Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu
N O O L O G IA G E R A L Í N D I C E In tro d u çã o ao E stu d o da N o o l o g i a ......................................... 11 ANTROPOG ÊNESE Tema I A rt. 1 — Q ue é o Hom em? ...................................... A rt. 2 — A dvento do Hom em ..................................... A rt. 3 — Diferença essencial en tre o Hom em e o anim al ........................................................... A rt. 4 — Teorias antropogenéticas ............................. A rt. 5 — Os símios e o advento do Homem ............. A rt. 6 — Visão decadialéctica da A n tro p o g ê n e se ...... 17 27 35 45 61 71 PSICO GÊN ESE Tema II A rt. A rt. A rt. A rt. Tema 1 2 3 4 — — — — Psique, A lm a e Espírito ....... ...................... As estru ctu ras intencionais e vivenciais . . . . Os graus da intuição ................................... As reacções circulares ................................. 93 104 111 123 III A rt. 1 — A construcção da realidade 131 10 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S TEM AS NOOLÓGICOS Tema IV A rt. 1 — Introducção à tem ática ................................. A rt. 2 — A nálise noológica .......................................... A rt. 3 — C aracteres do Espírito. M aterialismo e E spiritualism o ............................................... A rt. 4 — D ialéctica noológica ........................... Tema 139 147 153 167 V A rt. A rt. A rt. A rt. A rt. 1 2 3 4 5 — Funcionam ento noológico ............................. — A Fisiología da d o r ........................................ — D ecadialéctica noológica .................... — A tím ese parabólica e a criação das tensões .. — A lib e r d a d e .................................................... 177 193 197 213 223 IN T R O D U C Ç Ã O A O E S T U D O D A N O O L O G IA O têrm o n o o lo g ia tem su a origem n a p a la v ra N o u s , que em g reg o sig n ifica esp írito . O têrm o n oo lóg ico tem sido em p re ­ gad o m o d ern am en te n a filo so fia, p a r a tu d o q u an to concerne ao esp irito . A N oologia é, em su as lin h as g erais, a ciência do e sp írito (a G e iste le h re dos a le m ã e s), e correspon de à P sicologia M e­ ta fís ic a dos escolásticos, pois não é ap en as u m a descrição do fu n c io n a r do psiquism o h um an o, m as um a especulação em to rn o de tem as tra n sc e n d e n ta is, m etafísico s, como a o rigem e o fim da alm a h u m an a, p ro v a ou não de su a existência. N ão só exam ina o fu n c io n a r psicológico racio n al, como tam b ém as su as raízes in tu icio n ais e afe c tiv as, e p e n e tra no âm b ito da p ro b lem ática gnoseológico-crítica, que perten ce esp e­ c ificam en te ao cam po da T e o ria do C onhecim ento ou Gnoseologia. À p sy c h o lo g ia ra tio n a lis dos escolásticos seguiu-se a g ra n d e c on trib u ição c rític a da psicologia de nossos d ias, o que convém co n sig n ar, cujo ím peto é devido em g ra n d e p a r te às c rític a s elab o rad as p o r K a n t e às an á lises em p ro fu n d id a d e p rocedid a p o r psicólogos m odernos. A N oologia n ão se cinge ap en as ao estudo do fu n cio n a r noético, m a s tam bém in v e stig a as su as raízes, origens e fin s, 12 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S inco rp orand o dêste m odo tô d a a im ensa con tribu ição do espe­ c u la r escolástico so bre o tem a d a alm a. P o r o u tro lado não pode d eix ar de e x a m in a r as te o ria s p ro p o stas p a r a ex p licar o ad v en to do hom em , em bora ta is tem as sejam p ro p ria m e n te das d iscip lin as an tro p oló gicas. T am bém não pode d esin teressar-se dos fin s a que tendem , e a discussão em tô rn o d êste p onto se im põe cada vez m ais. D esta fo rm a , podem os co n sid e rar nosso liv ro “ P sico lo g ia”, onde com pendiam os a s idéias g e ra is sô b re aqu ela disciplina, como um p onto de p a rtid a . E m obediência ao nosso m étodo, nossos tra b a lh o s sô bre N oologia obedecerão ao seg uinte c rité rio . 1) “N o o lo g ia G e r a l ” , a p re s e n ta d a neste volum e, dedica-se ao estudo d a A n tr o v o g ê n e s c , que d isc u tirá a s idéias p r in ­ cip ais sôbre o ad v en to do hom em , e a P sic o g ê n e se , onde exam i­ n arem o s as p rin c ip a is te o ria s sô bre a fo rm ação da alm a h u m a ­ n a e su as c a ra c te rís tic a s d iferen ciais. T erm in arem o s êste vo­ lum e p o r u m exam e dos tem as noológicos, obedecendo, assim , à s n o rm as do nosso m étodo, que p rim e iram en te a p re s e n ta sin té tic a m e n te a m a te ria em estudo, p a ra , p o ste rio rm e n te , p ro ce d er a an álise dos tem as p rin c ip a is e, fin alm en te, e n c e rra r com um a visão c o n creta da to ta lid ad e da tem átic a e da p ro ­ b lem ática da m a té ria em exam e. 2) “ T r a ta d o de E s q u e m a to lo g ia ” . E s ta o bra, que suce­ d e rá à “ N oologia G e ra l” , consta de um am plo exam e de u m a d as regiões m ais im p o rta n te s d a N oologia, que é o estudo d a fo rm ação e conexão dos esquem as noéticos. 3) "O P r o b le m a d a A l m a ”. Com esta o bra, e n c e rra re ­ m os a sé rie de estudos noológicos, pois nesse livro e x a m in are ­ m os as d iv ersas posições to m ad as a n te o pro blem a da e x istên ­ cia ou não de um a alm a e sp iritu a l no hom em , e do seu destino. $ * * N O O L O G I A G E R A L 13 A N oologia é um a ciência e o seu objecto m a te ria l é o facto psíquico. O objecto fo rm a l é esse fa c to psíquico exam inado esp ecificam en te no cam po antro pológico, no cam po da r a tio ­ n a lita s dos escolásticos, no cam po da n o e sis h u m an a, com os seus conteúdos noem áticos, c u ja d iferen ç a específica, que os d istin g u e dos facto s psíquicos an im ais, s e rá o p o rtu n am en te ju stific a d a . A N TRO PO G ÊN ESE T E M A I A R T IG O 1 QUE É O HOM EM ? D uas p e rg u n ta s fu n d a m e n ta is incluem -se n a lis ta das in ­ terro g a ç õ e s m ais ex ig en tes: que é o H om em ? D e onde vem ? Se a e stru c tu ra ç ã o d as ciências do sa b e r epistêm ico é o c on ju n to o rd en ado d as re sp o sta s às m a is in q u ie ta n te s p e rg u n ­ ta s , estas d uas, que acim a citam os, p re c ip ita m a fo rm ação de um a d iscip lin a que p ro cu ra re sp o n d ê -la s: a A n tr o p o g ê n e s e . P re te n d e e sta dizer-nos algo sôbre a gênese do H om em , de onde vem , e quem é êle? S ab er algo dessa origem é um desafio, não só à filosofia como à ciência. E alin ham -se in ú m e ra s re sp o sta s, desde as de o rigem relig io sa às de origem filosófica, a té às de o rig em cien­ tífic a , que p assa m pelas p á g in a s d a h is tó ria do pen sam ento h u ­ m ano, m u ita s vêzes in term esclad as com agnósticos gestos de um p o stu la r céptico, p reten d en d o colocar-nos a n te a convicção cia in u tilid a d e de q ualquer resp o sta. Os a c tu a is conhecim entos da A ntro po log ia, que é a ciência do hom em enq u anto tal, p erm ite m , com su ficien te am p aro , a p re ­ s e n ta r a s seg u in tes a firm a tiv a s : 1) O hom em , como fisicam en te o conhecem os hoje, não é o m esm o hom em de eras a n te rio re s. E n co n tram o s em hom ens, como o de N ea n d erth al, o de C rc-M agnon, o dc G rim aldi, o dc A urig nac, etc., m u ita s d iferen ças im p o rta n te s, que p erm item c o n stru ir, pelo m enos, um a lin h a ascensional, com flu x o s e re- 18 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S fluxos, de um desenvolvim ento que se in te rc a la e n tre o dos sím ios su p erio res ao tip o de hom em m ais elevado que conhece­ m os n a actu alid ad e. N ão im plica esta tese, de m odo p lenam ente científico, que se estabeleça se ja o hom em um sím io evoluído. 2) P o r o u tro lado, p siq u icam en te, podem os a d m itir que o hom em , n as su as d iv ersas fases, conheceu evoluções, e s tru c tu ­ ra n d o a s su a s faculd ades no fu n c io n a r de esquem as, de co n ju n ­ tos d iferen tes, o que p e rm ite a d m itir que h á u m a c o n stan te variâ n c ia no psiquism o hum ano, em bora tam bém não se possa n e g a r um a in v a riâ n c ia fo rm al. E m su m a, os estudos a c tu á is d a A ntro pologia perm item -nos a firm a r, no cam po da A ntropo gên ese, que: a ) o hom em enq u an to ta l, é fo rm alm en te in v a ria n te , isto é, q uan to à su a hom in ilidade, o hom em o é desde que ele su rg e. As possíveis tran sp o siçõ es específicas, de um a esp é­ cie in fe rio r, da an im alid ad e p a r a a hom inilidade, im plicam j á exam es não só científicos, como filosóficos e m etafísico s, inclu­ sive teológicos; b ) que o hom em , ta n to físic a como psiq u icam en te, tem conhecido m o dificações que, se não ofendem à sua fo rm a, re p re ­ se ntam , no e n ta n to , v a n a ç õ e s accid entáis que p recisam se r de­ v id am en te consideradas. * * A ntes de p ro sseg u irm o s, analisem os a posição actu al d as concepções sôbre o evolucionism o e o não-evolucionism o, c u ja s p ersp ectiv as (que o p o rtu n am en te m o strarem o s ser u n ila te ra is e a b s tra c ta s , a p e sa r de c e rta positiv idade con creta em su as afirm açõ es) fornecem -nos um a visão de c o n ju n to d êste tem a im p o rta n te , o que nos p e rm itirá colocar o pro blem a da a n tro p o ­ gênese sob bases d ec a d ia léc tic a s: 1) T eo rías que não aceitam a evolução p ro p ria m e n te d ita. 2) T eo rias que a aceitam . N O O L O G I A G E R A L 19 Im põe-se um esclarecim ento do tê rm o e v olu ç ã o , ta n ta s vêze-s em p regad o nos liv ro s de ciência, m as n em sem p re devi­ d am en te esclarecido no seu conteúdo esquem ático. E tim oló gicam ente, o têrm o sig n ific a desenvolvim ento, vol­ v er p a r a fo ra o que j á está contido em algo. N esse sen tid o, evo­ lução s e ria o desenvolvim ento, p ela actu alização d as possib ilida­ des, das potências j á inclusas v irtu a lm e n te em algo. D êste modo, a evolução s e ria o processo d as actu alizações d as potências dos sêres, e nesse sen tid o lato todos estão de pleno acôrd o. A ssim o g erm e evolui a té a lc a n ça r o in d ivíd uo acabado. A evolução é, pois, u m a ex-plicação, um “ d e s e m b ru lh a r” das v ir ­ tu a lid a d e s que se actu alizam , o e fectiv ar-se do que j á e stav a no g erm e. H á um a evolução no cam po do indivíduo, como h á ta m ­ bém u m a evolução no cam po d as espécies. N este últim o caso, a espécie p o ste rio r e m ais p e rfe ita e s ta r ia em p o tência n a in fe ­ rio r, cujo desenvolvim ento te rm in a ria p o r d a r su rg im en to efec­ tiv o a um a possibilidade. E ta l se d a rá ou p o r fa c to re s in te rn o s ou p o r ex tern o s, ou p or um desenvolvim ento in te rn o n a espécie, que te n d e ria p a ra a espécie su p e rio r, ou então essa passagem , êsse desenvolvim ento, d ar-se -ia sob a p ressão de fa c to re s ex­ tern o s, que e stim u la riam o processo in tern o , segundo alguns, ou ap en as fa c to ra ria m o processo in te rn o , que se ria , nesse últim o caso, ap en as um efeito de acção ex te rio r. A observação dos fa c to s biológicos leva facilm en te a um a posição evolucionista, pois êste pen sam ento é d om in ante n a observação dêles ao teorizá-los. M as é evid en te que há v á ­ ria s m a n e ira s de con sid erar a evolução, e está n essas m odali­ d ad es do p en sam en to evolucionista o m otivo que g e ra as m ais v a s ta s d isco rd âncias. H á necessidade, p o rta n to , de esclarecer as d iv erg ên cias p a ra depois analisá-las. H á te o ria s que não aceitam a evolução, e h á as que a aceitam . T a n to n as p rim e ira s, como n as segundas, h á a aceitação de m o d ificaçõ es: M A R IO 20 a) b) c) F E R R E IR A DOS SA N T O S p o r fa c tô re s in te rn o s ” ” e x te rn o s p ela in te ra c tu a ç ã o de am bos. As que n ão a c eitam podem c la ssificar-se: 1) F i x i s t a s — ad m ite m u m a h a rm o n ia p reestab elecid a e n tre o org an ism o e o m eio. Tem os, em p a rte , o c r ia c io n is m o clássico e o v ita lis m o m o d e r n o . 2) P r e fo r m is m o — que ad m ite que o o rg an ism o resp ond e a q ualqu er situação , actu alizan d o su as e s tru c tu ra s v irtu a is (po­ sição m ais do vitalism o m oderno, m u ta c io n is ta , e que c o rre s­ ponde ao a p r io n s m o n a s a titu d e s filo só fic a s). O m eio am bien te tem um p ap el de “ d e te c to r” . No te rre n o d a P sicologia, tem os a s posições a p rio rístic a s, que consideram alg u m as e s tru c tu ra s m e n tais como a n te rio re s à experiên cia. E s ta ap en as fa c ilita a actu alização de p o tencialidad e la­ ten tes, como vem os nos in a tis ta s clássicos. A quelas são p re fo rm a d a s e não elab o rad as pela experiência. H á co rresp o n ­ dência com o intelectuaíism o, que explica a intelig ên cia p o r si m esm a. 3) D o u trin a biológica d a “ em erg ên cia” , que a firm a que a s e s tru c tu ra s de co n ju n to são irre d u c tív e is aos seus elem entos, e d ete rm in ad a s sim u ltan eam en te de d en tro p a r a fo ra . As es­ tru c tu ra s de co n jun to são irre d u c tív e is. C orrespon de à fen o ­ m enología m o d erna, e aos elem entos exterio res, e a s sínteses tam bém à te o ria da G e s ta lt , das “ fo rm a s ” , n a Psicologia. A s que aceitam a evolução (evolucionistas) : 1 ) O L a m a r c k is m o a firm a a ad ap tação p o r p ressão ex te­ rio r. E ssa idéia corresp onde ao associacionism o, pelo q ual o conhecim ento re su lta dos h áb ito s adqu irid o s, sem que n en h um a activid ade in te rn a , que c o n stitu iria a intelig ên cia como tal, con­ dicione ta is acquisições. C orresp onde tam bém ao em pirism o, que explica a in teligência pela p ressão das coisas. £ ) P o r m u tações endógenas com selecção (tem os D arw in, aceitando-as a tra v é s da c o n c o rrê n c ia ). H á ensaios e êrro s. C or­ respo nd e ao p ra g m atism o , ao convencionalism o. P o r ex. o es­ N O O L O G I A G E R A L 21 paço euclid iano tem trê s dim en sõ es p o rq u e m eih o r co rresp o n ­ dem e stas aos nossos sentidos. (H á aq u i adequação do e sp írito ao re a l) . 3) In te r actu ação dos fa c tô re s in te rn o s e e x te rn o s : é o que a firm a o relativ ism o biológico. C orrespon d e à in te rd ep e n d ê n ­ cia do su je ito e do objecto, da assim ilação do objecto pelo su­ jeito , e da acom odação dêste àquêle. (O in teraccio n ism o a firm a a colaboração ind issolúvel e n tre a e x p eriên cia e a d ed u cção ). Do que fo i analisad o pode-se a p r e s e n ta r o se g u in te e sq u e m a : fa c tô r e s in te r n o s E v o lu ç ã o — a d a p ta çã o — (m u ta çõ e s en d ó g en a s) R e la t iv is m o c o r r e s p o n d e n te a o in te r a c c io n is m o . M u ta c io n is m o ( c o n v e n c io n a lis m o , p r a g m a t is m o ) . fa c tô r e s e x te r n o s — la m a r c k is m o (e m p ir is m o n a f ilo s o f ia ) . N ão evolução — a d a p ta çã o — C o rr e sp o n d e à s c o n c e p ç õ e s d o s fix is ta s , à d a h a r m o n ia p r e e s ta b ele cid a , às d o p r e fo rm is m o , a o p la to n is m o n a s fo rm a s . A n tes de pro cederm os a c rític a das d iv e rsa s posições, h á necessidade de esclarecer o que se en ten d e p o r fa c tô re s h e re ­ d itá rio s, a p r io r i no indivíduo, c u ja actu ação p o ste rio r se rá , de certo modo, p ro po rcio n ad a aos m esm os. F a c to r e s h e r e d itá r io . São fa c tô re s h e r e d itá rio s : a) b) o nosso sistem a n ervoso e os nossos ó rg ãos dos se n tid o s; a o rganização ten sio n a l da n ossa intelig ên cia m an i­ fe s ta d a nos níveis de capacidade. 22 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S N ão p o d e ria o org an ism o a d a p ta r-se às v ariâ n c ia s ex te ­ riores, se não estiv esse êle j á o rg anizad o. N em a inteligên cia a p re e n d e ria n a d a do m undo e x te rio r, sem funções coerentes, p ró p ria s da o rg an ização noética. N ão h erd am o s a técn ica, h erd am o s a capacidade. H erd am o s pelo m enos a ap tid ã o p a ra os esquem as que se e s tru c tu ra m em conjuntos, e êste em c o n ju n tu ras, que fo rm am a constelação do nosso psiquism o. H á, assim , um a h e re d ita rie d a d e biológica e u m a h e re d ita ­ ried ad e psíquica. A in d iv id u alid ade, h e re d ita ria m e n te con siderad a, é in v a ­ r ia n te q u an to à s condições de esp o n tan eid ad e p ró p ria s de ex­ pan são e re tra ç ã o do processo v ita l (d a m a té ria v iv a e seu des a b ro c h a m e n to ); e v a r ia n te , q uan to à s in flu ências acum u ladas a tra v é s de gerações. A in d iv id ualid ad e h e re d ita ria m e n te co n sid erad a é tom ad a como a p a r te in v a ria n te da in d ivid ualid ade h u m an a. Q uanto ao psiquism o hum ano, estabelece P ia g e t os seguinn id ade de exam iná-la. N a A ntro pogênese, o que nos in te re ssa é sa b e r algo sô bre o desenvolvim ento dos esquem as físicos e psíquicos, que nos possam esclarecer alg u m a coisa sô bre o advento do hom em . P o siçã o de P ia g e t Q uanto à p a r te psíquica, n a Psicogênese terem os o po rtutes dados sô bre os fa c tô re s h ere d itá rio s de ordem psíquica, dados im p o rta n te s p a r a a fu tu r a in telig ên cia dos tem as noológicos. "S e v erd a d eira m e n te existe um núcleo fu n cio n al d a o rg a ­ nização in telectual, que procede da org an ização biológica no que tem eia de m ais g eral, é evidente que êsse in v a ria n te o rien ­ ta r á o conjunto das e s tru c tu ra s sucessivas que a razão v ai ela* b o ra r em seu contacto com o r e a l : êle re p re se n ta rá , assim , o p a ­ pel que os filósofos a trib u íra m ao a p r io r i, q u er dizer, im p o rá às N O O L O G I A G E R A L 23 e s tru c tu ra s c e rta s condições n ec e ssá ria s e irre d u c tív e is de e x is­ tência. M u itas vêzes se com eteu o ê rro de o lh ar o a p r io r i como con sisten te em e stru c tu ra s j á fe ita s , e d ad as desde o início do desenvolvim ento. E m b o ra o in v a ria n te fu n cio n al do p en sam en to e ste ja em acção desde os e stág io s m ais p rim itiv o s, som ente a pouco e pouco é que êle se im põe à consciência, g ra ç a s à elab o ra­ ção de e s tru c tu ra s se m p re m a is a d a p ta d a s ao seu p ró p rio fu n ­ cionam ento. D esde então, o a p r io r i não se a p re s e n ta sob a f o r ­ m a de e s tru c tu ra s n ecessárias, senão ao têrm o d a evolução das noções e não ao seu in ício : sendo h e re d itá rio , o a p r io r i está, p o rta n to , nos an típ o d as do que o u tro ra se c o n sid erav a como id é ia s in a ta s .” (P ia g e t, “ L a n aissan ce de T intelligen ce” , p. 1 0). As e s tru c tu ra s do p rim e iro tip o co rre sp o n d e ria m às idéias clássicas do velho n ativism o. Do âng ulo da razão , n ão são n e ­ c e ssá rias, e ac tu a m como lim ita d o ra s e são lim itad as. Se as con­ sid e rarm o s como in a tas, não a s considerarem os epistêm icam ente como a p r io r i. C O M EN TÁ R IO S D as te o ria s que não aceitam a evolução em sentido re stric to , os f i x i s t a s estabelecem que o o rg an ism o h um an o tem a su a f o r ­ m a a d eq u ad a ao meio am biente. O processo de seu desenvolvi­ m ento se d á d e n tro dessa fo rm a , e acontecim entos que sobre­ vêm são a p en as accid en táis e não su b stan ciais. N ão h á, p o rta n to , tr a n s fo r m a ç ã o , isto é, o s e r hum ano, bio­ logicam ente, não é um a fa se do desenvolvim ento do s e r anim al, pois o hom em é fo rm alm en te hom em . P a r a que um ser anim al se to rn a sse hom em , te ria de p e rd e r a su a fo rm a a n te rio r p a r a se r n o v am ente in form ado . H av e ria, assim , um a g eração e u m a corru pção. C orru pção da fo rm a a n te rio r, e g eração im ed iata da nova fo rm a. O que se m a n ifesta , a tra v é s d as m odificações so frid as pelo ser biológico, são apen as actualizações de v irtu a lid ad e s já con­ tid a s n a fo rm a , porque tod o ser a c tú a p ro po rcion adam ente à 24 M Á FJO F E R R E IR A DOS SA NTO S su a n atu re za . São p o tencialid ad es late n te s que se actu alizam no pleno exercício de seu ser, como o a firm a m os p r e fo r m is ta s . Os m u ta c io n is ta s adm item que as m utações ex p e rim e n ta d a s pelo ser biológico estão con tid as n a fo rm a que tem , e são apen as p ossibilid ad es ac tu a liz ad a s que não afectam a su b stâ n cia do ser, tom ado fo rm alm en te. O que h á de p ositiv id ad e n essas posições re fe re -se à im pos­ sibilidade de s e r um ente m ais do que realm en te é, o que é con­ g ru e n te com o axio m a do d e n ih ilo n ih il. A s m utações ex p e ri­ m e n tad as são a p e n a s possib ilidad es que em ergem do ser, como o expõem os e m e r g e n tin ta s, j á exam inados. O fu n d a m e n to dessa I )o s itiv id a d e e stá no postulado filosófico de que a “ acção segue-se ao a g e n te ” . A s m utações que se dêem, se u ltra p a s sa m ao cam po da fo rm a, e x ig iria m a corru pção do se r a n te rio r e a g eração de um novo. E xem plifiqu em o s de m a n eira c la ra : u m triâ n g u lo pode ser isóceles, escaleno, etc., m as su as m u taçõ es se dão den ­ tr o da fo rm a d a tria n g u la rid a d e . U m triâ n g u lo ja m a is se to rn a um quad rado , p orqu e ao s u rg ir ê s te quadrado, dá-se o d esap a­ recim ento d ê s te triân g u lo . O q u ad rad o não é um triâ n g u lo evoluído, m a s o u tr o ser, fo rm alm e n te outro. A s m utações dão-se no âm b ito d a fo rm a. A evolução, com tra n sfo rm a ç ã o , é p o r m uitos n eg ada. P a r a que su rg issem novas espécies, essas não seriam ap en as fa se s de u m a espécie a n te rio r, m as c o rre sp o n ­ d eriam a um a nova inform ação , com a corru pção d a fo rm a a n ­ te rio r. P a r a alg u m as posições, as espécies j á estão d ad as desde início, e a s m utações, que se conhecem , são ap en as o a c tu a liz a r de possibilidades v irtu a is , latentes, e n ad a m ais. P a ra um a filoso fia c ristã , a evolução é a c eita desde que re s ­ p eite essa positiv idade. N ão há, porém , n enhum inconveniente n a a ssu nç ã o d a h u m an id a d e p o r p a r te de um ser anim al, que te n h a desenvolvido su as possibilidades, o qual co rre sp o n d e ria à m a té ria em face da forma;. M as o advento do hom em im p licaria, adem ais, a p r o v id ê n c ia , isto é, o p reestab elecim ento de um a causa eficiente, que p erm itisse ao se r anim al se r a ss u m id o pela hum anidade, o que é expresso no têrm o bíblico d a in s p ir a ç ã o da alm a h u m an a no A dão fe ito de b a rro , no adão an im al, que r e ­ cebe o esp írito que o hum aniza. N O O L O G I A G E R A L 25 N ão h á aqui p ro p ria m e n te c om p o siçã o , como se o hom em fosse o p ro d u to de um a m ix is , de u m a m is tu ra de anim alid ade e racio n alidad e. O s e r adám ico é assu m ido pela hum anidad?, p o r um acto criad o r. A h u m an id ad e não e ra u m a p o tencialid ad e que se pode­ r ia re d u z ir à anim alid ade, m a s um salto q u alificativ o que exige um a cau sa eficien te su p erio r, que p e rm itiu e ssa a ssim ç ã o , u m a in fo rm ação nova. T angem os aq u i o tem a da a ssu n ç ã o , que é m a ­ té ria a s e r e x am in ad a em n ossa o b ra “ O P ro b lem a da A lm a” , n a qual estud arem os, adem ais, a assu nção de C risto, isto é, o tem a da divindade de Je su s, que s e rá exam in ad o sob dois a s­ p ectos: 1) ou como um salto q ualificativ o do hom em que assu m e um a n a tu re z a d iv in a ; 2) ou como um s e r divino que a s su m e um a n a tu re z a hum an a. N a tu ra lm e n te que a postulação de ta is tem as im p licam um a v a s ta p ro b lem ática que não p erten ce ap e­ nas ao cam po da teologia relig io sa, pois a b o rd am tem as e p ro ­ blem as de o rd em filosófica, que o estudioso não deve d esp rezar. N ão se t r a t a aqui apenas de s itu a r unia a firm a tiv a de ordem relig iosa, que se re d u z iria a p en as a um tem a de fé, m as um p ro b lem a filosófico que naquele liv ro terem o s o p o rtun id ad e de e x a m in a r cuidad osam ente. E , n essa ocasião, verem os que é in g e­ n u id ad e lam en tável d esp rez a r ta is tem as, sim plesm ente porque não se en q u ad rem d e n tro de um a esq uem ática cien tífica, q u an do o v erd a d eiro e n ob re p ap el do filósofo é exam iná-los, in ­ dep end entem ente dos pon tos de v ista relig iosos e nêles b u sc a r os fu n d a m e n to s filosóficos em que se apoiam , e que não são poucos. T ais tem as volverão à p ro p o rção que exam inem os outro s, sem os q u ais é im possível p a lm ilh a r com seg u ran ça te rre n o de tã o g ra v e im p o rtân cia. 'I' K M A I A R T IG O ADVENTO DO 2 HOMEM S em p re o hom em in te rro g o u , p ro cu ra n d o re sp o sta s às su as g ra n d e s p e rg u n ta s, que podem se r red u zid as às q u a tro c lá s s ic a s : “ Q uem sou? O nde estou ? D e onde v im ? P a r a onde v o u ?” Q u e m sou ? — É o hom em um an im a l? U m deu s? O nd e e sto u ? — É este o único u n iv erso ? H a v e rá algo m a is? Que é êsse algo m a is? Qual a n ossa posição d ia n te de tu d o isto ? D e o nd e v im ? — é a p e rg u n ta do a d v e n to ; como su rg iu o hom em ? P a r a o n d e v o u ? — co n stitu i sem p re o p ro blem a m áxim o, p re se n te em to d as as ép o cas: o p ro blem a da m o rte. H ouve épocas em que o hom em viv eu p re p a ra n d o -se p a r a a m o rte. P a r a re sp o n d e r a essas in terro g açõ es, s u rg ira m as relig iões. Só p o ste rio rm e n te são p ro p o stas as explicações de o rd em e de base filosóficas. O hom em fo i o único se r que disse “ n ã o ” à n atu re za . E s ta possibilidade o po sitiv a, p erm itiu -lh e coo rd enar duas g ra n d e s concepções: a C o sm o ló g ic a e a A n tr o p o ló g ic a . C ham a-se de Cosmológica to d a idéia o rd en ad a do universo. A C o sm o lo g ía estud a o Cosmos, su a origem , form ação, f i ­ n alid ad e, etc. A n tr o p o lo g ia e stu d a o h om em ; é a ciência do hom em . P a r a a C osmologia, a A ntro po lo g ia é um a reg ião inclusa em seu âm bito, como vim os em “ O ntologia e C osmologia” . 28 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S N ela, o hom em é tom ado e estim ado com o p a r te , em bora p a r a a C osm ología, em sen tid o filosófico, é êle tom ado como o se r m ais elev ado ; contado, tom ad o como p a rte . C ien tificam en te não é êle avaliad o p o r ju ízo s de valor. N a C osm ología, do p onto de v is ta sistem ático, o hom em é con­ siderad o como p a r te do univ erso . N a Cosmología filosó fica, êle é considerad o como a p a r te m a is e lev a d a (como v a lo r). A A n tro p o lo g ia tom a-o, pois, como c en tro do universo, que é um a posição a n tr o p o c ê n tr ic a , e dela d eriv am -se viciosa­ m e n te o a n tr o p o c e n tr is m o , que d eg e n e ra em a n tr o p o m o r fis m o . P a ra essa posição, o m undo é m odelado pelo hom em , que lhe dá fo rm a , como se observa p rin c ip a lm e n te nos hom ens p rim itiv o s. Como ciências especiais, a antro p o lo gia e as d iv e rsa s cos­ m ologías, p ro c u ra m e s tu d a r a essência e a e s tru c tu ra do ho­ mem, e, n a tu ra lm e n te , as su as relações com o m undo da N a tu ra . P a ssa a se r êle um problem a p a r a si m esm o. C onsiderado o ra como “ um a coisa e n tre c o isas” , o ra como “ pessoa e n tre co isas”, é êle, contudo, alg uém que “ diz o que as o u tra s coisas sã o ” . Como é g ra n d e a d iv ersid ad e de opiniões, to rn o u -se n ecessária um a sín te se que incluísse em lin h as g e ra is as d iv e r­ sas d o u trin a s. A pro v eitam os a o ferecid a p o r Scheler. A m ais a n tig a é a id é ia d e ísta , como é a re sp o sta clássica dos ju d e u s e cristão s. D eus é o c ria d o r do hom em . O hom em é, no cristian ism o , um cidadão de dois m un do s: do m undo do in fin ito , e do m undo fin ito . Do m undo in fin ito recebe a a lm a ; e do m undo fin ito , o corpo. O hom em é um esp írito in fe rio r ao esp írito de D eus, m as tem em si a possi­ b ilidade de se d iv in iz ar ou de se p erd e r. Ê um com posto de alm a e corpo. E n tre ta n to há, n as idéias deístas, d iv ersas su po­ sições, como a de que o hom em é um an jo decaído, nostálgico do céu, e p o r isso an g u stiad o . A s e g u n d a concepção é a g r e g a . U m a espécie de teo p an tism o, em que tu d o é divinizado. Todos os deuses têm c a rá c te r pessoal. P a r a os g regos o m undo e ra divino, e vivo (p anteísm o e h ilo zo ísm o ). N O O L O G I A G E R A L 29 P a r a os gregos, o hom em é anim al, m as re cebe um dom , que é o Logos, a razão, que é algo sem elhan te à a lm a, a qual lhe p e rm ite a fo rm ação da inteligên cia, A ra z ã o é um poder, u m a fo rça. ( P a r a o c ristão , a alm a não é fô rç a , p o rqu e é e s p ir itu a l) . N a concepção g re g a h á q u a tro p on tos fu n d a m e n ta is : 1) O hom em é p ro d u to de um a g en te d ireto , a ra z ã o ; 2) essa razão p e rm ite que êle conheça a si m esm o, e a s coisas como elas são ; 3) êsse ag en te (L ogos) te m um p od er, u m a fô rç a ; 4) êsse p od er é dado a todos os hom ens, e n ão ap en as a um núm ero d eterm in ad o dêles. E n tr e os p rin c ip a is re p re s e n ta n te s d esta posição, pode­ mos d e s ta c a r A n ax ág o ras, P la tão , A ristó teles, c u ja s concep­ ções in flu íra m , no m undo ocidental, em T o m ás de A quino, Spinoza, K an t, L eib nitz, etc. E ssa concepção é a do “ hom o sa p ie n s” . A in telig ên cia não se pro duz, é um p ro d u to ; e s tá na n a tu re z a , m as só o hom em é capaz de cap tá -la e retê-la. E s ta é a concepção que p assarem os a ch a m a r de a p o lín e a . H á, n a G récia, um m ovim ento, que é c o n trá rio a essa con­ cepção: é o m ovim ento d io n isía c o , que correspon de, p o r an alo ­ gia, ao m ovim ento re n a s c e n tista no O cidente, e de ten d ên cia ex o téricam en te irra c io n al. A te r c e ir a te o ria , que é das m ais conhecidas, pode se r en­ g lo b ad a como a dos iia tu r a lista s , p o s itiv is ta s e p r a g m a tis ta s . Ê stes p ro cu ra m re d u z ir o hom em à n a tu re z a . São os que v a ­ lorizam o nexo causai. P a r a êstes, o hom em não é o h om o sa ­ p ie n s , m a s o hom em que pro duz, que fa b ric a in stru m e n to s p a ra v iv e r ( h o m o f a b c r ) , como tam b ém o são o idiom a, e os in s tru ­ m ento s de tra b a lh o p a ra a v id a econôm ica. O hom em é ap en as c o n stru c to r e, p o r c o n stru ir, to rn o u-se intelig en te. A intelig en ­ cia pro duz-se a tra v é s de um longo processo. Só p o ste rio rm e n te êle se tra n s fo r m a em h o m o s a p ie n s . E s ta s concepções se fu n d a m e n ta m n estes postulad os: 1) n ão a d m item nen h um a d iferen ç a essencial e n tre o hom em e o a n im a l; as d iferen ças são a c cid en táis; 2) não adm item n e­ n h u m p rin c íp io e sp iritu a l no hom em . M Á R IO 30 F E R R E IR A DOS SA N T O S P a r a êles, o in stin to e as sensações, vão d eriv ando-se a té se to rn a re m p ro p ria m e n te esp írito . Os fenôm enos psíquicos, p a r a os teísta s, são, dessa fo rm a , contro lados pela alm a. P a r a os gregos, a intelig ên cia é o L o g o s, e p a r a os n a tu ra lis ta s é p ro d u zid a pelas tra n sfo rm a ç õ e s q u a­ lita tiv a s dos fenôm enos fisiológicos, v erd ad eiro s epifenóm enos, isto é, que se dão ju n to s com o fenôm eno fisiológico, m as a p en as como reflexos dêste. As idéias são sin a is dos im pulsos e o hom em é : a ) um an im al que c ria id io m a s; b ) an im al que c ria in stru m e n to s p a r a as activid ades econ ôm icas; c) an im al cerebral, p orqu e o hom em , com parado com os o u tro s an im ais, consom e m a io r som a de en erg ias no tra b a lh o do cérebro. Os defen so res são D em ócrito, E p icu ro , C om te, Spencer, D arw in , Laplace, etc. A qua rta, te o ria oferece u m a valorização do in stin to . H á os que v alo rizam o in stin to de re p ro d u ç ã o , de p o d e rio ou de p o d e r, e a in tu iç ã o . Q uanto aos que a c tu alizam êsses in stin to s de rep ro du ção , poderio e intuição, te m o s : a concepção econôm ica n a h is ­ tó ria , que p ro c u ra ex p licar os facto s hum anos como causados so bretu do pelo fa c to r econôm ico: como K arl M arx . E s ta posi­ ção aceita tam b ém a in flu ên cia de ordem n a tu ra l, m as se inclui n a s a n te rio re s, de que o hom em é ap en as o p ro d u to da n a tu re z a . Tem os, adem ais, os ra c is ta s , que estabelecem serem os cho­ ques de ra ç a s os v alo rizad o res do hom em . F in alm en te, d en tro d esta concepção, tem os a do p o d e r político no sentido de M a­ quia vel, e a d a V o n ta d e de P o tê n c ia de K rau se, A d ler e N ietzsche. A q u in ta te o r ia é um a id éia te rrív e l, como a cham a Scheler. P ro c u ra e s tu d a r o adv ento do hom em , a su a posição e o seu v alo r n a h istó ria . É pouco conhecida p o r e s ta r e sp a rsa em m u ita s obras. É c o n trá ria a tod as a s o u tra s. O tem a p rin c ip a l é o da decadência. A firm a : o hom em é um d e se rto r da vida, o hom em vive de sucedâneos, etc., enfim , é um se r d esarm ado a n te o m undo, p o r N O O L O G I A G E R A L 31 isso n ecessita de in stru m e n to s técnicos, incluin do conceitos, idiom as, etc. A razão, que p a r a a posição g re g a é div ina, p a r a e sta é um a negação da v id a, ou como N ietzsch e d iz : “ um órg ão coxo” , sem o v alo r que lhe d e ra m g rego s e c ristão s. P a r a esta te o ria , o hom em é u m a e n ferm id a d e, um v erm e ridícu lo e preten cio so , que se a u to c rític a n a s h o ra s de d ep re s­ são. O hom em p en sa porque não pode e não sab e p a r a onde ir, e escolhe racio n alm en te p o rq u e não sab e a g ir in s tin tiv a ­ m ente. É a stu to , p orque é fra c o e débil bio logicam ente. P o r isso é um anim al ávido de m o rte , p orqu e nasceu p a r a so fre r. C onclusão: o h om o s a p ie n s n ão é um m o m ento alto, m as um m om ento de declínio. A poiam esta te o ria : S ch open hauer, N ietzsch e em p a rte , K lages e D acqué. Ê ste foi p ro p ria m e n te u m dos p rim e iro s a esboçarem -n a, com a lg u n s fu n d a m e n to s sério s de ord em cien tífica. D acqué assim c o n sid era: h á um a decadência em tod a a n a tu re z a , e o hom em tam b ém decai. No início do universo, o hom em fo i o m a io r de todos os bens, m as decaiu. N ós som os a p en as alg u n s hom ens que estão dem orando a d ecair, enquanto o u tro s irm ã o s nossos já d ecaíram , que são os an im ais. D acqué, p o rta n to , in v e rte a te o ria com um , p a rtin d o do m ais com plexo p a r a a decadên cia actu al. A opinião o p tim ista de N ietzsche es­ tabeleceu que o hom em é decadente, m as pode s e rv ir de ponte p a r a o super-hom em , que o s u p e ra rá . * * * É p reciso e v ita r a confu são e n tre in telig ên cia e esp írito . M as o e sp írito hum an o não consiste apen as n a in telig i­ bilidade. O hom em pode u sa r a intelig ên cia ta n to p a ra o bem como p a r a o m al. 32 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S 0 an im al não c o n tra ria os seus in stin to s, en q u an to o h o ­ m em diz n ã o à n a tu re z a . C ria inibições, censu ras, e n tra v es, obs­ táculos p a r a a realização de seus in stin to s. E m sum a, p o r se r f r á g il e t e r p erdido a fô rç a dos in stin ­ tos (decadência do hom em como a n im a l), não é su ficien te p a ra c r ia r a si p ró p rio , e se vê o brig ado a c o n stru ir o que com pense. C ria, então, os in stru m e n to s. N este caso, êle e stá d en tro tam bém da concepção n a tu ra lis ta , que a d m ite o h o m o - fa h e r . M as sucede que as concepções n a tu ra lis ta s aceitam um p ro g resso contínuo, en q u an to a da decadência rep ele e sta a f ir ­ m ativ a, pois o hom em n ão está em pro gresso, m as sim em cons­ ta n te declínio, em reg resso . C ada vez p erd e m ais fô rça, e cada vez se vê o brig ado a c ria r m ais in stru m e n to s p a r a a vida. E à pro po rção que os cria, os ó rg ão s fu n cio n am m enos, o que lhe a u m en ta o en­ fraq u ecim ento . Dão como exem plo, o abuso dos m edicam entos. N ão p ro c u ra e v ita r as dores p o r m eios n a tu r a is ; p re fe re d ro gas de efeito m ais rá p id o e, com isso, en fraq u ece o o rg a ­ nism o, p o r a tr o f ia r as su as d efesas. N ão e n fre n ta as in te m ­ p éries, p orque o seu org anism o não está p re p a ra d o p a r a elas. A sua alim en tação é cada vez m ais cozida. E quando não tem a p e tite, p re p a ra com idas con d im en tad as que p ossam des­ p ertá-lo. E m sum a, êle afan a-se c o n tra si p ró p rio , êle p re ci­ p ita a su a queda. D aí su rg em alg u m as opiniões, que se desviam um pouco d esta, m as que aceitam to d a s a decadência inevitável, sem possibilidade de superação, com excepção de N ietzsche, que só p arcia lm e n te a d o p ta esta posição. O u tra s excepções a essa te o ria são as dos a u to re s que p re g a m o re to rn o do hom em aos m eios n a tu ra is (como n u d ista s, n a tu ra lis ta s ), os quais p e rm i­ tir ia m d e s p e rta r os p ró p rio s in stin to s que, segundo êles, estão ap en as adorm ecidos e não com pletam ente aniquilados. P a r a essa te o ria te r r ív e l, os in stin to s estão quase ou com ­ p letam en te aniq uilad os, e não p oderão re to r n a r ao ponto in i­ cial. A razão p assa a ser, p a ra êles, um a m an ifestação de deca­ dência m aio r. À pro po rção que o hom em se to rn a m a is in te ­ ligente, to rn a -se m ais fraco . S u b stitu i êle a ausên cia de in s­ N O O L O G I A G E R A L 33 tin to s p o r in stru m e n to s. N ietzsche, n a “G e n e a lo g ia d a M o r a l" , d efen de a tese de que o hom em , fo rçad o p ela necessidade, viu-se o brig ado a v iv e r em sociedade. E n tr e os defen so res d esta posição, o hom em é um an im al ap en as so c iá v e l que, p o r necessidade, se vê o brig ad o a am p a­ ra r-s e em seus sem elhantes. Social é considerad o no sen tid o etim ológico. H á sociabi­ lidade sem p re que h á “ sócios” , do la tim so c iu s, o que sig n ifica reu n ião e n tre ‘"com panheiro s” p a r a a execução de um fim com um . P a r a N ietzsche, o hom em v iv ia a n te rio rm e n te aos p a re s : m acho e fêm ea. P a r a ele, ta l não é p ro p ria m e n te um a sociedade. O hom em m ais p rim itiv o p ro cu ra v a a fê m e a p a ra s a tis fa z e r as su as n e ­ cessidades, e a ela cabia c u id a r dos reb en to s. M esmo assim , h a v e ria sociedade e n tre m ãe e filhos. N u m a fa s e su p e rio r dos an im ais, o hom em não som ente p ro c u ra a fêm ea, m a s p e rd u ra ao lado dela, fo rm an d o o esbôço da fa m ília . Provocados p o r u m a série de m odificações h av id as pelo aum en to dos gru pos, as lu ta s e n tre êles, o p erig o de a ta ­ ques, as n ecessidades rio apôio-m útuo, fo ra m o brig ado s a re u ­ n irem -se, a fo rm a re m u m a sociedade. O hom em não é um fim como hom em , m as um iníeio como super-hom em . Os a n im ais são in d ife re n te s, enq u an to os hom ens são in ­ sa tisfe ito s. Todo p ro gresso hum an o, p a ra N ietzsche, é p ro du to cia fra q u e z a . Os m ais fracos, que se v ira m fo rcado s a v iv er em am b ien tes m ais fechados, p ro c u ra ra m recu rso s suprem os, como o são a au d ácia e a in te lig ê n c ia : o hom em frac o , que não podia im p re ssio n a r pela fo rç a física, en treg av a-se ao ascetism o p a ra o b ter p re stíg io social, a n te seus sem elhantes, pela fo rç a do seu q u e re r, como procedem os p rim itiv o s feiticeiro s, os p re ­ c u rso res dos sacerdo tes fu tu ro s, p a ra o filósofo alem ão. Os chefes s u rg ira m das g u e rra s e lu ta s e n tre os g ru p o s e e ra m apoiados pelo asceta que nêles en c o n tra v a a fo rç a que o a m p a ra v a . O asceta é um ta u m a tu rg o (p a la v ra que vem de um v erbo g reg o que sig n ifica a d m ira r, c a u sa r a d m iraç ã o ). 34 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S N a concepção de N ietzsch e está estabelecida a lu ta, ao s u rg ir o chefe, p orqu e su rg e o esboço da div isão de classe. * * # R ealm en te o hom em , como anim al, é decadente. A intelig ên cia, incluin do a razão, não pode s e r conside­ ra d a como um m al, nem ap e n a s como um recurso . Sendo um an im al que p erd eu a in ten sid ad e dos instin to s, te r ia fa ta lm e n te que com pensá-los. P o r que os o utro s an im ais não c riam ta m ­ bém in stru m e n to s? P orq u e não têm o que lhes p e rm itiria c ria r instru m en to s. P o rta n to , não é d ecadên cia a inteligência, p orque com ela, êle conhece m elho rias, o que p e rm itiu o desenvolvim ento da técn i­ ca. A técn ica, como o c o n ju n to sistem ático dos m eios p a ra a lc a n ça r um fim , é um p ro d u to do esp írito , e p e rm ite ao hom em elevar-se acim a das suas fraq u ezas. 0 e sp írito de n o ssa época é que é esp írito de decadência. M as, h a v e rá d ecadên cia n a afectiv id ad e ? Os hom ens que vivem n as épocas de civilização p erd em em afectiv id ade m ais do que os que vivem em pequenos agrup am ento s. Q uanto m ais nos aprox im am o s uns dos outro s, m ais nos se p aram os. P erdeu -se m uito da sim p a tia h u m an a. D evido às g ra n d e s acum ulações nas m etrópoles, a c a p a ­ cidade de s o fre r dim inuiu. N as g ra n d e s concentrações h um an as, os hom ens a p ro x i­ m am -se fisicam en te e afa stam -se afectiv am en te. H o je o hom em vale pelas coisas. F oi em épocas cru éis que s u rg ira m C risto, B uda, C onfúcio, etc. M as h á excepções que p e rm itira m que a h is tó ria não fôsse apen as um pesadelo. O hom em que ta n to p ro g rid e com a técn ica não re a liz a rá n a d a de g ra n d e com o coração ? É n a tu ra l que actualizcm os a decadência porqu e a viv e­ mos, m as o u tra coisa é d eix ar-se a r r a s ta r pelo esp írito de decadência. T E M A I A R T IG O D IF E R E N Ç A 3 E S S E N C IA L ENTRE O H O M EM E O A N IM A L R e sta a g o ra sab er se as m odificações fisiológicas fo ra m a cau sa do desenvolvim ento da in telig ência, ou a inteligencia a ca u sa d as m odificações fisiológicas. N ão h á p ro p ria m e n te relação de cau sa e efeito e n tre um as e o u tra s, m as sim contem p o ran e id a d e e n tre elas. Pode-se d izer que, sim u ltan eam en te às m odificações de c a rá c te r fisiológico, tam bém se d eram m odi­ ficações de c a rá c te r psíquico. O psiquism o hum ano, que se d is­ ta n c ia do anim al, passou a s e r h o je g ra n d e pro blem a p a ra a filoso fia e p a r a as ciências em geral. A v id a an im al su rg iu era certo perío do do desenvolvim ento do nosso p la n eta . Q uando se to rn o u m en or a q u an tid ad e de g ás carbónico, a v id a anim al pôde desenvolver-se. Os m ares e oceanos de en tão não tin h a m a confo rm ação que conhecem os hoje. Os m a re s estav am rep leto s de vegetais, de a lg a s; e ra m m a re s de sarg aço s, dos q uais a in d a conhecem os um e n tre a A m érica e a E u ro p a , n a p a rte n orte. N a te rc e ira fase, os v eg etais já não tin h am as g ran d es di­ m ensões a n te rio re s e e ra m sem elhantes aos v eg etais de hoje, re sta n d o alg u m as espécies re m an escen tes. 36 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S A s á rv o re s d im in u íra m de tam an h o , e só n essa época s e ria possível o su rg im en to do hom em , ou m elhor, de seu antecessor, o hom inídeo. Ê sses hom inídeos, a n te rio re s ao pitecán trop o , eram d ife ­ re n te s dos antro p o id ea que h o je conhecemos, os sím ios su pe­ rio res. D eviam v ir da m esm a fo n te, m as j á se h av iam d ife ­ renciado. D eu-se, p o rta n to , algo espantoso, p orqu e êstes se tr a n s ­ fo rm a ra m com pletam ente. Q ual a causa d essa tra n s fo rm a ç ã o ? C om pendiando o que fo i estu d ado até aqu i, podem os fa z e r as seg u in tes observações; Se a te n ta rm o s p a r a as d iferen ças e n tre os sím ios e o ho­ mem, vem os que elas são im en sam en te g rand es, como tam bém g ra n d e s são a3 sem elhanças. Como se explica, então, que desse elo com um , um a p a r te seg uiu um a direção, e o u tra seguiu u m a direção d ife re n te ? V ejam o s: a visão h u m a n a é b in o cu lar e p erm ite a conver­ gên cia sô bre o m esm o objecto. O hom em fix a os dois olhos sôbre um objeto e pode v a r ia r a convergência. Os sím ios têm tam bém essa m obilidade, m as n ão conseguem te r os focos acen tuados como o h om em ; seus olhos são m ais h ip erm etró p ico s, e não podem f ix a r os objectos m u ito pró xim os. A h ip e rm e tro p ia dim inui no hom em civilizado. U m selvagem , com parado a u m hom em culto, revela m a io r h i­ p erm e tro p ia, sem elhan te à dos sím ios, que percebem m elh o r os objectos m ais a fa sta d o s que os próxim os. Êsses a n im ais têm u m a visão de con tin u id ade fro n ta l, d iferen te de a dos o u tro s a n im ais in fe rio re s, que é late ra l. Os hom inídeos, n a p rim e ira fase, alim entav am -se u n ic a ­ m ente de fru to s e fôlhas te n ra s. D epois das m odificações ecoló­ gicas h av id as, viram -se forçados a p ro c u ra r o alim ento , e em ­ p reen d eram a descida d as árv ores. F o ra m coagidos a m u d a r a su a posição, usando a p o stu ra v ertical, o que lhes provocou g ra n d e s m odificações fisiológicas. P o r ex., o m úsculo que su s­ te n ta a cabeça perdeu a sua função, e a nova posição do cére­ N O O L O G I A G E R A L 37 bro exig iu novo equilíbrio, p erm itin d o o desenvolvim ento da p a rte fro n ta l, p a r te das associações, da im ag in ação e da von­ tade, enq u anto a p a rte m ais p rim itiv a e stá localizada n a p a rte p o sterio r. A tra n sfo rm a ç ã o desse anim al, — que v iv ia n as á r ­ vores e p asso u a v iv er depois de u m longo perío d o de m ilênios n a te r r a , e a p ro c u ra r alim ento s, — fo i p ro fu n d a . D eixou de ser o que e ra p a ra ser o u tro . A insa tisfa ç ão , que é típ ic a no se r hum ano, d eco rre das m odificações fisioló gicas so frid as. O hom inídeo, pelo fa c to de a f a s ta r as n a r in a s do chão, a tro fio u g ra n d e m e n te o olfato. A m odificação da visão, que cada vez m a is se fixou, de­ senvolveu-lhe tam b ém os n e r v o s ; e a m astig ação , em conseqüên­ cia das m u d an ças de alim en to s, desenvolveu-lhe os m ax ilares, que tam b ém to m aram fo rm a s com pletam en te d ife re n te s de a dos sím ios a in d a arb orícolas. E ssa s m odificações p e rm itira m a tra n s fo rm a ç ã o com pleta do fu n cio n am en to do cérebro. N e­ n hum hom em consegue v iv e r sem a p a r te fro n ta l, enquan to os .símios o podem , como j á fo i v erificad o exp erim en talm en te. O hom em alcança, com a visão, m ais ou m enos 120 g ra u s , podendo c o n v erg ir os olhos d en tro dêsse cam po. Os o u tro s an im ais não tê m essa possib ilidade de fix ação . Se a ceitarm o s que um a m o­ dificação e s tru c tu ra l m o d ifica tam bém a ten são de e stru c tu ra , com preendem os que o hom inídeo, quando so fre u ta is m od ifi­ cações, so fre u tam bém m odificações q u a lita tiv as, que p e rm i­ tira m o desenvolvim ento da su a intelig ên cia, favorecendo-lhe um salto q u a lita tiv o . U m átom o, fo rm ad o de u m núcleo e seus eléctrons, com cap acid ad e de acquisição de o u tro s eléctro ns, tem u m a coerên­ cia, u m a tensão. Se se a p ro x im a dêle o utro átom o, de estru c ­ tu r a mai.s fra c a , êste pode p e rd e r eléctrons, que vão incluir-se no p rim e iro . Ê ste segundo átom o, s o fre ria um a m odificação em su a ten são . V em os que a ág u a tem c a ra c te rístic a s com pletam ente d i­ fe re n te s d as su b stân cias que a compõem. As m odificações do 38 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S hom em p od iam se r com preendidas análogam ente. (1 ). Q uando começou a desenvolver-se em su a e s tru c tu ra , houve tam bém m odificações de ordem q u a lita tiv a , o que ex p lic a ria p orque se d istin g u iu dos o utro s anim ais. A in da assim perm anece a p e rg u n ta : p o r que êste anim al foi d istin g u ir-se e to m ar direção d iferen te de a dos o u tro s antro pó id es? Um teólogo poderia d izer que o hom inídeo foi escolhido p o r Deus p a r a se r hom em , fe ito à su a im agem . R ealm en te h á um a com pleta m odificação dêste no modo de p ro ced er em com­ p aração aos antro póides, porque êstes têm tam bém percepções, consciência, m as não s a b e m que têm consciência, enq u anto os hom ens têm consciência de si m esm os. O hom em é pessoa. Se o bservarm o s os an im ais, nêles h á o predom ínio da co­ lu n a v e rte b ra l sôbre o cérebro, enq u an to no hom em dá-se o c o n trá rio ; isto é, há p redo m in ância do cérebro sôbre a coluna v erte b ra l. À p ro porção que se fo rm am a s trê s fases de centralização, dão-se m odificações na m a n e ira de pro ced er dos anim ais. Os p rim e iro s anim ais ¿são a p en as reactiv os. (Irrita ç õ e s , tro pism o s e reflexos — incitações e excitações su p e rio re s). N a fa se p rim á ria , não há autonom ia. O anim al é d irig ido m ais pelos estím ulos exteriores. A d iferen ç a do cérebro sôbre a espin?ia-dorsal acom panha o aum ento da auto nom ia que, levada ao m áxim o, a tin g iria , no hom em , a lib e rd a d e . Os hom ens podem escolher. E n q u a n to os anim ais só escolhem d en tro de certo lim ite. O hom em , e n tretan to , pode escolher e n tre valores. Êle opõe-se à n a tu re z a , diz n ão à n a tu re za . (2) É v erd ad e que h á casos considerad os m isterioso s, nos quais os an im ais se opõem à n atu re za . H ouve exem plos de suicídios (3 ) D iz e m o s a n á lo g a m en te p o r q u e n a á g u a já h á o su r g ir d e u m a n o v a e s p é c ie . N e la , o o x ig ê n io e h id r o g ê n io d e ix a m d e s er to ta lm e n te o q u e são. v ir tu a liz a m - s e , e a to ta lid a d e n o v a (á g u a ) é esp cc ifica m c-n te ouLra, (2 ) Es'ca e x p o s iç ã o n ão é u m a p r o fis s ã o d e fé. A p e n a s d á a c o n h e c e r u m m o d o d e c o n c c b c r o a d v en to d o h o m e m , d e n tro d o s a c tu a is c o n h e c im e n ­ to s a n tro p o ló g ic o s . N O O L O G I A G E R A L 39 colectivos de b aleias e de ele fan tes. M as ta l n ão é p ro p ria m e n te um opor-se, m as um e n tre g a r-se aos im pulso s de m o rte, que a in d a p erten cem à n atu re za . T an to no hom em como nos a n im a is, h á escolha, m as, n a ­ queles esta se aplica a valo