capítulo 10
Arthur Miller,
um teatrólogo machista?
Antonius Gerardus Maria Poppelaars
INTRODUÇÃO
O teatrólogo estadunidense Arthur Miller (1915-2005) e algumas de suas peças foram uma fonte de controvérsia. Por exemplo, na
peça A Morte de um Caixeiro-Viajante (1949), traduzida para o português como A Morte de um Caixeiro-Viajante (1949), o protagonista
Willy Loman é um simples vendedor da classe média baixa. Essa posição social do protagonista resultou em que a peça não foi considerada
por vários críticos literários como uma verdadeira tragédia, porque
Loman, não é um nobre, não tem um caráter elevado, “daqueles que
gozam de grande reputação e fortuna, como Édipo”, como Aristóteles
(1991, p. 260) descreve em A Poética. Assim, Hynes (1967, p. 286, tradução nossa) articula que “se alguém quiser chamar a peça do Sr. Miller de uma tragédia, deve-se atribuir um novo nome para Hamlet1”.
1 “If one wish to call Mr. Miller’s play a tragedy, one must assign a new name to Hamlet.”
DOI: 10.52788/9786589932796.1-10
199
Mas, Miller (1994, p. 3, tradução nossa) defende que “[...] o homem comum é um sujeito adequado para a tragédia em seu sentido
mais elevado, tais os reis eram2”. Por isso, Bloom (2007, p. 147, tradução nossa) afirma que: “se houver um drama trágico legítimo por um
autor americano, então deve ser A Morte de um Caixeiro-Viajante3”.
A peça A Morte de um Caixeiro-Viajante causou discordância.
Bigsby (2005, p. 136, tradução nossa) relata que a peça era “[...] vista
como ideologicamente suspeita4”, principalmente a partir da versão
fílmica de 1950. Nos cinemas havia manifestantes da Legião Americana5, que “suspeitavam que A Morte de um Caixeiro-Viajante fosse
uma obra anticapitalista e, portanto, antiamericana6” (BARTON-PALMER, 2010, p. 215, tradução nossa). O estúdio, Columbia Pictures, reagiu com um curta-metragem para ser exibido antes do filme,
explicando que o filme não seria antiamericano.
Pouco tempo depois, Miller foi outra vez vítima de perseguição
política. A década de 1950 foi um período de perseguição ao
comunismo nos Estados Unidos. Atores, autores, diretores e artistas
foram intimados a comparecer diante do Comitê de Atividades
Antiamericanas7 para assumir e/ou acusar outros de simpatias
comunistas. Os acusados eram colocados numa lista negra, The
Hollywood Blacklist, e boicotados ou demitidos. Os que se recusavam
2 “[...] the common man is as apt a subject for tragedy in its highest sense as kings were”.
3 “if there is a legitimate tragic drama by an American author, then it must be Death of a Salesman”.
4 “Death of a Salesman was [...]...seen as ideologically suspect”.
5 A Legião Americana (American Legion) é uma organização de militares veteranos
conservadores, defendendo os “verdadeiros valores norte-americanos”.
6 “Death of a Salesman was an anti-capitalist and hence anti-American work”.
7 House of Un-American Activities Committee (HUAC).
200
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
a colaborar eram condenados por desacato. Outros “confessaram”
ser comunistas e deram nomes de outros supostos comunistas para
escapar à lista negra (FITZGERALD, 2007).
Em 1956, Arthur Miller foi interrogado pelo Comitê por ter solicitado um passaporte para assistir à estreia de sua peça As Bruxas de
Salém (The Crucible) na Bélgica. O Comitê suspeitou que Miller tinha
simpatias comunistas e antiamericanas e que pretendia fazer propaganda comunista e antiamericana no exterior. Miller foi interrogado pelo
Comitê sobre se ele ou outras pessoas tinham supostas simpatias comunistas e antiamericanas, mas, o dramaturgo recusou-se a delatar. Como
resultado, o passaporte lhe foi negado e ainda foi condenado por desacato. A sentença foi pouco mais tarde anulada (ABBOTSON, 2007).
Ironicamente, Miller escreveu As Bruxas de Salém três anos antes
(1953) como reação à caça ao comunismo e às práticas do Comitê.
A peça é baseada nos julgamentos históricos de pessoas acusadas de
bruxaria na cidade de Salém, uma comunidade de Puritanos, em 1692
e 1693. Pessoas suspeitas de bruxaria eram condenadas e estimuladas
para delatar outros na esperança de salvar suas próprias vidas.
Assim, Murphy (2006, p. 419, tradução nossa) nota que As Bruxas de Salém é uma “[...] dramatização dos julgamentos das bruxas de
Salém que serviram como uma analogia histórica para [...] as investigações do congresso sobre as crenças políticas de cidadãos individuais,
incluindo Miller, o que resultou em uma lista negra e outras formas de
perseguição política8”. Nessa maneira, o próprio Miller viveu a perseguição contra o qual escreveu.
