4/1844), pp. 11-112.
Em sextilhas de heptassílabos.
J. V. B. da C., Branca e Hugo. Romance, O Ramalhete, nº 321 (25/4/1844), pp. 129131, nº 322 (2/5/1844), pp. 137-139, e nº 323 (9/5/1844), pp. 145-146.
Em sextilhas de heptassílabos, oitavas de decassílabos e quadras de eneassílabos.
1524
1527
Sobre esta balada (versificação duma lenda tradicional ou, então, duma história escrita, extraída,
em última análise, dos livros de linhagens), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII.
1525
É versificação da lenda hagiográfica sobre a padroeira de Santarém. Nada tem a ver com o
romance do mesmo título.
1526
1527
Sobre o poema, falsamente apresentado como tradicional, ver o que dissemos no cap. VIII.
Como informa Maria Leonor Machado de Sousa [A Literatura ‘Negra’ ou ‘de Terror’ em
Potugal (Séculos XVIII e XIX), Lisboa, Editorial Novaera, 1978, p. 375], “é a versificação do conto ‘Hugo’,
publicado no Mos[aico], v. I, nº 34, 1839”, e assinado apenas por “M. P.”
499
[Anónimo], O Engano. Rimance, O Quadro Litterario, nº 1 (13/6/1844), p. 2.
Em quadras de tipo tradicional.
1528
Serpa Pimentel, S. Thiago e Belzebut. Solao, Revista Universal Lisbonense, III, nº
44 (20/6/1844), pp. 528-531.
Em heptassílabos, agrupados em estrofes de vário género.
1529
A. Pereira da Cunha, A Moira de Sancta Luzia (Tradicção da minha terra), Revista
Universal Lisbonense, III, nº 45 (27/6/1844), pp. 541-543.
Em quadras de heptassílabos.
1530
F[rancisco] D[uarte d’] A[lmeida e] Araujo, “O Ciume”, O Pantologo, I, nº 12
(26/8/1844), pp. 93-95, nº 13 (2/9/1844), pp. 101-103, nº 14 (9/9/1844), pp. 109-111, nº 15
(16/9/1844), pp. 117-120, nº 16 (30/9/1844), pp. 123-126, e nº 23 (28/4/1845), pp. 182-184.
É um conto de ambiente medieval. Inclui:
um poema sem título (nº 14, pp. 110-111). Em quadras de tipo tradicional e em
sextilhas de heptassílabos.
1531
A. F. S. P., Dona Mincia, O Panorama, III, 2ª série, nº 149 (2/11/1844), pp. 349350.
Em quadras de tipo tradicional.
1528
1532
No fim diz “concluir-se-ha”, mas este é o único número da revista que existe na Biblioteca
Nacional.
1529
1530
Sobre o poema (talvez inspirado numa lenda tradicional), ver o que dissemos no cap. VIII.
Sobre esta balada (versificação duma lenda de moura encantada), ver o que dissemos no cap.
VIII.
1531
1532
O poema, a que se chama “rimance”, é cantado por uma das personagens, enquanto toca alaúde.
A acção passa-se provavelmente no séc. XV ou XVI, no Norte de África. O tema são lutas entre
Cristãos e Mouros. Em nota, diz-se que a fonte do texto é a “Historia de Portugal de La Clede, tomo 8”. Tratase da Historia Geral de Portugal, por Mr. de La Clède, traduzida em vulgar; e illustrada com muitas notas
historicas, geograficas, e criticas; e com algumas dissertações singulares, VIII: Contém a continuação do
reinado de D. Manoel, e o reinado de D. Joaõ[sic] III, Lisboa, Na Typografia Rollandiana, 1785.
500
L. A. Palmeirim, As Três Encantadas, Revista Universal Lisbonense, IV, nº 23
(24/12/1844), p. 276.
É um romancilho, embora com os versos (pentassílabos) agrupados em quadras.
1533
A. Pereira da Cunha, Peccado em Noite Benta (Chronica braccharense), Revista
Universal Lisbonense, IV, nº 23 (24/12/1844), pp. 276-278.
Em decassílabos e em heptassílabos, estrofes de vários tipos.
1534
1845
A. X. R[odrigues] Cordeiro, O Conde Alarcos (lenda popular), Revista Academica
(Coimbra), nº 17 (S/ d.; 1845?), p. 272.
É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras.
1535
Almeida Garrett, O Arco de Sant’ Ana, apud Obras, I, Porto, Lello & Irmão—
Editores, s/ d. (a 1ª ed. do vol. I deste romance data de 1845).
Inclui (p. 247) uma quadra de tipo tradicional.
1536
Almeida Garrett, Flores sem Fruto (1ª ed.: 1845) apud Obras, II, Porto, Lello &
Irmão—Editores, s/d.
Inclui (pp. 104-7) o poema O Emprazado (datado de 1841). Em vários metros.
1533
1537
Passa-se no campo, na actualidade. Há referências ao “moinho das três encantadas”, de onde
“três moças” foram “do demo furtadas”.
1534
1535
Sobre esta balada (versificação duma suposta lenda), ver o que dissemos no cap. VIII.
Sobre esta balada (reescrita do romance tradicional do mesmo nome), ver o que dissemos no cap.
VIII.
1536
A quadra, cantada por uma personagem, diz o seguinte: “Que cavalos são aqueles / Que além
ouço relinchar? / ‘Vossos são, dom cavaleiro, / Que se enfadam de esperar’”. Os três primeiros versos parecem
adaptados (para os aplicar à acção de O Arco de Sant’ Ana) da conhecida passagem do romance tradicional de
Claralinda. Note-se, porém, que Garrett não publicou nenhuma versão deste romance.
1537
O poema, não obstante o seu título, nada tem a ver com o rei de Leão Fernando IV, “el
Emplazado”, protagonista do famoso romance velho que começa “Válame Nuestra Señora que dizen de la
Ribera” (Primav. 64). Ao que sabemos, o presente texto de Garrett é, fora do Romanceiro, o seu único poema
501
Nuno Maria de Sousa Moura, Emma ou a Esperança e a Tumba, com as Cartas de
Silvano e Lilia, Seguidas de Outras Poesias, Porto, Typographia Commercial, 1845. Inclui:
Xacara (pp. 133-4). Republicação do texto saído em 1842;
e O Bispo de Lisboa (pp. 136-140). Republicação do texto saído em 1842.
Ignacio Pizarro de M[oraes] Sarmento, O Romanceiro Portuguez, ou Colecção dos
Romances
de
Historia
Commercial,1845.
Portugueza
Compostos
por...,
II,
Porto,
Typographia
1538
1539
Contém:
Gaésto Ansor (pp. 1-45). Em sextilhas de heptassílabos;
1540
Os Votos Denodados (pp. 57-81). Em quadras de heptassílabos;
1541
O Conde de Abranches (pp. 89-106). Em quadras de heptassílabos;
O Massinga (pp. 113-123). Em quadras de tipo tradicional;
1542
1543
O Manoelinho d’ Evora (pp. 135-187). Em quadras de tipo tradicional;
1544
narrativo de tema medieval. Dele diz o autor (nota H, p. 151): “Talvez não devesse colocar-se aqui esta
composição, que pertenceria melhor ao Romanceiro. — Romance é ela, mas não no estilo casto e singelo dos
nossos romances antigos, como o autor se lisonjeia que são as suas outras composições da mesma natureza.
Neste quis-se mais imitar a escola de Schiller, e provar forças por todos ou quase todos os metros que a nossa
língua comporta: por isto é que não o quis incluir no Romanceiro a par dessoutros.”
1538
Deste volume, existe na Biblioteca Nacional (Reservados: Cod. 10996 P) o que aparenta ser o
manuscrito que serviu para a impressão da obra. Não parece ter emendas e, embora só muito por alto o
tenhamos cotejado com o impresso, não encontrámos diferenças em relação a este.
1539
No fim de cada poema, há uma nota, por vezes longa, em que se transcreve a fonte histórica que
serviu de fonte ao texto.
1540
Sobre o tema do chamado Cantar dos Figueiredos. No posfácio que acompanha o texto, indica-
se como sua fonte a Monarquia Lusitana, Fr. Bernardo de Brito.
1541
No posfácio que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a Crónica de D. João I, de Fernão
Lopes.
1542
Sobre a figura histórica do mesmo nome, que morreu na batalha de Alfarrobeira. No posfácio
que acompanha o texto, indica-se como sua fonte a Crónica de D. Afonso V, de Fernão Lopes
1543
Sobre um português que foi rei do Pegu, no séc. XVIII. No posfácio que acompanha o poema,
indica-se como sua fonte o Índice Cronológico das Navegações, Viagens e Descobrimentos dos Portugueses
desde o Princípio do Século XV (1841), do Cardeal Saraiva.
502
e Martim Affonso de Lucena (pp. 197-257). Em quadras de tipo tradicional.
1545
J. F. de Serpa [Pimentel], O Cid. Solao, Revista Academica (Coimbra), nº 15 (s/ d.;
1845?), pp. 235-236.
Em heptassílabos, agrupados em vários tipos de estrofes, predominando as
1546
sextilhas.
Mendes Leal, Rimance da Infante de Granada, Revista Universal Lisbonense, IV, nº
43 (15/5/1845), p. 518.
Republicação do texto saído em 1840.
1547
J. F. de Serpa [Pimentel], Engracia Ramila. Soláo, Revista Academica (Coimbra),
nº 7 (15/6/1845), pp. 105-108.
Em sextilhas de heptassílabos.
1544
1548
Sobre a revolta de Évora contra o domínio filipino. Sarmento indica como fonte deste poema a
Epanáfora Política, de D. Francisco Manuel de Melo.
1545
Sobre um episódio da guerra da Restauração. No posfácio do texto, indica-se como fonte o
Portugal Restaurado, do Conde da Ericeira.
1546
A história que este poema conta é a seguinte: Ximena queixa-se ao rei das afrontas que lhe fez o
Cid, e pede-lhe que o mande matar. O rei apresenta ao Cid várias sugestões para que ele repare o mal. Ele
recusa todas, mas oferece-se para casar com Ximena, o que esta aceita. O poema pode basear-se nalgum texto
historiográfico, ou num conto ou outra narrativa literária. Uma fonte talvez mais provável é o romanceiro
(velho ou novo), onde, como sabemos, existem vários textos sobre este episódio da vida do Cid: “Grande rumor
se levanta / De gritos, armas y voces”, “Dia era de los reyes, / Dia era señalado”, “En Burgos está el buen Rey /
Asentado á su yantar”, “Cada dia que amanece / Veo quien mató á mi padre”, “Delante el Rey de Leon / Doña
Jimena una tarde”, “Sentado está el señor Rey / En su silla de respaldo” e “De Rodrigo de Vivar / Muy grande
fama corria” (ver Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, Leipzig, Brockhaus, 1871, nºs XI-XVII). Observe-se
que, no entanto, em nenhum dos referidos romances está presente o pormenor (que se encontra no poema de
Serpa Pimentel) da recusa por parte do Cid das várias sugestões apresentadas pelo rei, e menos ainda é aí
atribuída ao Cid a ideia do casamento com Ximena (nos romances, o casamento é sempre sugestão —a única,
aliás— do rei, nalguns textos acedendo a um pedido de Ximena, noutros textos, partindo duma ideia dele
próprio). Tais aspectos poderão ser, porém, da invenção de Serpa Pimentel.
1547
Diz-se em nota que pertence ao I acto de D. Antonio de Portugal. Esta peça parece ter ficado
inédita (ver Innocencio Francisco da Silva, Diccionario, cit., V, p. 129).
1548
Sobre esta balada (talvez versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII.
503
D. A[ntonia] G[ertrudes] Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular, Revista
Universal Lisbonense, nº 48 (19/6/1845), pp. 577-8.
Em quadras de decassílabos, quadras de tipo tradicional
heptassílabos.
1549
e quintilhas de
1550
1846
J. da S. Mendes Leal, O Pajem d’ Aljubarrota, Lisboa, Typographia Rollandiana,
1846. É um drama histórico. Inclui:
Rimance do Moiro (pp. 5, 16-17 e 89). Republicação do texto saído em 1843.
1551
L. M. do Couto d’ Albuquerque, Dom Ramiro. Xacara, Revista Recreativa, I
(1846), nº 10, pp. 76-78.
Em quadras de tipo tradicional.
1552
Augusto Cesar Corrêa de Lacerda, Dom Martim. Xacara, Revista Recreativa, I
(1846), nº 1, pp. 5-6.
É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras.
Augusto Cesar Corrêa de Lacerda, O Spectro. Xacara, Revista Recreativa, I (1846),
nº 9, pp. 68-70.
É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras.
Manoel da Gama Lobo, A Moura Encantada, Revista Recreativa, I (1846), nº 13,
pp. 102-105, nº 14, pp. 110-112, nº 24, pp. 190-191, e nº 29, pp. 231-232.
1549
1550
1551
Estas quadras são postas na boca duma personagem que entoa uma canção.
Sobre esta balada (suposta versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII.
Mendo Vasques, o pagem que dá título ao drama, apaixonado de Beatriz, recita (pp. 16-17) este
poema, de que se apresenta como autor. Logo a iniciar a peça, Beatriz cantara (p. 5) duas quadras deste poema.
Mais tarde (p. 89), Mendo Vasques canta outra estrofe, que parece continuação do mesmo poema.
1552
A história, entre mouros e cristãos, passa-se em Gaia. D. Ramiro, cristão, vem requestar, ao
“Alcaçar” de “Alboazar Albucadam”, uma moura. Ela pede-lhe que, se quer a sua mão, renegue a religião
cristã. Ele apunhala-a e passa o resto da vida em batalhas contra os mouros.
504
Em quadras e sextilhas de heptassílabos.
1553
Pereira da Cunha, Vasconcellos, A Illustração. Jornal Universal I, nº 11 (Fevereiro
1846), pp. 180, 182-183 e 186-7.
É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras e a assonância seja
diferente em cada uma das parte em que se divide o texto.
1554
J. Freyre de Serpa [Pimentel], Bernardim-Ribeiro. Soláo, Revista Universal
Lisbonense, V, nº 41 (2/4/1846), pp. 487-489.
1555
Em vários tipos de estrofes e em vários metros (a maioria são heptassílabos).
J. V. B. da Costa, A Vespora[sic] de San’ João, Revista Universal Lisbonense, VI,
nº 4 (18/6/1846), pp. 46-7.
Em quadras de tipo tradicional.
1556
A[lmeida] G[arrett], Por Bem ou as Pegas de Cintra, A Illustração. Jornal
Universal, II, nº 5 (Agosto 1846), p. 70.
É um romance, embora dividido em quadras.
1553
1557
Conta a origem do encanto de uma moura que aparece na noite de S. João, num castelo de
Segóvia.
1554
Sobre as origens lendárias do apelido (e família) Vasconcelos. A este propósito, recordem-se
palavras de A. P. Lopes de Mendonça (Memorias de Litteratura Contemporanea, Lisboa, Typographia do
Panorama, 1855, p. 282): “O sr. Pereira da Cunha [...] asseguram-nos que possue na pasta um volume de
romances populares, que tenciona publicar com o titulo de Album Heraldico, visto que o assumpto versa sobre
as legendas dos appelidos que se tornaram illustres na historia”. Pareceria, pois, que este romance seria um dos
poemas do tal livro inédito. Claro que o presente texto não apresenta quaisquer características “populares”, pelo
que, se os restantes poemas da obra fossem como ele, o Album Heraldico seria (excepto na versificação) um
livro do género do Romanceiro de Morais Sarmento, nada apresentando, pois, de tradicional.
1555
1556
1557
Sobre os pretensos amores de Bernardim com a infanta D. Beatriz.
Sobre várias práticas supersticiosas (fundamentalmente divinatórias) ligadas à noite de S. João.
É antecedida pela introdução que depois também saiu no Romanceiro, e que aqui traz a data de
“Julho 22—1846”.
505
Ayres Pinto de Sousa [de Mendonça e Menezes], Bernardim Ribeiro, A Illustração.
Jornal Universal, II, nº 5 (Agosto 1846), pp. 80, 84 e 88.
Em quadras de tipo tradicional.
Camilo Castelo Branco, O Pajem de Aljubarrota, Obras Completas do autor, org.
de Justino Mendes de Almeida, XI, Porto, Lello & Irmão-Editores, 1990, pp. 58-62. Poema
escrito em 1846?
1558
Em vários tipos de estrofes, fundamentalmente oitavas de heptassílabos.
1847
[Anónimo], Chacara do Traga-Mouros, O Jardim Litterario, I (1847), nº 2, p. 8.
Em quadras de tipo tradicional, com um refrão de dois heptassílabos
emparelhados.
1559
F. B., O Cruzado, O Jardim Litterario, I (1847), nº 7, pp. 55-56.
Em quadras de heptassílabos.
F. G. de Amorim, O Lidador. Chacara, O Jardim Litterario, I (1847), nº 24, pp.
187-188, e nº 25, pp. 194-196.
Em quadras de tipo tradicional.
1558
1560
Na edição que usámos, não se indica a data do poema, dizendo-se apenas, em nota, que se trata
duma “poesia recitada no Teatro Académico do Porto em 5 de Abril, por ocasião da récita do drama O Pajem
de Aljubarrota”. É referência, obviamente, à peça, já referida, de Mendes Leal, que se editou em 1846, mas
cuja data de representação no Porto ignoramos.
1559
Sobre a lenda de Gonçalo Hermigues, que, como vimos já, parece ter nascido com a Crónica de
Cister de Frei Bernardo de Brito.
