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PESQUISA
Juventude e restaurantes fast food: a dura face do trabalho
flexível
Sílvia Maria Fávero Arend
Antero Maximiliano Dias dos Reis
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Juventude e restaurantes fast food: a dura face do trabalho flexível
Resumo: Neste estudo analisa-se como se operam as relações de trabalho no mundo juvenil a partir das experiências relatadas por
trabalhadores e trabalhadoras da rede de restaurantes fast food McDonald’s na cidade de Florianópolis, no período entre 2000 e 2007.
Constatou-se que o sistema de produção e serviço vigente nesse setor é regido por estratégias idealizadas tanto no fordismo quanto
no toyotismo. Este sistema fast food procura forjar um determinado tipo de trabalhador, entendido como “multifuncional”,
“intercambiável” e “descartável” na medida em que, sob o eufemismo da flexibilização, utiliza-o na quantidade, no lugar e pelo tempo
desejado. Para tanto, desenvolve um treinamento específico em que a alta rotatividade destes atendentes não inviabiliza o negócio de
restaurantes de comidas rápidas.
Palavras-chave: relações de trabalho, juventude, tempo presente.
Youth and Fast Food Restaurants: the Tough Face of Flexible Labor
Abstract: This study analyzes how labor relations operate in the world of youth based on the reported experiences of male and female
workers in the McDonald’s fast food restaurants in the city of Florianópolis from 2000 - 2007. It was found that the production and
service system in this sector is guided by Fordist and Toyotist strategies. This fast food system seeks to forge a certain kind of worker,
understood as “multifunctional,” “interchangeable” and “discardable” to the degree that, under the euphemism of flexibilization, it
utilizes labor in the quantity, place and time desired. To do so, specific training is conducted in which the high turnover of these
attendants does not make the business of the fast food restaurants unviable.
Key words: labor relations, youth, time present.
Recebido em 14.04.2009. Aprovado em 04.08.2009.
Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 142-151 jul./dez. 2009
Juventude e restaurantes fast food: a dura face do trabalho flexível
Introdução
As redes de fast food inserem-se no tempo presente como grandes marcas globais para o consumo
em massa (KLEIN, 2006; FONTENELLE, 2002). Tal
questão possibilita-nos transitar entre um cenário local e global, observando que o fenômeno da
contratação de uma mão de obra juvenil, por parte
destas empresas, não é uma característica particular
do caso brasileiro. O McDonald’s, maior dentre estas redes, é um dos símbolos heurísticos do capitalismo globalizado, tendo em vista que a constituição de
sua marca confunde-se com a história do capitalismo moderno, em grande parte, devido à expansão
geométrica que teve por diversos países, através do
sistema de franquia comercial (FONTENELLE, 2002).
Atualmente, no Brasil a rede Mcdonalds possui 1.158
pontos de venda, divididos em 554 restaurantes, 557
quiosques e 50 cafeterias, onde são atendidos diariamente cerca de 1,6 milhão clientes1.
Como consequência de uma reorientação das práticas socioculturais relativas à alimentação, os restaurantes de comidas rápidas passaram a ser frequentados em larga escala nos centros urbanos do
país e do mundo. O modelo fast food transformouse em um sinônimo de estilo de vida, em que o tempo
é exíguo até mesmo para a realização das refeições.
Na esteira da proliferação da indústria de fast food
emerge a possibilidade de analisarmos, no mercado
de trabalho contemporâneo, as experiências de uma
classe trabalhadora em formação, constituindo-se na
inserção de milhares de jovens brasileiros, de ambos
os sexos, no emprego formal.
No Brasil, os indicadores sobre o mercado de trabalho revelam um quadro dramático no que se refere
às taxas de desemprego entre os jovens de 16 a 24
anos de idade. Nesta faixa etária, o número de desempregados é duas vezes superior ao de adultos na
mesma condição. A indústria de fast food aparece,
então, como importante gerador de empregos para
esse exército de mão de obra excedente. Instituições
públicas e privadas veêem, nesste setor, um referencial
em relação à formação profissional.
Uma parcela significativa da população juvenil brasileira, de acordo com a socióloga Nadya Araujo Guimarães (2005), está presente no mercado de trabalho,
seja na busca de emprego, seja no intuito de ascensão
social através de melhores ocupações, contrariando os
autores que afirmam que o labor não teria um significado central na atual sociedade, sobretudo, entre jovens.
O trabalho para os grupos sociais brasileiros de baixa
renda é um meio de garantir a sobrevivência, bem como
um caminho para melhora das condições de vida. Sendo assim, este confere sentido e orienta percepções,
pertenças e práticas individuais ou coletivas.
A inserção dos jovens no mercado de trabalho no
Brasil tornou-se um problema para a sociedade em
geral e objeto das políticas públicas em particular.
De acordo com a pesquisa Perfil da Juventude Brasileira (ABRAMO; BRANCO, 2005), o trabalho é o
assunto que mais mobiliza o interesse dos jovens e,
no interior deste amplo tema, a referência precípua é
a do emprego. Os dados da referida pesquisa demonstram que 30% dos entrevistados têm uma preocupação direta com a situação do desemprego devido à transitoriedade e insegurança impostas pelo
mercado nas últimas décadas do século 20.