8 “[...] dramatization of the Salem witch trials that served as a historical analogy for [...] the
Congressional investigations into the political beliefs of individual citizens, including Miller,
which had resulted in blacklisting and other forms of political persecution”.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
201
Já foi discutido nessa Introdução que Willy Loman é um vendedor fracassado; ele é demitido, sofre de delírios é egoista, arrogante,
teimoso e ingênuo. Ademais, Willy traiu Linda, sua esposa. Seus filhos também falharam. Happy é preguiçoso, mulherengo e um funcionário medíocre. Seu filho mais velho, Biff, é um cleptomaníaco,
que já cumpriu pena na prisão e trabalha em empregos braçais de baixa remuneração. Desiludido, Willy se suicida para que a esposa possa
receber o dinheiro do seguro e assim saldar as dívidas.
Assim, o enredo da peça baseia-se nas frustrações de Willy, nos
conflitos com os filhos e nas oportunidades perdidas para fazer fortuna. Mas qual seria o papel de Linda Loman, a esposa de Willy? Otten
(2008, p. 11, tradução nossa) nota que “para muitos críticos feministas e outros críticos baseados em gênero, Miller é culpado por criar
textos sexistas, que desprezam ou reduzem personagens femininas9”,
como Linda em A Morte de um Caixeiro-Viajante, o que traz outra
controvérsia à luz em respeita à Miller.
Seria Arthur Miller um teatrólogo machista que deixou as mulheres em segundo plano, sendo donas de casa estereotipadas, como
Linda? Seria Linda uma dona de casa estereotipada mesmo? Portanto,
o objetivo deste estudo é descrever o papel e comportamento de Linda
Loman em A Morte de um Caixeiro-Viajante.
Especificamente, pretende-se analisar Linda Loman, como agente da ação, e o enredo para discutir o machismo de Miller, visto que,
como Bailey-McDaniel (2008, p. 28, tradução nossa) indica, “Linda
é importante para o desenvolvimento do enredo, porque ela [...] tem
9 “For many feminist and other genderbased critics, Miller is guilty of creating sexist texts,
which demean or reduce female characters”.
202
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
um significativo ‘trabalho’ narrativo na peça de Miller10”. A discussão
sobre o machismo de Miller é elaborada a partir de uma comparação entre as peças A Morte de um Caixeiro-Viajante (1949) e The Ride
Down Mt. Morgan11 (1991).
Essa última peça é igualmente considerada uma peça machista,
justificando assim uma comparação do suposto machismo de Miller
ao longo do tempo. Adicionalmente, The Ride Down Mt. Morgan
ainda não foi traduzido para o português, assim este estudo seria uma
contribuição para os estudos dramatúrgicos brasileiros sobre Arthur
Miller e um estímulo para sua tradução em português.
Este estudo abrange uma perspectiva literária e descritiva. Uma
pesquisa descritiva se destina a distinguir informações e a descrição
de vários exemplos para estimular a compreensão dos leitores (KEY,
2007). Além desta Introdução, esta pesquisa incorpora as seções: “O
drama social e a posição das mulheres”; “O papel de Linda Loman
em A Morte de um Caixeiro-Viajante”; “Linda Loman, agente da ação
e o enredo”; “Miller, teatrólogo machista?” Por último, seguem-se as
Considerações finais.
O DRAMA SOCIAL E A POSIÇÃO DAS MULHERES
A obra de Arthur Miller faz parte do drama social, o que Moss
(1968, p. 9, tradução nossa) confirma: “quase todos acreditam que Arthur Miller merece claramente o título de teatrólogo social”. Williams
10 “Linda is important to the plot’s development because she [...] does have a significant narrative
“job” in Miller’s play”.
11 Literalmente, “A Descida do Monte Morgan”.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
203
(1967, p. 314, tradução nossa) acrescenta que o foco central do drama
social “[...] encontra-se em uma concepção particular da relação do
indivíduo com a sociedade, em que [...] ambos são vistos como pertencentes a um contínuo e em termos reais inseparável processo12”, ou
seja, a sociedade influencia o indivíduo e vice-versa.
No fim do século XIX, o triunfo da classe média em respeito à
liberdade pessoal e política iniciou um desinteresse da burguesia nas
vidas dos reis e uma vontade de assistir às representações do cotidiano
burguês. Por essas vias, importante, no contexto deste estudo, o ambiente familiar da burguesia entrou no drama social (LUNA, 2012).
Um teatrólogo marcante do drama social da época foi Henrik
Ibsen. Esse dramaturgo norueguês influenciou Miller, que foi considerado por Szondi (2007, p. 7, tradução nossa) um imitador de Ibsen,
porque Miller “[...] tentou preservar a abordagem analítica de Ibsen
para a dramaturgia social, transferindo-a para o presente americano13”.