res, en q u an to nos anim ais, não. É ste ponto de v ista, e n tre ta n to , é com batido p o r D arw in e ou­ tro s, que não aceitam n en h u m a b ase m e tafísic a . A cham que não h á p rò p ria m e n te a escolha de valo res. R ealm en te os a n i­ m ais não a m an ifestam , porque não têm a concepção do v alo r, m as dão-se a titu d e s que re v elam u m a com paração de aspectos valo rativ o s. Q uando o hom inídeo a tin g iu a fa se que o d iferen cio u do anim al, em que os in stin to s p e rd e ra m a su a fo rç a , conheceu a in satisfação , que im plica n a tu ra lm e n te a consciência contem ­ p o rân ea de um a situação m elhor. E ssa possib ilidade c a ra c te riz a tip ica m e n te o hom em , p o r­ que êste com preende as p ossibilidad es. Êle vê que as coisas não são apen as como se apresen tam , m as que podem ser d iferen tes. Quando alg-uém p ro m ete, é p o rq u e adm ite a possibilidade de c u m p rir. T o da p ro m essa coloca no fu tu ro um a realização q ualquer. É um a possibilidade reconhecida. O nde o hom em se d istin g u e dos a n im ais é no conhecer as possibilidad es, e p oder c a p ta r delas um a sé rie de o u tra s p ossi­ bilidades d iferen tes. Êle c a p ta possib ilidades de possibilidades. O utro aspecto c a ra cte rístic o que oferece é a su a linguagem , que é d ife re n te de a dos an im ais. A lém disso, o hom em c ria conceitos e categ o rias. È ste co n stró i conhecim entos categ o rias, enquanto o an im al não o pode fazer. H á tam b ém necessid ad e de d istin g u ir o esp írito de o psíquico. O psíquico dá-se no tem po, p o r isso po­ dem os co n tem plar nosso psiquism o em su as activid ades. P ode­ m os iden tificarm o -n o s com o nosso p ró p rio ser, e quando nos observam os, recolhem o-nos em nós m esm os, concentram os-nos em nós m esm os, e não nos consideram os como o bjecto ; fu n dimo-noa em nós m esm os. 40 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S O hom em pode im p rim ir n as coisas o seu esp írito , ideá-las tam bém , e essa capacid ade de d esrealização da realid ad e não se d á nos anim ais. Os a n im ais dizem sem pre sim à vida, e o hom em pode d izer não. Os a n im ais não ro m pem os lim ites, e adem ais o hom em é sequioso do novo , é a b e s tia c u p id issim a , r e m m n o v a r u m , o an im al cúpido das coisas novas. E a g o ra su rg e a d ú v id a : m as quem c ria êsse e sp írito ? O n ã o , ou a p en as cssc n ão ap rov isio n a-o dc e n e rg ias? R ean alisem os alg uns p ontos im p o rtan tes. A erecção do hom inídeo e ra u m a exigência da p ró p ria des­ cida da á rv o re . N ão podia êle u s a r a fo rm a q u a d rú m a n a , vol­ ta d a p a ra o solo, re to rn a n d o à visão re s trita dos an im ais, v e r­ tid o s p a ra a te r r a . A s g ra m ín e a s a lta s exigiam a posição e re c ta p a r a alcan çar um m a io r espaço v isual. E s ta m o dificação, com o d ec o rre r do tem po, levou a u m deslocam ento to ta l dos órgãos, provocando-lhe p ro fu n d a s m odificações. C onseq üentem ente, o céreb ro tom ou novo equilíbrio, desen­ volvendo-se a p a rte fro n ta l. E ssa s m odificações se p ro cessaram a tra v é s de m uito s m ilênios. F in a lm en te o hom inídeo não pôde m ais v o lta r à posição q u a d rú m a n a . Os chipanzés, p or exem plo, têm um a propen são p a ra a erecção, porque êles, quando cam i­ n ham , n ão se ap o iam n a p alm a das m ãos, m as nos nós dos dedos, que são p o r isso calosos. Êsses hom inídeos, que se d iferen c ia ram , te ria m so frid o u m a h ip e rtro fia da im aginação. A im aginação, a criação de im agens, com o d ec o rre r do tem po, p e rm itiu a co n stitu ição d a fu n ção racio nal. O desenvol­ vim ento d a p a r te fro n ta l é um a decorrência, p o rta n to , de u m a “ doença” . E ssa afirm a ç ã o do papel d as im agens, — corno fa se a n te rio r à intelig ên cia (ra c io n a l), como p re fo rm a d o ra dela, en co n tra g ra n d e s defen so res. A s im agens são p ossibilidad es, d as quais o hom inídeo conclui q uais as de o rd em real e a s de ordem não re a l; isto é, q uais as con firm ad as pelos fa c to s e as que não o são. N O O L O G I A G E R A L 41 Os a n im a is dirig em -se a si p ró p rio s, m a s essa a u to n o m ia , que êles possuem , conhece g ra u s. O fu n cio nam en to c e re b ral do hom inídeo to rn a r-s e -ia cada vez m ais se p arad o do sistem a sen sitivo -m oto r. M as o hom em é o único anim ai que pode adoecer p o r idéias, como vem os a tr a ­ vés da psicologia em p ro fu nd id ad e. Os a n im ais estão su je ito s a acto s de lou cura p o r te rro r, etc., não porém p o r idéias. V im os tam b ém que a visão do ho­ m em p e rm ite um a fix ação de div erso s planos, o que n ão sucede com os an im ais, o que lhe p e rm itiu desenvolver u m a m em ó ria coord enada. A m em ó ria dos an im ais é d em asiad am en te selectiv a e, te ­ mos, como exem plo, os p á s sa ro s que e n co n tram seus ninhos com re la tiv a facilid ad e, a p e sa r de e sta re m deles m u ito d ista n ­ ciados. M as essa m em ória é só n u m cam po, é r e s tr ita , enquanto a m em ó ria do hom em é m ais com plexa, corno nos m o stra a psicologia. A m em ó ria e stá p re se n te em todos os acto s psicológicos su p erio res. O an im al sente, tem sen sação pro vo cad a pelos es­ tím ulo s e x te rio res, m as o hom em tem percepção, e n a percepção h á m em ória. O hom inídeo, p o r se te r m udad o fisiológicam ente, to rno u-se in sa tisfe ito , pois não podia m ais g u ia r-se pelos in stin to s como a n te rio rm e n te . T e ria de c r ia r novos in stin to s com o d ec o rre r do tem po, m as ta l não se deu p orque não lhe re s ta v a m ais tem ­ po su ficien te. E n tã o , como conseqüência, tev e necessidade de d is tin g u ir o d ife re n te de o sem elh an te e, n essa distinção, a m ente foi d irig id a em sentid o d ife re n te de a dos an im ais. Os an im ais não m a n ife sta m in satisfação , são in d ife re n te s aos facto s da n a tu re z a . O hom em é in sa tisfe ito , m as o s e n tir um a in s a tis fa ­ ção im p lica a aceitação de u m a sa tisfa ç ã o possível, pois não p o d eríam os te r consciência de que som os in sa tisfe ito s, sem ad ­ m itirm o s que h á lu g a r p a r a soluções. Ao a d m itir q ue se v e n k a a d a r um a satisfação , o hom em teve o conhecim ento da p o ss ib ilid a d e . T am bém os anim ais têm 42 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S um certo conhecim ento d as possibilidades, m as d en tro de certo âm bito, o que n ão acontece com o h o m e m ; este o u ltra p a ssa . O hom em co n stró i possib ilid ades ideais que o an im al não pode fazer. E is p o r que nêle se desenvolve a vontade, o que não se dá nos an im ais. O hom em estabelece um fim , e o an im al não estabelece fin s. Êle estabelece um a m e ta a se r alcançada, e p o r isto o hom em criou os p rim e iro s in stru m e n to s de trab alh o , que lhe p e rm itira m a con stru ção d a técnica. Com êsses in stru m e n to s, prolongou e aum en tou as possi­ bilidades, conhecendo, ao actu alizá-las, novas possibilidades. O hom em p rim itiv o , que usou o p rim e iro in stru m e n to depois da p ed ra, desejou que êle fo sse m elhor, pois aceitav a a possib ili­ dade de se r m ais eficiente. A ssim o que o hom em realiza, ju lg a que pode ser superad o , porque sem p re con sidera u m a possibilidade. Êle com para o que tem com um objecto ideal, possível, que êle d e se ja ria . A com­ p aração cham a-se, em grego, p a rá b o la . N essa p aráb o la, êle não re a liz a apen as um a com paração, m as faz tam b ém um a a p re ciação. Êle estim a, (que vem do g rego tím e s is ) , e tem os a tím e ­ se parabólica-, que é a apreciação p o r meio da com paração. Som essa tím ese p arab ó lica não com preenderíam os o p ro ­ g resso hum ano. E ia su rg e da p ró p ria possibilidade, e e sta da in satisfação . O anim al não a realiza, porque não tem consciên­ cia da in sa tisfa ç ão -sa tisfa ç ão . E o facto de o hom em conside­ r a r sem pre que algo p od eria se r m elhor, p erm itiu -lhe, com o tem po, fo rm a r um a noção c ia ra do bem e do m al. T ôda a v id a é selectiv a e a té n a quím ica v erificam o s selecções n as com binações. À p ro p o rção que avançam os no estu ­ do, verificam o s que a selecção é crescente, e que hom em é o anim al m ais selectivo que existe. O conhecim ento é a m áx im a selecção realizad a. O nosso esp írito é g en u in am en te selectivo em seu o p e ra r. H á, então, um a d iferen ça essencial sn tre os hom ens e a n i­ m ais ? H á duas re s p o s ta s : N O O L O G I A G E R A L 43 1) a dos que dizem que não h á essa d ife re n ç a e sse n c ia l; 2) a dos que a aceitam . Os últim o s adm item que o hom em é p o rta d o r de algo q u a­ litativ o , d ife re n te dos outro s a n im a is ; é p o rta d o r de urna alm a. O utro s ad m item que o hom em , p o r desenvolvim ento fisio ­ lógico, diferen cio u -se com pletam ente. D eu um salto q ualitativ o , passou a p ro je c ta r-se de o u tra m a n eira . E ssa s tra n sfo rm a ç õ e s são ten sio n ais. Como anim al, tin h a êle u m a sé rie de possibili­ dades que se tra n s fo rm a ra m q uando êle se to rn o u erecto. E m tô d a m u d ança e stru c tu ra l, criam -se novas p ossibilidad es. Os a n im ais não são capazes de id e a r. N ão são capazes, p o r­ ta n to , de m e d ita r sôbre a m o rte , p o r exemplo. Êles n o tam o corpo m orto, não m ed itam sôbre a m orte. O hom em criou inibições p a r a si m esm o, p o r isso pôde opor-se à n a tu re z a . Pôde tra n s fo rm a r-s e em obstáculo co n tra a n a tu re z a ; se p a ra r-se do m undo e x te rio r, to rn an d o -o um ob­ jecto de conhecim ento, en q u an to os a n im ais se fu n d em com o m undo e x te rio r. O hom em , em su as relações sociais, co n stró i um su p er-eg o , e, p o ste rio rm e n te , a p e r so n a lid a d e ; to rn a -sc p e sso a . E c pessoa aquele que re a liz a um papel n a vid a, e que tem consciência de que o re p re se n ta , e que é p o rta d o r de si m esm o, se n h o r de um a ind iv id u alid ade. O hom em é o único ser que a tin g e a pessoalidade. Êle estabelece categ o rias, c ria ab stracções, como as do espaço, do q u a n tita tiv o , do q u alitativ o , etc. O espaço, p a ra êle, p assa a se r com preendido como vazio, enquanto, p a r a os a n i­ m ais, o espaço é sem pre ch eio de realid ade. O hom em é um co n stan te cfesrealizador, p o r c o n stru ir idéias. O hom em diz n ão à n a tu re z a — e p o r isso su rg e a p e r­ g u n ta : é o n ã o que c ria o e sp írito , ou serv e p a ra ap ro v isio n ar o esp írito de e n e rg ia ? H á d uas re sp o sta s: 1) o e sp írito é fo rça, (p en sam en to apolíneo) ; 2) ou é n eg a tiv o ; o e sp írito nasceu dêsse não. 44 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S No p rim e iro caso, o n ã o dá en e rg ia ao esp írito . No seg un­ do, é ju s ta m e n te o c o n trá rio : porqu e disse n ão à n a tu re z a , teve de c ria r o esp írito . A ceitam os, e n tre ta n to , que o n ã o acen tue a e n e rg ia e in ­ ten sifiq u e o esp írito . M as se o hom em não fô sse d ife re n te de o anim al, não p o d eria d izer n ã o à n a tu re z a . Ê ste esp írito , p o r­ tan to , j á e sta v a no hom em , a n te s da recusa, do não, e êste n ão acen tu a o esp írito . Os d efen so res d a te o ria n e g a tiv is ta são F reu d , A dler, S ch o pen hau er, etc. E su rg e o u tra p e r g u n ta : como sobrevive êsse an im al frac o e enfêrm o, que é o hom em ? D iz-se que consegue so brev iv er ju sta m e n te p o r d izer n ão à n a tu re z a . Com isso vem os que ta is d o u trin a s explicam tudo pelo que p recisam a n te s exp licar, que é o esp írito . É o e sp írito quem v e rific a a rep ressão dos im p u lso s; é êle quem re a liz a a m obilização das fo rç a s in ib itó ria s p a r a e n fre n ­ t a r os im pulsos. A te o ria n e g a tiv is ta leva à concepção m ecâni­ ca da v id a ; a d o u trin a clássica leva a a c e ita r u m a teleología, um p rincíp io fu n d a m e n ta l, que d irig e os seres no u n iv erso e a m ­ b as chegam a situações ap o réticas. (1) O hom em é um p ro ­ cesso ten sio n al q u a lita tiv am e n te d iferen te dos an im ais, m as q uanto à afirm a ç ã o de t e r êle u m a essência d ife re n te dos a n i­ m ais j á nos lev a ria a p e n e tr a r no cam po d a m etafísica, o que fa re m o s à p ropo rção que invadam os os tem as p rin c ip a is d êste livro. (1) H á a p o r ia s s o lú v e is e o u tra s in s o lú v e is . O fa c to d e e la s s u r g ir e m n ã o q u e r d iz e r q u e n ã o c o n h e ç a m u m a sa íd a . T E M A I A R T IG O 4 T E O R IA S A N T R O P O G E N É T IC A S E m face das g ra n d e s sem elhanças que h á e n tre o hom em e alg u n s an tro p óid es, su rg iu a te o ria n a tu ra lis ta , que a firm a o seu p aren tesco (n ão a descendência) com os sím ios su p erio res, p rin c ip a lm e n te com o chipanzé. T iv e ra m êles um elo com um . A ssim se j ulg ava a n tig a m e n te : H om em } P ite c á n tr o p o í A n tr o p ó id e E n tr e as d iv e rsa s teo ria s sôbre o adv ento do hom em , a que m erece h o je os fa v o res d a ciência é a que expusem os, a qual nos diz que o hom em su rg iu de um a espécie in fe rio r, o h o m in íd e o , v in do de um tro nco com um , de onde seguiu a lin h a que foi de­ sem b ocar nos sím ios su perio res. D esta fo rm a , em vez do hom em se r ap en as um a espécie evoluída dos sím ios su p erio res, é êle o desenvolvim ento de um ser que sobrevêm de um elo com um . 46 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S 0 g rá fico abaixo nos esclarece esta concepção: * H o m o s a p ie n s S ím io s s u p e r io r e s \ \ ^ / h o m in íd e o e lo | c o m u m È sse “ elo com um ” e ra um tam bém o hom inídeo em su a “ descida das á rv o re s ”, o que sa p ie n s , depois de a tra v e s s a r a actu al. se r arb orícola. E arb oríco la o foi p rim e ira fase, quando se deu a p e rm itiu o su rg im en to do h o m o um a longa evolução até a tin g ir V am os expor, em lin h as g erais, em que se fu n d a esta con­ cepção, que expusem os em nosso liv ro “ Se a esfin ge f a la s s e .. A p re se n ta re m o s a lg u ns asp ectos e n otas que ju lg am o s necessá­ rio s p a ra o bom entend im ento dessa hipótese, condensando o exposto no a rtig o a n te rio r. O h o m in íd e o Q uando sôbre a face do m undo dom inavam os g ra n d e s a n i­ m ais, viv iam os hom inídeos n as á rv o res que lhes se rv iam de refú gio . Os in te re sse s v itais, os perig o s próxim os, p re d isp u seram o desenvolvim ento da linguagem , porque então esta se lhes to r ­ n a r a im prescin dív el, o que não se d av a em relação a o utro s a n i­ m ais que viviam isolados, como os felinos, etc. D esde en tão p erm an eceram c e rta s fixações p ro fu n d a s n a alm a m ilen á ria do hom em . H á re m iniscen cias a n c e stra is da á r ­ vore, que a in d a conservam os a tra v é s de certo ta b u arb oríco la. A n te a á rv o re, m antem os um resp eito m ístico. N as trib o s p rim itiv a s, a d estru ição da á rv o re e ra p rece­ d id a de um a cerim ôn ia de c a rá c te r litú rg ico , e os len had o res confessam se n tir estrem ecim en to s quando lhe fe re m o cerne com seus m achados. N O O L O G I A G E R A L 47 A d m iram -n a a n te s de d estru í-la . A d m ira m -n a como a um deus vencido. H á e n tre o hom em e a á rv o re um a lig ação m ais p ro fu n d a . U m a espécie de sa c e r, no sen tid o ro m an o da p a la v ra . O reco­ nhecim en to de quem se d e p a ra com quem o acom panhou n a vid a. (1) H á n a re lação hom em -f á rv o re um quê de fa m ilia r, um a rem in iscen cia. E m to d a s a s épocas, o hom em em p resto u à á rv o re sím bo­ los p a ra as su as idéias, anseios e sonhos. H á sem p re re sp e ito a n te a se re n id a d e de um carvalho , a n te a fig u e ira p e rd id a nos descam pados, e o salg u eiro in fu n d e sim ­ p a tia s f ís ic a s . . . Os hom inídeos tiv e ra m n a á rv o re seu h a b ita t. Sem a á r ­ vore, ja m a is a tin g iria o hom em o g ra u de intelig ên cia alcançado. Sem a á rv o re, não e x istiria e s ta h u m an idad e. A intelig ên cia é em g ra n d e p a r te estim u lad a p ela árvore. E s ta h ip ó tese não é o rig in al, m as p e rfe ita m e n te possível, a tra v é s de u m a série de observações psicológicas, históricosociais, biológicas e paleontológicas. A ceitem os, p o r ora, a h ip ó tese n a tu ra lis ta , e p ro ssigam o s: Nos tró picos, os m onos vivem em árv o res. H oje, estão red u zi­ dos de tam an h o , porque não são os m ais p rim itiv o s, m as nossos p a re n te s rem otos, e não nossos ascendentes. A h om in ificação dos an tro p ó id es, dos pro ssím ios, deu-se g ra ç a s à á rv o re. P a r a a fa sta re m -se da te r r a , cujo dom ínio e ra exercido pelos g ra n d e s an im ais, quando da época te rc iá ria , os an tro p ó id es e n c o n tra ra m n a á rv o re o refú g io , um m eio de le­ g ítim a defesa. O v iv er n as árv o res desenvolvia, p ela su bid a aos ram o s e galhos, a fo rm a p e n ta d á tila d as m ãos. E sta s, a tra v é s do tem - Sacer (1 ) s ig n ific a n o la tim p r im itiv o o q u e é d a á r v o r e d o b o s q u e . A p a la v r a s a g r a d o te m , a s sim , e s s a o r ig em . 48 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S po, cre sciam m ais, porque, n a s árv o res, a aten ção exigid a, fo r­ çava o desenvolvim ento dos m em b ro s a n te rio res. No chão, n a te r ra , o desenvolvim ento dá-se nos m em bros tra s e iro s , o que sucede com todos os o u tro s a n im a is m am ífero s. A í o te rre n o é contínuo, e b a s ta u nic am en te a atenção sen so rial in s tin tiv a p a r a a m a rc h a anim al. N as á rv o res, o te rre n o desco ntínuo exigia, além da atenção sen so rial in stin tiv a , a aten ção óptica. D aí exercerem os m em ­ bro s a n te rio re s m ais activ id a d e do que os p o sterio res, decor­ rendo, p o rta n to , seu m a io r desenvolvim ento. Como conseqüên­ cia dessa excitação óptica, ex ig id a pelo te rre n o desco ntínuo da á rv o re, o an tro p ó id e desenvolveu certo s lóbulos ce re b rais, como sejam os que re g u la m ou localizam as sensações ópticas. E sta s, p o r seu tu rn o , au m en taram -lh e o m undo dos co­ n hecim entos e a viv acidad e, conseqüentem ente a inteligência, o que lhe p e rm itiu a b ra n g e r m a io r âm bito, e c ria r m aio res possibilidades. Ào so b re v ir o ra re a m e n to e a té o d esap arecim ento dos g ra n d e s anim ais, te n ta ra m os antro p óid es a descida das á rv o ­ res. P o r m ilênios, o seu h a b ita t p erm aneceu e n tre a t e r r a e a á rv ore, com n a tu ra is variaçõ es condicionada pelo tem po, es­ paço, v ariaçõ es g eo g ráficas, etc. O desenvolvim eno dos m em bro s a n te rio res, quando o a n ­ tro pó ide se viu em te r r a , não lhe fac ilitav a o c a m in h a r quad rú m an o de o u tros m am ífero s, o que o levou a eq u ilib rar-se n a s p a ta s tra s e ira s , condicionando-lhe a verticalid ad e. E s ta e ra m ais fácil, p o r co rresp o n d er ao desenvolvim ento exagerado dos m em bro s a n te rio res. A m a rc h a criou o equilíbrio, após ensaios sucessivos e m ilenários, e to rn a ra m -se os b raço s su pérflu o s p a ra a m arch a, porque a ela não se a d a p ta v a m . É com um o bservar-se nos an im ais arb oríco las um m aio r desenvolvim ento do volum e cereb ral. A necessidade co n stan te d e um a le rta m e n te da atenção óptica p red ip ô s um desenvolvim ento das sensações co rresp o n ­ dentes, um en tro sam en to e n tre o perig o e os olhos, e n tre a v id a e os olhos, e n tre a atenção e os o lh o s .. . N O O L O G I A G E R A L 49 P o r isso são os olhos que o ferecem p on tos de re fe rê n c ia do equilíbrio, bem como o “ ponto de co ag u lação ” de todo o conhecim ento, no hom em . (1 ) D eterm in o u a v id a a rb ó re a o desenvolvim ento d a lin g u a ­ gem . São p recisam en te os an im a is arb ó reo s os que possuem o m a io r n ú m ero de elem entos de lin guag em , o que p e rm itiu o b te r m a io r conhecim ento d a s n ecessidades colectiv as, p ela tra n s m issã o das emoções de u n s p a ra outro s. A so lid aried ade nasceu n a á rv o re e nasceu do perig o. F oi o te m o r u m a d as condicionantes d a inteligên cia. A posição e re c ta p e rm itiu o desenvolvim ento p ro g ressiv o do cérebro, pelo m elho r equilíbrio dêste. D esta fo rm a , a v e rti­ calidade acelerava-lhe o desenvolvim ento. O ra, a d ife re n ç a e n tre o cérebro dos hom ens e o dos an tro p ó id es é m ín im a, pois e striba-se u n icam en te n a m aio r v a ria b ilid a d e d a e s tru c tu ra citostra to ló g ic a do c ó rtex e do seu tam an h o. (2 ) (1 ) A t r e v e r - n o s - ía m o s a p ro p o r u m a h ip ó te s e . É d if íc il e s t a b e le c e r - s e a in d a so é o h o m e m o u o s a n im a is q u e p o s s u e m m a io r m e m ó r ia . A c e ita n d o , c o m o h ip ó t e s e p r é v ia q u e fô s s e ig u a l, p e r m a n e c e r ia d if íc il e s ta b e le c e r o d e ­ s e n v o lv im e n t o d a c o n s c iê n c ia . O ra, p r e c is a m e n te é o h o m e m u m a n im a l q u e t e m u m a v is ã o “f i x a ” d o m u n d o . O s s e u s o lh o s e s tã o n o m e s m o p la n o , e p o d e m c o n v e r g ir s ô b r e u m s ó o b je c to . N ã o s u c e d e o m e s m o co m o u tro s a n im a is. Ê s te s p o d e m s im u lta n e a m e n te t e r ca d a u m d e s e u s o lh o s d is p o s to s n a o b s e r v a ç ã o d e u m o b je c to d ife r e n te , p o r q u e ê le s s e c o lo c a m d e ca d a la d o . N o h o m e m , e s tã o n o m e s m o p la n o , e o b s e r v a m s im u lta n e a m e n te , f ix a n d o - s e n o o b jec to . N e s t e ca so , im p e d e a fo r m a ç ã o d e im a g e n s m ú lt ip la s e fo r ç a a fix a ç ã o d a s e n s a ç ã o , o q u e a u x ilia r ia a g e r a r m a io r e m a is n ít id o c o n h e c i­ m e n to . É u m a h ip ó te s e , p a r e c e -n o s , m e r e c e d o r a d a a te n ç ã o d o s e s tu d io s o s . (2 ) “O s f ó s s e is u ltim a m e n te d e s c o b e r to s p e r m ite m s e g u ir ê s t e d e s e n ­ v o lv im e n t o : p r im e ir o d e s e n v o lv e u - s e a p a r te p o s te r io r d o cé re b r o , isto é, a r e g iã o s e n s o r ia ( p o u o “h o m e m ” d e P e q u im e d e S p e y - N e a n d e r t a le n s e ) . D e p o is a u m e n to u a la r g u r a e ú lt im a m e n t e a p a r te fro n ta l, q u e r d ize r, a s r e g iõ e s e m q u e s e a c h a m o s c e n tr o s d e a s s o c ia ç ã o e d e n o ç õ es s u p e r io r e s ”, e s c r e v e G . N ic o la i. O c r â n io d o s e lv a g e m é e s q u is it a m e n t e d o lic o c é fa lo , o q u e m o s tra a a b s u r d id a d e d a s te o r ia s d o lic o c é fe la s c o m o ín d ic e d e s u p e r io r id a d e . É, p o r is s o , u m a n im a l e x c e s s iv a m e n t e s e n s o r ia l e p o u c o ra cio n a l. O s cr â n io s e u r o ­ p e u s e c h in e s e s s ã o b r a q u ic é fa lo s, e , p o r ta n to , m a is ra c io n a is , m a is a s s o ­ c ia tiv o s . É u m fa c to a v e r ig u a d o p e la c iê n c ia q u e o cé r e b r o h u m a n o t e n d e a c r e s ce r n a m é d ia d e u m g r a m a p o r s é c u lo . Ê s te a u m e n to a p a r e n te m e n te p eq u e n o é fis io ló g ic a m e n te g r a n d e s e co n s id e r a r m o s q u e u m g r a m a c o n té m 120 m i ­ lh õ e s d e c é lu la s g a n g lio n a r es , o u 120 m il q u ilô m e tr o s d e n eu r o fib r ila s , a lé m d o te c id o c o n ju n tiv o . itecantropus 50 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S A h o m in ilidad e fo i o b tid a aos poucos, len tam ente. T am bém o que cham am os de lei da in é rc ia in flu iu sôbre os fenôm enos psíquicos, como fu n ção d a psicogênese. O equ ilíb rio da inércia é a re g u la rid a d e do descontínuo, das contracções. A re sistê n c ia in te rio r, im p o sta às acções e x te rn a s, é um a lu ta pela conserv a­ ção da fo rm a, do estado. A acção e x te rio r fo rç a u m a tra n sfo rm a ç ã o do “ p ro ce ssu s” in te rio r, d ife re n te do p reced ente, d eterm in an d o a criação de esquem as reactiv o s p a r a a s acções e diversos acom odam entos, porque o psiquism o to rn a a b u sc a r o equilíbrio. R eage em fu n ção da acção. N isto existem certo s au to m a ­ tism os p rim itiv o s. A s b ases o rd in á ria s d a sensação, afeições, sentim ento s, reflexões e v on tad e iniciam -se aí. É a resistên cia, que se fo rm a em funeção d as d iv e rsa s acções, que p e rm itiu a evolução do psiquism o. Não devemos s e p a ra r o aspecto sensitivo do asp ecto m o to r e a observação m o stra-n o s que não se pode se p a ra r, n a psico­ logia, a acção m o triz da acção psíq uica p rò p ria m e n te d ita. U m a co n tração m u scu lar sep arad a, um a sensação sep a­ ra d a , pode e sc ap a r à consciência, m as o m esm o não se dá q u an ­ do há os co rrelativ o s m otores. H á consciência quando h á um ag ru p am en to sensitivo-m otor. O am b ien te exerce su a in flu ên cia sô bre o hom em , como exercem -na o vento, o sol, a te m p e ra tu ra , a u m idad e e os a stro s. Os in sta n te s psicológicos são regidos pelos processos asso­ ciativos, q u er sep arad am en te, q uer em conjunto. As im agens do m undo e x te rio r sô bre o m undo psíquico não se em pilham u m as sôbre as o u tras. H á um a ordem m ais sutil, que as o rg a ­ niza, que a s d istrib u i, que a s lig a e n tre si, o rd enando-as. Os processos de m em ó ria h e re d itá ria são fix ad o s n as célu­ las g erm in ais, difundindo-se, em seguida, em todo o org anism o, especialm ente no sistem a nervoso. (1) (1) A m e m ó r ia h e r e d itá r ia é u m p ro b le m a a in d a em p é p a r a a ciê n c ia . A tr a n s fe r ê n c ia d a m e m ó r ia d o s a n te p a ss a d o s p a r a o s s u c e s s o r e s p o d e s e r d is c u tid a n o p la n o fís ic o , d e la b o ra tó rio . T a lv e z a g e n é tic a n ã o en c o n tr e , p o r o ra, u m a s o lu ç ã o ; m a s e x is t e a lg o q u e s e tr a n s fe r e . A te s e é d e m a s ia d a m e n te v a s ta e e x ig e o u tr a s o b s e r v a ç õ e s N O O L O G I A G E R A L 51 Tóela a v id a psíquica, a tra v é s de u m a observação su scin ta. m o stra-n o s a o rd em g eom étrica, m a te m á tic a de seu m ovim ento. O hom em não é in d ife re n te ao m eio am b ien te, pois so fre a s in flu ên cias dos fenôm enos que se sucedem à su a volta. .4 v e r tic a lid a d e A v ertic a lid ad e é um dos fu n d a m e n to s de su a intelig ên cia e de su a v id a psíquica. “ P rin c ip io u o hom em a d iferen ç a r-se dos a n im a is pela v ertic a lid ad e que lhe p e rm itiu um m elhor co­ n hecim ento g eográfico, como m elho r conhecim ento d as dim en­ sões, e lib ertou -o da co n tin uid ade das coo rd enadas geo g ráficas que lhe lim ita v a m as p ersp ec tiv a s do m undo. A psicologia b aseia-se n este g ra n d e p ro g resso anim al. A v ertic a lid ad e deu-lhe a m obilidade dos braços, o p o le g a r p reensível, facilitan d o -lh e p o d er “ to m a r” um objecto, um pedaço do am b ien te, fra g m e n ­ tá-lo p a r a conhecer o in te rio r, aproxim á-lo de o u tro objecto p a ra c o m p a ra r os dois, p a r a reu ni-lo s, e, ev en tu alm ente, p a ra c o n stru ir. T ra n sp o rta d o s em lin g uag em psicológica, êstes gestos to r ­ n am -se em operações m e n ta is u s u a is : adição, su b tração , com pa­ ração , tra slad a çã o , lim itação a u m a coisa p en sad a, g en eraliza­ ção, ab strac ç ã o , edificação m a te ria l, etc. Tudo isto fo rm a o r a ­ ciocínio” . ( P ie r r e M abille) N ão querem os exp licar o m en tal pelo físico nem o físico pelo m en tal. A os p ensam en to s acodem os gestos, e a s a titu d es tra d u z e m o in s ta n te de consciência. A s im ag en s decorrem , vivem , desenvolvem -se e tradu zem -se em m ovim entos físicos. P odem os p en sa r, c o n stru ir pensam en- q u e n ã o c a b e m a q u i. M a s p o d e m o s a c r e s c e n ta r q u e a t r a n s fe r ê n c ia s e d á, o q u e v ir ia fa v o r e c e r a co n ce p ç ã o e s p ir itu a lis ta , c a so a g e n é t ic a “n e g a s s e ” p e r e m p tò r ia m e n te q u a lq u e r s in a l d e t r a n s fe r ê n c ia n o ca m p o fís ic o . A s s im , p o r ta n to , a s m e s m a s in te r r o g a ç õ e s p e r m a n e c e m d e p é e, a lé m d is so , p o d e m o s a c r e s c e n ta r q u e a c o n c e p ç ã o n a tu r a lis ta d a p s ic o g ê n e s e n ã o r e fu t a t o t a lm e n t e a s te s e s e s p ir itu a lis ta s , p r e c is a m e n te p o r q u e a co rre la çã o ló g ic a d o s fe n ô m e n o s d e ix a s e m p r e u m q u e e s tá a fa s ta d o d a fís ic a , p o r ta n to , d a C iê n c ia N a tu r a l, c o m o v e r e m o s m a is a d ia n te . quid realidade 52 M A R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S tos, n u m a q uase a to n ía dos m úsculos p eriférico s. M as o san gu e pode quase p a r a r n as veias, as g lân d u las activ arem -se ou não, a dig estão p e rtu rb a r-s e , às vêzes p aralelam en te a um pensam ento . No u niv erso, o hom em a b ra n g e m ais espaço do que um an im al q ualqu er. S e g u ra r um objecto é a gênese da adição e a r r a n c a r algo déle é a d a su b tração . C om pará-lo com outro, tra n sfo rm á -lo fav o recem a con stru ção de esquem as in telectu ais. E d aí p a ra a s ab stracções e sín teses, o cam inho j á não é tão g ra n d e , a firm a m . N en h um a ideação pode se r realizad a sem se re v e s tir da fo rm a de rep resen taçõ es, q u er a u d itiv as, v isu ais, m usculares, ou o lfativ a s e g u sta tiv a s. O espaço exerce sô bre o psiquism o u m a influ ên cia inelu­ táv el, pois é êle, p a r a nós, a rep ro du ção dos nossos volum es e d as nossas dim ensões. É nêle que activam os os nossos m ovim en­ to s sensitivo-m otores. O conceito do espaço teve em n ossa v id a u m a evolução len ta, e desenvolveu-se de acôrdo com os nossos m eios de ap reen são . A c rian ç a não pode te r a m esm a concepção do espaço que nós. E la só to m a consciência do espaço com o crescim ento de sua capacid ade de sensibilidade e m u scular. Como o hom em p rim itiv o , ela " to c a ” p a r a c re r. São os sen­ tid o s a m ed id a da realid ade. É nos m úsculos, no tacto , que podem os to m a r conhecim ento da “ re a lid a d e ” . Segundo essa concepção, tô d a filosofia, n este p onto, tem que com preen der o se g u in te : 1) h á u m a “ re a lid a d e ” tá c til; 2) h á u m a “ re a lid a d e ” v isu a l; 3) h á u m a “ re a lid a d e ” a u d itiv a. Como a u d itiv a, como visual, como tá c til, segundo nossos sentidos, segundo os sen tid o s de quem ouve, vê e toca, é a “ v e rd a d e ” . N O O L O G I A G E R A L 53 N ós não apreendem os to d a a re a lid a d e sen sív el d as coisas. H á os que podem o u v ir “m e lh o r” o u n iv erso e seu s fenôm enos, como h á os que possuem m a io r sen sib ilid ad e tá c til, e o u tro s m a io r sensib ilid ad e visual. H á tô d a u m a evolução d a intelig ên ­ cia no hom em . E e s ta evolução tem su a s bases, q u er nos ele­ m ento s m a te ria is do am b iente que nos cerca, como nos que cons­ titu e m o nosso corpo. Nossos racio cínios obedecem às leis do u niv erso, n ão fogem delas, a p e sa r de m u ita s vêzes term o s esta im pressão. A v id a p s íq u ic a U m dos elem entos im p o rta n te s n a v id a p síq u ica é o tem po. P o r êle relacionam os, encadeam os os p en sam en to s e fo rm am o s a base d a lei de causação u n iv ersa l. A noção do tem po nos é fo rn e cid a, em p rim e iro lu g a r, p o r u m a base a p rio rístic a , n a ­ tu ra l, m u scu lar, sen sitiva. N asce d a con statação do ritm o in te r­ no, de todos os ritm o s, circu lação do san gu e, re sp ira çã o , sensa­ ções, e tam b é m do am biente, n oite, dia, etc. A certeza, que fo rm a a b ase da nossa verdad e, tem seu n a s­ cim ento n u m a fu n ção m u scular. N ós, e tam b ém os a n im a is, tem os consciência d a certeza depois que tocam os, ouvim os, cheiram o s, gostam os (saber, vem de s a b o r e a r ) , m o rd em o s. . . São êstes os elem entos sensitivos que m odelam os nossos m eios de averig u ação d a verdade. É a fó rm u la p rim á ria , m a s que g e ra a b ase das nossas certezas fu ­ tu ra s , a certeza que vem p o ste rio rm e n te , n u m a fa s e m ais a v a n ­ çada, e que tem como b ase a c e rte za m u scu lar, nervosa, p rim itiv a . E m sua gênese a p a la v ra com preen der (c u m -p reh en d ere), sig n ific a to m a r, se g u ra r. E as operações psicológicas p osterio ­ res, p a ra essa concepção, em in en tem en te e m p irista , têm base n a ex p eriên cia física. N a psicogênese da c u ltu ra , in te rv ém tam bém a acção m is­ te rio sa do in stin to . 54 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S Os im pulso s vêm m istu ra d o s no hom em e o sistem a ideo­ lógico é sem p re d eco rren te da direção que lhe im p rim em fô rç a s obscuras e m isterio sas. Tudo quando g ra v ita em tô rn o dêsses p rincíp io s, desses im ­ pulsos secreto s, é aceito como preestabelecid o, como ax io m á­ tico. C olectiv am ente os hom ens tam b ém são assim . H á c e rta s predisp osiçõ es sim p áticas, étn icas, ra c ia is, t r i ­ bais, de clã, que não se exp licam p o r fic are m ocu ltas n a s som ­ b ra s do p assado, as quais e x p licariam ten dên cias, predileções, iniciativ as, desejos, p r e f e r ê n c ia s .. . * * * A s afeições e m p restam ao m undo a beleza que v e m o s nêle. Sem elas, êle s e ria rep ulsivo e absurdo . S u b jectiv am en te tem os “ h o rro r ao vácu o ” . A im agem de um objecto, de um hom em , de u m a cena, se incom pleta, enche­ m os logo o seu vazio com p o rm eno res analógicos ou consentâneos aos elem entos p rim o rd ia is, como nos m o stra a G e s ta ltth e o rie (te o ria das fo rm a s ). E sta é um a das nossas m a n e ira s de c ria r o m undo. E o tra b a lh o de nossa im aginação, ju n tan d o -se ao pouco que h á de realidade, assum e, depois, fo ro s de realidade. D aí, e starm o s poucas vêzes apto s p a ra d istin g u ir, em nos­ sas idéias e opiniões, o que ex iste de apreendido do e x te rio r de o que acrescen tam os com as nossas opiniões e a nossa im ag i­ nação, o que evidência a nossa pouca fa m ilia rid a d e com a v erdade. N ão nos contentam os com o conhecido; exercitam os sôbre o cognoscível a nossa fa n ta s ia , que p erm ite, p o r o utro lado, a possib ilidade do conhecim ento; do c o n trá rio ver-nos-íam os fo r ­ çados a aco m p an h ar as percepções sin g u la re s pela su a série, p a ra delas poderm os ch eg ar ao conhecim ento. N O O L O G I A A G E R A L ra c io n a lid a d e A fa n ta s ia p erm ite-no s fo rm u la r o conhecim ento pela ap reen são das percepções sin g u la re s. A fa n ta s ia é o p relú d io da razão. É a razão a in d a p rim á ria , cheia de im p urezas, que o rd en a e co m p ara p or analog ias re m o tas, pelos sen tim en to s, pelas ten d ên c ia s; selvagem , m óvel, fu g id ia . A ra z ã o não foge a e stas influ ên cias. M as circun screve, a n a lisa, fo caliza m elhor as percepções, lig a p o r associações lógicas, b u sca o auxílio da m em ória, d isp ensa as a n alo g ias rem o tas, co n tro la d as pelas sen ­ sações o b jectivas. T al não im pede que m u ito s dos elem entos com p arativ o s da razão se jam sedim entações a rc a ic a s de fa n ta s ia s , de p ercep ­ ções fa lsa s, de sen tim en to s e afeições coaguladas, de petições de p rin cípio que se to rn a m postu lad o s in d iscutíveis. P a r a essa concepção, são êstes os lim ites d a razão. E p a ra d eterm in á-lo s exige-se um a g ra n d e aten ção e análise. O p en ­ sa m en to in c lu i: associação, an alo g ias p ró x im as e re m o tas, con­ trad içõ es p o r analog ias, p o r associações, m em ó ria e, fin alm e n ­ te, a percepção p síq u ica d as c u rv as a lta s do d ia g ra m a d as sen­ sações a rm a z e n a d as pelo subconsciente. A lig ação lógica, obtida p o ste rio rm e n te (em relação à evo­ lução do h o m em ), é ad q u irid a p o r exclusões d a fa n ta s ia . A con­ tin u id a d e d as percepções sed im en ta, fix a a s sensações o bjecti­ vas, que fo rm am , dep-ois, a base a n g u la r da razão, ta n to no aspecto in d iv id u al como no colectivo. A razão, é, p o rta n to , de fix ação p o ste rio r. N os juízos, h á a in flu ên cia dos in stin to s, como proporcion ad o res do fenôm eno psíquico do p en sam en to e do juízo. M as os in stin to s, provocados pelos im pulsos, tra z e m os con­ tra -in s tin to s em m ovim ento. P o r isso o juízo, às vêzes, destoa dos im pulsos. E s ta lu ta de con tradições in te rn a s é a única que pode, p a ra essa concepção, ex p lic a r a a p a re n te lib erd ad e e in ­ d ep endência do juízo, (d a razão, em s u m a ), pela condicionalidade dos fa c to re s o p o sto s. . , 56 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S Ê ste choque dos in stin to s e co n tra -in stin to s pro cessa-se no subconsciente, e o que vem à to n a são as curv as a lta s dos resu ltad os. Os indecisos tra z e m ao consciente os resu ltad o s c o n tra d i­ tó rio s, as coo rd enad as d as c u rv a s a ltas. Se p revalecem as d e­ term in ações éticas d a razão , ou a c tú a p o r elas, o indivíduo con­ sid e ra liv re a escolha do acto. Se c o n tra ria os fu n d a m e n to s éticos p a ra to m a r um a a ti­ tu d e oposta ao que lhe d ita m a s re g ra s — o esquem a racio n al estabelecido — tam b ém se ju lg a liv re. N ão n o ta que a ú ltim a a titu d e e a té a p rim e ira fo ra m resu ltad o s de a p a re n te escolha. As proposições d iv erg en tes não im plicam p otencialidad e igual. A de m a io r p o tência, de m a io r im pulso, que m elh o r se ad ap to u ao m om ento psíquico, é a que d eterm in a o acto ju lg a ­ do livre. É o que leva os liv re -a rb itris ta s a com baterem a te o ria do inconsciente com ta n ta ân sia, porque ela fa c ilita a com preensão p rim itiv is ta do determ in ism o. Os in stin to s m a n ifesta m -se n as tendências, n as afeições, n a percepção. Ao perceberm os alg u m a coisa e ao fo rm arm o s dela um a “ com preensão ” , realizam o s o acto de d elim itação que nossos in stin to s p ro cessam d a coisa percebida. O hom em p r i­ m itivo p erceb ia as coisas, relacio nando -as aos in stin to s. C lassi­ ficá-las como inconscientes, in d istin ta m e n te, s e ria com preen­ d er. P o r isso, a com preensão v a ria em relação a um mesmo objecto no tem po. O que a n te s foi in d ife re n te , pode não se r d e p o is .. . ou m elhor, v ir a se r depois (1 ). * * * L onga e d em orad a, cheia de a v e n tu ra s, de m a rc h a s e contra -m a rc h a s, te m sido a h is tó ria d a conquista da hom in ilidade. M uitas lacu nas estão a b e rta s p a ra essa concepção. E la não explica su ficien tem en te a fo rm ação da inteligência, pelo m enos êste g ra u de inteligência, que ta n to d istin g u e o hom em dos (1 ) E x p u s e m o s a q u i a s t e s e s p r in c ip a is d a co n c e p ç ã o n a tu r a lis ta . N O O L O G I A G E R A L 57 o u tro s an im ais, so bretu do em seu aspecto especulativo, em su as previsões, em seu im pulso de d o m in a r o tem po e o espaço, em su a m a n e ira de in te rro g a r o p orqu ê d a existên cia, em d e s e ja r in te r p r e ta r o m undo, e em q u e re r m a rc a r um d estin o p a r a si. S erá te m a p ró xim o estab elecer 03 pontos que d isting u em o hom em da anim alid ade. V asto cam po do conhecim ento hum ano, m u ito h á nele a in ­ da p o r d esco b rir, re v is a r, m o d ificar. Pode a té dizer-se que a m a io r p a rte do que sabem os do passado está a in d a ensom breado de hip óteses. A descida d as á rv o res é a in d a u m a h ip ó tese, e c e rta s dou­ trin a s evolucionistas, a p e sa r d as fo rte s razões a seu fa v o r, a in d a não são su ficien tes p a r a a s s e g u ra r u m a evidência inco n trastáv el. S e d im e n ta ç õ e s p sic o ló g ic a s M as pro sseg u in d o p o r êsse e m a ra n h a d o de hip ó teses, a lg u ­ m as tão solid am ente fu n d a m e n ta d as, o u tra s so b ria m e n te apo ia­ d as, podem os im a g in a r 0 hom em dc tre ze n to s m il ano s a trá s , longa fa se em que se d eram a s p rim e ira s sedim entações psicoló­ g icas sim ples, os p rim e iro s acto s in te n c io n a is ele m en tares re la ­ tivos ao em prego dos in stru m e n to s eolíticos. O silex e sta v a à mão. De início, os m ais acessíveis fo ra m ap ro v eitad o s, o que se o b serv a tam b ém p o r p a r te dos sím ios su perio res. A escolha foi p o ste rio r, como conseqüência de “ e rro s e e x p e riê n c ia s” . A p ró p ria escolha p red isp õe a sedim entação de u m a o peração psíq u ica elem en tar, A escolha do silex p a ra b a te r, q u e b ra r, m oer, etc. j á tin h a u m a acen tuação selectiv a e re fle ­ x iv a, e o acto selectivo p ro v o cav a u m a acen tuação da capaci­ dade re fle x iv a. J á n aq uele longo período a p a re c e ra m certo s “ re to q u es” nos silex usados, p a r a facilitá-lo s ao m an êjo . A d u reza do silex se­ d im entou as im pressões de consciência im p ressiv a, sensitiva, e p e rm itiu a fo rm ação de acto s intencion ais. 58 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S A acção do a tr ito p a ra p o lim e n ta r, em bora inco m p letam en ­ te, o ferecia um certo p ra z e r de v ictó ria, um a d iferen ciação, o desenvolvim ento d a observação e da atenção, o conhecim ento d as qualidades de d u reza e re sistê n c ia do silex, um certo a u ­ m ento do conhecim ento. A esta fa se foi aos poucos sucedendo a da intro d u ção de in stru m e n to s n o vo s: p o n tas ofensivas, p un h ais de silex, tac a pes. Veio a fa se da p e d ra polida e a intro d ução de fo rm a s geo­ m é trica s re g u la re s, sim é trica s, apro v eitan d o -se a resistê n c ia in te rio r, desco b erta pela tacto m u scu lar, que p re d isp u n h a um en riq uecim ento dos sentid os. N a tu ra lm e n te aí se d esen v olveria a afectivid ade. O hom em j á seria capaz de afeições. A in d ú s tria paleolítica, o polim ento d ete rm in av a o conhecim ento dos lim ites, p o rta n to o desenvol­ vim ento da consciência ind ividual, fo rta le c id a pelo re sse n ti­ m ento em face da p risã o social, dos lim ites im posto s pelo gru po. A s relações m ais ru d im e n ta re s da fa m ília devem te r n a s­ cido nessa fase, como tam b ém os p rim eiro s sin a is vocais d ife ­ renciados, sobretu do no q u a te rn á rio su perio r, a fa se que p re ­ cedeu a nossa. A m ud an ça da te m p e ra tu ra dêsse período d e te r­ m inou o d esap arecim en to de c e rta s raças. N esse perío do desenvolveu-se o uso do osso como in s tru ­ m ento, como objecto de adôrno, e s u rg ira m objectos a d a p ta ­ dos a um a fo rm a alo n gad a, cornos de ren a, ao lado do silex p a r a a fe itu ra dos in stru m e n to s, c o nascim en to d as escu ltu ras n a s cavern as, as m an ifestações e stéticas m ais av an çad as, a n e ­ cessidade da alim en tação quente, o dom ínio do fogo, a sua produção, etc. As longas noites fr ia s p red isp u n h am à m editação, às in te r­ rogações, au m en tan d o a s in satisfaçõ es conscientes, acen tuad as pela fraq u ez a que g e ra v a e au m en tav a o campo da inteligência, como recurso p a ra vencer as dificuldades. N essa época, j á se esb oçariam as lu tas sociais e n tre os g ru po s, a lu ta econôm ica, e, conseqüentem ente, a fo rm ação de novas neuroses. N O O L O G I A G E R A L 59 Só então se processou a n ítid a d iferen ciação e n tre a f a n ­ ta s ia , o sonho e a realid ad e, g eran d o o conceito de lib erd ad e e dc felicidade, como evasões. (1 ) N a fo rm ação da in telig ên cia do hom em m u ito in flu i a lin guagem . A ssim , como se desenvolve em fu n ção d a in telig ên cia, p o r seu tu rn o exerce influ ência sô b re e sta, p orqu e a lin guag em devêra, nos p rim o rdio s, se r p u ra m e n te exp ressiv a, obtendo um sen tido lógico pela ligação dos so ns aos objectos que ela dese­ ja v a d a r sign ificad o s, p e rm itin d o u m a nova espécie de asso­ ciação de idéias, bem como o en riq u ecim ento de m o rfem as, que fa c ilita v a m o processo da intelig ên cia. (2) S in tetizam os, assim , e sta concepção n a tu ra lis ta , m ais cons e n tâ n ea com os a c tu ais estud os d a a n tro p o lo g ia. N o en tanto , ela nos coloca em fa c e de d ificu ld ades te ó ric a s (a p o ria s ), que se rv irã o de tem a p a r a os a rtig o s p o sterio res. (1 ) A g ê n e s e d a s d es c o b e r ta s t é c n ic a s , n a p r é -h is t ó r ia , n ã o s e e x p lic a , c o m o m u it o s p e n s a m , p e la tr a n s m is s ã o d e u m p o v o m a is a d ia n ta d o p a r a o u tr o , a tr a v é s d a em ig r a ç ã o . Q u e r e m c o m is s o tr a n s fe r í- la ^ p a r a o u tro lo c a l, a fim d e p o d e r fa z e r f r e n te à s e m e lh a n ç a d o s in s tr u m e n to s d e tra b a lh o n a a n tig u id a d e . K á d e p o s s u ir u m a c a u s a co m u m , co n d ic io n a d a p e la s n e c e s ­ s id a d e s d e ca d a a g r u p a m e n to h u m a n o , d en tr o d a s p ro p o rç õ es d e te r m in a d a s p e lo a m b ie n te . A tr a n s fe r ê n c ia n ã o e x p lic a r ia o n a s c im e n to d a té cn ic a ; só f a c ilita r ia a c o m p r e e n sã o d a s u a s e m e lh a n ç a . (2 ) P o d e m o s a tr ib u ir à in t e lig ê n c ia d o h o m e m u m p a r a le lis m o à l i n ­ g u a g e m v o c a l. E sta é ta m b é m u m a fo r m a d e s e r d a q u e la , m a s , p o r su a v e z , in f lu i n a q u e la . N o en ta n to , p o d e m o s c o m p r e e n d e r q u e a lin g u a g e m n ã o é n e c e s s a r ia m e n t e im p r e s c in d ív e l à in t e lig ê n c ia . A p er d a d a lin g u a g e m v o c a l o u o s e u n ã o a p a re c im e n to , n ã o im p lic a r ia u m a im p o s s ib ilid a d e d e d e s e n ­ v o lv im e n t o d a in te lig ê n c ia . U m a “h u m a n id a d e ” d e s u r d o s - m u d o s (a lh e ia p o r ­ t a n to à s o n d a s s o n o r a s ) , n ã o e s ta r ia a fa s ta d a d a in te lig ê n c ia ; e la c r ia ria n o v a s fo r m a s d e tr a n s m is sã o ( g e s to s , p o r e x e m p lo ) , e s e fu n d a m e n ta r ia n a v is u a lid a d e , co m o u m a d e ce g o s e s u r d o s - m u d o s , n o ta c to . A s s im c o m o a lin g u a g e m e s t im u lo u o d e s e n v o lv im e n to d a in te lig e n c ia n a h u m a n id a d e , o g e s tic u la r e o ta c te a r t e r ia m -n a es tim u la d o , ig u a l­ m e n t e , e m “h u m a n id a d e s ” d e c e g o s e s u r d o s -m u d o s . normal T E M A I ARTIGO 5 O S S IM IO S E O A D V E N T O D O H O M E M N os hom ens enco ntram os d iferen ç a s no n iv el intelectual. P a r a a A n tropo log ia c ien tifica, o hom em p rim itiv o é intelec­ tu a lm e n te in fe rio r ao hom em actu al, em b ora fisic am en te as d iferen ç a s sejam re la tiv a m e n te peq uen as. C om parado o hom em com os sim ios su p erio res, vê-se que há, n a fo rm a ex te rio r, m u ita sem elhança e n tre o cérebro do hom em e o do chipanzé, p o r exem plo. No chipanzé, encontram -se os m esm os cen tro s c e re b rais que no hom em , e sem elhan tem en ­ te dispostos, em bora sua extensão re la tiv a se ja d iferen te. É o chipanzé, dos seres conhecidos, o que ce re b ralm e n te m ais se ap ro x im a do se r hum ano. E n co n tra-se , adem ais, no hom em , u m a sé rie de gesto s fa c ia is que são sem elhan tes aos dos sím ios su p e rio re s. R evelam tam b ém m an ifestaçõ es de intelig ên cia m uito se­ m elh an tes às n o ssas m ais elem en tares. O apôio-m útuo é p r a ti­ cado a m p lam en te p o r êles. P o r o u tro lado, h á m anifestações a fe c tiv a s nos sím ios, como m im os e cuidad os e n tre m ãe e filho, como e n tre os p ró p rio s casais, que nos se rv iria m de bom exem ­ plo. C onhece-se o d ito bem nosso de “ m ãe m a caca” p a ra a ssi­ n a la r a m ãe que m im a excessivam ente o filho. * * 62 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S P o r o u tro lado, têm a in d a n o tad o os antropólo gos, que se d ed icaram ao estudo dos sím ios superio res, m an ifestaçõ es de um senso de ju s tiç a m u ito elevado, rebelando-se estes, ao v erem um filh o te se r am eaçado ou m a ltra ta d o p o r um g u a rd a n um ja r d im zoológico, sem que se revoltem quando se t r a t a de um adu lto . R epelem o abuso sôbre a fraq u eza, e com u m a indignação que é r a r a e n tre os hum anos. P o r o u tro lado, e n tre êles se observam , como com plem ento dêsse senso de ju stiç a , v erd a d eiro s ju lg am en to s dos falto sos que recebem castig os ou são absolvidos, como teve ocasião de o b se rv a r W e in e rt, um dos antro pólogo s que m ais se d ed icaram ao estudo dos sím ios su perio res, c u ja s obras re p re se n ta m h oje u m a im p o rta n te con tribu ição n este sector do conhecim ento hum ano. ¿Ls o b se rv a ç õ e s de W e in e r t Os exem plos com oventes de abnegação, rev elado s p o r todos os estudiosos e n tre os sím ios, im pedem ju lg am en to s p re c ip ita ­ dos, não só q u a n to à afectiv id ad e, como a té q u an to ao desen­ volvim ento intelectual. W e in e rt conta-nos, em seus livros, inúm ero s casos com oventes, em que, a fro n ta n d o todos os p e ri­ gos, a rrisc a m -se uns em bem dos outro s, u ltra p a ssa n d o e v en ­ cendo re p u g n an c ia s, so frendo a té dores atrozes, p a ra v ir em auxílio de um m ais fraco , o que rev ela um a direção dos im p u l­ sos que se opõem e vencem os im pulsos n a tu ra is de conservação. C onsidera W e in e rt, a n te ta n ta s m o stras, que a d iferen ça intelectu al e n tre os sím ios su p e rio re s e os hom ens p rim itiv o s é m uito m en o r que a d iferen ç a física, pois os facto s que o bser­ vou p e rm itira m -lh e concluir a fa v o r dêsses anim ais. T e rm in a p o r a c e ita r o elo com um e n tre hom ens e sím ios, concebendo o s u m m o p r in ia ta , o m ais elevado dos p rim a ta s, nom e que dá a esse elo, c u ja existência cabe à ciência p ro v ar. O bservou a in d a W e in e rt que e n tre os sím ios su p erio res, so bretu do e n tre g orilas e chipanzés, que são os m ais pró xim o s a nós, h á v aria b ilid a d e de nív eis de inteligência. U ns revelam -se N O O L O G I A G E R A L 63 im ensam en te estúpidos, com o m u ito s dos hom en s, e o u