Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu

Arthur Miller, um teatrólogo machista?

2023, Poppelaars, AGM

O teatrólogo Arthur Miller foi acusado de machismo na peça A Morte de um Caixeiro-Viajante. Será que Miller foi um machista que retratou as mulheres como donas de casa estereótipadas? Este é um objetivo neste artigo, que abrange uma pesquisa literária-descritiva e que é executado por estudar Linda Loman, a personagem feminina na peça. Nas seções sobre o papel de Linda como agente da ação na peça, é esclarecido que Linda não é apenas uma dona de casa oprimída. Ela é o motor da ação na peça. Até o personagem mais machista da peça, Willy, esposo de Linda, mostra respeito por Linda; se suicidando para que Linda possa desfrutar o dinheiro do seguro. Desta maneira, é discutível considerer Miller um machista. As peças de Miller contém uma lição: as peças de Miller servem como alerta para excessos, como machismo. Assim, o drama social pode ajudar a melhorar a sociedade. PALAVRAS-CHAVE: Arthur Miller; Machismo; Linda Loman; A Morte de um Caixeiro-Viajante; Drama Social. Playwright Arthur Miller was accused of male chauvinism in his play Death of a Salesman. But was Miller a male chauvinist who portrayed women as stereotypical housewives? This is an objective in this article, which encompasses a literary and descriptive research and that is executed by studying Linda Loman, the female character in the play. In the sections on Linda's role as agent of action in the play, it is clarified that Linda is not just a downtrodden housewife. She is the engine of the play’s action. Even the most chauvinist character in the play, Linda’s husband Willy, shows respect for Linda by committing suicide so Linda can benefit from the insurance money. Therefore, it is debatable to consider Miller as a male chauvinist. Miller's plays contain a lesson: studying Miller's plays warns us of excesses such as male chauvinism. Thus, social drama can help to improve society. KEYWORDS: Arthur Miller; Male Chauvinism; Linda Loman; Death of a Salesman; Social Drama.

capítulo 10 Arthur Miller, um teatrólogo machista? Antonius Gerardus Maria Poppelaars INTRODUÇÃO O teatrólogo estadunidense Arthur Miller (1915-2005) e algumas de suas peças foram uma fonte de controvérsia. Por exemplo, na peça A Morte de um Caixeiro-Viajante (1949), traduzida para o português como A Morte de um Caixeiro-Viajante (1949), o protagonista Willy Loman é um simples vendedor da classe média baixa. Essa posição social do protagonista resultou em que a peça não foi considerada por vários críticos literários como uma verdadeira tragédia, porque Loman, não é um nobre, não tem um caráter elevado, “daqueles que gozam de grande reputação e fortuna, como Édipo”, como Aristóteles (1991, p. 260) descreve em A Poética. Assim, Hynes (1967, p. 286, tradução nossa) articula que “se alguém quiser chamar a peça do Sr. Miller de uma tragédia, deve-se atribuir um novo nome para Hamlet1”. 1 “If one wish to call Mr. Miller’s play a tragedy, one must assign a new name to Hamlet.” DOI: 10.52788/9786589932796.1-10 199 Mas, Miller (1994, p. 3, tradução nossa) defende que “[...] o homem comum é um sujeito adequado para a tragédia em seu sentido mais elevado, tais os reis eram2”. Por isso, Bloom (2007, p. 147, tradução nossa) afirma que: “se houver um drama trágico legítimo por um autor americano, então deve ser A Morte de um Caixeiro-Viajante3”. A peça A Morte de um Caixeiro-Viajante causou discordância. Bigsby (2005, p. 136, tradução nossa) relata que a peça era “[...] vista como ideologicamente suspeita4”, principalmente a partir da versão fílmica de 1950. Nos cinemas havia manifestantes da Legião Americana5, que “suspeitavam que A Morte de um Caixeiro-Viajante fosse uma obra anticapitalista e, portanto, antiamericana6” (BARTON-PALMER, 2010, p. 215, tradução nossa). O estúdio, Columbia Pictures, reagiu com um curta-metragem para ser exibido antes do filme, explicando que o filme não seria antiamericano. Pouco tempo depois, Miller foi outra vez vítima de perseguição política. A década de 1950 foi um período de perseguição ao comunismo nos Estados Unidos. Atores, autores, diretores e artistas foram intimados a comparecer diante do Comitê de Atividades Antiamericanas7 para assumir e/ou acusar outros de simpatias comunistas. Os acusados eram colocados numa lista negra, The Hollywood Blacklist, e boicotados ou demitidos. Os que se recusavam 2 “[...] the common man is as apt a subject for tragedy in its highest sense as kings were”. 3 “if there is a legitimate tragic drama by an American author, then it must be Death of a Salesman”. 4 “Death of a Salesman was [...]...seen as ideologically suspect”. 5 A Legião Americana (American Legion) é uma organização de militares veteranos conservadores, defendendo os “verdadeiros valores norte-americanos”. 6 “Death of a Salesman was an anti-capitalist and hence anti-American work”. 7 House of Un-American Activities Committee (HUAC). 