Lawson (1960, p. 63, tradução nossa) adiciona que “a sombra
de Ibsen encontra-se em todo teatro moderno. Sua análise do dilema
da classe média é tão decisiva que é impossível ir além dos limites de
seu pensamento [...]14”. Além disso, o ambiente familiar, no mundo
dramático de Ibsen, é poluído pelas ações dos homens, enquanto as
mulheres tentam proteger os valores da vida familiar (LUNA, 2012).
12 “[…] lies in a particular conception of the relationship of the individual to society, in which
[…] both are seen as belonging to a continuous and in real terms inseparable process”.
13 “[...] tried to preserve Ibsen’s analytical approach to social dramaturgy by transferring it into
the American present”.
14 “Ibsen’s shadow lies across the modern theatre. His analysis of the middle-class dilemma is so
final that it has been impossible to go beyond the limits of his thought [...]”.
204
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
Uma peça importante para o drama social foi A Casa de Bonecas
(1897) de Ibsen. Esta importância é dada pelo fato de que esta peça
relata uma notável instância de emancipação das mulheres e por seguinte teve muita influência no surgimento dos movimentos emancipatórios. A peça trata do casamento de Nora e Torvald Helmer. Nora
é uma dona de casa que toma dinheiro emprestado de um agiota e
falsifica a assinatura do pai, como se este fosse o fiador do empréstimo.
Chantageada pela agiota, Nora tenta esconder a situação do marido. Quando Torvald descobre tudo, fica furioso e ordena que Nora
fique em casa para cuidar dos filhos. Mas, Nora deixa a família e o
casamento. Assim, “ouve-se o som de uma porta que bate lá embaixo
e cai o pano” (IBSEN, 1976, p. 172). Foi este som que provocou um
choque na Europa do fim do século XIX. Este fim da peça, com uma
mulher deixando o marido e os filhos, iniciou a atenção pelos direitos
das mulheres no drama social.
O PAPEL DE LINDA LOMAN EM “A MORTE DE UM CAIXEIROVIAJANTE”
Porém, a respeito da emancipação feminina, esta influência de
Ibsen não fica muito visível na obra de Miller. Otten (2008, p. 12-13,
tradução nossa), acrescenta que “Linda continua a ser uma figura controversa. [...]. Na melhor das hipóteses, [...] Linda Loman representa
o fracasso de Miller para criar personagens femininos progressistas e
úteis; na pior das hipóteses, ela reflete a atitude sexista do dramatur-
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
205
go [...]15”. Os estereótipos sexistas usados por Miller na Morte de um
Caixeiro-Viajante são, “[...] a boa dona de casa, a garota de programa, a
secretária tímida [...]16” (ABBOTSON, 2007, p. 139, tradução nossa).
A “boa dona da casa” é representada por Linda.
Por exemplo, algumas falas estereotipadas de dona de casa de Linda são: “vou fazer um sanduíche para você” (MILLER, 2009, p. 173)
e “tome uma aspirina. Quer que eu pegue uma aspirina?” (MILLER,
2009, p. 173). As falas de Linda são quase todas curtas e interrompidas por Willy. “Willy (por cima da fala dela): [...] Estou tão cansado.
Não fala mais nada” (MILLER, 2009, p. 213-214).
Um símbolo sexista são as meias, visto que, “[...] enquanto elas
erotizam a amante, as meias se tornam o emblema do aprisionamento
da mãe na vida doméstica17” (GILLEMAN, 2008, 157, tradução nossa). Por exemplo, da citação “Linda entra na cozinha e começa a cerzir
meias” (MILLER, 2009, p. 190), pode-se perceber que ela faz seu dever doméstico para poupar dinheiro por cerzir suas meias, enquanto
Willy dá meias novas à sua amante. Sendo assim, “as meias associam
a mulher com a mãe e, ao mesmo tempo, a sexualidade do pai com a
humilhação da mãe18” (GILLEMAN, 2008, p. 157, tradução nossa).
Por isso, Willy não aguenta ver Linda cerzindo meias: “não quero
você consertando meias nesta casa” (MILLER, 2009, p. 192), porque
15 “Linda remains a controversial figure. [...] At best, [...] Linda Loman represents Miller’s
failure to create progressive and helpful female characters; at worst, she reflects the dramatist’s
sexist atitude [...]”.
16 “[…] the good housewife, the call girl, the mousy secretary […]”
17 “[...] while they eroticize the mistress, the stockings become the emblem of the mother’s
entrapment in domesticity”.
18 “The stockings associate the woman with the mother and thus the father’s sexuality with the
mother’s humiliation”.
206
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
as meias lembram a Willy de sua infidelidade. Mas também, porque as
meias representam a discussão com o filho em um hotel em Boston,
onde Biff encontra seu pai com a amante, que demanda meias novas
de Willy: “você me prometeu duas caixas de meias […]” (MILLER,
2009, p. 251).