tro s em i­ n en tem en te h áb eis. O chipanzé, ten d o u m a so ciab ilidade m uito m aio r que o g o rila, rev ela a in d a m a io r g ra u de in telig ên cia. E a trib u i W e in e rt ao fa c to de v iv erem em sociedade o m aio r de­ senvolvim ento da in telig ên cia, bem como dos m eios de com u­ nicação, que são m ais n u m eroso s que e n tre os g o rilas. T em -se d istin g u id o o hom em dos sím ios, p o r s e r aquele um c o n stru c to r de u ten sílio s, en q u an to o chipanzé, p o r exem ­ plo, o é acid entalm en te. N a v erdad e, W e in e rt tev e o p o rtu n i­ dade, seguindo m u ita s d a s e x p eriên cias de o u tro s a n tro p ó lo ­ gos, v e rific a r que o chipanzé é capaz de c o n s tru ir um in s tru ­ m ento, como o de u s a r b am b ú s, e lig a r uns aos o u tro s, apro v ei­ tan d o a p a rte ôca p a ra a lc a n ç a r um fru to , como G uillaum e tam b ém j á h av ia observado. M as, h á aqu i, u m a d iferen ç a im ­ p o rta n te . É que o hom em to r n a a u s a r êsse in stru m e n to p a r a actos fu tu ro s . Sabe que êle se i'v e p a r a isso , e conexiona-o às possib ilid ad es fu tu ra s , o que não o fa z o chipanzé, que, se o en co n tra, usa-o como o fa z com o b astã o ou a p e d ra p a ra de­ fe n d er-se, m as não lhe dá co n tin u id ad e u tilitá ria , isto é, não p ercebe a p ossib ilid ad e de se r usado o u tra s vêzes, o que é u m a c a ra c te rís tic a p a ra nós im p o rta n tíssim a , como ain d a ve­ rem os, e que p erm itiu ao hom em a con stru cção da técnica, o que não a conhecem os a n im a is, nem m esm o os sím ios su p e­ rio res. O b se rv a çõ e s d e Y e r k e s e G u illa u m e In ú m e ra s exp eriên cias de Y erkes tam b ém com provam as a firm a tiv a s de G uillaum e e de W einert. “ N ós v erificam o s êste fa c to im p o rta n tíssim o que um cére­ b ro de A n tro p o m o rfo é capaz de p e n sa r log icam ente e de exe­ c u ta r u m a sé rie de acções, d as quais não se pode n e g a r o ca­ rá c te r de encadeiam ento lógico. Pois aqui não pode ser expli­ cado apen as como in s tin to : n en h u m an tep assad o dos chipanzés teve ja m a is a o p o rtun id ad e de b u sc a r seu alim ento, constru in d o in stru m e n to s dessa espécie” , diz W ein ert, referin do -se à3 expe- 64 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S r ie n d a s que tev e ocasião de re a liz a r, e que c o n firm am o u tra s re alizad as p o r Y erkes e G uillaum e. E m face dessas exp eriên cias, concluem êstes últim os p o r a d m itir que a c o n stru ção de in stru m e n to s deve t e r anteced ido ao hom em , e p erte n ce à e ra eolítica. R evela o chipanzé u m a g ra n d e curio sidade, e m u ito s dos seus acto s n ão podem s e r explicados como m era m e n te im ita ti­ vos. E essa curio sidad e, que se assem elha à nossa in telig ên cia te rc iá ria , que é a inv entiv a, enco ntram o -la tam b é m nos chipanzés, como m o stra W e in e rt, a tra v é s de um a sé rie de facto s, como se jam o de criação de b ebidas com fru to s e o u tra s m a n i­ festaçõ es accid en táis, que tev e êle ocasião de a s s is tir p or ocasião d as observações, que teve o p o rtu n id ad e de fa z e r, sô b re êsses anim ais, com os q uais conviveu d u ra n te m uito tem po p a ra ob­ servá-los, quando em p len a n a tu re z a . E ssa s a firm a tiv a s fo ra m p o ste rio rm e n te co n firm ad a s p o r o u tro s observadores. A s m an ifestaçõ es e stéticas p rim á ria s fo ra m tam bém objec­ to de observação, como os can to s dos o ran g o tan go s e as dan ças dos chipanzés, provocados p o r m otivos e ritm os, que o p ró p rio W e in e rt c ria v a p a ra v e r o desenvolvim ento que lhes d ariam , v erifican d o que re alizavam v a ria n te s inesp eradas, e não um a m e ra im itação. T am bém m an ifestaçõ es p rim á ria s e sp o rtivas fo ra m v e ri­ ficad as, como um a espécie de box, em que h á re g ra s , e no qual os que as ofendem , com golpes “ ilíc ito s” , são desprezados e a té c astig ad o s pelos outro s. G estos de adm oestação fo ra m v e rifi­ cados, quando da p rá tic a de actos indevidos, como p o r exem plo, excesso de castig o ou a titu d e s vio len tas dos m ais fo rte s sôbre os m ais fraco s, que levam os o u tro s a p ro te sta re m com gestos, com brados, com pulos, em m a n ife s ta expressão de d esap ro v a­ ção. A titu d e s intelig en tes, como dissim ulações a n te os g u a r­ das, a fim de o cu lta r actos realizados ou esconder objectos, são com uns e facilm en te observáveis. B rinqued os de “ esconde-es­ conde” e de “ p e g a d o r” , em que um corre enq u an to os outro s o p erseguem , v aria n d o depois os papéis, fo ra m tam bém observados. N O O L O G I A G E R A L 65 N as su as danças, os ch ip an zés re v elam toda a c a th a r s is de su as emoções. H á dan ças aleg res, fre n é tic a s , dan ças violen­ tas, d esorganizadas, com m an ifesta ç ã o de f u r o r e de paixões, e o u tra s com as fig u ra s p e rfe ita m e n te sin c ro n iz a d as e n tre si, em círculos, e com v ariação de posições e de a titu d e s, que nem sem p re se rep etem , e su rg em in e sp e ra d a m e n te , en q u an to uns m a rc a m o ritm o e o u tros can tam . A s conclusões a que cheg am os a c tu a is o bservad o res é que m u ito s dos asp ectos que ju lg áv am o s te r su rg id o e n tre os ho­ m ens, ou se r de o rigem exclusiv am ente h um an a, vem o-los ta m ­ bém e n tre os sím ios su p erio res. $ S& O hom em , p a ra W ein ert, p o r exem plo, deve te r surgid o dêsse elo com um , que cabe à ciên cia a c h a r, que ce rta m en te, p a r a êle, deve se r o driopiteco d a E u ro p a C e n tra l. (1 ) (1 ) W e in e r t é a le m ã o ; u m fr a n c ê s q u e r e r á en c o n tr a r ê s s e e lo n a F r a n ­ ça , u m in g lê s , n a I n g la te r ra o u n o Im p é r io B r itâ n ic o . T o d o s q u e re m q u e s e u p a ís s e ja o b e r ç o d a h u m a n id a d e . E , a té a q u i, n a A m é r ic a d o S u l, v e n ­ c e n d o n o s s o c o lo n ia lis m o p a s s iv o , a n o s s a g r a n d e d e s g r a ç a , ta m b é m já q u i­ s e m o s a p o n ta r o b e r ç o d a h u m a n id a d e , o q u e p r o v o c o u v e e m e n t e s p r o te sto s p o r p a r te d e a n tr o p ó lo g o s eu r o p eu s. B aseando-se nos estud os a c tu a is sô bre o desenvolvim ento do hom inídeo a té o hom o s a p ie n s , W e in e rt oferece o seg uinte q uad ro, que abaixo rep ro d u zim o s: E st á g io s m o r fo ló g ic o s Ns. H om ens IV H o m o s a p ie n s re c e n s ( o u a llu v ia lis ) D iv is õ e s g e o ló g ic a s C iê n c ia e té c n ic a I d a d e d o s m e ta is H o lo c e n o a c tu a l N e o lít ic o T em pos p o stg la c ia is M e s o lít ic o III n H o m o s a p ie n s fo s s ilis ( d ilu v ia lis ) CO O 8 a> T3 â c H &G in íd e o s no Ko Hp roimm itiv us H om o n ean d er- tali ensis (o u p r im ig e n iu s ) P r o to n e a n d e r ta lie n s is A n tr o p in ia n o s (P r e h o m in ia n o s ) i P o n to d e P a r tid a P r e h o m in íd e o s (A n tr o p ó id e s v i ­ zin h o s d o s C h ipanzés P ite c á n tr o p o D r io p ite c o A u s tr a lo p ite c o Id ad e e s tim a d a em an os E stá g io s cu ltu r a is r e c e n te re c e n te o u m é d io = o ‘3 tí a> ■9 m é d io o W) o 2 .0 0 0 5.000 2 0 .0 0 0 60.000 2 0 0 .0 0 0 m tu 'o cu çnu s a n tig o nen hum a c iv iliz a ç ã o 0 a •H a n tig o P lio c e n o (te r c iá r io ) 6 0 0 .0 0 0 1 .0 0 0 .0 0 0 N O O L O G I A G E R A L 67 0 h om o s a p ie n s W e in e rt (aceitand o a opinião de S chw albe) considera o N e a n d e rta lia n o como o h o m o p r im ig e n iu s , o m ais p rim itiv o dos hom ens. A ssim como o A n th r o p u s foi o hom em do paleolítico an tigo , o hom em de N e a n d e rta l é o do paleolítico médio, que corresp onde ao últim o período in te rg la c ial. O h o m o sa p ie n s , que su rg e no paleolítico recente, c o rre s­ ponde à últim a fa se glacial. O desenvolvim ento do hom em a tra v é s dos tem pos, até a l­ c a n çar o de hoje, é, p a ra A ntro po log ia, um a deco rrên cia do desenvolvim ento da in telig en cia laten te, j á esboçada desde o elo. S e ria o a ctu alizar-se das possib ilidades do hom in í­ deo em fa c e dos fa c to re s p red isp o n en tes, que lhe fo ra m p e rm i­ tin d o e sta ou aqu ela em erg ên cia que, p o r su a vez, a c tu a v a sobre os p ró p rio s fa c to re s p red isp o n en tes, pois e n tre êstes, é im p o r­ ta n tíssim o sa lie n ta r, estão os histórico-sociais. O hom em de N ea n d e rta l j á tin h a a rm a s que lançava com as m ão s; conhecia a divisão de tra b a lh o , em bora a su a vida fô sse dev o tada to talm en te à p ro c u ra de alim en to s p a r a s a tis ­ fa z e r as necessidades. A in da não h av ia a s e p u ltu ra e o enterra m e n to , como se vê no paleolítico recente. O h o m o sa p ie n s é p ro p ria m e n te do pleistoceno. É a in te li­ gên cia que vence a fô rç a co rpo ral. A a rm a de tiro é um g ra n d e p ro g resso in telectual, em b ora tro u x esse g ra n d e d estru ição e n tre os hom ens, em su a s novas g u e rra s . Ê ste hom em j á conhecia o e n te rra m e n to , e a s cerim ônias, que re a liz a v a no cuidado do m o rto , rev elam um a noção da vid a de além túm ulo, e resp eito ao m orto, p ro cu ran d o cercá-lo de todo o bem e s ta r que lhe p ro p o rcion asse um a v iagem tra n q ü i­ la e se g u ra p elas regiões do além . T odas a s m an ifestaçõ es c u ltu ra is, que p re p a ra m o advento dos g ra n d e s ciclos c u ltu rais, m an ifestam -se dêsse período em d ian te, a té alc a n ça r as g ra n d e s cu ltu ras. * H* * 68 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S Q uanto ao fogo, a p rim e ira operação deve te r sido a de tra n s p o rtá -lo . A p ró p ria len da de P ro m eteu é a do “ tra n s p o rte do fogo” , de onde c a íra, de um raio de Jú p ite r, a té a h ab itação. O p o d er p u rific a d o r e d e stru tiv o do fogo, o p od er de d ev o rar, crescer, e tam b ém m o rre r, cu ja razão êles desconhe­ ciam , e ra um m isté rio a rre b a ta d o aos deuses. O fogo re u n iu os hom ens, e o calo r que dele su rg e é um bem que êsses sêres n ão p o d iam d eix ar de estim ar. O fogo torno u-se p ro te c to r c o n tra os a n im a is ferozes, e p e rm itiu que obtivessem alim en to s novos, p. ex„ carn es cozidas, que a té então e ra m de dig estão difícil. U m longo tem po deve te r decorrido e n tre a posse do fogo e a cocção dos alim entos. A lin g u a g e m A lin g uag em , que ta n to d istin g u e os hom ens dos anim ais, deve te r tid o um longo e dem orado desenvolvim ento. Sabe-se que os sím ios p ro n u n ciam sons quando da in sp iração do a r, en­ quan to nós os p ro nu nciam o s expirando-o. E s s a m u d an ça c a p i­ tal é a in d a um pro blem a p a r a os antro p o lo g istas. U ns adm item que a m u dança da alim en tação, depois de o hom inídeo te r alcan ­ çado a posição erecta, as m u d an ças do m etabolism o, e tam bém da posição d as cordas vocais, p e rm itira m que se p ro cessassem os sons p o r expiração , dando su rg im en to , assim , à voz h u m an a. O uso de b astõ es de m a d eira e dos ossos p e rm itiu a cons­ tru ç ã o de m u ito s utensílios que p red isp u seram , p o r su a vez, novas possibilidad es, O a d v e n to do h o m e m Sôbre o advento do hom em , assim se exp ressa W e in e rt: “ A ex p eriên cia in s titu íd a pela n a tu re z a consiste n u m a m u dança dc clim a, d ete rm in ad a pelo início da época glacial, e que levou a m odificações g e ra is do m eio e das possib ilidades a li­ m en tares. A h u m a n id a d e n ão f o i c r ia d a n u m p a r a ís o , m a s ela N O O L O G I A G E R A L 69 n a sc e u , p o r q u e u m p a ra ís o h a v ia sid o p e r d id o . Se a a n tro p o gênese não fo i o resu ltad o d essa ex p eriên cia, sem êle, sem dú­ vida, ela não se te r ia p ro d u z id o ; pois só o ag u ilh ão da necessi­ dade p o d eria d e te rm in a r o evento- E não se ju lg u e apen as o uso do fogo, considerado como u m a reacção ele m e n tar à acção do frio . A p assag em do an im al à h u m an id ad e fo i, em seu con­ ju n to , u m a re sp o sta à s novas condições de vid a, que não com­ p o rta v a m m ais o dolce f a r n ie n te n a flo re s ta e q u a to ria l, com su a p ro fu sã o de recursos a lim e n ta res. A m odelação de u te n sí­ lios é tam b ém um a das conseqüências im e d ia ta s d a m u dan ça de clim a. A p e d ra lascad a fo i ag u d izad a p a r a a ju d a r a c o rta r a m a d eira p a r a que ela queim e m elh o r p e rm itiu c o r ta r os r a ­ m os, e p a rti-lo s quando a m ão p o r si só não o p odia f a z e r . . E conclu i: “ Se a an tro pog ênese fo i um fa c to in telectual, fo i tam b ém -— m elhor, p o r conseqüência — o efeito de u m a ag ravação das condições clim áticas no início da época g lacial e de tod as as conseqüências que p re c ip ita ra m ta l fenôm eno. S e m ép o ca g la cia l não h a v e r ia h o m e m . . . e g ra ç a s à ép o ca g la cia l s u r g iu o h o m e m ." (op. cit. p ág s. 7 6 /7 7 ) O adv ento do hom em se ex p licaria, p o rta n to , p o r um g ra n ­ de acto de escolha, o m ais im p o rta n te de todos, em que o hom i­ nídeo, e n tre a possibilidade de se g u ir em busca de regiõ es quen­ tes, como devem te r fe ito s o u tro s, já d esaparecid os, como se ju lg a , e a de p erm an ecer, g ra ça s ao fogo e e n f re n ta r os frio s dem orados, p re fe riu p erm a n e c e r desenvolvendo assim possibi­ lid ades que estav a m latentes, m as que a g u a rd a v a m as c o n d i­ ções p r e d is p o n e n te s , que p e rm itiria m o adv ento do Homem. T E M A I A R T IG O 6 V IS Ã O D E C A D IA L É C T IC A D A AN TR OPOGÊN ESE A A ntro po log ia C ien tífica p ro c u ra e s tu d a r o hom em como se r psicofísieo, ou como en tid a d e biológica, d e n tro da n a tu re z a , com su a d iferen ç a específica. A A ntropo gên ese p e rg u n ta pela o rig em do hom em . E eis p orque ela e stá tão in tim a m e n te lig ad a à A ntro po lo g ia F ilosó­ fica, que p e rg u n ta tam bém sô bre “ o q u e ” êle é e o seu posto no cosmos, não se satisfazen d o a p e n a s em vê-lo colocado n a n a tu re z a , pois tam b ém in v e stig a sô bre o hom em com o esp írito . E n tr e as d iv e rsa s opiniões que se fo rm a m sô bre a origem do hom em , que j á estudam o s n as p ág in a s a n te rio re s, en c o n tra ­ m os su ficien tes elem entos p a r a colocar o p ro blem a d a sua o ri­ gem sob análise decadialéctica. O se r h um an o, como em tu do q u an to êle re aliza, cria, cons­ tró i, p e rm ite estudem os a cooperação dos q u a tro g ran d es con­ ju n to s de coo rd enad as que sã o : o hom em como corpo (som á­ tic a m e n te c o n sid erad o ), como psiquism o diferen ciad o, como im erso d en tro de u m a concreção g eo g ráfica, su a circu n stân cia am b ien tal, e fazendo p a rte de um a sociedade h u m an a. O hom em é corpo e sp írito ecologia sociedade 72 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S Da cooperação dêsses c on ju n tos de coord enadas fo rm a-se o hom em como e x iste n te e não ap en as fo rm a lm e n te conside­ rad o. Só podem os v e r o hom em con cretam en te se o c o n sid e ra r­ m os como ten d o um corpo, e um esp írito, e que vive n um a sociedade, n u m a reg ião cósmica. O que o d ife re n c ia dos a n im a is é o e sp írito . O te r um corpo, o v iv e r sô b re a T e rra e em sociedade, en co n tram o s n as o u tra s espécies an im ais. N as relig iões, como n a c ris tã , D eus fêz o hom em do “ b a r­ r o ” da te r r a , como corpo. Os elem entos adám icos, que são os corpóreos, fo ra m p o r D eus su blim ados, e nêles so prou a in te ­ ligência, que é u m a essência e x a lta d a de v id as, o que to rn o u A dão se m elhan te à A lm a U n iv ersal, como tra d u z F a b re d ’O livet o tex to bíblico. In te rp re ta n d o à luz d a sim bólica êsse tex to, vê-se cla ram en te que a B íblia ad m ite a origem an im al do ho­ mem. M as o salto q ualitativ o , que o to rn o u h o m e m , o h o m o sa­ p ie n s , o hom em que sabe, o se r in telig en te, não é um m ero de­ senvolvim ento d a an im alid ade, m as a criação de urna nova tensão, de urna nova e s tru c tu ra , p o r urna cau sa eficien te que lhe in sp iro u um a alm a. O hom em é um corpo an im al, p o rta d o r de um esp irito . E is o que o d istin g u e dos o utro s an im ais, pois a r a tio n a lita s é a su a d iferen ç a específica. (1) A r a tio n a lita s Os antro p ólogo s têm -se dedicado, no en tan to , em p ro c u ra r esclarecer essas d iferen ças e n tre o hom em e o anim al. J á vim os ñ a s p ág in a s a n te rio re s q u a n ta s m an ifestações de sem elhança h á e n tre os sím ios su perio res e o hom em . Se a c tu alizarm o s apen as as sem elhanças, tem os a ten d ên ­ cia a a d m itir que h á um p aren tesco próxim o e n tre am bos. Se (1 ) E m “F ilo s o fia C o n cr e ta ” e e m “T eo r ia G e ra l d a s T e n s õ e s ” e x a m i­ n a m o s o p r o c e s s o d o a d v e n to d a n o v a t e n s ã o , a a s s u n çã o , q u e a p e n a s m ís t i­ c a m e n te le m s id o e x a m in a d a . N O O L O G I A G E R A L 73 v irtu a liz a rm o s as sem elhanças, p a r a a c tu a liz a r a s d iferen ças, tom am os fa ta lm e n te um a posição oposta. N ão podem os, p a ra se r p e rfe ita m e n te d ialéctico s, v irtu a lizar n ad a. Devem os a c tu a liz a r os asp ectos h etero g ên eo s e con­ tra d itó rio s, sob p en a de escam otearm o s u m a dificu ld ad e e não en fre n tá -la . É preciso fria m e n te colocarm o-nos a n te o que é real. A nim alm ente considerado, o hom em é p a re n te dos sim ios su p erio res. São d em asiad am en te evid en tes os asp ectos, e a ciên­ cia não pode n e g a r êsse p aren tesco , como n a v erd a d e n ão o faz. M as é p reciso recon h ecer que as d iferen ç a s de o rd em so m á­ tica, que antro pólogos, b io log istas, etc. delineam , levarn-nos a c om preen d er que essas m esm as, quando do som ático, não e x ­ cluem a possib ilidade do p aren tesco , pois a d iferen ciação o bser­ v ad a pode m uito bem c a b e r em h ip ó teses que a s expliquem , como a s que con stitu em os p rin c ip a is p ostu lad o s das h ip ó teses cien tíficas. M as o im p o rta n te , e que tra n s p a re c e aqui, é que e n tre o hom em e os sím ios há u m a d iferen ç a específica, que consiste no que a filo so fia clássica ch am av a de r a tio n a lita s . O hom em é um an im a l r a c io n a l . Êsse racio n al, o logos dos gregos, o esp í­ rito , a alm a, — e o nom e pouco im p o rta , pois o que in te re ssa é o conteúdo — ó algo que o d istin g u e com pletam ente dos a n i­ m ais. É preciso sa b e r em que consiste êsse logos, essa razão, essa alm a. D ife r e n ç a s e n tr e o h o m e m e os a n im a is N a A ntro pologia, m u ito s a u to re s têm propo sto um a série de pontos fu n d a m e n ta is, que a p o n ta ria m a d iferen ç a fu n d a m e n ­ tal. V ejam o s alg u m as p ro p o sta s : 1) O hom em é intelig en te, sab e d is tin g u ir e n tre xneios e fin s. R ealm en te podem os estabelecer, como fu n d am en tais, trê s tip o s de intelig ên cia, que estudam o s n a “ P sicogênese” , fu n d a ­ 74 M A R IO . F E R R E IR A DOS SA N T O S d as nas reações circu la re s, que ta n to in te re ssa m aos psicó­ logos m odernos. A in te lig ê n c ia p r im á r ia s e ria a im ita tiv a , e é c o n stitu ída pela capacid ade de m im e s is , de c o p iar u m a activ id ad e e rep eti-la, subm etendo-se, p orém , à s condições do modelo. E s s a in te li­ g ên cia encontram o -la tam b ém nos sím ios su p erio res, pois são capazes de im ita r. A in te lig ê n c ia se c u n d á r ia c o n sistiria n a capacid ade de dis­ tin g u ir m eios de fin s, como n a P sicogênese vêm o-la desenvolverse n a crian ça, logo após os p rim e iro s m eses. A fa s ta r um objeto p a r a c a p ta r o utro, p u x a r u m a c o rd a p a r a m o v im en tar alg u m a coisa, etc., são exem plos. E s s a in teligên cia, porém , encontra-se tam bém em p a r te nos a n im a is su p erio res, não sendo, p o r ta n ­ to, su ficien te p a r a ju s tific a r um a ra d ic a l d iferen ça e n tre o hom em e os sím ios. É v erd a d e que, no hom em , ela se com plexio n a, m as ta l com plexidade se deve à coordenação com o u tro s estág ios su p e rio re s da in teligência. E m seus fu n d am en to s, no en tan to , en co ntram o -la tam bém nos an im ais su p erio res. A in te lig ê n c ia te r c iá r ia c o n sistiria n a in o v a ç ã o . A c rian ç a rev ela-a quando b usca o novo sem sa b er actu alm en te o que é. Q uando e n g a tin h a , busca aq u i e ali um a novidade, que se rev ela n a s p rim e ira s m an ifestações da curio sidad e in fa n til, an te s da fa se p ro p ria m e n te social em que fa z p e rg u n ta s sôbre o q ue são a s coisas, rev elação de u m estág io m ais elevado dessa in ­ teligência. J a vim os, p elas inform açõ es e observações de W ein ert, Y erkes, J e n n in g s e outro s, que os sím ios m a n ife sta m cu rio si­ dade e capacid ade a té de inovação, como nos exem plos de n ov as danças, cantos, bebidas, alim en tação nova, etc. P o rta n to , em su a fu n d am en talid ad e, e sta in telig ên cia se ria a in d a observável nos anim ais. N O O L O G I A G E R A L 75 P o rta n to , fu n d ad o nos trê s p lanos d a intelig ên cia, a d is­ tin ção e n tre o hom em e os a n im a is su p e rio re s, q uan to à sua fu n d am en talid ade, se ria a in d a p re c á ria . (1 ) 2) É o h o m e m u m a n im a l qu e co n h ec e a m o r te . E s ta a firm a tiv a não é tã o im p o rta n te se o lh ada sob o seu asp ecto fu n d a m e n ta l, porque os a n im ais rev elam “ conhecê-la” e re sp e i­ tá-la. N ão são poucos os que se “ p re p a ra m p a ra m o r r e r ”, es­ colhem lu g a re s especiais, a fa sta m -se dos seus sem elhan tes, quando sen tem que se a p ro x im a o m om ento agónico e, so litários e silenciosos, e sp eram o in s ta n te fin al. H á exem plos im p ressio ­ n an tes, como os v erificad o s e n tre os ele fa n tes e tam bém os sím ios. O conhecer a m o rte, p o rta n to , tam bém cabe aos anim ais. M as se v erificarm o s, porém , a n te os dados da antro p o lo gia, o hom em de N ea n d e rta l, com a su a m a n e ira de p ro ced er a n te a m o rte, e o cham ado h o m o s a p ie n s , v erificam o s que êste dá um se n tido m u ito m ais religioso a êsse m om ento su prem o, q u er pelo tra ta m e n to que se pbserva nos túm ulos, onde se excele em cui­ dados, q u e r n as p rá tic a s m o rtu á ria s , que a p re s e n ta m um ritu a l, que não conhecia o homo n ea n d e rta lie n se . N esse caso, o conhe­ cim ento da m o rte ap resen ta-se com um a com plexidade, que se pode a tr ib u ir à p ró p ria com plexidade d a vid a, com aderên cia de o u tro s conhecim entos de um g ra u de c u ltu ra m ais elevado. F un d a m e n ta lm e n te , porém , e n c o n tra ría m o s tam b ém nos a n i­ m ais a consciência da m orte. N este caso, essa d iferen ç a p o d eria v aler como um símbolo da d iferen ç a fu n d a m e n ta l, m as apenas como um símbolo. 3) V erifica-se que o se r h um an o rev ela u m a u m e n to de c o m p le x id a d e e m s u a v id a ; re a liz a p ro gressos, o que não se v e rific a p ro p ria m e n te nos anim ais. Ê ste asp ecto é de m a g n a im p o rtâ n cia , pois os anim ais nos m o stra m a p erd u ra ç ã o de c e rta s a titu d e s que se p erpetu am , (1 ) N ã o o é, p o r ém , q u a n to à s in te lig ê n c ia s d e g r a u s s u p er io re s , d a q u a r te n á r ia p a r a cim a , o q u e e s tu d a r e m o s m a is a d ia n te . 76 M Á R IO F E R R IÍIR A DOS SA N T O S enqu an to re a lm e n te o hom em a p re s e n ta uma h etero g en eid ad e constante. A s exp eriên cias de W e in e rt, Y erkes, etc., m o stra m que os sím ios são capazes de a d q u irir h áb ito s novos e os an im ais do­ m ésticos, como os cães, tam b ém o revelam . M as ta is h ab ito s são provocados pelo hom em e não ad q u irid o s esp on tan eam ente. M as desde o m om ento que adm itim os que h á possibilidade de m o­ dificações nos an im ais, q u an to aos seus háb itos, e a té possi­ b ilidad e do uso de in stru m e n to s, tem os aqui um ponto em que h á c e rta sem elhança, o que nos leva a ex ig ir o u tro s aspectos, que se v erifiq u em ap en as nos hom ens, e não nos anim ais. E êste aspecto, de m a g n a im p o rtân cia, é a téc n ic a . 4) O h o m e m é c a p a z d e c o n s tr u ir u m a té c n ic a . O ra, a técnica, como já sabem os, é um sab er sistem ático, p o rta n to tra n sm issív e l, que consiste em u tiliz a r m eios p a r a alc a n ça r fin s. Êsses m eios são in stru m e n to s. O uso de in stru m e n to s pode se r realizado pelos sím ios, m as a constru ção de um a téc n i­ ca não a en co n tram o s e n tre os an im ais. O que os a n im ais re a ­ lizam con stitu i a inteligência p rim á ria , de im itação, e não p ro ­ p riam en te técnica, que já exige u m a inteligên cia se c u n d ária e te rc iá ria , desenvolvidas em a lto g ra u . Mas um o b jecto r pode­ r ia d iz e r : a técnica, im plicando essas trê s inteligências, e como elas se v erificam cm g ra u m en or tam bém em an im ais, êstes te ria m , pelo m enos, a possib ilidade de re a liz a r o que só se a c tu a lizou no hom em . N este caso, e n tre o hom em e os an im ais, não h á n en hum a d iferen ça fu n d a m e n ta l, m as ap en as de su p eres­ tru c tu ra , en q u an to in fra e s tru c tu ra lm e n te não se d istin g u iría dos anim ais. 4) A escolha. Os a n im ais escolhem, dizem, m as a escolha é d iferen te de a do hom em , pois êste pode d irig i-la aos valores, o que não é realizado pelos anim ais. E s ta d iferen ç a tam bém e n c o n tra ria objectores, como já teve, e n tre êles D arw in, Schw albe, L am arck, K oehler e outros, pois a escolha no hom em , enqu an to tal, não d ifere de a dos N O O L O G I A G E R A L 77 anirn ais. A penas a su a com plexidade s e ria exp licad a pela com ­ plexid ade p o ste rio r que conheceu, o que não é su ficien te p a r a g a r a n tir u m a d iferen ça tão fu n d a m e n ta l. 5) No hom em h á a u to n o m ia . A auto n o m ia, que o hom em rev ela e que alcança os pontos alto s da lib erd ad e, não se n o ta nos an im ais, a firm a m . M as os objecto res podem a le g a r que a au to n o m ia se v e rific a em e scalarid ad e nos a n im a is. À p ro p o r­ ção que h á m a io r desenvolvim ento do céreb ro , h á au m en to de auto no m ia. E n q u a n to p red o m in a, p o r exem plo, a esp in h a d o r­ sal, nos v erte b ra d o s, estes são m enos autônom os. M as, à p ro ­ porção que o cérebro sin te tiz a su as fu nçõ es e se desenvolve, observa-se um a auto nom ia m aior. E sta , p o rta n to , rev ela esca­ la rid a d e nos anim ais. Se todos fôssem , n este p onto, ig u ais, a autono m ia p o d eria se r a trib u íd a ao e sp írito , a um princípio , que não o te ria m os an im ais. Como o hom em é o s e r que tem o cérebro m ais desenvolvido, a au to n o m ia é p o r alg uns com ­ p re en d id a como funcção dêste. 6) M as o hom em tem c o n sc iê n c ia de s i co m o p e s so a , a c re s­ centam o u tro s. E s ta d iferen ç a o d istin g u e dos an im ais. P o r m u ito que pese êste a rg u m en to , os o b jecto res e n co n tram razões p a ra pô-lo em xeque. A crian ça, q uando nasce, n ão é pessoa, e a pessoalid ade é a d q u irid a a tra v é s de longas ex p eriên cias. O ra, se a pessoalid ade não é im e d ia ta no hom em , m a s a d q u irid a após m u ita s exp eriên cias, é ela accidental, não consistin do num a di­ fe re n ç a específica d a n a tu re z a . A pessoalid ade s e ria superestru c tu ra l e e n c o n tra ria n a e s tru c tu ra , em potência, os elem en­ tos fu n d a m e n ta is, que se o rd en a ra m , de ta l modo, que p e rm i­ tiria m ao hom em um a consciência de si como pessoa. Ê ste a rg u ­ m en to a in d a não se ria su ficien te, p o rta n to . 7) O hom em , e sta b elec e c a te g o r ia s. M as os objecto res ale­ gam que as ca te g o ria s são conceitos de conceitos, são g ênero s su prem os, que en cerram as espécies. D esde que o hom em pode con ceitu ar, é capaz de estab elecer categ o rias. Além disso, a Psicogênese nos m o stra que, n a c rian ç a , o conceito não su rg e 78 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S desde logo, m a s é precedido pelos anteconceitos, que são im a­ gens ou esq uem as in d ivid u ais, que se g en eralizam , a té p e rm i­ t i r que o nosso esp írito , p o r exclusão do heterogêneo, e consi­ d eran d o ap en as o hom ogêneo, o que se rep ete, o que têm de com um m u ito s indivíd uos, dê criação ao esquem a a b strac to , que é o conceito. N este caso, o que se estabelece como d iferen c ia l n ão o é, pois os a n im ais tam b ém são capazes de estab elecer an teco n ­ ceitos, como o d em o n stra m tô d as a s observações, e a te r a té um a lin guagem (o que j a é so cial), p a ra tr a n s m itir un s aos o u tro s o que sen tem , o que tem em , o que d esejam . Se os cha­ m ados “ con ceitos” an im ais, que são m ais anteconceitos, não têm um conteúdo, como o têm os nossos, que são esq uem as ab strac to s, tam b ém n a c ria n ç a êles não se dão como ta is, m as à sem elhança com os an im ais. C ontudo pode observar-se, e n tre c ria n ç a s c ria d a s com sím ios, que, a té um certo estágio, elas n ão se d iferen ciam , com eçando a d iferen ciação m u ito depois, quando os sím ios estacion am , enq u anto a crian ç a conhece o p ro gresso, p ró p rio da su a espécie. 8) mento. 0 O animal é esse7iciabnente acção e o homem ê pensa­ anim al é escravo da e s trita utilidade, e o hom em não. E s ta d iferen ça é objectada, p o r razões im p o rta n te s. O hom ein p rim itiv o , o n ea n d e rta len se , m o stra v a um a ten d ên cia ap en as u tilitá ria . N ão h á a s m an ifestaçõ es que vam os conhecer nos hom en s do período glacial. P o rta n to , o que se a p re s e n ta como u m a d iferen ç a fu n d a m e n ta l da espécie não o é. A não se r que n ão considerem os o n ean d e rta len se como homo, e isso nos colo­ c a ria então em o u tra s ap o rias, e não reso lv eria o problem a. P o rta n to , o que se dá no hom em , n este secto r, a in d a não é su ficien te. 9) O homem é capaz do acto inútil, pro clam a L econte de N ouy. O hom em pode re a liz a r acto s que não serv em m ais à s n e ­ cessidades do m om ento. Q uando o hom em revela acto s in ú teis? P re cisa m e n te no período in term éd io e n tre o p rim e iro período N O O L O G I A G E R A L 79 glacial e o segundo, n um m om ento de p lé to ra, de alim entação m ais fácil, de ócios, N esse perío d o é que su rg e a a rte , j á delin ead am en te h u m an a, etc. O ra, ta is acto s in ú teis te ria m a l s u fi­ cien te fu n d a m e n to p a r a explicá-los, e a d ife re n ç a não contém o que é exigível p a ra que se ja co n sid e rad a como tal. 10) O h o m e m é u m a n im a l qu e f a z p r o m e s s a s . Como vi­ mos, p ro m e te r im p lica t e r consciência d a possib ilid ade, pois o que é p ro m etid o não e stá a in d a em acto, m as em p otencia, pois o cu m p rim en to da p ro m essa é algo que, p a r a a tin g ir su a p e rfe i­ ção, tem de actu alizar-se. N e ste caso, o te r consciencia das pos­ sibilidad es se ria um ponto d iferen c ia l im p o rta n te . M as os a n ­ tropólogos a p re s e n ta m ta n to s exem plos de consciencia das pos­ sibilidad es nos an im ais, que n ão é possível n e g a r, nêles, essa capacid ade. C ertos p ássaros, em face do alim ento , a n te a p re ­ sença de um g ato, colocam-se nos galhos das árv o res. M as a l­ g u n s se a rris c a m p a ra con seg u ir o alim ento , e se alg u n s obtêm bom êxito, o utro s são a p a n h a d o s pelo g ato . No e n tan to , o fa c to de a lg u n s te re m m alog rado não im pede que o u tro s ten tem obtê-lo. M as h á m uito s p ássa ro s, m ais “ tím id o s”, m ais m edro ­ sos, m enos “ au d a z es” , que não o ten tam . H á um p e s a r de p os­ sibilidades aí. U m cão vem em d esab alad a c o rrid a pelo cam po. S u b ita ­ m ente vê à fre n te um reg ato . P á ra . Olha-o. V olta-se, a rm a um a c o rrid a de c e rta d istân cia, e dá o salto . É possível n e g a r a í que h á so pesam ento de possib ilidades? O h o m e m e a s p o ss ib ilid a d e s Os a n im a is revelam , p o rta n to , que são capazes de c a p ta r possib ilidades. M as o hom em é capaz de c a p ta r p o ss ib ilid a d e s d e 2)o ss ib ilid a d e s. Ê ste ponto é d iferen cial, pois n u n ca se notou a té a g o ra que os a n im ais fôssem capazes de c a p ta r a s possibilidades que podem a d v ir da actu alização de u m a possibilidade. 80 M A R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S O h o m o n e a n ã e r ta le n s is re v elav a essa capacid ade, pois a su a técnica o m o stra . R e s ta ria ao o bjecto r ap en as c o n sid e rar ta l a s­ pecto como j á contido n a cap tação da possibilidade, pois a ex­ p eriên cia p o d e ria m o s tra r ao s e r hum an o que, realizad o algo, êle podia fa z e r m ais alg u m a coisa. N este caso, êle p o d e ria te r fo rm ado um esquem a p rim á rio : fe ito isto, posso fa z e r aquilo. E j á teríam o s aq u i a g ên ese da captação da possib ilidade d a possibilidad e, pois êsse esquem a fáctico p od eria a c tu a r como anteconceito e, p o sterio rm en te, to rn a r-s e n um esquem a a b s tra c ­ to, fo n te e base do racio cínio m ais elevado. A in d a aqui encon­ tra ría m o s no hom em o que enco ntram o s tam b ém nos anim ais. M as qual se ria en tão o p onto de d istinção cabal e decisivo? M ais a d ia n te estud arem o s o u tro s aspectos d ife re n c ia is que ca ra cte riza m o esp írito hum ano. Os que a p resen tam o s aqui, a nosso ver, são su ficien tes. M as é preciso reconhecer que su rg em c e rta s a p o ria s que terem o s que a n a lis a r filo só fica e m e tafisicam en te. No exam e das concepções evolucionistas e não evolucionis­ ta s , pod eríam os dizer, colocados no campo d as p rim e ira s , que o ser h um an o é um se r que se diferencio u dos an im ais, a ssu ­ m indo as c a ra c te rístic a s que lhe são p eculiares. Segundo a posição não-evolucionista h a v e ria em nosso u n i­ verso um co n jun to de fo rm a s que seriam im u táv eis enqu an to tais. O m utacionism o, que se p o d e ria v e rific a r, não c o rre sp o n ­ d e ria a um a m udança da fo rm a (tra n s fo rm a ç ã o ), m as ap en as de c e rta s m odificações, que p erm an eceriam e n tre um m áx im o e um m ínim o da fo rm a. N este caso, as fo rm a s se ria m im u tá ­ veis enquanto tais, p erm itin d o u m a v aria b ilid a d e ap e n a s n um é­ ric a , e n tre m a x im u m e m in im u m , sem se d a r tra n sfo rm a ç õ e s, o que é exam inado o ju stific a d o n a “ T eoria G eral das T en sõ es” e em “ F ilo so fia C o n creta” . O hom em , p o rta n to , como fo rm a, se ria im utável, m as como ela adm ite um m a x im u m e m in im u m , que as coisas im ita ria m , N O O L O G I A G E R A L 81 os- seres hum anos, em su as d iv e rsa s ra ç a s, se ria m a p e n a s possi­ bilidades dessa fo rm a, que se a c tu a liz a ra m , e o u tra s que a in d a poderão actu alizar-se, sem se a d m itir u m a tra n s fo rm a ç ã o abso­ luta, u m a g e n e sis a y ló s, u m a g eração a b so lu ta, no sentid o que A ristó teles expõe, como vim os em “ A ristó te le s e as M utações” . N este caso, a ten são c o n creta do hom em fo rm a um esque­ m a e n tre n ú m ero s v ariáv eis. É v erd ad e que os estudos d a g en ética e da em briolo gia fa c i­ litam em p a r te essas a firm a tiv a s, como tam b é m as opostas, corno o m o stra a em briologia so bretu do . G enéticam ente o hom em é, em seus crom osom as e genes, d ife re n te to ta lm en te dos sím ios, que n ão p erten cem à m esm a fo rm a, m a s à o u tra . C o n tr ib u iç õ e s n o v a s É im p o rta n te s a lie n ta r o re su lta d o de c e rta s experiên cias re a liz a d a s n a U n iv ersid ad e de D uke, nos E sta d o s U nidos, bem como em o u tra s, que S tro m b e rg sin te tiz a e que, em b o ra seg uin ­ do o ru m o das ex p eriên cias m etap síq u icas, tro u x e ra m algum as sugestões que m u ito servem ao estudo que em preendem os. A s conclusões a que c h eg aram a lg u n s c ie n tista s actu ais, e e n tre êles E in ste in , é que o nosso u niv erso rev ela ao lado das ondas m a te ria is, e stud ad as p ela física, o n d a s im a te r ia is . A ssim , p o r exemplo, um n ê u tro n é m a te ria l, m as seu cam ­ po de g ra v ita ç ã o é im a terial. O átom o é com posto de p artíc u la s m a te ria is, n ê u tro n , p ó sitro n s, eléctro ns, etc., m a s reu nid os n u m a u nid ad e p o r um a e s tru c tu ra im a te ria l, e s tru c tu ra que os “ o rg a n iz a ” . A s ch am ad as fo rç a s ocultas d a físic a clássica são e s tru c tu ra s im a te ria is.E ssa s ondas m iste rio sa s, que preocupam hoje ta is c ie n tista s, actu am d en tro de n o rm as que u ltra p assa m as coord enad as da realid ad e m a te ria l (físico -qu ím ica). São 82 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S ondas guias, criad o ra s, que p erte n ce m a u m m undo que não é m ais tem po n em espaço, um m undo de etern id ad e, com as c a ra c ­ te rís tic a s , p o rta n to , do que as relig iões consideram o incorpóreo. P ro fu n d o s exam es, levados ao te rre n o da genética, c o rre s­ pondem ao p en sam en to j á exp o sto no cam po da física. C ite­ m os S tro m b e rg : “ Os áto m os e ra m olhados como com postos de elem entos m a te ria is — n êu tro n , p ó sitro n , eléctron, — cim en tado s ju n to s e o rg anizados p or um a e s tru c tu ra im a te ria l tem po-esp acial com a s “ m a lh a s” fin a s ou “ c élu las” d efin id as pelo q u an tu m de acção, e s tru c tu ra que n a físic a m o d ern a é olh ada como o su bs­ tra tu m o rg an izad o, e enchendo os átom os, as m oléculas, os c ris ta is e os corpos em geral. A m a té ria deve alg u m as de su a s p ro p ried ad es e stru c tu rá is ao cam po no qual as p arcelas de m a té ria são p o stas e êsse campo g u ia a s p arcelas no espaço e no tem po, e d ete rm in a os esp aça­ m ento s e, alg u m as vêzes tam bém , a sua con fig uração. A s ondas-pilotos p arecem d irig ir os m ovim entos dos eléct r o n s ; os eléctro ns não d irig e m os m ovim entos das ondas-pilotos. É n ecessário su p o r que o sistem a de ondas im a te ria is co­ m an d a a posição e o m ovim ento dos elem entos m a te ria is, e não vice-versa. A ssim supõe-se aqui que a p erd a de u m eléctro n p o r um átom o, é a n te s o efeito que a cau sa de um a m u dan ça n a e stru c ­ t u r a im a te ria l. E m resu m o, a e s tru c tu ra m a te ria l segue a s m utações da e s tru c tu ra im a te ria l, e é d e te rm in ad a p o r e s ta ” . Bem se vê aqui que a concepção de S tro m b erg não se coadu­ n a com aquela concepção e s p iritu a lis ta que a firm a a hom oge­ neidad e do e sp iritu a l, não m utável. No e n ta n to , se c o n sid erarmoa as m utações possíveis, apen as d en tro dos nossos esquem as p rá tic o s (de p ra x is ), as m utações exigem , p o r implicação^ a idéia de hetero geneid ade. M as a fo n te, as condições e as c a ra c ­ N O O L O G I A G E R A L 83 te rís tic a s dessas ondas im a te ria is não podem s e r ju lg a d a s pelos nossos esquem as. A ciência n ão tem e o absu rd o . E la sabe que os a bsu rdo s o são quando se opõem aos esq uem as aceitos. Se a ciência não teim asse em e n f re n ta r o que se d a v a con­ t r a a evidência, n u n ca te r ia ro m p ido nem se oposto à razão, a p rio rístie a , como j á sucedeu alg u m as vêzes. P lan ck e E in ste in h av iam sentido ta l n a física. E r a n ecessário te r coragem de e n ­ f r e n ta r o absu rd o , e a concepção co rp u scu lar e ao m esm o tem po o n d u lato ria, n um a fla g ra n te con trad ição , da físic a m o derna, co­ loca a ciência c o rajo sa m e n te d en tro d a d ialéctica, e n fretan d o os co n trá rio s, m as unindo-os p a r a u m a visão de con jun to, que se rá de g ra n d e p ro veito no fu tu ro . P ro ssig a m o s n as citações de S tro m b e rg : “ A e s tru c tu ra im a te ria l de um átom o ou de um c ris ta l não tem existên cia observável n a au sên cia de p arce la s m a te ria is. A despeito do fa c to que essa e s tru c tu ra p areça d e fin ir a posição e o m ovim ento das p arcelas, n ão tem os n en hum m eio de decidir se essa espécie de e s tru c tu ra tem u m a existên cia independen­ te ou não. Q uando um c ris ta l é dissolvido num líquido, p o r exemplo, pela e s tru c tu ra im a te ria l que co n stró i, o c rista l se dissolve n a s p a rte s m ais elem en tares que dão à s m oléculas in d iv id uais seu c a rá c te r e stru c tu ra l. M as a existen cia de c e rta s e s tru c tu ra s im a­ te ria is deve se r p o stu lad a a té n a au sên cia do elem ento m a teria l. P o r exem plo, a s ondas rad io fô n icas, sôbre as quais a voz h um a­ n a fo i im p ressa, devem te r um a e s tru c tu ra no espaço e no tem ­ po que re p re s e n ta as vibrações do som. A s ondas electro -m agnétic a s são ca u sa d as p o r eléctrons em m o v im en to ; m as as p ró p ria s ondas não lev am eléctrons, e v ia ja m no espaço vazio com a velo­ cidade da luz. Q uando elas tocam n a a n te n a de nossos postos recep tores, elas põem os electro ns em m ovim ento. A s co rrentes eléctricas, que d aí resu ltam , são am p lificad as e actu am sôbre os nossos alto -fa la n te s, e a e s tru c tu ra levada nos é re v elad a p ela fo rm a do som de um a voz” . 84 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S A s “o n d a s i m a te r i a is ” e a B io lo g ia E ssa s ondas só são o bserv áv eis quando em associação com p a rtíc u la s m a te ria is. E m b o ra im a te ria is so fre m m odificações quan to à su a activid ade. U m cam po de fo rç a s não pode e x istir sem as f o n te s que o alim en tam . São os eléctro n s e os núcleos atôm icos a fo n te de um cam po e lé tric o ; são os áto m os a s fo n tes de um cam po de g rav itação . N as radiações, a s fo n te s são re p re se n ta d a s pelos fe u to n s , de m a ssa zero, que têm de se r olhados como im a te r ia is . A té aqui estam os no cam po da física. E no cam po d a b io ­ logia? N ão são essas ondas que ac tu a m aqui m ais su b tis que as do m undo físico. As fo n te s v iv as são tam bém im a te r ia is , p en sa S tro m b e rg e seus colegas. E aqui a o b ra dêsses biólogos p e n e tra no estudo a c u ra d o da genética. A te o ria do “ cam po o rg an iza ­ d o r ” , essa “ onda de o rg an iza ç ã o ”, que S tro m b e rg cham a de g ên io , que e n c e rra um a sab ed o ria que u ltra p a s sa a n ossa com ­ preen são, d e te rm in a a e s tru c tu ra g eral do org an ism o dos d iv e r­ sos sêres vivos. O gênio é ap en as um a v irtu a lid a d e ; m as, p a ra tra n s fo r m a r essa v irtu a lid a d e n u m a realid ad e, é m iste r o que se cham a h o r m o n a (de h o rm o , em g rego, eu estim ulo, eu provoco a a c tiv id a d e ). U m a h o rm o n a pode se r um a su b stâ n cia quím ica, um im ­ pulso n ervoso ou um a “ onda eléctrica d otada de p ro p rie d ad e s esp eciais.” M as olha sem pre S tro m b erg a h orm on a como de es­ tr u c tu r a não m a terial. D esenvolve êle um estudo dem orado de div ersos aspectos da g en ética que n ão c ab eria aqui t r a ta r . E m conclusão a firm a : “ N u m a su b stâ n cia in o rg ân ica, como u m a m olécula ou um c ristal, to d a s as fo n tes (n êu tro n s, eléctro ns) são m a te r ia is e n ã o v iv a s , q u e r d izer que elas têm resíduos de m a ssa s fin ita s e d efin idas, e se rep ro du zem p o r elas m esm as p o r desenvolvi­ m ento. As p ro p rie d ad e s de e s tru c tu ra s dos sistem as de ondas associadas (ondas m a te ria is) n as su bstân cias in o rg ân icas são N O O L O G I A G E R A L 85 conseqüentem ente d efin id as p o r su as co n fig uraçõ es atô m icas e pelo cam po e x te rio r. N u m a su b stâ n cia viva, h á, p o r o u tra p a rte , fo n te s v iv as e im a te ria is, e seus sistem as de ondas, quando são postos em acção, e desenvolvidos pelas h orm onas, in te rv ém com as ondas m a te ria is e ten d em a fa z e r coincidir e a h a rm o n iz a r os dois sistem as de ondas. U m sistem a de ondas v iv as é su sten tad o p o r um a única fo n te e p o r um sistem a coordenado de fo n tes, m a s o sistem a de ondas, não viv as, de um fluid o com m u ita s fo n te s ind epen den­ te s e com u m a g ra n d e v aried ad e de freq ü ên c ia s a c tu a is ou em p otência, pode fácilm en te s e r m o dificado. A pós se a p ro fu n d a re m no estud o d a h e re d ita rie d a d e e dos genes, e d a origem e do desenvolvim ento da vid a, tem as que e stu d arem o s em o u tro s tra b a lh o s, co n jug and o ex p eriên cias e facto s, em cooperação com a s idéias físicas, d em o n stra S tro m ­ b erg que a in te rp re ta ç ã o m e ra m e n te m a te ria lis ta não pode m ais fu n d a r-se no que a ciência h o je a p re s e n ta . P o r um a in ­ dução co n stru c tiv a, a ciência, a tra v é s de su as ex p eriên cias e seus exam es, se vê fo rç a d a a a c e ita r um m u ndo que e stá além do tem po e do espaço, ao qual estam os lig ados a tra v é s de nosso esp írito . Ê sses g ê n io s de que fa la S tro m b e rg a ju d a ria m a nos expli­ c a r a fo rm o , e s p iritu a l do hom em . Ê sses g ê n io s u ltra p a s sa m o cam po d a físic a contem po râ­ nea. São e s tru c tu ra s im a te ria is, não d o tad as das p ro pried ad es do espaço e do tem po, e s tru c tu ra s d ife re n te s de as da física. São p ro d u to s de ag en tes so b re n a tu ra is, no sentid o de não serem co n stitu íd o s das coo rd enadas do com plexo tem po-espacial, que a físic a m o d ern a tem de c o n sid e rar como u m m odo de ser, e não o único m odo de ser, como o p re te n d e m os m a te ria lista s. Os crom osom as con stitu em um a e s tru c tu ra de um núm ero m u ito g ra n d e de g e n e s , com elem entos h e re d itá rio s elem entares. Podem os e s tu d a r os efeitos físicos dêsses g e n e s, como a cor de 86 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S um corpo, a s fo rm a s d as asas, etc., m as as m odificações d as sensações e d as im p ressõ es são d ificilm en te estu d áv eis pelos m étodos físicos. P rosseg u e S tro m b e rg : “ D issem os que os elem entos h ered i­ tá rio s são tra z id o s pelo cito plasm a, como pelos núcleos, e se os cham ados g e n e s ou g ê n io s ou o u tro nom e, depende ap en as d a d e f in iç ã o .. . Os pequenos corpos no citoplasm a, que são cha­ m ados p lástico s, tra z e m tam b é m ca rá cte re s h ered itá rio s. Os p la sta s se p e rp e tu a m p o r si m esm os e são, em su a m a n e ira de a c tu a r, um ta n to sem elhan tes aos m icro -o rg an ism os. Os clorop lastas, n a s células d as p la n ta s, são respo nsáveis pela pro dução da clorofila v erd e n a m a io ria d as p la n ta s e contêm êles m esm os clorofila. A lg uns clo ro p lastas n ão contêm cloro fila, e u m a se­ m ente, com um ta l clo ro p lasta anorm al desenvolve-se n u m a p la n ta b ra n c a sem clorofila. Sendo dado que os esp erm as e o pólem contêm pouco ou n a d a de citoplasm a, é claro que não im ­ p o rta qual dos fa c to re s h ered itá rio s, que são tra z id o s pelo cito ­ plasm a, pode ser tra n s m itid o p elas células g e rm in a d o ra s fê ­ m e a s; em o u tro s têrm o s, os c a ra c te re s co rresp on d en tes são tra n s m itid o s p o r h e re d ita rie d a d e m a te ria l a p e n a s.” G en es-o vo s são os nom es que dá S tro m b erg a essas fo rm a s im a te ria is, que se dão no U niv erso e que, em c e rta s c irc u n stâ n ­ cias, associam -se à m a té ria pela in fo rm a ç ã o , sem p e rd e r suas c a ra cte rístic a s. A ciência m o d ern a, so bretu do a física, que sab e e vive o simbólico de tô d as as su as a firm a tiv a s e a im possib ilidade de re d u z ir aos esquem as do m acro físico o m undo m icro físico , e êste, como símbolo, ao ser, que é acto, su sten tácu lo de nosso ex istir, e n c o n tra ela as su as fr o n te ira s na fr o n te ira da m e ta fí­ sica, em que am b as se fundem , q u er q ueiram q u er não m uito s físicos m enores. A v id a não pode se r red u zid a e explicada ap en as e x ten si­ vam en te, e m u ito m enos a in d a a v id a e sp iritu a l do hom em , c u ja com plexidade e p ecu liaridad e im plicam algo que u ltra p a s s a a visão m e ra m e n te ex tensista. N O O L O G I A G E R A L 87 H ip ó te s e s m o d e r n a s V olvam os a g o ra ao que estud am os a té aqui. A s c o n trib u i­ ções da an tro p o lo g ia sôbre o hom inídeo e a su a fo rm ação , desde a descida d as á rv o re s a té o desenvolvim ento a tra v é s de m ilê­ nios, são in eg àv elm ente m u ito sérias. M as h á um ponto onde se m p re os an trop ólo go s e n co n tram u m a d ificu ld ade in su p lan táv el. H á um in s ta n te em que êsse ho ­ m inídeo se viu, no período g lacial j á iniciado, a n te um d ilem a: p ro c u ra r as regiõ es quentes, como o fiz e ra m m u ito s dos seus, ou p erm a n e c e r e e n fre n ta r a nova situ ação . É possível que num a reg ião , um g ru p o pequeno ou a té um casal, resolveu p erm an ecer. P od e te r sido, como p en sa W ein ert, êste in s ta n te o p rim e i­ ro m o m ento de lib e rd a d e : um a escolha e n tre o bem de fic a r n a reg ião onde sem pre viveu, e o bem que lhe p o d eriam o ferecer as regiõ es quentes. Escolheu. Talvez poucos, m u ito poucos. Talvez e n tre êsses poucos, tiv esse su rg id o quem fôsse capaz de u s a r o fogo, de conservá-lo, e o conservou. Ou escolh eram ou fo ra m fo rçad o s p o r im p revistos. E sta m o s e n tre hipóteses, m as tô d as bem fu n d a d as. U m g ru ­ po p erm an eceu e sobreviveu, g ra ç a s ao fogo, p o r te r podido conservá-lo. E a s novas condições que daí d e c o rre ra m ex p licariam o re sta n te . T am bém a descida das á rv o re s não s e ria d ifícil de exp licar. M as o salto específico, a gênese do e sp írito en c o n tra sem pre um a dificu ld ad e a vencer. P o d e ria um cre n te d izer que tu d o isso sucedeu pela p ro vi­ d ên cia de D eus ( p ro e 'oidere, v er a n te s ). Tudo o que sucedeu j á e sta v a contido n a ordem u n iv ersa l em potência, porque, do con­ trá rio , não te r ia sido possível suceder. A criação do hom em fo i u m a p ro v id ên cia de Deus, um a possib ilidad e da ord em que, em c e rta s circu n stân c ia s, p e rm itiu que a lg u ns captassem o fogo e, m ais im p o rta n te ain d a, o conserv assem . E n co n tram o s êste m ito em tô d a s as g ra n d e s relig iões e em tô d as as cren ças dos p ov o s: A g n i dos h in d u s (o fo g o ), I g n is , dos rom anos, P r o m e te u dos M Á R IO 88 F E R R E IR A DOS SA N T O S g rego s, etc. E n co n tram o s essa cren ça n a C hina, n a Á frica, nos povos precolom bianos, em to d a a p a rte . A lguém dom inou o fogo, conservou-o, e to rn o u hom en s os hom inídeos. A u n iv ersa lia d e dessa cren ça é im p ression ante. E a h ip ótese c ie n tífic a e n c o n tra ria assim um a b ase n as p ró p ria s cren ças re lig io sas, que lhe d a ria m o v alo r ven erando do tem po e da u n iv ersalid ad e. Dêsse g ru p o , que a tra v é s dos m ilênios se d iferencio u, pelas m odificações do m etabolism o o d a técnica, su rg iu a fin a l o h o m o fa b e r , que a b riu cam inho ao hom o sa p ie n s . As d isp u ta s e n tre d ifu sista s e não d ifu sista s, n a A n tro ­ pologia, e n tre os que aceitam um p onto único de su rg im en to do hom em , que depois se d ifu n d iu pelo orbe, e os n ão -d ifu sista s , que aceitam te n h a su rg id o em pontos d iferen tes, encon­ tra ria m , n e s ta concepção, u m a solução. As d iferen tes ra ç a s de hom ens que enco ntram o s p od eriam se r explicadas pela d ifusão do elo com um . M as o hom em , que dom in ava o fogo, o que tra z ia a luz, o L u cifer ( lu x e fe r o , t r a ­ z er a luz) de alg u m as religiões, se ria êsse hom inídeo que se d iferen ciou, e to rn o u -se hom em g ra ç a s a te r conserv ado o fogo, tê-lo dom inado e produzido depois. N este caso, h a v e ria a d ifu ­ são do h o m o fa b e r e do h o m o s a p ie n s , que, m istu ra n d o -se com sê re s m ais p rim itiv o s, ter-lh es-iam levado a h om in ilidade e a s a p ie n tia . M as a dificuld ade p rin c ip a l não te r ia d esaparecid o. É a do e sp ir ito . Ê sse hom em tin h a um espírito , e ra p o rta d o r de um esp írito , e êste não pode se r explicado em term o s evolucionis­ tas, e m uito m enos em esquem as do m aterialism o , que é ineg av el­ m en te a m ais p rim á ria das filo so fías, se é que se pode consi­ d e ra r como tal. O su rg im en to do e sp irito é o tem a fu n d a m e n ta l. M as como su rg iu p recisam en te nesse hom inídeo, que se to rn o u h o m o s a p ie n s ? N O O L O G I A G E R A L 89 A fo r m a h u m a n a U m a pro v id ên cia da ord em u n iv ersal, um g e n e s n a lin g u a ­ gem de S tro m b erg , im a te ria l, incorp óreo, que enco ntro u , em certo m om ento, u m a m a té ria capaz de recebê-lo, e eis o h o m em ! A ssim como um g ra n ito b ru to não pode re c e b e r a fo rm a su btil, p erm itid a ao a la b a stro ou ao ouro, assim aquêle se r p re ­ c isa ria s o fre r c e rta s m odificações físicas, que lhe p e rm itiria m a d q u irir um a d essas fo rm as, a h u m a n a , que p re e x is tia de tô d a e tern id ad e. P ois se assim não e ra , como p o d e ria actu alizar-se no hom em ? A ssim como o u n iv erso em que vivem os a in d a não actu alizou tod as as fo rm as, e ssas perm anecem n a ord em do ser, a té que as condições p e rm ita m o seu advento. E ssa s fo rm a s são p a r a o nosso m undo v irtu a lid a d e s en­ q uanto não a c tu alizad as em su je ito s que se jam p o rta d o re s delas. N ão são elas, porém , m a te ria is , m as m odos de ser, que ch a­ m arem o s de fo r m a is ; outro s m odos de se r que, em nosso m undo te tra d im e n sio n a l (m undo do q u a te r n á rio ), actu alizam -se nos sêres corpóreos que se dão no com plexo tem po-esp acial. E assim como a fo rm a da m açã não se esg ota n a m u ltip licid ad e das m a ­ çãs, n en h u m a fo rm a , que é e te rn a , esgota-se, m esm o quando não possa m ais a c tu a liz ar-sc n e s te nosso m odo de se r te tr a d i­ m ensional. N ão podem os p ro sse g u ir n este tem a que já é um tem a m e­ tafísic o e a té teológico. M as a d ia n te , e stu d arem o s em que con­ siste o e sp írito , e tam b ém a alm a, e a s discussões que se oferecem . (1 ) Q uanto ao âm b ito da A ntro po g ênese, podem os d izer que o adv ento do hom em , no que se re fe re ao advento do seu esp írito, p erm anece a in d a como um dos seus m aio res problem as. (1 ) D e p o is d e es c la r e c e r o p o n to f u n d a m e n ta l q u e d is t in g u e o h o m e m d e o s a n im a is, é fá c il c o m p r e e n d e r o s fu n d a m e n to s d a N o o lo g ia , c o m o c iê n c ia d o es p ír ito . P S IC O G E N E S E T E M A I ARTIGO P S IQ U E , ALMA 1 E E S P ÍR IT O A ssim como a A ntropo gên ese tem p o r objecto o estudo das h ip ó teses e te o ria s sô bre o adv ento do hom em , a P sicogênese tem especificam en te p or objecto o adv ento d a P siq u e (g ênese e fu n ­ cionam ento d a alm a h u m a n a ). N a A ntro pogênese, estud am o s a s d iv e rsa s opiniões sôbre o adv en to do hom em e a nalisam o s posições como a te ísta , a m a ­ te ria lis ta , a g reg a, etc. H á necessidade, an tes de p ro sse g u ir n e s ta m a té ria , d istin ­ g u ir trê s term o s usados a té aqui, cujo esclarecim ento m u ito nos a u x ilia rá p a r a o fu tu ro . São êles: P s iq u e , A l m a e E s p ír ito , ta n ta s vêzes tom ados como sinônim os, m as que, n a P sicogênese como n a N oologia G eral, tê m de receb er ou to m a r um sentido m u ito nítido, a fim de p e rm itir o m elhor exam e de m a té ria s tã o im p o rta n te s p a r a a filoso fia. A p a la v ra p siq u e , de o rig em g re g a , tin h a p a ra os helénicos o sen tid o de alm a como fo rm a e p rin cíp io do corpo. N o o lo g ia O estud o filosófico da alm a cabe à M etafísica, c u ja re g ião é a N o o lo g ia . 