200 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) a colaborar eram condenados por desacato. Outros “confessaram” ser comunistas e deram nomes de outros supostos comunistas para escapar à lista negra (FITZGERALD, 2007). Em 1956, Arthur Miller foi interrogado pelo Comitê por ter solicitado um passaporte para assistir à estreia de sua peça As Bruxas de Salém (The Crucible) na Bélgica. O Comitê suspeitou que Miller tinha simpatias comunistas e antiamericanas e que pretendia fazer propaganda comunista e antiamericana no exterior. Miller foi interrogado pelo Comitê sobre se ele ou outras pessoas tinham supostas simpatias comunistas e antiamericanas, mas, o dramaturgo recusou-se a delatar. Como resultado, o passaporte lhe foi negado e ainda foi condenado por desacato. A sentença foi pouco mais tarde anulada (ABBOTSON, 2007). Ironicamente, Miller escreveu As Bruxas de Salém três anos antes (1953) como reação à caça ao comunismo e às práticas do Comitê. A peça é baseada nos julgamentos históricos de pessoas acusadas de bruxaria na cidade de Salém, uma comunidade de Puritanos, em 1692 e 1693. Pessoas suspeitas de bruxaria eram condenadas e estimuladas para delatar outros na esperança de salvar suas próprias vidas. Assim, Murphy (2006, p. 419, tradução nossa) nota que As Bruxas de Salém é uma “[...] dramatização dos julgamentos das bruxas de Salém que serviram como uma analogia histórica para [...] as investigações do congresso sobre as crenças políticas de cidadãos individuais, incluindo Miller, o que resultou em uma lista negra e outras formas de perseguição política8”. Nessa maneira, o próprio Miller viveu a perseguição contra o qual escreveu. 8 “[...] dramatization of the Salem witch trials that served as a historical analogy for [...] the Congressional investigations into the political beliefs of individual citizens, including Miller, which had resulted in blacklisting and other forms of political persecution”. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 201 Já foi discutido nessa Introdução que Willy Loman é um vendedor fracassado; ele é demitido, sofre de delírios é egoista, arrogante, teimoso e ingênuo. Ademais, Willy traiu Linda, sua esposa. Seus filhos também falharam. Happy é preguiçoso, mulherengo e um funcionário medíocre. Seu filho mais velho, Biff, é um cleptomaníaco, que já cumpriu pena na prisão e trabalha em empregos braçais de baixa remuneração. Desiludido, Willy se suicida para que a esposa possa receber o dinheiro do seguro e assim saldar as dívidas. Assim, o enredo da peça baseia-se nas frustrações de Willy, nos conflitos com os filhos e nas oportunidades perdidas para fazer fortuna. Mas qual seria o papel de Linda Loman, a esposa de Willy? Otten (2008, p. 11, tradução nossa) nota que “para muitos críticos feministas e outros críticos baseados em gênero, Miller é culpado por criar textos sexistas, que desprezam ou reduzem personagens femininas9”, como Linda em A Morte de um Caixeiro-Viajante, o que traz outra controvérsia à luz em respeita à Miller. Seria Arthur Miller um teatrólogo machista que deixou as mulheres em segundo plano, sendo donas de casa estereotipadas, como Linda? Seria Linda uma dona de casa estereotipada mesmo? Portanto, o objetivo deste estudo é descrever o papel e comportamento de Linda Loman em A Morte de um Caixeiro-Viajante. Especificamente, pretende-se analisar Linda Loman, como agente da ação, e o enredo para discutir o machismo de Miller, visto que, como Bailey-McDaniel (2008, p. 28, tradução nossa) indica, “Linda é importante para o desenvolvimento do enredo, porque ela [...] tem 9 “For many feminist and other genderbased critics, Miller is guilty of creating sexist texts, which demean or reduce female characters”. 202 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) um significativo ‘trabalho’ narrativo na peça de Miller10”. A discussão sobre o machismo de Miller é elaborada a partir de uma comparação entre as peças A Morte de um Caixeiro-Viajante (1949) e The Ride Down Mt. Morgan11 (1991). Essa última peça é igualmente considerada uma peça machista, justificando assim uma comparação do suposto machismo de Miller ao longo do tempo. Adicionalmente, The Ride Down Mt. Morgan ainda não foi traduzido para o português, assim este estudo seria uma contribuição para os estudos dramatúrgicos brasileiros sobre Arthur Miller e um estímulo para sua tradução em português. Este estudo abrange uma perspectiva literária e descritiva. Uma pesquisa descritiva se destina a distinguir informações e a descrição de vários exemplos para estimular a compreensão dos leitores (KEY, 2007). Além desta Introdução, esta pesquisa incorpora as seções: “O drama social e a posição das mulheres”; “O papel de Linda Loman em A Morte de um Caixeiro-Viajante”; “Linda Loman, agente da ação e o enredo”; “Miller, teatrólogo machista?” Por último, seguem-se as Considerações finais. O DRAMA SOCIAL E A POSIÇÃO DAS MULHERES A obra de Arthur Miller faz parte do drama social, o que Moss (1968, p. 9, tradução nossa) confirma: “quase todos acreditam que Arthur Miller merece claramente o título de teatrólogo social”. Williams 10 “Linda is important to the plot’s development because she [...] does have a significant narrative “job” in Miller’s play”. 11 Literalmente, “A Descida do Monte Morgan”. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 203 (1967, p. 314, tradução nossa) acrescenta que o foco central do drama social “[...] encontra-se em uma concepção particular da relação do indivíduo com a sociedade, em que [...] ambos são vistos como pertencentes a um contínuo e em termos reais inseparável processo12”, ou seja, a sociedade influencia o indivíduo e vice-versa. No fim do século XIX, o triunfo da classe média em respeito à liberdade pessoal e política iniciou um desinteresse da burguesia nas vidas dos reis e uma vontade de assistir às representações do cotidiano burguês. Por essas vias, importante, no contexto deste estudo, o ambiente familiar da burguesia entrou no drama social (LUNA, 2012). Um teatrólogo marcante do drama social da época foi Henrik Ibsen. Esse dramaturgo norueguês influenciou Miller, que foi considerado por Szondi (2007, p. 7, tradução nossa) um imitador de Ibsen, porque Miller “[...] tentou preservar a abordagem analítica de Ibsen para a dramaturgia social, transferindo-a para o presente americano13”. Lawson (1960, p. 63, tradução nossa) adiciona que “a sombra de Ibsen encontra-se em todo teatro moderno. Sua análise do dilema da classe média é tão decisiva que é impossível ir além dos limites de seu pensamento [...]14”. Além disso, o ambiente familiar, no mundo dramático de Ibsen, é poluído pelas ações dos homens, enquanto as mulheres tentam proteger os valores da vida familiar (LUNA, 2012). 