Willy dá as meias a amante, o que provoca uma reação de revolta
de Biff: “o senhor deu para ela as meias da mamãe!” (MILLER, 2009,
p. 252). Desta maneira, “para Willy, e [...] para Biff, a visão de Linda
cerzindo meias é um lembrete visível do preço que ela está pagando
[...]19” (GILLEMAN, 2008, p. 157, tradução nossa). Um preço que
consiste em Linda ficar presa em uma vida doméstica e cuidar de um
marido egoísta.
Linda aparece várias vezes na peça com um cesto de roupas:
“Linda entra […], uma fita no cabelo, leva um cesto de roupa lavada”
(MILLER, 2009, p. 188). Mas, “enquanto lavar roupas era um dever habitual de uma mulher nesta época, isso também mostra Linda
como uma pessoa que “lava as manchas”, metaforicamente, a mancha
das derrotas de Willy20” (BATTEN, 2008, p. 169, tradução nossa).
Linda sempre fica ao lado do marido, quando Willy quer desistir. Por
exemplo, Willy não está seguro da sua aparência física. Linda, tenta
estimular o ego de Willy, mostrando seu lado doce e fiel:
WILLY. Eu sou gordo. Eu pareço, pareço meio bobo.
LINDA. Willy meu bem, você é o homem mais bonito do mundo.
19 “To Willy, and [...] to Biff as well, the sight of Linda mending stockings is a visible reminder
of the price she is paying [...]”.
20 “While laundry was a customary duty of a wife in this time period, it also shows Linda as a
person who “washes out stains,” metaphorically, the stain of Willy’s defeats”.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
207
WILLY. Ah, não Linda.
LINDA. Para mim, você é. (ligeira pausa). O mais bonito (MILLER,
2009, p. 190).
Mas, durante essa conversa entre Willy e Linda, “ouve-se música,
atrás de um painel, à esquerda da casa, a Mulher, semivisível, está se
vestindo e do escuro se ouve uma risada de mulher [...] o riso continua
entre as falas de Linda” (MILLER, 2009, p. 190). Essa mulher, rindo
e semivisível, é a mulher com quem Loman traiu Linda. Ela volta nesta cena para mostrar a falsidade de Willy.
Os filhos, por causa do mal-exemplo do pai, são também machistas e sexistas. Biff e Happy são mulherengos e traidores sem escrúpulos, o que é ilustrado no seguinte conversa entre os dois irmãos:
HAPPY. Tem umas quinhentas mulheres que iam gostar de saber o que
a gente conversou neste quarto (os dois juntos riam manso).
BIFF. Lembra daquela grande Betsy não sei o que, como era o nome
dela? Lá da Avenida Bushwick?
HAPPY. É. Foi minha primeira vez, acho. Rapaz, que mulherão! (os dois
riem, quase cruelmente) (MILLER, 2009, p. 178).
Entretanto, “Linda não é estúpida ou fraca [...]. Ela é a principal razão pela qual a família consegue ficar unida, daí sua representação como alguém que tenta consertar tudo, de meias até pessoas21”
(ABBOTSON, 2007, p. 139, tradução nossa). Linda faz e paga as
contas da casa, ela toma dinheiro emprestado para completar a renda.
21 “Linda is not stupid or weak […]. She is the main reason why this family has managed to
stay together, hence her depiction as a mender who tries to mend everything from stockings to
people”.
208
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
Nesse contexto, o discurso de Linda é marcante: “bom, tem nove e
sessenta da máquina de lavar. E o aspirador é três e cinqüenta e vence
no dia quinze. Depois tem o telhado, que faltam ainda vinte e um
dólares” (MILLER, 2009, p. 189).
Outro exemplo da força de Linda ocorre quando ela tenta defender o marido e reconciliá-lo com os filhos. Enquanto Happy e Biff criticam o pai, Linda o defende: “Biff, meu bem, se você não tem amor
por ele, então não pode ter amor por mim” (MILLER, 2009, p. 204).
Biff recebe outra crítica forte da mãe: “e você! O que aconteceu com
o amor que você tinha por ele? Vocês eram tão companheiros! Como
você e ele conversavam no telefone toda noite!” (MILLER, 2009, p.
206). Linda também coloca Happy no seu lugar: “um homem que
não trabalhou um dia que não fosse por vocês? [...] Essa é a compensação dele, completar sessenta e três anos e descobrir que os filhos,
que ele amou mais que a própria vida, um é vagabundo, mulherengo”
(MILLER, 2009, p. 206).