96 M A R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S T om ás de A quino a todos os que se a v e n tu ra re m no cam po da m etafísica. M as c e rta s distinções podem se r estabelecidas desde início. A consciência dá-se n a tem p o ralid ad e, enq uanto a alm a dá-se n a e te rn id a d e ou a s p ira à etern idad e. O e sp írito pode se r objecto e m a té ria d a C iência, enquanto a alm a, como ta l, p erten ce à M etafísica. M as h á no esp írito um p on to que m etafisic a m e n te precisam o s tra tá -lo : é o asp ecto noológico. Se o e sp írito h um ano re fle c te suas ex p eriências, a tin ­ g e êle a certo s pontos, como j á vim os a té aqui, que u ltra p a s sa m o cam po da ex p eriên cia, como a posse v irtu a l da perfeição, c e rta s realizaçõ es d a tím e s e p a ra b ó lic a , a p en etração em cam pos, que n ão se dão n a experiên cia tem po-espacial cronotópica, como m a­ n ifestações m ísticas, que j á estudam os em “ O H om em p e ra n te o In fin ito ”. E s ta s nos o b rig am a p e n e tra r m ais p ro fu n d a m e n te n essa m a té ria e a u ltra p a s s a r os m étodos que a ciência oferece. O exam e da afectiv id ad e, tã o descuidado dos psicólogos, so­ b retu d o q uan to ao seu p ro fu n d o sentido e alcance, im plica e exige o em prego da m e tafísic a . Como o nosso te m a p rin c ip a l n e s ta m a té ria é a fo rm ação da psique, de antem ão devem os esclarecer um a posição de ordem dialéctica. O p síq u ic o e o fisio ló g ic o R edu zir o psiquism o ap en as ao fisiológico ou ao físico, é te n ta r re a liz a r um a hom ogeneização pela actu alização dos a s­ p ectos que se repetem . O psiquism o não se dá fo ra do corpo, do corpóreo, m as não pode se r apen as explicado p o r êste, pois o nosso psiquism o j á fo rm a um a tensão , que se d iferen cio u em su as funções, de ta l modo, que re a liz a um salto q u alitativ o , o que é c a ra c te rístic o de tôd as as tensões, q u a n tita tiv a m e n te ig u ais às p a rte s com ponentes, m a s q u alita tiv am e n te d ife re n ­ te s d estas. N O O L O G I A G E R A L 97 Podem os a c e n tu a r as d ife re n ç a s e cairíam o s n u m a fo rm a viciosa e u n ila te ra l in v ersa, se quiséssem os, em oposição aos acim a citados, con clu ir pela irre d u c tib ilid a d e to ta l, o que se ria p ro du to , p o r su a vez, de um a actu alização d as h ete ro g e n eid a ­ des e v irtu a liz a çã o das hom ogeneidades, o que é d ia léctica­ m en te falso. B usquem os, p o rta n to , a n te os dados que a ciên cia nos ofe­ rece, quais os p on tos de a n a lo g ia e n tre o físico e o psíquico, p a ra que p ossam os s a lie n ta r os asp ectos sem elhan tes e os d iferen tes, que e n tre am bos se podem o b se rv a r. O exam e dos fa c to s físico s m o stra -n o s a p resen ça de c e rta s n o rm as, não au sen te do fa c to psíquico. A ssim a lei do Bem, e x p re ssa d a p ro v iso riam en te pela busca do m a io r p ro v eito com o m en o r esforço, é um fa c to que se observa, ontològica e ô nticam ente, ta n to nos facto s físicos como nos psíquicos. E m su a activ id ade fisiológica, o corpo h um an o p ro c u ra o m aio r p ro v eito com o m en or esforço, e p siq u icam en te vem os a c tu a r a m esm a lei. F e r m a t nos ofereceu arg u m en to s em fa v o r d essa lei, como o exem plo do hom em que deve todos os dias a tra v e s s a r um te rre n o pedregoso, an tes de a tin g ir u m a p ra ia , onde pesca. Êle b usca o cam in ho que lhe re d u z a ao m ínim o a d esag rad ab ilid ad e de a tr a v e s s a r o te rre n o . E podem os o b se rv a r o m esm o nos c h a ­ m ados cam in hos de índios, de ro ça, etc., ònde a m a rc h a h u m an a p re fe re tu d o qu an to lhe im plique m en o r dispendio de en erg ia p a ra a tin g ir o fim desejado. N a observação da n a tu re z a , as m o n ta n h a s tend em às fo rm a s g eo m étricas e às posições que lhes se jam m ais conve­ n ien tes, segundo a obediência d as coord enadas d a nossa re a li­ dade. N ão se observa, n a n a tu re z a , e êste é um ponto im p o r­ ta n te , u m a ú nica vez, um a c on tradição e n tre a fin alid ad e e a causalid ade. A s leis d a física, como p o r exemplo, a ten são su ­ p erficia l, a de cap ilarid ade, m o stram -n o s como h á u m a obediên­ cia a u m a fin alid a d e c o n sta n te : obtenção do m a io r bem pelo m en o r esforço. 98 M A R IO F E R R E IR A DOS SANTO S N a n a tu re z a não h á d ispendios in ú teis nem ociosos. E m todos os acto s d a vid a, desde os m ais sim ples, dos m ic ro rg an ism os a té os sêres m ais com plexos, h á se m p re a obediência a essa lei, que se v erific a , p a te n te , no papel selectivo da osmose bio­ lógica (em con trap o sição fla g ra n te à osmose quím ica do in o r­ g ân ico ), c u ja s escolhas fisico-quím icas dos o rg an ism o s ten dem ao que m elhor lhes convém , e desviam -se de tudo q uan to lhes possa o ferecer danos. Os estud os m ais ele m e n tares da fisiología e da biologia são m u n iciad o res de asp ectos que não devemos esquecer, q uan­ do queiram os p e n e tr a r no cam po da “ P sico gên ese” . A evolução com pleta da célula à m ó ru la (co n ju n to de células, fo rm an d o um a nov a ten sã o ) e d esta à b lá stu la (em que, na ten são , h á d iferen ciação de fu nções e d iferen ciação c e lu la r), e d aí ao em baim ento, e dêste à g á s tru la — quando já o o rg an ism o rea liz a o em baim ento que vai d a r su rg im en to ao celentério e, conseqüentem ente, um a d iferen ciação de funçõ es — são bons exem plos. A d iferen ciação das células dá n asci­ m ento ao que g en eticam en te c o n s titu irá o arcabouço ósseo dos sêres m ais elevados pela calcificação das células c e n tra is. Êsses fa c to s são im p o rta n te s pelas an alo g ias que a p resen tam , p a r a a com preensão do fu n cio n am en to do nosso psiçimsnio. A fu nção diferen cial das células provoca a constitu ição d iferen cial das m esm as. E sta s, ao serem irrita d a s , contraem -se, como no caso da vorticela. Tem os aqui um p re c u rs o r d as célu­ las nervosas, sem as quais n ão se posiciona o psiquism o. As células n eu ro cu tân eas, que estão n a su p erfície do nosso corpo, n a cútis p o r exem plo, estão ju n ta s com os m úsculos. A célula n eu ro m u scular m o stra-n os o arco reflexo no seu fu n cio n am en ­ to, e ésta a fu n ção p rim o rd ia l do sistem a nervoso, que re u n e m ais ta rd e sensações com sensações, acções com acções. A irrita ç ã o vai se m p re da célula sen sitiv a à célula m otriz. Ê sse vai-e-vem é o reflexo. A irrita ç ã o vai p rim e iro ao centro (pelos n ervo s c e n tríp eto s) ; é aqui, p o r assim dizer, reflectid o, como um ra io lum inoso num espêlho, e volta então à p e rife ria , pelo nervo cen trífu go . N O O L O G I A G E R A L 93 U m e lem en tar estudo dos fa c to s bio-fisiológicos nos re v e ­ r ía que o d ife re n c ia r das células, an te as n ecessid ad es da v id a a n te a ex p eriên cia do ser vivo, p e rm ite p osicion ar-se o p siqu is­ mo, p or m eio de células d iferen c ia is, c u ja fu n ção é d efen siv a e coo rd enad a ao fu n cionam en to org ânico, do so m a (c o rp o ). R a iz b io -fis io ló g ic a d a p siq u e A psique h u m an a, p o rta n to , tem u m a ra iz bio-fisiológica e, no seu fu n cio nam ento , verem os q u a n to h á de a n alo g ia com os m ero s fa c to s fisiológicos. Se o sistem a nervoso diferenciou-se, e ten sio n alm en te tem um processo q u a lita tiv a m e n te d iferen te do fu n cio n am en to m era m e n te fisiológico, n ão se s e p a ra to ta l­ m ente, e tra b a lh a em cooperação com o re s ta n te do organism o. N ad a com preen deríam o s do psiquism o se não c o n sid e ra r­ mos o físico. N ão se t r a ta de re d u z ir um ao o utro , m as sim de d ialécticam ente reconh ecer que um psiquism o se dá n um a to ta ­ lidade, que é o corpo, pois, do c o n trá rio , fa ría m o s u m a psicologia a b s tra c ta e não con creta, o que d ialécticam en te não devem os d esejar. R econhecer que h á u m a base de id en tificação , e n tre oposições, na u nid ade, não é re d u z ir a s oposições um a à o u tra , senão no que é reductív el, reconhecendo adem ais o que h á de irred u ctível. E n tr e red uctib ilid ad e e irre d u c tib ilid a d e é o que o p en sa­ m ento dialéctico se pode colocar com se g u ra n ç a : o c o n trá rio é p ró p rio do p ro ced er ab strac c io n ista . E m todo o psiquism o hum an o, em su as ligações com os ou­ tro s sistem as, a irrita b ilid a d e , o tropism o, os reflexos, seguem desde o m ais sim ples dos fa c to s biológicos a té os reflexos incondicionados, os condicionados e os in stin to s, que j á a tin g ira m um g ra u elevado nos an im ais su p e rio re s e que, no hom em , são com­ p lem entados, p o r deficiência dos m esm os, devido à vid a social, pelos esq uem as sociais, éticos, que êle adq u ire. M as o selectivo, que observam os no plano da físico-quím ica e da biologia, pro ssegue m an ifestan do -se no cam po psicológico, sem p re obediente à m esm a lei do B e m : m aio r proveito, m enor 100 M A R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S esforço. E , à pro po rção que os corpos se to rn a m m ais com ple­ xos, v erifica-se que essa selecção se to rn a cada vez m ais r e s tric ­ ta , a té a lc a n ça r, no cam po noético, os valores, que é um p ro d u to d a captação, pela consciência, do selectivo u n iv ersal. A ten sã o n erv o sa, p o r su a p a rte , to rn a -se m ais in te n s ista à pro po rção que os sêres se com plexionam a té alcan çar, no hom em , um m áxim o de in tensid ad e. Sabem os que a célula n erv o sa é a célula m ais irritá v e l. N a conjunção do sistem a nervoso, observam os o reflexo, que é um m ovim ento c o n trá rio ao estím ulo recebido, e tam b ém a reacção, que já é um m ovim ento d ife re n te ao do estím ulo. N a reacção, h á sem pre o reflexo . N a cooperação das células que sen tem e das células que reflectem , fo rm a-se o sensòrio -m otriz, que já p erten ce a sêres com plexos. A capacid ade re fle x iv a do sistem a nervoso é um in v a ria n ­ te : m as as m odificações dos reflexo s e das reacções constitu em o v a ria n te dêsse sistem a. O se r h um an o vem ao m undo j á p re p a ra d o com seus re fle ­ xos, que são esquem as do sensòrio -m otriz, h e re d itá rio s, so m á­ ticos. O reflex o vai p e rm itir, p o sterio rm en te, a reacção, que é um a resp o sta. Êsse c o n ju n to dos reflexo s fu n d a m e n ta a b ase dos instinto s, pois êles se fo rm am em obediência tam bém à m esm a lei do bem (selectiva) e b uscam o m elhor p roveito com o m en o r esforço. J á sabem os que a org an ização é a função re g u la d o ra com­ p o sta desses reflexo s (esquem as do sen só rio -m o triz), que são h ered itá rio s. A adap tação dessa o rg an ização se p ro cessa bioló­ g ica ou psicologicam ente, pela acomodação dêsses esquem as ao meio am biente, e pela assim ilação do meio am b ien te ao que se assem elha aos reflexos. F a se s d a p sic o g ê n e se Se ex am in arm o s as d iv ersas fa se s da psicogênese an im al a té o hom em , podem os estabelecer qu atro , com as seg u in tes ca­ ra c te rís tic a s : N O O L O G I A G E R A L 101 1.a fa se ) N ã o h á c o n sc iên c ia . Os reflexo s são ap e n a s r e ­ flexos neurônicos, m as o c o n jun to j á to m a o asp ecto de um re fle ­ xo com plexo. T o d o r e fle x o é tó p ic o . 2.a fa se ) O s r e fle x o s d e te r m in a m - s e aos p o u c o s. (O es­ quem a e stru c tu ra -se em ten sõ es c o e re n te s ). Os n erv o s to rn a m se a fe re n te s e ineren tes, e co n stitu e m a m edula espin hal. A qui, com a com plicação dos reflexo s, que se e stru c tu ra m em ten sõ es esquem áticas, su rg e a rea cçã o . 3 .a fa s e ) É a d os a n im a is s u p e r io r e s — A m ed ula espi­ n h a l se d iferen c ia (ela recebe os estím ulo s e x te r io r e s ) ; já tem u m a fu n ção an alizad o ra e sin te tiz a d o ra (com o nos m o stro u P av lov com ta n ta ju ste z a, pois tem os ó rg ão s an alizad o res e sintetiz ad o re s, fu ncção dialéctica que fo rm a u m a unid ad e, o que se vê nos a n im ais que p assam dessa fa se p a r a a dos v e rte b ra d o s ). N a 2.a fase, a m edula esp in hal é in d ife re n c ia d a , o que n a 3.a se re a liz a p len am en te pela div isão fu n cio n al de a n a lisa d o ra e sin ­ te tiz ad o ra . 4.a fa se ) Ê a su p e r io r , pois aq u i a d istinção e n tre o sem e­ lh a n te e o d ife re n te j á ten d e a e s tru c tu ra r-s e em classificações s in te tiz a d o ra s com plexas, a té a lc a n ça r a classificação p or esque­ m as a b stra c to s, e não ap en as p o r esquem as concretos, como os reflexos, etc., o que c a ra c te riz a p ro p ria m e n te o pensam ento h u ­ m ano, ú ltim o estág io cien tificam en te conhecido d esta fase. A intu ição é irre v ersív e l, como sabem os, m as o acto o p era­ torio , que leva a c la ssific a r o fa c to ao esquem a a b strac to , é re ­ v ersível, pois re to rn a ao que se gen eralizo u (conceito) dos facto s a n te rio re s. Os in stin to s, que são reflexo s condicionados, que a tra v é s dos tem pos se to rn a m em inco ndicionados, são a lógica, o nexo, dos ó rg ãos, a lógica da vid a, que se com plica, seg undo a com­ p lex id ade do tipo. 102 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S C onsiderando todos êsses aspectos, que o ra sintetizam os, p ro cu rarem o s e s tu d a r a fo rm ação do psiquism o hum ano. P a r ti­ mos de u m a posição, a qual, sabem os, não é a c eita p o r todos os psicólogos. P a r a nós a crian ça, que n a v id a in tra -u te rin a nos re la ta a “ h is tó ria ” da an im alid ad e, na vida e x tra -u te rin a nos re la ta a “ h is tó ria ” da h u m an id ad e. Como o nosso in tu ito é e stu d a r a fo rm ação do psiquism o hum ano, devem os c o n sid e rar bem ta is aspectos. Sabem os que h á opiniões c o n trá ria s . M as observe-se que tais opiniões fu n d am -se nos m esm os p reconceitos re d u c tib ilista s que j á conhecem os, e não cap tam n a d a do sentido e s tru c tu ra l, da fo rm ação dos esque­ m as, na constru cção ten sio n al que se o p era em todo o univ erso, que há, de q u alq u er fo rm a, a b r ir ain d a, no fu tu ro , os olhos de ta n to s pesquisadores. N a “ T e o ria G eral das T ensões” , onde fazem os a p ro v a das nossas a firm a tiv a s , su b stitu ím o s a velha concepção a to m ista do m undo, a in d a d om in ante, p o r um a visão c o n ju n tu ra l, que re u n e as c o n ju n tu ra s em su as constelações, p a ra an alisá-las nos seus m ais sim ples con ju n tos ten sio n ais a té às tensões com po­ nentes. E ssa posição, aplicável em todos os planos do acon tecer cósmico, p e rm ite um a visão de conjunto e um a cooperação e n tre ciência, filoso fia, m e tafísic a e religião, unificando, assim , o conhecim ento epistêm ico, e evitando, de vez as velhas crises a b e rta s pelos que p ro cu ra m a d isco ntinu idad e apen as, p ro d u to de um ex ag erad o esp írito de abstracção , que os leva a s e p a ra r o que cósm icam ente se dá num todo, sob um a ordem que id e n ti­ fica todo o acontecer. T ais ru p tu ra s , levadas ao exagero, criam as e te rn a s a p o ria s da filosofia e da ciência. A concepção ten sio nal te r á que um dia ser p len am ente aceita, pois é ela que nos p e rm ite com preender p ositiv am en te que a o rd em u n iv ersal é um a só, e que há a cooperação de todos os con jun tos cósmicos. E xporem os a P sicogênese, segundo a consideram os. É in ú til s in te tiz a r as te o ria s p ro po stas. Podem os dizer de antem ão que N O O L O G I A G E R A L 103 o concreto, que oferecem , é aq u i coordenado d ialécticam en te, des­ p rezan do tô d a s a s po3Íçõe3 a b stra c c io n ista s, p o r d ialécticam en­ te fa lsa s, p o r serem excludentes. O m étodo analógico p erm ite-n o s co m p reen der as d iferen ç a s e as sem elhanças, p erm ite-n o s com preen der a igu ald ad e q uan­ tita tiv a e a d iferen ça q u a lita tiv a, e adem ais os salto s q u a lita ti­ vos, sem necessid ad e de n e g a r a p resen ça dos elem entos com ­ ponentes. T E M A II A R T IG O 2 A S E S T R U C T U R A S IN T E N C IO N A IS E V IV E N C IA IS N ão devemos co n fu n d ir os esquem as h e re d itá rio s com a técnica. D evem os d istin g u ir a ten d en cia, como em erg encia, de a técn ica. N ão a h erdam o s, m as sim a s ten d en c ia s (fac to res e m e rg e n te s ). Im p o rta n te esta d iferen ça, pois o que h erd am o s são e stru c ­ tu r a s in ten cio n ais ou vivenciais, esvaziadas de significações. A s p a la v ra s, p o r exem plo, p erten cem a um a técn ica de co­ m unicação social, e o fu n cio n am en to da intelectu alid ad e, o ope­ ra to rio e o rev ersív el da rac io n alid a d e rev elam u m dom ínio d a técn ica, pois são m eios técnicos. A ra z ã o não in tu i o facto em sua sin g u larid ad e, m as, sim , os sím bolos que a p o n ta m sig n ifica­ tiv a m e n te p a r a o esquem a a b s tra c to , p a ra a g en eralid ad e, que a ra z ã o concebe esq uem áticam en te, con stru in d o , p o r su a vez, o esquem a de um esquem a. O fa c to tem um a ten são, ou se dá n u m a tensão, do qual é d istinto . E s ta , p o r su a vez, te m um esquem a concreto, como o tem o fa c to (o esquem a concreto da m açã é um esquem a da ten sã o co n c re ta da m a ç ã ). A razão não c a p ta o esquem a con­ creto , o q ue f a z que a m açã se ja m açã, p o r ex., o p le th o s (nú m e­ ro do “ c o n ju n to ” p itagórico, que rea liz a o a r ith m ó s to n õ s, o n ú m ero da te n sã o -m a ç ã ), m as apen as um esquem a a b stracto , que é u m a e s tru c tu ra de significações, que, p o r sua vez, são re- 106 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S d uctív eis a o u tro s ta n to s esquem as a b stracto s, que se re fe re m sem p re ao g eral, hom ogeneizado pela razão. D esta fo rm a , o esquem a a b s tra c to da razão e stá rico de significações, in ten cio n alm en te re fe re n te s ao esquem a concreto dos facto s. A d efinição, como vem os, apen as a p o n ta p a ra êsses sign ificado s, pois d izer que "co rp o é a m a té ria e x te n s a ” , é um a defin ição fe ita de sign ificaçõ es a b stra c ta s, generalizações, ho­ m ogeneizações, m as n a d a nos diz sô bre o que é corpo em su a e n sid a d e , nem o que é extensão, nem m a té ria em su a e n s id a d e . A razão sa b e , sôbre os facto s, o que êles são a b stra c ta m e n te considerad os como generalizações. P o rta n to , vê-se fácilm ente que a razão é algo que sucede à intuição, a qual lhe é p rim o r­ d ialm ente a n te rio r. A razão não se e s tru c tu ra desde logo, como órg ão classificado r que é, com a funeção de fo rm a r esquem as a b stra c to s, como bem nos rev ela a c rian ç a , m a s a p o ste rio r i. No en tanto , ela não te r ia su rg id o se, no h ip o tético hom inídeo, não houvesse o q u e a p e rm itisse actu alizar-se. E relem b ran d o o que tem os escrito em todos os nossos tra b a lh o s, o su rg im en to dêsse fu n cio ­ n am en to o p erativ o, ju d ic a to rio e reversível do nosso esp írito , processou-se e com plexionou-se de ta l modo, que h oje podemos g en éticam ente explicá-la. E m u ito s dos aspectos que a in d a não exam inam os p a s sa rã o daqui p o r d ia n te a ser exam inados e ex­ plicados. (1 ). A razão, p o rta n to , já rev ela um a técnica. E a técnica ja m a is te r ia su rg id o no hom em sem a razão, sem a capacid ade da ge­ n eralização e da esquem atização a b stra c ta s. Nos an im ais, como vim os em certo s sím ios su p erio res, um in stru m e n to pode se r usado a c c id e n ta lm e n te , não porém te c n ic a m e n te , com consciên­ cia da re v ersib ilid ad e, o que p e rm ite ao hom em um a m em o ri­ zação d iferen te, como a in d a verem os. O ra, a técn ica não é h e re d ità ria m e n te tra n s m itid a , porqu e ela im plica a razão, e esta se e s tru c tu ra no hom em a p o s te r io r i, (1 ) A g ê n e s e e o d e s e n v o lv im e n to d a es q u e m a tiz a ç ã o h u m a n a sã o p o r n ó s e s tu d a d o s e m “T ra ta d o d e E s q u e m a to lo g ia ”. N O O L O G I A G E R A L 107 como nos m o stra a actu alização su cessiva d as possib ilid ad es que re a liz a a crian ça. A lém disso, se ria fá c il tam b é m con clu ir que ta l não se d a ria , pois a ra z ã o , tra b a lh a n d o com esq uem as a b s­ tra c to s, que são os conceitos, tra b a lh a , p o r su a vez, com e stru c ­ tu r a s p e ja d a s de significações, que ap o n ta m a isto ou àquilo, a êste ou àquêle o u tro conceito. Se as im agen s podem ser con­ sid e ra d a s como símbolos concretos, os conceitos são sim boliza­ dos a b strac to s, m as que, p o r su a vez, como já vim os no “ T r a ta ­ do de S im bó lica” , apo n tam a o u tro s sim bolizados, que se ria m os esquem as concretos dos objectos do conhecim ento ra cio n al (de q u alqu er espécie que sejam , m esm o os id eais e os fic cio n a is). A ra z ã o fun cio na, p o rta n to , com conteúdos esquem áticos, fo rm ad o s de outro s, em lu g a r de o u tro s, um a d as c a ra c te rís ti­ cas do símbolo. Podem os, ag o ra, volver ao p rin c íp io : falam o s n as e s tru c tu ­ ra s inten cion ais e n as vivenciais, que são conscientem en te p a ra nós vazias de significações. Q ueríam os dizer que além das es­ tru c tu ra s da razão (os conceitos, juízos, etc., fo rm ad o s de es­ quem as a b s tra c to s ), tem os o u tra s e s tru c tu ra s , que são intencio ­ nais, e não vêm rev estid as com conceitos, como são as que c a ra c ­ teriz a re m o s n este exemplo, em bora g ro sseiro . A lguém , d irigindo-se a o utro d iz : “ tin h a u m a coisa p-ara te f a l a r . . . m as que e ra n a v e rd a d e ? ” . . .“ A h! j á sei, e ra sô bre a situ ação a c tu a l.. “ M as que, n a verdade, e ra ? D eixa v e r se m e lem bro? Sim, e ra sôbre a s ú ltim as eleições. M as que e ra , m e s m o ? .. . A h! a g o ra sei, q u e ria sa b e r se não h á d úv ida q uan to à posse do can d i­ dato eleito .” A p rin cíp io apen as um a e s tru c tu ra inten cio n al (“ tin h a um a coisa p a r a te f a l a r ” ). S abe-se que tín h a m o s u m a coisa p a ra dizer, sabe-se, p o rta n to , que h á um a e s tru c tu ra intencion al em nós. M as a d eterm in ação nos escapa. O que ela p reten d e, não s a ­ b e m o s a in d a, m as sabem os que h á um a intenção. P o ste rio rm e n te se p re cisa essa e s tru c tu ra , j á te m u m a seg u n da significação (“ sô b re a situ ação a c tu a l” ). J á tem os um a determ inação. E , p o ste rio rm e n te , especifica-se de ta l modo a té re ceber tôda sig ­ n ificação , que a n te s e stav a v irtu a liz a d a . 108 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S V ejam os o sen tid o dessas e s tru c tu ra s inten cio n ais e das v iv enciais { p a th ic a s .) . Pode-se dizer, e assim o a firm a m m uito s, que h á um a ope­ ra ç ã o subconsciente, que nos dá seus resu ltad o s n essas e stru c ­ tu r a s intencionais, que su rg e m como im pulsos d irig ido s p a ra um conteúdo, que em g ra n d e p a r te nos escapa. A explicação é re a l­ m en te bem coo rd enad a, m as não nos diz tudo, n em o p rin c ip a l. E ssa s e s tru c tu ra s intencion ais, se algum as ex p ressam êsse o p erato rio subconsciente ou, pelo m enos, nos p erm ite m ad m i­ ti-lo, revelam , contudo, asp ectos m u ito m ais pro fu n d o s, que não podem ser explicados pelo m e ra m e n te operato rio , que se ria um com bin ar re v ersív e l de esquem as, m ecánicam ente considerados, o que nos leva a u ltra p a s s a r o exem plo que dam os acim a. E aqui estam os em fa c e de algo m ais p ro fu n d o da vida. P en e tram o s nos m itos e depois n a h istó ria . R am a, como nos con ta o “ R a m a y a n a ” , preocupado com a p este que a v assalav a seu povo, põe-se a m e d ita r sôbre o que p od eria curá-lo. S ú b i­ ta m e n te vem -lhe um a in sp iração . F o lh as de carvalho, cozidas de ta l modo, d a ria m um a tis a n a que sa lv a ria o povo. E x p e ri­ m en ta, e vence a epidem ia. V am os a o u tro s exem plos. Todos conhecera o que p o p u la r­ m ente se cham a de s im p a tia . A lguém crê que pode c u rar-se , to ­ m an do isto ou aquilo. Tom a e cura-se. V em logo um a explicação que n ad a e x p lic a : su g e stã o , como se n e s ta não houvesse um g e s­ t a r su b , que im plica p ositiv idad es, pois a su gestão não é um c ria r do n ad a, m as um o rd e n a r do que j á se dá. M as deixem os de lado a sug estão e lem brem o-nos que ta is sim p a tia s são aplicad as a ¿mimáis que não p o d eriam se r su g es­ tio nad os. O anim al tra ta d o , sobrevive. C asualidade, dizem . O u tra p a la v ra que tam bém não explica nada. A rg u m en tam com os anim ais que m o rrem . M as que a d ia n ta êsse arg u m en to an te os qus se salv am ? E os v e te rin á rio s têm observado ta is facto s, como tam bém os m édicos. E que dizer-se dessas in spirações, como a de N o strad am us, criando um m edicam ento que salvou m ilh a re s de vid as N O O L O G I A G E R A L 109 p a ra um a peste, que ain d a n ão so b rev iera, m a s que v ir ia asso­ la r a h um an id ad e? É fá cil (fu n d ad o n a n o ssa m ed ío cre com ­ p reen são d as coisas) dizer que tud o isso é p ro d u to da im ag i­ nação p op u lar. Se h á sábios que p ro c u ra m in fatig a v elm e n te e re a liz a m m ilh a re s de e x p eriên cias p a r a a lc a n ç a r um re su l­ tad o benéfico, h á o utro s que o a tin g e m su b ita m e n te p o r u m a in sp ira ç ão . C a p ta ç ã o do c o n c re to E x p lic a r pelo o p erato rio que se p ro cessa 110 subconscien­ te, quando êsse o p erato rio tra b a lh a com sím bolos, e não com o sim bolizado, não nos m o s tra que é m ais im p o rta n te o sim ­ bolizado que o sím bolo? A c h a r esquem as ab strac to s, a ra z ã o pode fazê-lo. M as c a p ta r oa esquem as concretos, como n a desco b erta de um a pos­ sib ilid ad e m edicam entosa, como ta l s e ria possível a tra v é s ap en as de esquem as a b stra c to s que a c tu assem m ecanicam ente no su bconsciente? Se o esq uem a a b s tra c to d a razão é a p en as u m a e s tru c tu ra g en e ra liz a d a e não c ap ta o concreto, que sem p re se dá no in d i­ vidual, como c a p ta ria o valo r m edicam ento so de um bem , sem que ta l v en h a de algo m ais p ro fu n d o ? Que a razão possa depois ra c io n a liz a r um a d escob erta, red uzind o-a a esquem as a b s tra c ­ tos, en tro sad o s racio n alm en te, n a d a h á de e x tra o rd in á rio . E desde que reconheçam os êsse p ap el a 'p o ste rio ri da razão, e a usem os nesse sentido, logo a ra z ã o se e x a lta em v alo r, pois, a 'p o ste rio ri, ela fu n cio na adm irav elm en te, enqu an to a p r io r i nos te m levado a m u ito s erro s. E x cep tu am -se as operações a p r io r i em que cia a c tú a como d ed u ctiv a de algo que já sabem os, fu n ­ d am entad o , de onde ela r e tir a a s idéias já im plicadas. P o rta n to , é preciso reco n h ecer que a s e s tru c tu ra s intencio ­ n a is e a s v iv enciais têm um a o rigem m ais p ro fu n d a n a vid a, onde todos nos identificam os, como sêres vivos, e, no cósmico, onde todos nos iden tificam o s como cósm icam ente org an izados. H á um a lin g uag em p ro fu n d a da n a tu re z a que nosso esp írito 110 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S ca p ta a tra v é s das frô n e se s m ais p ro fu n d as, e nos p e rm ite cons­ t r u i r e s tru c tu ra s intencion ais e vivenciais, que são “e sq u e m a s p á th ic o s ”. M as êsses esq uem as d istingu em -se n itid a m e n te dos racio n ais, como j á verem os. E a c e ita r essa capacid ade de p e n e tra r m ais p ro fu n d a m e n ­ te n a v id a e no cósmico, que e n c e rra a vida, e a lig a ao todo, não se rá d ifícil de com preen der a esp írito s lib e rtad o s do a b s tra c ­ tism o, que se p a ra p erig o sam en te, criand o abism os. Q uando um hom em de ciência, que se p ro clam a m a te ria lista , ou um m a ­ te ria lis ta q u alq u er n eg am ta is captaçõ es m ais longín quas, não estão êles n eg and o a p ró p ria ra iz m ais p ro fu n d a do e x istir, não estão, p o r excesso de a b strac tism o , neg ando a su a p ró p ria posição? C om preender ta is e s tru c tu ra s vivenciais e intencion ais, que escapam às c a ra c te rís tic a s da racio n alidad e, é d a r um salto na com preensão fu n cio n al noética, e a b r ir cam in h os novos p a ra novas investigaçõ es. A qui h á h eran ç a , não da técn ica, que j á é da razão, que é um órg ão técnico, como a técn ica é racional. H erd am o s essas es­ tru c tu ra s inten cio n ais e vivenciais, que predisp õem nossas te n ­ dências. A técn ica é ad q u irid a. A n ítid a d istinção e n tre o h erd ad o c a técn ica nos fa c ilita rá com preender a té a p ró p ria h ered ita rie d ad e , como tam bém a psicogênese (o desenvolvim ento de nosso p siq u ism o ), p a rtin d o do que a té aqui exam inam os. Podem os, p o rta n to , tr ilh a r o cam inho d a Psicogênese, e o que acim a dissem os p a s s a rá a ser cada vez m ais claro, a té alcan ­ ç a r um a com provação n ítid a , quando exam inem os os g ra n d e s tem as da “ N oo lo gia” . T li M A II ARTIGO OS GRAUS DA 3 IN T U IÇ Ã O P a rtin d o -se do plano físico-quím ico poder-se-ia dizer que a a fin id ad e quím ica nos rev ela a corresp on d ên cia de um elem en­ to a o utro , os quais p od eriam p re en c h e r um o esquem a do o utro . T ôdas as te n ta tiv a s de explicação, h ip o té tic a s no entan to , que n a quím ica se esboçaram p a r a a com preensão d a afinidade, constitue.m -se sem p re na adm issão de que um elem ento c o rre s­ ponde às p o ssib ilid ad es v a ria n te s da e s tru c tu ra do outro. E a com binação q uím ica re s u lta ria da fo rm ação de um novo esquem a-tensão , em que um a das p a rte s p re e n c h e ria a possibilidade de inclusão, p o r p a r te da o u tra ou o u tra s, co n stitu ind o, tôdas, d este modo, u m a nova unidade, com o seu processo c a ra c te rís­ tico co rresp o n den te. A ssim o hidro gênio, c o m b in â v e l com o oxigênio, te ria em si o que, com pletado p or aquele, d a ria em c e rta s c ircu n stân cias a á g u a . O h id ro gên io é a fim ao oxigênio, em c e rta s c irc u n stâ n ­ cias. N este caso, a seleetiv idade do e x istir, que é condicionada p ela p red isp o n ên cia d as coo rd enad as d a realid ad e (pois o h id ro ­ gênio, em o u tra s coordenadas, n ã o p o d e ria com binar-se ao oxi­ g ên io) é v ariá v el. In v ariav elm en te, o hid ro gên io, d ad as e sta s condições, e s ta s coordenadas, com binar-se-á com o oxigênio e, em o u tra s, ta l pode não se d ar. N este caso, o hid ro gênio te r ia um a p tid ã o de com bin ar-se e u m a ap tid ã o de não com binar-se. 312 M A R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S E m erg e n te m e n te se d a ria m e sta s d uas aptidões d istin ta s, a p a r de o u tra s, m as, a n te a v a ria b ilid a d e da predisp on ência, d ar-se-ia u m a o u tra. Vê-se, assim , que a selectividade, to m ad a ontològicam ente, é v ariáv el. A s s im ila ç ã o fis ic o -q u ím ic a H á, p o rta n to , im án en te, em ergível, um esquem a de aptid ão , quo p erm ite, ao acom odar-se ao m eio am b ien te (coorden ad as d a re a lid a d e ), a c tu a liz a r a assim ilação, que, n este caso, n ão se dá pela incorp oração tra n s fo rm a tiv a do o u tro neste, isto é, o oxigênio n ão se to r n a h id ro g ê n io ; nem o hid ro gên io, oxigênio. A assim ilação, p o rta n to , é d ife re n te da assim ilação biológica, em que h á tra n s fo rm a ç ã o do assim ilado que se corro m pe no que é, p a ra g e ra r-se em o utro , com o qual se hom ogeneiza. M an­ tém -se, p orém , a ap tid ã o h etero gên ea, pois, n a an álise quím ica, o hid ro gênio, ernbora v irtu alizad o , con tin u a sendo o que é, e o m esmo se pro cessa com o oxigênio. N este caso, a assim ilação d ar-se-á ap en as p ela co rresp on d ên cia de um ao esquem a-de-ap tid ão do outro, que é selectivo, pois p rocede com êste d ife ­ re n te m e n te do que procede com outro. N os esquem as da físico-quím ica, p o rta n to , a assim ilação n ão se dá como se o bserva n a biologia, salvo nas d esin teg rações atô m icas, em que h á tra n s m u ta ç ã o de um a e s tru c tu ra atô m ica que se corro m pe, p a r a d a r su rg im en to a um a nova e stru c tu ra , fo rm alm e n te o u tra , que v ai c o n stitu ir um novo ente, em b ora ato m icam ente os com ponentes perm aneçam fo rm alm e n te o que são, m as a to ta lid ad e fo rm a um a nova unidade, um a nova te n ­ são, com c a ra c te rístic a s d iferen tes. P o rta n to , poderíam os, a g o ra pelo m enos, estab elecer dois tipos de assim ilação q u ím ica: a m olecular e a electrónica, pois, n a tra n sm u ta ç ão , ter-se -ia de d a r u m a m odificação electró nica, que n a p rim e ira não se v e rific a ria . N O O L O G I A A s s im ila ç ã o G E R A L 113 b io ló g ica P assem os, ag o ra, p a ra o secto r biológico. A qui, j á vim os, a assim ilação se dá p o r in co rp oração no o rg ânico. O elem ento físico-quím ico p ro cessa as assim ilações físico-qu ím icas j á e stu ­ dadas, m as, ao in c o rp o rar-se ao elem ento org ânico, vai mole­ c u la r m en te com por-se em fo rm a s sem elh an tes às do orgânico, e o in assim iláv el e stá dejectado. E stam o s, em face de um modo de p ro ced er ten sio n a l d ife re n te : o m e ta b o lis m o , o qual c o rre s­ ponde ao in te re sse de um a to talid ad e, que é o se r org ânico, q u er em su a s p a r te s ten sio n ais, q u er como todo. A selectivid ade m a n ifesta -se tam b ém aqui, e obedece aos esq uem as do o rg an ism o , que assim ila segundo êles, e segundo o pro cesso esquem ático, que em b re v e estu d arem o s. O s e r vivo, como corpo (s o m a ), está im erso n a concreção. M as, q uando a tin g e o estág io com plexo em que se m a n ifesta m os reflexo s, êstes j á exigem u m a análise. O reflexo é um esque­ m a, e os reflexos condicionados e incondicionados tam bém são v erd a d eiro s esquem as. A re sp o sta ao estím ulo e x te rio r não é q u alqu er resp o sta. É esta ou aquela, e se corresp on de ao estím ulo, é proporcional ao estim ulado. H á um a assim ilação do estím ulo sem in co rp o ra­ ção do m esm o, que é ap en as estím ulo. A assim ilação aqui j á é d ife re n te da assim ilação biológica (do m etab o lism o ), que in ­ c o rp o ra o elem ento físico-quím ico ao orgânico. O estím ulo não é in co rp o rad o . A penas a d ife re n ç a de potencial, que êle e s tim u ­ la, m o difica o fu n c io n a r das c ro n a x ia s (c o rre n te s eléctricas das células n erv o sa s) e provoca a re sp o sta reflex a, n euro -m uscu lar. M as o esq uem a do reflexo fu n cio n a segundo o estím ulo. N este caso, o estím ulo a c tu a e s tim u la n d o . Êle não se eficien tiza no acto reflexo , a p en as é um a eficacidade que provoca, no p ro ­ cesso n eu ro -m u scu lar, m udanças de potencial. A assim ilação aqui j á é d ife re n te e fu n d am en talm en te psicológica, pois o estím ulo pro voca um a re sp o sta. A d iferen ­ ça de p oten cial a c tu a como sinal p a ra o reflexo, p o rta n to o r e ­ 114 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S flexo a ssim ila o sin a l do estím ulo, e não o in co rp o ra. O esquem a reflexo a c tu a ta n to p a r a êste como p a r a aquele estím ulo in d i­ vidual e, como reflexo , é o m esm o; procede do m esm o modo, e n a p ro p o rção v a riá v e l daquele. N este caso, no reflexo, h á um a in v ersão o u tra vez da ord em da fa se do processo de assi­ m ilação, o que não se vê, senão analógicam ente, e não unívoca­ m ente, nos p lan os da biologia e da física-quím ica. N as reacções, a com plexidade p erm anece obedecendo à m esm a ordem psíquica, d ife re n te das o u tras. A selectiv idade já actu a p o r o u tro tip o de esquem as. N ão é exag êro c o n sid erar que aqui já se p ro cessa u m a fa se elem en tar da intu ição (que é um c a p ta r do individual, como j á v im os). F ase s d a in tu iç ã o 1) In tu iç ã o p r im á r ia (in tu ição re fle x a ). 2) In tu iç ã o se c u n d á r ia , j á sensível, p or meio dos sentidos, a qual se dá quando da fo rm ação da m edula-esp inhal. E , conseqüentem ente, no desenvolvim ento da vida, u m a intu ição te rc iá ria e um a q u a te rn á ria , que s e ria m : 3) in tu iç ã o te r c iá ria , quando da fo rm ação do sistem a cérebro-esp inh al. S en sibilid ade an aíítico -sin tética, com fo rm ação de esquem as dos esquem as, pois os esque­ m as an alíticos se ria m assim ilados a esquem as m aio­ re s que os con teriam . E ssa acção sin te tiz a d o ra j á im ­ p lica um esquem a de esquem a, com suas assim ilações, que seriam fu n d a m e n ta is p a ra a com preensão da in ­ te lig ê n c ia ; e fin alm en te, p o r ora, a 4) in tu iç ã o q u a te rn á ria , intelectual, com d istinção do se ­ m elh an te e do d iferen te, p ró p ria dos seres m ais desen ­ volvidos, e que, no hom em , to rn a -se capaz de e s tru c tu ­ r a r o processo o p erato rio d a razão como órg ão classificad o r, etc. N O O L O G I A G E R A L 115 Como nos in te re ssa a g o ra o estudo d a psicogênese h u m a­ na, podemos p a r ti r d esta intu ição q u a te rn á ria , pois a crian ça, desde os p rim e iro s m om entos, m o stra-n o s que além daquelas intuições, possui e sta q u a rta , que a pouco e pouco v ai p re cisa n ­ do-se fo rtalecendo-se, até p e r m itir a co n q uista d as o u tra s jntuições, que no fu tu ro estu d arem o s. F a se s do h o m e m A té aqui, ta n to a in telectualid ad e como a a fe ctiv id ad e ain d a n ão se p ro ce ssa ram em e s tru c tu ra s se g u ras. O ser está im erso no concreto, vive no concreto, é o concreto. Dêle sa irá , afin al, p a r a c o n stitu ir a fa se do a b strac tism o , que t r a r á seus fru cto s, m as que, p o sterio rm en te, lhe p e rm itirá um re to rn o ao concreto, m as su p erad o ( A i i f h e b v n g ) , que é típ ico da fa se ad u lta , quando d ialécticam en te bem o rien tad a, como a in d a verem os. D issem os que a crian ç a rep ete, n a fa se in tra -u te rin a , a h is tó ria filog enética, a an im a lid a d e ; n a fa se e x tra -u te rin a , a h om in alid ad e. Q uanto ao modo de pro ducção, estabelece a antro p olo gia que o hom em passou p or q u a tro fases p rim á ria s , um as sucedi­ d as às o u tra s, n as quais conservou as p rim e ira s, m as tam bém conheceu reg resso s. E ssas q u a tro fa se s são: 1 ) O hom em foi colector (colector de fru to s, an im ais, etc.) 2 ) O hom em foi caçador, sem d e ix a r de ser colector. 3) O hom em foi a g ricu lto r, sem d eix ar de se r colector, e o ra caçador. 4) O hom em fo i dom inador, d om esticad o r de anim ais, sem a b a n d o n a r to ta lm en te a s trê s p rim e ira s fases. A 5.a fa se , a nossa, s e ria a do hom em in d u stria l, n a qual n ão ab an d o n a as q u a tro a n te rio res. 116 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S E ssa s fa se s conhecem re g re sso s e com binações v á ria s, em que há m ais in te n sid a d e e extensid ade, o ra de um a fase, o ra de o utra. A c rian ç a , n a su a v id a e x tra -u te rin a , re p ete h isto ric am en ­ te essas fa s e s : 1) É c o le c to r — leva tu d o à bôea. Mede, conhece, sa be (lem brem o-nos de sa b o r) as coisas pelo tac to bucal. A libido é p re d o m in an tem en te bucal. 