12 “[…] lies in a particular conception of the relationship of the individual to society, in which […] both are seen as belonging to a continuous and in real terms inseparable process”. 13 “[...] tried to preserve Ibsen’s analytical approach to social dramaturgy by transferring it into the American present”. 14 “Ibsen’s shadow lies across the modern theatre. His analysis of the middle-class dilemma is so final that it has been impossible to go beyond the limits of his thought [...]”. 204 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) Uma peça importante para o drama social foi A Casa de Bonecas (1897) de Ibsen. Esta importância é dada pelo fato de que esta peça relata uma notável instância de emancipação das mulheres e por seguinte teve muita influência no surgimento dos movimentos emancipatórios. A peça trata do casamento de Nora e Torvald Helmer. Nora é uma dona de casa que toma dinheiro emprestado de um agiota e falsifica a assinatura do pai, como se este fosse o fiador do empréstimo. Chantageada pela agiota, Nora tenta esconder a situação do marido. Quando Torvald descobre tudo, fica furioso e ordena que Nora fique em casa para cuidar dos filhos. Mas, Nora deixa a família e o casamento. Assim, “ouve-se o som de uma porta que bate lá embaixo e cai o pano” (IBSEN, 1976, p. 172). Foi este som que provocou um choque na Europa do fim do século XIX. Este fim da peça, com uma mulher deixando o marido e os filhos, iniciou a atenção pelos direitos das mulheres no drama social. O PAPEL DE LINDA LOMAN EM “A MORTE DE UM CAIXEIROVIAJANTE” Porém, a respeito da emancipação feminina, esta influência de Ibsen não fica muito visível na obra de Miller. Otten (2008, p. 12-13, tradução nossa), acrescenta que “Linda continua a ser uma figura controversa. [...]. Na melhor das hipóteses, [...] Linda Loman representa o fracasso de Miller para criar personagens femininos progressistas e úteis; na pior das hipóteses, ela reflete a atitude sexista do dramatur- UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 205 go [...]15”. Os estereótipos sexistas usados por Miller na Morte de um Caixeiro-Viajante são, “[...] a boa dona de casa, a garota de programa, a secretária tímida [...]16” (ABBOTSON, 2007, p. 139, tradução nossa). A “boa dona da casa” é representada por Linda. Por exemplo, algumas falas estereotipadas de dona de casa de Linda são: “vou fazer um sanduíche para você” (MILLER, 2009, p. 173) e “tome uma aspirina. Quer que eu pegue uma aspirina?” (MILLER, 2009, p. 173). As falas de Linda são quase todas curtas e interrompidas por Willy. “Willy (por cima da fala dela): [...] Estou tão cansado. Não fala mais nada” (MILLER, 2009, p. 213-214). Um símbolo sexista são as meias, visto que, “[...] enquanto elas erotizam a amante, as meias se tornam o emblema do aprisionamento da mãe na vida doméstica17” (GILLEMAN, 2008, 157, tradução nossa). Por exemplo, da citação “Linda entra na cozinha e começa a cerzir meias” (MILLER, 2009, p. 190), pode-se perceber que ela faz seu dever doméstico para poupar dinheiro por cerzir suas meias, enquanto Willy dá meias novas à sua amante. Sendo assim, “as meias associam a mulher com a mãe e, ao mesmo tempo, a sexualidade do pai com a humilhação da mãe18” (GILLEMAN, 2008, p. 157, tradução nossa). Por isso, Willy não aguenta ver Linda cerzindo meias: “não quero você consertando meias nesta casa” (MILLER, 2009, p. 192), porque 15 “Linda remains a controversial figure. [...] At best, [...] Linda Loman represents Miller’s failure to create progressive and helpful female characters; at worst, she reflects the dramatist’s sexist atitude [...]”. 16 “[…] the good housewife, the call girl, the mousy secretary […]” 17 “[...] while they eroticize the mistress, the stockings become the emblem of the mother’s entrapment in domesticity”. 18 “The stockings associate the woman with the mother and thus the father’s sexuality with the mother’s humiliation”. 206 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) as meias lembram a Willy de sua infidelidade. Mas também, porque as meias representam a discussão com o filho em um hotel em Boston, onde Biff encontra seu pai com a amante, que demanda meias novas de Willy: “você me prometeu duas caixas de meias […]” (MILLER, 2009, p. 251). Willy dá as meias a amante, o que provoca uma reação de revolta de Biff: “o senhor deu para ela as meias da mamãe!” (MILLER, 2009, p. 252). Desta maneira, “para Willy, e [...] para Biff, a visão de Linda cerzindo meias é um lembrete visível do preço que ela está pagando [...]19” (GILLEMAN, 2008, p. 157, tradução nossa). Um preço que consiste em Linda ficar presa em uma vida doméstica e cuidar de um marido egoísta. Linda aparece várias vezes na peça com um cesto de roupas: “Linda entra […], uma fita no cabelo, leva um cesto de roupa lavada” (MILLER, 2009, p. 188). Mas, “enquanto lavar roupas era um dever habitual de uma mulher nesta época, isso também mostra Linda como uma pessoa que “lava as manchas”, metaforicamente, a mancha das derrotas de Willy20” (BATTEN, 2008, p. 169, tradução nossa). Linda sempre fica ao lado do marido, quando Willy quer desistir. Por exemplo, Willy não está seguro da sua aparência física. Linda, tenta estimular o ego de Willy, mostrando seu lado doce e fiel: WILLY. Eu sou gordo. Eu pareço, pareço meio bobo. LINDA. Willy meu bem, você é o homem mais bonito do mundo. 19 “To Willy, and [...] to Biff as well, the sight of Linda mending stockings is a visible reminder of the price she is paying [...]”. 20 “While laundry was a customary duty of a wife in this time period, it also shows Linda as a person who “washes out stains,” metaphorically, the stain of Willy’s defeats”. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 207 WILLY. Ah, não Linda. LINDA. Para mim, você é. (ligeira pausa). O mais bonito (MILLER, 2009, p. 190). Mas, durante essa conversa entre Willy e Linda, “ouve-se música, atrás de um painel, à esquerda da casa, a Mulher, semivisível, está se vestindo e do escuro se ouve uma risada de mulher [...] o riso continua entre as falas de Linda” (MILLER, 2009, p. 190). Essa mulher, rindo e semivisível, é a mulher com quem Loman traiu Linda. Ela volta nesta cena para mostrar a falsidade de Willy. Os filhos, por causa do mal-exemplo do pai, são também machistas e sexistas. Biff e Happy são mulherengos e traidores sem escrúpulos, o que é ilustrado no seguinte conversa entre os dois irmãos: HAPPY. Tem umas quinhentas mulheres que iam gostar de saber o que a gente conversou neste quarto (os dois juntos riam manso). BIFF. Lembra daquela grande Betsy não sei o que, como era o nome dela? Lá da Avenida Bushwick? HAPPY. É. Foi minha primeira vez, acho. Rapaz, que mulherão! (os dois riem, quase cruelmente) (MILLER, 2009, p. 178). Entretanto, “Linda não é estúpida ou fraca [...]. Ela é a principal razão pela qual a família consegue ficar unida, daí sua representação como alguém que tenta consertar tudo, de meias até pessoas21” (ABBOTSON, 2007, p. 139, tradução nossa). Linda faz e paga as contas da casa, ela toma dinheiro emprestado para completar a renda. 21 “Linda is not stupid or weak […]. She is the main reason why this family has managed to stay together, hence her depiction as a mender who tries to mend everything from stockings to people”. 208 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) Nesse contexto, o discurso de Linda é marcante: “bom, tem nove e sessenta da máquina de lavar. E o aspirador é três e cinqüenta e vence no dia quinze. Depois tem o telhado, que faltam ainda vinte e um dólares” (MILLER, 2009, p. 189). Outro exemplo da força de Linda ocorre quando ela tenta defender o marido e reconciliá-lo com os filhos. Enquanto Happy e Biff criticam o pai, Linda o defende: “Biff, meu bem, se você não tem amor por ele, então não pode ter amor por mim” (MILLER, 2009, p. 204). Biff recebe outra crítica forte da mãe: “e você! O que aconteceu com o amor que você tinha por ele? Vocês eram tão companheiros! Como você e ele conversavam no telefone toda noite!” (MILLER, 2009, p. 206). Linda também coloca Happy no seu lugar: “um homem que não trabalhou um dia que não fosse por vocês? [...] Essa é a compensação dele, completar sessenta e três anos e descobrir que os filhos, que ele amou mais que a própria vida, um é vagabundo, mulherengo” (MILLER, 2009, p. 206). Linda também apela aos filhos para ajudar o pai: “Biff, a vida dele está nas suas mãos!” (MILLER, 2009, p. 208). Do mesmo modo, Linda quer estimular o marido para se reconciliar com os filhos. Willy briga com Biff que voltou após anos para casa. A reação de Linda é: “você não deveria ter feito aquelas críticas, Willy, principalmente na hora que ele acabou de descer do trem. Não devia ficar tão bravo com ele” (MILLER, 2009, p. 174). Desta maneira, Linda sempre “[...] surge [...] para ajudar ou apoiar [...] o protagonista da peça, seu marido22” (ABBOTSON, 2007, p. 139, tradução nossa). Percebe-se aqui Linda 22 “[...] emerges [...] to aid or support [...] the play’s protagonist, her husband”. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 209 como uma mulher determinada e forte e “[...] isso pode ser visto como oposto ao estereótipo fraca figura materna23 (ABBOTSON, 2007, p. 139, tradução nossa)”. Sem dúvida, é justamente Willy Loman que mostra sua fraqueza na peça: é grosseiro com Linda e os filhos, ele a traiu e é egoísta. A pior falha de Willy é que ele “[...] sacrifica a integridade pessoal e qualquer [...] dignidade humana [...] para atingir o sempre esquivo sonho americano de sucesso material24” (CENTOLA, 2008, p. 43, tradução nossa). O termo sonho americano foi popularizado por J. T. Adams (1931), que o descreve como uma ordem social em que todos podem obter sucesso, através de iniciativa, trabalho duro e autossuficiência. O sonho americano se origina da época colonial e dos tempos da Declaração da Independência (1776), composta por Thomas Jefferson, que “[...] resume o sonho americano na Declaração da Independência como o direito de toda pessoa à vida, liberdade e à busca da felicidade25” (URANGA, 2008, p. 83, tradução nossa). Mas, o sonho americano tornou-se um pesadelo para Willy Loman, revelando que nem sempre qualquer pessoa pode melhorar sua vida. Sendo assim, Centola (2008, p. 44, tradução nossa) observa que A Morte de um Caixeiro-Viajante, “[...] aborda criticamente a falência moral escondida sob a fachada do sucesso material americano [...]26”. 23 “[…] can be seen as against the stereotype of the weak, maternal figure”. 24 “[...] sacrifices personal integrity and any [...] human dignity [...] to achieve the forever-elusive American Dream of material success”. 25 “[...] summarizes the American Dream in the Declaration of Independence as the right of every person to life, liberty, and the pursuit of happiness. 26 “[...] as well as the rest of Miller’s drama, critically addresses the moral bankruptcy concealed beneath the façade of American material success [...]”. 