Linda também apela aos filhos para ajudar o pai: “Biff, a vida
dele está nas suas mãos!” (MILLER, 2009, p. 208). Do mesmo modo,
Linda quer estimular o marido para se reconciliar com os filhos. Willy
briga com Biff que voltou após anos para casa. A reação de Linda é:
“você não deveria ter feito aquelas críticas, Willy, principalmente na
hora que ele acabou de descer do trem. Não devia ficar tão bravo com
ele” (MILLER, 2009, p. 174). Desta maneira, Linda sempre “[...] surge [...] para ajudar ou apoiar [...] o protagonista da peça, seu marido22”
(ABBOTSON, 2007, p. 139, tradução nossa). Percebe-se aqui Linda
22 “[...] emerges [...] to aid or support [...] the play’s protagonist, her husband”.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
209
como uma mulher determinada e forte e “[...] isso pode ser visto como
oposto ao estereótipo fraca figura materna23 (ABBOTSON, 2007, p.
139, tradução nossa)”.
Sem dúvida, é justamente Willy Loman que mostra sua fraqueza
na peça: é grosseiro com Linda e os filhos, ele a traiu e é egoísta. A
pior falha de Willy é que ele “[...] sacrifica a integridade pessoal e qualquer [...] dignidade humana [...] para atingir o sempre esquivo sonho
americano de sucesso material24” (CENTOLA, 2008, p. 43, tradução
nossa).
O termo sonho americano foi popularizado por J. T. Adams
(1931), que o descreve como uma ordem social em que todos podem
obter sucesso, através de iniciativa, trabalho duro e autossuficiência.
O sonho americano se origina da época colonial e dos tempos da Declaração da Independência (1776), composta por Thomas Jefferson,
que “[...] resume o sonho americano na Declaração da Independência
como o direito de toda pessoa à vida, liberdade e à busca da felicidade25” (URANGA, 2008, p. 83, tradução nossa).
Mas, o sonho americano tornou-se um pesadelo para Willy Loman, revelando que nem sempre qualquer pessoa pode melhorar sua
vida. Sendo assim, Centola (2008, p. 44, tradução nossa) observa que
A Morte de um Caixeiro-Viajante, “[...] aborda criticamente a falência
moral escondida sob a fachada do sucesso material americano [...]26”.
23 “[…] can be seen as against the stereotype of the weak, maternal figure”.
24 “[...] sacrifices personal integrity and any [...] human dignity [...] to achieve the forever-elusive
American Dream of material success”.
25 “[...] summarizes the American Dream in the Declaration of Independence as the right of
every person to life, liberty, and the pursuit of happiness.
26 “[...] as well as the rest of Miller’s drama, critically addresses the moral bankruptcy concealed
beneath the façade of American material success [...]”.
210
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
Por conseguinte, o enganoso sonho americano ocupa um lugar central em A Morte de um Caixeiro-Viajante.
A fraqueza de Willy é de quem acredita nos slogans da propaganda de creme dental, na qual um sorriso lindo traz milhões de dólares.
O erro de Willy, de acordo com Bigsby (2005, p. 103, tradução nossa)
é que ele “[...] quer, acima de tudo, ser bem quisto, uma condição que
ele confunde com sucesso27”.
Essa fraqueza de Willy, de acreditar em superficialidades, é provocada justamente pelos homens na vida dele que “[...] moldaram sua
imaginação, que trouxeram o sonho americano à vida; o pai, vendedor
de flautas; Dave Singleman, o velho vendedor; e Ben, irmão financeiramente bem sucedido28”, como Mann (2008, p. 38, tradução nossa)
destaca. O pai de Willy foi um exemplo, pois, “com uma maquineta
ganhava numa semana mais do que qualquer um ganhava na vida”
(MILLER, 2009, p. 199).
O vendedor Dave Singleman, foi um grande exemplo, porque
trabalhava de maneira bem confortavél, por telefone e do quarto do
seu hotel de “chinelo de veludo” (MILLER, 2009, p. 222). O irmão
Ben fez sua fortuna na selva da África e “para Willy, Ben exemplifica
o sonho americano, a história do sucesso capitalista29”, como indica
Uranga (2008, p. 88, tradução nossa).
O problema é que “[...] Willy adora-os, recusando-se a entender
que cada um é um modelo falho30” (MANN, 2008, p. 38, tradução
27 “[...] wants, above all, to be well liked, a condition he confuses with success”.
28 “[...] shaped his imagination, that brings the American dream alive; Willy’s flute-selling father;
Dave Singleman, the old salesman; and Ben, Willy’s financially succesful brother”.
29 “For Willy, Ben exemplifies the American Dream, the capitalistic success story”.
30 “[...] Willy worships them, refusing to see that each is a flawed model”.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
211
nossa). A saber, “seu pai, abandonou a família; Dave Singleman era
único, como seu nome indica31, e a crueldade de Ben sugere a sua falta
de humanidade32” (MANN, 2008, p. 38, tradução nossa). Assim, todos os exemplos masculinos na vida de Willy contribuíram para que
ele tenha uma imagem distorcida do sonho americano.