2) A fa s e de c o le cto r e c a ç a d o r , em que se dá o desen ­ volvim ento do tacto , d a apreensão, em que a c rian ça c a p ta , caça an im ais, persegue-os, etc. 3) A c r ia n ç a é a g r ic u lto r, g o sta de b rin c a r com a te r ra , p la n ta r, etc. 4) A c ria n ç a é d o m e stic a d o ra , g o sta de te r anim ais, c u id a r dêles. E ssas fa se s podem se d a r n itid a m e n te um a em co m p ara­ ção com as o u tra s, e são n o rm alm en te observáveis. H á psicólogos que as negam , p o r n ão com preenderem o que são a s e s tru c tu ra s in tencion ais e as vivenciais, e querem tu do ex­ p lic ar pelo desenvolvim ento intelectual, que a p rio ristic a m e n te pouco ou n a d a explica. A d m itir que a c rian ça ap ren d e, sem te r ap tid ã o p a ra a p ren d er, a c e ita r fa c to re s p red isp on en tes, sem com preender que a au sên cia da em erg ência tir a r ia a re sso ­ n ân c ia daqueles, leva-os à s sim p listas explicações que não ex­ plicam n ad a , e não p e n e tra m no que há de m ais p ro fu n d o n a v id a e no cosmos. * * O psiquism o hum ano não su rg e como um lodo actu alizad o , j á acabado. Ê um longo processo que está n a b ase do exercício dos reflexos, so bretu do dos reflexos do sensório -m otriz. N O O L O G I A G E H A L 117 As reações, c u ja s c a ra c te rístic a s j á estud am o s, a p re se n ­ um desenvolvim ento h istó ric o im p o r ta n te : a p r im e ir a rea cçã o , e as subseqüentes, que se d iferen c ia m d a p rim e ira . ta m P a rta m o s, n a crian ça, da p resença, pelo m enos, de um reflexo que todos aceitam , o de su cçã o , que in te rre s s a às fib ra s c e n tríp e ta s do trig ê m io e do glosso fa rín g e o , às fib ra s fa c ia is do hipoglosso e do m a stig a d o r, com su as ram ificaçõ es no bulbo ra q u id ia n o . E stam o s em face de um a com plexidade im p o rta n te , que não devem os esquecer. A crian ça, ao n ascer, re a liz a a sucção em seco, acom pa­ n h a d a de gesto s d esordenados dos b raço s, rem o v er d a cabeça. Se se to c a r com as m ãos nos lábios, su rg e o reflexo da sucção. N ão h á ain d a correlação dos m ovim entos. M as a p ro tu são dos lábios se pro cessa, pro vo cada pelo p ru rid o libídico. M as, à p rim e ira m am ad a, h á um a m odificação da em erg ên ­ cia. N a sucção em seco não h á in g estão, m as n a m am ad a h á in ­ g estão de leite, que, pela p o s tu ra d a c rian ça fav o rece a deg luti­ ção, que se p ro cessa p o r reflex o s postos em m o vim ento, s u r­ gindo um a seqüência de esq uem as (pois h á aqu i inú m ero s re fle ­ xos, que se dão c o n tig u a m e n te ), que sc coordenam . A repetição, m u ita s vezes, não os põe desde logo em m o vim ento; é preciso a u x ilia r a crian ça. H á as que logo se a d a p ta m (a ad ap tação se p ro cessa p ela acomodação do esquem a ao facto e pela assim ila­ ção d ê s te ). O p ro g resso v erifica-se d ia ria m e n te , e a coordenação de ta c te am en to s se m a n ifesta, obedecendo aqui a ex p eriências e e rro s, a té o rg an iza r-se o esquem a que convém , que obedece à lei do bem . Tem os aqui o que h á de positiv o nos defen so res da concepção do “ tr ia l and e r r o r ”, sem ex clu ir o que h á de p osi­ tiv id ad e n a s o u tra s concepções. P o ste rio rm e n te , se se lhe d er o dedo, ela o repele. F alta-lh e a com pletação do esquem a (in g estão do leite) ; e o esquem a in- 118 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S com pletado provoca d esp razer, porque não alcança sua p e rfe i­ ção, que está n a p len a actu alização , no seu b em . O d esp razerp ra ze r, que fo rm a a p rim o rd ia l p o laridad e da v id a p síq u ica da crian ç a su rg e desde a fa se u te rin a , e fo rm a v erd ad eiro s esque­ m as in tra -u te rin o s que h isto ric a m e n te se re p etem em actu alizações, com g ra u s de in te n sid a d e m aior, desde o n ascim en to , desde o p rim e iro tra u m a do p a rto , da a n g u s tu ra a n te as p ared es da v agina, e stre ita s, o que m a rc a h isto ric am en te a base do es­ quem a d a a n g ú stia p a ra os p sican alistas. P o rta n to , o esquem a do p ra z e r-d e sp ra z e r j á se fo rm ou, e h isto ric am en te fu n ciona, ag reg a n d o todos os esquem as in fa n ­ tis . P o r isso, todo esquem a novo incom pletado liga-se ao esque­ m a do d esp razer. A c ria n ç a rep ele o dedo, ago ra. M as note-se que antes não o rep elia. P o rq u e a n te s lhe d av a p ra z e r. M as, fo r­ m ad a a coordenação do esquem a de sucção com o de deglutição, e êste com o aplacam ento do d esp raz e r da fom e, ela a g o ra , a n te o novo esquem a, que su b stitu iu o p rim eiro , “ sen te-o ” incom ­ pleto. R epele, p o r isso. O bserve-se a h isto ric id a d e dos esquem as que se com plexionam e c riam situações n ovas (G noseològicam ente, aten te-se p a ra estes p o n to s : os idealistas e ra m positivos n a afirm a ç ã o da a ssi­ m ilação, e os re a lista s p ositiv os n a a firm ação da acção do objec­ to an te a h isto ric id a d e do esquem a. N ossa visão, p o r dialéctica, c a p ta e concreciona as duas positiv idades, sem necessidade de c a ir no u nilate ra lism o de am b o s). M as a crian ç a volta a su cccionar e a rep elir. F in alm en te, com uns 20 d ias, succiona o p ró p rio dedo e às vêzes o dorso da mão. A qui j á o p rim eiro esquem a, com ponente do de su cçã o -(le g lu tiç ã o -a p la c a m e n to da fom e, desdobra-se no de sucção p a ra fo rm a r um novo esquem a que com pleta o p rim e iro de sucção do dedo, m as a ju n ta -lh e a agrad ab ilid ad e. No p rim e iro caso tiv e m o s : sucção do dedo m a is a g ra d a ­ bilidade ; N O O L O G - I A G E R A L 119 no seg undo : sucção do m am ilo com deglutição do leite e aplacam en to da fom e m a is ag rad a b ilid a d e . A n te êste segundo esquem a, a rep etição do p rim e iro não co n tin u a a ag rad a b ilid a d e com o g ra u de in te n sid a d e do segun­ do. A d iferen ç a de a g rad a b ilid a d e é a c tu a liz ad a como d esag rad abilid ad e. R epele-se o p io r pelo m elho r, observe-se, H á escolha, a q u i, m a s j á p sic o ló g ic a , o q u e ê im p o r ta n te . No q u a rto caso, h á sucção re p e tid a do dedo, m a s fix ação m ais se g u ra do dedo pela re p etição , e m elh o r dom ínio dos m o­ vim entos j á coordenados. N ova a g ra d a b ilid a d e de m a io r in te n ­ sidade, que re p ete a a g rad a b ilid a d e do p rim e iro caso. A ceita-o, m a s p r e fe r e a sucção no m am ilo. Se se lhe d e r o m am ilo, e r e ti­ rá-lo em seg uida, oferecendo-lhe o dedo, ela succiona-o a p rin ­ cípio, m as repele em seguida, e p ro te sta . Se se lhe p ôr o m am ilo e se r e t ir a r um pouco p a r a o lado, p ro cu ra-o succionando o seio, busca-o e, ao alcançá-lo, apega-se com so freguidão. Como j á se com plexionaram e x tra o rd in a ria m e n te os esque­ m as enriq u ecido s pela c o n stan te e x p e riê n c ia ! H á distinções n iti­ d am en te estabelecidas, v alo raçõ es m a n ife sta s em sua p rim o rdialid ade, acom panh adas de sin a is de sa tisfa çã o ou dc in sa tis­ fação, de reacções p ro te sta tiv a s , choros, etc. J á estam os em face de um a coordenação com plexíssim a de esquem as que, de sim ples, co o rd enaram -se n a fo rm ação de es­ quem as que já são con ju n to s de o u tros, e que têm um a historicid ad e. (Ê ste ponto, im p o rta n te p a ra estudos fu tu ro s, perm itir-n o s-á co m p reen d er a analo g ia que h á e n tre os esquem as e a s G e s ta lte n (as e s tru c tu ra s da G e s ta ltth e o r ie ) . O ponto de di­ fe re n ç a e stá n a h isto ricid ad e. Os esquem as são G e sta lte n , m as com h istó ria , enquan to aqueles são a h istó rico s e im u tá v e is). F açam o s alg u m as observações. O reflexo de sucção é h e re ­ d itá rio , como são h e re d itá rio s os reflexo s do sensório -m otriz e sua aptid ão . V im os ao m undo com um a o rganização de esque­ 120 M A r jO F E R R E IR A DOS SANTO S m as, que são postos em fu n cio n am en to , como os sentid os, etc., n a pro porção que se dão n o ssas experiências. M as o esquem a de sucção n ão se a d a p ta logo. É preciso o exercício, a repetição . A acom odação cresce, e tam bém a a ssi­ m ilação. A sucção, que é in stin tiv a , é, como tal, p assa g e ira . O in stin to desap arece, m as j á ten d o dado su rg im en to aos esque­ m as, ê ste s fu n c io n a m p o r ela. Os in stin to s são a lógica, o nexo dos esquem as do sen só rio -m o triz em fa c e dos órg ãos, e do o rg a ­ nism o em g eral. M as, aqui, j á os esquem as o su b stitu em , actu am p or êle, com seg u ran ça, p a r a o bem do org an ism o. E ssa m u tação da função, que de in stin tiv a p assa a se r es­ q u em áticam en te psicológica, é um p onto im p o rta n te , porque é o fu n d am en to do salto q u alita tiv o que ain d a verem os. O hom em pode d irig ir, a n te a ausência dos in stin to s, o seu psiquism o p a ra a cordenação de esquem as m a is com plexos. A inteligência, p o sterio rm en te, é um m eio de s u b s titu ir os in s tin ­ tos. É um sa b e r adqu irid o , que vai fu n d a m e n ta r os hábito s. Se ao n asce r não o p e ra r o in stin to de sucção, êle logo se p erde. O bserva-se o m esm o a té nos anim ais, que, alim en tad os pela mão, negam -se depois a succionar. Os reflexo s consoliclam-se pelo fun cio nam en to . E êsse consolidar-sc é im p o rta n te , porque o esquem a a c tu a como g e n e ra ­ lizador. O esquem a é posto em fu n cio nam ento p a ra êste e p a ra aquêle e p a r a o utro s casos. E a assim ilação a c tu a um a recognição do estím ulo. Tem os aqui, p o rta n to , os fu n dam en to s de um a activ id ad e reco g n itiv a e g en e ra liz a d o ra dos esquem as, a n te c i­ pação do que p o ste rio rm e n te serão os ante-conceitos, depois os conceitos, e, fin alm en te, o desenvolvim ento su p e rio r da vid a psicológica. A g e n e ra liza ç ã o do e sq u e m a A g eneralização do esquem a se dá sem que a inteligên cia e ste ja su p e rio rm e n te e s tru c tu ra d a . É precisam en te a g e n e ra li­ zação que v ai p e rm itir essa e stru e tu ra ç ã o p o ste rio r. A c rian ç a N O O L O G I A G E R A L 121 g en eraliza pela assim ilação co n stan te, com tra v e s s e iro s , panos, dedos, objectos, etc. E é essa g eneralização que se pro cessa n a fa se em que leva tud o à bôca. N ão succiona só p a ra com er, m a s j á pelo p ra z e r de succionar. O succio nar é a g o ra autotélico , tem um fim em si m esm o, e ten d e ao p ra z e r que nêle se in c o rp o ra. O ra, o ludus (b rin q u ed o ) é auto tético, e a g rad áv el. E sta m o s a n te um lu d u s p rim á rio do sensorio -m otriz e j á bem psicológicam ente de­ senvolvido. A crian ç a 6 p rá tic a ; re je ita o que lhe não convém , aceita, o que lhe sa tisfa z . Seus tac te am en to s são crescen tes, c os esque­ m as tác te is com plexos coordenam -se com os da sucção e outros. A com plexidade esquem ática cresce con stan tem ente. D esenvol­ vem -se su as sensações acú sticas e tam bém a sensib ilid ad e tá c tilo -g u stativ a, as q uin estesias. N ão têm a in d a reações globais, porque os g ra n d e s conju n to s dos esquem as a in d a não se coor­ d en a ra m a ponto de fo rm a r u m a e s tru c tu ra de constelações es­ quem áticas. Tam bém , p o r isso, não se d istin g u e do meio a m ­ b iente. A s suas assim ilações são apen as de conjunto. N ão pode se p a ra r, cla ssific a r, o que só p o ste rio rm e n te se d a rá , p erm itin d o a fo rm ação da in telectu alid ad e e, ne&ta, do o p e ra to rio racio n al. A assim ilação co n stitu i um processo com um à v id a o rg ân i­ ca e à activ id ad e m ental, p o rta n to um a noção com um à F isio ­ logía e à Psicologia. A luz, p o r exemplo, alim e n ta os olhos. A luz é abso rv ida e a ssim ilad a pelos tecidos sensíveis. A assim ilação p erm ite d a r con ta da rep etição . Não h a v e ria rep etição c a p ta d a sem assim ila­ ção, e cad a nova assim ilação sed im en ta ex p eriên cias an te rio res. N a crian ça, h á necessidades de ordem fu n cional. A assim ilação biológica sobrevêm da selecção biológica, que se estabelece num plano ten sio n al d ife re n te d a selecção física, m as que revela a lei da selecção da n a tu re za , caracte­ rís tic a do e x istir, que já é, de p e r si, um acto selectivo, porque 122 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S escolhe. Todo e x istir é selectivo. E s tu d a r a p re fe rê n c ia disto àquilo co m p etiria, n este caso, à Biologia, e, n a realid ad e, já é um dos seus m aio res problem as, que u ltra p a s sa m até o seu cam po, p a r a p e n e tra r no da filoso fia. TEMA II A R TIG O AS REAÇÕES 4 C IR C U L A R E S A g ra n d io sa o bra que realizo u Je a n P ia g et, o n otável psicó­ logo e b io log ista suíço, exige que lhe façam os e lhe p restem os a hom enagem que m erece. F o ra m os seus e x tra o rd in á rio s e s tu ­ dos sô bre a psicogênese, onde exam inou d em orad am en te os es­ quem as e a su a form ação, o que nos p e rm itiu c o n stru ir, com alg u m as v a ria n te s m ais de índole filosófica, a su a e x tra o rd i­ n á r ia concepção. O que tem os exposto, e o que exporem os, n ão te r ia sido possível re a liz a r dêsse modo se não tivéssem os a nos a u x ilia r a o b ra g ra n d io sa dêsse hom em , cujos fru to s em b reve a m ad u recerão . P ia g e t a b re cam inho a n ovas investig ações e vem d e s tru ir m u ita s das c a ra s concepções de ta n to s psicólogos, que teim am em não m o d ific a r suas idéias a p e sa r dos estudos a c tu a is os d esm entirem . É p re fe rív e l silen ciar ou, então, estab elecer um a c rític a in fu n d ad a, como a q ue podem os o b se rv a r em W allon e o u tro s, que deform ando o p en sam en to de P ia g e t (velho costum e n a filo so fia ta m b é m ), re fu ta ra m -n o , não pelo que êle disse, m as pelo que p e n s a m que disse. F arem o s aqui um a sín tese dos estudos realizado s p or êle, a c re scen tan d o as nossas contribu ições que, p o r serem d ialécti­ cas, con stró em u m a concreção d iferen te ao seu pensam ento, sem m odificá-lo n a sua essência, m as ap en as com pletando-o com o 124 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S que lhe fa lta , que é de con tribu ição do secto r p ro p ria m e n te da filosofia. A d a p ta ç ã o h e r e d itá r ia e a d a p ta ç ã o a d q u ir id a Com o d e c o rre r d as ad ap taçõ es h e re d itá ria s, essas se in ­ te g ra m p ro g ressiv a m e n te às activ id ad es corticais, associações ad q u irid as, h áb ito s ou a té reflex o s condicionados. A ad ap tação h e re d itá ria não n ecessita de n en h um a p re n d i­ zado, m as a ad a p ta ç ã o a d q u irid a im p lica um apren d izado re la ­ tiv o com dados novos do m eio e x te rio r, ao m esm o tem po que im plica um a “ in co rp o ração ” dos objectos aos esquem as assim diferenciados. H á d ificu ld ades p a r a in te r p r e ta r a acquisição re a l e a coor­ denação p re fo rm a d a . A coordenação dos reflexos não é h e re d i­ tá r ia (assim se ju lg a ) — não h á um in stin to de su ccio n ar o dedo — é a ex p eriên cia que explica a form ação. É difícil e sta ­ belecer a fr o n te ira c la ra e n tre o p u ro reflexo e a utilização da experiência. N a sucção, observável, a crian ça pro cede p o r tacteam en tos, e é o su c esso (bom ê x ito ), que lhe d á a significação. N o caso d a p reensão , um a coisa c re p e tir in d efin id am en te um a m an o b ra que su rtiu efeito, e o u tra é te n ta r in u tilm en te to m a r um objecto em u m a nova situação. A rep etição do ciclo re a lm e n te adq u irid o ou às v ésp eras de ad q u irir-se, é o que B ald w in cham ou de “ reacção c irc u la r”. É esta con d uta que c o n stitu irá o prin cíp io da assim ilação, p ró p ria do segundo estágio. P ro tu sã o da líng ua, sucção dos dedos, sucção a seco, com­ binação de reflexos, m ovim entos dos braços, m ovim entos coor­ denados, q uando em posição h a b itu a l de m am ar, processam -se seqüentem ente. V is ã o : A c rian ç a rev ela sa tisfa çã o an te a luz pouco in te n ­ sa, logo nos p rim e iro s dias. A luz a c tu a como e x c ita n te (alim en ­ to fu n c io n a l), d aí um a tend ên cia a con serv ar a percepção lum i­ n osa (assim ila çã o ), e um tac team en to p a ra enco ntrá-la quando ela se d issip a (acom odação). N O O L O G I A G E R A L 125 A acom odação dá-se pelo co n ju n to das asso ciações adqui­ rid a s em contacto com os objectos, p o r m eio do jô g o de “ re fle ­ xos de acom odação” e reflexo p u p ila r à d istâ n c ia e c o n v e rg ê n ­ cia b in o c u la r (reflex o s j á contidos n a e s tru c tu ra h e re d itá ria do ô lh o). A c ria n ç a a in d a não sabe d is tin g u ir a s d istâ n cia s. A o rd e­ nação das p ro fu n d id ad es não é h e re d itá ria . A h e re d ita rie d a d e é dos reflexos fu n d a m e n ta is; a s coordenações p erte n ce m à ex­ p eriên cia. A c rian ça olha, m ira , c cada dia m ais. N as p rim e ira s sem an as não olha p a ra o m uito conhecido, que j á a cançou, n em p a ra o to ta lm en te novo, que não c o rre s­ ponde a in d a a n en h u m esquem a. É aos poucos que ela v ai in te ­ ressan do -se pelo novo. H á assim ilação p u ra m e n te fu n cio n al a p rin c íp io p o r o lh a r). (o lh ar Com o exercício, olha p a ra v er, e a té alcan ça a contem pla­ ção do que é imóvel (tecto do berço, p o r e x .). O so rriso , n a crian ça, no início, é sim plesm ente um a reacção de p ra z e r aos ex citan tes d iv ersos (voz, visões h um an as, e tc .). A os dois m eses m ais ou m enos, já s o rri p a ra a s coisas (p a ra a s m ão s; r i das ex p eriên cias de p re e n sã o ). N essa época dá-se a recognição do m am ilo. E la so rri. A s coordenações a u d i­ tiv a s com eçam a se p ro ce ssa r e a c rian ça m a n ife sta in terêsse p ela voz a tra v é s apen as de so rriso s. H á reacções circu lares q u a n to ao som, e m a n ife sta p ra z e r em escu tar, e so bretu do n a recognição de certo s sons ( r r a , bzz, e tc .). Com eça a estru ctu ra r-s e a coordenação da audição com a visão. 126 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S P r e e n s ã o : A bôca, os olhos, o ouvido e a m ão são os in s tru ­ m ento s essenciais p a ra a c o n stru ção da esquem ática da in te ­ ligência. Com a p ressão , su rg em a s assim ilações p o r esquem as se­ cu nd ário s, os quais vão c a ra c te riz a r as p rim e ira s fo rm a s de acção intencional. A actividade p rin c ip a l da m ão é a preensão. E stá g io s '. 1) m ovim entos im pulsivos de p u ro reflexo. F e ­ cham ento da m ão, p ren d e e so lta, m an ifestações de in terêsse. 2 ) P r im e ir a s re a cç õ es c ir c u la re s re la tiv a s aos m ovim en­ tos d as m ãos, a n te rio rm e n te a tô d a a coordenação da p reen são p ro p ria m e n te d ita, com a sucção ou com a visão. D á-se a i a coordenação da visão e do ouvido, coordenações e n tre a visão e os m ovim entos d as m ãos e v arie d ad e de com binações (novos esq u em as). A reg ulação e n tre a m ão e a visão irá p re p a ra n d o p a r a o fu tu ro a possib ilidade da c ria n ç a to m ar os objectos no espaço. A m ão leva os objectos à bôca, e não p a ra serem olhados. É aqui, n este estágio, que o p olegar se opõe a pouco e pouco aos o u tro s dedos. D á-se e n tã o : 3) a coordenação e n tre a p reen são e a sucção. São e stas as fa s e s : “ o lh a r p o r o lh a r” , e depois “ o lh ar p a ra v e r ” e até con tem plar, no início tam b ém “ tom a p o r to m a r” até “ to m a r p a ra le v a r à b ô ca”, que é o meio de cognição dessa fase o ral, m ais ou m enos no q u a rto m ês. 4 ) P reen são desde que a c ria n ç a perceba sim u ltan eam en te a m ão e o objecto desejado. A qui j á tom a os objectos que vê, e não som ente os que toca. H á coordenação da p reensão m ais desenvolvida, com os olhos. O lha, e pega. 5) A c rian ç a a p a n h a o que vê sem lim itações re la tiv a s à posição da m ão. A p an h a os objectos sem a necessidade de v e r as m ãos, leva-as j á coo rd enadam ente ao objecto. * * * N O O L O G I A G E R A L 127 Os estágios que tra ta m o s m a r c a m a “ p a ssa g e m ” do o rg â ­ nico p a r a o in telectual. J á su rg e m a in ten cio n alid ad e (a d ife ­ ren ciação e n tre os m eios e os fin s ) e a m obilidade, e h á cone­ xões intelig en tes. E s tru c tu ra m -s e os p rim e iro s h áb ito s da c ria n ç a , e a asso­ ciação h a b itu a l p re p a ra a intelig ên cia. P a r a m u ito s, o h áb ito é o c o n trá rio da in telig ên cia, porque e sta é invenção activ a, e o h á b ito a p e n a s re p etiç ão p assiv a. O u tro s a firm a m que o h á b ito é u m fa c to p rim á rio de onde su rg e p ro g ressiv am en te a intelig ên cia, como é a solução associacio n ista e a d o u trin a dos reflex o s condicionados. (1 ) O u tra solução é a do v italism o , que a c eita a in teligência como faculd ad e. U m a te rc e ira e q u a rta são a do p re fo rm ism o e a do m utacionism o n a B iologia, e a do ap rio rism o e do p ra g m atism o n a Psicologia. P a r a essas, o h áb ito é o c o n trá rio da inteligência. E s ta su rg e devido aos m alogro s do in stin to . U m a q u in ta a firm a que as analog ias e n tre a in telig ên cia e o h áb ito são a p e n a s fu n cio n ais (B a ld w in ). C r í ti c a s : O associacionism o oferece o pro blem a do i n te ­ re ss e que êle não soluciona. H á um certo juízo prévio. Os re ­ flexos são to ta lid ad e s o rg an izad as, e não m ecanism os ju s ta ­ postos, e a associação é c ria d a p ela relação su je ito e objecto, e não c ria d o ra dessa relação. N ão h á ap en as associações, m a s d iferen ciações p ro g ressiv as, e o h áb ito é um a autom atização, o que u ltra p a s s a o m ero associacionism o. ❖ * * Como a acção é insu fic ien te p a r a sa tis fa z e r plenam ente as necessidades hum anas, p a r a su p ri-la, pôs-se o hom em a p en ­ (1 ) A d e m a i s c o n v é m d is ti n g u ir : o s a b e r é u m h á b it o , n o s e n tid o c l á s ­ sic o d o í ê r m o , p o r q u e é a d q u ir id o . M a s p a r a q u e a lg o a d q u i r a a lg o é m i s t e r q u e t e n h a p r e v i a m e n t e a p tid ã o p a r a ta l. O p a p e l d o a g e n t e é i m p o r ta n te , e n a d a s e r e s o l v e s e s e t e n t a r e s c a m o te á - lo . 123 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S s a r sô bre o re a l p o r m eio de sin ais. O m undo passou a ser, a pouco e pouco, re p re se n ta d o p o r sin ais, que são intencionais. Se a lin guagem actu o u p a r a o desenvolvim ento d a in telig ên ­ cia, pelas tro c a s de exp eriên cias e n tre os hom ens, ela, p a ra su rg ir, exigiu a p r e s e n ç a da in telig ên cia. A im agem m en tal é um p ro d u to de in te rio riz a ç ão dos actos da in teligên cia, e não um dado p révio a esses actos. Q uando a c rian ç a succiona o dedo, não tem os a in d a um acto intencional, porque a coordenação da m ão e da sucção é sim ples e d ire ta . M as quando a c ria n ç a a fa s ta um obstáculo p a ra a p a n h a r um objecto, aq u i se pode f a la r de intencional. In ten cio n al d eiin e-se pela consciência do desejo, ou d a direção do acto, sendo essa consciência funeção do n úm ero de acções in te rm e d iá ria s n ecessitad as pelo acto p rin cip al. A intencion alidade im plica um re v ira m e n to nos dados da consciência. A consciência “ e m e rg e ” a n te a d esadaptação, e procede assim da p e rife ria ao centro . G raças à com plicação p ro g re ssiv a doa esquem as no rem o­ v e r sem ce ssa r seus acto s pela assim ilação re p ro d u to ra e gen eraliz ad o ra , a crian ç a u ltra p a s s a o sim ples exercício reflexo p a ra desco b rir a reacção c irc u la r e c o n stitu ir assim seus p r i­ m eiro s h áb ito s. É a d istinção e n tre m eios e fin s que lib e ra a intencionalidiidíi, e m u da assim a direção do acto. E m vez de v o ltar-se p a ra o passado, isto é, p a ra a rep etição, a acção se o rien ta p a ra as novas com binações e p a ra a invenção p ro p ria m e n te dita. É essa a c a ra c te rís tic a da reacção c ircu la r secu n d ária. É só dêsse mo­ m ento que se pode realm en te f a la r de intencion alid ad e. A reacção c irc u la r se c u n d ária tend e sim plesm ente a re p ro d u z ir todo resu ltad o in te re ssa n te obtido em relação com o m eio exte­ rio r, sem que a crian ç a disassocie ain d a, nem re a g ru p e os es­ quem as assim obtidos. N O O L O G I A G E R A L 129 Ê sse estágio m a rc a a ex a c ta tra n s iç ã o e n tre a s operações p re -in te lig en tes e os actos re a lm e n te in ten cion ais. R eações circu la re s p rim á ria s : su ccio nar p or su ccio n ar, etc. Reações circu la re s se c u n d á ria s: su rg e a d iferen ciação en ­ tr e os m eios e os fin s in te rm e d iá rio s div ersos, rev elado s pela criança. O bservação im p o rta n te : E n tr e os fenôm en os desconheci­ dos, observados pela crian ça, os únicos que dão lu g a r a um a reacção c irc u la r se c u n d ária são os sen tid o s como dep endentes d a activid ad e p ró p ria . A c ria n ç a te n ta d esco b rir processos p a ra fa z e r p e r d u ra r espetáculos in te re ssa n te s. H á um esforço de rep etição n as reacções circu la re s secu n d árias. (P a ra d o x o in te re s s a n te : o re a l é ta n to m ais objecti vado, q u a n to m elho r elaborado pelos esquem as do su jeito p en ­ sa n te , enq u an to o fenom enism o da percepção im e d ia ta não é m ais cio que s u b je c tiv ism o ). A acom odação evolui da sim ples d iferen ciação de esquem as, p ró p ria das reacções p rim á ria s , p a r a a p ro c u ra do novo, p ró ­ p rio d as reacções te rc iá ria s. E s s a acom odação, sem p re ce d e r à assim ilação, como é o caso n a racção te rc iá ria , nem dob rá-la sim plesm ente, como é o caso da reação p rim á ria , consiste, pois, em com pletar, no m om ento em que se co n stitu i, o esquem a novo. A acom odação não é m ais um a d iferen ciação quase a u to ­ m á tic a dos e sq u e m a s; ela n ão é a in d a um a busca intencion al da n ov idad e como tal, m as é um a fix ação q u erid a e sistem ática das d iferen ciaçõ es im postas pelas realid ad es novas que surg em ao acaso. A d ife re n ç a e n tre as reacções secu n d árias e as reacções p r i­ m á ria s e stá no in te re sse que desde logo se m a n ifesta ao cen­ tra r-s e sô b re o resu ltad o e x te rio r, e não sim plesm ente sôbre a a c tiv id ad e como ta l, sô b re o fun cio nam en to . J á vim os que a org an ização é o aspecto in te rio r do fu n cio ­ n am en to dos esquem as, à qual a assim ilação ten d e re d u z ir o m eio e x te rio r. 130 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S A acom odação e a assim ilação re u n id as con stitu em a ex­ p ressão e x te rio r da o rg an ização. D esde logo, os esq uem as c ir­ cu lares secu n d ário s não se coordenam e n tre si. C ada um co n stitu i um a to ta lid a d e m ais ou m enos fech ad a sôbre si m esm a, em vez de se o rd en a re m em sé rie s análogas, como é o racio cínio ou a im plicação dos conceitos no pensam en to reflectido. N esses casos as d esco bertas são fo rtu ita s . A necessid ad e nasce da d esco b erta e não a d esco b erta da necessidade. J á no acto v erd a d eiro da in telig ên cia h á p ro c u ra de um fim , e só depois é que se descobrem os meios. N este caso, a ne­ cessidade é a n te rio r ao acto. E é o que nos p e rm ite f a la r intencionalm en te da in te li­ gência. A firm a P ia g e t que os conceitos ou ‘‘c lasses” não e s tru c ­ tu ra ra a re alid ad e, senão em fu n ção das sem elhanças ou das di­ fe re n ç as q u alific a tiv a s dos sêres assim classificados (e tam bém o q u a n tita tiv o a b stra c to e o fo rm a l [g estalt] e stereo m é tric o ). A s relações, ao c o n trá rio , im plicam a q uan tid ad e, e conduzem à elaboração d as séries m atem áticas. A relação estab elecida pela crian ça, e n tre o acto de p u x a r um a co rd a e s a ir um objecto, con­ duz, em bloco, o su je ito à d esco berta de um a relação q u a n tita ­ tiv a im ánente a essa re laç ã o : q u a n to m ais é sa cud ida a corda, m a is se m ov im en tam os bonecos. D essa fo rm a vê-se que o esquem a secu n d ário co n stitu i não som ente u m a espécie de conceito ou de classe p rá tic a , m ais a in d a um sistem a de relações envolvendo a p ró p ria quan tid ad e. T E M A I I I A R T IG O A CONSTR UÇÃO DA 1 R E A L ID A D E E x am in a d a s as q u a tro fa se s da intuição, a 5 .a fa s e é a que so e s tru c tu ra cora a form ação dos ante-conceitos. É urna fase de racio n alid ad e pre-lógica, em que se p ro cessa a e stru c tu ra ç ã o do abstracto -n o ético . A 6.a fa s e é a da captação da cau salid ade e da fin alid ad e, que se e s tru c tu ra racio n alm en te com a fo rm ação dos conceitos, e re aliza plenam en te a racio n alid ad e lógica. O conhecim ento dos objectos, p o r p a rte da crian ça, processa-se pela d istinção crescente e n tre o m undo objectivo e o m u n ­ do su bjectiv o. É ste últim o se e s tru c tu ra pela coordenação dos co n ju n to s de esquem as, em c o n ju n tu ra s cada vez m ais comple­ x as e coord enadas, que são constelações de c o n ju n tu ra s esque­ m áticas. M as, v a r i ¡ja ssu , o m undo objectivo se e s tru c tu ra ta m ­ bém em objectos esq uem áticam ente com ponentes de esquem as cada vez m ais am pios. A c rian ç a está im ersa no concreto, m as sem consciencia déle. A noção do objecto não é in a ta ; é um a construção, longa con stru ção, que se fo rm a h pro porção que se delineam os con tornos e os p e rfis, que as reacções circu lares, já estudadas., vão p e rm itir que se objectivem . 132 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S A g en eralização dos esq uem as leva à pre-racionalização que, p or estab elecer aos poucos o a b strac to , dá uma positiv idade nova ao concreto, e, p o rta n to , d a consciência dele p o r oposição à su bjectivid ade, que se sed im en ta constantem ente. C o o rd en a çã o d o s e sq u e m a s No início, não tem a c ria n ç a a noção da perm anên cia dos objectos, pois êstes, quando desaparecidos, não lhe provocam n en h u m a providên cia. M as a coordenação dos esquem as heterogêneos perm ite a con stru ção do m undo objectivo, p o r um a recíproca actividade e n tre os objectos e os esquem as. A prolongação dos m ovim entos de acom odação fu n d a aos poucos, n a crian ça, o esquem a d a per­ m an ên cia dos objectos (dos 4 aos 6 m eses). Sem a noção da p erm an ên cia, como se ria possível a construção da noção do objecto? O m undo e x te rio r a p e n a s acontece, mas seu nexo não se p od eria firm a r, sem que o esquem a da p erm anên cia se a ctu alizasse. As noções de “ d ia n te ” e “ d e tra z ” , de que um fa c to se dá a n te o utro ou a tr a z de outro, im plicam um a grande com plexi­ dade, pois j á supõem a elaboração de g rupo s de esquem as, fun­ dados nos facto s, e só podem s e r adq uirid o s à proporção que a capacid ade de c a p ta r (to m a r) coordena-se com o óptico e o tác til, e a té o auditivo. Quando a c rian ç a p ro c u ra o objecto, ela a p resen ta fases h ie rá rq u ic a s im p o rta n te s : 1) E la p ro c u ra o objecto onde êle é visto; 2) depois, onde foi visto (coordenação com m em orização) ; 3) fin alm en te, onde fo i enco ntrad o à p rim e ira vez. Se o objecto desaparece o u tra vez, ela repete tô d as essas trê s fases. N O O L O G I A G E R A L 133 Só 110 p rim e iro ano deco rrid o, é que a c ria n ç a conq uista p ro g ressiv a m e n te a s relações esp aciais, cu ja au sên c ia im pede a co n stitu ição d e fin itiv a da noção do objecto. Êste, p o rta n to , im p lica: p erm an ên cia e lu g a r. É só n essa fa se que a c rian ç a com preende os deslocam en­ to s invisív eis. U m objecto que e n tra aqui e d esap arece a tr á s de algo, ela o vai e sp e ra r ali, onde deverá sa ir. E ssa coorde­ nação com plexíssirna custa a se r ad qu irid a. É a coordenação dos esquem as que p erm ite conclu ir sôbre a perm anência, a se p aração , o delineam ento, o contorno, etc., seg undo os objectos que, n a c rian ç a , são sem p re re a is-re a is. 0 u n iv e r s o i n fa n til Os estud os de P iag et, n este secto r, p a r a os q uais cham a­ m os a atenção , levam -nos a com preender a com plexidade que se fo rm a p o sterio rm en te, a té a lc a n ça r a elaboração do u niverso in fa n til. Os esquem as, pela actu ação do meio e x te rio r (fac tô res p re d isp o n e n te s), vão com plexionando-se cada vez m ais, em es­ quem as de esquem as de esquem as. F açam o s um a síntese da construcção da re a lid a d e como se processa, pois, a n te o que j á estudam os até aqui, to rn a -se fácil com preendê-la. À relação e n tre su jeito e objecto é um a relação de indiferen ciação , n a fa se da consciência p ro to plásm ica das p rim e i­ ra s sem an as, em que não se o bserva nen h um a d istinção e n tre o eu e o não-eu. À pro porção que se dá a acom odação ao objecto, e a assim ilação ao su jeito, o p ro gresso da in telig ên cia se opera num duplo sentido de ex terio rização e de in terio rização . E is p o r que, quando d a descoberta ex p erim ental, j á no dom ínio d as ciências exactas, esta, é acom panhada de um p ro g resso r e ­ flexiv o da razão sô b re si m esm a, como se vê n as deduções ló­ gico -m atem áticas. 134 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S A evolução da intelig ên cia sensório -m otriz, desde o ex er­ cício dos reflexo s a té à s p rim e ira s associações a d q u irid as, p e r­ m ite c o n stru ir um sistem a de esquem as su sceptív eis de in d e fi­ n id a s com binações, que j á nos anu n ciam os conceitos e as r e ­ lações p o ste rio re s. À p ro p o rção que se elaboram os objectos, a causalid ade, o espaço e o tem po, o U niverso to rn a -se coeren­ te, sucedendo-se assim ao caos d as percepções eg o cên tricas in i­ ciais, o que vem m o s tra r a p ositiv idad e d as a firm açõ es k a n ­ tia n a s, sem a exclusão de o u tra s p ositiv idad es não a ssin a la ­ das p or êle. O m ágico dos p rim e iro s m om entos é su b stitu íd o p o r um novo nexo d a coerên cia cósm ica, g ra ç a s ao realism o dinâm ico e p rático com que o pera a c ria n ç a n os seus p rim e iro s con tac­ tos com o m undo e x te rio r. As p rim e ira s confusões vão a pouco e pouco desfazendo-se, g ra ç a s ao realism o óptico que g ra d a tiv ãm ente e s tru c tu ra um a visão m ais sólida do m undo ex terio r. A fa s e so c ia l A intelig ên cia sen sório -m otriz é em inen tem en te p rá tic a . Q uando su rg e, n a fa se social, a in telig ên cia o p e ra to ria , con­ ceituai, e sta assum e, como p rin c ip a l funcção, conhecer e enu n ­ c ia r verdad es. E m o u tra s p a la v ra s, a in telig ên cia sensório-m o­ tr iz é a d a p ta d a do indivíduo à s coisas, sem a socialização do intelecto, o que só se o b serv a p o r ocasião d a elaboração dos conceitos, que em ergem estim ulados pela p red isp o n ên cia am ­ b ie n ta l sensório -m otriz. É da cooperação d estas d uas in telig ên ­ cias que s u rg ir á a busca do v erd ad eiro . A acom odação, sob o ponto de v ista social, processa-se pela im itação e pelo co n jun to das operações que p erm ite m ao in d i­ vídu o su bm eter-se aos exem plos e aos im p erativ o s do gru po, como nos m o stra P iag et. D á-se a assim ilação aos novos esque­ m as su rg id o s da cooperação e n tre a su bjectiv id ad e individual e o gru po . M as, n a v id a social, dá-se um a inv ersão d a a c tiv i­ dade, pois, q u an to à in telig ên cia sensório-m otriz, h á assim ila ­ ção dos objectos aos esquem as da actividade, com a acomoda- N O O L O G I A G E R A L , 13!» cão do p en sam en to dos o utro s, o que g e ra u m a assim ilação a novos esquem as, j á de p red isp o n ên cia social. O estad o p u ra m e n te in d iv id u a l d a fa se d a intelig ên cia sen sòrio -m otriz é com pletado p o r u m a nov a, em que é vencido o ego centrism o , e a cooperação su rg e p a ra p e r m itir a fo rm a ­ ção d a con stru ção racio n al e da a fe ctiv a, que se e s tru c tu ra m em esquem as in ten cio n ais e p áthico s, a té desenvolver todo o sis­ tem a do fu n cio nam en to psíquico. N essa seg u n d a fase, e stá e s tru c tu ra d o o n o u s, o esp írito como a n ítid a p olarização da in telectu alid ad e (L o g o s ) e da afectiv id ad e ( P a th o s ), com su as p ro fu n d a s ra íze s n a sensib ilid ad e (sen sò rio -m o triz ), como j á vim os em nossos liv ro s a n te rio re s, cujo estudo é m a té ria d esta o bra, onde além de com pen diar as idéias aqui exp ostas, pro porem os novas com preensões, que a u ­ m e n ta rã o a n ossa visão global, con creta, p o r ser dialéctica. A d iferen ciação do e sp írito h um an o rev ela u m a em erg ên cia que não se pode ex p licar ap en as m ecanicam en te pelas p rim á ria s in te rp re ta ç õ e s d as d iv e rsa s concepções m a te ria lista s, pois é necessário recon hecer certos salto s q u a lita tiv o s que não pode­ ria m d ar-se sem a em erg ên cia de um a ap tid ão , que não é a p e ­ n as p ro d u to da p redisponência. TEM AS N O O L Ó G IC O S TEMA IV A R T IG O IN T R O D U C Ç A O 1. A 1 T E M A T IC A A n a tu re z a pensa p o r esquem as e não p o r p ala v ras. N ós p ensam os sôbre a n a tu re z a q uando captam os um q u id q u alitativ o ou u m a relação. N osso pensam ento , como acto de p en sa r, é a captação de “ p en sa m e n to s” da n a tu re z a (acção selectiv a de nosso esp irito , que fu n cio n a segundo a capacid ade assim ila d o ra de nossos e sq u e m a s). A n a tu re z a “ p e n sa ” tam b ém p o r esquem as, rep etim o s, m as p o r esquem as concretos (p e n s a r — m e d ir). 2 . E m “ F ilosofia e C osm ovisão” e “ Lógica e D ialéctica’*, tivem os o p o rtu n id ad e de e s tu d a r o p en sam en to em sentido re s ­ tric to e em sen tid o extenso. E m sen tid o re stric to , corresp on­ d eria a p en as ao fu n cio n am en to do nosso esp irito e ao acto psicológico de p en sa r, que é a captação e ord en ação dos p en ­ sam ento s. E m sentido am plo, tudo é pen sam en to , pois tudo é captável p o r um acto de p e n s a r nosso ou de o utro se r su p e­ rio r a nós. M as todo acontecer, epim eiteica e prom eteicam ente considerad o, é pen sam en to , e p o d eria, como em p a rte pode, se r pensado pelo hom em . A ssim todo o u niv erso é p en ­ sam ento, desde que se con sidere que p en sam en to tam bém é c que o su je ito c a p ta no acto de p e n sa r, de p esar, de m edir. 140 M A R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S Todo o acontecer, em su a p ro te ica h etero geneid ade e em su a id entid ad e, em su a m u ltip licid ad e e em su a unidade, é algo que pode o b jectiv ar-se, segundo a inten cio n alid ad e de um se r inteligente. Ser-n os-ia im possível, p o r isso, u m p ensam ento to ta l, p o r­ que, dando-se o acto de p e n s a r no tem po, êste nos lim ita ria se m p re, e n u n c a cheg aríam os ao conhecim ento da to talid ade, Se com preenderm os assim , tô d as as distinções que se façam , quer ontológicas, m etafísicas, lógicas, reais, físicas, etc., são tôd as elas p en sam en to s que o acon tecer e a ordem u n iv ersa l p e r­ m item c a p ta r, desde que consigam os e stru c tu rá -la s. E aqui s u r­ ge, bem claram en te, o v alo r da te o ria das tensões. N ão é possí­ vel c a p ta r o que não se a p re s e n te já ten sio nalm ente, o que não se a p resen te aos olhos e aos sen tid os do corpo ou aos sentidos do esp írito , sob u m a ordem , um a coerência, u n id ad e em sum a. E e stas a firm a tiv a s , que o ra fazem os, serão p rà tic a m e n te um a boa p a rte da ta r e f a que nos cabe n este livro , pois as a n á li­ ses fu tu r a s nos m o stra rã o h a v e r no p en sam en to u n iv ersa l um a an alo g ia m ais in te n s a do que se ju lg a , analog ia que rev ela um ponto de hom ogeneização que as distinções, as div erg ên cias, p or n u m erosas que sejam , não conseguem , no en tan to , a n u la r. 3. No estudo da geo m etria, q uando tra ta m o s de um a fig u ­ ra , j á tem os im plícitos todos os teo rem as, e todos os corolários. A dquire-se a fin a l um conhecim ento am plo da fig u ra , que não o tería m o s de início, m as só depois de u m a sé rie de raciocínios, que são lógica e rig o ro sam en te com provados. Ao chegarm os ao fim de todo s os enunciados que podemos fo rm u la r sôbre o triân g u lo , podem os concluir que todos os p e n ­ sam en to s geom étricos que constru ím os, j á estav am p resen tes, como p ossibilidad es de serem enunciados, de serem re fe rid o s p o r juízos. Pois bem , tu do q u an to h á no acon tecer cósmico, ao se r co­ nhecido, c j á um a possibilidad e que se actualizou intencio n al­ m en te em um juízo, que é símbolo do pensam ento eidétieo. Êle refere-se a um pen sam en to que captam os e enunciam os. N O O L O G I A G E R A L 141 A ssim , o acto de p en sa r, psicologicam ente considerado, é sem p re sin g u la r, m as o p en sam en to é o m esm o. T u do q uan to possam os g eo m etricam en te d izer dos triâ n g u lo s são p en sam en ­ to s que j á e stã o no triân g u lo , que captam os a tra v é s de nosso processo psíquico,, e enunciam os p o r juízos. Como os fa c to s sim bolizam os conceitos, que são e s tru c tu ­ ra s n oéticas, estas, p o r su a vez, sim bolizam a e s tru c tu ra eid ética que e s tá e é da ordem do ser, como vim os n a “ O ntolo gia” . 4 . A quím ica o rg ân ica oferece-nos u m a lição que deve­ ríam o s a p ro v e ita r m elhor. T rê s ou q u a tro elem entos, em su as com binações e fo rm as, podem c o n s titu ir um a im en sa q u a n ti­ dade de corpos div ersos com a s p ro p rie d ad e s m ais e s tra n h a s e c o n tra d itó ria s. O hom em , com trê s ou q u a tro idéias, (p ro jecções de p en ­ sam ento , pro jecçõ es de e x p e riê n c ia s), co n stró i tô d a a su a im en ­ sa sab ed o ria, o que não nos deve e s tra n h a r, quando a n a tu re z a nos oferece exem plos tão análogos e não m enos em polgantes. 5 . O pensam ento , enq u an to pen sam en to , é um a unidade c a p ta d a n a m u ltiplicid ade, e a com preensão é a captação do p en sam en to da m u ltip licid ad e n a unidade. 6. O pensam ento pode se r sen sório -m otriz, pode se r p á (a fe c tiv o ), simbólico e tam b é m o p erato rio , ju d ica to rio , da intelectu alid ad e. th ic o Como j á vim os, a L ógica F o rm al, que é u m a constru ção d a razão, é exclu d en te: a u t . . . a u t . . . (ou . . . o u . . . ) . O p rin c íp io de n ão -co ntrad ição é im án en te e im plicado em tô d a concreção. D esde que p arta m o s de que o c o n trá rio não se ob-poe, re su l­ t a que, de um a a firm a ç ã o , o c o n trá rio é neg ado p o r ausên cia, p o r p rivação . Se A é bom, o se r bom exclui o se r m au. Tôda lógica exclu­ dente, como a fo rm al, p a r te do postu lado da n eg ativ id ad e do c o n trá rio , que é ausente. M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S A aceitação da o ò-po sicionalid ade leva-nos à lógica do ta m ­ bém., lógica que re fle te o existencial, o concreto. A é B fo rm a l­ m ente, e tam b ém é não-B (c o n c re ta m e n te ), p orqu e em A acon­ tece B, e tam bém o que a êste se opõe, o que se coloca ob. A Ló gica fo rm a l é ú til quando querem os ra c io c in a r com fo rm alidad es, que excluem os opostos. A dialéctica n oética (ló­ g ica do ta m b é m , lógica existen cial) é ú til quando q ueiram o s n o ta r o existencial, onde todos os predicad os são sem p re rig o ­ ro sam en te dialécticos, isto é, têm o seu lado positivo m as em face do opositivo. A lógica existencial é p ró p ria da in telectualid ade n a sua polarização d ialécticam ente coop erante da in tu ição e da razão, bem como do desenvolvim ento p o ste rio r do conhecim ento cien­ tífico . Tem os um exem plo bem p a lp ita n te na m icroscopía, onde os accidentes, que nos su rg e m no m acroscópico, no m icroscópio “ d esap arecem ”, p a r a su rg ire m o u tro s. O verde, que nossos olhos v ê e m , o é d aq u ela posição, m as, g ra ç a s ao m icroscópio, p erce­ be-se que é o epifenóm eno de o u tra con stitu ição que a p re se n ta accid en talm en te o u tra côr. A d ialéctica p a rte do sa b e r que as coisas são fo rm alm e n te isto ou aquilo, m as incluem , em si, n a su a ín tim a co n stitu ição concreta, o que escapa às fo rm alid ad es, que podem os delas c a p ta r, como se jam as accid en táis e a té a su bstan cial. E s ta ú ltim a é a tensão fo rm a d a por um co n jun to de o u tra s unidad es, fo rm alm en te d iferen te. A ssim os elem entos atôm icos são esp ecificam ente d iferen tes do átom o de carbono, azoto, etc. O carbono, o azoto são tensões especificam en te d ife­ re n te s de seus elem entos. 7. E x am in em o s a g o ra a associação. Jam es M ill a c en tu a ­ va que “ não podem os re c o rd a r u m a idéia ou um a série de idéias à vontade. As idéias vêm ao nosso esp írito , sem ser con vid a­ das. Se elas a í não vêm sem ser convidadas, n ecessário se ria que j á estiv essem no e sp írito an tes de a í e s ta r: o que é c o n tra ­ ditó rio. Vós não podeis c h a m a r um a idéia ao vosso e sp írito sem sa b er a que c h a m a is ; m as conhecer um a idéia, é te r esta id é ia ” . N O O L O G I A G E R A L 143 Sem d úv id a é a associação, não um a c a ra c te rís tic a fu n cio ­ n al de tô d as as rep resen taçõ es, m as de todos os fa c to s psíquico-som áticos, porqu e podem os in c lu ir, n essa g ra n d e ordem , r e s ­ p eitan d o, porém , c a ra c te re s d iferen ciais, os reflex o s condicio­ n ados ou os cham ados reflexos associados. Q uando se fa lav a , como a in d a se fa la , em associação de idéias, é p reciso esclarecer bem o têrm o . F re q ü e n te m e n te se considera como idéia um a re p re se n ta çã o in telectu al a b s tra c ta e geral. O sentid o de D escartes é m a is am plo, e inclui p en sa­ m ento s, sen tim en to s, vontade, etc. T am bém é nesse sentido que o com preendem os asso ciacio n istas. Ja m e s M ili a té d efin ia a idéia nesse sentido, pois “ ela é essa cópia de sensação que p e r­ m anece após cessada a sen sação ” . P ro p õem o utro s, e e n tre êles F oulquié, p a r a e v ita r a confu ­ são que p ossam p ro vo car expressões ta is c o m o : “ associação de id é ia s ” e “ evocação de id é ia s” , que “ o fenôm eno d a associação consiste essen cialm en te em que tô d a re p re se n ta çã o , actu alm en ­ te sob o o lh ar da consciência, ten d e a to r n a r conscientes as r e ­ p resentaçõ es inconscientes, à s q uais ela e stá asso ciad a, ou m ais ex actam en te, que fazem p a r te do m esm o com plexo que ela.” É do tal im p o rtâ n cia a associação que p e rm itiu a c o n stru ­ ção de u m a f ilo s o fia a s so c ia c io n ista (H um e, Ja m e s Mill, S tu a rt Mili, T ain e, B ain , e tc .), que p ro c u ra ex p licar todos os facto s psíquicos em têrm o s de associação. P a r a ta is seguidores, é o hom em um a n im al que estabeleceu associações m uito m ais ric as e m ais firm e s que os an im ais. A associação é “ um a espécie de a tr a ç ã o . . . que p ro duz no m undo m en tal tão e x tra o rd in á rio s efeitos, como no n a tu ra l, e m a n ifesta -se sob fo rm a s tão num e­ ro sa s como v a r ia d a s ” (H u m e ). 8. Im põe-se alg um as observações im p o rta n te s. “ O c a rá c te r essencial do p en sam en to lógico é o de se r ope­ ra to rio , isto é, p ro lo n g a r a acção ao in te rio riz á -la ” (P ia g e t). M as a “ o p eração ” in tu itiv a , que c a p ta o sing u lar, é já d ife re n te . 144 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S “ U m a operação ú nica não é um a operação, m as perm anece no estado de sim ples re p re se n ta ç ã o in tu itiv a ” (Id e m ). “ É p o r um a a b stracção in te ira m e n te ileg ítim a que se fa la de “ u m a” o peração : um a única operação não s e ria u m a o p era­ ção, pois o p ró p rio delas é c o n s tru ir siste m a s” . (Id e m ). A c rian ça só é capaz de p en sa r depois de sa b er s e ria r. Não é possível, p o r isso, sem um a lógica dos co n ju n to s, que p e n e tre a tra v é s dêsses co n ju n to s ( d i á . . . l o g o s . . . a tra v é s de d a í . . . ” d ia lé c tic a ), e d escu b ra seus nexos. U m a relação espacial su p õ e o e sp aç o ; um a tem p o ral im plica a com preensão do tem po. A realid ad e psicológica consiste em sistem as o p e ra to rio s de co n jun to e não em operações isoladas. C abe-nos, p o r isso, re v e la r e d escob rir a lei de equilíbrio dêsses sistem as. E is p o r que a concepção a to m ística n a Psicologia, m e ra ­ m en te adicional, como a asso ciacio nista, tem de s e r ab an d o n a­ da. N osso e sp írito não fu n cio n a p o r adições, m as p o r co n ju n to s esquem áticos. E êsse ponto é de m a g n a im p ortân cia, pois, de su a aceitação se in ic ia u m a jo rn a d a nova n a F ilosofia, a j o r ­ n a d a ten sio nal, que expom os em “ T eoria G eral d as T ensões” . 9. O hom em é p o rta d o r de um e sp írito ( n o tis ). Onde não h á esp írito , não h á tra b a lh o . Os a n im ais que cha­ m am os tra b a lh a d o re s são ap en as m ecânicos, em b ora com a in ten sid ad e o rg ân ica que os d istin g u e das m áquinas. O hom em põe esp írito no tra b a lh o : êle c o n ce b e o que d eseja re a liz a r. E êste hom em tem um eu, que o pessoaliza. M as só h á um e u quando h á um n ó s , que o antecede gene­ ticam en te. O c o n te ú d o do e u é con struíd o p o s te r io r m e n te , p o r d iferen ciaçõ es e p o r consciência das diferenciações. Ê ste hom em , cujo esp írito é o tem a p rin c ip a l da N oologia, é um con ju n to de corpo e de alm a, que ju n ta s se e stru c tu ra m . A união e n tre o corpo e a alm a, e a m a n eira de concebê-la têm um a h istó ria . N O O L O G I A G E R A L 145 “ Segundo a d o u trin a p latô n ico -ag o stin ian a, a união do corpo e d a alm a é m enos íntim a, que segundo a opinião g e ra l dos escolásticos. Segundo êstes últim os, o corpo não é um m ero in stru m e n to da alm a, a qual, p o r m eio doa sen tidos, recebe no­ tíc ia s de fo ra , e, p o r m eio do corpo, o pera no e x te r io r ; m as corpo e alm a con stitu em um en te uno, um a su b stâ n cia to ta l, que cons­ titu i, como tal, u m p rin cíp io especificam en te novo de p ro p rie ­ dades e activid ad es, que como ta is não convêm nem ao corpo só, nem só à alm a, m as ao com posto e n tita tiv o como ta l, que re su lta da união de a m b a s .” (F u e tsc h e r) A alm a é um tem a que nos in te re s s a rá sob v ário s outro s aspectos, segundo as d iv ersas opiniões. P a r a T om ás de A quino “ . . .a n im a e st quodam m odo o m n ia” (V er., q. 1., a. 1 ). A alm a é, de alg um modo, tudo. E no hom em é a su a fo rm a. E é de certo modo tu d o porque intencio n alm en te se re fe re a tudo, e tudo red uz às su as intenções (conceitos — esq u em as). M as, o que nos in te re ssa n este preâm bulo, não é e x a m in ar p o r o ra êste tem a, m as re s s a lta r a lg u ns asp ectos noológicos, que nos se rv irã o depois p a r a a an álise dos p ro blem as que a N oologia su scita, a fim de c o n s tru ir um a visão co n creta e d ia ­ léctica d e sta disciplina, elab oran do um a cosmo visão, que seja, de alg um modo, su ficien tem en te h ábil p a ra f u tu r a s in ­ vestigações. TEMA IV A R T IG O 2 A N Á L IS E N O O L Ó G IC A É a N oologia, p o rta n to , u m a ciência m e tafísic a cujo objecto de estudo são os fa c to s do e sp írito h um an o ( N o u s ) . Seu objec­ to fo rm al te rm in a tiv o é a c rític a da p erfeição e sp iritu a l no hom em , e o fo rm a l m otivo, a an álise do fu n cio nam en to psico­ lógico, segundo suas polarizações, no que a p re se n ta m de tip ic a ­ m ente d istin to do m era m e n te em pírico. N a “ P sico lo g ia” exam inam os, em lin h as g erais, o fu n cio ­ n am en to do nosso esp írito . E stu d am o s, alí, a p olarização afectiv id ad e-in telectu alid ad e com su as ra íze s n a sensib ilidade. C arac­ terizam os, sob asp ectos noológicos g erais, a s distinções dêsse fu n cio nam en to . N a “ P sicogênese” , pon d eram os sô bre a fo rm a ­ ção dos nossos esquem as e d as su as coordenações n a fo rm ação dos conju n to s ten sio n ais esquem áticos, das c o n ju n tu ra s e até d as constelações. D esde a análise fe ita n a “ A n tro p o g ên ese” a té aqui, um p ro blem a se colocou que a in d a não ap resen to u u m a solução: o p ro blem a do esp írito . Tivem os ocasião de v e rific a r o que d istin ­ gue a h om in ilidad e de a an im alid ade no cam po psicológico e, e n tre as d iv e rsa s p ro p o stas de diferen ciação, oferecem os a ca­ ra c te rís tic a , p a ra nós inconfundível do e sp írito : a de c o n stru ir esquem as p a ra re a liz a r acto s de conhecim ento, o que o p o rtu n a ­ m en te ju stific a re m o s, a p a r da capacid ade de c a p ta r possibili- 148 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S dades de possib ilidades, e a ssim sucessivam ente. T al se ria a c a ra c te rístic a d a in telig ên cia h u m an a, sem p o rém n e g a r um ponto de id en tificação com a inteligência, que se re vela ta m ­ bém nos anim ais. É que o hom em , como corpo e alm a, não se se p a ra ab so lu ta ­ m ente dos an im ais, m as a p re s e n ta algo de p ec u lia r que ad m ite c e rta univocidade, como o p re te n d e m os m a te ria lista s, que actu alizam ap en as o aspecto unívoco, sem q u e re r reconhecer que, no hom em , deu-se um salto q u alitativ o que oferece u m a di­ feren ça específica, que o to rn a , p o rta n to , irre d u tív e l aos a n i­ m ais com os quais se analoga, e não apen as se univoca. E ssa d iferen ça específica e stá n a capacidade de c o n stru ir esquem as com plexos (constelações de c o n ju n tu ra s esq u em áti­ c a s ), guiados p ela activid ad e noológica do p ró p rio hom em , o que não se observa, de fo rm a alg um a, nos an im ais, pois do con­ trá rio te ria m estes realizado c e rta s m odificações con stan tes e c riad o ras. Não podem os contudo p e n e tr a r n as c a ra c te rístic a s noológicas m ais com plexas, sem que a lg u n s pontos fiquem esclareci­ dos, e sem que ouçamos p rim e ira m e n te a polêm ica tra v a d a n a filoso fia sô bre o p roblem a da alm a c do esp írito , p a ra , fin a l­ m ente, obedecendo ao nosso m étodo, c o n stru ir um a N oologia g e ra l con creta, sob a direcção d as pro vidên cias que a decadialéctica oferece. D êste modo, im põe-se c o n sid e rar p rev iam en te certo s a s­ pectos que p assarem o s a a n a lis a r su cin tam en te, p a ra que êles nos sirv am , no fu tu ro , de in stru m e n to s hábeis. E n tr e êsses tem as, o im p o rta n te é c a ra c te riz a r como a p re s e n ta a consciên­ cia a n te a especulação da psicologia m o derna. “ O que h á de m ais g e r a l n um a actividade é, ce rta m en te, su a ten são p a ra um f i m . . . A ten são psíquica pode se r c o n c e n ­ tr a d a ou d isp e rs a d a , m a n tid a pelo su jeito ou aban d o n ad a p o r êle ao auto m atism o, e é o que cham ados, em sum a, c o n sc iê n c ia ou m co7).sciência. P o r o u tro lado, a consciência e suas d eg ra d a ­ ções são como os efeitos ou re su lta d o s de causas que se podem N O O L O G I A G E R A L 149 tam bém e stu d a r nelas, e que su rg irã o , como a te n ç ã o e d istra ç ã o . A aten ção re av iv a a consciência e a té a c r i a ; a d istra ç ã o a dim i­ n u i ou a té a an u la. A consciência e a inconsciência m o stram -se pois in tim a m e n te lig adas resp e ctiv a m e n te à aten ção e à d is tra ­ ção, que n un ca poderão ser s e p a ra d a s dos seus efeito s n a tu ra is , sem d esp rez a r su a p rin c ip a l sign ificação. (P ra d in e s, “ Psychologie” , T. I., pág . 