1560
Os poemas de Amorim (narrativos e outros) publicados n’ O Jardim Litterario estavam para sair
em breve (segundo se informa numa notícia não assinada, mas que deve ser da redacção da revista, vol. IV —1º
semestre de 1849— nº 25, p. 198), incluídos num livro com o título de Ensaios Poeticos, para que se pediam
assinantes. Tal obra, porém, ao que sabemos, nunca chegou a ser editada.
506
[Anónimo], Atala ou os Amantes do Deserto. Romance lirico, Periodico Recreativo,
nº 4 (1847), pp. 57-61.
Em quadras de tipo tradicional.
1561
A[ugusto] Lima, Ardinia. Romance historico, Revista Universal Lisbonense, VI, nº
33 (19/8/1847), pp. 393-396, e nº 34 (29/8/1847), pp. 406-407.
Em heptassílabos (quase todo o poema) e eneassílabos (uma pequena parte),
agrupados em quadras de tipo tradicional (sobretudo) e em sextilhas.
1562
1848
Ayres Pinto de Sousa [de Mendonça e Menezes], 14 de Agosto de 1385.
Aljubarrota. Poesia, Lisboa, Typ. de I. H. C. Semmedo, 1848.
Em vários tipos de metros e de estrofes.
1563
J. F. de Serpa [Pimentel], A Lapa dos Esteios. Soláo, O Trovador. Collecção de
poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa
de E. Trovão, 1848, (nº 2), pp. 17-20.
1561
1564
Sobre a história contada no famoso romance do mesmo título (Atala ou les amours de deux
sauvages dans le désert) de Chateaubriand (1801). É apenas o início do poema; no fim, diz que continua, mas
este é o último número da revista que existe na Biblioteca Nacional.
1562
História de cristãos e mouros. Foi impressa em separata, com o mesmo título e subtítulo (Lisboa,
Imprensa da Gazeta dos Tribunaes, 1847). Na separata, tem no fim a data de “Septembro 22, 1842” e, na p. 3,
em nota, o autor diz: “Fui, em quanto o essencial, escrupulosamente fiel”, referindo como bibliografia a
Chronica de Cister, de Fr. Bernardo de Brito.
1563
Sobre a crise de 1383-85, sobretudo a batalha de Aljubarrota. Talvez seja separata duma revista
não identificada.
1564
O Trovador publicou-se entre 1844 e 1848 [ver F(átima) Freitas Morna, “O Trovador” in Helena
Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, Lisboa, Editorial Caminho, 1997, pp.
559-561 (559)]. O que desta revista existe na Biblioteca Nacional é um exemplar da edição, feita em 1848, que
reúne em volume os números antes publicados avulsamente. Dado que esses números não têm data própria de
publicação, não a podemos indicar para cada um dos poemas que citamos. Porém, a fim de dar uma ideia da
situação cronológica de cada um (mais ou menos próximo de 1844 ou de 1848), fornecemos sempre, antes da
507
Em oitavas de heptassílabos.
1565
J. de Lemos, Trova do Drama Historico em 4 Actos e 8 Quadros D. Maria Paes
Ribeira,
1566
O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade
d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 5), pp. 76-77.
Em sextilhas de heptassílabos.
J. F. de Serpa [Pimentel], O Corujão do Bussaco. Ballada, O Trovador. Collecção
de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na
Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 6), pp. 92-94.
Em quadras de tipo tradicional.
1567
J. de Lemos, Nossa Senhora do Pranto, O Trovador. Collecção de poesias
contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E.
Trovão, 1848, (nº 7), pp. 97-101.
Em heptassílabos agrupados em décimas, oitavas e nonas.
1568
A. X. R[odrigues] Cordeiro, As Três Damas, O Trovador. Collecção de poesias
contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E.
Trovão, 1848, (nº 7), pp. 103-105
Em sextilhas de heptassílabos.
1569
indicação das páginas em que está o poema em causa, o número do fascículo em que ele saiu. Para realizar esse
cálculo aproximado, tenha-se presente que a revista constou de 24 números.
1565
1566
Sobre esta balada (suposta versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII.
Esta peça, estreada em Coimbra, no Teatro Académico, em 1845, parece nunca ter sido
publicada (ver Inocêncio, Diccionario Bibliographico cit., III, 1859, p. 397).
1567
Sobre esta balada (alegadamente a versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo
VIII.
1568
Sobre esta balada (versificação dum passo da História de S. Domingos, de Fr. Luís de Sousa),
ver atrás cap. VIII.
1569
Ao ser republicado na obra do autor Esparsas. Ensaios lyricos (I, Lisboa, Livraria de Antonio
Maria Pereira, 1889, pp. 1-4), o poema traz a data de 1845.
508
A. X. R[odrigues] Cordeiro, A Tomada de Coimbra, O Trovador. Collecção de
poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa
de E. Trovão, 1848 (nº 10), pp. 153-158.
Em sextilhas de heptassílabos.
1570
J. Freyre de Serpa [Pimentel], A Moura no Deserto, O Trovador. Collecção de
poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa
de E. Trovão, 1848, (nº 19), pp. 301-303.
Em sextilhas de heptassílabos.
1571
A. X. R[odrigues] Cordeiro, O Conde Assassino, O Trovador. Collecção de poesias
contemporaneas, redigida por uma sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E.
Trovão, 1848, (nº 22), pp. 344-346.
Em quadras de tipo tradicional.
J. Freyre de Serpa [Pimentel], N’ um Album. A Espada do Trovador. Solao, O
Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma sociedade d’
academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 24), pp. 396-375.
Em sextilhas de heptassílabos.
1570
Poema sobre a conquista de Coimbra por Fernando III, ajudado por Santiago, que aparece em
forma de cavaleiro. Na conquista participa o Cid e o rei arma-o cavaleiro como recompensa. No fim, tem a
seguinte nota de rodapé: “Quatro romances populares antigos nos dizem que o Cid foi armado cavalleiro em
Coimbra”. Não sabemos a que romances se referirá Cordeiro. Pela nossa parte, apenas conseguimos encontrar
dois romances que narrem tal episódio: o que começa “Cercada tiene a Coimbra / Aquese buen rey Fernando” e
o que começa “Llegado es el Rey don Sancho / Sobre Zamora esa villa” (neste, o facto é apenas aludido de
passagem — vv. 22-3 “Fízoos [...] / [...] caballero en Coimbra”), ambos do romanceiro de Sepúlveda (ver
Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, cit., nºs XXIX e LV). Talvez que um dos outros romances a que se
refere Cordeiro seja o Afuera, afuera, Rodrigo (C. Michaëlis, op. cit., nº LIV), onde Ximena lança à cara do Cid
(quando este vem tirar-lhe Zamora) que ele foi armado cavaleiro pelo falecido rei e que ela própria lhe calçou
as esporas. No entanto, neste romance tal acção não é apresentada como tendo sido passada em Coimbra, mas
sim “En el altar de Santiago”, o que pareceria referência a Compostela.
Ao ser republicado na obra do autor Esparsas. Ensaios lyricos (I, Lisboa, Livraria de Antonio Maria
Pereira, 1889, pp. 23-29), o presente poema traz a data de 1846.
1571
O texto é formado por seis sextilhas. Estas, do ponto de vista rimático, estão unidas duas a duas,
já que os versos pares de cada um desses grupos de duas estrofes têm rima igual. O poema aproxima-se, pois,
da versificação própria do romance.
509
F. G. de Amorim, Duarte Pacheco. Chacara, O Jardim Litterario, II (1º semestre de
1848), nº 16, pp. 127-128.
Em quadras de eneassílabos.
I. M. da R., D. Ruy, O Jardim Litterario, II (1º semestre de 1848), nº 25, p. 199.
Em quadras de tipo tradicional.
J[oaquim] da C[osta] Cascaes, Pedro Sem, Revista Universal Lisbonense, VII, nº 5
(6/1/1848), pp. 56-57.
Em quadras de tipo tradicional.
1572
L[uiz] A[ntonio] Ribeiro de Sá, As Armas dos Menezes, Revista Universal
Lisbonense, VII, nº 13 (2/3/1848), pp. 151-152.
É um romance, embora os versos estejam divididos por quadras.
1573
J[oão Francisco] Dubraz, Dom Florisel. Romance Original, O Farol, [I], nº 6
(29/4/1848), p. 48, nº 7 (6/5/1848), pp. 55-56, nº 8 (13/5/1848), pp. 63-64, e nº 9
(20/5/1848), p. 72.
Em quadras de tipo tradicional.
1574
A[ntonio] de Serpa [Pimentel], A Filha do Castellão, Revista Popular, I, nº 12
(20/5/1848), pp. 95-96.
Em sextilhas, cada uma de versos de 7 e de 3 sílabas.
J[oão Francisco] Dubraz, O Caçador (Fragmento d’ um conto inedito), O Farol, [I],
nº 10 (27/5/1848), pp. 79-80.
1572
Sobre esta balada (versificação duma lenda tradicional), ver o que atrás dizemos no capítulo
VIII.
1573
1574
Sobre a lenda genealógica desta família.
Integrado no poema, há (no nº 8) um texto (com o título próprio de O Captivo), apresentado
como uma canção entoada por certa personagem. Tal texto, depois de muitíssimo retocado por Veiga, tornou-se
o romance O Paladim Captivo por ele incluído no Romanceiro do Algarve (ver através o subcapítulo que lhe
dedicámos integrado no cap. VIII).
510
Em heptassílabos agrupados em estrofes de vário tipo.
J[oão Francisco] Dubraz, Don Sisnando ou os Encantos do Chevora (Episodio d’
uma obra inedita), O Farol, [I], nº 11 (3/6/1848), p. 88, nº 12 (10/6/1848), p. 95, nº 13
817/6/1848), pp. 103-104, e nº 14 (24/6/1848), pp. 111-112.
Em quadras de heptassílabos.
A[ugusto?] C[esar?] Corrêa [de Lacerda?], O Castello d’ Alfeisirão, O Farol, [I], nº
17 (15/7/1848), pp. 135-136, nº 19 (29/7/1848), p. 152, nº 22 (19/8/1848), p. 176,e nº 24
(2/9/1848), pp. 191-192.
Em estrofes de 12 heptassílabos.
J[oão Francisco] Dubraz, O Pagem. Soláo, O Farol, [I], nº 18 (22/7/1848), pp. 143144.
Em heptassílabos e pentassílabos, estrofes de vário tipo.
Camilo Castelo Branco, Crença, O Nacional, 11/8/1848 (citamos pela sua
republicação nas Obras Completas do autor, org. de Justino Mendes de Almeida, XI, Porto,
Lello & Irmão-Editores, 1990, pp. 20-25).
Em vários tipos de estrofes, todas de heptassílabos.
J[oaquim] da C[osta] Cascaes, Romance do 4º Acto do Drama Original — O
Alcaide de Faro, Revista Universal Lisbonense, VII, nº 40 (7/9/1848), p. 477.
1575
Em vários metros (5, 7 e 10 sílabas) e vários tipos de estrofes.
L. C., O Árabe, O Farol, [II], nº 25 (9/9/1848), pp. 7-8.
Em sextilhas de heptassílabos e trissílabos.
A[ntonio] de Serpa [Pimentel], O Rei Rodrigo, O Farol, [II], nº 31 (21/9/1848), p.
56.
Em sextilhas de heptassílabos.
1575
1576
O Alcaide de Faro só parece ter sido publicado postumamente, em J. da Costa Cascaes, Theatro,
II, Com uma noticia sobre o auctor e a sua obra dramatica por Maximiliano de Azevedo, Lisboa, Empreza da
Historia de Portugal, 1904, pp. 65-136 (o poema está a pp. 104-105, com o título A Sultana de Granada).
511
A[ntonio] de Serpa [Pimentel], A Virgem Christã, O Farol, [II], nº 35 (18/11/1848),
p. 88.
Em estrofes de vário tipo, de vv. de 10, 6 e 7 sílabas.
1849
João [Corrêa Manoel] de Aboim,
1577
Poesias, I: O Livro da Minha Alma, Rio de
Janeiro, 1849. Inclui:
Romance do Drama “Conde Miguel”
1578
(pp. 122-6). Em sextilhas de heptassílabos;
Chamma d’ Amor. Ballada alemã (pp. 127-135). Em quintilhas de heptassílabos;
1579
e A Senhora e o Pagem (pp. 139-144). Em sextilhas de heptassílabos.
Alexandre Braga, Vozes d’ Alma, Porto, Typ. de J. L. de Sousa, 1849. Inclui:
Gonçalo Hermigues (pp. 1-13). Em quadras de tipo tradicional;
Saluquia (pp. 21-38). Sobretudo em decassílabos brancos;
1580
1581
Leonardo (Romance maritimo), pp. 201-9. Em decassílabos brancos;
e O Triumpho, pp. 67-74. Em sextilhas de heptassílabos.
D. João d’ Azevedo [de Sá Coutinho], D. Ramiro [,] Senhor d’ Armamar. Romance,
in AA. VV., Collecção de Poesias Offerecidas aos Assignantes da Revista Popular, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1849, pp. 57-73.
Em vários tipos de metros (sobretudo heptassílabos) e de estrofes.
1576
Sobre a morte do rei, que se teria dado no fim da batalha, quando ele, fugindo, atravessava o
Guadalete.
1577
1578
1579
1580
Embora esta obra tenha sido publicada no Brasil, o autor era português.
Esta peça parece nunca ter sido publicada.
A acção do poema, não obstante o subtítulo, passa-se em Espanha.
Sobre a lenda dos amores de Gonçalo Hermigues com Ouroana, que, como dissemos já, parece
vir da Crónica de Cister de Brito.
1581
Esta balada tem como base uma lenda de moura encantada (ver atrás cap. VIII). Quanto à
versificação do texto, note-se que a parte que consiste numa canção entoada por uma personagem é em
sextilhas de heptassílabos.
512
A[ntonio] de Serpa [Pimentel], A Filha do Castellão, in AA. VV., Collecção de
Poesias Offerecidas aos Assignantes da Revista Popular, Lisboa, Imprensa Nacional, 1849,
pp. 28-32.
Republicação do texto saído em 1848.
J[osé] F[reire] de Serpa Pimentel, Cancioneiro. Parte primeira:
1582
Solaos,
Coimbra, na Imprensa de E. Trovão, 1849. Contém:
Cindasunda ou o Brasão de Coimbra (pp. 1-16). Republicação do texto saído duas
vezes em 1840;
O Penedo da Saudade (pp. 17-20). Em sextilhas de heptassílabos;
1583
Bernardim Ribeiro (pp. 21-31). Republicação do texto saído em 1846;
Ignez de Castro, ou a Fonte dos Amores (pp. 33-40). Em sextilhas de
heptassílabos;
1582
1584
A indicação “Parte primeira” tem a ver com o facto de ser este o vol. I duma projectada obra.
Dela se diz na contracapa do presente livro: “Vão publicar-se o 2º Volume, que contem os —Lyricos— e o
treceiro[sic] Volume, (primeiro do Theatro) que contem os Dramas: D. Sisnando, (segunda Edição) e O Arabe”.
Não conseguimos encontrar o indicado vol. II de tal obra, nem temos notícia de ter sido publicado, e, quanto a
poemas líricos do autor, conhecemos apenas uma colectânea, em dois pequenos volumes: J. F. de S. P. [sic], O
Infanção das Trovas. Fragmentos de uma historia colligidos por..., Coimbra, Na Imprensa da Universidade,
1843 (é um conto de ambiente medieval, mas tem, intercalados, vários poemas líricos) e O Infanção das
Trovas. Segundo fadario. Armonias, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1844 (são só poemas, líricos,
nenhum de ambiente medieval).
Quanto ao anunciado III vol. da obra de Serpa Pimentel, esclareça-se que saiu, efectivamente um
livro dele que, na frontispício, indica conter as duas peças referidas na contracapa do Cancioneiro. Porém, o
exemplar que desse livro existe na Biblioteca Nacional —e não parece estar incompleto— contém, afinal,
apenas, a primeira de tais peças (ver J. F. de Serpa Pimentel, Theatro de...., 2ª ed., I: D. Sisnando. — O Arabe,
Coimbra, Na Imprensa de Trovão, 1850; a peça apresenta, na página em que começa o texto, o seu título
completo: D. Sisnando, Conde de Coimbra). Essa peça saira inicialmente em 1838 (José Freire de Serpa
Pimentel, Theatro, I: D. Sisnando, Conde de Coimbra, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1838). É
possível que o anunciado drama O Arabe fosse, com outro título, a 2ª ed. duma peça que já saira em 1840,
formando o II vol. do Theatro de Pimentel: José Freire de Serpa Pimentel, Theatro de..., 2º: O Almançor AbenAfan, Ultimo Rei do Algarve, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1840. Do Theatro do autor há ainda um
vol. III: D. Sancho, Coimbra, Na Imprensa da Universidade, 1846.
1583
1584
Apresenta-se como a versificação duma lenda. Ver sobre este texto o cap. VIII.
É um texto fundamentalmente lírico, em que se evoca a figura de D. Inês.