Perspectiva metodológica
Os sujeitos desta pesquisa são os atendentes dos
restaurantes Mcdonald’s. Foram realizadas 16 entrevistas com ex-funcionários desta cadeia de fast
food, dentre os quais, 8 mulheres e 8 homens, todos
maiores de 18 anos de idade. Os nomes dos trabalhadores e trabalhadoras juvenis utilizados neste estudo são fictícios, preservando, assim, a identidade
dos informantes. O conjunto destes depoimentos orais
subsidia a compreensão do cotidiano destas pessoas,
no qual o mundo do trabalho adquire especial relevância. Tais entrevistas foram efetuadas a partir da
aplicação de um questionário semiestruturado que
objetivava, através do testemunho memorial, conhecer trajetórias de vida.
O testemunho memorial permite a observação de
trajetórias, eventos e processos, que podem ser
elucidados de forma mais densa quando existe a possibilidade de ouvir os atores sociais, especialmente, a
história das “pessoas comuns”. Para o historiador
Paul Thompson (1992), p. 138), a história ganha novas dimensões quando a experiência de vida das pessoas é utilizada como matéria-prima e, em alguns
campos, pode resultar não apenas em uma mudança
de enfoque, mas também na abertura de novas áreas
importantes de investigação. Segundo este autor, a
evidência oral permite acessar memórias através de
relatos que ganham um significado social. Pode-se
supor que a informação oferecida pela evidência da
entrevista sobre eventos recentes, ou situações em
curso, situa-se em algum ponto entre o comportamento social concreto e as expectativas ou normas
sociais da época. Admite-se, em geral, que o processo da memória depende da percepção. Nós a apreendemos em categorias, percebendo como as informações se ajustam, e isso nos possibilita reconstruíla em uma ocasião futura, ou reconstruir alguma aproximação daquilo que compreendemos. O processo
de memória depende, dessa forma, não só da capacidade de compreensão do indivíduo, mas também
de seu interesse.
A memória passou a fazer parte dos estudos históricos por muitos meios e formas. Estes estudos foram motivados por novas metodologias fundamenta-
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das no esforço de recuperar a experiência e os argumentos daqueles que normalmente permanecem invisíveis na documentação histórica convencional.
Além de considerar seriamente estas fontes como
evidência não seria demasiado afirmar que a História Oral, cotejada por outros artefatos e “textos”, provou-se crucial para o processo de superação das
noções convencionais acerca do que vale como história e do que a História pode contar.
Ao situarem a memória simultaneamente como fonte
de alternativas e resistências vernaculares ao poder
estabelecido e como objeto de manipulação ideológica hegemônica por parte das estruturas de poder
cultural e político, os historiadores fizeram muito mais
do que simplesmente incorporarem a memória à sua
coleção de ferramentas, fontes, métodos e abordagens. A própria memória coletiva vem se convertendo cada vez mais em objeto de estudo: ela tem sido
entendida, em todas as formas e dimensões, como
uma dimensão da História com uma história própria
que pode ser estudada e explorada (FRISCH;
THOMSON; HAMILTON, 1996, p. 77).
A psicóloga social Ecléa Bosi (1995) afirma que a
memória como reconstrução social depende das relações entre seus portadores e o meio. A memória é,
neste sentido, fruto do trabalho de “trazer à tona” em
um movimento que aflora certa consciência do estar
no mundo. Nesta pesquisa buscamos perceber a relação que as novas gerações instituem com a memória.
Dessa forma, é de grande relevância o que o depoente juvenil lembra e seleciona para elaborar sua narrativa. Esta exige um necessário esforço de reconstrução com lembranças de um passado menos longínquo,
mas não menos contundente. Lembrar, portanto, não
resulta reviver, mas sim refazer, o que, consequentemente, pode fazer-nos duvidar da sobrevivência do evento tal como foi. Por isso, a importância do
cruzamento das fontes escritas com as fontes orais,
para melhor elucidar tais eventos históricos.
Utilizamos nesta investigação a memória dos jovens, pois consideramos que o vivido, a partir desta
idade da vida, expressa-se em determinados valores
e práticas e possui importante papel para o indivíduo
do tempo presente. A experiência juvenil torna-se significativa para compreendermos uma forma de ser e
estar no mundo, que tem caracterizado nas últimas
décadas uma cultura de “juvenilização” da sociedade ocidental. A juventude não mais se restringe a faixas etárias pré-determinadas, como bem afirma o
sociólogo Luís Antônio Groppo (2000). Para o autor,
os critérios etários e os critérios socioculturais acerca da condição juvenil já não mais se conciliaram em
determinadas camadas sociais. No que se refere aos
trabalhadores e trabalhadoras, atendentes do
Mcdonald’s, encontramos, por exemplo, menores
aprendizes de 14 anos de idade convivendo, tanto no
ambiente de trabalho quanto fora dele, com jovens
de 24 anos de idade ou mais. Existindo assim, em
muitas circunstâncias, um embaralhamento etário.
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos da UDESC, com parecer favorável. Foi solicitado o consentimento livre
e esclarecido dos sujeitos entrevistados, a partir de
um termo de consentimento para esta publicação,
devidadamente assinado pelo pesquisado e pesquisador. Assegurou-se a confidencialidade e a privacidade de seus depoimentos, garantindo a não utilização das informações em prejuízo dos que participassem da pesquisa e observando-se as normas legais e
éticas para pesquisa que envolve seres humanos2.
Treinamento: a “alma” do negócio fast food
Cerca de 34 mil funcionários trabalham, atualmente, na rede de fast food Mcdonald’s, que anuncia em
seu sítio eletrônico ser uma das cinco maiores formadoras de mão de obra no país. A empresa afirma
realizar para milhares de jovens brasileiros, todos os
anos, o que chama de “sonho do primeiro emprego”.