210 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) Por conseguinte, o enganoso sonho americano ocupa um lugar central em A Morte de um Caixeiro-Viajante. A fraqueza de Willy é de quem acredita nos slogans da propaganda de creme dental, na qual um sorriso lindo traz milhões de dólares. O erro de Willy, de acordo com Bigsby (2005, p. 103, tradução nossa) é que ele “[...] quer, acima de tudo, ser bem quisto, uma condição que ele confunde com sucesso27”. Essa fraqueza de Willy, de acreditar em superficialidades, é provocada justamente pelos homens na vida dele que “[...] moldaram sua imaginação, que trouxeram o sonho americano à vida; o pai, vendedor de flautas; Dave Singleman, o velho vendedor; e Ben, irmão financeiramente bem sucedido28”, como Mann (2008, p. 38, tradução nossa) destaca. O pai de Willy foi um exemplo, pois, “com uma maquineta ganhava numa semana mais do que qualquer um ganhava na vida” (MILLER, 2009, p. 199). O vendedor Dave Singleman, foi um grande exemplo, porque trabalhava de maneira bem confortavél, por telefone e do quarto do seu hotel de “chinelo de veludo” (MILLER, 2009, p. 222). O irmão Ben fez sua fortuna na selva da África e “para Willy, Ben exemplifica o sonho americano, a história do sucesso capitalista29”, como indica Uranga (2008, p. 88, tradução nossa). O problema é que “[...] Willy adora-os, recusando-se a entender que cada um é um modelo falho30” (MANN, 2008, p. 38, tradução 27 “[...] wants, above all, to be well liked, a condition he confuses with success”. 28 “[...] shaped his imagination, that brings the American dream alive; Willy’s flute-selling father; Dave Singleman, the old salesman; and Ben, Willy’s financially succesful brother”. 29 “For Willy, Ben exemplifies the American Dream, the capitalistic success story”. 30 “[...] Willy worships them, refusing to see that each is a flawed model”. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 211 nossa). A saber, “seu pai, abandonou a família; Dave Singleman era único, como seu nome indica31, e a crueldade de Ben sugere a sua falta de humanidade32” (MANN, 2008, p. 38, tradução nossa). Assim, todos os exemplos masculinos na vida de Willy contribuíram para que ele tenha uma imagem distorcida do sonho americano. Logo, o sonho americano de Willy, de vender sendo well-liked (bem-quisto), caiu aos pedaços, já que: “a ingenuidade de Willy faz dele um alvo fácil [...] do sonho americano. Ele prontamente acredita na retórica popular que todos possam alcançar o sucesso material através de personalidade e popularidade33” (URANGA, 2008, p. 81, tradução nossa). Da mesma forma, os filhos Happy e Biff mostram igualmente suas fraquezas masculinas na peça. O filho Happy sai do trabalho sem o chefe saber e gosta de seduzir mulheres no trabalho, entre elas, a esposa do seu chefe. Mas, é Biff que segue o pai mais ainda na fraqueza masculina. Ele rouba bolas de basquete, madeira de prédios em construção e um terno no Kansas. Quando Biff rouba a madeira, ele é até encorajado por Willy: “não tem nada de errado. Qual é o problema?” (MILLER, 2009, p. 201). A consequência do roubo do terno é que Biff foi para a prisão. No entanto, Biff entende porque falhou; foi a educação errada do pai. Por isso, Biff acusa Willy: “eu nunca cheguei a lugar nenhum porque o senhor sempre me elogiou tanto que eu não consegui nunca 31 Singleman significa homem singular ou único. 32 “His father abandoned the Family; Dave Singleman was one of a kind, as his name implies, and Ben’s ruthlessness suggests his lack of humanity”. 33 “Willy’s naïveté makes him an easy target [...] of the American Dream. He readily believes the popular rhetoric that everyone can achieve material success through personality and popularity”. 212 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) aceitar ordens de ninguém! É aí que está a culpa!” (MILLER, 2009, p. 261). Biff reconhece a influência nefasta do pai, cuja fraqueza é “[...] ser preso em [...] aquele sonho tentador, o sonho americano [...]34” (BIGSBY, 2005, p. 132, tradução nossa). Embora os homens sejam fracos, Linda fica entusiástica e estimulante com os planos dos filhos e Willy. Quando Happy tem a ideia de vender artigos esportivos, as reações positivas de Linda são: “maravilhoso!” e “parece que as coisas estão começando” (MILLER, 2009, p. 210-211). É Linda quem arranja um encontro em um restaurante para celebrar o esperado sucesso dos homens: “você tem que encontrar os dois para o jantar [...] na churrascaria de Frank” (MILLER, 2009, 217), ela diz a Willy. Dessa maneira, Linda incentiva Willy, Happy e Biff. LINDA LOMAN, AGENTE DA AÇÃO E DO ENREDO EM “A MORTE DE UM CAIXEIRO-VIAJANTE” Ironicamente, por esse encorajamento, Linda “[...] permite a seu marido e filhos manterem a falsa bravata, levando-os à destruição35” (BATTEN, 2008, p. 169, tradução nossa). Otten (2007, p. 102, tradução nossa) confirma que Linda provoca a ação com seus comentários que “[...] impulsionam Willy e Biff em direção a seu destino trágico36”. Assim, a peça mostra um lado negativo de Linda, que é motivado pelo desejo e boa intenção de ver sua família sair dos problemas. 34 “[...] to be trapped in [...] that tantalising dream, the American dream [...]”. 35 “[...] enables her husband and sons to maintain the false bravado, leading to their destruction”. 36 “[...] propel Willy and Biff toward their tragic destiny [...]”. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 213 O resultado é que Biff vai ao escritório do seu ex-chefe para tomar dinheiro emprestado, a fim de financiar o plano de Happy, mas fracassa. Simultaneamente, o pai, cheio de esperança, vai até seu chefe para pedir outro emprego, mas é demitido. Mais tarde, o pai e os filhos se encontram em um restaurante e a situação explode; os filhos brigam com Willy e deixam o pai sozinho e se divertem com duas moças, enquanto Willy, decepcionado, vai para casa para planejar o suicídio. Dessa maneira, “Linda contribui [...] para o fim trágico de Willy37” (OTTEN, 2008, p. 16, tradução nossa), porque Willy e seus filhos são estimulados por Linda a tentar mais uma vez. Sendo assim, “talvez mais do que qualquer outro personagem [...], é Linda que ajuda [...] a confirmar as mentiras e ilusões no centro da peça [...]38”, como descreve Bailey-McDaniel (2008, p. 28, tradução nossa), que Linda possui um papel decisivo nas vidas dos homens Loman. Outro exemplo de Linda como agente da ação ocorre quando Ben, irmão mais velho de Willy, visita a família Loman. Ben fez uma fortuna na Àfrica e ocupa, em A Morte de um Caixeiro-Viajante, o papel do vendedor do sonho americano. O lema recorrente de Ben na peça é: “quando eu entrei na selva, tinha dezessete anos. Quando saí tinha vinte e um. E, minha nossa, como estava rico!” (MILLER, 2009, p. 201-202). Willy lamenta não ter aceitado a oportunidade de acompanhar o irmão nas viagens lucrativas: “se eu tivesse ido para o Alasca com ele daquela vez, tudo teria sido completamente diferente” (MILLER, 2009, p. 196). Mas, Willy fica em casa na esperança de fazer carreira na 37 “Linda contributes [...] to Willy’s tragic end”. 