5) “ N ossos in stin to s e os nossos h áb ito s, n a a p a rê n c ia m ais c eg o s, teste m u n h a m m u ita s vêzes u m a se le c tiv id a d e , um a in te n cio n a lid a ã e que n a d a ficam a d ev er às n o ssas activ id ad es m a is c o n scientes.” (Idem , op. cit. p ág. 11) P a r a P ra d in e s, a “ consciência é u m a a c tiv id a d e ; não é u m a lu z . . . A consciência é um p ô r e m fe ix e , u m a o rg a n iza ç ã o de conhecim entos (c u m s c ir e ) , p o rta n to u m a operação u n ifi­ cante, re a liz a d a com intenção, e seguind o um d esíg n io .” E la su rg e da b ru m a do au to m atism o ou do adorm ecim ento, sem pre com essa v irtu d e de eficiência. A consciência é so b retu do um a m em ória m a n tid a p a ra ta ­ re fa s do fu tu ro . S e r consciente é e s ta r p re se n te à ta r e f a com tô d a a su a a lm a . Ao co n trá rio , se r inconsciente é esque­ cer-se, ou esq uecer um a p a r te de si, no que se faz, no que se diz ou no que se m ed ita ou p r o je ta ; é esquecer, m al conhecer, ou a f a s ta r os ensin am ento s — ou um a p a rte im p o rta n te dos en­ sin am en to s — do p a s s a d o ; é to rn a r-s e incap az de lig a r sua a c ti­ v id ade p re se n te à consideração dos efeitos que ela deve m ais in ev itàv elm en te p ro d u z ir. N essa consciência, a opinião não vê um a a c tiv id ad e à qual se a j u n ta ría de fo ra um a luz, capaz de fa z e r dela um espetáculo, m as um a activid ade, c u ja luz cons­ titu i a p ró p ria n a tu re z a e d a qual não so b ra n a d a se an u larm o s essa luz. A luz assim c ria o que ela aclara. Ê um m undo que d esaparece com o dia e nasce com êle. A consciência não é o ra io visível de um a activ id a d e ; ela é a m o la , a qual não pode v e rg a r ou ro m p er, sem que ceda e ro m p a o m ecanism o in teiro . E m su m a, a consciência é um a coordenação, e a incons­ ciência um a incoordenação, am b as d in âm icas. S er consciente, 150 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S p a r a um estad o, é se n tir-se em união de desígnio com outro s estados ( c u m s c i r e ) ” (Op. cit. pág . 10) A consciência é se m p re consciência d e . . . E la não pode ser se p a ra d a de seu conteúdo. U m a consciência sem conteúdo é um p u ro n ad a. Se con sid erarm o s o que em nós fo rm a o nosso “ s u je ito ”, como con stitu ído de u m a lu ta de im pulsos (in stin to s, etc.) di­ versos, pela sobrevivência e, p o rta n to , p a ra d om in ar, a c o n s­ ciência. é a v ic to ria ou os in sta n te s de predo m ín io dinâm ico de u n s sôbre o u tros, o ra dom in antes, o ra dom inados. T al estado de acentuação nos p a re c e ria como um a fix ação. E ssa fix ação (aten cio n al) se ria a consciência. :|; $ íJ í Q uanto ao fu n cio n am en to d a afectiv id ad e convém consi­ d e r a r a oposição que se rev ela com desenvolvim entos p aralelos ou com a com posição p o r com prom issos. A d ialéctica do am o r e do ódio (funcio nando n a a fe c tiv id a ­ de) desenvolve-se em planos d ife re n te s (p a ra le lo s), os quais se opõem ou se com binam (com posição p or com prom issos). N ão h á, p ro p ria m e n te , red u ctib ilid ad e e n tre os afecto s. O am o r não se to rn a ódio, nem o ódio am o r. H á com prom issos e n tre ambos, com m aio r ou m en or g ra u de actualização e v irtu alização. O que nos re p u g n a v irtu alizam o s em que am am os, e a c tu a ­ lizam os tu d o quanto nos dá a g rad ab ilid ad e. E a té o d e s a g ra d á ­ vel é sublim ado pelo am or. Quando se dá um ro m p im ento afectivo su rg e à to n a o a n tip atético v irtu alizad o , que se actu aliza agora. O am o r é atracção , desejo de fu são, enq u an to o ódio é a sep aração to tal, desejo de d esap arecim en to do objecto, em b o ra captado p ela frônese, pela fu são e n tre o afecto e quem o sente. É que o am o r e o ódio são intencion ais, d irig cm -se a um objecto, que lhes d á um conteúdo intencional, e não conteúdo afectivo, que é dado pela cap aci­ dade de a m a r ou de o diar. N O O L O G I A G E R A L 151 E ssa m esm a colocação se pode fa z e r q u a n to aos o u tro s afectos, que são sem pre polares, pois a c tu a m segundo vectores d iv ersos. A h etero gen eid ade p u ra , o d ife re n te absoluto , te r ia unicid ad e ; p o rta n to hom ogeneidade em si. Só n a afe c tiv id a d e conhe­ cem os êsses m om entos extrem os, opostos, que em nós coincidem . N a afe ctiv id ade, o d iferen te absoluto e a id e n tid ad e (hom o­ g en eid ade to ta l deste m esm o d ife re n te absoluto ) coincidem . É que a afectiv id ade, c u ja s c a ra c te rís tic a s j á m o stram o s em “ F iloso fia e Cosmo v isã o ”, re a liz a o in v erso de a intelec­ tualid ad e, que se p ara, p or a b s tra c to ra que é. A afectiv id ad e é con creta, v iv id a como sin g u larid ad e. H á unicid ade n a p ath ên cia, que pode se r com parad a a o u tra s, m as ja m a is p erde su a c a ra c te rís tic a individ ual, in tu itiv a m e n te ca p ta d a . E quando m e­ d itam o s sô bre as nossas paixões j á é a in telectu alid ad e que se debruça sôbre o m ais p ro fu n d o de n ossa alm a. * * # A activ id ad e hetero gen eizan te d a razão, que é m en o r que a hom ogeneizadora, nos é re v ela d a pela con stru ção dos gêne­ ro s su p erio res, que crescem n um a h ie ra rq u ia de hom ogeneização a té o conceito su prem o de ser, que engloba a todos (tom ado lo­ g icam en te) . M as s e r p a ra a razão é conceito. P a r a a afe ctiv id ade, se r é concreto, vivo, vivido. A ra z ã o cap ta-lh e n o ta s in te le c tu a is; a a fe ctiv id ad e vive a su a eficiên cia e a sua eficácia. A in telectu alid ad e oferece oposições em su as funções, o que n u n ca devem os esquecer. H á d u as activ id ad es do e sp írito (enqu anto in telectu alid a­ de) : a de id en tificação (rac io n a l) e a de d iferen ciação (p re ­ d o m in an tem en te in tu itiv a ) . T a is activ id ades são se p a ra d a s a b s tra c ta m e n te p o r nós, em b o ra se concrecionem no acto de conhecer. O conhecim ento concreto é sín tese de iden tificação + dife­ renciação. A definição lógico-form al red u z o defin ido a um a 152 M A R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S iden tificação p a rtic u la riz a d a (d ife re n ç a e sp ecífica). M as a unicidade do ôntico escap a ao fo rm a lism o ; vai além , p orque inclui o que não co n sta da definição. O nticam ente, só a a fe ctiv id ad e capta. R acionalm ente, êste hom em é u m hom em ,e podem os descrevê-lo. A intelectualid ad e descreve. M as a in tu ição in telectual, como e stá e n raiz a d a n a intuição sensível, e como e s ta é tam b ém raiz da in tu ição p á th ica, am bas têm , n a afe ctiv id ad e, um ponto de iden tificação m ais pró xim o que o da razão. À razão descrcve, m as a afectiv id ade vive a sin g u larid ad e. Hegel m o stra v a essa d iferen ç a tão im p o rta n te quando d iz ia : “ . . . A especulação exige, em su a m ais a lta síntese do cons­ ciente e do inconsciente, o an iq uilam en to da p ró p ria consciêc ia ; pois a ra z ã o m e rg u lh a e x a g erad am en te su a reflex ão n a iden tid ad e absoluta, o seu sa b e r e inclusive ela m esm a em seu p ró p rio abism o. E , n essa noite da sim ples reflexão e d a razão ( V e r s ta n d ) racio cin an te, que é o meio dia da vida, am b as podem e n c o n tra r-se ” . E ssa id en tid ad e, que é con ceituai, o p e ra to ria , a b s tra c ta p a ra a razão, é viv ida p-ela afectiv id ade. Sem um ap ro fu n d ad o estudo d esta, não é possível com pre­ end er o h o m e m . TEMA IV A R T IG O 3 C A R A C T E R E S D O E S P ÍR IT O . M A T E R IA L ISM O E E S P IR IT U A L IS M O A N oologia d iferen cia-se da Psicolo gia p ro p ria m e n te d ita , porque e sta não u ltra p a s sa o lim ite do que é contro lável expe­ rim e n talm en te. O m étodo da N oologia é o u tro que o m étodo cien­ tífico, p orqu e p ro cu ra realid ad es p a ra as q u ais não podem os a p lic a r o m étodo ex p erim en tal d as ciencias, m as os m étodos da filoso fia. N ão q u er ta l d izer que a N oologia não p a r ta da expe­ rien cia, m a s a tra v é s da an álise d ialéctica que alcança planos m etafísico s, que a m era ex p erien cia cien tífica não p erm ite alcan çar. P ro p ria m e n te se deve reconhecer, no e n tan to , que o psicó­ logo não pode e v ita r o em prégo de m étodos m etafísicos, como se vê fácilm en te n a activid ad e da psicologia em p ro fu nd id ad e, como, p o r su a vez, o noólogo não pode e v ita r, e não o deve, a co n tribu ição que a exp erien cia oferece, a fim de em p reen d er an álises noológicas. N as d iv e rsa s classificações do que se ja corpo, alm a e esp í­ rito , já p o r nós analisad as, v erifica-se, com clareza, o que se en­ ten d e p o r e s p ír ito . Podem os tin ções : caracterizá-lo fu ncio n alm en te, p o r e stas d is­ M A R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S 1) capacid ade de r e fle x ã o . N ão é ap en as capaz de exp erim en ­ ta r sensações, m as delas to m a r consciência, bem como de si m esm o. Podem os, p o rta n to , sa lie n ta r: a ) consciência d as sensações; b) consciência de si m esm o como recep to r de sensações — pessoalidade. 2) R a c io n a lid a d e — capacid ade de p erceb er relações e n tre os 3) 4) 5) dados da percepção, c a p ta r nexos, que tam bém su rg em no nexo do fu n cio n am en to d a razão . F un cio nam en to da in te ­ lectualidade. A fe c tiv id a d e — C apacid ade afe ctiv a, que alcan ça um a consciência da frô n e se e da captação sim bólica do aconte­ cer. P en e tra ç ã o m ística, a tra v é s dos sím bolos a té a com u­ nhão com o sim bolizado. C o n stru ç ã o de c o n ju n tu r a s e sq u e m á tic a s — O p o rtu n am en ­ te ex am in arem o s esta capacid ade do esp írito hum an o de co o rd en ar esquem as p a r a em p reen d er conhecim entos m ais am plos. A lib e rd a d e — C apacid ade de a fa s ta r-s e dos laços que o p ren d am à m e ra m a teria lid a d e, à m e ra anim alid ade, poden­ do o p ta r p o r valores su p erio res, que é, em su m a a v o n ta d e , facu ld ad e de a firm a r ou de te n d e r aos valo res in telectu al­ m ente apreendidos. N ão se deve co n fu n d ir com o q u e re r inconsciente, m ero im pulso, que é anim al. O 'p rinc íp io e s p ir itu a l O fu n cio nam en to do esp írito não é um fu n cio n a r a p e ­ n a s anim al, p o r isso su rg e à filoso fia, em todos os tem pos, um a p e rg u n ta que cabe à N oologia e s tu d a r e re sp o n d e r: h á um p r in ­ cípio e sp iritu a l no hom em , d istin to do corpo? J á a n alisam o s n a “ A ntro po g ên ese” e em “ O H om em p e ­ ra n te o In fin ito ” como su rg iu ao hom em a idéia de alm a. A pro blem ática, que conseqüentem ente se oferece aqui, é u m a de­ corrência n a tu ra l dessa colocação. À Psicologia p ro p ria m e n te não cabe re sp o n d e r a ta l p erg u n ta , sim à N oologia. N O O L O G I A G E R A L 155 No p en sam en to tra d ic io n a l das relig iões e d as filoso fias, que aceitam um p rin cíp io e sp iritu a l, é êste considerado como de um se r m ais su til que o da m a té ria . P o r isso, com preende-se que certo s povos p rim itiv o s con siderassem a so m b ra p ro je c ta d a pelos objectos, como a alm a dos objectos, d ad a a inco rp oreidade que a p re se n ta , enq uan to o u tro s a id e n tific a sse m com o sopro (a n im a , em latim , p s y c h ê em g rego ) e n q u an to outro s com o san gu e, etc. Sendo um p rin cíp io re a lm e n te d istin to do corpo, a alm a não pod eria decom por-se com êste, e deve sobreviver-lh e, sem que o conceito de im o rtalid ad e se ja u n iv ersal. A ssim , ao lado dos que aceitam a im o rtalid a d e da alm a, desde que a consideram sim ples e, p o rta n to , indecom ponível, h á os que aceitam a sobrevivência, não, porém , a im o rtalid ad e. H á tam bém os que adm item que a alm a, como fo rm a im a te ria l, re in c a rn a -se em o u tro s corpos (como se vê em c e rta s teo ria s da m etem psicose, das rein carn açõ es, etc.) a té alcan çar, pela p u ­ rific aç ã o dos elem entos hetero gêneos, a sim plicidad e absoluta, que lhe a sse g u re a im o rtalid ad e e a p len itu de b ea tífica. E m face da filoso fia, sabem os que in tu ím o s os facto s, sem term o s um a intu ição sensível do esp írito . N ão o captam os como êle é, m as cap tam o s m an ifestações, a c to s ; sentim os su a p re se n ­ ça, exp erim en tam o s su a activid ade, n u m a in tu iç ã o confusa. Sen­ tim o-nos como um su jeito a n te o objecto. M as p a r a p re c isa r em que consiste o e sp ír ito , a filo so fia p re cisa in v e stig a r, usando m étodos filosófico-m etafísicos. No exam e que façam os do se r hum ano, vem os que êste a p r e s e n ta : 1) fenôm enos fisiológicos; 2) fenôm en os psicológicos. D iv ersas posições podem se r to m a d a s: 1) que ta is fenôm enos correspondem a um a m esm a re a lid a d e ; 2) ou a re a lid a d e s d istin ctas. E , conseqüentem ente, em q ualq u er d as resp o stas d ad as: a ) qual a origem dessa ou d essas realid ad es? b ) qual o destin o que têm ou te rã o ? 156 M Á R IO í ’K R R E IR A DOS SA NTO S As respíwlurt podem se r classificadas n as seg uintes con­ cepções : 1) h á aptMi.-w um p rin c íp io : o m a te ria l, e tem os o m a te r ia lis m o ; 2) há apcíiuia um p rin c íp io : o e sp iritu al, e tem os o im a ie r ia f ir. ni o, o e s p lr itu a lis m o a b s o lu to e algum as te o ria s id e a lis­ ta s -a b so lu ta s ; :s) há um p rin c íp io e s p iritu a l e o u tro m a te ria l: e s p lr itu a lis m o c r is tã o , p a r a exem p lificar. A concepção m a te ria lis ta j á é su ficien tem en te conhecida p a r a que u m a exposição não se possa fa z e r em lin h as g erais. O que c a ra c te riz a p ro p ria m e n te o m aterialism o é a n eg a­ ção de u m a realid ad e im a te ria l, e a a firm ação de um a única realid ad e m a te ria l. A lguns m a te ria lis ta s (m a rx is ta s ) explicam a su a posição, que oferece c e rta v a ria n te , como o faz H aldane, quando d iz : “ Q uando digo que sou m a te ria lista , quero dizer que creio n a s seg uintes p ro posições: 1) P roduzem -se acontecim ento s que não são percebid os p o r nen hum e sp írito ; 2) H ouve acontecim entos n ão percebidos a n te s que h a ja um esp írito. E creio tam bém , a p e sa r de não se r um a dedução lógica n ecessária d as d uas proposições precedentes, q u e: 3) Q uando um hom em m o rre, êle e stá com pletam ente m o rto ” . A d o u trin a m a te ria lis ta m a rx is ta aceita a a n te rio rid a d e do m undo e x te rio r ao esp írito , ou como diz Lenine, a n te rio ri­ dade do objecto sô b re o su jeito . Ê ste é m odelado p o r aquêle, um epifenóm eno daquele. N este caso, por a firm a r a m a teria lid a d e exclusiva do m undo, o esp írito é explicado pelo fun cio nam ento d essa m esm a m aterialid ad e. Não é o m aterialism o um a posição nova n a filoso fia. Co­ n heceram -se o u tra s sem elhantes em tôd as as g ra n d e s cu ltu ras, co m o a dos c h a rv a k a s, n a ín d ia, e, na c u ltu ra g rega, a posição de E p icu ro , seguida p o r Lucrecio, a de D cm ócrito, e a dos estoicos. N O O L O G I A G E R A L 157 A alm a, p a r a todos eles, e ra m a te ria l. “ N ad a se pode conceber de p ro p ria m e n te in co rp o ral, a não se r o vácuo. E o vácuo não pode a c tu a r nem s o fre r ; p erm ite ap en as ao corpo de se m over a tra v é s dele. P o r con seguinte, d izer que a alm a é in co rp órea é um a toiice. Se ela o fosse, ela não po­ d e ria nem a c tu a r nem so fre r, o que vem os contudo com evi­ d ên cia.” (E p ic u ro ). D em ócrito d istin g u e dois tip o s de átom os. U ns m ais su btis, que ex p licariam o fu n cio n am en to do e s p írito ; e o u tro s m ais g ro sseiro s, que fo rm a ria m tip ic a m e n te a m a té ria . M as, no m aterialism o a n tig o , o seu g ra n d e a rg u m en to é o se g u in te : se a alm a é in c o rp ó rea como pode a c tu a r sôbre o corpo? O ra, como ela actu a sô bre o corpo, ela é corpórea. P o r outro lado, sendo o corpo corpóreo, como p od eria a c tu a r sôbre a alm a, que é in co rp órea? Os a rg u m en to s m a te ria lista s pro sseguem , n a c u ltu ra ociden­ tal, com alg um as v a ria n te s a p a n h a d a s d as ciências n a tu ra is . H olbach, no século X V III, d izia: “ E u vos digo que não vejo m in ha alm a, que não conheço e não sinto senão o m eu c o rp o : que é o corpo que p en sa e que ju lg a , que so fre e que se aleg ra. Com que d ireito os teólogos re c u s a ria m a seu D eus o poder de d a r o esta m a té ria a faculd ad e de p e n s a r? Ser-lhe-ia m ais d ifícil c r ia r com binações de m a té ria de onde re su lta sse o pen ­ sam ento, que esp írito s que p e n sa m ? ” O m ateria lism o do século X IX , e a in d a o do século XX, fu n ­ dam -se, so bretu do , no que as ciências n a tu ra is oferecem . O p ro g resso que obteve a fis io lo g ía do sistem a nervoso levou a e x p lic a r os facto s in telectu ais e e sp iritu a is, como m eras m an ifestaçõ es dêsse sistem a. A p aleon tolo gia m o stra-n os o desenvolvim ento do cérebro que acom panh a o desenvolvim ento da in telig ên cia hum an a, bem como pode ser com parad a a dos an im ais. D esta fo rm a, os facto s e s p iritu a is p o d eriam ser explicados pelas m odificações que so fre a m a té ria em su as com binações, e n a d a m ais. M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S No século p assado d izia M aleseh ott: “ O pensam en to é um m ovim ento da m a té r ia ” . V ogt, p a r a n ão lhe fic a r a trá s , teve esta fra s e que fo i tão re p e tid a pelos m a te ria lis ta s : “ H á a m es­ m a relação e n tre o p en sam en to e o cérebro, que h á e n tre a bilis e o fígado, ou a que h á e n tre a u rin a e os r in s ” , e F eu e rb ac h já concluía d e fin itiv a m e n te : “ É o fó sfo ro que p en sa em n ó s.” E H aeckel p ro cla m a v a : “ C onsideram os a alm a como um conceito colectivo que d esig n a o c o n ju n to das funçõ es psíquicas do p la sm a .” Os estudos científicos v in h am tr a z e r con tribuiçõ es novas a essas teses, e a fa c ilita r a p a re n te m e n te ta is opiniões. M as os estud os do fim do século X IX , e dêste, iam o b rig a r a v a ria n te s que têm um g ra n d e in teresse p a r a o filósofo. Com M ach, e O stw ald so bretu do, o p rin cíp io seria a e n e r g ia , e a m a té ria e e sp írito se ria m n a d a m ais que duas fo rm as da e n e rg ia . S u rg ia o e n e r g e tis m o . B e rtra n d R ussel explica como é : “ T an to o esp írito como a m a té ria são facto s (feito s) de um a su b stân cia n e u tra , cu ja s leis causais, longe de te r a d ualid ade da psicologia, fo rm am a base sôbre a qual se edificarn, ta n to a física como a p sicologia” . B ro ussais, um m édico de certo renom e, d iz ia : “ N ão creio n a alm a p orqu e n u n ca a enco n trei n a p o n ta do m eu b is tu rí.” Tem os a í um a m an ifestação do que é o m a terialism o v ul­ g a r. O m ateria lism o daqueles que ap en as crêem , e só, no que os seus sentidos captam , em su m a, “ filoso fia de açou gu ei­ r o ”, como a cham av a A ristó teles. A té ag o ra, como se vê, o a rg u m en to oferecido é o mesmo dos antig o s m a te ria lista s g re g o s: É inexplicável a acção do corpo sôbre o esp írito , e a do esp írito sôbre o corpo. “ Como um a coisa extensa, não p en san te, p od eria tra n s m i­ t i r im pressões a um a coisa p en san te, não exten sa, como a que re p re se n ta m o s a alm a, — como p od eriam as im pressões se r co­ m u n icadas dessa coisa à p rim e ira — e, em su m a, como p o d eria h a v e r o que q u er que se ja de com um e n tre elas? — E is o que não pôde a in d a se r explicado p o r nen h um a filosofia, e eis o que não o se rá n u n c a .” (D avid S tra u s “ A A n tig a e a nova le i”, pág. 3 1 7 ). N O O L O G I A G E R A L 159 T ais arg u m en to s p od eriam receb er e sta re sp o sta p ro v isó ­ ria : o que é incom preen sível é su fic ie n te p a r a n e g a r a re a lid a d e da alm a? Podem a s d ificuld ades, p o r si sós, serem su ficien tes p a ra n e g a r alg o? N egavam as d ificu ld ades da b aix a Id ad e M édia a possib ilidade do vôo h u m an o ? N eg avam os telescópios a ntig o s a existên cia de im ensos m u n do s sid e rais, descobertos depois? Pode o desconhecim ento se r a rg u m e n to p a r a a firm a r a inex istên cia do desconhecido? A dem ais se é difícil ou im possível p a ra os m a te ria lis ta s as relações e n tre o corpo e a alm a, pode o m a teria lism o ex p licar o p en sam en to ao com pará-lo à b ilis ou à u ré ia ? P ode a idéia de m ovim ento ex p licar o p en sam en to ? B iológicam ente a firm a -se que a d iferen ç a e n tre o hom em e o an im al, e a e n tre o an im a l e a p la n ta são ap en as d iferen ças de g ra u s, a rg u m en to acariciad o pelos m a te ria lista s. Se o hom em tem um a alm a, devem tê-la tam b é m os a n im ais e as p lan tas. Os e s p iritu a lis ta s respondem que a v id a m a te ria l (ta n to das p la n ta s como a dos an im a is) im p lica um p rin c íp io im a te ria l. M as h á o utro s arg u m en to s m a te ria lis ta s que vam os s e ria r e ex p licar, p a r a um a c rític a fin al. Os estudos de psico-fisiologia p erm ite m aos m a te ria lista s a firm a r: 1) que a activ id ade p síq u ica é condicionada p ela activ id ad e o rg ân ica. A endo crinología, p o r exem plo, m o stra-n o s q u an ­ to influ em sô bre os p en sam en to s e afeições o fu n cio n a­ m ento d as g lâ n d u la s ; 2) que o desenvolvim ento m e n ta l n a s espécies anim ais, de­ pend e do desenvolvim ento re lativ o do cérebro, e igualm en te o fo i no hom em ; 3) que as lesões c e re b rais im plicam p riv ação de c e rta s fu n ­ ções m en tais. N ão convém c o n fu n d ir causa com condição. O aparelho óptico é condição da visão, e não causa. A condição não é o v e r­ dad eiro a g e n te da acção. O cérebro pode ser o órgão do p en sa ­ m ento, m as d aí não se pode con clu ir que o cérebro pense. 160 M A R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S E . D. A d riá n , p rêm io Nobel, e um dos g ra n d e s neurólogos do nosso século, em seu fam oso livro “ A base da se n sa çã o ” à p ág . 14, nos d iz : “ . . . o p ro blem a da conexão e n tre o cérebro e o esp írito é tã o enigm ático p a ra o fisiólogo como p a ra o filósofo. Talvez um a p ro fu n d a rev isão de nossos sistem as de conhecim ento possa ex p licar como um esquem a de im pulsos nervosos pode c a u sa r u m pensam ento , ou d e m o n stra r que am bos fenôm enos são, n a realid ad e, a m esm a coisa con tem plada de d ife re n te p onto de v ista . Se ta l rev isão se lev ar a cabo, só espero se r capaz de en ­ tendê-la. ” E ssa opinião hum ild e é c o rro b o ra d a m ais a d ia n te , depois d as penosas e sé ria s exp eriên cias re alizad as, que con firm am e sta co n clu são : alcança-se a té um p onto no exam e da sensação. M as, depois, n a d a se sabe. O u tras ex p eriên cias nos m o stram que os m esm os facto s orgân ico s podem aco m p an h ar fa c to s psíquicos d iferen tes. Os ensaio s sô bre a s localizações c e re b rais m alo g raram . A ablação de lóbulos ce re b rais, que corresp on d iam a c e rta s funções, não as aniquila, m as apen as a s reduz. Que o cérebro se ja um a c on ­ d iç ã o do pensam ento , adm item -n o os e sp iritu a lista s m odernos, não, porém , que o pen sam en to se ja um p ro d u to do cérebro. Que a cada p ensam ento h a ja m odificações cereb rais, é ta l fa c to v e ri­ ficado, m as sucede que as m esm as m odificações podem d ar-se p a r a p ensam ento s d iferen tes. O e s p ir itu a lis m o Colocam-se os e sp iritu a lista s n um a posição in v ersa. A P s i­ cologia não pode ser red u zid a à F isiolo gía, e os fa c to s fisio ló g i­ cos, p o r si sós, não são su ficien tes p a r a exp licar os facto s p s i­ cológicos. O e s p iritu a lista a firm a a esp iritu alid a d e da alm a, c u ja ac ti­ vidade, bem como su a existência, são ind ependen tes d a m a téria . N O O L O G I A G E R A L 161 Cabe ao e s p iritu a lista re sp o n d e r a uni co n ju n to de p e rg u n ­ t a s que desde logo se colocam : 1) Q ual é a n a tu re z a d essa alm a? 2) Q uais as relações e n tre a alm a e o corpo? 3) Qual a o rigem e o d estino da alm a? M uitas tem sido a s re sp o sta s a essas p e rg u n ta s fu n d a m e n ­ ta is. S in tetizarem o s apenas as m ais im p o rta n te s. 1 ) A alm a é u m a su b stâ n c ia e sp iritu a l, im a te ria l, incor­ pórea. N ão a p rç s e n ta as c a ra c te rís tic a s dos corpos que se dão no com plexo tem po-espacial, que são e x te n sista s com a trid im e n sion alid ade p ró p ria do espaço. A alm a, in c o rp ó rea , n ão tem a trid im e n sio n alid a d e do espaço, em b ora actu e no tem po. Como é sim ples, n ão é decom ponível; p o rta n to não conhece a m o rte, que é decomposição. É im o rtal, conseqüentem ente. E s ta é a opi­ n ião dos e s p iritu a lista s em g eral. 2 ) A alm a é um a colecção de fenôm enos e de sensações. N ão tem ela m a terialid ad e, m a s é ap en as um relacionam en to coordenado de funções psíquicas. E s ta opinião, ac u sa d a p o r m u i­ to s de m a te ria lista , tom ou o nom e g e ra l de fenom enism o, e foi d efen d id a p o r T ain e, que fa z ia questão de que não o cham assem de m a te ria lista , m a s podem os en co n trá-la j á esboçada em H um e. “ Q uando p en e tro m ais in tim a m e n te no que se cham a eu m esm o, caio sem p re sôbre a lg u m a percepção p a rtic u la r ou alg u ­ m a o u tra , de calor ou de frio , de luz ou de o b s c u rid a d e .. . N ão posso, n un ca, to m a r a m im m esm o n u m a percepção, e pode-se d izer se g u ram en te que eu não e x isto .” (H u m e). N ão alcançam os nosso eu senão a tra v é s de seus actos. É um fa c to observável. Conclui pela in ex istên cia do eu, pelo facto de não se r alcançado. M as como conclu ir daí a su a in existên cia ? 3) A explicação escolástica. P a r a os escolásticos, a subs­ tâ n c ia e os accid entes (o que acontece à su b s tâ n c ia ), não são dois sêres, m a s dois p rincíp io s de um m esm o ser. Todo acciden te, que pode s u rg ir e pode d esaparecer, supõe um s u p p o s itu m , um su porte, o su jeito, um a re a lid a d e p erm an en ­ 162 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S te, na qual se p roduzem ta is m o dificações. Como conceber a cor, o calor, sem corpos coloridos, quentes? Os fenôm enos psicológicos são apen as accidentes, pois são tra n s itó rio s, m u táv eis. O ra estou tris te , ora aleg re, etc. H á, con­ seqüentem ente, um a su b stâ n c ia su b-jacente a esses fenôm enos, a êsses accid en tes psicológicos. N ós captam os a únid ad e do nosso eu. A m em ó ria a trib u i ao m esm o e u fa c to s passado s. Sem essa perm an ên cia, como h a v e r m em orização de fa c to s passado s? H av e ria, ao c o n trá rio , apen as fa c to s actu ais. O accidente, como se v iu n a O ntologia, não é um ser com um a existência independente. Os acciden tes dão-se n a su bs­ tân cia. O se r do accidente consiste em se r num se r (in e sse ). T am bém as relações, que são sêres assisten ciais, im plicam os seus su portes. M as a su b stâ n cia não é um se r sem accidentes, pois à su b stâ n cia tudo q u an to acontece é accidente. A su b stân cia é essencial aos accidentes, m as êstes não o são de modo d eterm in ad o à su b stân cia. Os facto s psíquicos im plicam p o rta n to um a su b stân cia, que re a liz a actos psíquicos. E ssa alm a é sim ples, im a te ria l. Se fô sse com posta de p a r ­ tes, e p o rta n to m a te ria l, cada p a rte sim ples te r ia um conheci­ m ento do todo. T eríam os então u m a m u ltip licid ade de alm as, tenho cad a um a um conhecim ento p ró prio , o que é c o n trá rio à exp eriên cia que tem os d a u nicid ade do conhecim ento. A in d a p oderíam os o b se rv a r que cada p a rte do p rin cíp io cognoscente conheceria um a p a r te do objecto, m as o p ró p rio objecto não s e ria conhecido em seu co n jun to, o que tam b ém é co n trá rio aos factos. A idéia de esp iritu alid a d e supõe a sim plicidade, a im aterialid ad e. Os estud os sôbre a m em ó ria m o stram -no s que não se pode explicá-la como um a m e ra fu n ção do cérebro, como j á o p ro ­ v a ra m ta n to filósofos como fisiologistas. A capacid ade de c o n stru ir idéias a b s tra c ta s e g e ra is não se pode ex p licar ap en as pelo que é sin g u lar. U m a im agem pode N O O L O G I A G E R A L 163 ser um a cópia da m a té ria , m as como concluir que o se ja um a idéia a b s tra c ta ? A idéia de ju stiç a , de bem , de perfeição são p u ra m e n te intelectu ais, e n ão d ad as pela ex periência. O ra, h á um axiom a ontológico que nos diz que cada se r a c tu a segundo o que é ( a g e re s e q u itu r e s s e ) . O esp írito h um a­ no tem re p resen taçõ es in telectu ais, p o rta n to é um a in te ­ ligência p u ra . Se p o r meio do m a te ria l o e sp írito re a liz a o im aterial, es­ p iritu a l, é p orque êle sem d úv id a é e sp iritu al. Q u id q u id r e c ip i­ t u r a d m o d u m r e c ip ie n tis r e c ip itu r , cada um recebe a acção que so fre segundo o que é. A fo to g ra fia de um triâ n g u lo , que c g eó m e tra tra ç a no papel, não é o pen sam en to sô bre o triân g u lo . Só o hom em in tu i do concreto e do p a rtic u la r o a b stra c to e o g eral. Só o hom em tem intuiçõ es eid éticas. A lém do m ais, o hom em c a p ta idéias n o rm a tiv as, o e th o s, que estu d arem o s n a “ É tic a ” . E la s não nascem da experiência sensível, a firm a m os e sp iritu a lista s. A idéia do bem e do belo n ão su rg em da nossa exp eriên cia, elas a firm a m u m a p a rtic ip a ­ ção n ossa em o u tro m undo que não êste, onde ta is valores se dão n u m a p erfeição su p e rio r à que nós dêles tem os. A von tad e m o stra-n o s um a activ id ade e sp iritu al. P . Lam y a n a lis a o exem plo do soldado que, n a g u e rra , tem um m em bro infeccionado. N ão h á anestésicos. É preciso am putá-lo. Todo o seu corpo diz não. M as sua v on tad e diz sim , e a c eita a pro po sta do médico. Como exp licar ta l acto, quando todo organism o se reb ela à dor que o am eaça? A nte as relações e n tre o corpo e a alm a, explica o esp iri­ tu a lis ta : o hom em não é um p u ro esp írito , êle é tam bém corpo. É o e sp írito que an im a êsse corpo, um p rin cíp io im a te ria l que o anim a. M as como realid ades tão h etero gên eas podem a g ir um a sô b re a o u tra ? Os idealistas absolutos, que negam a m atéria, resolvem êste pro blem a pela aceitação de um m onism o esp i­ ritu a lis ta . O p aralelism o psico-fisiológico, que já estudam os n a Psico­ logia, p ro c u ra exp licar, sem no en ta n to reso lver, o problem a da acção re cíp ro ca e n tre corpo e alm a. 164 M A R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S 0 pro blem a coloca-se p o rta n to deste m odo: a ) enq u an to os id e a lista s não são capazes de exp licar o pro blem a da sensação, tam b ém não são os m a te ria lis ta s capazes de ex p licar o pen sam en to . b ) A aceitação de um dualism o não nos explica a acção recíp ro ca. V ejam os a re sp o sta de T o m ás de A quino: A alm a é a fo rm a do corpo. È a alm a que dá ao corpo o ser, a vida, o sen tim en to , e é ao m esm o tem po o in stru m e n to do p en ­ sam ento. E la pode a c tu a r e e x is tir ind epen dentem ente d a m a ­ té ria . A alm a não é u m a fo rm a como a dos sêres corpóreos, como a da flo r, que p re cisa d a m a té ria p a ra e x istir. A alm a é u m a fo rm a su b sisten te, e pode s u b s istir sem a m a té ria . Qual a origem e o d estin o d a alm a? A e sta p e rg u n ta são dad as, pelos e sp iritu a lista s, as seguintes re sp o sta s p rin c ip a is : Pondo-se de lado as opiniões evolucionistas, que não são aceitas p o r todos os e sp iritu a lista s, senão sob certo aspecto, a opinião p redo m in an te, no O cidente, é a criacio n ista. Os evolucionistas, quando são e sp iritu a lista s, dizem que D eus a c tu a p o r causas p rim e ira s e causas seg un das (e aqui a p ro v e ita m o racio cínio to m is ta ). Se o hom em é p o rta d o r de u m a alm a, é porque D eus pro videncio u ( p r o - v id e r e , v iu com anteced ên cia) ordenou o m u ndo de ta l modo que se dessem ta is ou quais conseqüências p a r a que ela su rg isse. A evolução p ro cessou-se pela conjunção de causas seg un das fa v o ráv eis, que actu an d o como p red isp onentes, p e rm itira m a em erg ên cia da alm a, que nos a n im ais é sim plesm ente v e g e ta tiv a ou anim al, m as que, no hom em , é racio n al. E s ta posição re a liz a um com prom isso e n tre o evolucionis­ m o e o e sp lritu alism o , e e m p re sta à m a té ria u m a v irtu a lid a d e e sp iritu al. No entan to , p od eriam a rg u m e n ta r os d efen sores de ta is idéias que não se em p re sta à m a té ria essa v irtu a lid a d e , e n ­ quan to m a té ria . O m a te ria l é um modo de ser, como o e sp iritu a l é um modo de ser. O se r que as antecede em dig nid ade e p od er é que se ac tu a liz a como e sp iritu a l, quando um c o n ju n to de con- N O O L O G I A G E R A L 165 diçoes fa v o ráv e is p e rm itira m que a m a té r ia fô sse receptácu lo de o u tro ser, o e sp iritu a l, que não é um desen volvim ento d a ­ quela en q u an to tal, m as do se r, que a anteced e. O se r anim al, g ra ça s à p ro v id ên cia d iv ina, alcançou um estado em que pod ia re ceber a alm a, isto é, t e r funcções esp i­ ritu a is , a firm a m cs evolucionistas e sp iritu a lista s, ou a rece­ b er um a alm a, a firm a m os c riacio n istas, que ad m item a evolu­ ção, que é um p onto interm édio e n tre os p rim e iro s e os c ria ­ cio n istas p uros. U m a p e rg u n ta im põe-se aos c ria c io n ista s p u ro s, que não adm item n en h um a pro cedên cia d a an im a lid a d e : p o r que D eus p re fe riu a fo rm a anim al, a p a re n ta d a aos p rim a ta s , e não o u tra p a r a se r receptácu lo de u m a fo rm a e s p iritu a l? N ão d ev eria co r­ re sp o n d e r fisioló gicam ente ao psicológico? O u tra s p e rg u n ta s se im põem : ou a alm a vem dos pais, ou foi c ria d a p o r D eus? E q uando su rg e a airna da c ria n ç a ? Se ela p re e x istia , onde estav a ? N um anim al, n u m a coisa, ou p a ira v a em um m undo im a te ria l à esp era da su a in fo rm ação m a te ria l? A I g r e ja q uanto à p assagem b íb lica que d iz: “ E D eus crio u o hom em à su a im agem ; criou-o à im agem de D eus. Fê-lo do b a rro , e insu flou-lhe n as n a rin a s um sôpro de v id a e o hom em to rn o u-se um se r viv o ” (II, 1 7 ), dá lib erd ad e à s investigaçõ es dos filósofos católicos. R econhece que êste tex to não pode se r tom ado ao pé da letra . A E n cíclica “D iv in o a f fia n te S p i r i to ” p e rm ite que se considere essa p assag em como um a exposição p o p u la r (e x o té ric a ), afim de se r m elh o r com preendida pelo hom em do povo. F a b re d'O livet, tra d u z in d o o tex to hebraico, de cu ja lín g u a fo i êle urn re s ta u ra d o r, tra d u z d êste m odo: “ E IH O A H , a Deidade C riad o ra, m odelou a su b stâ n cia de Adão, o hom em , com a sublim ação d as p a rte s m ais su b tis dos elem entos adám icos, e soprou-lhe n a in telig ên cia u m a essência ex a lta d a de v id a s; e A dão to rn o u -se um a sem elhança d a A lm a U n iv e rsa l.” À s p e rg u n ta s que acim a alinham os, os e sp iritu a lista s a f ir ­ m ara p re fe re n te m e n te qua a alm a veio de D eus. O utros, porém , 166 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S adm item que se ja tra n s m itid a pelos pais, o que e x p lic a ria o p e­ cado origin al, que é tra n s m itid o dêste modo, p o r geração. A dm item o u tro s que a alm a anim al é tra n s m itid a p o r ge­ ração. M as o esp írito não o é. Se se adm ite essa explicação, como su rg iria m as funçõ es e s p iritu a is? É esta d ificu ld ade que leva a c o n stru ir a idéia de e sp írito , que a g o ra se to r n a c lara. Q uanto ao seu destin o, a firm a m os e sp iritu a lista s a im o rta ­ lidade d a alm a, p o r se r im a te ria l e esp iritu al, a qual não so fro a disassociação dos elem entos, pois é sim ples. D esligada do corpo, não pode s o fre r o destin o do corpo. T ôdas essas idéias, que j á fo ra m expostas 110 tex to dos liv ro s a n te rio re s, p a ssa rã o a ser m otivo de análises noológicas em “ O P ro b lem a da A lm a ” . ■ T E M A I V A R T IG O D IA L É C T IC A 4 N O O L Ó G IC A E m face d as razões a p re se n ta d a s a té aqui, p or m a te ria lis­ ta s e im a te ria lista s (id ea lista s a b so lu to s), e e sp iritu a lista s, o problem a pode ser delineado da seg uinte m a n e ira : A d iferen ciação e n tre corpo, alm a e esp irito é clara, e a n te essa tría d a , assim se colocam as d iv e rsa s te o ria s : 1) que a alm a e esp írito são m an ifestaçõ es do corpo (m ate ­ ria lism o ) ; 2) que o corpo e alm a não são m a te ria is, m as m anifestações do esp irito (id ea lista s absolutos, e com pequenas v aria n te s, não fu n d a m e n ta is, os im a te ria lis ta s ) ; 3) que o corpo é m a teria l, m as alm a e e sp írito são im a te ria is, in co rp óreo s e e sp iritu a is (e sp iritu a lista s, em g e r a l ) ; 4) que o corpo é m a teria l, m as a alm a é v eg e ta tiv a ou anim al, fo rm a in co rp órea, que in fo rm a os seres, tra n sm issív e l p o r g eração , m as o esp irito é ab so lu tam en te im a te ria l, e é ex­ clusividade do hom em e n tre os seres vivos (e sp iritu a lis­ ta s específicos) ; 5) que corpo e alm a, conhecem evolução, e o espírito, que é im a te ria l e esp iritu al, só to m a o corpo, quando éste está ap to a recebê-lo, a tra v é s de um a evolução (e sp iritu a lista s evolucion istas) ; 1G8 7) M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S que corpo e alm a conhecem um a evolução, m as tam bém o esp írito , que, p o r d esp o jam ento (ascese) da m ateria lid a d e e do m era m e n te v ital, a fa s ta de si o im puro, o im p erfeito e alcança, a tra v é s de vid as, de longas exp eriên cias, a ple­ n itu d e de si m esm o, que é a b eatitu d e fin a l (esp lritu alism o re in c a rn a cio n ista , ou a in d a, com v aria n te s, e s p iritu a lista s que aceitam a m e te m p s ic o s e . E n co n tram o s essa concepção e n tre os hindus, e, no O cidente, em alg um as platônicos, neo-p itag órico s, e tc .). D ispensando as d iferen ç a s que têm tô d as essas teo ria s, n as suas d iv e rsa s m an ifestações, podem os assim s in te tiz a r a posição fu n d a m e n ta l em que elas se classificam . Se bem nos recordam os dos arg u m en to s p rin c ip a is ex­ postos, vem os o se g u in te : E n q u an to os m a te ria lista s enco ntram m aio r facilid ad e p a ra e x p lic a r a sensação, não a en co n tram aí os e sp iritu a lista s em g e ra l; e en q u an to êstes têm facilidad e de exp licar o p en sam en ­ to, não a têm aqueles. V erifica-se, facilm en te, que ta n to m a te ria lista s como esp i­ ritu a lis ta s enco ntram a seu fa v o r, fu n d ad o s no concreto, asp ec­ tos que serv em de ponto de apôio às su as teses. V im os a in d a que as te n ta tiv a s de conciliação fo ra m apen as com prom issos, e não p ro p ria m e n te soluções. O pro blem a coloca-se de q u alqu er f o r ­ m a g rita n te e exig en te an te a ciência e a filosofia, sem que se ten h a enco ntrad o um a solução que sa tisfa ç a plenam ente, ou que reu n a, n u m a p ositiv idad e global, o que h á de concreto em tô d as as posições. V am os, ag o ra, a tra v é s de um a análise, te n ta r esclarecer tão debatid o problem a, em bora a solução que a filoso fia con creta dá só o possam os fa z e r no “ P rob lem a da A lm a ”, d ad a a com ­ p lex id ade do assu nto , e a exigência de solução de o u tro s pontos, cujo esclarecim ento é im prescin d ív el p a ra que se obtenh a um a solução g eral. C ontudo, é possível esclarecer alguns pontos, lios quais, ju lg a ­ mos e s ta r a a p o ria que su rg e, ta n to p a r a u n s como p a r a outro s. N O O L O G I A G E R A L 169 E m p rim e iro lu g ar, ta n to a posição m a te ria lis ta como a e s p iritu a lista p a rte m de conceitos sô bre a m a té ria e o e sp írito que n ecessitam se r esclarecidos. O que se entend e por m a té ria ? O que se en ten d e p or esp í­ rito ? E , fin alm en te, o que entend em os m a te ria lis ta s que é es­ p írito e os e sp iritu a lista s que é m a té ria ? Se, usando o nosso m étodo dos indícios, p ro cu ram o s o que indicia a afirm a ç ã o de un s e o u tros, sôbre o que é m a té ria e o que é esp írito , crem os que m u ito j á se consegue esclarecer dessa longa polêm ica. Como su rg iu ao hom em o conceito de m a té ria ? Como s u r­ giu ao hom em o conceito de e sp írito ? N ão se ria difícil, usando da decadialéctica, e n c o n tra r a gê­ nese dêsses conceitos, ou dêsses esq uem as a b stra c to s. E n co n­ trand o -o s, é fácil d isc u tir a su a existên cia real. O ra, um a análise em p reen d id a dêsse modo, seguindo os m étodos que expusem os em “ D ecadialéctica” . d a ria resu ltad o s como ê s te s : O esquem a de m a té ria , como o de esp írito fun dam -se n a realid ade c o n stitu íd a pela cooperação dos fa c to re s de em erg ên ­ cia e de p redisp onência, que a razão, p o sterio rm en te, p o r m eios o peratorio s, coordenou n u m esquem a a b strac to , despojado de tôd a facticid ad e. O nosso conceito com um de m a té ria não se adeqüa p e rfe i­ ta m e n te a essa fo rm a de ten são que cham am os "‘m a té ria ” , como a concebe a ciência m oderna. A ciência ain d a não sabe o que é m a té ria . E o conceito p o r nós fo rm ad o , o foi m acro fisicam en te e stru c tu ra d o , segundo os nossos esquem as, que se adeq üam ao m acro físico , ou m elhor ain d a, ao esquem a que c on stru ím o s do m acrofísico. D esta fo rm a, o que sabem os é que o que consideram os m a ­ té ria , como nos m o stra a ciência, não tem a con sistência que ju lg áv am o s a té então. A m a té ria c um modo de s e r tensional, que nos pode se r explicada como um ser assisten cial, um p ro ­ duto de relacio nam en to s com plexos, como nos rev ela a física. 170 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S A idéia de en e rg ia, que p o d eria salvar-no s do problem a, como p en sa ra m os e n e rg e tista s, tam b ém n ad a explica, p orque a e n e r­ g ia é tam bém assisten cial, p ro d u to de relações dos com ponen­ tes ten sio n ais, que, p or su a vez, tam b ém são a ssisten ciais, pois são re su ltad o s de relações. C airíam os, aqui, n um a posição re lativ a , como a que p a ­ rece p re d o m in ar n a física. M as com eteríam os um êrro , se n ela perm anecêssem os, depois dos estud os que realizam os na “ O ntologia” . Se j á sabem os que o se r da relação é assisten cial, é êle o p ro d u to de sistên c ias a n te o u tr a s ; tô d a relação im plica term o s que a com ponham . Podem ta is term o s serem , p o r sua vez, p ro ­ d utos de relações, m as h á de h a v e r algo que o n ão seja, e dê nascim ento, su rg im en to a ta is relações. Q uer q u e ira m q u er não, ta n to m a te ria lista s como e sp iri­ tu a lista s, vêem -se, de q u alq u er fo rm a, forçados, se levarem a v a n te seus raciocínios, a concluírem que h á um se r (pouco im p o rta o nom e com o qual b a p tis e m ), que é o p rin c íp io de tudo, ou m elhor, de onde tu d o p rin c ip ia . E êsse ser, a n te os estud os a c tu a is d a ciência, não pode ser, em su a p rin c ip ia lid ade, nem m a té ria , nem energ ia, nem m uito m enos q u alq u er m a ­ n ifestação d as que conhecem os. P o d eria, n este caso, sa lta r-n o s à fre n te um e s p iritu a lista e d iz e r: êle é e sp iritu al, pois o que é m a té ria é apen as um modo de se r do ser. E êsse se r, n a su a p rim o rd ialid ad e, não é m a té ria , m as esta su rg e dêle, pois esta é relacio nam ento , p ro d u to de relacionam ento , que o im plica como p rin cíp io e fim de tudo. Colocado o pro blem a dêste modo, m a te ria lista s e e sp iri­ tu a lis ta s te ria m um ponto de encontro, pois têm de a d m itir que êsse p rin cíp io é um p oder que pode ser isto e aquilo, m as que não é a p e n a s isto ou aquilo. E pode ser isto e aquilo, p o r­ que está aqu i p a ra a firm a r sim bolicam ente a p resen ça dêsse g ra n d e sim bolizado, que é o ser, su sten tácu lo de tudo. A ntes de p ro sse g u ir im põe-se um pequeno p arên tese p a ra exposição do que cham am os a “ teo ria da in serção ” , a qual nos a u x ilia rá a u m a análise m ais com pleta do tem a o ra abord ado. N O O L O G I A G E R A L 171 T ôdas as idéias ou te o ria s, c o n stru íd a s ou fo rm u la d a s com certo rig o r lógico, re p re se n ta m asp ectos g e ra is ou p a rc ia is, que a consciência h u m an a tra ç a do co n ju n to com preensível do m u n ­ do, isto é, estão in s e r ta s nesse co n ju n to inteligív el. T ôda teo ria, p o rta n to , bem como qualquer opinião, oferece um indício dessa inserção, ou indicia essa inserção. T o rn a r intelig ív el o tra n s c e n d e n te não é inexplicável como p arece a m uitos. A tese do tr a n s c e n d e n te in te lig ív e l a firm a que é possível assim ilá-lo a tra v é s de esq uem as in telectu ais. O que su rg e actu alm en te aos nossos esquem as revela que não estav a como p resen ça actu a l p a ra nós. E s ta nos parece sem p re condicionada. A condicionalidad e é re la tiv a a nós, p ro ­ p riam en te. C om preendem os que o que cap tam o s como p resença ac tu a l dep end a de nossos esq uem as. E como esses apen as p e r ­ m item um a assim ilação p arcia l, j á sabem os, p o rta n to , quando conhecemos, que o que desconhecem os tem o u tra p resença, que não é a nossa. Ao conhecer, podem os sa b e r que desconhecem os, m as ao sab er que desconhecem os j á tem os um conhecim ento. E pelo que conhecemos, no p rim e iro caso, podem os c o n s tru ir um m étodo de conhecer o que desconhecem os. O que não tem p resença a ctu al p a r a nós não pode ser um p u ro n ad a , pois, do c o n trá rio , como sendo n ad a , te r ia a eficacidade de se r u m a p resen ça a c tu a l depois? Logo o que se nos es­ capa ao conhecim ento, o que desconhecem os, é um modo de ser d iferen te do modo de se r do que nos é o bjectivável a tra v é s da assim ilação, p o r meio dos nossos esquem as. E êsse desconhecido alcan ça, assim , a um a objectividad e que não é fisic am en te p re se n te , m a s idealm ente p resen te. O desconhecido, a in d a potencial, tem um se r, porque tem a eficacidad e de se r actu al p re se n te p a ra nós. P o rta n to , em b ora nos p are ç a m e ra potência, esta im plica um a actu alid ad e, que é d ife re n te da n ossa a c tu a lid a d e ; inv ersa à nossa. É o que cham am os p o te n sã o . A potensão tem em si a 172 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S aetu alid ad e d a p otência e a p o tên cia d a aetu alid ad e, e nos a p a ­ rece a tra v é s da h ib rid ez de acto e potência. E ta l se d á p orque im ersos no tem po, e tra b a lh a n d o in tu itiv a m e n te no tem po, nosso conhecim ento segue a sucessão do acontecer. O tr a s c e n d e n t e in telig ív el, p o rta n to , é essa potensao, c u ja su bsistên cia tem que e s ta r n a eficacidade do acto, pois, do con­ tr á r io , como te r ia eficacidad e p a r a ser actu al p a r a nós, ou ser ex isten cialm en te actu al. S er in d e te rm in a d o p a ra H egel, p otência p a r a A ristó teles, etc., é sem p re um s e r inteligível., p orqu e não re p u g n a em n ad a aos nossos esquem as, e êstes, g ra ç a s a um a n ova com binação es­ q uem ática, p erm ite m d e m o n stra r a tese que an te s oferecem os. O tra n sc e n d e n te é p o rte n to inteligív el. (1) P recisam o s e s tu d a r os m eios e cam inhos p a ra alcançá-los, so bretu do aquele nexo que nos p e rm ita in v a d ir o que nos t r a n s ­ cende, sem o p reig o de cairm os em m eras abstracções. E êsse m étodo é o da decadialéctica. N a verdade, podem os conhecer o que não conhecemos, por inversão. D esde que conhecem os segundo esta n o rm a, o que d es­ conhecem os nos é ap o n tad o ao inverso. Os fa c to s que su rg em existencialm en te são sem p re sím bolos do que tra n sce n d e a nossa exp erien cia, ma." o que acontece é m ais que um a p o n ta r, é ta m ­ bém um a sólida g a r a n tia do que é potencial. E tu do isso nos d em on stra, sem um a a etu alid ad e objectiva, m a s a tra v é s de u m a aetu alid ad e o b tida p o r com binações esque­ m áticas, que h á a p resen ça tra n s c e n d e n te de algo m ais, que se to rn a , assim , intelig ível. Ao alcan çarm os esta situ ação , to rnam o s, conseqüentem en­ te, sólida e se g u ra a inv estig ação m etafísica, que, p o r se r íra n s físic a, é um m eio de p en e trarm o s no tra n sce n d e n te inteligív el. C onseqüentem ente, o que podem os estabelecer é que se q ui­ serm os e x p lic a r os facto s e sp iritu a is em term os m a teria is, caí­ m os num a explicação que se p od eria s in te tiz a r a s s im : (1 ) E m “ F i lo s o f ia C o n c r e t a ” p x 'o v am o s p o r o u tr o s c a m in h o s , q u e to d o s e r é in te lig ív e l) p o is s ó o n a d a é in in te lig ív e l. N O O L O G I A G E R A L 173 E x p lica ría m o s um m odo de se r po ten cial, cu jo processo é específico, p o r o u tro modo de se r p otensio nal, que tam b ém tem um processo específico. A m a té ria é um a foi’m a ten sio nal, que tem u m a esquem a concreto, que cabe à ciência ex p licar a ritm o lò g icam en te (no bom sentid o p ita g ó ric o ). O e s p iritu a l em nós é o u tro modo te n ­ sional de s e r que tam bém n ecessita explicação. A m a té ria não exp lica o nosso e sp írito n em o nosso esp í­ rito a m a té ria . A m bos são m odos de ser, sím bolos de um sim ­ bolizado tra n sc e n d e n te a eles, que os pode re a liz a r. A m a té ria cara cte riza -se pela p red o m in ân c ia da potência sôbre o acto, pois não p o d eria se r m e ra p otência. O esp írito é fo rm a, é acto, m as tam bém ê actu ad o pela m a té ria , como o acab am p o r reco n h ecer os p ró p rio s escolásticos. H á e n tre m a té ria e o que cham am os e sp írito u m a an a lo g ia; p o rta n to , um ponto de id en tificação no ser. Que nos revelam am bos? R evelam que a lei de a lte rn â n c ia é m ais p ro fu n d a do que se p en sa, e p e n e tra a té à s p o rta s da p rim o rd ia lid a d e do ser. L em brem o-nos de T om ás de A quino ao ex p licar a criação, aceitan do a con tem po ran eid ade da fo r m a e d a m a té r ia , ah a e te rn o c ria d a s pelo S er Suprem o. (1 ) A idéia d a potensão im plica-as, am bas, como o fu n cio n a­ m ento dual d a p ró p ria potensão , que é iden ticam en te in v e rsa em seus vectores. A fo rm a é o o u tro lado potensional da m a té ­ ria , como bem o sen tiam os chineses em su a idéia do h ’u , com a p o larid ad e co n tem p o rân ea e c o etern a de Y an g e Y in ; os h in ­ dus, em su a fa se védica, nos sím bolos de V a ru n a e M itra ; os egípcios, nos sím bolos dos deuses O siris e Isis. É êste inegàvelm ente o p ro blem a m a io r da filoso fia. R e­ solvido, tu d o o m ais d ecorre com singeleza e clareza. M as como resolvê-lo p a rtin d o de a firm açõ es a p rio ri? P oderem os p a r tir (1 ) Ê s te d u a li s m o é d a c r i a t u r a e n ã o d o C r ia d o r , e a s u a d e m o n s tr a ç ã o a p o d ic tic a é f e i t a e m " F ilo s o f ia C o n c r e t a " . 