Para candidatar-se a uma vaga nos restaurantes
Mcdonald’s, os jovens de ambos os sexos podem preencher um formulário diretamente em uma loja ou,
na web, através do sítio eletrônico da empresa. Os
jovens devem ter concluído ou estar matriculados no
ensino médio e possuir entre 16 e 24 anos para ingressar como atendentes no McDonald’s3. Também
podem entrar como menores aprendizes, caso tenham entre 14 e 16 anos de idade4.
De acordo com o prescrito no sítio eletrônico desta
cadeia de restaurantes de comidas rápidas, cerca de
70% de seus atendentes tiveram sua primeira oportunidade profissional na própria empresa, a qual não
exige qualquer experiência laboral anterior. A reduzida faixa etária média dos funcionários do McDonald’s
indica que a sua oferta de emprego está relacionada
à inserção do jovem brasileiro no mercado de trabalho (MCONOMICS, 2005). No ano de 2006, os números percentuais do quadro de funcionários por faixas
etárias traduzem tal contexto: acima dos 46 anos de
idade o percentual é zero; entre 36 e 45 anos de idade, é de 2%; entre 26 a 35 anos de idade, é de 8%; e
o restante, ou seja, 87% possui menos de 21 anos de
idade, sendo que deste total de empregados, 55% são
do sexo feminino (REVISTA ÉPOCA, 2007). A partir
deste percentual, a rede McDonald’s evoca uma imagem de grande geradora de postos de trabalho para
homens e mulheres jovens.
Um ex-trabalhador, Fábio, da rede McDonald’s,
em Florianópolis, relatou que a procura de um emprego, logo após o término do ensino médio, era-lhe
imposta pela necessidade econômica e ocupacional5.
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Juventude e restaurantes fast food: a dura face do trabalho flexível
Tal questão demonstra o caráter valorativo do trabalho em determinados contextos socioeconômicos no
Brasil. Em sua narrativa, Fábio, infere sobre o motivo que leva o McDonald’s a recrutar pessoas mais
jovens para o labor nos restaurantes:
Eu tinha terminado o segundo grau e não podia
ficar parado. Procurei trabalho com minha avó, vimos no jornal o anúncio do McDonald’s, no outro
dia a gente foi lá. Eu não tinha quase nada de experiência, já tinha trabalhado uma semana ou duas
em outros lugares, mas nada que passasse disso.
Acho que eles contratam jovens, porque os jovens não têm muita experiência no mercado de trabalho, aí podem moldar o jeito de ser desse funcionário. Se eles pegam um funcionário mais velho,
que vem com ‘manias’, é mais complicado de lidar6.
A partir de sua contratação, os trabalhadores juvenis do McDonald’s são introduzidos em um treinamento que busca atingir os fundamentos primordiais
da empresa, ou seja, o QSL&V (KROC; ANDERSON,
1977, p. 97-102). Estes são constituídos a partir dos
seguintes princípios: Q= Qualidade dos Produtos, S=
Serviço Rápido e Cortês, L= Limpeza, Organização
e Ambiente Agradável dos Restaurantes e V= Justo
Valor para os Produtos. Segundo o jornalista John
Love (1996), o padrão QSL&V é “símbolo universal
de performance no ramo de fast food.”Ray Kroc
(KROC; ANDERSON, 1977), fundador do sistema de
franquia comercial, argumenta que seu intuito era
construir um modelo de restaurantes que ficasse
conhecido pelos alimentos de qualidade e por métodos uniformes de preparação: “nosso objetivo, sem
dúvidas, era conseguir vendas contínuas baseadas
na reputação do sistema, e não na qualidade de uma
única loja ou concessionário.” Para que se desenvolvesse tal sistema, foram necessárias a implantação de um programa ininterrupto de treinamento aos
concessionários e a inspeção constante de seu desempenho. Neste sentido, a padronização deveria
atingir todos os processos, desde o manejo da matéria prima até o produto final, englobando as normas
a serem seguidas no atendimento ao cliente.
A indústria fast food, diferentemente de outros
segmentos econômicos, é composta por um sistema
em que no mesmo espaço há a produção de mercadorias e a prestação de serviço. O sistema de produção fast food, por sua vez, é norteado por estratégias que consubstanciam tanto o modelo produtivo do
fordismo/taylorismo quanto o do toyotismo, isto é, o
treinamento é um produto da junção destes dois processos. Treinamento e competitividade passaram a
ser aspectos imbricados no terreno das organizações
na atual ordem econômica mundial. O treinamento
deve ser “maleável” e suscetível à absorção de constantes informações sobre o mercado.
O departamento de recursos humanos da rede
McDonald’s, no Brasil, vem elaborando desde o ano
de 2005 um programa de gestão de desempenhos,
que visa a formação profissional dos trabalhadores
juvenis. Este treinamento deve garantir aos funcionários dos restaurantes a habilitação necessária para
alcançar resultados efetivos segundo os princípios da
empresa, bem como provocar impacto positivo nos
lucros. Este processo de treinamento procura formalizar, acompanhar e controlar os resultados individuais. Os índices dos níveis de competência de cada
um dos funcionários dos restaurantes, advindos dos
resultados do treinamento, servem para diferenciálos nos processos futuros relativos às promoções7.