513
San Thiago e Belzebut (pp. 41-56). Republicação do texto saído em 1844;
D. Martim (pp. 57-59). Republicação do texto saído três vezes em 1840;
A Moura do Deserto (pp. 61-63). Republicação do texto saído em 1848, com o
título de A Moura no Deserto;
D. Egas Moniz ou o Castello da Louzan (pp. 65-79). Republicação do texto saído
duas vezes em 1840;
1585
Goésto Anzur, ou o Brasão dos Figueiredos (pp. 81-84). Em décimas de
heptassílabos;
1586
A Virgem Martyr, Santa Comba (pp. 85-96). Republicação do texto saído três vezes
em 1840;
Camões na Gruta de Macáo, ou a Vespera dos Luziadas (pp. 97-101). Em sextilhas
de heptassílabos;
1587
Engracia Ramila (pp. 103-114). Republicação do texto saído em 1845;
A Negra Façanha de Sub-Ripas, ou o Infante D. João (pp. 117-123). Republicação
do poema que, com o título de A Morte de D. Maria Telles, saiu em 1840-41;
1588
O Cid (pp. 125-130). Republicação do texto saído em 1845(?);
Caio Carpo, ou o Brasão dos Pimenteis (pp. 131-138). Em heptassílabos
(sobretudo) e quadrissílabos, estrofes de vário tipo;
1589
A Lapa dos Esteios (pp. 139-143). Republicação do texto saído em 1848;
O Romeiro (pp. 145-146). Em quintilhas de heptassílabos;
D. Lucinda Moniz, ou a Emparedada de Penacova (pp. 147-155). Republicação do
texto saído em 1842;
O Corujão do Bussaco (pp. 157-160). Republicação do texto saído em 1848;
O Grão Beirão ou as Bodas de Viriato (pp. 161-175). Republicação do texto saído
em 1840;
A Torre d’ Hercules (pp. 177-181). Republicação do texto saído em 1840;
1585
1586
1587
1588
1589
capítulo VIII.
No texto de 1840, omite-se, no título do poema, o apelido “Moniz”.
Sobre a lenda contada no chamado Cantar dos Figueiredos.
É um poema praticamente lírico, em que fala Camões, lastimando-se da sua vida.
I. e., na Revista Academica, nº 15 (s/ d.; 1845?).
Sobre esta balada (que se apresenta como a versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no
514
A Espada do Trovador (pp. 193-196). Republicação do texto saído em 1848, com o
título de N’ um Album. A Espada do Trovador;
A Captiva de Burgos (pp. 192-6). Em sextilhas de heptassílabos.
1590
J.[sic, por I, de Ignacio] F[rancisco] Silveira da Motta, D. Diogo da Cunha.
Romance, O Cancioneiro Lusitano, I (1849), nº 1, pp. 9-14, nº 2, pp. 17-19, e nº 3, pp. 33-37.
Quase exclusivamente em heptassílabos, agrupados maioritariamente em quadras de
tipo tradicional, mas também noutros tipos de estrofes, sobretudo várias sextilhas.
[Anónimo], O Juramento, O Cancioneiro Lusitano, I (1849), nº 4, pp. 51-55.
Em quadras de tipo tradicional.
A[ntonio] de Serpa [Pimentel], Lucrecia Portugueza, A Epoca, II (1849), nº 42, pp.
227-8.
Em nonas de heptassílabos.
Silva Ferraz, Macias o Namorado. Romance historico, O Litterario Popular, [nº 1]
[1849], pp. 7-8, nº 2, pp. 15-16, nº 3, p. 24, nº 4, pp. 31-32, e nº 5, pp. 39-40.
Em quadras de eneassílabos.
1591
M[anoel] J[osé] da Silva Rosa Junior, Frey João, o Eremita, A Lyra da Mocidade,
nº 1 (1849), pp. 2-5.
Em heptassílabos, estrofes de vário tipo.
Alexandre José da Silva Braga Junior, O Triumpho, A Lyra da Mocidade, nº 2
(1849), pp. 27-32.
Republicação (ou pré-publicação) do texto saído no mesmo ano na obra do autor
Vozes d’ Alma.
Gomes de Amorim, Bernardim Ribeiro, O Semanario Curioso, nº 1 (1849), p. 8, nº
2 (1849), p. 16, nº 3 (1849), pp. 23-24, nº 4 (1849), pp. 31-32, nº 5 (1849), pp. 39-40, nº 6
1590
1591
em 1850.
Sobre esta balada (pretensa versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII.
Ver a nota que acompanha a referência que, mais à frente, fazemos à republicação deste poema,
515
(1849), pp. 47-48, nº 7 (1849), pp. 55-56, nº 8 (1849), pp. 63-64, nº 9 (1850), pp. 71-72, nº
10 (1850), pp. 79-80, nº 11 (1850), pp. 87-88, e nº 12 (1850), pp. 95-96.
Em sextilhas de heptassílabos.
F. G. de Amorim, Ibrahim. Romance de amor, O Jardim Litterario, IV (1º semestre
de 1849), nº 1, pp. 6-7, nº 2, pp. 11-12, nº 3, pp. 19-20, nº 4, pp. 26-27, nº 5, pp. 37-39, nº 6,
pp. 42-43, nº 7, pp. 50-52,e nº 8, pp. 58-60.
Em heptassílabos, agrupados em quadras (só algumas de tipo popular), sextilhas,
oitavas e nonas.
1592
F. G. de Amorim, O Castello de Almourol, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de
1849), nº 17, pp. 133-134, nº 18, pp. 141-143, nº 19, pp. 149-150, e nº 20, pp. 157-158.
Em heptassílabos agrupados em estrofes de diferentes tipos.
1593
F. Gomes de Amorim, O Diabo, O Jardim Litterario, IV (1º semestre de 1849), nº
21, pp. 166-167.
É um romance, embora os seus versos estejam agrupados em quadras.
1594
Henrique Monteiro, D. Vivaldo, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, I, nº 11
(18/1/1849), pp. 125-129.
Em sextilhas de heptassílabos.
[Antonio Pereira da Cunha],
1595
O Poço de Dona Sancha (Tradição popular do
Minho), Revista Popular, II, nº 8 (28/4/1849), pp. 60-62.
É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras.
1592
1593
1594
1596
Passa-se em Granada, no tempo dos Mouros. Em certas partes não é narrativo, mas lírico.
Sobre esta balada (pretensa versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII.
É um poema cómico. Entre as personagens, contam-se um conde “Arnaldo” e uma condessa
“Ignez de Alamar”, que recordam nomes do romanceiro. Sobre esta balada (que se apresenta como a
versificação dum “caso”), ver o que atrás dizemos no capítulo VIII.
1595
O poema não está assinado. Porém, Inocêncio (Diccionario, cit., VIII, 1867, p. 275) refere este
poema como sendo de Pereira da Cunha. Atribui também ao mesmo autor um D. Sapo (e denomina ambos
“romances em verso de tradição popular”), de que, tal como do outro, não tem “conhecimento ocular”. Não
encontrámos o D. Sapo em nenhuma das revistas ou livros que consultámos.
516
L. A. Palmeirim, Caçada Real, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, I, nº 33
(21/6/1849), pp. 390-392.
É um romance, embora os versos estejam agrupados em quadras.
1597
F. Gomes de Amorim, O Jau, O Jardim Litterario, V (2º semestre de 1849), nº 27,
pp. 215-216.
Em sextilhas de heptassílabos.
1598
F. Gomes de Amorim, Martim Moniz, O Jardim Litterario, V (2º semestre de 1849),
nº 28, pp. 223-224.
Em sextilhas de heptassílabos.
C. J. Dias, O Romeiro, O Jardim Litterario, V (2º semestre de 1849), nº 39, pp. 215216, e nº 40, pp. 319-320.
Em sextilhas de heptassílabos.
F. Gomes de Amorim, O Adail Lopo Barriga, O Jardim Litterario, V (2º semestre
de 1849), nº 50, p. 319.
Em nonas de heptassílabos.
1599
A. de Tavares, O Ginete de Batalha. Romance, A Patria, 24/7/1849, pp. 1-2.
Em quadras de tipo tradicional.
A. P[ereira] da Cunha, A Filha por um Cavallo, A Patria, 7/8/1849, p. 1.
Em quadras de vv. de 11 sílabas.
1596
1600
Sobre esta balada (que se apresenta como a versificação duma lenda), ver o que atrás dizemos no
capítulo VIII.
1597
Sobre os amores de D. João V com a Madre Paula. Linguagem com visos de popular. Tem a
seguinte dedicatória: “Ao auctor do Camões — e D. Branca”.
1598
Sobre Camões e o escravo jau (i. e., javanês) que a lenda lhe atribui, e cujo gentílico, no séc.
XIX, muitas vezes se interpretou como um nome próprio.
1599
O poema passa-se no tempo das conquistas no norte de África.
517
R. A. de Bulhão Pato, Zilla. Romance, Revista Universal Lisbonense, 2ª série, II, nº
1 (11/10/1849), pp. 9-10, nº 2 (18/10/1849), pp. 19-20, nº 3 (25/10/1849), pp. 31-32, nº 5
(8/11/1849), p. 56, nº 6 (15/11/1849), pp. 68-69, nº 7 (22/11/1849), pp. 81-82, nº 8
(29/11/1849), pp. 90-91, nº 10 (13/12/1849), pp. 117-118, e nº 11 (20/12/1849), pp. 126-128.
Em vários tipos de metros e de estrofes.
1601
Camilo Castelo Branco, A Castelã de Baião. Solau, O Nacional, 30/11/1849
(citamos pela sua republicação nas Obras Completas do autor, org. de Justino Mendes de
Almeida, XI, Porto, Lello & Irmão-Editores, 1990, pp. 101-110).
Em diversos metros (heptassílabos na grande maioria) e vários tipos de estrofes
(sobretudo quadras de tipo tradicional).
1850
D. João de Azevedo, Antonio Pereira da Cunha e João Machado Pinheiro [Corrêa
de Mello], Passeios na Povoa, Porto, Typographia Nacional, 1850. Inclui:
um poema sem título (pp. 62-69), de Antonio Pereira da Cunha. Em sextilhas de
heptassílabos.
1602
J. S. da Silva Ferraz, Macias o Namorado. Romance hespanhol em verso (1409?),
Porto, Na Typographia de S. J. Pereira, 1850.
Republicação do texto saído em 1849.
1600
1603
Poema narrativo e, em certas partes, lírico. Em nota, diz-se que “este romance” é sobre a
“batalha civil do Porto em 1245”.
1601
1602
Sobre amores e desventuras duma moura de Granada. As personagens são mouros e cristãos.
Os Passeios na Povoa são compostos por capítulos (cada um de seu autor), sobretudo em prosa,
mas com alguns poemas misturados.
1603
O subtítulo desta edição em livro do poema (título diferente do que tem na edição em revista
publicada em 1849 — q. v.) talvez indique que o poema é imitação/tradução dum texto espanhol, que não
sabemos qual seja. A data que surge no subtítulo não se refere, obviamente, à redacção do (hipotético) poema
original, mas sim à morte de Macías, famoso trovador galego, cuja trágica história se narra nesta obra: Macías
518
R. A. de Bulhão Pato, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Universal, 1850.
Inclui:
Zilla. Romance (pp. 1-41). Republicação do texto saído em 1849;
e D. Claros. Romance (pp. 73-86). Em heptassílabos, agrupados em estrofes de
vários tipos.
1604
F[rancisco] Palha, A Infanta de Castella. Lenda popular, A Semana, I, nº 3 (Janeiro
1850), pp. 23-24, nº 4 (Janeiro 1850), pp. 30-32, nº 5 (Fevereiro 1850), pp. 39-40, e nº 6
(Fevereiro 1850), pp. 47-48.
É um romance.
1605
A. B. da Silva Azevedo, O Pagem do Castellão, Apollo, nº 3 (19/1/1850), pp. 11-12
e nº 4 (26/1/1850), pp. 15-16
É, na sua quase totalidade, um romance.
A. Cabral Couceiro, Affonso e Elvira. Chacara, O Jardim Litterario, VI, nº 8
(22/2/1850), pp. 62-63.
É um romance, embora os versos estejam agrupados por quadras.
Antonio Pereira da Cunha, O Conde Alarcos, Revista Popular, III, nº 34
(23/4/1850), pp. 272-274.
Em heptassílabos agrupados em estrofes de vário tipo.
1606
P. A. de Moraes Pimentel, O Castello de Celorico, A Patria, 27/4/1850, pp. 1-2.
teria estado apaixonado por uma dama nobre, que se casa com outro; o poeta é, então, preso por esses amores; o
marido da senhora vai à cadeia e mata-o.
1604
Inspira-se no romance do Conde Claros e a Princesa Acusada. Sobre esta balada, ver o que
deixamos dito no cap. VIII.
1605
Narra uma história em que, juntamente com muitos pormenores inventados, se sucedem acções
derivadas dos seguintes temas romancísticos: Infantina, Cavaleiro Enganado, Dom Boso e a Irmã Cativa e
Conde Alarcos. Sobre esta balada, ver o que escrevemos no cap. VIII.
1606
Sobre esta balada (reenversamento do romance tradicional Conde Alarcos) ver o que deixamos
dito no cap. VIII.
519
Em sextilhas de heptassílabos.
1607
F[rancisco] Palha, A Aposta do Rei. Lenda popular, A Semana, I, nº 18 (Maio
1850), pp. 143-144.
É, fundamentalmente, um romance, mas tem uma parte em quintilhas de
heptassílabos.
1608
L[uiz] A[ntonio] Ribeiro de Sá, Illusão. Romance, Revista Universal Lisbonense, 2ª
série, II, nº 31 (9/5/1850), pp. 373-374.
Em heptassílabos de rima emparelhada, agrupados numa única longa estrofe.
1609
F. Gomes de Amorim, Sigifredo, O Jardim Litterario, VI, nº 21 (24/5/1850), pp. 6263, e nº 22 (31/5/1850).
Em estrofes de número variável de heptassílabos.
P. A. de Moraes Pimentel, D. Pedro Affonso, A Patria, 8/6/1850, pp. 1-2.
Em sextilhas de heptassílabos.
D. A[ntonia] G[ertrudes] Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular, Assembléa
Litteraria, nº 34 (29/6/1850), pp. 20-21.
Republicação do texto saído em 1845.
R. A. de Bulhão Pato, D. Claros. Romance, Revista Universal Lisbonense, 2ª série,
II, nº 39 (4/7/1850), pp. 471-472, e nº 41 (18/7/1850), pp. 496-497.
Republicação (ou pré-publicação) do texto saído em volume no mesmo ano de
1850.
[Anónimo], D. Fernão Mendes Alão, o Bravo, A Patria, 27/7/1850, pp. 1-2.
Em sextilhas de heptassílabos
1607
Sobre a lenda da truta durante o cerco a Celorico, no início do reinado de D. Afonso III, sendo
alcaide Martim de Freitas, que dera voz por D. Sancho II.
1608
Baseia-se numa versão (certamente oral, já que, em 1850, não as havia impressas, antigas ou
modernas) da Aposta Ganha. Sobre esta balada de Palha, ver o que escrevemos no cap. VIII.
1609
O poema (datado, no fim, de 1845) é sobre uma Silvana, que se suicida por amor dum cavaleiro.
520
1851
Luis Augusto Palmeirim, Poesias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1851. Inclui:
Caçada Real (pp. 291-8). Republicação do texto saído em 1849;
As Tres Encantadas (pp. 337-42). Republicação do texto saído em 1844;
e O Trovador. Solau (pp. 343-54). Em quadras de quadrissílabos.
1610
A[ntonio] de Serpa [Pimentel], Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Popular,
1851. Inclui:
O Pagem (pp. 5-9). Em sextilhas de trissílabos e heptassílabos;
O Rei Rodrigo (pp. 17-19). Republicação do texto saído em 1848;
A Virgem Christã (pp. 21-24). Republicação do texto saído em 1848;
Lucrecia Portugueza (pp. 25-9). Republicação do texto saído em 1849;
e O Canto do Crusado (pp. 31-35). Em sextilhas de heptassílabos.
Luiz Ribeiro [de Sottomaior?], O Bem-me-Quer, A Esmeralda, I, nº 29 (1/1/1851),
pp. 230-231.
Em quadras de tipo tradicional.
Alexandre Braga, Poesia. Romance, O Pirata, I, nº 43 (4/1/1851), pp. 341-344.
Em oitavas de heptassílabos.
José Maria Affonso, A Torre dos Amores. Rimance, Assembléa Litteraria, 2ª série,
nº 11 (9/2/1851), pp. 83-84, e nº 12 (16/2/1851), pp. 91-92.
É um romance.
O. R. D. P. B., A Monja d’ Arouca, Miscellanea Poetica, I, nº 7 (13/2/1851), pp. 4951.
1610
Estes três poemas estão (com muitos outros) inseridos numa parte do livro que tem o título de
“Poesias Populares”. Nas pp. 455-6, diz-se, em nota a O Trovador. Solau: “Este genero ‘solau’ foi encetado
pelo Sr. José Freire de Serpa, auctor d’ um volume de solaus, apreciaveis pelo singelo perfume de
nacionalidade que respiram”. Desse livro, Palmeirim afirma preferir Cindazunda e Dona Lucinda Moniz.
521
Em sétimas de heptassílabos.
1611
J. Pacheco, Rinaldo o Trovador, Assembléa Litteraria, 2ª série, nº 13 (23/2/1851),
pp. 100-101.
É um romance.
A. M. Ventura, A Sombra do Campeador. Xacara, O Jardim Litterario, VII, nº 21
(22/5/1851), pp. 166-167, nº 22 (29/5/1851), p. 175, nº 23 (5/6/1851), pp. 182-183, nº 24
(13/6/1851),e pp. 191-192.
Em quadras (sobretudo) e sextilhas, de vv. de 7 (sobretudo), 5 e 10 sílabas. Várias
das quadras são de tipo popular.