174 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S do a p o ste rio ri, poderem os seguindo o curso do nosso ex istir, alcan çar um m eio de p e n e tra rm o s no m istério dês se p rim eiro acto que criou o A C T IV O -p assivo e o PA SSIV O -activo, que com põem-se no sím bolo do q u a te rn á rio , que su rg em em tô d as as g ra n d e s relig iões do m undo ? E nos lev a rá a desco brirm o s o que a in d a tra n sce n d e o q u a te rn á rio , que se ria D eus, o c ria d o r su ­ p rem o de tô d a s a s coisas, pois é a causa p rim e ira de que fo rm a e m a té ria se ria m causas seg un das, de que todo o q u a te rn á rio se ria , em sum a, cau sa seg u n d a? Como já vim os n a “ C osm ología” , não se deve c o n fu n d ir o conceito de m a té ria sen sível da d o x a , da opinião com um , da nossa ex periên cia sensível, com o conceito clássico de m a té ria p a ra a filosofia. P a r a esta, m a té ria é o d e q u e as coisas são fe ita s. As p ared e s são a m a té ria da casa, m as os tijo lo s são a m a té ria da p a re d e ; e o b a rro , a m a té ria do tijolo. A fo rm a é o que a coisa é, o v elo q ual ( q u o ) a coisa é isto e não aquilo, enq u an to a m a té ria o de que a coisa é fe ita . O ra, p a ra a F ísic a p re -re la tiv ista , m a té ria e ra a m a té ria sensível. P a r a a F ísic a re la tiv is ta e a p o st-reia tiv ista , o esque­ m a v u lg ar de m a té ria desaparece, p a ra ser su b stitu íd o p o r um esquem a de relações. A m a té ria p erde a sua consistência ín tim a, p a r a se r a p en as um modo de ser. N a verdad e, p a r a a F ísica, lev ada até às ú ltim as conse­ qüências, e stá excluído o conceito de m a téria . E la pode a c eitar, quando m u ito , que h á um modo de ser ao qual cham am os m a té ­ ria , m as n ad a pode dizer em d efin itiv o sôbre o tem a, senão que a corporeidade, que parece se r in trín se c a da m a té ria , não é algo p rim o rd ia l, pois h á o u tra s dim ensões que u ltra p a s sa m ao cam ­ po da trid im en sio n alid ad e dos corpos, sem d e ix a r de p e rte n ­ cerem a alg u m a su b stân cia, que não é, porém , o que se consi­ d erav a a té aqui como m a té ria . A física não pode d a r a ú ltim a p ala v ra sôbre ta l tem a, pois êste escapa ao cam po de su a acção e estudo, p o r in g re s s a r no d a filoso fia, e e x ig ir outro s m étodos que não os m e ra m e n te ex­ p erim en tais, ju n g id o s apen as ao cam po da corporeidade, do t r i ­ N O O L O G I A G E R A L 175 dim ensional. E é esta a razão p orque a físic a m o d ern a tem de lan ç a r m ão da m atem ática, e re d u z ir a sin a is m atem ático s, com conteúdos não sensíveis, o que j á sabe sôbre a in trin sic id a d e do ser, que é fo n te do que v u lg a rm e n te se ch am a m a té ria . (1) O m aterialism o , fu n d ad o nesse conceito v u lg a r e ingênuo de m a té ria , é h o je um a excrescen cia p a ra o p en sam en to filosó­ fico e científico. Se a m a té ria é um co p rin cíp io passiv o dos sêres, não pode se r ela ontològicarnente a p rim e ira fo n te, e o rig em de todos os aêres, pois in e rte , como p o d eria s a ir de su a in é rc ia , sem um p od er que a pusesse em m o vim en to ? E aqui e stá a g ra n d e ap o ria de tô d a s as concepções m a te r ia lis ta s : a necessidade de a c e ita r o c lin a m & n , o p ip a ro te de um súb ito p oder, q ue v e m do n a d a , e que põe tu d o em m ovim nto. N o m ateria lism o é que re a lm e n te o n a d a p assa a ser c ria ­ dor, pois quem deu o p ip a ro te ? Quem provocou o clm am em , a inclinação dos áto m os p a r a que e n tra sse m em tu rb ilh ã o ? N ão vindo da in ércia da m a té ria , v ir ia de onde? E se a m a té ria fôsse activ a, tiv esse em si o p o d er de mover-se, fô sse autô no m a? M as se a m a té ria o fôsse, nela h av e ria dois p rin cípio s, um activo e o u tro passiv o, um que põe em m o­ vim ento, e o utro que é m ovido. E o p rim e iro , n ecessariam en te se ria a n te rio r ao segundo, p orqu e o acto não p o d e ria v ir da po­ tên cia, e sim e sta do acto, o que le v a ria a um se r p rim o rd ial, acto p uro, hom ogêneo e p erfe ito , que p o ria tu do em m ovim ento. O p rin cíp io passivo seria, p o rta n to , ou coeterno ou p o ste rio r ao p rim e iro . M as o p rim e iro se ria axiològica e ontològicarnente su ­ p e rio r ao p rin cíp io passivo. E sta ría m o s im ersos, n este caso, n as a p o ria s do dualism o, e o p ro blem a não e s ta ria resolvido. A posição m a te ria lista , em face da filoso fia, m alogra, e m a lo g ra conseqüentem ente tam bém quando p re te n d e ex p licar o e sp írito hum an o como m ero epifc- (1 ) E m “F ilo s o fia C o n cr e ta ’*, q u e é u m a o b r a d e a x io m á tic a , :ipr< l i ­ ta m o s , fu n d a d o s e m d e m o n s tr a ç õ e s a p o d ict ic a s , o s e p o d e cnU iinl;T, srn i a p e lo s a c o n tr a d ic ç õ e s , o q u e s e j a m a tér ia . 176 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S nôm eno, como m e ra m a n ifesta ç ã o m a teria l, ten d o necessàriam en te que a c e ita r um acto p rim o rd ia l, que o p o n h a em acção, o que o coloca, d ecidid am ente, no pro blem a da alm a, quer q ueira q u er não, pois n ão é possível exp licar o su p e rio r pelo in fe rio r, o m ais pelo m enos, sem a c e ita r um a criação, não só do nad a, isto é, vindo de algo que e ra n a d a a n te rio rm e n te , ou não e x istia, como é a tese criac io n ista, m as algo feito d e n ad a, com posto de n ad a , pois o su p e rio r não estan do j á no in fe rio r, v iria do n ad a e c o n sistiria de n ad a, o qual. su b itam ente, se to rn o u ser, o que é um dos m ais trem en d o s a bsu rd o s que a in telig ên cia h um an a, n u m estad o de vacilação, p o d eria c o n stru ir. T E M A V A R T IG O F U N C IO N A M E N T O 1 N O O L Ó G IC O Nos estud os j á realizados, v erificam o s que o nosso p siq u is­ mo, com su as raízes n a sensib ilid ad e, fu n cio n a polarizando-se n a in telectu alid ad e e n a afectiv id ade. M as, a afectiv id ade, essa p a rte tão pouco e stu d a d a e an ali­ sa d a do nosso esp irito , c u ja im p o rta n c ia e sign ificad o os psicó­ logos nem sem p re captam , exige que nos d eb ru cem os sôbre o seu estudo. S eria im possível fa z e r u m a síntese das d iv e rsa s opiniões que os psicólogos e x te rn a ra m q uan to aos estud os realizado s sô­ b re a afectiv id ad e. V am os cin g ir-nos ap e n a s a alg u m as das m ais im p o rta n te s, p a r a que possam os, a fin a l, m o s tra r o seu fu n cio ­ nam en to, que nos levará, daí, fu n d a d o no que j á estudam os, co m preen d er o nosso e sp írito , e a u x ilia r a re sp o n d e r sôbre o u tro s pontos, alg u m as d as p e rg u n ta s dos a rtig o s an te rio res, e so bretu do su a s dúvidas. G eralm en te a afectivid ade e a sen sib ilid ad e são confu ndi­ das. J á salien tam o s que, n a sensibilidade, h á a topicidade do que é objectivo em face do cognoscente. H á um a dor aqui, ali. M as, a ssim como a intuição in telectu al serv e de pon te de lig a­ ção e n tre a sensib ilidade e a in telectualid ade, os estados de a g ra d ab ilid ad e e de d esag rad ab ilid ad e são afectivos. O p ra z e r e o d esp razer, quando tópicos, são da sensibilidad e. M as quando 178 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S perdem a topicidade, p a ra se d arem difuso s pelo se r hum ano, to rn am -se afectiv os, e são ra íze s da afectiv id ad e no seu a p ro ­ fu n d a r n a sensibilidade, q ue é o arcabouço com um da v id a noética. A lei da a lte rn â n c ia, que é sim bolizada a tra v é s de todos os dualism os opostos d a existência, tornou-se possível de s e r c a p ta d a a tra v é s das an álises em p reen d id as. E s ta oposição d i­ nâm ica do e x istir é d em asiad am en te p a te n te p a ra que a neg ue­ mos, ou dela duvidem os. Ê sse antago n ism o é essencial de tôd a fenom enalidade, pois n en h um fen ôm eno pode ser com preendido nem explicado sem o que não c êle, o que a êle se opõe, m as que coopera p a r a que s u rja . Os fa c to s afectiv os, no en tan to , escapam a um a análise comum, pois a p re se n ta m d iferen ças tão p ro fu n d as, que exigem p en etrem o s m ais seriam en te em seu estudo. As teo rias, que se p ro põem p a r a explicá-la, perm anecem apen as n a in te rp re ta ç ã o d as funçõ es psicológicas, n as q uais a afectiv id ade, sú b ita e inesp eradam en te, su rg e, em b o ra in te rp retem -n a como m era epifenom enalidade, existên cia a c c id e n ta l; p a r a u n s u tilitá ria ; p a ra outro s, não. A a fe ctiv id ad e acom panh a a presença do conflito e n tre os antago n ism o s in te rio re s em todo acto do conhecim ento. N ão h á u m in sta n te dêfíse conflito, que se dê ta n to no acto intelectual, in tu itiv o ou o perato rio , como no acto p u ram en te sensível, sem que a afe c tiv id a d e e ste ja p re se n te , m uito em bora, su a in te n s i­ dade se ja tão pequena que não a actu alize a nossa consciência. M as, note-se, essa consciência, quando se dá, é ap en as a de um estado. A afectiv id ad e em si m esm a tra n sce n d e o conflito. Ê ste ap en as a revela. No conflito, um dos term o s do antag o n ism o é actualizad o, enq u an to o o u tro é v irtu alizad o , como se dá no conhecim ento racio nal, em que o esquem a, pela assim ilação, é actualizad o, enq uanto o objecto é v irtu alizad o . A afectiv id ade, não com preendida assim , levou às te o ria s j á conhecidas que a reduzem à epifenom en alidade, a trib u in ­ do-a ao corpo, à m a té ria , como n as concepções m ecânicas da N O O L O G I A G E R A L 179 vida, ou à alm a, ou à m a té ria o rg an izad a, como n as concepções teleológicas da vid a, v italism o, etc. Ja n e t, com g ra n d e in tu ição, v ia n a afe c tiv id a d e “ a e x p re s­ são do que se p a ssa na alm a fa v o rec id a ou o bstaculizad a em su as a sp ira ç õ e s” ou “ o reflexo do que se p assa n as v ísceras. M as se m p re ap en as um a im ag em ” . . . M as J a n e t acaba, afin a l, p o r c a ir n a m esm a explicação sing ela, quando vê no sen tim en to “ ap e n a s um a m odificação do con jun to da c o n d u ta ” . D esta fo rm a, acab a p o r n eg ar-lh e um a n a tu re z a p ró p ria , tra n s fo rm a n d o -a ap en as n u m a “ m o d ificação ” da vid a psico­ lógica. A n u m en alid ad e da a fe c tiv id a d e é n eg ada, c p o r todos re d u z id a a fin a l à m e ra epifenom enalidade, d esvalorizada a um p ap el m era m e n te passivo (m á in te rp re ta ç ã o do têrm o P a th o s, que en co n tram o s n a fo rm ação dos esquem as fá u stic o s de a c ti­ v id ade e p assiv id a d e). C a r a c te r d a p a ss iv id a d e A potência, p o r exemplo, a cen tu ad am en te tra n s fo rm a d a em m e ra passiv idad e, como no conceito de m a té ria , n a filoso­ f ia clássica, leva a situações in su p lan táv eis. P erd en d o o seu c a rá te r dinâm ico, esquecem que a capa­ cidade de receber é um a activ id ade in v ersa, como a c a b a rá p o r co m p reen d er a física nos estudos sôbre a m a té ria . O equilí­ brio, que a fin a l se h á de a d q u irir, se rá o de reconhecer que o que é activo, é ap en as um v ector da potensão que actúa, p o r com pensação, com o v ector activo inverso, que, p o r excesso a b strac tiv o , to rn o u-se p a ra a filo so fia em p assiv id ad e absolu­ ta , e se re d u z iu a nada. Ê ste p a rê n te s e to rn a -se n ecessário, pois ao exam in arm o s a o b ra a risto té lic a, v erificam o s que, por vêzes, o p erip atético sc viu fo rçad o a a trib u ir à m a té ria um a activid ade, como, pos­ te rio rm e n te , teve de conceder Tom ás de A quino, enquanto que, nos esco tistas, vam os e n c o n tra r um a aceitação plena da p o sitiv id ad e d a m atéria, pois red u zid a ap en as ao passivo ela se desvanece em nada. 180 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S In eg av elm en te e n tre os a c tu a is estudiosos da afectiv id ade é S tép h an e L upasco o que m ais p ro fu n d a m e n te a captou. M ui­ ta s vêzes nos tem os re fe rid o a êsse hom em de um a genialidade e x tra o rd in á ria , m as infelizm en te incom preendido dos seus con­ tem po rân eo s. L upasco é to ta lm en te desprezado pelos a c tu a is es­ tudioso s d a filosofia, e isso se deve, como j á tem os assinalado, à g ra n d e obscuridade do seu pensam ento . M as é preciso que nos lem brem os que h á coisas sim ples que são ex p ressad as com obscuridade, h á coisas o b scu ras que p erm item exp ressão sim ­ ples, m as h á obscuridad es que só com obscu ridad es se pode e x p re ssa r (como j á nos m o stra v a H eg el). O pen sam en to de L upasco é p ro fu n d o d em ais p a ra um a apreciação rá p id a de sua obra, e essa a razão p o r que m uitos, afan o so s e inquietos de ler o utro s tra b a lh o s, não podem devotar-se a um a an álise d em orad a que seus liv ro s exigem e m erecem . No e n ta n to , no que se re fe re à afectiv id ade, devido à ra iz que esta tem n a sensibilidad e, não a captou em su a num enalidade, pois confu ndindo-a com aquela, dá top icid ad e aos con­ flito s que a apon tam , dando à afectiv id ad e um c a rá c te r tópico que ela não tem . E la é ató pica. Q uando diz “ a afectiv id ade cham ada física é ela ain d a u m a d o r ou um p ra ze r, sem pre acom panhados pela re p re se n ta çã o ou pela percepção do órgão, da p a r te do corpo, sede da p re ­ sença a fe c tiv a ” , em p resta-lh e um a topicid ade que não tem , pois o conflito g e ra d o r d a d o r ou do p ra ze r, se localizado, localiza ap en as o que é sensibilidad e. A d or está aq u i ou ali, porque a s e n tim o s aqui ou ali, m as a m ágoa que ela nos causa, não tem essa to picidad e, porque ela é nós m esm os. Q uando um a d or cresce, a ponto de d ifu n d ir-se pelo corpo todo, e nos deixa no estado afectiv o de p ro fu n d o p esar, de so frim en to , não é a d o r tóp icam ente con siderad a que o g era, m as a p en as o ap o n ta. A afectiv id ad e tem u m a em erg ência m ais p ro fu n d a p a r a a qual os conflito s da sensib ilid ad e actu am como p red isp o n en ­ tes. Êles não a geram , não a criam , m as dão-lhe vazão p a ra e x te rn a r-se dêste ou daquele modo. N O O L O G I A G E R A L 181 ' A afectiv id ad e tem raízes n a sensib ilid ad e, m a s su a copa elevada a u ltra p a s sa , tra n sce n d e -a . A sen sib ilid ad e apo n ta-a, re v ela -a ; n ão a g era. E se p ro v a rm o s a ju ste z a dessas nossas afirm açõ es, te r ía ­ mos, então, aqui um p onto que tra n s c e n d e ao físico, ao corpó­ reo, ao som ático, que colocar-nos-ia p len am en te em fa c e do m ais p ro fu n d o , da n um enalidad e do esp írito hum ano, oferecendo-nos um a p ro v a con sisten te da su b sistên cia do e sp írito , m e ta dese­ ja d a p o r todos os e sp iritu a lista s. E como êste tem a noológico é de u m a im p o rtâ n c ia m ag n a, p recisam o s p a lm ilh a r êste te rre n o com ta l cautela, que deve o leito r com preender que todo o excesso aqui de p recisão é im ­ posto p ela m a g n itu d e do p ró p rio tem a, e so bretu d o p o r não disporm os, n este trab alh o , senão de p arco s elem entos que nos aju d em , devido à to ta l incom preensão que se o bserva n este secto r. Numenalidade da afectividade Se en c o n tra rm o s um estad o de a fe ctiv id ad e p u ra, lib e rta de to d a re p re se n ta ç ã o lógica, de tô d a topicidad e, que se ja pelo es­ paço de um raio, terem os alcançado um ponto im p o rtan tíssim o . E m p reen d am o s esta busca. P a r a tôd as as espécies de vitalism o, em todos os tem pos, a d o r fo i sem p re v ista como p roceden te, d eterm in ad a, condicio­ n a d a se m p re pelo antago nism o. E stab elecer a transcen dên cia d a afectiv id ad e, a n te a d o r ou o p ra z e r, é o que nos in te re ssa no m om ento. Podem os d is tin g u ir d uas concepções sôbre a afectiv id ad e: a afe c tiv id a d e con siderad a como um a recom pensa boa ou m á (A ristó te le s, etc.) e a que a con sidera como sinal, como um estad o de consciência u tilitá ria (S pen cer, Mill, D arw in e os evolucionistas, fisio lo g istas em g eral, e tc.). R e fu ta L upasco a p rim e ira , salien tan d o a acção que obtém êxito p o r u m a sa tisfa çã o m ecânica, como o autom atism o, vazia de afectiv id ade. 182 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S A ristó teles co n sid erav a a afectiv id ad e como algo que se a ju n ta v a ao acto, como conseqüência de um conflito. N a v erdad e, a a fectiv id ad e (e a té a sen sib ilid ad e) acom ­ p an h a a acção. M as é p reciso aqu i esclarecer que a sen sib ili­ dade n ão é ap en as a p u r a sensação, que é a m a n eira m ecânica como freq ü en tem en te é a p re se n ta d a . A sen sib ilidade não se desliga do afectiv o do qual o hom em tom a consciência ou não. D essa m a n eira , o p ró p rio acto sensível, que acom p anh a o con­ flito , é algo que o tra n sce n d e , como a in d a verem os. A seg un d a concepção d eco rre p ra tic a m e n te da p rim e ira, pois considera que a activ id ad e c o n tra ria d a ou fa c ilita d a , num sentido u tilitá rio , rev elá-la-ia. No entanto, tería m o s de m os­ t r a r que h á um s e n tir fo rte de conflito s fú teis e um s e n tir quase nulo de acções, onde o conflito é m aior, como n a tuberculose, em que h á um vago se n tir. H á p ra z e re s nocivos. No to c a n te à sensibilidad e, a biologia não está em condições de estabelecer o sentido u tilitá rio ou a té o p ra g m ático da vid a. A afectiv id ad e (e em g ra n d e p a rte a sen sib ilidad e) como ain d a verem os, n ão é um a consciência p assiv a do que se passa no corpo ou do que se p assa no esp írito. T ôdas essas teo ria s, n a verdad e, apen as nos querem dizer quando aparecem ou quando desaparecem a sensib ilidade e a afectivid ade. N ão qual ó a n a tu re z a delas. E como pode um conflito fa z e r s u rg ir a afectiv id ad e e a sensibilidad e, quando os têrm o s do conflito não são com po­ nentes d ela? Se a afectiv id ad e e a té a sensibilidad e tra n s c e n ­ dem os têrm o s em conflito, como êstes podem fa zê-las s u rg ir? T ais p e rg u n ta s não m ereceram re sp o sta s dos psicólogos, porque êles, colocados nos p ontos de v ista com uns, não pode­ riam form ulá-las, nem m u ito m enos respondê-las. P a r a os psicólogos, que se apoiam n as te o ria s fisiológicas, e que reduzem o facto psicológico ao facto fisiológico, a a fe c ti­ vidade e a sensib ilidade são facilm en te “ exp licáveis” , to m an ­ do-as ap en as como m anifestações fisiológicas. N O O L U G I A G E R A L 183 P a r a d is tin g u ir a dor física, tópica, da d or m o ra l ató p ica (a fe c tiv a ), gen u in am en te p áth ic a , ta is psicólogos, n a ausên ­ cia de órgãos receptores, não revelado s pela fisiología, usam êste processo e x p lic a tiv o : tô d a dor, que é tóp ica, que é m ais ou m enos difusa, v ag a, to rn a -se a p ro x im a d a à d o r m oral, como o p ra z e r tópico ao p ra z e r m o ral (a fe c tiv o ), tam b é m o a g ra d á ­ vel ou o desagradável. M as, n a afectiv id ade, não en co n tram o s essa equivalencia. E n tr e um a dor de d en te e um a m ág oa m o ral, que sem elhança h á ? “ A d or físic a é localizada n u m lu g a r preciso, e pode d u ra r alg u m tem po. U m a sensação, que se ja aco m p anh ada de p r a ­ zer, é de um a e x tre m a b rev id ad e, su rg e, diz Lupasco, de u m a sen sação de lib eração, de fu g a d a d o r e p arece dissolver-se a tra v é s de todo o corpo, p a r a aí d esap a re c er logo. Tem -se con­ siderad o a sensação de p ra z e r como lig ad a a u m a excitação m édia, nem m u ito fra c a p a r a não se r sen tid a, nem m u ito fo rte p a r a se tra n s fo r m a r em dor. E isso nos p arec e b a s ta n te exacto. M as p arece, daí, que um a ta l excitação m édia p ossa fo rn e ce r êsse estad o a g rad áv el, sem p a s s a r p o r um estad o d esag ra d á ­ vel, senão de d o r; ao ex p lic a r q u alq u er órg ão dos sentidos, n u m g ra u su ficien tem en te fo rte , porém , sem b a s ta n te in te n si­ dade, p ro v o car-se-ia o p ra z e r. E ta l nos p arece falso. Tôda sensação de p ra z e r 6 de início p reced id a p o r um a sensação de­ sa g ra d á v el, e o p ra z e r vem d a inibição dessa in ten sid ad e exces­ siva, que esboça ou oferece a dor. C ita-se a coceira, o riso, o p ra z e r sex ual como exem plos de sensações a g rad á v e is, condi­ cio nadas p o r excitações m édias. É o b se rv a r m u ito su p e rfic ia l­ m en te o fenôm eno. N a coceira, h á sem p re elim inação de um m al e sta r, provocado v o lu n ta riam en te ou n ã o ; h á, ao mesmo tem po, o a g rad á v e l e o d esag rad áv el, e p rovém aquêle de u m a espécie do rejeição c o n tín u a d ê ste ; e quando esta o p era­ ção não é m a is possível, a excitação, au m en tan d o em in te n si­ dade, a coceira se tra n s fo rm a em suplício. O p ró p rio riso é um a d escarg a. Q uanto ao p ra z e r sexual, u m a v e rd a d e ira d o r p re ­ cede-o; pode dizer-se, quan to a isto, que tô d a cópula é um a su ­ cessão de d ores vencidas, a té o espasm o últim o, em que é c e r­ ta m e n te um a vio len ta dor, n itid a m e n te localizada, que precede 184 M A R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S à sensação in te n sa de p ra z e r, re s u lta n te p recisam en te de um a v iolenta rejeiç ã o dessa dor, do que a condiciona. A gênese do p ra z e r não é a de um a p a r tid a de excitação fra c a , que deixa in d ife re n te , p a r a um a excitação m ais in te n sa que pro voca o a gradável, m as a de u m a excitação que deixa in d ife re n te a um a excitação dolorosa, m a is ou m enos n ítid a, m ais ou m enos in ­ ten sa, e d esta à su a elim inação, acom panhando-se de p ra z e r, p a ra re e n c o n tra r o estad o de vazio a fectiv o ” (em sentid o de sen sib ilidade p a r a L u p a sc o ). No p ra z e r conseqüente à s a tis ­ fação de um a necessidade, como a sêde p o r exemplo, m esm o que êsse p ra z e r não se ja precedid o p o r um a sen sação dolorosa de sêde, e sta é p ro vo cad a im e d ia ta m e n te quando os ó rg ãos são postos em contacto com o líquido destin ad o a s a tis fa z e r essa n ecessid ad e; o p ra z e r p ro v ém d esta sêde que to m a nascim ento no que a v ai a p a z ig u a r, pelo fa c to de que o elem ento penoso, a ausência, que se m a n ife s ta im ed iatam en te, é logo inib id a. T am bém não h á p ra z e r sem sensação d esag rad áv el ou dolorosa, a p e sa r de que e sta p ossa e x istir sem aquela. E is p o r que, n o tad am en te, quando se t r a ta de excitações cu tâ n e a s de n a tu re z a eléctrica, térm ica , m ecânica, pode-se sem p re d istin ­ g u ir, conform e os g ra u s, um a fa se de não sensação, u m a fa se do sen sação e u m a fa se de d o r (G eorge D u m a s). É adm iráv el, desde então, que não se te n h a notado com su ficien te n itidez, n as condições do p ra ze r, êsse fa c to r de elim inação d as condi­ ções de dor, de m oderação de um a excitação dem asiad am en te inten sa, o que sig n ific a ria que todo p ra ze r se ria condicionado pela su pressão de um a d o r inicial. É êsse c a rá c te r positiv o da d or que faz que su a fisionom ia se ja m ais desenvolvida, m ais fácil, e que a explicação ao m es­ mo tem po pela excitação in te n siv a de todos os n ervo s e até mesm o a existên cia de um sentid o especial, que lhe se ria ade­ quado, resp o nde m elhor às inducções da observação co rrente. (D u m as). A e m e rg ê n c ia d a a fe c tiv id a d e T ôdas as te o ria s fisiológicas, como as in telectu alistas, colo­ cam -nos n as m esm as situações. N ão resolvem os o que h á de N O O L O G I A G E R A L 185 m ais p ro fu n d o p o r sa lie n ta r a p e n a s os fa c to re s p red isp o n en ­ tes. P recisam o s é sa b e r o que h á ou o que é, em su a em erg ên­ cia, a afectiv id ad e e a té a sensibilidade. A ssim como o valo r é c ap tad o n a p re se n ç a do que h á n as coisas, sem que a p en as nelas o v alo r e n c o n tre u m a solução m e­ ta fís ic a ao seu problem a, tam b é m n este secto r noológico, as explicações o ferecid as m o stra m apen as o que co n tem p o rán ea­ m ente se dá, m as n a d a nos exp licam da n a tu re z a da afe c tiv i­ dade nem da sensibilidad e, senão, e ap en as, o que sucede p a r a ­ lelam ente, e que é actu alizado, sem nos d izer tam b é m como e p o r que se d á essa actualizaçao. T ôdas as te o ria s conhecidas, que p re te n d e m ex p licar a afectiv id ad e e a sensibilidade, sem p re in cluíd a n e s ta últim a, ten d em a c o n sid e rar que é o conflito que as condiciona. A con­ tra rie d a d e din âm ica do e x is tir s e ria su ficien te p a r a explicá-lo e, n este caso, a sensibilidade (incluin do a afe c tiv id a d e ) se ria a p en as um epifenóm eno do m esm o e x istir, salvo p a ra as con­ cepções e sp iritu a lista s, em certo sentido, que oferecem o u tra explicação, m as, pelo modo como procedem , não satisfazem plen am en te. T ôdas essas teo ria s ap en as nos ind icam q uando aparece e quando desap arece o facto sensível-páthico, que não é objec­ tiv o nem subjectivo, que não a p re s e n ta as c a ra cte rístic a s da exclusão ou do dualism o a n ta g o n is ta que se o bserva no acto de captação do conhecido pelo cognoscente. E ssa s te o ria s apenas nos descrev em o sistem a e as funções onde o sensível-páthico se dá, considerando-o m ero accidente. Se é n ecessário o conflito p a r a que captem os o sensível-páthico, comp pod eríam os conhecê-lo em su a n um en alid ad e? Se a p resen ça do sensível, p o r exem plo, não se m a n ifesta senão nesse antago n ism o, que im plica a actu alizaçao de um dos têrm o s e a v irtu alização do o utro , como j á vim os no tocante ao conhecim ento, se o sensível se acusa sob a fo rm a de dor ou d esap arece sob a fo rm a de p ra z e r, não te r ia êle um a realid ad e 13Ü M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S m odal, tra n s itó ria , epifenom enal, fu n d a d a nesse p ró p rio a n ­ tagonism o ? P a r a e v ita r as re sp o sta s difíceis a tais p e rg u n ta s, tod as te o ria s escapam ao pro blem a, escam oteando-o, p ela m e ra expli­ cação do conflito , que é um fa c to m ecânico, que não p o d eria de p e r si ex p licar nem o sensível, n em m uito m enos o g en u i­ n am en te páthico. U m estado sen sitivo -afectiv o é irre d u tív e l a qualquer o u tra coisa. A n um enalidade, que é n eg ada pelos psicólogos, e a su a n a tu re z a p assam a se r tem as de estudos que querem os oferecer. É aqui, n este ponto, que L upasco se eleva acim a dos seus contem porâneos, ao não te m e r a f r o n ta r o problem a. N inguém , até então, tev e a audácia de a firm a r que o sensitivo -afectiv o tem um a n a tu re z a p ró p ria , nem m esm o os e sp iritu a lista s em g eral, e m uito m enos te n ta ra m se q uer resolver êste problem a, que vai a b r ir cam po p a ra investig ações insu sp eitad as. D ar um c a ra c te r ôntico e ontológico ao sen sitivo -afectiv o é um desafio aos conhecim entos actu ais. Como p o d eria s u rg ir o afectivo do que não contém a sua especificidade? Como a n a tu re z a da dor e do p ra z e r podem se r tira d a s da de um triâ n g u lo ? A firm a r que o afectiv o é de­ co rre n te do conflito dos dinam ism os fisiológicos, é a n iq u ilar a afectiv id ade, ao d ar-lh e ap en as um c a rá c te r m odal. É m uito m ais c on g ru en te com os facto s a firm a r a su a n a ­ tu re z a p ró p ria , autônom a. U m estado afectivo não a p re s e n ta as c a ra c te rístic a s de o bjectividade da percepção de um a árv o re, de urn se r do m undo e x te rio r. H á p aisa g en s tris te s , m as o que é tris te d a p aisag em não e stá no seu elem ento re p re se n ta tiv o e objectivo. A afectiv id ade não é c ap tad a n a coisa, m as em nós. Sua fo n te e stá em nós, em nosso conhecim ento. M as essa a le g ria ou essa tris te z a não tra ze m sim u ltan eam en te a m a rc a N O O L O G I A G E R A L 187 do su je ito e a m a rc a do objecto? N ão é algo que capto e m e d e que eu sou? Q uando dizemos ten h o u m a d o r n a p ern a , q uan to h á de p ro fu n d id a d e n essa expressão pop u lar. É o m eu corpo que s o f r e ; iiu so fro em m im . Podem os localizá-la, podem os c ita r o ponto onde ela doi, m as ela doi em nós, e onde aquele ponto indica. Se no m eram en te sensível j á podem os v er assim , q u an to m ais o pod eríam os no afectivo, que Lu pasco in felizm en te confu ndiu com o p rim eiro . E quando essa dor d esaparece, surge-m e a e u fo ria de u m a satisfação , a sa tisfa çã o de um a ausên cia, um estad o de a g ra d a ­ bilidade, m ais afectiv o que sensível, um c o n ten tam en to comigo m esm o. E captam os um a a u sên cia? N ão captam o s a ausência, o que captam os é o que sentim os, po sitiv idad e ind u b itáv el. Todos os estado s afectiv o s a firm a m p ositiv idad es, q ue podem sc r f a ­ v o ráv eis ou desfavo ráv eis, o p ostas aos nossos in teresses. A d o r é p ositiv a, como o é o p ra ze r. 0 d esap arecim en to da dor, a firm a a positiv idad e do alívio e da a g rad ab ilid ad e. A a fe ctiv id ad e é e x tra -o b je c tiv a e e x tra -su b jec tiv a . Os es­ tad os sen sív eis a revelam . E la su rg e em n ó s; ela vem do su b­ consciente, p o sitiv a sem pre. E la não é um a potência que se actu aliza. E la e stá em acto sem pre. No acto de conhecer, se o su je ito m odela o objecto, ou o objecto m odela o su jeito, em qualq u er caso, é p ostu lad a a exis­ tên c ia do objecto e a do su jeito. M as o acto afectivo não se d irig e a um objecto ou a um su jeito . Èle e stá n a acção de um e de outro. H á um a consciência da dor, d a tris te z a ? S er consciente é se r consciente de alg um a coisa. Percebo êste liv ro e ten h o consciência de que percebo êste liv ro (c u m acire, sab er com ). Posso to m a r dois v ec to res: o o b je c tw o , e m eu sa b e r se d irig e ao objectivo da p ercep ção ; su b je c tiv o , e me d irijo à consciência que ten h o de que percebo o livro. 188 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S Todo estad o de consciência é um estado de consciência de a lg u m a coisa. P o rta n to , todo estad o de consciência tem u m a direcção objectiva e um a su b jectiv a. M as q uando sinto um a dor, aqui ou ali, posso dizer que sou consciente dessa d o r? E u sinto a d o r n o d e n te ? N a v erd ad e, eu sou a dor. Se não eu consciente? som a d o r de que se ria M as essa dor m e av a ssala , dom ina-m e todo. N ão sou eu a d or? Todo estad o sen sitivo-p áth ico é acom panhado de estados de consciência, m as êle é q u e m o so fre, q u e m o am a, q u e m se a n ­ g u stia , q u e m se aleg ra. É por in tro sp ecção que conhecemos os estados sensitivo-páthico s? N em p o r extrospecção os conhecemos, como quem co­ nhece que é êle. E u não m e curvo sô bre m im m esm o p a ra to m ar consciência de m eus estados afectiv os, como tam b ém não os conheceria p o r extrospecção. Posso, p o r introspecção, sab er o que os condiciona, e a p en as isto. A intro specção é asso ciad a à afectiv id ade, m as, n a v erd a­ de, é um m eio de nos d esem b araçarm o s dela. O acto afectivo é u m a realid ade independente da realid ade consciencial e cognitiva, como nos m o stra a p ró p ria experiência. Q uando do acto afectivo p uro, a consciência se desvanece. E quando o estad o afectiv o se m escla de consciencialidade, é quando êle ten d e p a r a a sensibilidade que p e rm ite objectivá-lo. U rna d or ag u d a pode localizar-se, não um p ra z e r agudo. A p resen ça do p ra z e r não é d a m esm a espécie que a presença da dor. O p ra z e r n ão é a presença da sensibilidade, a in tru sã o desta no seio da consciencia, m as a su a elim inação. O d esaparecim en­ to de um a dor, quando de su a desaparição, p ro voca um p ra z e r N O O L O G I A G E R A L 189 m ais ou m enos intenso, e so b retu d o in ten so q u an do a d o r d esa­ p arece su b itam ente. P o rta n to , o dualism o p ra z e r-d o r não a p re s e n ta u m a oposicionalidade de presenças, como ta is id ên ticas, em b ora de vector c o n trá rio . A sensibilidad e, p o rta n to , e j á o h av iam n otado J a n e t e B eaunis, não é d u alística n em c o n tra d itó ria . “ P o d e ria m u ito bem , escreve B eaunis, que o p ra z e r e a dor que nos p arecem dois fenôm enos opostos e c o n trá rio s um ao outro , não sejam , em sum a, senão fenôm enos d a m esm a n a tu ­ re z a e que d iferem apen as p o r u m a d ife re n ç a de g r a u ”. (G. D um as, “ T ra ité de P sychologie” , t. I, p ág . 4 0 5 ). Lupasco, n este ponto, conclui que a a fe c tiv id a d e se d istin ­ g u iría da sensib ilidade a p e n a s pelo se g u in te ; n a sensibilidade, h á a consciência adicio nal d a localização, en q u an to que, no es­ tad o afectivo, esta se ria d ifu sa, p o r se r g en e ra liz a d a ; tem loca­ lização cereb ral, o que ex p lic a ria a su a ato picidade. M as é preciso reconh ecer que o estad o consciencial pod er-se-ia d ar, como se dá, pois, n a verdad e, ten h o consciência de u m a sim p a tia e posso consciencizá-Ia, pelo m enos. A p ato lo g ia m en tal obedece a fo n tes m ais p ro fu n d a s que a dos sim ples antago n ism os. N ão se ria possível n este liv ro a b o r­ d a r ta is tem as, m as podem os, no e n ta n to , p a r a p re c is a r a nossa posição, a c tu a liz a r alg u n s asp ectos, que são salien tad os p o r filósofos e b io log istas actu ais, que con sid eram que a d escarg a a fe ctiv a, ao e n c o n tra r um a inibição à su a actualização, d escar­ re g a-se p o r fo rm a s viciosas. M as essa d escarg a ap arece como algo de p rim itiv a m e n te biológico, de m iste rio sa teleología vital, como vem os n a s d iv ersas concepções ex p ressas n a psicologia em p ro fu n d id ad e. O bserve-se o papei em erg en te que tem essa ten são vital (e tô d a ten são é teleológica, p orque ten d e a re a liz a r su as possibi­ lid a d e s), e como o todo exerce a su a acção e dom ínio sôbre as p a rte s , m arca-lh es de certo modo, a direcção, o que c a ra c te ri­ za a fin alid ad e. 190 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S E ssa ten sã o v ita l depende da p redisp on ência p a r a a c tu a li­ z a r-se, d esta ou daq uela m a n e ira . O patológico é u m a possib i­ lid ade que se actu aliza de modo vicioso, pela p ressão das predisponências, que podem se r psicológicas e a té biológicas, além d as de c a ra c te r ecológico ou histórico-soeial. (1) E m b reve, após ex am in arm o s alguns pontos im p o rta n te s d as opiniões alh eias, terem o s ocasião de m o s tra r decadialècticam ente como solucionam os o p ro blem a do esp írito , dando-lhe um a colocação que concreciona as d iv ersas p o sitiv idad es das v á ria s concepções, o que é, como j á vimos, a v e rd a d e ira fin a li­ dade da decadialéctica. O g ên io e o louco Sem p ro sse g u ir n a an á lise do patológico, pois o em p reen ­ derem os em o b ra especial, querem os, apen as sa lie n ta r alg uns pontos que desde logo podem to rn a r-s e claros, e e v ita r ce rta s confusões com uns. P o r exem plo, o gênio, e o louco são m u ita s vêzes a p a re n ta d o s e a té confundidos. M as observe-se, a p a r do que nêles se assem elha, o que nêlefi se d istin g u e e até se d iferen cia. O antago n ism o dos vecto­ res, de origem so m ática e psicológica, na su a in te ra c tu a çã o em erg en te e p redisp o n ente, em face da p redispon ência dos fa c ­ to res ecológicos e h istó rico-sociais, é o que leva o se r hum an o a situações patológicas, m as o gênio v iv e a c rise e su p e ra -a p ela criaçã o. O estad o estético é o conflito que p erm ite que a a fe c ti­ vidade, que e stá no âm ago dos conteúdos d ualísticos lógicos, p e n e tre n a im anência do antago n ism o. M as a dem ência, ao con­ trá rio , te n ta fu g ir à crise, porque não pode n ela p erm an ecer, e p o r isso cai no abism o da p ró p ria crise. P o r isso h á hom ens de gênio que, ao perderem a sua fô rça, caem na lo u cura. T am bém todo hom em , quando lhe ensom breia (1 ) O p s ic o ló g ic o co m o p r e d is p o n ê n c ia . é d a e m e r g ê n c ia , m a s , q u a n d o s e d im e n ta d o , a c tu a N O O L O G I A G E R A L .11)1. o m om ento da crise da lo u cu ra, ta n g e a ilu m in ação do gênio ou então a do estado estético. (1 ) E is p o r que m uitos, saídos de u m a crise am o ro sa, de um a psicose, de u m a c a tá stro fe , alcan çam o tale n to estético que es­ ta v a potencializado, e re a liz a m o b ras de a rte de certo valor. V iv er essa crise le\ra ria a p e r d u r a r nesse estado, o que nem sem p re acontece, pois a d esca rg a em ocional su p rim e à s vêzes êsse estado estético. Se a p en as cham am os a aten ção p a r a e sta p a rte , é com a intenção de p e rm itir m ais a d ia n te com preen der as d iv ersas in ­ telig ên cias que seguem da q u a te rn á ria à d ecen ária, bem como a concepção ten sio n al do psiquism o, que nos ex p lic a ria a n eu­ rose, a psicose, e as d iv ersas e u n iv e rsa is m an ifestaçõ es g ra d a ­ tiv a s da h iste ria , que é sem p re p ro d u to de um a r u p tu r a ou de um a am eaça de ru p tu ra da ten são aním ico-pessoal. D essa fo rm a , n ão p recisarem o s fu g ir ao que constró i a ciência p a ra a c e ita r o que a firm a a filosofia, e v erem os que, no cam po da N oologia, as afirm açõ es p o sitiv a s e co n cretas de tô d a s as concepções, desde as m ais e x tre m a s a té à s m ais sintéticas, cabem n u m a concreção to ta l, que d ecad ialècticam en te podemos c o n stru ir. (1 ) O te m a d a cr ise , d e g r a n d e p a p e l n a c o m p r e e n sã o d a filo s o fia , f o i p o r n ó s d e v id a m e n t e es tu d a d o e m “F ilo s o fia d a C r ise ”, q u e fa z p a r te d esta E n c ic lo p é d ia . T K M A V A R T IG O A 2 F IS IO L O G IA D A D O R A s te n ta tiv a s de explicação dos fa c to s psíquicos, reduzindos-os aos facto s fisiológicos, como não p o d e ria d e ix a r de ser, m a lo g ra ra m p o r d esco n sid erar os asp ectos q u a lita tiv o s e ten sionais, to ta lm en te d iferen tes, que im pedem explique-se o supe­ r io r pelo in fe rio r. O acto psicológico dá-se a p a r do fisiológico, sem se r déle um epifenóm eno, sem se r um m ero fa c to (feito) fisiológico. M as ta l não im pede com preen der a inte ra c tu a çã o , que é po­ sitiv a, que se d á e n tre estas d u as ordens, o que, ao captá-la, levou a m u ito s, a p ressad am en te, reso lv er com ex tre m a fa c ili­ dade o que e ra por dem ais com plexo. N a actu alid ad e, nin guém nos p od eria s e rv ir de m elhor g u ia que E. D. A d rían , cu ja s exp eriên cias fam o sas dão um a p a la v ra de m a g n a im p o rtâ n c ia a ta l pro blem a. Q uanto à funcção da fib r a nervo sa, resu m e A d riá n su as observações da seg u in te m a n e ira : “ U m im pulso eficaz req u er, em com pensação, c e rta in te n ­ sidade e ra p id ez no meio am biente. O estím ulo a c tu a como um g atilh o que desencadeia o im pulso, m as não con trib u i à energ ia n e c e ssá ria p a ra a su a tra n sm issã o . O im pulso é um a alteração m o m en tân ea, que se desloca ao longo d a fib ra nervosa, acom ­ p a n h a d a de um a m udança de potencial eléctrico. A n atu re z a do 194 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S im pulso em cada p onto não depende do c a rá c te r ou da in ten si­ dade do estím ulo que o pro du ziu , m as a p en as das condições locais d a fib ra naq uele ponto. Q uando um im pulso alcan ça um ponto da fib ra , êste ponto se to rn a re fr a c ta rio a tod o estím ulo extern o, e só tra n s m ite o u tro im pulso após h a v e r p assado certo lapso de tem po. O re su lta d o é que a m ensagem que podem tra n s m itir as fib ra s n erv o sa s consiste n um ou m ais im pulsos descontínuos, sendo im possível a tra n sm issã o contín u a de um estado de exci­ tação. De facto , a m ensagem só pode ser d ife re n te devido à va­ riação do n úm ero to ta l dos im pulsos, e n a freq ü ên cia com que êstes se re p e te m ” . A sen sação está assim condicionada pela acção do estím u ­ lo, que é p red isp o n en te. M as êsse estím ulo a c tu a p o r m udan ças de exten sid ad e e de in ten sid ad e. O estím ulo a c tu a desco n tinua­ m ente, o que nos m o stra o c a rá c te r cinem ático da sensação, que se p ro cessa p or c on stan tes d iferen ças de potencial, p o r oposições, p o rta n to . O im pulso, que é levado a tra v é s da fib ra n e r­ vosa, im p lica alteraçõ es m o m en tân eas, e a sua n a tu re z a depende da m udança de potencial, que p o r sua vez depende das condi­ ções das fib ra s nervosas. E ssa in te ra c tu a çã o de fa c tô re s em er­ gentes e p red isp o n en tes é im p o rta n tíssim a de se r o bservada, e nos revela o fu n cionam en to a lte rn a tiv o da sensação. A fib ra , ao receber u m im pulso, n ã o tr a n s m ite o u tro , to rn a -se re fr a c tá ria a o utro im pulso d u ra n te certo lapso de tem po, p erm itin d o , de­ pois, a tra n sm issã o do novo, o que im pede a tra n sm issã o con­ tín u a. A d iferen ça da m ensagem está extensiv am ente no núm e­ ro das variações e in ten siv am en te n a freq ü ên cia com que êstes se repetem . (1) Todos êsses im pulsos a ctu am provocados p o r fa c tô re s p re ­ disponentes, m as a su a actu ação depende, p o rta n to , da em erg ên ­ cia, da qualid ade das fib ra s , o que com pleta o ciclo de acom o­ dação d as fib ra s e de assim ilação do estím ulo. Mas o impulso, ariihmos (1) É bem o p ita g ó rico , a q u i e x te n s is t a m e n t s co n sid er a d o ( n ú m e r o to ta l d o s im p u ls o s ), e in te n s is ta m e n te co n sid e ra d o ( a fr e q ü ê n c ia d a r e p e t iç ã o ) . N O O L O G I A G E R A L 195 que nelas se fo rm a, não ó um a tra n s m issã o do estím ulo que p erco rre a fib ra , m as sim as m odificações de potencial que fazem v a r ia r as c ro n a x ia s (c o rre n te s e léctricas dos n e u rô n io s), as quais, segundo a v aried ad e do n úm ero dos im pulso s e da f r e ­ qüência, dão a especificidade da sensação. P siq u icam ente não in co rp oram os o fa c to do m undo e x te ­ rio r, que a c tu a aqui ap en as como estím ulo, e não é in corporad o , como se dá no biológico, em que a assim ilação se pro cessa p o r in te g raç ã o do elem ento e x te rio r n a com ponência físic a do o rg a ­ nism o. A qui não se dá ta l coisa, m as ap en as m odificações n e r­ vosas, in trín se c a s aos nervos, e a assim ilação é to ta lm en te d ife ­ re n te , o que nos m o stra, desde logo, a irre d u tib ilid a d e to ta l da fisiolo gía do sistem a nervoso ao ap e n a s biológico. O fu n cio n a ­ m ento nervoso n a vida, não é apen as o biológico, pois é especi­ ficam en te d iferen te, não u m a m e ra d iferen ciação, m as te n s io n a lm e n te d iferen te, o que é im p o rta n te , o que nun ca se deve p e rd e r de v ista. “ Pelo que re sp e ita às fib ra s m o toras, h á pouca d úv ida de que a sua activ id ade n orm al no o rg an ism o con siste n a tra n s m is ­ são de im pulsos do m esm o tip o que os observados nos nervos isolados, estim ulados eléctricam en te. A inv estig ação da a c tiv i­ dade n o rm al das fib ra s sen sitiv a s estêve d ific u lta d a no passado p ela fa lta de estab ilid ad e dos in stru m e n to s de re g is tro ; m as o re c e n te desenvolvim ento da am plificação p o r válvulas torno u possível o re g is tro das m ais débeis m odificações eléctricas ccm a p arelh o s re g is tra d o re s, re la tiv a m e n te pouco sen sív eis” (A d r iá n ) . Os estudos de fisiología n erv o sa m o stra m que não h á um a activid ade específica das fib ra s sen sitiv as, co rresp onden tes a cad a tip o de órg ão sensitivo. As fib ra s dos d istin to s órgãos re ­ ceptores podem d if e r ir q u an to às su as relações tem po rais, m as a a c tiv id ad e fu n d am en tal, o im pulso nervoso, é com um a tôdas elas, e com um tam bém às fib ra s m o toras. M ostra A d riá n que 110 caso dos re cep to res m usculares e de p ressão , as descarg as são tão sem elhan tes que a d iferen te q ualid ade da sensação pro d u zid a tem que depender das cone­ xões c e n tra is d as fib ra s. No caso da dor, contudo, é preciso de­ 196 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S te rm in a r se existe alg u m c a rá c te r específico n a activ id ade d a fib ra nervosa. Como se v erifico u que a d o r pode ser p ro d u zid a p o r e stí­ m ulos térm ico s ou quím icos de intensid ad e su ficien te, concluí­ ra m de início os fisiólogos que q ualquer estim ulação excessiva de um re c e p to r cutâneo e ra capaz de p ro du zir dor, p onto de v ista abando nad o depois. A credito u-se, então, que h av ia condu­ to re s especiais p a r a a dor, da m esm a fo rm a que os h á p a ra a te m p e ra tu ra e p a ra o contacto. M as concluiu-se, a n te o c a rá c ­ te r específico da dor, que os re cep to res e con d uto res d iferem considerav elm en te dos o u tro s tip o s de sensações cutâneas. Os estudos de H ead e de R anso n lev aram a conclu ir que devem se r fiio g en èticam en te d ife re n te s ta is fib ra s , que estas devem se r de e s tru c tu ra d is tin ta d as o u tras. A p e sa r dos e stu ­ dos de G asses e E lan g er, m ais m o dernam ente, n a d a se pCdc a in d a p re c is a r e tu d o p erm an ece no te rre n o d as hipóteses. A conclusão fin a l a que chegou A d riá n é a se g u in te : “ Os im pulsos pro du zid os pelos estím ulos dolorosos são do tip o h a ­ b itu al, e a su a freq ü ên cia acha-se d en tro da zona o r d in á r ia ; m as h á alg um a evidência de que a d esca rg a deve p o ssu ir c e rta m assa (d u ração e in te n s id a d e ), p a r a p ro v o car a reacção dolorosa.” v N ão h á ain d a, evidentem ente, n en h um a solução d efin itiv a p a r a os pro blem as da fisiolo gía nervosa, que não e ste ja fu n ­ d ad a apen as em hip óteses. E a té a g o ra o m áxim o a que se alcançou, p e rm itiu apen as que se p recisassem os fenôm enos de ordem física. V erificou-se, adem ais, que os fa c to s psicológicos d iferen tes a p re s e n ta ra m igu ais processos nervosos. E, d esta m a n eira , a conclusão de A d riá n é que a fisiología não pode, p o r si, exp licar senão com o se dão os facto s psico-fisíológicos e não explicá-los no seu p o r q u ê , o que é um a v e rd a d e ira e n ítid a posição cien tífica. A fisiología, p o r si só, não nos pode ex p licar a sensib ili­ d ad e nem m uito m enos a afectiv id ade, a p e sa r dos esforços com ­ b in ado s de ta n to s fisiolo gistas. A p a la v ra ain d a cabe e c a b e rá à F ilosofia. T E M A V A R T IG O D E C A D IA L É C T IC A 3 N O O L Ó G IC A 0 se r h u m an o tem um corpo, pro vido de um psiquism o, que vive n a n a tu re z a (ecológica), incluído n um a sociedade h um ana. Corpo, psiquism o, ecologia e sociedade: olhado o se r h u m a­ no p o r estes q u a tro aspectos, que são as q u a tro coord enadas da su a realid ad e, — pois con cretam en te não se dá sem elas — tem os a visão global dialéctica do ser hum ano. Podem os s in te tiz a r em duas posições as que exam inam axiològicarnente o hom em como espécie: .1) que é um se r e:m ascensão, que é a concepção pre do m in an te. (O hom em de hoje é su p e rio r ao hom em p rim itiv o , e tc .). 