O modelo do fordimo-taylorismo nos restaurantes
McDonald’s pode ser visualizado, primeiramente, na
supervisão constante dos trabalhadores, pois a instituição de um padrão nos procedimentos é a fórmula
essencial aplicada pela empresa para atingir mais
rapidamente resultados positivos. Através dos modelos padronizados de produção e serviço racionalizamse as atividades dos funcionários. Nos circuitos ou
nas áreas, como são chamados os locais de labor, os
jovens devem desenvolver sincronizadamente as tarefas: se um dos atendentes, posicionado em uma
determinada função na área de produção ou serviço,
atrasar em sua atividade, não haverá um ritmo constante na elaboração dos sanduíches, o que impedirá o
fluxo de produção. Por exemplo, no circuito 4:1, área
onde se produz o sanduíche “Quarterão”, a organização dos pães é regulada nos 30 segundos quando soa
o sinal sonoro do timer. Após este período, os pães
devem ser rapidamente condimentados, aos 70 segundos o funcionário da chapa deve retirar as carnes
e colocá-las nos sanduíches, preparando uma próxima rodada que será efetuada aos 80 segundos (REVISTA MCNEWS, 2007, p. 16). Todos estes movimentos são cronometrados através da utilização do timer,
sendo constantes e ininterruptos para que haja uma
produção em larga escala, a fim de atender a alta
demanda dos consumidores. Uma jovem trabalhadora relata a sua percepção sobre as relações de trabalho e o ritmo de produção de um restaurante do
McDonald’s de Florianópolis:
O relacionamento é aquela coisa meio mecânica, passam o que tu tem que fazer e o que é cobrado de ti
com o teu colega. É o procedimento padrão, não se
deve falar nada que não seja sobre o trabalho. O
treinamento então é o ‘ok obrigado’ e o ‘retifica’,8
porque a cozinha é muito barulhenta, assim a comunicação padrão serve para que o lanche saia no tempo certo. Em alto movimento, o ritmo é forte, é veloz,
tem que ter agilidade, o barulho das máquinas da
cozinha é misturado ao som das vozes, é um falando
com o outro ao mesmo tempo. A pessoa da produção tem que manter o chamado de lanches para manRev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 142-151 jul./dez. 2009
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ter os níveis da estufa. As pessoas falam alto e ainda
tem mais o barulho dos clientes no balcão e no salão, às vezes rola um stress. O ambiente é muito
estressante, a gente está ali trabalhando com coordenação e agilidade, não pode errar, não pode perder um lanche. Quando acontece de errar em um
lanche especial, dá muita gritaria, o gerente já vem
gritando com o funcionário, tem gente que chora,
que sai meio tonta de não conseguir dormir, de ter
pesadelo com a adrenalina muito alta9.
Além de fabricar os sanduíches, o atendente do
McDonald’s deve limpar constantemente as áreas
onde executa suas tarefas. As chapas, por exemplo, circuitos em que as carnes são cozidas, a cada
10 minutos devem ser higienizadas. Um jovem refere-se a esta questão da seguinte forma: “tínhamos que estar sempre limpando, mesmo quando já
estava limpo, era para não ficar parado”10. Neste
ritmo de trabalho de pressupostos tayloristas, a
empresa quer usufruir cada segundo pago ao funcionário. Assim, os trabalhadores devem executar
a limpeza de suas áreas constantemente. Quando o
movimento de vendas estava baixo, alguns funcionários eram retirados de seus postos de trabalho
para a realização de tarefas de limpeza, chamadas
de secundárias. A higiene nos restaurantes
McDonald’s constituiu-se em um discurso de valor,
sendo parte fundamental do padrão QSL&V. Na
narrativa a seguir, podemos verificar que o trabalhador juvenil deve ser multifuncional também em
relação à limpeza. Eis as palavras de Cristina:
O atendente, ele está ali para fazer sanduíches, atender o cliente e fazer a limpeza. Não tem uma equipe
de faxineiras para a limpeza, é o atendente quem faz
tudo. Pode estar limpando o banheiro, estar na cozinha, estar como caixa ou estar lá fora compactando
lixeiras, limpando o piso, as paredes, os jardins,
cortando e tirando o mato do estacionamento.
No que se refere ao modelo toyotista de produção, o just-in-time apresenta-se como ponto fundamental no sistema fast food, buscando a redução dos estoques, a produção no tempo exato e em
um ritmo predeterminado de acordo com as vendas. Este modelo tem por objetivo técnico produzir
somente o necessário, ou seja, o que será
comercializado imediatamente (MELLO, 1998, p.
273). Neste processo vinculado diretamente ao fluxo mercadológico, não há grandes estoques de
matéria prima e nem de produto final. As alterações que ocorreram a partir dos anos 1980, primeiramente, foram no sentido de criar uma produção
mais enxuta. Com o advento da microeletrônica e
da informática na produção e no serviço, os equipamentos das indústrias de fast food foram substi-
tuídos, adotando-se através dos computadores formas mais práticas e eficazes de gerir o sistema.
Trabalho fast-food: a experiência da
desregulamentação
Os trabalhadores e trabalhadoras, nas duas últimas décadas do século 20, têm experimentado a insegurança em função dos contratos de trabalho temporário, que substituíram completamente a perspectiva de um emprego seguro (KLEIN, 2006). Sob o eufemismo da flexibilidade, a carreira sem interrupção
foi bloqueada, e, como consequência, as pessoas são
constantemente obrigadas a se retirar de seus postos
de trabalho (SENNETT, 2004). A flexibilização das
relações de trabalhado juvenis é uma mudança que
consideramos significativa neste novo paradigma. Seu
ideário traz à luz o aprofundamento da desregulamentação das relações de trabalho e, é nesta lógica, de precariedade, que os jovens trabalhadores
inserem-se como atendentes dos fast food no mercado formal.