[José Maria Affonso], A Torre dos Amores. Rimance, O Domingueiro, nº 3
(8/6/1851), pp. [3]-[4], nº 4 (15/6/1851), p. [4], e nº 5 (22/6/1851), p. [4].
Republicação do texto saído no mesmo ano.
P. A. de Moraes Pimentel, Gonçalo Hermigues, O Portugal, 23/6/1851, pp. 1-4.
É sobretudo em heptassílabos (quadras de tipo tradicional e sextilhas), mas também
em quadras de eneassílabos.
1612
P. A. de Moraes Pimentel, Nuno Gonçalves de Faria, O Portugal, 22/7/1851, pp. 12.
Em sextilhas de heptassílabos.
1613
Augusto P[ereira?] S[Soromenho?], Affonso e Isaura, Miscellanea Poetica, II, nº 5
(4/9/1851), pp. 37-38.
Sobretudo em quadras de tipo tradicional.
1611
1614
É versificação duma história que vem no Nobiliário do Conde D. Pedro, como se diz em nota (p.
51).
1612
É a versificação da lenda do “Traga-Mouros”, que, como dissemos já mais duma vez, parece ter
nascido com a Crónica de Cister de Frei Bernardo de Brito.
1613
1614
É a história do alcaide de Faria, que se manteve fiel ao destronado D. Sancho II.
A balada conta a história dum cavaleiro que, ao regressar da Palestina, vai disfarçado ver a noiva
e diz-lhe que o noivo se casou por lá. Ela desmaia. Ele dá-se, então, a conhecer e explica que procedeu assim
522
A. de Tavares, A Lança e a Lyra. Ballada, O Portugal (Porto), 14/10/1851, pp. 1-2.
Em quadras de tipo tradicional.
J[oão] Machado Pinheiro [Corrêa de Mello], A Noviça, Miscellanea Poetica, II, nº 8
(16/10/1851), pp. 61-64.
Em vários tipos de metros e estrofes.
1615
1852
F[rancisco] Palha, Poesias, Lisboa, Typographia da Revista Popular, 1852. Inclui:
A Infanta de Castella (pp. 55-85). Republicação do texto saído em 1850;
e A Aposta do Rei. Lenda Popular (pp. 87-94). Republicação do texto saído em
1850;
1616
R., Isabel. Romance, O Jardim Litterario, VIII, nº 2 (9/1/1852), pp. 10-11, nº 3
(16/1/1852), pp. 18-19, nº 4 (23/1/1852), pp. 26-27,e. nº 5 (30/1/1851), pp. 38-39.
Em boa parte, é em versos de romance, embora a assonância vá mudando e os
versos estejam agrupados em estrofes.
B. J. Ribeiro,
1617
Um Passeio á Foz, Jornal dos Operarios, nº 2 (29/2/1852), pp. [2]-
[5].
para a pôr à prova. Casam. Esta história, como se vê, é bastante parecida com a do Regresso do Marido. O texto
acaba com um dístico que se encontra muitas vezes como fórmula de fecho em versões de contos tradicionais:
“Victoria e Victoria / Acabou-se a historia”.
1615
1616
Sobre esta balada, versificação duma pretensa lenda tradicional, ver atrás o cap. VIII.
Estes poemas pertencem a uma secção do livro intitulada “Romances Populares”, que inclui
ainda Dona Guiomar (pp. 97-109). Este último texto é uma versão da Donzela Guerreira, que, tirando o final
(desde a partida de D. Marcos da guerra para ver o pai “moribundo”), é bastante parecida com as versões
tradicionais, não devendo ter sido muito modificada por Palha. Portanto, não se justifica a sua inclusão na
presente lista de baladas originais.
1617
O nome do autor é seguido da indicação “Typographo”, sem dúvida que a sua profissão. Note-se
que o poema está publicado num jornal de operários.
523
É um romance.
1618
T[ito] A[ugusto] D[uarte de] de Noronha, A Filha do Castellão, O Jardim
Litterario, VIII, nº 26 (26/6/1852), pp. 206-208, nº 27 (3/7/1852), pp. 214-6,e nº 28
(10/7/1852), p. 222
Vários tipos de metros e de estrofes.
A. X. R[odrigues] Cordeiro, A Doida de Albano, Miscellanea Poetica, II, nº 25
(Agosto 1852), pp. 195-196.
Em sextilhas de heptassílabos.
1619
1853
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I: Romances da Renascença, 3ª ed., Lisboa,
Viuva Bertrand e Filhos, 1853.
Contém os seguintes poemas:
Adozinda. Romance (pp. 22-96). Republicação do texto saído em 1828 e 1843;
1618
O texto passa-se na actualidade. Porém, durante o passeio que dois namorados fazem de barco,
ele conta a história de Gaia e D. Ramiro. Em nota, diz o autor: a Miragaia de Garrett “nos induziu ao
atrevimento de rabiscar estes poucos versos”, acrescentando: “Os que não são da nossa lavra vão virgulados” (i.
e., entre aspas), e são da Miragaia [que saíra no Jornal das Bellas Artes, I (1843); a sua inclusão no
Romanceiro, I, dar-se-ia só na 3ª ed. (1853)].
1619
Ao ser incluído (com o subtítulo de “Ballada”) na obra do autor Esparsas. Ensaios lyricos (I,
Lisboa, Livraria de Antonio Maria Pereira, 1889, pp. 83-86), o poema traz a data de 1856, o que, naturalmente,
é erro, já que, como vimos, estava publicado desde, pelo menos, 1852. No II vol. desta obra de Cordeiro
(Lisboa, Livraria de Antonio Maria Pereira, s/d., pp. 225-6), há uma nota sobre A Doida d’ Albano, onde se diz,
nomeadamente: “foi talvez pela sua feição dramatica que esta ballada alcançou a voga que teve no seu tempo.
Pediam-se copias, decorava-se, representava-se nas salas, não havia familia que a não conhecesse, ou cujos
filhos a não soubessem” (p. 226). Há uma versão ligeiramente tradicionalizada deste poema (recolhida de
informante da ilha Graciosa) em Manuel da Costa Fontes, Romanceiro Português do Canadá, Coimbra, Por
Ordem da Universidade, 1979, nº 501. Assinale-se que a nossa colega de Faculdade Adriana Nogueira conhece
de cor parte deste poema, que aprendeu com seu pai, o qual o sabe (ou soube) na totalidade, tendo-o aprendido
por tradição familiar e não através da leitura.
524
Bernal-Francez. Romance (pp. 101-116). Republicação do texto saído em 1828,
1836 (de ambas as vezes, com o título de Romance de Bernal e Violante) e 1843 (aqui, já
com o título Bernal-Francez);
Noite de San’ João. Romance (pp. 131-4). Republicação do texto saído em 1843;
O Anjo e a Princeza. Legenda (pp. 145-154). Republicação do texto saído em 1843;
O Chapim d’ Elrei ou Parras Verdes. Xacara (pp. 157-171). Republicação do texto
saído em 1843;
Rosalinda. Romance (pp. 179-185). Republicação do texto saído em 1843;
Miragaia (pp. 205-238). Republicação do texto saído em 1843;
1620
e Por Bem, [ou] as Pêgas de Cintra (pp. 271-5). Republicação do texto saído em
1846.
Manoel de Torres Mangas, O Seductor e a Virgem. Rimance, O Jardim Litterario,
IX, nº 7 (18/2/1853), pp. 55-56.
Em quadras de tipo tradicional e em sextilhas de heptassílabos.
Carlos Silva, A Vingança do Turco. Chacara, O Jardim Litterario, IX, nº 8
(25/2/1853), pp. 62-64, e nº 9 (4/3/1853).
Em quadras de tipo tradicional (sobretudo) e em sextilhas de heptassílabos.
A. Ayres [de Gouvêa],
1622
1621
A Sernada, O Novo Trovador. Collecção de poesias
contemporaneas, redigida por alguns academicos, Coimbra, Imprensa de E. Trovão, 1856,
pp. 82-9
1623
1620
Ao contrário dos poemas anteriores, este não saiu na ed. de 1843 do Romanceiro, mas sim,
embora no mesmo ano, no Jornal das Bellas Artes.
1621
1622
1623
O poema passa-se na corte do sultão da Turquia.
O segundo apelido do autor é indicado apenas no índice da revista, p. 209.
O Novo Trovador publicou-se entre 1851 e 1856 [ver F(átima) Freitas Morna, “O Novo
Trovador” in Helena Carvalhão Buescu (org.), Dicionário do Romantismo Literário Português, Lisboa,
Editorial Caminho, 1997, pp. 378-9 (378)]. Passa-se com esta revista um problema do mesmo tipo do que
verificámos a propósito de O Trovador. Na verdade, o que d’ O Novo Trovador existe na Biblioteca Nacional é
um exemplar da edição, feita em 1856, que reúne em volume os números antes publicados avulsamente. Dado
que esses números não têm data própria de publicação, é muito difícil determinar quando saiu cada um deles.
Porém, este poema está datado, no fim, de “Sernada — Junho, 1852”. Assim, permitimo-nos inseri-lo entre os
525
Em quadras de heptassílabos.
1624
L[uiz] R[ibeiro] [de Sottomaior], O Não. Lenda, O Portugal (Porto), 14/5/1853, pp.
1-2 e 17/5/1853, pp. 1-2.
Poema dividido em cinco partes. Em três delas, é um romance, embora a assonância
seja diferente em cada uma dessas partes. O resto do poema é em sextilhas de
heptassílabos.
1625
A[ntonia] G[ertrudes] Pusich, A Torre do Fato. Lenda popular, A Beneficencia, nº
17 (1/7/1853), pp. 3-5.
Republicação do texto saído em 1850.
Manoel de Torres Mangas, Os Fantasmas, O Jardim Litterario, IX, nº 20
(20/5/1853), pp. 159-160, nº 21 (27/6/1853), pp. 167-8, e nº 22 (3/7/1853), pp. 174-5.
Em quadras de tipo tradicional.
1854
Guilhermino Augusto [de Barros], O Coração Magnânimo. Conto, O Bardo. Jornal
de poesias ineditas publicadas desde Março de 1852 a Março de 1854, Porto, Na
Typographia de Sebastião José Pereira, 1854, (fasc. nº 20), pp. 309-311.
1626
Em quadras de tipo tradicional.
textos publicados em 1853. Pensamos não ter errado muito, tanto mais que ele está incluído no fascículo nº 5
(pp. 82-89), e a revista teve um total de 12 fascículos.
1624
1625
1626
O poema parece versificar a lenda etiológica de Sernada, aldeia nas margens do Vouga.
Sobre esta balada, versificação duma falsa lenda tradicional, ver o que escrevemos no cap. VIII.
Passa-se com O Bardo o mesmo fenómeno que já referimos a propósito de O Trovador e O Novo
Trovador: o exemplar desta revista que existe na Biblioteca Nacional pertence à edição que reúne em volume
os números publicados avulsamente. Dado que esses números (publicados, como se diz no subtítulo, entre
Março de 1852 e Março de 1854) não têm data própria de publicação, é impossível determinar quando saiu
cada um deles.
526
A. C. L.,
1627
A Moura Encantada, O Bardo. Jornal de poesias ineditas publicadas
desde Março de 1852 a Março de 1854, Porto, Na Typographia de Sebastião José Pereira,
1854 (fasc. nº 23), pp. 355-7.
Em quadras de versos de 11 sílabas.
[Maria Peregrina de Souza],
1629
1628
Um Cavalleiro Portuguez, O Jardim Litterario, X
(1854), nº 24, pp. 191-192, nº 25, pp. 198-199, nº 26, p. 206, nº 27, pp. 215-216, e nº 28, pp.
222-223.
Em quadras de tipo tradicional.
[Maria Peregrina de Souza],
1630
Chacara, O Jardim Litterario, X (1854), nº 33, pp.
262-264, e nº 34, pp. 271-272.
Republicação do texto saído em 1843.
T[homaz?] A[ntonio?] Ribeiro,
1631
O Amor d’ um Rei, Revista Academica
(Coimbra), II, nº 15 (Fevereiro 1854), pp. 55-56.
Em décimas de heptassílabos.
1855
C. S. Vasconcellos, A Coroa e o Cadafalso, Harpa do Mondego (Coimbra), nº 2
(1855), pp. 22-26.
Em vários tipos de metro e de estrofe.
1627
1632
Não parecem ser as iniciais de Antonio Coelho Louzada (também colaborador desta revista), ao
que se depreenderia do facto de, no índice alfabético de autores (p. 380), se distinguir entre este último e A. C.
L. (a menos que tal distinção seja um erro dos organizadores).
1628
1629
1630
Sobre esta balada, ver o que escrevemos no cap. VIII.
Foi publicado anónimo. Quanto à identificação da autora, ver nota a Erico e Batilde, 1842.
Foi publicado sob o nome “Uma Senhora”. Quanto à identificação da autora, ver nota a Erico e
Batilde, 1842.
1631
Pensamos tratar-se dum poema de Tomás Ribeiro, mas é um facto que não o encontrámos
republicado nos livros deste autor.
527
1856
F. G. d’ Amorim, “Viagem ao Minho”, O Panorama, 3ª série, V (1856), pp. 234238. É o cap. XV desta novela. Inclui:
Marianninha (pp. 237-238). É um romance, embora os versos estejam agrupados
em estrofes, de diferente número de versos.
1633
Julio de Castilho, Palmira. Romance mauresque, Revista Peninsular, II (1856), pp.
137-138.
Em oitavas de heptassílabos.
1634
1857
Henrique Augusto, A Quinta do Preto (Tradição popular), A Grinalda, I (1855[1635
1857]),
nº 1, pp. 13-15.
1632
1633
Sobre Ana Bolena.
Sobre esta balada (inspirada, ao que parece, no romance tradicional Vingadora da sua Honra),
ver o que escrevemos no cap. VIII. Fazendo fé nas palavras de Gomes de Amorim (que dá o texto como
recolhido da tradição oral), Braga publicou a presente balada no seu Romanceiro Geral Portuguez, I, Lisboa,
Manuel Gomes, Editor, 1906, pp. 411-4.
1634
1635
Como se pode ver logo pelo título, este poema é em francês.
Passa-se com A Grinalda o mesmo que já observámos nos dois Trovadores e n’ O Bardo: o que
desta revista existe na Biblioteca Nacional são os vários volumes da sua edição em livro, onde, posteriormente
à saída dos fascículos, estes foram reunidos. Nessa edição, os fascículos não têm capa própria nem trazem
indicação de data em qualquer outro local. A revista [ver Álvaro Manuel Machado, “A Grinalda”, in José
Augusto Cardoso Bernardes et al. (orgs.), Biblos. Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa,
II, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1997, col. 893] começou a ser publicada em Abril de 1855, e a sua periodicidade
parece ter sido mensal. Os volumes da edição em livro não foram publicados regularmente: o I saiu em 1855, o
II em 1857, o III em 1860, o IV em 1862, o V em 1864, e o VI (e último) em 1869. Além disso, o ano que
trazem indicado no frontispício não corresponde àquele em que sairam, como se pode observar, por exemplo,
pela análise do II vol.: embora esteja datado de 1857, parte (pelo menos) dos fascículos que engloba são
posteriores a tal data, já que neles há vários poemas datados de 1859 (é o caso de D. Carlos e D. Clara, de D.
528
Em quadras de versos de 11 sílabas e em quadras de tipo tradicional.
1636
J. M. B. Carneiro, Amor e Morte, A Grinalda, I (1855[-1857]), nº 4, pp. 63-64.
Em quadras de tipo tradicional.
Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 4º: A Visão do Regato, A Grinalda, I (1855[1857), nº 6, pp. 93-96.
Em versos de 11 sílabas e em quadras de tipo tradicional.
1637
Nogueira Lima, O Cavalleiro e a Monja, A Grinalda, I (1855[-1857), nº 7, pp. 106112.
Sobretudo em quadras de heptassílabos.
M. P., S. Domingos da Sovereira, A Grinalda, I (1855[-1857), nº 8, pp. 113-115.
Em quadras de tipo tradicional.
1638
João de Lemos, A Capella do Ermo, in Alexandre Magno de Castilho (org.),
Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para 1858, Lisboa, Imprensa Nacional, 1857, p.
213.
Em sextilhas de heptassílabos.
1858
Maria Peregrina, publicado no fascículo nº 11 — q. v.) e até de 1860. Pareceria, então, que a data de cada
volume se refere ao ano em que saiu o primeiro fascículo que nele está reunido, e que o volume em si deve ter
sido publicado no ano em que saiu o primeiro fascículo do volume seguinte. Assim, o I vol., embora datado de
1855, deve ter saído em 1857; o II vol., datado de 1857 no frontispício, deve ter sido publicado em 1860, etc. Já
que os fascículos, individualmente (como dissemos), não estão datados, e já que, por outro lado, é possível que
a difusão da revista se tenha feito mais através da sua edição em livro, decidimos colocar os poemas que
citamos d’ A Grinalda entre os textos publicados no ano em que cada um dos volumes da revista terá saído. Eis
a razão por que, por exemplo, os poemas deste I vol. estão colocados junto duma obra de 1857.
1636
1637
1638
Sobre esta balada, ver o que escrevemos no cap. VIII.
Sobre esta balada, ver o que escrevemos no cap. VIII.
Sobre esta balada (versificação duma lenda ligada à ermida de São Domingos, em Sovereira,
perto de Penamacor), ver o que deixámos dito no cap. VIII.
529
F. Gomes de Amorim, Cantos Matutinos, Lisboa, Typographia Progresso, 1858.
Inclui:
O Diabo (pp. 176-9). Republicação do texto saído em 1849; e
Marianninha (pp. 164-8). Republicação do texto saído em 1856.