38 “Perhaps more than any other character [...], it is Linda who helps [...] confirm, the lies and delusions at the center of the play [...]”. 214 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) companhia na qual trabalha, sendo encorajado por Linda que aponta a Ben que Willy poderia tornar-se sócio da companhia: “[...] o velho Wagner falou para ele outro dia que se ele continuar assim vai acabar sócio da empresa, não falou, Willy?” (MILLER, 2009, p. 226). Linda entende que “[...] Ben e sua história representam a dissolução da família, o sucesso ao custo da humanidade39” (BARKER, 2007, p. 47, tradução nossa). Por isso, Linda quer que Willy fique com a família para não destruir sua carreira promissora e a família: “você está ganhando o suficiente, Willy! O suficiente para ser feliz aqui! Por que todo mundo tem que conquistar o mundo? [...] Você tem muito prestígio e os meninos adoram você [...]” (MILLER, 2009, p. 226). Dessa maneira, “Willy encontra outro aspecto do sonho americano em sua esposa Linda, para quem a segurança é o objetivo mais importante na vida40” (DILLINGHAM, 1967, p. 344, tradução nossa). A presença continuada de Linda na peça, “além de transmitir as primeiras e as últimas palavras que o público ouve [...]41” (BAILEY-McDANIEL, 2008, p. 28, tradução nossa), faz que ela seja a responsável pela continuação da ação em A Morte de um Caixeiro-Viajante. ARTHUR MILLER, UM TEATRÓLOGO MACHISTA? Arthur Miller poderia ter sido um teatrólogo machista? Para responder a essa questão é importante comparar A Morte de um Caixei39 “[...] Ben and his story represent the breakup of the family, success at the price of humanness”. 40 “Willy encounters another aspect of the American dream in his wife Linda, for whom security is the most important goal in life”. 41 “In addition to delivering the first and final words that the audience hears [...]”. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 215 ro-Viajante com outra peça de Miller, The Ride Down Mt. Morgan. O protagonista de Ride Down Mt. Morgan, Lyman Felt, um agente de seguros, é bígamo, fato que se torna conhecido quando Lyman Felt está hospitalizado após um acidente de carro em uma estrada de montanha. As duas esposas, Theo, com quem ele se casou há mais de trinta anos, e Leah, com quem se casou há nove anos, aparecem no hospital. Quando confrontado com as duas esposas, Lyman justifica suas ações para ambas mulheres. Há dúvidas se o acidente realmente fora um acidente ou uma tentativa de suicídio, motivada pelo crescente desconforto de Felt sobre seu arranjo familiar incomum. Felt tenta reconstruir sua vida em conversas com seu melhor amigo, a enfermeira e a filha, Bessie. Abbotson (2007, p. 305, tradução nossa) sugere que, “o nome de Lyman oferece [...] possibilidades de engano escandaloso (mentiras) [...]42”. É possível entender o nome Lyman, como Lie Man, ou seja, Homem Mentiroso, ou Mentiroso. Lyman Felt mente para as duas esposas, igual Willy Loman faz com sua esposa. Entretanto, “há muitas semelhanças entre Willy Loman e Lyman Felt além do eco em seus nomes43” (ABBOTSON, 2007, p. 300, tradução nossa). De fato, Lyman e Loman têm mais em comum do que a brincadeira com os nomes. Primeiramente, há o suicídio de Loman e o possível tentativa de suicídio de Lyman. Em ambos os casos, foi usado um carro. Mas, Willy usa seu carro para que os filhos e Linda possam pagar as contas. Por outro lado, Lyman Felt tenta tirar a própria vida, 42 “Lyman’s name […] possibilities of outrageous deceit (lies) […]”. 43 “There are many similarities between Willy Loman and Lyman Felt beyond the echo in their names”. 216 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) porque quer escapar da vergonha de ser bigamista e da confrontação com as duas esposas. Então, o machismo e a falta de respeito por mulheres, estão presentes nos dois protagonistas. Por exemplo, Lyman diz: “[...] o único que sofreu nos últimos nove anos fui eu!44” (MILLER, 1999, p. 79, tradução nossa), achando que foi ele que sofreu sendo casado com duas mulheres. A reação vem nas rubricas: “um enorme rugido ecoando enche o teatro [...] luz sobe em Bessie [...]45” (MILLER, 1999, p. 79, tradução nossa). O rugido representa a indignação das mulheres por serem traídas e a luz em Bessie mostra que ela, filha negligenciada, é a maior sofredora. O comportamento machista de Willy já foi discutido anteriormente, mas, pelo menos, tirou sua própria vida para ajudar sua família com o dinheiro do seguro. Parcialmente, pode-se considerar Miller um machista. As duas peças, The Ride Down Mt. Morgan (1991) e A Morte de um Caixeiro-Viajante (1949) indicam que Miller não perdeu suas tendências de descrever personagens femininas de forma sexista ao longo do tempo, já que as duas peças foram escritas com um intervalo de mais de quarenta anos. Porém, Abbotson (2007, p. 139, tradução nossa) defende Miller, estipulando que “é fácil ser perturbado pelos estereótipos femininos [...] que encontramos em A Morte de um Caixeiro-Viajante, [...] mas, Miller queria que sua peça fosse realista, e na sociedade norte-americana do final dos anos de 1940, era assim que muitas mulheres eram vistas46”. 