Na cidade de Florianópolis, quando se aproxima o
verão, período em que há maior afluxo de vendas, os
restaurantes McDonald’s contratam um grande contingente de funcionários. Logo que termina a estação, muitos destes trabalhadores são imediatamente
demitidos e outros saem do emprego por conta própria em busca de um trabalho que lhes possibilite um
maior reconhecimento. Sob a lógica do trabalho temporário, pode ocorrer ainda a dispensa do dia de trabalho, pois, se não houver um número de vendas suficientes para aquele período, o funcionário é dispensado antes do término de seu turno. Ou seja, o funcionário se desloca de casa para o trabalho, veste seu
uniforme, posiciona-se na área de trabalho e, depois
de algum tempo, se o consumo é pequeno, o gerente
o dispensa. Observemos que o just-in-time está posto não apenas para os produtos ou máquinas, mas
também para homens e mulheres.
O salário pago a estes jovens é relativo às suas
horas efetivamente trabalhadas. O contrato de trabalho reza que a jornada de trabalho não é superior a
44 horas, nem inferior ao mínimo de 8 horas. Nesse
processo deve ser observado também o limite mínimo de 11 horas consecutivas de descanso, entre uma
jornada e outra. Há ainda, o descanso de 24 horas
consecutivas por semana de trabalho. O discurso
veiculado pela empresa é de que esta visa adequar
este horário de trabalho aos estudos, às atividades de
lazer, ou até mesmo a outra atividade profissional
destes jovens11.
Um atendente que desenvolvesse suas atividades
em um restaurante McDonald’s em Florianópolis, em
abril de 2005, receberia por hora a importância de R$
1,46 reais. Devido à cláusula das 8 horas semanais
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Juventude e restaurantes fast food: a dura face do trabalho flexível
mínimas e diante da possibilidade de não haver movimento durante o mês, este trabalhador poderia
retornar para sua casa quase todo o dia com poucas
horas de trabalho, para que não onerasse o Índice de
Produtividade12. Este nunca deve exceder ao projetado pelos consultores da rede fast food. Assim, se
o trabalhador retornasse para o seu lar com apenas
poucas horas de trabalho e se ficasse estabelecido
para o mesmo duas folgas por semana, viria receber
naquele mês um salário muito menor que o mínimo.
No depoimento seguinte, temos o relato de uma trabalhadora que ingressou nos restaurantes McDonald’s
na função de atendente e desligou-se da empresa
depois de três anos, quando trabalhava como coordenadora administrativa. Seu salário no período em
que ela permaneceu como funcionária sofreu uma
variação muito pequena, tendo em vista o tempo em
exerceu suas atividades. Ela discute a possibilidade
de uma legislação que não permita o salário ser pago
por hora, afirmando que deveria haver uma maior
atuação do sindicato ao qual os funcionários do
McDonald’s estão afiliados.
Eu entrei ganhando R$ 1,10 e sai depois de três
anos e quatro meses de serviço com R$ 2,50 por
hora. Para começar a ganhar melhor no McDonald’s,
demora muito. Pra ti conseguir uma promoção é
bem difícil e o dissídio da categoria, vinculado ao
sindicato de bares e restaurantes, sempre era pago
com atraso. As pessoas diziam que no Mc não deveria haver o pagamento por hora, a hora não é um
padrão. Tu não pode entrar no Mc pensando o
quanto tu vai ganhar, tanto é que de uma cidade
para outra tem uma grande diferença. Por exemplo,
em Florianópolis tu ganha mais que em Joinville,
mas menos que em Balneário Camboriú. Os salários poderiam melhorar se os sindicatos se empenhassem mais, seria melhor ter um salário fixo, previsível. Quando eu trabalhava lá, eu nunca sabia o
quanto que ia ganhar no final do mês. A única coisa
que tinha certeza, e que podia contar com dinheiro
fixo do Mc, era o adiantamento, que vinha no dia
20, e o dinheiro do ‘passe’ (vale transporte), que
vinha no dia primeiro, estes a gente sabia quanto
vinha, porque o salário do dia 5 a gente nunca sabia. Às vezes a gente fazia uma base somando as
horas e achava que ia receber um tanto, aí chegava
na hora o valor era bem diferente, bem menor. Eu
acho que deveria ter um salário fixo. Mas, com um
salário fixo, os consultores falam que o funcionário
teria que ficar somente em uma área, por exemplo,
no caixa, aí já teria que pagar quebra de caixa, aumentando os custos para empresa13.
Não há um sindicato específico dos trabalhadores dos fast food, seu vínculo é com o sindicato de
bares e restaurantes. Em geral, os funcionários pro-
curam este sindicato apenas quando necessitam homologar o contrato de trabalho, como é o caso de
muitos atendentes dos restaurantes McDonald’s em
Florianópolis. Semelhante processo ocorre na cidade
de Porto Alegre:
O alto índice de rotatividade da empresa é em torno de
50%. No Sindicato dos Empregados em Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares, as homologações de
funcionários do McDonald’s, que reúnem grupos de
20 a 30 jovens de cada vez, são realizadas três vezes
por semana (REVISTA DINHEIRO, 2000, p. 45).