Almeida Garrett, Por Bem ou as Pêgas de Cintra, in Alexandre Magno de Castilho
(org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1859, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1858, pp. 354-5.
Republicação do texto saído em 1846 e 1853.
José da Silva Mendes Leal Junior, Canticos, Lisboa, Typographia do Panorama,
1858. Inclui:
A Infante de Granada (pp. 77-79). Republicação do texto saído em 1840 e 1845;
Aspiração (pp. 117-120). Em quadras de decassílabos;
O Almanzor (pp. 133-134). Em quadras de eneassílabos;
e Ultima Despedida (pp. 395-396). Em quadras de versos de 11 sílabas.
João de Lemos, Cancioneiro, I: Flores e Amores, Lisboa, Escriptorio do Editor,
1858. Inclui:
A Capella do Ermo (pp. 98-101). Republicação do texto saído em 1857; e
Amor e Morte (pp. 120-145). É um romance, embora com os versos agrupados por
quadras; a assonância é diferente em cada uma das partes em que se divide o poema.
F[rancisco] Palha, Poesias, 2ª ed. augmentada, Lisboa, Typographia de J. Germano
de Sousa Neves, 1858.
Inclui:
A Infanta de Castella (pp. 33-54). Republicação do texto saído em 1850 e em 1852;
A Aposta do Rei. Lenda popular (pp. 55-60). Republicação do texto saído em 1850
e em 1852.
1639
1639
Esta 2ª ed., embora traga a menção de “augmentada”, não apresenta novidades na secção dos
“Romances Populares” em relação ao que aparecia na 1ª ed. (1852).
530
Maria Peregrina de Souza, As Bruxas do Chavascal, in Alexandre Magno de
Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1859, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1858, pp. 379-80.
Em quadras de tipo tradicional.
M[endes] L[eal] (J[unior]),
1640
1641
A Ultima Despedida, Estrêa Litteraria, I, nº 4
(15/4/1858), p. 3.
Republicação (ou pre-publicação) do texto saído no mesmo ano nos Canticos do
autor.
1642
S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve”, O Futuro, 7/5/1858, pp. 12. Inclui:
1643
A Serrana (pp. 1-2). É um romance.
1644
J. A. R. de Faria, Martim de Freitas, O Civilisador, nº3 (19/6/1858), p. 3.
Em vários tipos de metros e de estrofes.
Antonio Feliciano de Castilho, Rimance da Senhora da Nazareth, O Futuro,
8/8/1858, pp. 1-3.
Republicação do texto saído em 1838.
F., O Trovador, Preludios-Litterarios, I, nº 1 (Dezembro 1858), pp. 6-9.
Em quadras de tipo tradicional.
1640
1641
Narra uma aparição de bruxas, na noite de São João. A linguagem tem vários regionalismos.
O poema está assinado apenas por iniciais, mas o nome do autor é fornecido por extenso no
“Agradecimento” (p. 8), assinado pelo director da revista (A. M. da Cunha Bellem).
1642
Nesta publicação no jornal, o poema tem a seguinte epígrafe: “Y eran los hijos sin padres / Sin
casados las casadas. / Romancero”. Não conseguimos identificar o romance a que pertencerão estes versos.
1643
1644
pp. 117-123.
Além dum texto sobre a poesia oral no Algarve.
Foi republicado (com parte do texto introdutório que saíra no jornal) no Romanceiro do Algarve,
531
1859
Anonyma Setubalense, O Perjurio. Chacara, in Alexandre Magno de Castilho
(org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1860, Lisboa, Typographia
Franco-Portugueza, 1859, p. 338.
Em quadras de tipo tradicional.
A. X. R[odrigues] Cordeiro, A Doida de Albano, apud Alexandre Magno de
Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1860, Lisboa,
Typographia Franco-Portugueza, 1859, pp. 311-2.
Republicação do texto saído em 1852.
João de Lemos, Cancioneiro, II: Religião e Patria, Lisboa, Escriptorio do Editor,
1859. Inclui:
Nossa Senhora do Pranto (pp. 72-8). Republicação do texto saído em 1848;
e Alcacerkibir (pp. 167-179). Em vários tipos de metros e de estrofes.
A. A. Soares de Passos, Poesias, 7ª ed., revista, augmentada e precedida d’ um
esboço biographico por A. X. Rodrigues Cordeiro, Porto, Livraria Cruz Coutinho Editora,
1890. Inclui:
Idade Media (pp. 159-161).
1645
Em oitavas de heptassílabos.
Eugenio Arnaldo de Barros Ribeiro, Alguns Versos. Poesias diversas, Coimbra,
Imprensa Conimbricense, 1859. Inclui:
Egas Moniz (pp. 43-51). Em décimas de heptassílabos.
G. Fonseca, A Perfidia, A Saudade. Jornal poetico, I, 1859, pp. 5-10.
Em oitavas de heptassílabos.
1645
1646
Esta 7ª ed. das Poesias de Passos é a primeira em que surge o texto em causa. Porém, o poema
terá de ser anterior a 6/1/1860, data da morte do autor. Por tal motivo, incluímo-lo na nossa lista entre os
poemas de 1859.
1646
O poema está incompleto. No final, diz-se que continua, mas não o encontrámos até à conclusão
do volume, o único que desta revista existe na Biblioteca Nacional.
532
A[ntonio] de M[ello] Varajão, Lenda Popular, A Saudade. Jornal poetico, I, 1859,
pp. 19-22.
Em quadras de tipo popular.
S. P. M. Estacio da Veiga, “Cantos Populares do Algarve. Recordações”, A Nação,
28/6/1859, pp. 1-2. Inclui:
1647
A Moira Encantada (pp. 1-2). É um romance.
1648
1860
Maria Peregrina de Souza,
1649
As Bruxas do Chavascal, A Grinalda, II (1857[-
1860]), nº 3, pp. 35-37.
Republicação (ou ante-publicação) do texto saído em 1858.
Nogueira Lima, Contos Fantasticos. 8º: A Cruz Fatal!, A Grinalda, II (1857[1860]), nº 5, pp. 78-80.
Em heptassílabos, em parte agrupados em quadras de tipo tradicional.
1650
Maria Peregrina de Souza, Um Valentão (Conto campestre), A Grinalda, II (1857[1860]), nº 8, pp. 113-114.
Em quadras de tipo tradicional.
1647
1651
Além duma introdução (p. 1) e de algumas quadras populares soltas recolhidas em Tavira (A S.
João, p. 2).
1648
Foi republicado (com o texto introdutório que saíra no jornal, mas sem as quadras) no
Romanceiro do Algarve, pp. 35-7.
1649
Por engano, o nome da autora é indicado como sendo “Maria do Patrocinio de Souza”(p. 37). Na
p. 64, contudo, rectifica-se o erro, em nota da redacção.
1650
O narrador diz que a história aqui enversada (sobre fantasmas que aparecem num ermo, junto a
um cruzeiro) lhe foi narrada por um “bom velho” (p. 80).
1651
Sobre superstições populares. A linguagem tem vários regionalismos.
533
Maria Peregrina de Souza, Origem do Cannavial, A Grinalda, II (1857[-1860]), nº
12, pp. 177-179.
É um romance.
1652
Maria Peregrina de Souza, Origem do Cannavial, in Alexandre Magno de Castilho
(org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1861, Lisboa, Typographia
Franco-Portugueza, 1860, p. 214.
Republicação do item anterior.
1652
Ver o que sobre este poema (inspirado numa versão tradicional de Princesa Peregrina + Conde
Ninho) dizemos atrás no cap. VIII.
Curiosamente, esta balada de D. Maria Peregrina parece ter entrado na tradição: nós próprios
recolhemos, em 1981 (da informante D. Maria Virgínia de Freitas, Gaula, concelho de Santa Cruz, ilha da
Madeira), uma versão de Princesa Peregrina que, tanto quanto nos recordamos, tinha o mesmo começo que o
presente poema, nomeadamente o estranho primeiro verso “Avante, meu palafrém”, que, pelo seu medievismo
postiço, nos ficou na memória. A versão de Gaula foi publicada (ver Pere Ferré et al., Romances Tradicionais,
[Funchal], Câmara Municipal do Funchal, 1982, nº 107), mas amputada do seu começo, sem, portanto, a parte
proveniente do poema de D. Maria Peregrina. Note-se que o resto dessa versão de Gaula é em tudo semelhante
às tradicionais, não derivando essa parte, portanto, do reenversamento de D. Maria Peregrina de Sousa.
No espólio de Leite de Vasconcelos existente na Faculdade de Letras de Lisboa (e que actualmente,
como atrás dissemos, não está à consulta), vimos, há anos, um manuscrito onde, entre outros romances, se
incluem 14 vv. do início da Origem do Cannavial. Esse manuscrito constitui um “caderno”, escrito a lápis, com
8 páginas, formado por duas folhas de papel almaço, dobradas ao meio no sentido da altura. O poema em
apreço está na última página do manuscrito, e não termina. Tem algumas variantes em relação ao texto de D.
Maria Peregrina, mas a disposição dos versos, com cada uma das falas atribuídas expressamente a uma
personagem (como se se tratasse duma obra teatral) segue exactamente o texto impresso, apresentando também
o mesmo título que esse texto. Assim, embora as restantes versões do “caderno” pareçam tradicionais (a
primeira, Xácara de D. João, é uma Dona Ângela de Mexia, e tem, à margem, a indicação “Elvas”), a Origem
do Cannavial pareceria antes ser cópia (feita por um ajudante de Leite de Vasconcelos?) do poema que,
provavelmente, fora enviado a Vasconcelos por D. Maria Peregrina (a qual —ver, no capítulo sobre a história
do romanceiro, a nota a D. Carlos e D. Clara, 1857[-1860]— sabemos lhe ter oferecido vários textos, um deles,
pelo menos, numa versão diferente da que, depois, ela publicou na imprensa). No referido manuscrito (escrito,
como dissemos, a lápis), existem algumas anotações à margem e nas entrelinhas, a tinta preta, numa letra
diferente, que o Prof. Doutor Viegas Guerreiro e a Doutora Maria Aliete Galhoz, por nós consultados,
identificaram como sendo de Leite de Vasconcelos. Note-se que, nesse “caderno”, a Origem do Cannavial está
riscada com dois traços verticais na referida tinta preta, indicando, provavelmente, que Leite de Vasconcelos
não a considerava aproveitável para o seu futuro romanceiro, onde, de facto, não foi incluída.
534
E. de Barros,
1653
O Jogador. Conto popular, Preludios-Litterarios, II, nº 11 (Abril
1860), p. 88, e nº 12 (Abril 1860), p. 95.
É um romance, embora com os versos divididos por quadras.
1654
S. P. M. Estacio da Veiga, A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de
Castromarim, A Nação, 18/8/1860, pp. 1-2.
1655
Inclui:
1656
A Senhora dos Martyres. É um romance.
S. P. M. Estacio da Veiga, A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de
Castromarim, O Agapito, 21/8/1860, pp. 1-3.
Republicação do item anterior.
1861
A[ntonio] F[rancisco] Barata, O Conto da Avósinha, A Pobre Lyra, Elvas,
Typographia da Voz do Alentejo, 1861, pp, 25-34.
Em quadras de tipo tradicional.
1653
1657
É provável que se trate de Eugenio de Barros, autor que publica versos noutros números da
revista, por exemplo, Nembrod, no vol. II, nº 23 (Janeiro 1861), p. 183. É possível que esse Eugenio de Barros
seja o mesmo que Eugenio Arnaldo de Barros Ribeiro, que, em 1859 e 1862 (q. v.), publicou dois livros que
incluem poemas narrativos de tema medieval.
1654
Ver o que sobre este poema (versificação dum texto tradicional do conto AT 313, The Girl as
Helper in the Hero’s Flight) dizemos atrás no cap. VIII.
1655
Está datado de “Lisboa 15 de agosto de 1860”. Esclareça-se que “vigíla” era termo que, no
Algarve, designava “as festas de campo dedicadas ao orago duma ermida ou capela” (J. Leite de Vasconcellos,
Etnografia Portuguesa. Tentame de sistematização, IX, org. por M. Viegas Guerreiro, com a colaboração de
Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromrnho, Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1985, p.
606).
1656
Além duma introdução sobre a romaria da Senhora dos Mártires em Castro Marim e sobre a
lenda em que se baseia o romance.
1657
Como no cap. VIII já observámos, é versificação dum conto tradicional (AT 307, The Princess
in the Shroud).
535
Francisco de Castro Freire, Recreações Poeticas, Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1861. Inclui:
O Trovador (pp. 26-35). Em quadras de tipo tradicional.
1658
[Augusto] Cesar [Correia] de Lacerda, Coração de Ferro, drama phantastico de
grande espectaculo em cinco actos, Lisboa, Typographia do Panorama, 1861. Inclui:
um poema sem título (p. 43). Em quadras de tipo tradicional.
1659
A. L. S., A Volta da Terra Santa, A Epoca, 21/4/1861, p. 1.
Em oitavas de heptassílabos.
S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, Estrella
d’ Alva, II, nº 12 (Junho 1861), pp. 91-92. Inclui:
A Moira Encantada (p. 92). Republicação do romance incluído em 1859 no artigo
do autor “Cantos Populares do Algarve. Recordações”.
S. P. M. Estacio da Veiga, “Poesia Popular do Algarve. Festas de S. João”, A
Epoca, 23/6/1861, pp. 1-2. Republicação do item anterior.
S. P. M. Estacio da Veiga, A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de
Castromarim, Estrella d’ Alva, II, nº 20 (Agosto 1861), pp. 149-152.
Republicação do texto saído em 1860.
1862
Maria Peregrina de Souza, As Casarias Medonhas (Conto popular), A Grinalda, III
(1860[-1862]), nº 3, pp. 33-35.
Em quadras de pentassílabos.
1658
1660
Na nota “Do Editor” (página não numerada), que inicia a obra, diz-se que todos os poemas deste
livro tinham saído anteriormente em periódicos. Porém, não pudemos detectar uma pré-publicação do presente
poema.
1659
A peça passa-se na Idade Média. O poema (a que a didascália chama “xacara”) é cantado por
uma das personagens, “acompanhada a harpa”.
536
Maria Peregrina de Souza, Lazaro Martins, A Grinalda, III (1860[-1862]), nº 6, pp.
84-87.
Em sextilhas de pentassílabos e de heptassílabos.
1661
Eugenio A[rnaldo] de Barros Ribeiro, Poesias, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1862. Inclui:
A Cruz do Valle (pp. 125-9). Em sextilhas de decassílabos e de hexassílabos.
Luiz Ribeiro de Sottomaior, Poesias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1862.
Inclui:
O Peregrino (pp. 19-22). Em sextilhas de heptassílabos;
e O Não. Lenda (pp. 176-191). Republicação do texto saído em 1853.
Theophilo Braga, Ao Acalentar no Berço, Ensaios Litterarios (Coimbra), nº 8
(1/4/1862), p. 60.
Em quadras de tipo tradicional.
1662
S. P. M. Estacio da Veiga, A Vigilia e a Lenda da Senhora dos Martyres de
Castromarim, A Nação, 16/8/1862, pp. 1-2. Republicação do artigo saído em 1860 e
1861.
1663
1660
1661
1662
Ver o que sobre este poema (pretensa versificação duma lenda) dizemos atrás no cap. VIII.
Passa-se em Mazagão e narra lutas entre cristãos e mouros.
A primeira quadra (que, mais à frente, se repete, na sexta) é tradicional. Em nota de rodapé, diz-
se sobre ela: “Bellissima quadra do Fado de Coimbra”. É a seguinte: “Quem tiver filhos pequenos / Por força
lhe[sic] ha de cantar; / Quantas vezes as mães cantam / Com vontade de chorar”.
1663
O artigo, recorde-se, consta do romance da Senhora dos Martyres, precedido por um longo texto
introdutório sobre a romaria respectiva e a lenda que está na base do romance. Nesta segunda publicação n’ A
Nação (onde, como vimos, saíra inicialmente em 18/8/1860), o artigo vem antecedido por uma nota da
redacção que diz: “Vamos reproduzir um folhetim, que ha tempos aqui inserimos, em consequencia de se ter
extrahido toda a edição da folha em que então apparecêra, e de não podermos de outro modo satisfazer ao
desejo que varias pessoas nos tem manifestado de o possuirem”. O romance e o texto introdutório voltaram a
ser publicados no Romanceiro do Algarve, pp. 163-73.
537
F[rancisco] X[avier] da Silva, O Castello dos Mouros em Cintra. Lenda popular,
Aurora Litteraria, III, nº 10 (16/12/1862), pp. 77-78.
Em quadras de tipo tradicional.
1664
1863
Antonio Feliciano de Castilho, O Outono. Collecção de poesias, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1863. Inclui:
Senhora da Nazareth (Chacara) (pp. 153-171). Republicação do texto saído em
1838 e 1858;
e A Tomada de Coimbra (Chacara) (pp. 245-252). Republicação do texto saído em
1838 (aí, sem título) e duas vezes em 1839 (em ambas, com o título de Jornada de Ourique).
J. B. de Almeida-Garrett, Romanceiro, I: Romances da Renascença, 4ª ed., Lisboa,
Viuva Bertrand e Filhos, 1863.
Contém os mesmos oito poemas que a edição de 1853.