Logo, o sonho americano de Willy, de vender sendo well-liked
(bem-quisto), caiu aos pedaços, já que: “a ingenuidade de Willy faz
dele um alvo fácil [...] do sonho americano. Ele prontamente acredita na retórica popular que todos possam alcançar o sucesso material
através de personalidade e popularidade33” (URANGA, 2008, p. 81,
tradução nossa).
Da mesma forma, os filhos Happy e Biff mostram igualmente
suas fraquezas masculinas na peça. O filho Happy sai do trabalho sem
o chefe saber e gosta de seduzir mulheres no trabalho, entre elas, a esposa do seu chefe. Mas, é Biff que segue o pai mais ainda na fraqueza
masculina. Ele rouba bolas de basquete, madeira de prédios em construção e um terno no Kansas. Quando Biff rouba a madeira, ele é até
encorajado por Willy: “não tem nada de errado. Qual é o problema?”
(MILLER, 2009, p. 201). A consequência do roubo do terno é que
Biff foi para a prisão.
No entanto, Biff entende porque falhou; foi a educação errada
do pai. Por isso, Biff acusa Willy: “eu nunca cheguei a lugar nenhum
porque o senhor sempre me elogiou tanto que eu não consegui nunca
31 Singleman significa homem singular ou único.
32 “His father abandoned the Family; Dave Singleman was one of a kind, as his name implies, and
Ben’s ruthlessness suggests his lack of humanity”.
33 “Willy’s naïveté makes him an easy target [...] of the American Dream. He readily believes the
popular rhetoric that everyone can achieve material success through personality and popularity”.
212
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
aceitar ordens de ninguém! É aí que está a culpa!” (MILLER, 2009,
p. 261). Biff reconhece a influência nefasta do pai, cuja fraqueza é “[...]
ser preso em [...] aquele sonho tentador, o sonho americano [...]34” (BIGSBY, 2005, p. 132, tradução nossa).
Embora os homens sejam fracos, Linda fica entusiástica e estimulante com os planos dos filhos e Willy. Quando Happy tem a ideia de
vender artigos esportivos, as reações positivas de Linda são: “maravilhoso!” e “parece que as coisas estão começando” (MILLER, 2009, p.
210-211). É Linda quem arranja um encontro em um restaurante para
celebrar o esperado sucesso dos homens: “você tem que encontrar os
dois para o jantar [...] na churrascaria de Frank” (MILLER, 2009, 217),
ela diz a Willy. Dessa maneira, Linda incentiva Willy, Happy e Biff.
LINDA LOMAN, AGENTE DA AÇÃO E DO ENREDO EM “A MORTE
DE UM CAIXEIRO-VIAJANTE”
Ironicamente, por esse encorajamento, Linda “[...] permite a seu
marido e filhos manterem a falsa bravata, levando-os à destruição35”
(BATTEN, 2008, p. 169, tradução nossa). Otten (2007, p. 102, tradução nossa) confirma que Linda provoca a ação com seus comentários
que “[...] impulsionam Willy e Biff em direção a seu destino trágico36”.
Assim, a peça mostra um lado negativo de Linda, que é motivado pelo
desejo e boa intenção de ver sua família sair dos problemas.
34 “[...] to be trapped in [...] that tantalising dream, the American dream [...]”.
35 “[...] enables her husband and sons to maintain the false bravado, leading to their destruction”.
36 “[...] propel Willy and Biff toward their tragic destiny [...]”.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
213
O resultado é que Biff vai ao escritório do seu ex-chefe para tomar dinheiro emprestado, a fim de financiar o plano de Happy, mas
fracassa. Simultaneamente, o pai, cheio de esperança, vai até seu chefe
para pedir outro emprego, mas é demitido. Mais tarde, o pai e os filhos
se encontram em um restaurante e a situação explode; os filhos brigam com Willy e deixam o pai sozinho e se divertem com duas moças,
enquanto Willy, decepcionado, vai para casa para planejar o suicídio.
Dessa maneira, “Linda contribui [...] para o fim trágico de
Willy37” (OTTEN, 2008, p. 16, tradução nossa), porque Willy e seus
filhos são estimulados por Linda a tentar mais uma vez. Sendo assim,
“talvez mais do que qualquer outro personagem [...], é Linda que ajuda [...] a confirmar as mentiras e ilusões no centro da peça [...]38”, como
descreve Bailey-McDaniel (2008, p. 28, tradução nossa), que Linda
possui um papel decisivo nas vidas dos homens Loman.
Outro exemplo de Linda como agente da ação ocorre quando
Ben, irmão mais velho de Willy, visita a família Loman. Ben fez uma
fortuna na Àfrica e ocupa, em A Morte de um Caixeiro-Viajante, o
papel do vendedor do sonho americano. O lema recorrente de Ben
na peça é: “quando eu entrei na selva, tinha dezessete anos. Quando
saí tinha vinte e um. E, minha nossa, como estava rico!” (MILLER,
2009, p. 201-202).