44 “[…] the only one who suffered these past nine years was me!” 45 “An enormous echoing roar fills the theatre […] light rises on Bessie […]”. 46 “it is easy to be disturbed by the […] female stereotypes that we find in Death of a Salesman, UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 217 Quanto The Ride down Mt. Morgan, Abbotson (2007, p. 303, tradução nossa) nota que a peça “[...] ocorre em tempos conturbados e aborda as dificuldades de se viver em uma sociedade pós-moderna caótica e amoral47”. Nas duas peças, a amoralidade é provocada pela vida moderna de auto(engano) para atingir o sucesso individualista e machista da sociedade capitalista. Lyman e Loman são ambos vendedores ambulantes. Lyman é vendedor de seguros e, quanto a Loman, não fica claro o que ele vende e o que há dentro de sua mala. Ele “[...] quer vender a si mesmo, [...] um ponto sublinhado pela omissão óbvia na peça de qualquer referência aos produtos específicos que Willy leva nas suas malas48” (CENTOLA, 2007, p. 28, tradução nossa). O próprio Miller (1994, p. 141, tradução nossa) acrescenta que: “[...] quando perguntado o que Willy estava vendendo, o que estava em suas malas, eu só poderia responder: ele mesmo49”. Então, nas duas peças há dois vendedores, sob pressão de vender a qualquer custo, no caso de Willy, até vender a si mesmo e sua vida: “engraçado, sabe? Depois de tanta estrada, trens, reuniões, os anos todos, você acaba valendo mais morto do que vivo” (MILLER, 2009, p. 235). Essa reação de Loman abatido mostra o cinismo do mundo capitalista em que não existe piedade por ninguém; nem pelos trabalhadores, nem pelas mulheres. Um mundo capitalista no qual os […] but Miller wanted his play to be realistic, and in U.S. society of the late 1940s, this is how many women were viewed”. 47“[…] takes place in troubled times and addresses the difficulties of living in an amoral, chaotic, postmodern society”. 48“[...] he wants to sell himself, [...] a point underscored by the obvious omission in the play of any reference to the specific products that Willy carries around in his valises”. 49“[...] when asked what Willy was selling, what was in his bags, I could only reply, Himself”. 218 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) vendedores Lyman e Loman são induzidos a ir além dos limites, em busca do sucesso materialista, embora isso não justifique o sexismo. Talvez, mais importante do que determinar se Miller foi um machista ou não, seja enfatizar que as duas peças impedem justamente o esquecimento ou o silenciamento do machismo, assim servindo como uma lição, porque as peças de Miller entram na memória coletiva como exemplo, que pode ser retomada, citada e parafraseada em outros casos de sexismo e machismo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nota-se que o papel da mulher mudou nas últimas décadas no drama social, impulsionado por mais atenção para o indivíduo. Dessa atenção cresceu a importância da mulher no drama social. Infelizmente, há ainda casos de mulheres no drama social sendo retratadas exclusivamente como donas de casa estereotipadas. Um exemplo é Linda Loman em A Morte de um Caixeiro-Viajante, de Arthur Miller, que foi acusado de machismo. No entanto, nas seções sobre o papel de Linda como agente da ação em A Morte de um Caixeiro-Viajante, foi esclarecido que Linda não é apenas uma dona de casa oprimida. Ela é o motor da ação na peça com seus comentários que estimulam Willy e os filhos a ir atrás dos seus sonhos. Tanto é, que os sonhos dos homens na peça vão além das suas próprias capacidades e os levam a serem iludidos pelo sonho americano, o que não é culpa de Linda. A culpa é da ingenuidade e má interpretação do sonho americano pelos homens. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 219 A única que realmente entendeu o perigo em que Willy se encontrava foi Linda, quando diz que Willy “é um ser humano e uma coisa terrível está acontecendo com ele. Então a gente tem que dar atenção” (MILLER, 2009, p. 205). Essa atenção, como Linda declara no enterro de Willy, consistiria em uma existência sem grandes e falsos sonhos. Por essa razão, Biff diz no enterro do pai que: “os sonhos dele eram todos errados” (MILLER, 2009, p. 266). Linda é o colo que mantém a família junta, pois cuida do marido e dos filhos fracassados e da situação financeira da família. Ela é obviamente a mais forte da família e não apenas uma dona de casa. Além disso, Linda Loman não é malvada, nem um anjo. Ela é uma personagem realista e não uma caricatura. Sendo assim, seria justo definir Arthur Miller como um machista? Linda é dona de casa, oprimida e mal-tratada pelos homens, mas também, é a agente da ação e do enredo. Portanto, à vista disso, ela se torna a personagem mais importante da peça. Até o personagem mais machista da peça, Willy, mostra que aprecia Linda quando ele diz a ela: “(Com grande sentimento) Você é a melhor mulher do mundo, Linda, uma grande companheira, sabia disso?” (MILLER, 2009, p. 191). Adicionalmente, Willy reconhece o sofrimento da esposa: “[...] tch, tch. Incrível, incrível. Porque ela sofreu, bem o que essa mulher sofreu” (MILLER, 2009, p. 256). No final da peça, Willy se suicida para que os filhos e Linda possam desfrutar do dinheiro do seguro e assim pagar as contas e recomeçar suas vidas. Desse modo, Willy faz um grande sacrifício, demonstrando seu amor por Linda. 