1864
Francisco Duarte d’ Almeida e Araujo, Minhas Lembranças. Poesias, Lisboa,
Typographia do Panorama, 1864. Inclui:
Bemfica! (pp. 134-141) Depois duma introdução em quadras de tipo tradicional,
passa a ser um romance, com a assonância mudando quando muda a tirada;
e A Moura da Fonte (pp. 237-239). Em quadras de heptassílabos.
1665
Clotilde de Miranda, D. Roberto, Boudoir, nº 25 (11/6/1864), pp. 2-3.
Em sextilhas de heptassílabos.
1664
Não obstante o seu subtítulo, o poema não parece contar nenhuma lenda tradicional, mas sim
uma história totalmente inventada pelo autor.
1665
VIII.
Ver o que sobre esta balada (versificação duma pretensa lenda tradicional) dizemos atrás no cap.
538
1865
Costa Goodolphim, Primeiros Versos, Lisboa, Typ. de Vicente Alberto dos Santos,
1865. Inclui:
A Mãe e o Filho (pp. 38-48). Em versos e estrofes de vário tipo;
1666
e Dona Urraca. Romance historico (pp. 147-181). Em parte é um romance (embora
a rima mude de tirada para tirada); noutra parte, é em versos e estrofes de vário tipo.
1667
Gomes Leal, “O Castello Dezerto. Amostra d’ um conto phantastico”, Boudoir, nº
64 (1865?), pp. 2-3, nº 65, pp. 2-3 e nº 66 (pp. 2-3). Este conto inclui:
excerto dum poema sem título. Em heptassílabos.
1668
J[oão Francisco] Dubraz, poema de título desconhecido, A Voz do Alemtejo,
1/1/1865.
1669
Em oitavas de heptassílabos.
F[rancisco] D[uarte] d’ A[lmeida e] Araujo, Bemfica (Lenda popular), Restauração,
7/2/1865, p. 1, e 9/2/1865, p. 1.
Republicação do texto saído em 1864.
1866
1666
1667
A acção passa-se no tempo da batalha de Aljubarrota.
Ver o que sobre esta balada (versificação duma pretensa lenda tradicional) dizemos atrás no cap.
VIII.
1668
O conto começa precisamente com esse extracto (2 estrofes). Seguidamente, diz-se: “Era este o
principio d’ uma ballada minha, sepultada no fundo d’ uma gaveta. Achei ocasião agora de a metter por prologo
d’ uma amostra de conto phantastico”. O poema é de ambiente medieval. No nº 65, integra-se no texto do conto
outro fragmento em verso, desta feita lírico (em décimas de heptassílabos), onde se fala do tempo passado, esse
“tempo maravilhoso de lendas ao pé do lar”, de cavaleiros, fadas e castelos.
1669
Conhecemos este poema (sobre uma “moira encantada” que aparece no castelo de Campo Maior)
apenas através dum seu excerto publicado na obra do autor saída em 1868 (q. v.), onde se refere também o lugar
e data da primeira publicação do texto.
539
Francisco Gomes de Amorim, Versos, I: Cantos Matutinos, Lisboa, Typ. da
Sociedade Typographica Franco-Portugueza, 1866. É a 2ª ed. dos Cantos Matutinos. Inclui:
O Diabo (pp. 304-7). Republicação do texto saído em 1849 e 1858;
e A Castellã de Avelomar (pp. 332-354). Em quadras de tipo tradicional.
1670
Francisco Gomes de Amorim, Versos, II: Ephemeros, Lisboa, Typ. da Sociedade
Typographica Franco-Portugueza, 1866. Inclui:
Marianninha (pp. 107-113). Republicação do texto saído em 1856 e 1858.
A[ntonio] F[rancisco] Barata, Cancioneiro Portuguez, Coimbra, Imprensa
Litteraria, 1866. Contém:
1671
O Abbade João (pp. 1-15). Na sua maioria, em versos de romance (embora
agrupados em quadras), de assonância diferente em cada uma das três partes do texto;
Pero Gallego (pp. 17-25). Vários tipos de metro e de estrofe;
Fernão Rodrigues Pacheco ou o Cerco de Celorico (pp. 27-32). Em sextilhas de
heptassílabos;
1670
Faz recordar muito o tema de Alonzo and Imogene (de Lewis, traduzido por Herculano, por
Gama Lobo e por um anónimo — ver Apêndice nº 3), embora tenha um final de crítica contra as ordens
religiosas. A história é a seguinte: Rodrigo parte para a Palestina, deixando sua noiva Leonor. Ao fim de quatro
anos, chega Ramiro (irmão de Rodrigo, que também fora para a Palestina), com a notícia de que este morreu.
Conta ainda que o irmão dissera que voltaria como fantasma, se Leonor e Ramiro casassem. Não obstante essa
ameaça, eles apaixonam-se e casam. No dia do casamento, durante o banquete, chega um cavaleiro, de
armadura, com a viseira baixada, que se apresenta como Rodrigo. Vão os três para a câmara nupcial, onde
ficam oito dias fechados. Quando o padre e o povo se decidem a abrir a porta do quarto, encontram os casados
mortos na cama, e, junto a eles, uma armadura vazia. O padre desconfia que ali “andou maroteira” dos frades,
porque “A dama aqui ha dois mezes / Tinha feito testamento... / Não tendo herdeiros forçados / Deixava tudo ao
convento...” (p. 352). Os frades tomam conta das terras e do castelo. O padre conclui dizendo: “Se houvesse
diabo era frade!” (p. 354).
1671
A obra consta apenas de poemas narrativos, de tema histórico ou lendário nacional. No
“Prologo” (pp. v-viii), o autor apela aos “professores de instrucção primaria”: “fazei-lhes [aos alunos] ler e
explicae-lhes o meu livro”, de modo a fortalecer-lhes o espírito patriótico (pp. vi-vii). Cada poema é antecedido
por uma introdução própria, em que se fala do feito de que o poema trata e se refere a fonte (em geral
cronística) onde o poeta dele tomou conhecimento. Como se vê, a obra recorda muito, nos temas e na estrutura,
O Romanceiro Portuguez de Moraes Sarmento (q. v.).
540
Brites d’ Almeida ou a Padeira d’ Aljubarrota (pp. 33-45). Na sua maioria, em
versos de romance, agrupados em quadras, de assonância diferente em cada uma das três
partes do texto;
D. João d’ Eça (pp. 47-53). Vários tipos de metro e de estrofe;
Pedro Esteves, o Barbadão de Veiros (pp. 55-63). Na sua maior parte, em sextilhas
de heptassílabos;
Salvador Ribeiro de Sousa (pp. 65-78). Vários tipos de metro e de estrofe;
O Conde dos Arcos (pp. 79-91). Vários tipos de metro e de estrofe;
D. Pedro Affonso (pp. 93-102). Em parte, é um romance;
O Consorcio Misterioso ou a Abbadessa d’ Arouca. Soláo (pp. 103-9). Vários tipos
de metro e de estrofe;
Soror Rosimunda ou a Abbadessa d’ Arouca. Soláo (pp. 111-7). Vários tipos de
metro e de estrofe;
Espinhos e Louros (pp. 119-130). Vários tipos de metro e de estrofe;
Ouro e Peste (Conto) (pp. 131-145). Na quase totalidade, em quadras de tipo
tradicional;
1672
e D. Alvaro Vaz d’ Almada ou a Batalha d’ Alfarroubeira[sic] (pp. 147-160). Vários
tipos de metro e de estrofe.
1867
Julio de Castilho, Primeiros Versos, Rio de Janeiro / Paris, Livraria de B. L.
Garnier, Editor / A. Durand, Livreiro, 1867. Inclui:
Palmira. Romance mauresque (pp. 53-55). Republicação do texto saído em 1856.
Francisco D. Almeida e Araujo, A Moura Encantada, Illustração Popular, II
(1867), nº 3 , pp. 10-11.
Republicação do poema saído em 1864 com o título de A Moura da Fonte.
J[osé] I[gnacio] de Araujo, Os Ladrões e os Defuntos. Conto de minha avó, Diario
de Noticias, 24/3/1867, p. 1.
1672
Ver o que sobre esta balada (versificação duma lenda tradicional ligada aos Mouros) dizemos
atrás no cap. VIII.
541
Em quadras de tipo tradicional.
1673
J[osé] I[gnacio] de Araujo, Os Cabellos da Barba. Conto de minha avó, Diario de
Noticias, 5/5/1867, p. 1.
Em quadras de tipo tradicional.
1674
1868
Visconde de Azevedo, Distracções Metricas, Porto, Typographia Particular do
Visconde de Azevedo, 1868. Inclui:
Amor e Receio. Conto (pp. 147-157). Republicação do texto com o mesmo título,
assinado por F[rancisco] L[opes] d’ A[zevedo Velho da Fonseca],
1675
saído em 1838.
J[oão Francisco] Dubraz, Recordações dos Ultimos Quarenta Annos. Esboços
humoristicos, descripções, narrativas historicas e memorias contemporaneas, Lisboa,
Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1868. Inclui:
1676
Excerto
dum poema sem título (p. 16). Republicacão parcial do texto saído em
1865;
e O Mestre d’ Aviz. Canto historico (pp. 342-346). Em quadras de tipo
tradicional.
1677
1673
Como dissemos no cap. VIII, é versificação dum conto jocoso tradicional (AT 1654, The
Robbers in the Death Chamber).
1674
Como dissemos no capítulo VIII, é versificação dum conto jocoso tradicional (sem número no
catálogo de Aarne/Thompson).
1675
Como a seu tempo dissemos, era este o nome do escritor que, mais tarde, foi feito Visconde (e
depois Conde) de Azevedo.
1676
1677
São duas oitavas de heptassílabos.
Informa o autor (p. 341) que este poema (então com o título de Conde de Ourem) foi escrito em
1846, embora não diga se foi publicado. Tendo sido “mais tarde remodelado”, a forma como o poema sai na
presente obra “se parece já pouco com a de 1846”.
542
Adelino Candido Coelho Velloso, D. João Gomes da Silva [,] romance historico em
verso e [,] em seguimento [,] Martyrios e Rosas [,] poemeto, Coimbra, Imprensa Litteraria,
1868. Inclui:
D. João Gomes da Silva (pp. 7-22). Em heptassílabos, na sua quase totalidade
agrupados em quadras de tipo tradicional.
1678
E[duardo] A[ugusto] Vidal, Cantos do Estio, Lisboa, Typ. Lisbonense, 1868. Inclui:
Idyllio de um Rei (pp. 58-62). Em versos de 10 e 6 sílabas.
1679
Costa Goodolphim, Rozalia (Lenda scandinava), O Estudo, nº 14 (13/4/1868), pp.
3-4; nº 26 (13/8/1868), p. 2; e nº 27 (27/8/1868), p. 2.
Em quadras de heptassílabos.
1680
1681
M., O Convento da Peninha (Lenda), O Estudo, nº 25 (3/8/1868), p. 2.
Fundamentalmente, em quadras de heptassílabos.
1682
1869
Maria Peregrina de Souza, S. Francisco Xavier. Xácara, A Grinalda, VI (1869), nº
5, pp. 65-69.
Em sextilhas de heptassílabos.
1678
1683
Sobre um episódio histórico (de que trata a “Nota ao Romance”, pp. 21-2): a vida do famoso
Beato Amador (no século, João Gomes da Silva). Martyrios e Rosas (pp. 27-32), poema incluído também nesta
obra, é de ambiente moderno.
1679
1680
Cena entre D. Pedro e D. Inês.
O poema tem, no fim, a indicação de que vai continuar, mas, na Biblioteca Nacional, não
existem mais números desta revista.
1681
No poema, há numerosas referências a seres, deuses e lugares da mitologia escandinava e
germânica (notar o extra-nacional do tema), como um “elfe”[sic], a “Valhala”, “Odin”, etc.
1682
1683
A história (aparição de Nossa Senhora a uma pastora) passa-se no reinado de D. João III.
Narra um milagre de S. Francisco Xavier, feito em 1500.
543
1870
J. Simões Dias, O Christo da Veiga, in As Peninsulares. Canções meridionaes,
Elvas, Typographia da Democracia Pacifica, 1870, pp. 194-208.
Em heptassílabos, agrupados em vários tipos de estrofes.
1684
1684
Sobre esta balada (reversificação dum poema de Zorrilla, que por sua vez versifica uma lenda
tradicional), ver o que deixámos dito no cap. VIII.
544
APÊNDICE Nº 3:
TRADUÇÕES PORTUGUESAS DE BALADAS ROMÂNTICAS
ESTRANGEIRAS DE AMBIENTE ANTIGO OU TEMA POPULAR
(1834-1868)
Como a seu tempo dissemos, no estudo do corpus baladístico romântico em
português parece-nos justificar-se a inclusão, também, das baladas que, embora estrangeiras,
ao serem traduzidas para a nossa língua, passaram a fazer parte do conjunto de textos que o
leitor da época tinha à sua disposição. Além disso, por vezes, como adiante indicaremos,
estas baladas traduzidas eram apresentadas pelos próprios poetas (ou pelos directores dos
periódicos) como originais e não como simples traduções. De alguns desses casos nós
próprios nos apercebemos, pelo que restituímos, entre parênteses rectos, o nome do
verdadeiro autor. Porém, é muito possível que vários outros casos existam que não soubemos
detectar.
Dado que, como dissemos, o que nos interessava era estabelecer o corpus da balada
em português, só tomámos em consideração as baladas estrangeiras que foram traduzidas em
verso, como verdadeiros poemas. Deixámos, pois, de lado, as traduções em prosa.
1685
Finalmente, diga-se que se aplicam também a este corpus as indicações
introdutórias que fizemos no Apêndice nº 2.
1834
1685
Por exemplo: Walter Scott, “O Fanatico Selvagem, a Cruz de Fogo e a Maldição” (de The Lady
of the Lake, c. III), trad. anónima, O Mosaico, I, nº 19 (10/6/1839), pp. 150-2; [Uhland], “O Monarcha Cégo
(chacara allemã)”, trad. de S. B. R., O Correio das Damas, IV, nº 23 (25/11/1841), pp. 182-3; [Uhland], “O Rei
Cégo”, trad. de E. A. Biester, O Ramalhete, VI, nº 255 (19/1/1843), p. 14 (trata-se duma tradução diferente da
anterior).
546
[Matthew G. Lewis],
(1834)],
1688
1686
Romance, [tradução de V.]
1687
Semanal de Poezias, nº [1
pp. 6-15.
Traduzido em quadras de tipo popular.
Burger[sic], Leonor[,] romance, trad. de A[lexandre] H[erculano], Repositorio
Literario, nº 5 (15/12/1834), pp. 38-40.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
1686
1689
Embora nada na revista o diga, não se trata dum poema original, mas sim da tradução (ainda que
muito livre) da balada Alonzo and Imogine de Lewis (que está integrada no romance The Monk, 1796). Note-se
que o primeiro texto que se apresenta como tradução dessa célebre balada inglesa virá a ser o Affonso e Isolina,
devido a Alexandre Herculano e publicado em 1835 (q. v.). Comparámos a adaptação feita por V. com o
original inglês e a tradução francesa, de 1797, em que se baseou Herculano para fazer as suas traduções (sobre a
fonte francesa de Herculano, ver J. J. Dias Marques, “Une ballade gothique anglaise dans la tradition orale du
Trás-os-Montes”, in AA. VV., Littérature orale/ traditionnelle/ populaire. Actes du Colloque, Paris, Centre
Culturel de la Fondation Calouste Gulbenkian, 1987, pp. 257-299, especialmente pp. 271-3). Concluímos que a
versão de V. não foi feita a partir da referida tradução francesa, embora seja de pôr a hipótese de, a existirem
outras traduções francesas do poema (publicadas, por exemplo, em revistas), essa possa ter sido uma fonte
possível. Os nomes de “Reynaldo” e “Arneo” que a tradução de V. dá a duas das personagens (as quais, no
original de Lewis, são, respectivamente, “Alonzo” e “a Baron”), poderiam deixar entrever os nomes franceses
“Renaud”/”Renault” e “Arnau(l)d”, ambos muito neo-góticos. De qualquer modo, já que não sabemos como
procurar outras traduções francesas da balada (feitas, por exemplo, por algum autor ligado ao “genre
troubadour”), o que pudemos fazer foi comparar o texto português de V. com o original de Lewis. E
concluimos que, na primeira parte (i. e., antes de a jovem se apaixonar por outro e com ele casar), os dois textos
se afastam muitíssimo quanto à linguagem: há vestígios claros da letra do original em apenas 4 versos
distribuídos por duas quadras da tradução — a qual, nesta parte, tem um total de 26 quadras). Nessa primeira
parte, os dois textos afastam-se também quanto à intriga, já que a versão de V. inclui um extenso episódio (14
quadras) narrando as lutas do cavaleiro na Palestina, que não tem qualquer correspondência no original. Quanto
à segunda parte (casamento da jovem, regresso do cavaleiro e sua vingança), a situação é a inversa: a acção é
igual no texto inglês e no português, e as semelhanças são flagrantes a nível da linguagem. De facto, nas 22
quadras (88 versos) que a tradução apresenta nesta parte, há 67 versos que claramente deixam adivinhar a letra
do original de Lewis.
1687
O “V.” está manuscrito, no exemplar da Biblioteca Nacional.
1688
Quer o “1” quer a data estão manuscritos a tinta, no exemplar da Biblioteca Nacional. Note-se,
porém, que “nº” está impresso.
1689
Vem precedido por uma pequena introdução, de Herculano, onde se diz: “Bûrger[sic] empregou
admiravelmente a poesia nas tradições nacionaes [...] [estava] conven[cido] de que a poesia deve ter, alem do
bello de todos os tempos, de todos os paizes, um caracter de nacionalidade sem o qual nenhum povo se pode
gabar de ter uma litteratura propria” (p. 38).