Willy lamenta não ter aceitado a oportunidade de acompanhar
o irmão nas viagens lucrativas: “se eu tivesse ido para o Alasca com
ele daquela vez, tudo teria sido completamente diferente” (MILLER,
2009, p. 196). Mas, Willy fica em casa na esperança de fazer carreira na
37 “Linda contributes [...] to Willy’s tragic end”.
38 “Perhaps more than any other character [...], it is Linda who helps [...] confirm, the lies and
delusions at the center of the play [...]”.
214
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
companhia na qual trabalha, sendo encorajado por Linda que aponta
a Ben que Willy poderia tornar-se sócio da companhia: “[...] o velho
Wagner falou para ele outro dia que se ele continuar assim vai acabar
sócio da empresa, não falou, Willy?” (MILLER, 2009, p. 226).
Linda entende que “[...] Ben e sua história representam a dissolução da família, o sucesso ao custo da humanidade39” (BARKER,
2007, p. 47, tradução nossa). Por isso, Linda quer que Willy fique com
a família para não destruir sua carreira promissora e a família: “você
está ganhando o suficiente, Willy! O suficiente para ser feliz aqui! Por
que todo mundo tem que conquistar o mundo? [...] Você tem muito
prestígio e os meninos adoram você [...]” (MILLER, 2009, p. 226).
Dessa maneira, “Willy encontra outro aspecto do sonho americano em sua esposa Linda, para quem a segurança é o objetivo mais
importante na vida40” (DILLINGHAM, 1967, p. 344, tradução nossa). A presença continuada de Linda na peça, “além de transmitir as
primeiras e as últimas palavras que o público ouve [...]41” (BAILEY-McDANIEL, 2008, p. 28, tradução nossa), faz que ela seja a responsável pela continuação da ação em A Morte de um Caixeiro-Viajante.
ARTHUR MILLER, UM TEATRÓLOGO MACHISTA?
Arthur Miller poderia ter sido um teatrólogo machista? Para responder a essa questão é importante comparar A Morte de um Caixei39 “[...] Ben and his story represent the breakup of the family, success at the price of humanness”.
40 “Willy encounters another aspect of the American dream in his wife Linda, for whom security
is the most important goal in life”.
41 “In addition to delivering the first and final words that the audience hears [...]”.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
215
ro-Viajante com outra peça de Miller, The Ride Down Mt. Morgan. O
protagonista de Ride Down Mt. Morgan, Lyman Felt, um agente de
seguros, é bígamo, fato que se torna conhecido quando Lyman Felt
está hospitalizado após um acidente de carro em uma estrada de montanha. As duas esposas, Theo, com quem ele se casou há mais de trinta
anos, e Leah, com quem se casou há nove anos, aparecem no hospital.
Quando confrontado com as duas esposas, Lyman justifica suas
ações para ambas mulheres. Há dúvidas se o acidente realmente fora
um acidente ou uma tentativa de suicídio, motivada pelo crescente
desconforto de Felt sobre seu arranjo familiar incomum. Felt tenta reconstruir sua vida em conversas com seu melhor amigo, a enfermeira
e a filha, Bessie.
Abbotson (2007, p. 305, tradução nossa) sugere que, “o nome de
Lyman oferece [...] possibilidades de engano escandaloso (mentiras)
[...]42”. É possível entender o nome Lyman, como Lie Man, ou seja,
Homem Mentiroso, ou Mentiroso. Lyman Felt mente para as duas esposas, igual Willy Loman faz com sua esposa. Entretanto, “há muitas
semelhanças entre Willy Loman e Lyman Felt além do eco em seus
nomes43” (ABBOTSON, 2007, p. 300, tradução nossa).
De fato, Lyman e Loman têm mais em comum do que a brincadeira com os nomes. Primeiramente, há o suicídio de Loman e o
possível tentativa de suicídio de Lyman. Em ambos os casos, foi usado
um carro. Mas, Willy usa seu carro para que os filhos e Linda possam
pagar as contas. Por outro lado, Lyman Felt tenta tirar a própria vida,
42 “Lyman’s name […] possibilities of outrageous deceit (lies) […]”.
43 “There are many similarities between Willy Loman and Lyman Felt beyond the echo in their
names”.
216
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
porque quer escapar da vergonha de ser bigamista e da confrontação
com as duas esposas.
Então, o machismo e a falta de respeito por mulheres, estão presentes nos dois protagonistas. Por exemplo, Lyman diz: “[...] o único
que sofreu nos últimos nove anos fui eu!44” (MILLER, 1999, p. 79,
tradução nossa), achando que foi ele que sofreu sendo casado com
duas mulheres. A reação vem nas rubricas: “um enorme rugido ecoando enche o teatro [...] luz sobe em Bessie [...]45” (MILLER, 1999,
p. 79, tradução nossa). O rugido representa a indignação das mulheres
por serem traídas e a luz em Bessie mostra que ela, filha negligenciada,
é a maior sofredora. O comportamento machista de Willy já foi discutido anteriormente, mas, pelo menos, tirou sua própria vida para
ajudar sua família com o dinheiro do seguro.