220 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) No final das contas, as peças de Arthur Miller contém uma lição, ensinando que a sociedade no drama social é capaz de destruir e desrespeitar os indivíduos. Paradoxalmente, é preciso levar em conta que a sociedade é feita por esses indivíduos desrespeitados, assim somos todos responsáveis por nossa sociedade. Isto posto, entender e estudar o drama social de Miller nos alerta para excessos, como machismo e sexismo, e portanto, o drama social pode ajudar a melhorar a sociedade. COMO CITAR ESTE TEXTO POPPELAARS, A. G. M. Arthur Miller, um teatrólogo machista? In: SOARES, I. M.; LESZCZYNSKI, T. (Orgs.). Um percurso pelas literaturas de língua inglesa. Tutóia/MA: Diálogos, 2023. p. 199-225. https://doi.org/10.52788/9786589932796.1-10 REFERÊNCIAS ABBOTSON, S. Critical Companion to Arthur Miller: a literary reference to his life and work. New York: Facts On File, 2007. ADAMS, J. T. The Epic of America. Boston: Little, Brown and Company, 1933. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, a Poética. 4ª edição. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultural, 1991. BAILEY-McDANIEL, L. Domestic Tragedies: the feminist dilemma in Arthur Miller’s Death of a Salesman. In: STERLING, E. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam, New York: Editions Rodopi, 2008. p. 21-32. BARKER, S. The Crisis of Authenticity: Death of a Salesman and the tragic muse. In: BLOOM, H. (Org.). Bloom’s Modern Critical Interpretations: Death of a Salesman, updated edition. New York: Chelsea House Infobase Publishing, 2007. p. 35-56. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 221 BARTON-PALMER, R. Arthur Miller and the Cinema. In: BIGSBY, C (Org.). The Cambridge Companion to Arthur Miller. Second Edition. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 200-233. BATTEN, S. Compensatory Symbolism in Miller’s Death of a Salesman. In: STERLING, E. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam, New York: Editions Rodopi, 2008. p. 163-170. BIGSBY, C. Arthur Miller: a critical study. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. BLOOM, H. Afterthought. In: BLOOM, H (Org.). Bloom’s Modern Critical Interpretations: Death of a Salesman, updated edition. New York: Chelsea House Infobase Publishing, 2007. p. 1-6. CENTOLA, S. Arthur Miller: guardian of the dream of America. In: STERLING, E. J. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam/ New York: Editions Rodopi, 2008. p. 33-46. CENTOLA, S. Family Values in Death of a Salesman. In: BLOOM, H. (Org.). Bloom’s Modern Critical Interpretations: Death of a Salesman, updated edition. New York: Chelsea House Infobase Publishing, 2007. p. 25-34. DILLINGHAM, W. B. Arthur Miller and the Loss of Conscience. In: WEALES, G. (Org.). Death of a Salesman: text and criticism. New York: The Viking Press, 1967. p. 339-349. FITZGERALD, B. McCarthyism: The Red Scare. Minneapolis: Compass Point Books, 2007. GILLEMAN, L. A little boat looking for a harbor: sexual symbolism in Arthur Miller’s Death of a Salesman. In: STERLING, E. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam, New York: Editions Rodopi, 2008. p. 149-162. HYNES, J, A. Attention Must Be Paid. In: WEALES, G (Org.). Death of a Salesman: text and criticism. New York: The Viking Press, 1967. p. 279-288. IBSEN, H. A Casa de Bonecas. Tradução Cecil Thiré. São Paulo: Abril S. A. Cultural e Industrial, 1976. KEY, J. P. Research Design in Occupational Education. Oklahoma State University, 2007. 222 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.) LAWSON, J. H. Theory and Technique of Playwriting. New York: Hill and Wang, 1960. LUNA, S. As Mulheres de Ibsen na Moderna Dramaturgia Norte-Americana: nora revida. In: LUNA, S. Drama Social, Tragédia Moderna: ensaios em teoria e crítica. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. p. 103-122. MANN, B, J. Teaching the Unseen Presence in Miller’s. In: BRATER, E. (Org.). Arthur Miller’s America: theatre and culture in a time of change. Ann Arbor: University of Michigan, 2008. p. 36-45. MILLER, A. As Bruxas de Salém. A Morte de um Caixeiro-Viajante e Outras 4 Peças de Arthur Miller. Trad. Siqueira, José Rubens. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 269-386. MILLER, A. Introduction to the Collected Plays. In: MARTIN, R. A. (Org.). The Theatre Essays of Arthur Miller. London: Methuen Drama, 1994. p. 113170. MILLER, A. A Morte de um Caixeiro-Viajante. In: MILLER, A. A Morte de um Caixeiro-Viajante e Outras 4 Peças de Arthur Miller. Tradução Siqueira, J. R. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 169-268. MILLER, A. The Ride Down Mt. Morgan. New York: Penguin Books, 1999. MILLER, A. Tragedy and the Common Man. In: MARTIN, R. A. (Org.). The Theatre Essays of Arthur Miller. London: Methuen Drama, 1994. p. 3-7. MOSS, L. Arthur Miller. Trad: Silvia Jatobá. São Paulo: Lidador, 1968. MURPHY, B. Theatre. In: BIGSBY, C (Org.). The Cambridge Companion to Modern American Culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 411-429. OTTEN, T. Death of a Salesman at Fifty—Still “Coming Home to Roost”. In: BLOOM, H. (Org.). Bloom’s Modern Critical Interpretations: Death of a Salesman, updated edition. NewYork: Infobase Publishing, 2007. p. 89-120. OTTEN, T. Linda Loman: “attention must be paid”. In: STERLING, E. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam, New York: Editions Rodopi, 2008. p. 11-20. UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA 223 SZONDI, P. Memory: Miller. In: BLOOM, H. (Org.). Bloom’s Modern Critical Interpretations: Death of a Salesman, updated edition. NewYork: Chelsea House Infobase Publishing, 2007. p. 7-12. URANGA, L. Willy Loman and the Legacy of Capitalism. In: STERLING, E. J. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam/New York: Editions Rodopi, 2008. p. 81-94. WILLIAMS, R. The Realism of Arthur Miller. In: WEALES, G. (Org.). Death of a Salesman: text and criticism. New York: The Viking Press, 1967. p. 314319. 224 ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)