547
1835
Schiller, O Cavalleiro de Toggenburgo, [tradução de Alexandre Herculano],
Repositorio Literario, nº 9 (15/2/1835), pp. 71-72.
Traduzido em quadras, cada uma das quais com, alternadamente, vv. de 6 e de 10
sílabas.
1690
[Matthew Gregory] Lewis, Affonso e Isolina, traduzido livremente do inglez de...,
por A[lexandre] H[erculano], Repositorio Literario, nº 13 (15/4/1835), pp. 103-104.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
1691
1836
Walter Scott, Alix, e Ricardo. Balada escoceza, tradução de Costa e Silva, in José
Maria da Costa e Silva, Emilia, e Leonido, ou os Amantes Suevos, Lisboa, Typographia de A.
S. Coelho & Comp.ª, 1836, pp. 9-16.
Traduzido em oitavas de heptassílabos.
1690
1692
Não foi republicado nas Poesias de Herculano, a não ser na ed. com revisão de Vitorino
Nemésio, verificação do texto e variantes por António C. Lucas, II, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1978,
pp.113-5.
1691
Não foi republicada nas Poesias de Herculano, a não ser na ed. com revisão de Vitorino
Nemésio, verificação do texto e variantes por António C. Lucas, II, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1978, pp.
103-105. O texto, embora se apresente como “traduzido livremente do inglez”, foi, na verdade, feito com base
na tradução francesa, conforme atrás dissemos na nota 1686. Quanto à entrada da tradução portuguesa na
tradição oral, ver nota à tradução do mesmo texto publicada em 1836.
1692
É tradução da balada Alice Brand, pertencente a The Lady of the Lake (ver Sir Walter Scott, The
Lady of the Lake, canto IV, estrofes xii-xv, in The Poetical Works of ..., with all the copyright introductions,
extra notes, various readings, and annotations, edited by J. G. Lockhart, Edinburgh, Adam and Charles Black,
1869, pp. 205-6; a 1ª ed. é de 1810). Segundo informa o próprio Costa e Silva (p. 3) “a idéa do presente
Romance [i. e., do poema narrativo, em 10 cantos, Emilia, e Leonido] me foi suggerida pela Ballada Escoceza,
de que adiante imprimo a traducção”. E assim acontece nas pp. 9-16 da obra.
548
[Matthew Gregory] Lewis, Affonso e Isolina. Ballada livremente traduzida do inglez
de..., pelo Senhor Alexandre Herculano de Carvalho, O Correio das Damas, I, nº 14
(15/7/1836), pp. 111-112.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
1693
1838
1694
Alexandre Dumas, A Noiva de Ricardo, [trad. de S.],
O Correio das Damas, III,
nº 14 (Março 1838), pp. 23-24.
Traduzido em estrofes de 12 heptassílabos.
1695
Schiller, O Cavalleiro de Toggenburg, trad. de Francisco Adolfo Warnagnen
1696
[sic],
Bibliotheca Familiar e Recreativa Offerecida á Mocidade Portugueza, VI (1838), nº
5, pp. 56-57.
1693
É uma nova tradução, diferente do item de 1835. Nunca foi incluída nas Poesias de Herculano,
nem sequer na ed. organizada por Nemésio. Entrou na tradição oral, vivendo hoje em versões (ver o nosso cit.
artigo “Une ballade gothique anglaise...”, pp. 257-299). Posteriormente a esse artigo, chegaram-nos ao
conhecimento mais algumas versões orais do poema (quer recolhidas por nós, quer recolhidas e publicadas por
outras pessoas). Uma das conclusões que esses novos textos permitem tirar é que, ao contrário do que
escrevemos (p. 270) no artigo antes referido, a primeira tradução de Herculano (a de 1835) também se difundiu
na tradição oral, embora, ao que parece, muito menos que a segunda. Prova disso é uma versão publicada por
Maria Aliete Dores Galhoz (ver Romanceiro Popular Português, II, cit., nº 823), que indiscutivelmente deriva
do texto saído no Repositorio Litterario (1835).
1694
No Correio das Damas, o texto saiu sem indicação de nome do tradutor. Porém, ao ser
republicado n’ A Vedeta da Liberdade, em 1839 (q. v.), a tradução está assinada “S.”.
1695
Numa breve introdução não assinada diz-se que o texto é uma “ballada, chacara, ou rimance,
livremente imitado de Alexandre Dumas: introduziu-a elle em seu ultra-romantico drama Catharina Howard
[...] Conservou-a o traductor Portuguez, que ha pouco no-la deu, no Theatro dos Condes, com geral, e bem
merecida acceitação” (p. 23). Esta peça de Dumas parece ter sido impressa, integrada no vol. I duma publicação
em fascículos que não pudemos consultar, mas que surge referida por Inocêncio, o qual fornece também
informação do respectivo índice (Diccionario..., I, p. 303): Archivo Theatral, ou collecção selecta dos mais
modernos dramas do theatro francez, I, Lisboa, Typ. Carvalhense, 1838. É possível que o Correio das Damas
tenha transcrito desse volume do Archivo Theatral o poema de Dumas que publicou no mesmo ano de 1838.
1696
Trata-se, obviamente, de Francisco Adolfo de Varnhagen. Não obstante se tratar dum autor
brasileiro, decidimos incluir aqui a sua tradução por ela ter sido publicada em Portugal.
549
Traduzido em heptassílabos brancos.
1697
[Anónimo],
A Noiva do Sepulcro, imitada do inglez [tradução de Alexandre
Herculano], O Panorama, II, nº 61 (30/6/1838), pp. 203-206.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
[Matthew G.] Lenvcia [sic, por Lewis],
1698
Affonso e Izolina, ballada livremente
traduzida do Inglez de... pelo Sñr. Alexandre Herculano de Carvalho, O Passatempo, III, nº 4
(31/8/1838), pp. 16-17.
Republicação da versão saída em 1836.
1839
[Anónimo], Romance do Cid Campeador, tradução de Freire de Carvalho, O Museu
Portuense, nº 11 (1/1/1839), p. 174.
Traduzido como um romance.
1699
Bürger, O Caçador Feroz, traduzido [por Alexandre Herculano] do allemão de..., O
Panorama, III, nº 96 (2/3/1839), pp. 70-72.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
Schiller, O Mergulhador, trad. de P., A Vedeta da Liberdade, 27/6/1839, pp. 1-2.
1697
O nome do autor do poema original não é indicado. Inocêncio (que foi, aliás, quem atribuiu a
Herculano a tradução, também ela não assinada) escreve (Diccionario Bibliographico cit., vol. XXI, 1914, p.
392) que o autor deve ter sido M. G. Lewis ou então Spencer, um dos tradutores ingleses da Lenore. Refere-se
sem dúvida a William Robert Spencer, que publicou uma tradução dessa poesia de Bürger (ver Leonora,
translated from the German by W. R. Spencer, London, J. Edwards, and E. and S. Harding, 1796), e que, além
disso, foi autor de Poems, 1811 (teve 2ª ed. em 1835), obra que infelizmente não pudemos consultar. Na
tradução de Herculano, a história passa-se “Nas margens do ameno Lima”, o que deve ser aclimatação ao
ambiente português.
1698
“Lenvcia” é, muito provavelmente, produto de má leitura dum manuscrito.
1699
É tradução do romance novo que começa “Victorioso vuelve el Cid” (IGR nº 48, El Cid vuelve a
Cardeña), que se pode ler, por exemplo, em Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, cit., nº CXXXIX.
550
Traduzido em versos brancos, na sua grande maioria decassílabos.
1700
[Anónimo], A Noviça de Norvendorf, Revista Litteraria, IV, nº 19 ([Julho] 1839),
pp. 61-66.
Traduzido em quadras de heptassílabos.
1701
Alexandre Dumas, A Noiva de Ricardo. Ballada, trad. de S.[sic], A Vedeta da
Liberdade, 2/7/1839, pp. 1-2.
Republicação do texto saído em 1838.
1702
Schiller, O Mergulhador, trad. de P., O Correio das Damas, III, nº 22 (25/10/1839),
1703
pp. 175-6. Republicação do texto saído no mesmo ano n’ A Vedeta da Liberdade.
1841
1704
Mr. Leonard [sic],
Lucia. Romance, trad. de José Maria da Costa e Silva, O
Mosaico, III, nº 90 (1841), pp. 31-2.
Traduzido em oitavas de versos brancos de 10 e 6 sílabas.
1700
No fim, o poema traz a indicação de ter sido transcrito da Gazeta dos Domingos, jornal que não
conseguimos localizar.
1701
O poema é precedido por um prólogo (p. 61), não assinado, possivelmente escrito pela redacção.
Dizem que o poema é dum amigo deles e que é uma “chacara, imitação d’ um romance alemão” (não referem o
nome do autor original). Gabam-lhe o estilo, mas dizem que o autor deveria antes tratar “assumptos nacionaes,
[...] em que felizmente abunda a nossa historia”. Referem o romance como sendo “aquelle genero poetico tão
usado outrora, e que em nossa opinião tanto é grato ao ouvido, como ao coração”.
1702
No fim, o poema traz a indicação de ter sido transcrito da Gazeta dos Domingos. Este jornal, que
não conseguimos localizar, deve, por sua vez, ter retirado o texto do Correio das Damas, 1838 (q. v.).
1703
No fim, o poema traz a indicação de ter sido transcrito do Sete d’ Abril, jornal que não
conseguimos localizar.
1704
Deve tratar-se de Nicolas-Germain Léonard, cujas obras eram assinadas apenas “M. [ou “Mr.”]
Léonard”. É autor de, por exemplo, Idylles morales (1766), Idylles et poëmes champêtres (1782) e Oeuvres
(1787, 2 vols.). Estas obras (que infelizmente não pudemos consultar) parecem ser de estilo neoclássico.
551
Walter Scott, A Virgem de Toro. Ballada, trad. de I[gnacio] P[izarro] de M[oraes]
S[armento], O Correio das Damas, IV, nº 23 (25/11/1841), pp. 183-4.
Traduzido em nonas de heptassílabos.
1842
Walter Scott, Alix e Ricardo, trad. de Costa e Silva, in A Dama do Lago, Lisboa, A.
U. P. de Castro Telles, 1842, pp. 189-198.
Republicação do texto saído em 1836.
1705
1844
Pigault Lebrun, Zamoro e Isidora. Victimas do amor. Romance, tradução anónima,
O Ramalhete, nº 305 (4/1/1844), pp. 7-8.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
1845
L[udwig] Uhland, Bertrand de Born, Trovador e Senhor de Altaforte (Romance
allemão), trad. de J[osé] G[omes] M[onteiro], A Illustração. Jornal Universal I, nº 2 (Maio
1845), pp. 25-26.
Traduzido em quintilhas de heptassílabos.
1846
1705
A presente tradução de A Dama do Lago é quase totalmente em prosa, feita por autor anónimo.
Apenas as (poucas) “canções” postas na boca de personagens são, aqui, traduzidas em verso. Uma delas é,
precisamente, a balada Alix e Ricardo, de que (como se diz na p. 189, em nota) se reproduz a tradução,
versificada, de Costa e Silva.
552
[Anónimo], A Rosa e o Loureiro. Romance, imitado do francez [por] Pacheco e
Castro,
1706
Revista Recreativa, I (1846), nº 9, p. 70.
Traduzido em quadras de eneassílabos.
1707
1847
[Matthew G. Lewis], Aphonso e Imogina, “traduzido livremente por [Manoel da]
Gama Lobo”, A Aurora Recreativa, I (1847), nº 2, pp. 13-15.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
1848
José Gomes Monteiro, Eccos da Lyra Teutonica ou traducção de algumas poesias
dos poetas mais populares d’ Allemanha, Porto, Na Typographia de S. J. Pereira, 1848.
Inclui:
Chamisso, O Conde e o Servo (pp. 6-12). Traduzido em quintilhas de heptassílabos;
Heine, O Cavalleiro Ferido (pp. 13-4). Traduzido em quadras de heptassílabos;
Uhland, Bertrand de Born (pp. 20-24). Republicação do texto saído em 1845;
Goethe, O Conde Expulso e Restituido (pp. 34-8). Traduzido em nonas de
eneassílabos;
Uhland, O Torneio Lastimoso (pp. 45-8). Traduzido como um romance;
Uhland, A Camisa de Soccorro (pp. 64-7). Traduzido em quintilhas de
heptassílabos;
Platen, A Mão de Finado (pp. 71-2). Traduzido em quadras de eneassílabos;
1706
É um facto que Pacheco e Castro é apresentado como autor do poema e, por outro lado, não
conhecemos o texto original (cujo autor se não indica). No entanto, preferimos a hipótese de a expressão
“imitado do francez” corresponder mais a uma tradução (ainda que livre), do que a um texto verdadeiramente
original, ainda que escrito a partir de outro. Na verdade, na linguagem epocal, “imitado” significa por vezes
simplesmente “traduzido”, como é o caso (que mais à frente veremos, em 1848), do poema Supplicas de
Ximena. De facto, este texto, não obstante venha assinado por Rodrigues Cordeiro e traga a indicação de
constituir, apenas, uma “imitação”, é, afinal, a pura tradução dum romance novo espanhol.
1707
O texto é um diálogo galante entre um cavaleiro e uma pastora.
553
Uhland, A Filha do Ourives (pp. 75-8). Traduzido em quintilhas de heptassílabos;
Heine, Os Dous Irmãos (pp. 85-6). Traduzido em quadras de tipo tradicional;
Uhland, A Filha do Rei d’ Hespanha (pp. 95-6). Traduzido como um romance (o
original já tinha rima seguida), embora dividido em quadras;
1708
Schiller, O Cavalleiro Toguenburgo (pp. 131-9). Traduzido em oitavas de
heptassílabos;
1709
Platen, El-Rei Odo (pp. 144-151). Traduzido em quadras de heptassílabos;
1710
e Schiller, O Dragão de Rhodes (pp. 152-179). Traduzido em estrofes de 12
decassílabos.
1711
[Anónimo], Supplicas de Ximena. Imitação, [traduzido por] A. X. R[odrigues]
1712
Cordeiro,
O Trovador. Collecção de poesias contemporaneas, redigida por uma
sociedade d’ academicos, Coimbra, Na Imprensa de E. Trovão, 1848, (nº 12), pp. 179-80.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
1850
A. Herculano, Poesias, Lisboa, Em Casa da Viuva Bertrand e Filhos, 1850. Inclui:
[Anónimo], A Noiva do Sepulcro, pp. 277-291. Republicação do texto saído em
1838;
Bürger, Leonor, pp. 315-326. Republicação do texto saido em 1834;
e Bürger, O Caçador Feroz, pp. 297-309. Republicação do texto saído em 1839.
1708
Esta tradução entrou na oralidade e tornou-se tradicional, em Portugal e sobretudo no Brasil [ver
J. J. Dias Marques, “From France to Brazil Via Germany and Portugal: The meandering journey of a traditional
ballad” in Thomas A. McKean (org.), Proceedings of the 29th International Ballad Conference (no prelo)].
1709
1710
1711
1712
A tradução é acompanhada pela transcrição do poema original, en regard.
A tradução é acompanhada pela transcrição do poema original, en regard.
A tradução é acompanhada pela transcrição do poema original, en regard.
Embora este poema seja apresentado como um poema de Rodrigues Cordeiro (ainda que
“imitado” de algo estrangeiro), a verdade é que constitui uma simples tradução (até bastante fiel) do romance
novo espanhol que começa “‘¡ Al arma, al arma!’ sonaban / Los pífaros y atambores”, do Romancero general
de 1600 (ver Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, cit., nº XXV).
554
Schiller, O Mergulhador (imitação do canto de...), trad. de João Antonio de Sousa
Junior, A Semana, I, nº 10 (Março de 1850), pp. 79-80.
Traduzido em sextilhas de heptassílabos.
[Anónimo], A Perda de Alhama. Romance, trad. de R. A. de Bulhão Pato, Revista
Universal Lisbonense, 2ª série, II, nº 24 (21/3/1850), pp. 283-286.
Traduzido em quadras de heptassílabos, de rima duplamente cruzada, que muda de
estrofe para estrofe.
1713
[Anónimo], A Perda de Alhama. Romance, in R. A. de Bulhão Pato, Poesias,
Lisboa, Typographia da Revista Universal, 1850, pp. 50-63.
Republicação (ou pré-publicação?) do item anterior.
1714
1852
[Anónimo], Xacara, [trad. de Alexandre Herculano], O Jardim Litterario, VIII, nº
47 (19/11/1852), p. 376, nº 48 (26/11/1852), pp. 382-4, e nº 49 (3/12/1852), pp. 390-2 .
Republicação do texto saído em 1838 e 1850 com o título A Noiva do Sepulcro.
1853
[Anónimo], O Barqueirinho, “traducção [não assinada] de um canto popular da
Suecia”, A Peninsula, II (1853), nº 21 (s/d.), pp. 250-251.
Traduzido como um romance, embora com os versos agrupados em quadras.
[Luigi?] Carrer,
1715
O Cavalleiro d’ Estremadura, trad. de Luiz Ribeiro [de
Sottomaior], O Portugal, 9/4/1853, pp. 2-3.
1713
Em duas colunas paralelas, apresenta-se a versão velha do romance (“Paseabase el rey moro por
la ciudad de Granada”) e a sua tradução portuguesa.