Outro ponto relativo às desregulamentações promovidas no McDonald’s está relacionado ao intervalo de descanso que, como afirmamos, deve ser de 11
horas entre uma jornada e outra. Porém, de acordo
com alguns depoimentos, existiram casos em que esta
cláusula era descumprida. Se um trabalhador desenvolvesse atividade de fechamento da loja após as 24
horas e, por ser maior de idade, tivesse de realizar o
recebimento de mercadorias (atividade proibida para
menores devido ao peso das caixas dos produtos),
este descansaria menos que o prescrito na legislação. Os trabalhadores e trabalhadoras juvenis menores de idade, em períodos com maior movimento de
vendas, excediam o horário de trabalho limite, que
era às 22 horas. Uma das lojas de Florianópolis, no
dia 20 de fevereiro de 2003, foi notificada pelo Ministério do Trabalho, Sistema Federal de Inspeção,
em função da seguinte infração:
Manter empregado com idade inferior a 18 anos prestando serviço em horário noturno. Segundo o histórico: foi verificado três menores que prestavam serviço, no horário de nossa visita, que se estendeu
das 22:15 h até as 23:20 h. Segue: Descrição Ementa/
NR: ‘prorrogar a duração normal da jornada de trabalho do empregado com idade inferior a 18 anos,
sem convenção de acordo coletivo de trabalho. Nesta situação 1) Cláudia A., D/N.: 27/08/86 que no dia
12/02/03 trabalhou das 11:14 h às 15:21 h e das 16:23
h às 23:20 h quando deixamos o local, 2) Cláudia B.,
D/N.: 19/08/85, que trabalhou no dia 12/02/03 das
11:06 h às 15:24 h e das 16:25 h às 23:20 h, 3) Cláudia
C., D/N.: 22/03/87, que trabalhou no dia 12/02/03 das
11:12 h às 16:15h e das 17:14 h às 23:20 h, obs.: foi
usado como elemento de convicção o controle de
ponto de 11/02/03, porque a empresa não
disponibilizou o ponto de 12/02/03, e o mesmo
espelha a jornada. Art. 413 inciso I da CLT14.
No depoimento abaixo, o trabalhador ressalta a
dificuldade que a empresa encontrava para contratar pessoas maiores de idade, tendo por isso a necessidade de utilização de mão de obra de menores de
idade, após às 22 horas.
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Em alto movimento tinham poucos funcionários,
na verdade o Mc não conseguiu contratar um quadro suficiente e os menores ficavam trabalhando
até umas 22:30h. Sempre tinha um atraso para estes
menores irem embora15.
refeição adequada, mas o pior era ser chamada nos
dias em que estava de folga. Eis as suas palavras:
Tu está bem tranquila, já trabalhou umas cinco
horas, mal comeu, aí te chamam pra voltar a trabalhar. Isso revolta qualquer um, mas o pior de tudo é
ser chamada num dia de folga para trabalhar. Tu
espera sete dias pra folgar e aí te chamam. Eu tinha
uma colega no primeiro ano em 2003, que trabalhava das 11 às 23 horas. Depois de oito horas que ela
trabalhava e descansava uma hora, ela tinha um
intervalo de 15 minutos que não batia o cartão.
Naquela época ela ainda ganhava horas extras.
Agora não pode mais fazer isto, as horas extras
estão proibidas. Já aconteceu caso do gerente pedir para não bater o cartão, só depois de completar
uma hora, ou dizer: ‘segura um pouquinho aí pra
mim, que eu não posso exceder as horas’. Porque
tem uma quantidade de horas que a loja pode fazer
por mês, eu não sei explicar direitinho de onde vem
esta determinação do corte de horas, mas eu sei
que é feito uma base de anos anteriores. Eles veem
pelo movimento de vendas e fazem um cálculo de
quantos funcionários são necessários para trabalhar naquele período. Pode acontecer um movimento inesperado naquele dia, aí tu tem que chamar
mais um funcionário, mesmo assim, não pode exceder as horas. Aí o gerente te chama e ele te dá uma
sobremesa extra, um sanduíche extra pra ti trabalhar aquele tempinho ali, sem estar de cartão batido, tu é pago com um lanche como agrado18.
Segundo a legislação trabalhista, o empregador
deve apresentar com antecedência de uma semana
a escala com as horas de trabalho e as atividades
definidas. O trabalhador, por sua vez, deve cumprir o
que nela está estabelecido. O contrato de trabalho
do McDonald’s prevê a normatização desta escala.
Contudo, a escala era recorrentemente descumprida,
sendo bastante comum que o número de horas trabalhadas fosse menor. De acordo com os depoimentos de alguns jovens, somente no próprio dia de trabalho era divulgada a informação sobre o número de
horas a ser executado e a tarefa do dia.
Os horários de intervalo, muitas vezes, não eram
cumpridos em sua totalidade. De acordo com o depoimento de alguns funcionários, havia a solicitação de
que os mesmos não batessem o cartão ponto ao retornar
em área antes do término do intervalo (break). Esta
lógica ia ao encontro da política do McDonald’s de
economia de horas, especialmente as horas extras.
Roberto e Paulo afirmam o seguinte:
Quando outros funcionários tinham que ir embora, eles (os gerentes) pediam pra eu voltar. Daí
eu batia o cartão ponto e voltava em área. Mas já
pediram pra eu não bater o cartão, que depois
eles davam mais um tempinho (de intervalo). Porque a gente não podia trabalhar mais horas, pois
a meta era 8 horas (em alta temporada) por dia e
nada mais... Então, se a gente voltasse (antes do
término do break) e saísse no horário certo (para
ir embora), seria hora extra, eles não queriam pagar a mais pra gente16.
Muitas vezes, estava lá sentadinho descansando
e vinha o gerente: ‘vamos, vamos, encheu o balcão!’ Então eu ia lá correndo e ajudava sem bater
o cartão, só pra fazer uma moral com o gerente,
pra tentar ‘subir’ de cargo, depois eu ia pro descanso de novo. Geralmente, a gente ganhava um
sunday de sobremesa17.