2) O hom em está em decadencia. N ão é um se r em ascensão, m a 3 em declínio, pois fo i precedid o p or um a ra ç a su p erio r. C oncepção de Dacqué, e em p a r te de K lages, etc. 3) S in tetizan d o essas duas concepções, pode-se a d m itir que o se r h um an o conhece flu x o s e reflu x o s em seu desenvol­ vim ento, m as a p re se n ta , n u m a lin h a g eral, um p ro gresso, a p e sa r dos reflu xo s in te rc a la re s. O lhando o hom em sob os q u a tro aspectos que compõem as su as coordenadas, é êle um a re a lid a d e co n stitu ída de p rin c í­ 193 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S pios in tr ín s e c o s (corp o e p siq u is m o ), e e x tr ín s e c o s (c irc u n stâ n ­ cia am b ien tal e so cied ad e), sem os quais ela não se actu aliza. C orrespon d em tam b ém a todos os fa c to re s que actu am , p o r su a vez, n a con stru ção de tu d o q u an to o hom em faz, pois em tôd as as su a s obras, idéias, a rte s , etc., enco ntram o s a coo pera­ ção dos fa c to re s em erg en tes e dos pre disp o n en tes, de que iá tem os tra ta d o . C oo peração dos fa c to r e s no h o m e m O hom em é, assim , u m a re a lid a d e fo rm a d a da cooperação dos com ponentes in trín seco s e extrínsecos. Se ex am in arm o s como corpo e como alm a, te m o s : com o c o r p o : o hom em é, além de um p ro d u to , um p ro d u zir-se fisio ­ lógico e biológico. N este caso, ta n to um como o o u tro ac tu a m como p red isp on entes à p ró p ria em erg ên cia bionôm ica (d a s n o r­ m a s b io -fisio ló g icas). O corpo h um an o é um aparelh o , m as v iv o . Se ad m itirm o s que é o longo p ro d u to de um a evolução anim al, tem os de reco­ nhecer que, como corpo, teve u m a em ergência, que vem desde ra íze s cósm icas, em erg ência da vid a, e que as d iv ersas p re disponências e a pressão do m undo ex te rio r dos fa c to re s ex te ­ rio re s tiv e ra m o papel de fa c ilita r, ou c o a rc ta r, ou f r u s tr a r essa e m e rg ê n c ia . E n tão , dialécticam ente, podem os dizer que o corpo é um fa c to r de em erg ência, considerad o como to talidade, m as nêle c preciso d istin g u ir, d ialécticam en te, u m dualism o cooperacion a l: o p r o d u z ir -s e e o p ro d u c to . A v id a c um a fo rm a aním ica, que se desenvolveu como em ergência, com su as possibilidades, que os fa c to re s ex tern os p e rm itira m que u n s se actu alizassem , enq u anto co a rc ta ra m , f r u s tr a r a m a actu alizaçao de outro s. É um a visão dialéctica da evolução, que não nega a positiv id ad e da fo rm a dos não-evolucionistas. nem a m utação pelas N O O L O G I A 199 G E R A L actualizações da possibilidades, e fru sta ç õ e s de possibilidades, dos evolucionistas. O pro d u zir-se é o a c tu a liz ar-se em co rp o reid ad e de um a fo rm a, que é um a tensão, com seu esquem a, que cham arem os, p o r ora, de tensão-aním ica. O p ro du zir-se realiza-se em facto s. O p ro d u z ir-se é um acto que re a liz a fa c to s (fe ito s ), o p rodu cto . N ão é acaso o corpo o p ro du cto h istó rico do desenvolvim ento da vid a, a tra v é s da co­ operação com os fa c to re s p re d is p o n e n te s : n a tu re z a e sociedade, como in flu ên cia dos antecessores e do gru po onde vive? A v id a é a cto N este caso, a v id a no se r hum an o, que rev ela êsse c o n tin u u m , sem intercalações, porque a v id a é acto, e não o p ro ­ ducto do acto, ela não tem começo. A m in h a v id a im plica a v id a de m eus pais, a dêstes a de m eus avós, e assim sucessiva­ m ente. P o rta n to a vida, que e stá em m im , é a vid a que esteve no p rim e iro se r vivo. A origem da m in h a vida, com êste corpo, posso localizá-la h istó ric am en te em seu g e sta r, m as a m in ha vida, enq uan to vida, não começou aí. E la vem dêsse etern o c o n tin u u m , que é a vida, que não su rg e p or g eração espontânea, pois v iria do n ad a, m as d a vid a. P o rta n to , o corpo é apenas um recebed or d a vida, pois o que compõe êste corpo é o que vem dêste m undo, e êle é h istó rico. 0 que o compõe, eu o assim ilei do m undo ex terio r, e ao fazê-lo tom ou a fo rm a dêste corpo, m as o que assim ilei não e ra a m in h a vida, m as torno u -se p a r a m im , to rno u-se m inha. M eu corpo começa e acab a, m as a v id a que em m im existe não com eça em m im , ela co n tin u a em m im. E a vida não é m a is v id a nem m e n o s vid a. A vid a é v id a onde h á um se r vivo. E a vid a, que h á no verm e, como no p á s sa ­ ro, ccmo em m im , é acto v ital, acto c ria d o r inesgotável, in can ­ sável, p orque ela é sem pre ela, tra n s m itid a de uns p a ra outros. 200 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S E ssa vida, p o rta n to , rev ela um aspecto ontológico e um a im u tab ilid ad e axiológica e q u a lita tiv a . M as fo rm a sêres, m u l­ tiplica-se como o fogo, que é tra n s m itid o a inúm ero s corpos, m as que é se m p re o fogo. Tem ela, p o rta n to , um dos a trib u to s do acto, a de não es­ g o tar-se n a su a activ id ad e, o que ontològicam ente já vim os. P o rta n to , pode h a v e r m ais d úv ida que a v id a é acto? U m a re sp o sta sim ples p o d e ria se r dada aqui. Sim., a vid a é acto, m as tud o é acto tam bém . N esse caso, o que a d istin g u iría do re sto ? A v id a é acto em fo rm a m ais p u ra que o acto h íb rid o que conhecemos. A v id a é acto em su a in trin sic id a d e , m as irre d u c tív e l a o u tra coisa. A vid a é vida, pois se fô sse um se r em outro, um não exis­ te n te de p e r si, ela não se tra n s m itiria sem d e ix a r de se r ela. Pode-se d u v id a r d a su b sistê n cia das fo rm as, m as a fo rm a-v ida é su b sisten te, e tô d a a concreçao a d em o n stra. U m corpo é com posto de órg ãos, de fib ra s , m úsculos, n e r­ vos, um com plexo fisiológico. M as êsse corpo é apen as um g r a n ­ de conjunto sim bólico de sím bolos da vida. O corpo a a te s ta e a te s ta a cooperação da p ressão ex terio r. A v id a fo rm a o corpo, e, p o r êle, tra n sm ite -se de uns aos outro s, m as não é ela o corpóreo, pois êste desap arece, su rg e e d esap arece, enquanto a v id a p e rd u ra . E a s fo rm a s do corpo são possibilidades de v id as a c tu a li­ zadas, seg undo a acção dos fa c tô re s em erg entes e p re d isp o n e n ­ tes em su a in teractu ação . (1) vivo. tem é (1 ) O co rp o v iv o n ã o é v id a , m a s é Ê le v id a e n ã o ela . P e r ­ d e n d o - a , — p o is é e la q u e lh e d á a fo r m a v it a l, — e n tr a e m d e c o m p o s iç ã o . A m o r te n ã o é a e x e lu d ê n c ia , a n e g a ç ã o d a v id a , m a s s im d o s e r v iv o . Q u e m m o r r e n ã o é a v id a , é o s e r q u e v id a e d e ix o u d e t ê - la . tinha N O O L O G I A G E R A L 201 O corpo c om o d u a lid a d e P o rta n to , o corpo, como fa c to r em erg en te, dualiza-se em : 1) em erg ência corpó rea — a fo rm a v ita l (a v i d a ) ; 2) p redisp on ên cia co rp ó rea — o pro ducto. N este caso, a in te ra c tu a ç ã o dos fa to re s e m erg en tes e p re ­ disp onen tes, in sep aráv eis em todo o ser hum an o, e stá re v ela ­ da cla ra m en te no pro ducto, que é o corpo, que nos descreve a h is tó ria da v id a e p erm ite, sô b re êle, como um g ra n d e símbolo, p ro c u ra r o simbolizado, que é a v id a no nosso univ erso. E ta is fa c to s vêm c o rro b o ra r as razões que le v a ra m a de­ cadialéctica, de nossa a u to ria , a estab elecer êste m étodo, que é tão pro veito so . M as que é essa fo rm a v ita l? E ssa fo rm a v ita l 6 a alm a, é a alm a v e g e ta tiv a dos escolásticos, a t h r e p tik ê p s y c h ê de A ris ­ tóteles, a v id a u n iv ersal de ta n ta s o u tra s concepções, a s â m s a r a dos hin d us. E ssa fo rm a v ita l é u m a ten sã o teleológica v ital, p u ro acto, como o é a ten são enq uanto tal, d irig id a ao Bem, que p ro cu ra re a liz a r, em su as actualizações, o bem das tensões corpóreas que actu aliza. A v id a é assim irre d u tív e l ao corpóreo. E d efin itiv am en te fic a asseg u rad o que a e sfe ra biológica não se red u z à físico-quí­ m ica. N aq u ela actuarn fo rm a s d iferen tes da fo rm a-v ital que actu ara no segundo. E x am in em o s ago ra o P s iq u is m o É a psiq u e um fa c to r em erg en te do ser h um ano e consti­ tu tiv o de su a realid ad e to tal. M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S Mas a pr.ique, d ialécticam ente, além cie um p ro d u zir- se é um p ro d u c to . E tam bém so fre a actu ação dos fa c to re s p red isp o n en tes, e su as sedim entações ac tu a m como em erg entes, n a s suas p ró ­ p ria s actualizações. O corpo a c tu a como p re d isp o n e n te quanto à psique. A em er­ gên cia psíq u ica actu aliza-se segundo a acção c o o rp erad o ra da predispon ência, «em su bm issão to ta l nem auto no m ia total, p o r­ que a psique e n c o n tra sem p re os lim ites do m eio extern o , e o nosso corpo tam b ém é m eio e x te rio r em m uito s casos, como o são a s n ossas idéias, como o é o histórico-social em nós (sup er~ego), fun dad o nos fa c to re s de em ergência. e m e r g e n te s co rp o = b io n ô m ic o s p s iq u is m o — p s ic o ló g ic o s H is t ó r ic o -s o c ia l e m e r g e n te n a tu r ez a = ec o ló g ic o s fa ct ô r es p r e d is p o n e n te s s o c ie d a d e ( h is tó r ic o - s o c ia l) p re d is p o n e n te s u p e r e s t r u c tu r a líz a d o Nosso psiquism o, como o nosso corpo são p ro ducto s da cooperação d essas coord enadas que fo rm am a nossa realid ade. D epois do que dissem os sôbre o corpo, é fácil recon hecer que o psiquism o é tam bém algo que em nós se desenvolve a tra v é s d as actu alizações possib ilitad as pela predisp onência. A s nossas exp eriên cias psíquicas fo rm am os nossos esque­ m as psíquicos, segundo a s nossas possibilidades, que j á as a n ­ tecedem . D essa fo rm a, o que o in atism o a firm a v a dc positivo, bem como o aprio risrn o e o racio nalism o a p rio ris ta , coorde­ na-se, dialécticam ente, ao que o em pirism o, o racio nalism o emp iris ta , o p rag m atism o , etc., a firm a v a m de positivo. N O O L O G I A G E K A L 203 O que a fisiolo gía nos m o stra , o que nos m o stra m todos os estud os ac tu a is que a ciência tem realizado, é que as actu alizações esquem áticas dependem da nossa ap tid ão . E ssa ap tid ão é antecedente. R ealizada um a possibilidade, que se actu aliza, e sta, p or su a vez, a b re cam po a novas possib ilid ad es, e assim sucessivam ente, o que nos pode explicar a h isto ríc id a d e do psíquico, que é um p ro d u zir-se de pro ductos. O psiquism o, p o rtan to , não é apen as o corpóreo, que é sím ­ bolo da ten são aním ica que, como a v ita l, a c tu a segundo a cooperação das coordenadas. E essa ten são aním ica, essa fo rm a, é acto. H á um c o n tin u u m que h erdam os no p ró p rio com posto genético. O h e r e d itá rio e o in d iv id u a l O nosso corpo, n eu ro -m uscu larm ente, c o n tin u a a fo rm a de nossos an tep assad o s. H á em nós, porém , um desenvolver-se psíquico, o que não se v erifico u n a vida. A v id a é sem p re vida, m as o psíquico ô sem p re, fo rm alm e n te em p a rte , o mesmo c o n tin u u m , m as o seu desenvolvim ento se pro cessa com d ife­ renciações im p o rta n te s. P o rta n to , 11a em erg ência psíquica, tem os de d istin g u ir: 1) em erg ên cia h e re d itá ria ; 2) d iferen ciação ind ividual. A ten são psíquica, in se p a rá v e l da vid a, é, no entanto , um a d iferenciação p o sterio r, como nos m o stra a psicogênese. A v id a fo i sem p re vida-, sim ples vida, desde o p rim eiro ser v ita lm en te con stitu ído, m as o psíquico já se actu aliza em com ­ p lexid ades esquem áticas. E m su a sim plicidade, a ten são psíqui­ ca é um a única, m as na esquem atização, que é capaz de conjuntu r a r , ela se d iferen cia, como todos os estud os até a g o ra feito s nos d em o n stram . 204 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S A v id a não se com plexiona, com plexionam -se os ó rg ão s da vida. A ten são psíquica, o rig in ària m e n te , é sim ples, m as su a capacid ade esq uem ática to rn a -a com plexa, como a actualizaçao co rp ó rea biológica tam bém é com plexa. O psiquism o, em su a com plexidade fu n cio nal (sen sibili­ dade, afectiv id ade, in te le c tu a lid a d e ), não n eg a a sim plicidade ten sio nal aním ica. A qui tam bém a em erg ên cia m ais p ro fu nd a, que é acto, é incorp órea, como é a vid a, e su a actualizaçao com plexa rev ela a com plexidade esquem ática. P o rta n to , a em erg ên cia depende da pre disp on ência, sem n e g a r a su a p u rez a a n te rio r. A v id a é, p o r isso, d is tin ta da psique. E sta , n a su a com ple­ xidade, rea liz a aa c o n ju n tu ra s esquem áticas que, ao a tin g ir um nível, como no hom em , p e rm ite o advento do esp írito . O hom em , dad as as c ircu n stân c ia s p red isp on entes, conse­ g u iu a c tu a liz a r um m áxim o da fo rm a e sp iritu al, o que o d ife­ ren cio u dos anim ais. P o rta n to , no hom em , g ra ç a s à nossa concepção dialéctica, o que há de p ositiv o em tôd as as concepções, aqui se concre­ ciona n um a positiv idad e global. A a n im a s e n s itiv a , a a is tk e tik ê p sy c h ê de A ristó teles, o s p ir itu s v ita lis do Bacon, a a n im a ra tio n a lis dos escolásticos e a d ia n o e tik ê p s y c h ê de A ristó teles, tô d as en co n tram no psiquism o hum ano o seu re fe re n te , como nêle o encontram , dêste modo, as idéias evolucionistas e as n a tu ra lis ta s e p ra g m a tis ta s e m a ­ te ria lista s, q u an to às su as afirm ações p ositiv as e d ialéctica­ m en te conciliáveis. A coordenação de tu d o q uanto tem os dito n este livro, en ­ c o n tra aqui, n e sta s p a la v ra s ex p ressas, a su a coordenação. O p a to ló g ic o A lg uns pontos nos se rv irã o p a ra m aio r esclarecim ento. C onsiderem os, ag o ra, a influ ência que exercem os fa c to re s p re - N O O L O G I A G E R A L 205 d isp onen tes n a s actualizações do e sp írito e n a fo rm ação dos esquem as, e, sobretu do, do que cham am os o patológico. A esq uizofrenia, que é u m a m orb idez m en tal, m o stra-n o s o avassalam en to do dom ínio in d iv id u al p ela actu alização de um c o n ju n to de com portam entos, de direções lógicas, etc., de in ­ flu ên cia social (h istó rico -so cial). O esquizoide, que íoge à sociedade, so fre a p re ssã o do so­ cial, que a c tu a n a con stitu ição esquem ática ind ivid u al, de m odo a fazê-lo a fa sta r-se . Vem os esquizoides com porem a té grupos, a té nações, a té períodos h istó ricos, onde o isolam en to se p ro ­ cessa, não só individ ual, m as até colectivo. Podo-se c o n stru ir um a p ato lo g ia sociológica, e a m orbidez dos g ru p o s sociais pode ser estu d ad a. E ta l se dá porque o nosso esp írito tem um a actu alid ad e colectiva da espécie que h erdam o s, o h o m o a r c h a ic u s de Ju ng , o arc aico étnico, que nos lig a aos nossos ascen d en tes m ais p ró ­ xim os, o arcaico social, con stitu ído d as p redisp o n ên cias do g ru ­ po a que pertencem os, (como a classe, e tc .), o arcaico fa m ilia r, e o arcaico individual. P o ste rio rm e n te , tem os o individualizado p elas p red isp o n ên cias, com seus g ra u s de in ten sid ade, que p e r ­ m item c o n s tru ir o que se cham a inconsciente, sub-conseiente ou p re-consciente, e o consciente. E n tã o tem o s: C am adas n o o ló g ic a s . do h om em A r c a ic o da e s p é c ie a r c a ic o ét n ic o a r ca ic o grupai a r ca ic o fa m ilia r a r ca ic o in c iv id u a l (c o m p o n e n te d o in c o n s c ie n te in d iv id u a l, s u b c o n s c ie n te o u p r e c o n s c ie n te ) co n s c ie n te E ssa s cam adas são actu alizações da ten são aním ica, no hom em , e tra z e m a m a rc a da h isto ric id a d e hum ana. O espí­ rito , como acto, é sim bolizado p elas su as actualizações. M Á R IO 206 F E R R E IR A DOS SA N T O S O s g r a u s d a in te lig ê n c ia São essas actu alizações coo rd enadas pela cooperação dos fa c to re s, que nos explicam a fo rm ação dos esquem as psíquicos e a sua v a ria b ilid a d e : 1) in te lig ê n c ia p r i m á r i a : a im ita tiv a , já estu d ada. 2) i?iteligê ncia se c u n d á ria ', a que destingue m eios de fin s. 3) in te lig ê n c ia t e r c i á r i a : a ino vad o ra. E ssas trê s in telig ên cias fo ra m p o r nós e stu d ad as n a Psicogênese. E elas se fu n d a m n a s fa se s in tu itiv a s, j á e stu d a d a s: a) a in tuição em fu nção dos reflex o s; b) a in tu ição em fu n ção de base m édulo-espinhal (in tu i­ ção sensível) ; c) in tu ição em fu n ção cérebro-espinhal (sen sibilid ade a n alítico -sin tética, com a diferenciação dos nervos an a lisad o res e sin tetizad o res, estudados p or P a v lo v ) ; d) a in tu ição in telectu al (d istin ção do sem elhante e do d ife re n te ) ; e) intuição intelectual, com a form ação dos ante-conceitos (racio n alid ade p re-lógica) ; f) intu ição intelectual, com distinção de causalid ade e f i ­ n alidade, com a fo rm ação dos conceitos (rac io n a li­ dade ló g ic a ) ; g) in tu ição eid ética (h u s s e rlia n a ). A razão é lògicam ene s tru c tu ra d a , e capaz da síntese dialéctica. F u n d a d a s nessas intuições, que j á e s tru c tu ra ra m o que cham am os de in telectualid ade e afectivid ade, su rg em o u tro s g ra u s da intelig ên cia, com o: 4) In te lig ê n c ia a d iv in h a tó r ia , como a do médico, a do enge­ n heiro , m as que exige um a ap ren d izagem p ré v ia , que es- N O O L O G I A G E R A L 207 tr u c tu r a esquem as que a e tu a m em u m a intencion alid ad e consciente, m as p or intencio n alid ad e subconsciente. õ) I n te lig ê n c ia p r e m o n itó r ia , que é um g ra u m ais elevado que nos dá c e rta prescien cia do que acontecerá, m as cu ja s cap­ tações se processam pelas e stru ctu ra ço e s esquem áticas, que p re cip ita m a intelecçâo subconsciente. É r a r a , e su rg e em alg u n s m om entos, m as dela q u ase todos p a rtic ip a m . 6) In te lig ê n c ia do g ên io . T ôdas as intelig ên cias a n te rio re s se fo rm am pela adap tação psicológica (acom odação e assi­ m ilação ), segundo os esquem as prévios. M as o gênio, que vive a contradição, tem a capacid ade de c r ia r esquem as im ediato s aos facto s novos, e p e rm itir, em certo s in sta n ­ tes, um a assim ilação, que é sim u ltâ n ea ao fa c to . O esque­ m a é criad o sim u ltan eam en te p a ra a ssim ila r o facto . Não tem a necessidade da ap ren d izag em p rév ia. 7) In te lig ê n c ia c a r is m á tic a é u m a v is io do a in d a não experi­ m en tad o, que não tem esquem as de p ré v ia form ação, que su rg e n u m g ra u elevado da genialidade, em p ro fe ta s, san ­ tos, m ísticos, g ran d es legisladores. A ntes de verm os outros g ra u s da in telig ên cia, exam inem os o desenvolvim ento da intuição. A intu ição dá-se pela acomo­ dação dos esquem as ao facto que é sin g u lar, com a assim ilação pro po rcion al. M as a intuição dialéctica, que im plica as a n te rio res, al­ cança u m a fo rm a : h) em que se p ro cessa im an en tem en te no facto , m as ta n g e a su a tran scen d ên cia. É um c a p ta r do sim boli­ zado, a tra v é s do sím bolo. M as é o sim bolizado m ais p ro fu nd o, que u ltra p a s s a o q u a te rn á rio ; i) essa intuição se p ro cessa p o r um a dialéctica tra n sce n ­ d en tal an alítica, que cap tan d o o tra n sce n d e n te anali­ sa-o, e, fin alm en te, c a p ta a sín tese tra n sce n d e n ta l, úl­ tim o g ra u da intuição. E ssa s intuições só a têm os g ra n d e s m ísticos, os b em av entu rados. 208 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S São elas que p erm ite m e s tr u c tu r a r a 8) in te lig ê n c ia dos b e m a v e n tu r a d o s (um g ra u de b eatitu d e, o b o d d h is a tv a dos h in d u s ) . É a contem plação do tra n s c e n ­ dente, p a r a o qual não h á esquem as com fu n d o ex p erim en ­ ta l láctico . É o e sp írito (o a tm a n dos h in d u s ), p en e tran d o em su a a ctu alid ad e p u ra , fu n d id o em si m esm o ( frô n e se e s p ir itu a l) . Os hom ens conhecem esses g ra u s de in telig ên cia, e são êles a s g rand es possib ilidades do esp írito. O e sp írito , assim , em su a p u rez a p rim itiv a , é a g ra n d e em erg ên cia p u ra do psiquism o, como a vid a é a em erg ência p u ra do som ático. O esp írito a c tu a segundo a p redispon ência, e as su as fo rm as estão condicionadas pela actu alização dos es­ quem as, sem que o e sp írito s o fra alg um a dim inuição do seu pod er pelas actualizações, como a v id a não so fre, p o r su a vez, n en hum a dim inuição, pelas actualizações som áticas. E is porque, em su m a, a sensibilidade e a afectiv id ade n ão podiam , como não podem , se r explicadas pela m ecânica do corpóreo. H á, assim , um sensível p u ro e um afectivo p u ro (sen sib i­ lidade p u ra e afectiv id ade p u r a ) , que a p redisp on ência dos es­ quem as p e rm ite s u rja m p a ra nós em fo rm as d iv ersas, sem que êles so fra m q ualqu er m odificação em si m esm os, como o fogo é sem pre fogo, a p e sa r das fig u ra s em que fàc tic a m e n te se ap resen te. P o rta n to , v id a e e s p ír ito tran scen d em ao corpóreo. E sendo sim ples, como são, e j á o m o stram o s, nem a v id a nem o e sp írito conhecem o p erecim en to que advém da decom posição. P o rta n to , h á um a v id a e te rn a e um esp írito eterno. Lem brem o-nos do que dissem os da sensibilidad e. Dói-me aq u i a p ern a , a d o r está n a p ern a , esta a re vela quando dói, m as a d or é sensibilidade p u ra , que tom a esta topicidade, se­ gundo o relacio nam ento do p redispon ente. N O O L O G I A G E R A L 200 N ós som os a dor, e o p ra z e r, a a le g ria e a triste z a , a a g ra d ab ilid ad e e a d esag rad ab ilid ad e, a sim p a tia e a a n tip a tia . Sen sibilid ade, afectiv id ad e e in te le ctu alid ad e nos são r e ­ veladas p o r seus símbolos, m as os g ra n d e s sim bolizados são a V ida e o E sp írito , que em nós se to rn a m c a rn e e sangue, e eis p o r que c a rn e e sangue tam bém são vid a e esp írito . (1) (1 ) É f á c il c o m p r e e n d e r o q u e h á d e p o s it iv o n a s p rá tica s a s c é tic a s e e x e r c íc io s a p r e s e n ta d o s co m o ú t e is p e la s r e lig iõ e s . O co rp o , c o m o p r e d is ­ p o n ê n c ia , fa v o r e c e o u n ã o as a c tu a liz a ç õ e s d a s p o s s ib ilid a d e s a n ím ic a s , s e ­ g u n d o a s u a m a n e ir a d e p ro ce d e r. A e m e r g ê n c ia d ep e n d e , em s u a s a c tu a li­ z a r e s , d a p r e d is p o n ê n c ia . U m co rp o s a u d á v e l p e r m ite a c tu a liza çõ es sã s da le n s ã o -a n ím ic a , co m o es ta p o d e a c tu a r s ô b r e a p r e d is p o n ê n c ia , co m o j á v im o s . A te n s ã o a n ím ic a é a c to e p o tê n c ia , e m b o r a n ã o m a té r ia n o s en tid o v u lg a r . S ó o S e r s u p r e m o é a c to p u r o . P o r ta n to , a t e n s ã o -a n ím ic a d o h o m e m c o n h e c e a c tu a liz a ç õ e s q u e d ep en d er ã o d a p r e d is p o n ê n c ia . O ra, a p r e d is p o ­ n ê n c ia é s e d im e n ta d a p e la p ró p ria e m e r g ê n c ia , e p e lo q u e lh e é e x tr ín s e c o . A e s q u e m á tic a p s íq u ic a p re d is p õ e a c tu a liz a ç õ e s , co m o a s a d a p ta çõ e s, co m s u a s fa s e s d e a c o m o d a ç ã o c a s s im ila çã o . P o r is so , p o d e m o s p red isp o r f a c i­ lid a d e s o u íru sta çÕ es o u in ib iç õ e s a o n o s s o p ró p r io d e s e n v o lv im e n to , co m o o p o d e m o m e io c ir c u n s ta n c ia l a m b ie n te e o c o n ju n to d o h is t ó r ic o -s o c ia l e x tr ín s e c o . S o m o s a s s im o q u e n ó s fa z e m o s d e n ó s , e o q u e o a m b ie n te c ir c u n s ta n c ia l p e r m ite , es tim u la , o b s ta c u liz a o u fr u s tra . N o ss a s re a c ç õ e s sã o p r o p o r c io n a is a ê s s e co n ju n to d e f a c to r e s . P o r ta n to , d e s d e q u e co n h eç a m o s a n o s s a c o n tin g ê n c ia , p od ernos a c tu a r d e m o d o a p r o v o c a r u m p ro g r e ss o em n ó s. E m g r a n d e p a r te , o q u o as r e lig iõ e s e n te n d e m p o r s a lv a ç ã o é o q u e f ic a c o m p e n d ia d o n e s s a n o s s a teo r ia , q u e p e r m ite , p o r s u a v e z , en g lo b a r , n u m a g r a n d e s ín t e e e c o n c r e ta , o q u e h á d e p o s it iv o n a v a r ie d a d e d o p e n sa m e n to h u m a n o , s ô b r e tem a d e ta l im p o r tâ n c ia . N O T A F I N A L — E m “O P r o b le m a da A lm a ”, te r e m o s o c a s iã o d e e x a m i­ n a r a s d iv e r s a s d o u tr in a s s ô b re a v id a co rp ó r ea e a d e a lé m - t ú m u lo . O tem a , p e la s u a v a s tid ã o , e x ig e q u e o co lo q u e m o s d e n tr o d e p o s tu la d o s a p o d ictico s, j á q u e a q u i ta n g e m o s o ca m p o d a s id é ia s r e lig io s a s , o n d e o s ju íz o s a s s e r tó r ic o s sã o s u f ic ie n t e s , p o r q u e b a s ta a f é . E m “F ilo s o fia C o n c re ta ”, fu n d a ­ m e n ta m o s urna s e q ü ê n c ia d e p o s tu la d o s a p o d ic tic o s p a r a a filo s o fia . P o s te r io r ­ m e n t e , n ê le s fu n d a d o s, es ta re m o s e m c o n d iç õ e s d e e x a m in a r o te m a d a a lm a , c u ja im p o r tâ n c ia é fu n d a m e n ta l, ta n to p a r a o p e n s a m e n to c o m o p a r a o d e s t in o h u m a n o . C A R A C T E R IS T IC A F U N D A M E N T A L DO H O M E M T E M A V A R T IG O 4 A T ÍM E S E P A R A B Ó L IC A DAS E A C R IA Ç Ã O TE N SÕ E S O hom em rea liz a a tím ese p arab ó lica, a qual consiste n u m a apreciação , p o r com paração, e n tre o que tem os e a p erfeição específica da qual não tem o s posse actu al, m as ap en as v irtu a l, como vim os em “ O H om em p e ra n te o I n fin ito ”, e que é p a ra nos a origem e fu n d am en to da relig ião . E essa capacid ade não se p o d e ria in c lu ir n a ten são do a n i­ m al, p orqu e ela escapa à anim alid ad e, e a tran scen d e, pois j á c algo que tan g e o teológico. No com puto g e ra l dos tem as estudados, convém a n o ta r os seg uin tes pontos, positiv id ad es que podem os c a p ta r, desde v ário s ângulos, as q uais nos p e rm itirã o fo rm a r um a concreção fin a l: a) podem os co n sid e rar a selectiv idade de todo ex istir, já p or nós ta n ta s vezes assin a la d a , como função p ró p ria , acção de “ esco lh er” , segundo a fin id ad e s ou esquem as, corresponden­ tes às e sfe ra s d a re a lid a d e ; b ) m as h á que d istin g u ir, dessa “ in telectualid ade cósm i­ c a ”, a in telectu alid ad e h u m an a . O intelecto hum ano, desde que o considerem os d en tro do m esm o esquem a essencial da intelectualid ade cósm ica, procede, p or m eios psíquicos, a selecção de facto s, p o r adap tação ( assim ilaçao -aco m o d ação). 214 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA NTO S A in tu ição intelectu al cap ta, pela com paração, sem elhan­ ças e d iferen ças, e adem ais relações de causalid ade e de fin alid ad e. Desse fu ncio nam en to sedim en tou-se a polarização fu n cio ­ n al de nossa in telectualid ade, em in tu iç ã o e ra zã o , polarizações fu ncio nais, p o r su a vez, do e sp írito , in tercon ex io n ad as com a sensibilidade e a afectivid ade. É m iste r, porém , o b se rv a r que a im agin ação c ria d o ra e a constru ção de esquem as novos, fu n dad os em a n te rio res, é um a c a ra c te rístic a tô d a especial do esp írito hum ano, desde que con­ siderem os que o hom em p o d e com b in ar esquem as diversos e d ís­ p ares, com pará-los, com êles c o n stru ir novos esquem as, sem que lhes corresp o n da um s u p p o s itu m , e x tr a m e?itis, que se ja o s u b s t r a c tu m do esquem a, como se vê q u an to aos entes de razão, as ficções, etc. Só n a e sfe ra psicológica ta l activid ade é possível, e não na e sfe ra biológica, nem n a físico-quím ica, p or f a lta r q u e m os fa ça. N estas duas e sfe ra s, h á selectividade, sab em os; não h á porém , a capacid ade de c o n stru ir, com esquem as, outro s esque­ m as, sem m odificações p ro p ria m e n te biológicas nem físico-quí­ m icas, porque, n esta s ú ltim a s e sferas, os esquem as estão iden­ tificado s e concrecionados com os p ró p rio s facto s. M as um psiquism o pode c ria r, com im agens, novas im agens. O psiquism o pode (e é o que a psicologia cham a de im a g i­ nação c ria d o ra ) d a r um a nov a ordem às im agen s, de m a n e ira a sig n ificarem algo d iferen te do que elas são quando to m ad as isoladam ente. H á, n a im agin ação criad o ra, a fo rm ação de esque­ m as ficcionais. Podem êles não corresp on der, como um todo, a um re fe re n te ex istente, como se dá com a ficção. U m con jun to de im agens, coo rd enadas a m odo de fo rm a re m um a nova e s tru c tu ra im a g in ativ a , constitu i um novo esquem a. E êste tem um significado, pois a im aginação é sem pre sem iòticam en te (de se m e io n = sin to m a) re fe re n te a esquem as de ordem afe ctiv a, e, p o r isso, podem os ju lg a r da ind ivid ualid ade e p erso nalid ad e de alguém , a tra v é s dos p ro d u to s da sua im a­ gin ação c riad o ra . N O O L O G I A G E R A L 215 D essa fo rm a reiv in d icam o s um se n tid o m ais p ro fu n d o à ficção. E stu d em o s p rim e ira m e n te o p en sam en to j á exposto, em lin h as g erais, p o r a lg u n s a u to re s, sôbre a fic ç ã o , p a r a que p o s­ sam os c o n tin u a r nosso exam e. Im põe-se o seu estudo em face da h ip ó te s e , que é um a su ­ posição, m as fu n d a d a sôbre bases do que j á se conhece, p a r a estabelecer, por seu tu rn o , u m a sôbre o que n ão se conhece a in d a d efin itiv am en te. N a filo so fia escolástica fa zia-se a d istin ção c la ra e n tre ficção e hip ótese. A quela re fe ria -se ao que n ão e x is te re a lm e n te (as coisas f i c t a fic t io n e s ) , ou se ja ao irre a l, m as a filoso fia não podia d eix ar de reconh ecer o p ap el im p o rta n te que essas ficções exerciam , a tra v é s d a ch am ad a fic tio r a tio n is (ficção da ra z ã o ) ou e n tia r a tio n e s (en tes da ra z ã o ) sô bre o desenvolvim ento operatorio . M as, p o sterio rm en te, seu em prêgo fic a r ia circu n sc rito às ficções da im aginação, da qual não se exclui nem m esm o a activ id ade cien tífica, o que m ereceu belos estud os de V aih in g er. E a ta l ponto chegou a c rític a , n e ste ponto, que a té as cons­ tru çõ es de um a filo so fia a b s tra c ta , que se p arem os aspectos com­ p on entes de um todo, p a s sa ra m a se r con siderado s como ficcio­ n ais, como a s categ o rias, conceitos a u x ilia re s, a ponto de V a ih in g e r c o n sid e rar tu d o ficcional, “ como s e ” (a is o b ) fô sse o que a p o n ta. T am bém cs estudos de C. O gden levam a a firm a tiv a s se­ m elhan tes, como a c la ssific a r como ficções a b so lu ta s de p rim e i­ r a ordem , a m a té ria , a fo rm a, a q u an tid ad e, o esp aço ; como ficções ab so lu tas de seg unda ordem , a q ualid ade e a m odifica­ ção, e as en tid ad es fictícias, v in cu lad as à relação, como d iv er­ sidade, iden tid ad e, lug ar, tem po, m ovim ento, existência, etc. R ealm en te, b a s ta co n siderarm o s a fo rm ação dos esquem as a b s tra c to s e seus co rresp o n d en tes sig n ificativ o s, os têrm os, que com preenderem os que tôd a activid ad e da razão é ficcionalista, pelo m enos n este sector. 216 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S O ra, os conceitos são m eios p rático s, são m eios técnicos de que se serv e o se r h um an o p a r a tra n s m itir, em su a fa se social, o pensam ento, q uer sen sório -m otriz, q uer in telectual, q uer afectivo. M as s e ria necessário tam bém lev ar m ais longe o estudo cia ficção e conclu ir que a p ró p ria ficção é ficção, o que já nos colocaria n u m a ap o ria pelo m enos ap a re n te . N ão p re cisa ría m o s ir tão longe, pois todo o estudo que fiz e ­ m os do fu n cio n am en to do nosso esp írito m o stra-n o s que cons­ tru ím o s conceitos, ficcio nais p o rta n to , m as que não d eixam de in d ica r u m a base fu n d a d a n a re a lid a d e em que estam os im ersos. Tom ados sep arad a m e n te , p o r um a necessidade do fu n cio n a­ m en to do nosso esp írito , que nos leva a a b s tra ir, correm os o p erig o (e aqui e s ta ria o ficcio n al) de co n sid erar o que é a b s tr a í­ do, com o se se desse autó nom am ente, estan q uem en te do re s ta n te do complexo da realid ade. D esde o m om ento que p ro cu rem o s o que nos indicam os conceitos, o que nos ap o ntam , com preenderem os que têm raízes m ais p ro fu n d a s n a p ró p ria existência con creta, pois são êles intencionais e referem -se às e s tru c tu ra s eidéticas, que a s coisas de certo modo im itam . E stam o s, ag o ra, ap to s a r e to r n a r ao p en sam en to a n te rio r. J á vim os que nosso esp írito fu n ciona eng lobadam ente com a sensibilidad e, a afectiv id ad e e a intelectualid ade, e stas ú ltim as com polarizações fu n cio n ais p o ste rio re s do m esm o, sem que, no en ta n to , h a ja funçõ es exclusiv am ente isoladas um as das o u tra s. N ão h á possib ilidade de fu ncio nam en to s da intelectu alid ad e sem um a intercon exão com a afectiv id ade, e esta e a in te le c tu a ­ lid ade com a sensibilidade. São d ife re n te s períodos de um processo global, que se des­ d o b ra em su a s v a ria n te s, sem p e rd e r, no entanto , su a p ro fu n d a base in v a ria n te de interconexão. Se tem os e podemos c o n stru ir ficções intelectuais, podem os c o n stru ir tam bém afectiv as (im agin ação poética, estética, e tc .), N O O L O G I A G E R A L 217 como tam bém n a ord em da se n sib ilid ad e (alucinações sensíveis, etc.) sem que e n tre elas h a ja sep aração , isto é, se dêem elas estan q uem en te. D essa fo rm a, nossa capacid ad e de im agin ação c ria d o ra , a con stru ção de novos esquem as, fu n d ad o s sô bre esq uem as a n te ­ rio re s, que c a ra c te riz a o nosso esp írito , é algo que se d á nêle, to ta lm en te nêle. E a activid ad e do esp írito c o n sistiria nesse p o d e r de cons­ tru ç ã o de novos esquem as, sô bre os esquem as a n te rio re s , m as com a n o ta típ ic a e c a ra c te rístic a e d iferen c ia n te, que lhe é p ecu liar, de serem ta is esquem as ficcio nais, p o r n ão se re fe ri­ rem , senão p arcialm en te, a elem entos com ponentes d a re a lid a ­ de, como o cen tauro , que como to ta lid ad e é ficcional, m as como “ corpo de cavalo” e “ busto de hom em ” , sep arad o s, co rresp o n ­ dem à re alid ade. O e sp írito é assim c ria d o r de ficções, o que não criam os esquem as ten sio n a is de o u tra s e sferas, pois o físico não c ria ficções. E , n essa capacidade, te ría m o s a d iferen ça esp ecífica fu n ­ cional do e sp írito , fu n d am en to d a estética. O ra, se ta l se dá nesse secto r, não pod eríam os exp licar ta l capacid ade re a liz a d o ra a p e n a s pelo fu n cio n am en to biológico, isto é, reduzindo-o à e sfe ra da biologia. Os esquem as ficcionais não se re fe re m a realid ad es que c o n stitu am o seu conteúdo fáctico , porque, do c o n trá rio , se­ ria m re a is-re a is. Se fôssem reduzidos ao biológico se ria m tensõ es reais e não ficcionais. A lém disso, os elem entos com ponentes e staria m in co rp o rad o s n a tensão, como sucede em tu d o quanto se d á n a e sfe ra do biológico e do físico químico. Os elem entos ten sio nais esquem áticos, que fo rm am o ficcio­ nal, não se in co rp o ram no todo, pois podem fo rm a r outro s con­ ju n to s ficcio n ais com o u tro s esquem as. D. Q uixote é um a ten são ficcional, m as que se fu n d a em esq uem as re a is, pois o hom em não im ag in a o que já não ten h a M A R IO 218 F E R R E IR A DOS SA NTO S em seus esq uem as, o que não se ja assim ilável p o r eles. Podem os fa la r n um a côr d ife re n te da que conhecem os, não poderem os p o rém re p re se n tá -la senão d en tro do campo dos nossos esque­ m as ópticos. D essa fo rm a, h á um a re a lid a d e da ficção, e esta nun ca pode ser con siderad a como um a ausên cia p o r não co rresp o n ­ d e r a um a realid ad e ten sio n alm en te fo rm ad a (assim D. Quixote, histo ricam en te, não e x is tiu ), m as deve se r essa re a li­ dade co n siderad a como fu n d a d a cm esquem as, aos quais o e sp írito d á u m a ten são nova (D . Q uixote não existiu h is tó ri­ cam ente, m as tô d a a psicologia, alm a, afectiv id ad e de D. Qui­ xote fu n dam -se em esquem as re a is ). E stam o s, ag o ra, em fa se de duas re a lid a d e s : a) re a lid a d e ficcional, fu n d a d a em esquem as; b) re a lid a d e real, h isto ric am en te fu n d ad a. A p rim e ira é sem p re um a realid ad e em o u tra , a seg unda pode ser em si m esm a. A p rim e ira te r á g ra u s de realidade, enqu an to a segun da não. A p rim e ira pode ser con siderad a g r a ­ d a tiv a , como m ais ou m enos, a seg unda como a u t. .. a u t . . . excludentem ente, ou é, ou não é. Podem os com preen der p o rta n to esquem as que co rresp o n ­ dam a um a com binação do real-ficcional com o real-histó rico, o que nos p e rm itiria , então, considerá-los g ra d a tiv a m e n te . R esta a g o ra d istin g u ir, no fun cio nam en to do esp írito , a constru cção de esquem as m era m e n te ficcionais, e esses híb rid os. N este caso, pod eríam os c o n sid e rar como ta is as c o n stru ­ ções in telectu ais do e sp írito , pois tô das elas não incluem a to ­ talid a d e da re a lid a d e h istó ric a, devido à g ra n d e p a rte de ficção, q ue é n ecessário con ter, p a ra p e rm itir um a n ítid a inteligência. Além disso, p o r exemplo, o esp írito , ao c r ia r e sfe ra s do conhecim ento, procede ficcionalm ente, m as ta is e sfe ra s não d ei­ x am de le r um a b ase re a l-h istó rica (fu n d am en to r e a l) , a p e sa r d a con trib u ição o rd en a tiv a do nosso esp írito , que as coordena, p a r a p oder estud á-las. N O O L O G I A G E R A L 219 A ssim , com preende-se que a nossa c iê n c ia é a n o ss a ciên­ cia, e a su a construção é um a h ib rid ez de re al-ficcio n al e real-h istórico. Se nosso como ta is n a fu n d ad os nos fin itiv a m e n te m en talm en te j á estu d ad as, esp írito pode c r ia r esq uem as, e êles n ão se dão re a lid a d e h istó rica, e sendo ta is esq uem as novos, a n te rio res, podendo êsses c o n stitu ir o u tro s, é de­ claro que o nosso e sp írito se d istin g u e fu n d a ­ do re sto do que p erte n ce à s e sfe ra s ten sio n ais E ssa s ficções não têm co rresp o n d ên cia enqu an to tais, em sua fo rm a, à realid ad e h istó ric a , m as a d iv ersas realid ades h istó ric a s (D. Q uixote te m um pouco de cad a hom em e de todos os hom ens, ?nais dêste do que daquele, etc .). E ssa s ficções, repetim os, correspon dem a re a lid a d e s h is­ tó ricas, não como tensões to ta is. E s s a capacid ade c ria d o ra do e sp írito não p od eria ser do físico, porque se êsses esquem as fossem m eram en te com bina­ ções do biológico, nêle se in c o rp o ra ria m e h isto ric am en te o e stru c tu ra ría n !. A im agin ação c ria d o ra c ria algo além d e . . . , algo que tra n sc e n d e os p ró p rio s elem entos de que lança m ão ap en as es­ quem áticam en te, fo rm an d o u m a e s tru c tu ra nova, sem p-rojecta r-s e n a re a lid a d e h istó ric a como tal. N ão podendo ser os elem entos que p o r si mesmo3 criam , e como re v elam u m a ordem , e essa ordem nova su bsiste inde­ p en d en tem en te das p a rte s com ponentes, revelam um a activid ade c ria d o ra , que m a n e ja os esq uem as sem incorp orá-lo s no todo, podendo a in d a fa z e r p a rte de o utro s, o que im plica a p resença de um fa c to r e su sten táculo dos m esm os, que é o esp írito , não como so m a do psiquism o e seus esquem as, m as como um a te n ­ são esp ecificam ente d iferen te, e de p e r si susisten te. O P o s s e s t (que p a ra N icolau de C usa é o S er Suprem o, o s e r que pode, ein sum a, D eus, como ten são su p re m a ) d a ria re a lid a d e h istó ric a a tud o q uan to m entasse, pois não tr a n s ­ cende a si m esm o, pois é a tra n sce n d ê n cia de tudo. N esse caso, 220 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S h av ia fu n d a m e n to e não m ero ficcionalism o nos escolásticos, quando diziam que os p en sam en to s de D eus são realid ad es posi­ tiv a m e n te co n siderad as, entes re a is. E m síntese, o e sp írito h um an o c ria tensões, nêle su b s is­ te n te s, ind ep en d en tem en te, enq u an to tais, de um a realid ade h istó rica. E ssa capacid ade o s e p a ra de tu d o o m ais, e o to rn a análogo a Deus, com a d iferen ç a que êste d a ria realid ad e p o sitiv a ao esquem a, entificando-o h isto ricam en te, enquanto nós hom ens só íhes podem os d a r um a reaiidade-ficcio nal, fu n d a d a em nos­ sos esquem as a n te rio re s. A ssim como criam os em nós, o P o s s e s t c ria r ia em si m esm o. Nós transcen dem o s q uando criam os, criam os em tra n s c e n ­ dência, e o P o s s e s t em im anência. O Q U E E M N Ó S É IM O R T A L T E M A V ARTIGO A 5 L IB E R D A D E V im os n a “ O ntolo gia” que o Ser é : a) su ficien te e p ro fic ie n te : êle se b a s ta a si m esm o; b) etern o, sem p rin cip io nem fim , p rin c ip io e fim de si m esm o; c) enq u an to ser, sem dev ir, im u táv el em si m esm o; d) sem ru p tu ra s , e um c o n tin u u m e te rn o ; e) em si m esm o su b siste n te e su sten tácu lo de tod as as c o isas; f) acto p uro. E que é V id a? E que é E s p irito ? E m su a p u reza, têm os c a ra c te re s do ser, p orqu e tam bém são acto, e su b sisten tes no ser, que é acto. São p ontos de lig a­ ção e n tre nos, existen tes, e o S er no qual nos im anentizam os, e que nos tra n sc e n d e p o r d ig n id ad e e p rim o rd ialm en te, m as que a êle nos ligam os pela V ida, que p articip am o s, e pelo E sp irito , que, a tra v é s da sim bólica das relig iões, é o C risto em nós dos c ristão s, o a tm a n , que é o e sp irito de B ra h m a n dos hindus, o T a u , que ind ica o cam inho p a r a o S er Suprem o , e déle é p a r ­ tic ip a n te . A V id a e o E sp írito não se reduzem ao corpóreo, que não os explica. M Á R IO 224 F E R R E IR A DOS SA NTO S T o rn a-se a g o ra claro que o estético está no c a p ta r o cor­ póreo como sím bolo, e o m ístico no p e n e tr a r n a estética do sim bolizado. E nós somos o cam in ho de nós m esm os, o cam inho que nos leva ao m ais p ro fu n d o . E podem os alcançá-lo, p orque j á o tem os em v id a e e sp írito em nós. E is o que tôd as as g ra n d e s relig iões dizem e com preendem . E o cam inho de D eus em nós, cham a-se L IB E R D A D E E x am in em os êste te m a ; êle é inesgotável. M as d irem os a l­ g u m a coisa sô b re os p rim e iro s d eg ra u s p a ra a lc a n ça r o m ais longínquo. O ser, enq u an to ser, é único, é liv re ; pois, se n ão o fô ra , o u tro te ria que delim itá-lo, e êle não é lim itado, p orqu e o S er não tem fro n te ira s nem m arcas. O S er é to ta lm en te êle m esm o e in fin ito , p orqu e n a d a o f in itiz a ; é p len itu d e, é lib erd ad e. M as, e nós? Se im agin am os um corpo em m ovim ento, que p a rte de À p a ra B, êsse m ovim ento pode s e r : a) em lin h a re cta, d irec ta m e n te u nifo rm e p a ra B ; ou b) n u m a lin h a m ix ta, m u ltifo rm e, p a ra B. H á e n tre os dois u m a d iferen ça im p o rta n te , pois h á g ra u s que devem s e r considerados. A ceitem os que ta l m ovim ento se dê p o r fô rç a de um a a traç ã o . Se assim con siderarm o s, no caso A , h á um dom ínio absoluto d a a tra ç ã o ; no caso B , h á choque e lu ta e n tre fo rças d iv ersas e c o n trá ria s . Se se desse um a iguald ade n essas fo r­ ças c o n trá ria s, poder-se-ia d a r um im p a s se , e o corpo p e rm a ­ n eceria estático . M as ta l se dá q uan to aos sêres vivos, que e sc o lh e m um a ou o u tra solução, p o r que dispõem de fô rças em r e s e r v a , que N O O L O G I A G E R A L 225 podem se r u tiliz a d a s p a ra s a ir do “ im p asse ” , o que revela a “ au to n o m ia ” do se r vivo. A ceita essa auto nom ia, estam os p alm ilh an d o o cam inho que nos leva à com preensão da lib e rd a d e , em nós. M as a in d a não é a L ib e rd a d e . jt- jl* N a lib erd ad e, p a ra o hom em , é necessário o equilíbrio e n tre a e x c ita ç ã o p a ra d efen d er os seus d ireito s, e a in ib iç ã o p a r a não o fend er os dòs outro s. H á dificu ld ade de o b te r êste equilíbrio. D aí a necessidade da p resen ça de um acum u lad o r c e n tra l d as fo rç a s psicológicas, e o h áb ito de u tilizá-las p a ra reg u lam en tá-las. O scilações se observam nesse acum ulador, como quedas de nível, b ru sc as à s vêzes. A ssim se m a n ife sta em nós a lib erd ad e? M as esta a in d a não é a L ib e rd a d e . ik “ Sou liv re no q uerer, quando posso q u e re r como eu quero, em bora êsse m esm o eu se ja d eterm in ad o com ab so lu ta neces­ sid a d e ” , diz M axim ilian Beck. S erá essa a lib erdade que p ro cu ram o s? E ssa s é a p álid a luz da lib erdad e, não a lib erd ad e como a querem os. “ T ôdas as n a tu re z a s se rv is sabem m a n d a r: e todos os t i ­ ra n o s e déspotas possuem n a tu re z a de escravos. O autêntico nobre, o sen h o r p ro p ria m e n te dito, não pode nem m a n d a r nem o bed ecer.” (M ax im ilian Beck, “ P sico lo g ia” , pág . 2 25 ). E ssa lib erd ad e já é um tra ç o de d ign id ade su p erio r do hom em . 226 M Á R IO F E R R E IR A DOS SA N T O S M as a in d a não é essa a lib erd ad e que p ro cu ram os. $ # * Pav lov d em onstro u que os cães dóceis são m ais apto s ao trab alh o , e fáceis de se r m an dad os, enq uanto os criad o s liv re ­ m en te opõem-se facilm en te à s ordens. A ssim tam bém os tra b a lh a d o re s sem i-escravizados são, q uan to m ais dóceis, m ais ap to s ao trab alh o . D ifícil, e quase se m p re im possível, é to r n a r um cão escravo em liv r e , isto é, v en cer o re flu x o in a to da docilidade e do servilism o. A ssim tam bém q uan to aos hom ens. E p o r que ? P o rq u e seus esq uem as não lhe dão a p len itu de desejada. M as a L iberd ad e que querem os é plen itu de. }jc $ # C aracteriza-se o hom em p o r c a p ta r as p ossibilid ad es d as possibilidades, e êsse pod er é um a d as c a ra cte rístic a s fun cio ­ n ais p eculiares, p ró p ria s do seu esp írito . Q uando o hom em conheceu a n e ce ssid a d e , conheceu con­ tem p o rán eam en te a liberd ade. Q uando sen tiu a necessidade, captou a lib erd ad e como p ossib ilid ad e; pois ao te r consciência de su a necessid ad e quis lib e rta r- se d as suas condições. N ão p o d eria s u rg ir o esquem a de lib erd ad e se não fo sse capaz de c a p ta r as possib ilidad es e conhecê-las, não p o r in tu i­ ção sensível, m as p or intu ição eidética. Q uando passou do desejo p a ra o q u e re r lib e rta r- se , j á se e s tru c tu ra ra a p o ss ib ilid a d e , a g o ra v irtu a lid a d e d a lib ertação. P o r isto o hom em conhece a técn ica e nela pode p ro g re d ir. N O O L O G I A G E R A L 227 Sem necessidade, não con h eceria a lib erd ad e, eis o asp ecto dialéctico. O fa c to r econôm ico, como n ecessidad e, u n ila te ra l e fo rm alm en te considerado, s e ria m e ra ab strac ç ã o , p orque não le v a ria à acção p ro g ressiv a, se não conhecesse o hom em a p os­ sibilidade de su p e rar-se , de lib e rta r-se d esta ou daq uela n e ­ cessidade que êle objectiva, ou de p o d er re d u z ir a su a d ita d u ra . M ais um a vez, aqui, tem os a co n tem p o ran eid ad e dos fa c to ­ re s re a is e ideais, d ialécticam en te dispostos p a r a c o n stru ir a concreção h u m an a. M as a in d a essa lib erd ad e não é a L ib e rd a d e que p ro c u ra ­ m os e desejam os. ❖ * * A perso nalid ad e a firm a -se n a s in g u la r id a d e , e n esta a n e­ cessidade da lib erd ade. Só podem d esab ro char, cre sc e r p erso n alid ad es e, p o rta n ­ to, sin g u la rid a d e s, onde h o u v er lib erd ad e. D isso sabem todos os o pressores. “ O hom em é um efeito d otado de liv re -a rb itrio . P o r isso, pode não re s p e ita r essa m oderação, êsse “ ju s to m eio ”, essa n o rm a de ser, ou m elhor essa n o rm a de acção que se lhe impõe. E n tr e a disposição da causa e a realização do efeito, h á um laço de necessidade, m as sem exclusão da lib e rd a d e ” (Isa y e ). É alg u m a coisa, m as ain d a não é tudo. E ssa liberd ade, que não se exclui, é a que nós p ro cu ram o s. A lib e rd a d e , q u e p r o c u ra m o s Se olh arm os um pouco de ág u a que escorre, nela verem os a necessidade, a obediência ao p rin cíp io de causalidade. M as esta á g u a e n c o n tra um obstáculo que a su sp ende em su a c a r­ re ira . T am bém nesse obstáculo verem os a n ec e ssid ad e ; êle ta m ­ bém obedece ao p rin cíp io de causalid ade. 223 M Á R IO F E R R E IR A DOS SANTO S M as se fo rm o s nós quem opõe êsse obstáculo à águ a, h á já um a distinção que se im põe fa z e r. Podemos ex p licar todos os nossos actos, se o quiserm os, como obedientes ao p rin cíp io de causalidade. M as tem os de con­ v ir que ao sab erm o s que podíam os opor um obstáculo à água, sem o fender à lei de causalid ade, e fazendo o b raço obedecer à nossa v ontade, tam bém sabem os que êle não ofendeu essa m esm a lei, m as sabem os que n este acto de escolha, em que o p u ­ se m o s um a necessid ad e a o u tra necessidade, p a r a contê-la ou p a r a su perá-la, p ra tic a m o s um acto livre. E p o d eríam os a té a firm a r que- lib erd ad e é p od er opor à necessidade o u tra necessidade. P e n sa r e re fle c tir sôbre si mesm o, já é um acto de liberd ad e. No m om ento em que o e sp írito hum an o pôde desdobrar-se, p a ra tra n s fo rm a r-s e em objecto de si m esm o, nesse in sta n te , o hom em criou p a ra si a lib erd ad e. É tão liv re e tão in ap reen sív el no conhecim ento o e sp írito do homem, que êle não se fu n d a n um m ero relacio nam en to de su jeito e objecto. Ao conhecer, podem os conhecer que conhecemos, podem os conhecer que conhecem os que conhecemos, e assim in d e fin id a ­ m en te. . . S em pre podemos colocar-nos fo ra dêsse re lac io n a ­ m ento, se m p re podem os u ltra p a s s a r o esquem a do dualism o a n ­ tagônico do conhecer, colocando-nos sem pre além dêle. E a firm a m o s a lib erd ad e quando a querem os, p orqu e q u e re r a lib erd ad e é q u e re r s u p e ra r os lim ites, e como o lim itado p o ­ d e ria c o n sid e rar a possibilidade do não lim ite? E ao con siderá-la não é c ria r a su a su peração ? E ao c ria r a su peração d a necessidade, não é j á te r a lib erd ad e? Se estivéssem os to talm en te envoltos e im ersos n a n ecessi­ dade, como poderíam os p en sa r n a lib erd ad e? N O O L O G I A G E R A L 229 É essa a lib erd ad e que não m o rre, 6 essa a lib e rd ad e do E s ­ p írito e da V id a, que em nós se a firm a , a que alm ejam o s, e essa em nós é o tra n s e u n te , m as há em nós o que não p assa, o que em su a p u reza não so fre a acção d as con tin ências, o que u ltr a ­ p assa as lim itações dos entes p re fix a d o s. E m nós V ida e E sp írito são lib erd ad e. E quem nos im p e­ d irá g an h á-la se o quiserm os. N ão está às nossas m ãos? P ois não a tem os em nós, a firm a ­ tiv a sem pre, indicando-nos o cam in ho? M as êsse cam inho é religião, dizem. P ois que o seja. M as o que não podem n e g a r é que tem os concreta e v erd a d eira m e n te essa e te rn id a d e que nos acom panha, e o cam in ho p a r a alcançá-la está em nós. E se h á a m a rra s que nos p rend em , se h á condicionalidades que nos lim itam , sabem os que a V ida e o E s p írito n a d a so frem p o r essas lim itaçõ es: são etern os como o acto, liv res como o acto, que é o ser, o S er Suprem o que h á em nós, e que podemos alcan çar. Podem un s negá-lo, e não o q uererem . Podem os fr u s ta rm o-nos à salvação, que é a vida p len a de nosso esp írito . M as podemos alcançá-la. É dem ais evidente p a ra negá-la, p orqu e ela não recebe re s­ triçõ es de nossa ig n o rân cia nem de nossa incom preensão. Nós tom am os consciência dêsse su prem o poder. E essa consciência é o cam inho do cam inho que tem os em nós. P o r que d esesp erar se somos lim itados, se tam bém somos ilim itad o s? P o r que desesperar de nossa necessidade, se tem os tam bém o que a u ltra p a s sa ? M Ã H IO 1'iSlÜ -U iaiíA DOS SANTO S A vid a, que h á em nós, não m o rre, porque o que m o rre é o corpóreo. A vid a não é o c o n tra rio da m o rte. A m o rte é desagregação do com posto. A vid a é da sim plicidade do acto, da p rim o rd ia li­ d ad e e te rn a . T em o-la, e não a perderem o s m ais.