1714
Tal como na publicação da Revista Universal Lisbonense, inclui-se também o texto espanhol
original.
1715
O poema original é italiano ou espanhol (não se percebe bem das palavras de Sottomaior), dum
escritor com o sobrenome de Carrer (diz-se em nota, p. 2). É possível que se trate de Luigi Carrer, poeta italiano
555
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
1858
[Matthew G. Lewis], Affonso e Isolina, [tradução de] Alexandre Herculano,
1716
in
Alexandre Magno de Castilho (org.), Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno
de 1859, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, pp. 316-7.
Republicação do texto saído em 1836 e 1838.
1859
Uhland, A Maldicção do Poeta, tradução de Silva Ferraz, O Instituto, VII (1859),
pp. 47-8.
Traduzido em oitavas de heptassílabos.
Luiz [i. e., Ludwig] Uhland, A Maldicção do Poeta. Ballada de ... (Vertida do
allemão), tradução de J. S. da Silva Ferraz, Archivo Universal, I, nº 4 (24/1/1859), pp. 55-56.
Republicação (ou pré-publicação) do item anterior.
1860
A. Herculano, Poesias, 2ª ed., Lisboa, Em Casa da Viuva Bertrand e Filhos, 1860.
Inclui:
[Anónimo], A Noiva do Sepulchro, pp. 277-91 Republicação do texto saído em
1838 e 1850;
Bürger, O Caçador Feroz, pp. 297-309. Republicação do texto saído em 1839 e
1850;
(1801-1850), autor de, entre outras obras, Ballate (1834), que não pudemos consultar; aliás, em nota,
Sottomaior designa o poema por “ballada”.
1716
tradução.
O poema é apresentado somente com o nome de Alexandre Herculano, não se indicando ser
556
e Bürger, Leonor, pp. 315-29. Republicação do texto saído em 1834 e 1850.
1861
[Christian] Schubart, O Judeu Errante, paraphrase da lenda allemã de..., [por]
Henrique Van-Deiters, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, III, (1861-62), pp. 36272.
Traduzido em vários tipos de versos e estrofes.
1717
1862
Luiz Ribeiro de Sottomaior, Poesias, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1862.
Inclui:
[Luigi?] Carrer, O Cavalleiro d’ Estremadura (pp. 112-122). Republicação do texto
saído em 1853;
1718
1719
e [anónimo],
O Pastor (pp. 174-5). Traduzido em quadras de heptassílabos.
[Anónimo], D. Rodrigo (rimance do hespanhol), trad. de B[runo] T[elles] de
M[enezes] de V[asconcellos], Tira-Teimas, nº 15 (7/2/1862), p. 144.
Traduzido em quadras de tipo tradicional.
1720
1864
Heine, A Condessa Palatina, trad. de E[duardo] A[ugusto] Vidal, Chronica dos
Theatros, 3ª série, nº 21 (18/11/1864), p. 1.
1717
1718
1719
1720
Como o título indica, é sobre a lenda do Judeu Errante.
A tradução está, aqui, datada de 1851.
Na p. vi, diz-se que este poema é uma tradução, mas não se indica o autor do original.
É tradução do romance novo que começa “A Jimena y á Rodrigo / Prendió el rey palabra y
mano”, publicado no Romancero general (cf. Carolina Michaëlis, Romancero del Cid, cit., nº XIX).
557
Traduzido como um romance, embora com os versos agrupados em quadras.
1865
1721
[Johan Ludvig Runeberg],
O Sepulchro de Perrho, poemetto traduzido do verso
sueco por Costa Goodolphim, Lisboa, Typographia da Viuva Pires Marinho, 1865.
Traduzido em decassílabos brancos. Traz também, en regard, o original sueco.
1868
Heine, A Condessa Palatina in E[duardo] A[ugusto] Vidal Cantos do Estio, Lisboa,
1722
Typ. Lisbonense, 1868, pp. 105-6.
Republicação do texto saído em 1864.
1721
O nome do autor está ausente do frontispício, sendo indicado apenas na p. 52. Trata-se dum
famoso poeta finlandês, de expressão sueca.
1722
Nesta republicação, o nome do autor alemão é dado como “Henri Heine”, o que provavelmente
indica que o texto foi traduzido por Vidal a partir duma versão francesa.
558
APÊNDICE Nº 4:
TRADUÇÕES PORTUGUESAS DE TEXTOS DE
LITERATURA ORAL ESTRANGEIRA
(1842-1870)
Durante as nossas pesquisas, encontrámos alguns items que são (ou assim se
apresentam) traduções de textos de literatura oral estrangeira, publicados sobretudo na
imprensa. Como pensamos que pode ser algo de interesse, aqui deixamos a sua lista, que
estará, sem dúvida, longe de reflectir a realidade do efectivamente publicado.
Esclareça-se que colocámos no Apêndice nº 3 as traduções versificadas dos textos
narrativos estrangeiros, mesmo daqueles, poucos, que (como certos romances espanhóis) são
de origem oral.
Anónimo, “Crenças Populares. A Virgem Pestífera”, O Archivo Popular, VI, nº 50
(10/12/1842), p. 399.
Contém a “traducção [em prosa] de huma chácara, que ainda hoje cantão os
camponezes lithuanos”. Trata-se dum texto que surge em Herder (Volkslieder, cit., nº 3).
Anónimo,
1723
Os Bons-Dias, Revista Universal Lisbonense, V, nº 29 (8/1/1846), pp.
346-347.
É tradução dum poema quase totalmente lírico, pertencente aos “cantos-populares d’
Allemanha”. É precedido por uma interessante nota introdutória (p. 346), em que se
apresentam várias teorias ligadas ao modo romântico de entender a poesia tradicional.
1723
1724
Como fala em nome da Revista Universal Lisbonense, deve ser José Maria da Silva Pereira,
então o redactor (=director), como se diz no frontispício do volume.
560
Almeida Garrett, Canção da Donzela Finlandesa (Folhas Caídas, apud Obras, II,
Porto, Lello & Irmão—Editores, s/d., p. 253; a 1ª ed. das Folhas Caídas é de 1853).
Poema lírico. Apresenta-se como a tradução duma “pequena Runa”; “o original é
fenício [sic] ou finlandês”.
1725
Anónimo, “Lenda Dinamarqueza”, A Illustração Luso-Brazileira, I, nº 50
(13/12/1856), p. 399.
É sobre Ragnar Lodbrok, filho dum rei da Dinamarca.
Anónimo, “Lenda Mexicana”, A Illustração Luso-Brazileira, I, nº 49 (6/12/1856), p.
389.
É uma adaptação da história bíblica de Noé.
1724
Nela se frisa que o texto publicado é poesia “tam singela como moral”. Contrapõe-na à poesia
culta, pois o povo compõe “sem a exactidão da sciencia nem o embelezamento da arte”, mas “d’ este modo
consegue doutrinar espontaneamente sem o pedantesco alarde academico, uem[sic] os arrebiques arcadicos.
Todos os povos foram assim nos principios da sua civilisação”, mas, com o desenvolvimento dessa
civilização, tal perdeu-se. “Essas bonitas canções-populares não as ha ja pela Allemanha, nem por outra
nenhuma nação civilisada. Hoje alguma que ainda fazem é quasi sempre licenciosa [...] á medida que a
educação se derramou pela classe popular, foi-se finando a inspiração do povo.”
O poema em questão, continua o jornalista, talvez seja de origem culta, depois popularizado, porque
nele “não se nota a desordem, as contradicções, circumstancias quasi sempre inherentes da poesia popular; mas
observa-se certa escuridade, o inciso do estylo, os aphorismos, o inopinado do comêço, circumstancias tambem
infalliveis n’ este genero de poesia, que era quasi toda improvisada”.
Diz que o metro que escolheu para a tradução (5 sílabas) “não é talvez o mais proprio para produzir
uma bonita canção em portuguez. Diz-se, e é verdade, que o verso outosyllabo ‘é a medida mais natural da
musica da lingua’ ” (p. 346).
1725
É acompanhada pelas seguintes palavras de Garrett: “Muito aproveitaria ao estudo das línguas e
literaturas da Europa se os nossos literatos se dessem com o mesmo empenho ao estudo das runas e sagas do
Norte com que ali se dão ao das nossas xácaras e solaus”.
561
I[gnacio] de Vilhena Barbosa, “Contos Populares da Irlanda. I: A Garrafa
Encantada”, A Illustração Luso-Brazileira, III, nº 18 (7/5/1859), p. 139, nº 19 (14/5/1859),
pp. 150-151, e nº 20 (21/5/1859), p. 154.
É uma lenda etiológica sobre um monte chamado Bottle Hill.
1726
I[gnacio] de Vilhena Barbosa, “Contos Populares da Irlanda. II: As Aguas Negras”,
A Illustração Luso-Brazileira, III, nº 27 (9/7/1859), pp. 214-215, e nº 28 (16/7/1859), pp.
218-219.
História de amor e morte passado no rio Blackwater.
Anónimo, “Habitantes da Bretanha”, in Alexandre Magno de Castilho (org.),
Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o Anno de 1862, Lisboa, Typ. da Sociedade
Typographica Franco-Portugueza, 1861, pp. 169-171.
Inclui (p. 171) a tradução, em prosa, de Canto da Noiva, apresentado como uma
canção tradicional bretã.
Anónimo, Canções de Madagascar, A Voz da Mocidade, nº 17 (9/4/1863), p. 3, nº
18 (11/4/1863), p. 3, nº 20 (16/4/1863), p. 2, nº 22 (21/4/1863), p. 2, nº 25 (28/4/1863), pp.
2-3, e nº 31 (13/5/1863), pp. 3-4.
Consta de onze canções líricas, numa tradução em prosa. Trata-se de textos da
autoria do poeta francês Parny, que, como atrás dissemos, os atribui falsamente à tradição de
Madagáscar.
1726
1727
Escreve Barbosa: “Depois da Alemanha não ha paiz na Europa mais cheio de superstições
populares do que a Irlanda. Os contos de fadas e encantamentos, e de todo o genero de apparições sobrenaturaes
são ali mais geraes e em maior numero do que nas nossas provincias do norte as historias de bruxas e almas
penadas.
O conto que vamos referir é um dos mais conhecidos na Irlanda. Poucas mães ou amas deixarão de
entreter as creanças com as maravilhas da garrafa encantada”.
1727
No início do artigo, há uma nota (assinada “P. L.”), em que se diz explicitamente: “as seguintes
canções foram recolhidas e vertidas para o francez por Parny”. Tais poemas (que também foram traduzidos para
alemão por Herder e publicados na 2ª ed. dos Volkslieder — ver, na citada edição de H. Rölleke, pp. 391-8) são,
562
A[ntonio] J[sic, por I, de Isidoro] P[ereira] Varella, “O Lago da Fada. Lenda”,
Aurora Litteraria, II, nº 5 (1/10/1861), pp. 34-36.
É apresentada como sendo uma lenda irlandesa, ligada a um lago da região de
Killarney.
Anónimo, “Conto Dinamarquez”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 5, p. 40.
É um pequeno conto jocoso.
Anónimo, “A Lebre na Lua”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 11, pp. 83-4.
É apresentada como uma lenda hindu.
Anónimo, “Proverbios Dinamarquezes”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 18,
p. 141.
Anónimo, “Proverbios Turcos”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 19, p. 149.
Anónimo, “Proverbios da Grecia Moderna”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº
21, p. 163.
Anónimo, “Proverbios Russos”, Archivo Contemporaneo, I (1865), nº 24, p. 192.
porém, apócrifos [ver Willard R. Trask (org.), The Unwritten Song, cit., I, p. viii]). O tradutor português chamase-lhes “singela litteratura”, em que se encontra “o espirito do sentimentalismo”.
563
Andersen,
1728
“Contos do Norte (do allemão[sic] de Anderson[sic]). I: Uma Mãe”
e “Contos do Norte (do allemão de Andersen). II: O Elf”, Jornal do Commercio, 14/7/1865,
p. 2, e 4/8/1865, p. 2.
Tradução de Teófilo Braga.
1729
Anónimo, “Balada Dinamarqueza”, A Revolução de Setembro, 12/1/1870, p. 2.
Tradução em prosa dum texto que parece tradicional.
1728
Embora os contos de Andersen não sejam tradicionais, mas sim, no máximo, inspirados em
contos tradicionais, decidemos incluir este item, dado que, na época, a obra de Andersen era encarada como
recolhida da oralidade. Aliás, é nesse espírito que Braga inclui este item na série de artigos sobre literatura oral
que publicou no Jornal do Commercio.
1729
Os contos traduzidos por Braga correspondem àqueles que, na edição em inglês organizada por
Lily Owens, se intitulam “The Elf of a Rose” e “The Story of a Mother” (The Complete Hans Christian
Andersen Fairy Tales, New York, Avenel Books, 1981, pp. 82-5 e 238-2, respectivamente).
564
APÊNDICE Nº 5:
PUBLICAÇÕES DO POEMA APÓCRIFO NO FIGUEIRAL, FIGUEIREDO,
ASSIM COMO DE BALADAS OU CONTOS QUE NELE SE INSPIRAM
(1821-1870)
Adrien Balbi, Essai statistique sur le royaume de Portugal et d’ Algarve comparé
aux autres états de l’ Europe, II, Paris, Chez Rey et Gravier, Libraires, 1822, p. ii (publica as
duas primeiras estrofes do Figueiral).
Anónimo, “Canção Anonyma no Reinado do Conde D. Henrique (1112)”, Universo
Pittoresco, I, nº 5 (1839), p. 67 [publica as duas primeiras estrofes do Figueiral (talvez
transcritas de Balbi, op. cit.) com notas esclarecedoras do léxico].
Christ. Fr. Bellermann, Die alten Liederbücher der Portugiesen oder Beiträge zur
Geschichte der portugiesischen Poesie vom dreizehnten bis zum Anfang des sechzehnten
Jahrhunderts nebst Proben aus Handschriften und alten Drucken herausgegeben von Dr. ...,
Berlin, Ferdinand Drümmler, 1840, pp. 3-4 (dá o original e a tradução do Figueiral).
J. de V. P. C. M. Falcão, “Figueiredo das Donas”, Chronica Litteraria da Nova
Academia Dramatica, II (1840-41), pp. 22-37 [conto sobre a lenda da salvação das donzelas.
Começa com as “Redondilhas, que derão motivo ao Romance” (i. e., ao conto), e que são o
poema do Figueiral].
M. P., “Nobre Origem do Nome de Figueiredo; ou o Tributo das Donzellas”, O
Ramalhete, nº 195 (4/11/1841), pp. 348-349 (conto).
566
Anónimo, “Das Origens do Idioma Patrio, e dos Nossos Primeiros Monumentos
Litterarios”, Museu Pittoresco, I (1842), nº 15, pp. 114-116 (transcreve, explicitamente a
partir de Balbi, as duas primeiras estrofes do Figueiral).
Ignacio Pizarro de M[oraes] Sarmento, Gaésto Ansor, O Romanceiro Portuguez, ou
Colecção dos Romances de Historia Portugueza Compostos por..., II, Porto, Typographia
Commercial,1845, pp. 1-45 (balada romântica sobre o tema).
A[lmeida] G[arrett], “Os Figueiredos”, A Illustração. Jornal Universal I, nº 4 (Julho
1845). pp. 62-63 e 65 (conto baseado no Figueiral, poema cuja autenticidade Garrett
defende).
José Maria da Costa e Silva, Ensaio Biographico-Critico Sobre os Melhores Poetas
Portuguezes, I, Lisboa, Imprensa Silviana, 1850, pp. 35-41 (fala sobre o Figueiral, que
transcreve).
Christ. Fr. Bellermann, Portugiesische Volkslieder und Romanzen. Portugiesisch
und Deutsch mit Anmerkungen herausgegeben von Dr. ... Nachgelassenes Manuskript des
Herausgebers, Leipzig, Verlag von Wilhelm Engelmann, 1864, pp. 200-205 (publica o
poema).
Theophilo Braga, Cancioneiro Popular, colligido da tradição por..., Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1867, pp. 2-4 (transcreve o poema, cuja autenticidade defende).
João da Silveira, “Lenda de Figueiredo das Donas”, A Civilisação (Coimbra), nº 1
(5/12/1869), pp. 7-8; nº 4 (20/1/1870), pp. 30-32; e nº 9 (5/4/1870), pp. 71-72 (refere a lenda
da salvação das donzelas. O texto começa transcrevendo a “canção, que lhe deu motivo”, ou
seja, o Figueiral).
1730
1730
Embora pertencente a uma época posterior à da publicação do Romanceiro do Algarve, diga-se,
para mostrar a fama alcançada por No Figueiral, Figueiredo, que foi incluído por Antero na sua antologia
destinada às crianças (ver Thesouro Poetico da Infancia, cit., pp. 22-23; tem, no fim, a indicação: “Romance
antigo; posto em linguagem moderna por Anthero de Quental”).
OBRAS CITADAS
1731
Textos Literários
ALCOFORADO, Doralice Fernandes Xavier e Maria del Rosário Suárez Albán
(orgs.), Romanceiro Ibérico na Bahia, Salvador, Ba., 1996
ALMANAK das Musas. Nova collecção de poesias offerecida ao genio portuguez,
II, Lisboa, Na Officina de Antonio Gomes, 1794
ALMEIDA, Nicolau Tolentino de, Obras, Lisboa, Estúdios Cor, 1969
ALORNA, D. Leonor d’ Almeida Portugal Lorena e Lencastre, marqueza d’, Obras
Poeticas, Lisboa, Na Imprensa Nacional, 1844, 6 vols.
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