Podemos perceber nos depoimentos que, algumas
vezes, as horas extras eram pagas com lanches ou
sobremesas. O gerente oferecia aos atendentes um
produto alimentício do restaurante no intuito de retribuir-lhes o trabalho executado extra em seu período
de descanso. Eventualmente acontecia de chamarem um funcionário que estava de folga para trabalhar, devido à falta de alguém ou grande afluxo de
clientes. Em seu relato a trabalhadora afirma que, o
intervalo, muitas vezes, era insuficiente para uma
Em busca de um futuro melhor
Segundo os dados apresentados pela empresa, no
Brasil, no ano de 2005, foram recebidos 37.000
currículos, sendo admitidos 22.368 funcionários, demitidos 5.509 e promovidos 3.839 (REVISTA ÉPOCA,
2007). Estas promoções encontravam-se distribuídas na ordem hierárquica entre os cargos de instrutores, coordenadores, técnicos de manutenção, gerentes de plantão, gerentes operadores e gerentes
de restaurante. A grande rotatividade de funcionários nos restaurantes da rede permite que surjam constantemente vagas para promoção, que, em geral, são
em maior número para os cargos de instrutores. Este
é o cargo subsequente na hierarquia ao de atendente
que está na base da organização. De acordo o discurso veiculado pela empresa, a promoção é conquistada pelo funcionário através de um esforço particular resultante de seus estudos em relação às normas e procedimentos, proporcionando o aprimoramento profissional19.
Conforme pesquisa da própria empresa, um dos
pontos mais valorizados pelos funcionários da rede
McDonald’s no Brasil, é o desenvolvimento profissi-
Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 142-151 jul./dez. 2009
Juventude e restaurantes fast food: a dura face do trabalho flexível
do que tinham poucas vagas. Obrigavam os caras
onal, tendo 76% de preferência dos trabalhadores.
a treinarem os novatos e, no final, promoviam só
Logo depois, com 15%, está o item qualidade de vida,
três, os outros iam saindo desiludidos, a maioria
seguido pelo fator remuneração e benefícios com 5%
saía por causa disso20.
e, por fim, a estabilidade no trabalho que aparece
com 4% (REVISTA ÉPOCA, 2007). Estes percentuais
Conforme havíamos mencionado, as trabalhadodemonstram o quanto os atendentes buscam “subir”
ras são em maior número dentro da rede McDonald’s,
de cargo dentro da empresa. Tais objetivos estão vinna proporção de 55,4% do total. Contudo, quando
culados tanto à melhoria econômica, quanto à possibilise trata dos cargos de chefia este número se inverte.
dade de alcançar status social de maior reconhecimenEm 2005, em todo o Brasil,
to através de uma promoção.
os cargos de chefia eram
Com frequência, o periEste sistema fast food procura
num total de 1.327, sendo
ódico mensal, a Revista
62% deles ocupados por hoMcNews, maior instrumento
forjar um determinado tipo de
mens, enquanto que os 38%
de comunicação interna da
restantes eram postos ocuparede, publica casos de empretrabalhador que possui as
dos por mulheres (REVISTA
gados que obtiveram êxito diÉPOCA, 2007). A jovem Caante de prêmios e promoções.
seguintes características:
rolina relata a experiência de
A partir da edição número 98
quem disputou uma vaga esde 2006, a revista passou a
“multifuncionais”,
perando ser promovida para
editar uma seção chamada
instrutora (o que de fato não
“Minha História”, na qual, são
“intercambiáveis” e
se concretizou). Ela ressalta
veiculados depoimentos “de
“descartáveis”.
que as redes sociais estabelesucesso” dentro da rede
cidas no interior dos restauMcDonald’s, tais como o deste
rantes McDonald’s podiam
consultor de mercado:
facilitar o percurso de uma ascensão de cargo. Podemos verificar que a companhia se utilizava estraIniciei minha carreira no McDonald’s quando aintegicamente da disputa, e ao incentivá-la obtinha dos
da era adolescente. Acredito que minha história
concorrentes maior produtividade.
dentro da empresa possa ser um exemplo para milhares de funcionários. Comecei a trabalhar em 1993,
como atendente e passei por todos os cargos do
restaurante até chegar a consultor de mercado. Eu
atribuo minhas conquistas ao fato de estar sempre
pronto a colaborar, fazer tudo com o sentimento de
perfeição, não reclamar e não falar mal dos outros,
estudar sempre, ter muita garra e vontade de vencer, e acima de tudo AMAR o que faço (REVISTA
MCNEWS, 2007, p. 16).
Segundo o depoimento oral de Cláudia, ao obter
uma promoção para coordenadora, por algum tempo
teve de acumular as “antigas” atividades de instrutora. Pois, dentre os atendentes escolhidos para disputar as vagas de instrutores, nem todos eram promovidos. De acordo com esta funcionária, em algumas
lojas de Florianópolis o número de atendentes que
alcançava tal promoção ficava abaixo da demanda.
Esta prática apresentava-se recorrente na empresa
que, ao disponibilizar uma vaga, selecionava um número bem maior de funcionários para disputá-la.
Como coordenadora eu praticamente continuei treinando, nunca tinham instrutores, o pessoal não
aguentava e ia embora. Ficavam enrolando tanto a
pessoa dizendo que ela ia ‘subir’, que ia ser promovida e aí distribuíam dez Planos de Desenvolvimento de Instrutores (PDI) entre os funcionários, sen-
Eu acho que a gente espera demais uma promoção,
que muitas vezes não vem. Acho que a gente tem
que ser bem mais ‘amigo’ dos gerentes, do que um
bom funcionário que realize suas tarefas. A gente
sente, querendo ou não, fica pensando, trabalhou
muito e não foi reconhecida. É decepcionante, tu
deu mais o ‘teu sangue’ por aquilo e não foi recompensada21.
De acordo com o depoimento da jovem, era possível observar mudanças significativas naqueles trabalhadores que eram promovidos, pois absorveriam
com maior facilidade o “espírito de competição” que
a companhia procurava imprimir para atingir resultados positivos. Ainda, segundo ela:
Vários colegas ficavam diferentes depois de promovidos, ficavam pessoas com mais expectativas
de prosseguir no caminho das promoções. Acabavam se tornando pessoas frias, passando por cima
de ti pra chegar ao objetivo.
Considerações finais
A possível mobilidade dentro da rede McDonald’s
é muito valorizada entre os atendentes e extrema-
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149
150
Sílvia Maria Fávero Arend e Antero Maximiliano Dias dos Reis
mente propagandeada pelos meios de comunicação
internos da empresa22. Traduzindo-se na capacidade de disputar as restritas vagas aos cargos superiores, esta mobilidade vincula-se ao ideário de eficiência. Os trabalhadores devem “incorporar” a visão que a empresa procura transmitir para o seu
público consumidor, que é de agilidade e presteza
na produção e no serviço. Para o sistema fast food,
o corpo jovem é determinante, pois apreende com
destreza e rapidez uma série de informações e técnicas de produção. É ainda visibilizado em sua salubridade, podendo suportar com disciplina uma extenuante carga de trabalho.
Este sistema fast food procura forjar um determinado tipo de trabalhador que possui as seguintes características: “multifuncionais”, “intercambiáveis” e
“descartáveis”. O grande contingente de jovens desempregados é conveniente para esta rede de comidas rápidas, que se ocupa de parte deste exército excedente, podendo “adaptar” rapidamente o trabalhador ao seu padrão de produção e serviços, difundindo
assim para a sociedade brasileira uma imagem positiva das relações de trabalho no âmbito juvenil. Tratase de uma situação ambígua diante do drama do desemprego, pois muitos trabalhadores juvenis submetem-se à precarização do labor, tendo como horizonte
a conquista de um lugar “ao sol” nesta sociedade.
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Notas
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1 Disponível em: <http://www.mcdonalds.com.br>.Acesso em:
31 jul. 2008.
Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 142-151 jul./dez. 2009
Juventude e restaurantes fast food: a dura face do trabalho flexível
2 Declaração de Helsinki (1975, revisada em 1983 e Resoluções
do Conselho Nacional de Saúde n. 196, de 10/10/96 e n. 251,
de 07/08/97.
3 Disponível em: <http://www.mcdonalds.com.br>.Acesso em:
31 jul. 2008.
4 Ver : Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998
(BRASIL, 1998). A referida emenda passa a enquadrar os
jovens que possuem entre 14 e 16 anos na situação de
aprendizes. Ver ainda: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 e Lei
n. 10.097, de 19 de dezembro de 2000, esta última lei altera
dispositivos da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT)
(BRASIL, 1990, 2000).
5 As entrevistas com estes 16 jovens foram realizadas por
Antero Maximiliano Dias dos Reis, pesquisador do grupo
Relações de Gênero e Família (LABGEF/UDESC).
6 Fábio, 23 anos de idade. Entrevistado em 20 de março de
2006.
7 Guia do Funcionário. Sistema de Gestão Desempenho. RH
McDonald’s do Brasil. Out. 2005. p. 5.
8 Estas duas expressões são utilizadas, de forma obrigatória,
por estes trabalhadores juvenis durante o labor nos
restaurantes da rede McDonald’s.
9 Cristina, 21 anos de idade. Entrevista realizada nos dias 13 e
14 de março de 2006.
10 Gabriel, 18 anos de idade. Entrevista realizada no dia 2 de
outubro de 2007.
19 Informação disponível em: <http://www.mcdonalds.com.br.>.
Acesso em: 11 jun. 2008.
20 Cláudia, 22 anos de idade. Entrevista realizada em 10 de
novembro de 2007.
21 Carolina, 19 anos de idade. Entrevista realizada em 27 de
março de 2006.
22 O melhor exemplo é a Revista McNews.
Sílvia Maria Fávero Arend
smfarend@gmail.com
Doutorado em História pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Coordenadora do Laboratório de Relações de Gênero e Família (LABGEF/UDESC)
Antero Maximiliano Dias dos Reis
antero.reis@bol.com.br
Mestrado em História pela UDESC
Participante do grupo de pesquisa Relações de Gênero e Família (LABGEF/UDESC)
UDESC
Centro de Ciências Humanas e da Educação
Laboratório Relações de Gênero e Família
Avenida Madre Benvenuta, 2007
Florianópolis – Santa Catarina – Brasil
CEP: 88035-001
11 Contrato de Trabalho da empresa McDonald’s.
12 Índice de Produtividade (IP): cálculo realizado que divide o
volume de vendas pelo número de horas trabalhadas.
Transações Comerciais (TCs): cada cliente que de fato passe
pelo caixa e compre algo é considerado um número do cálculo.
13 Cristina, antes citada.
14 Ministério do Trabalho. Sistema Federal de Inspeção do
Trabalho, documento de n. 009328823, Florianópolis 20 fev.
2003.
15 Roberto, 19 anos de idade. Entrevista realizada em 20 de
março de 2006.
16 Idem.
17 Paulo, 18 anos de idade. Entrevista realizada em 20 de março
de 2006.
18 Cristina, já citada.
Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 142-151 jul./dez. 2009
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