Parcialmente, pode-se considerar Miller um machista. As duas
peças, The Ride Down Mt. Morgan (1991) e A Morte de um Caixeiro-Viajante (1949) indicam que Miller não perdeu suas tendências de
descrever personagens femininas de forma sexista ao longo do tempo,
já que as duas peças foram escritas com um intervalo de mais de quarenta anos. Porém, Abbotson (2007, p. 139, tradução nossa) defende
Miller, estipulando que “é fácil ser perturbado pelos estereótipos femininos [...] que encontramos em A Morte de um Caixeiro-Viajante,
[...] mas, Miller queria que sua peça fosse realista, e na sociedade norte-americana do final dos anos de 1940, era assim que muitas mulheres eram vistas46”.
44 “[…] the only one who suffered these past nine years was me!”
45 “An enormous echoing roar fills the theatre […] light rises on Bessie […]”.
46 “it is easy to be disturbed by the […] female stereotypes that we find in Death of a Salesman,
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
217
Quanto The Ride down Mt. Morgan, Abbotson (2007, p. 303,
tradução nossa) nota que a peça “[...] ocorre em tempos conturbados
e aborda as dificuldades de se viver em uma sociedade pós-moderna
caótica e amoral47”. Nas duas peças, a amoralidade é provocada pela
vida moderna de auto(engano) para atingir o sucesso individualista e
machista da sociedade capitalista.
Lyman e Loman são ambos vendedores ambulantes. Lyman é
vendedor de seguros e, quanto a Loman, não fica claro o que ele vende e o que há dentro de sua mala. Ele “[...] quer vender a si mesmo,
[...] um ponto sublinhado pela omissão óbvia na peça de qualquer
referência aos produtos específicos que Willy leva nas suas malas48”
(CENTOLA, 2007, p. 28, tradução nossa). O próprio Miller (1994, p.
141, tradução nossa) acrescenta que: “[...] quando perguntado o que
Willy estava vendendo, o que estava em suas malas, eu só poderia responder: ele mesmo49”.
Então, nas duas peças há dois vendedores, sob pressão de vender
a qualquer custo, no caso de Willy, até vender a si mesmo e sua vida:
“engraçado, sabe? Depois de tanta estrada, trens, reuniões, os anos todos, você acaba valendo mais morto do que vivo” (MILLER, 2009,
p. 235). Essa reação de Loman abatido mostra o cinismo do mundo
capitalista em que não existe piedade por ninguém; nem pelos trabalhadores, nem pelas mulheres. Um mundo capitalista no qual os
[…] but Miller wanted his play to be realistic, and in U.S. society of the late 1940s, this is how
many women were viewed”.
47“[…] takes place in troubled times and addresses the difficulties of living in an amoral, chaotic,
postmodern society”.
48“[...] he wants to sell himself, [...] a point underscored by the obvious omission in the play of
any reference to the specific products that Willy carries around in his valises”.
49“[...] when asked what Willy was selling, what was in his bags, I could only reply, Himself”.
218
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
vendedores Lyman e Loman são induzidos a ir além dos limites, em
busca do sucesso materialista, embora isso não justifique o sexismo.
Talvez, mais importante do que determinar se Miller foi um machista ou não, seja enfatizar que as duas peças impedem justamente o esquecimento ou o silenciamento do machismo, assim servindo
como uma lição, porque as peças de Miller entram na memória coletiva como exemplo, que pode ser retomada, citada e parafraseada em
outros casos de sexismo e machismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se que o papel da mulher mudou nas últimas décadas no
drama social, impulsionado por mais atenção para o indivíduo. Dessa atenção cresceu a importância da mulher no drama social. Infelizmente, há ainda casos de mulheres no drama social sendo retratadas
exclusivamente como donas de casa estereotipadas. Um exemplo é
Linda Loman em A Morte de um Caixeiro-Viajante, de Arthur Miller,
que foi acusado de machismo.
No entanto, nas seções sobre o papel de Linda como agente da
ação em A Morte de um Caixeiro-Viajante, foi esclarecido que Linda
não é apenas uma dona de casa oprimida. Ela é o motor da ação na
peça com seus comentários que estimulam Willy e os filhos a ir atrás
dos seus sonhos. Tanto é, que os sonhos dos homens na peça vão além
das suas próprias capacidades e os levam a serem iludidos pelo sonho
americano, o que não é culpa de Linda. A culpa é da ingenuidade e má
interpretação do sonho americano pelos homens.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
219
A única que realmente entendeu o perigo em que Willy se encontrava foi Linda, quando diz que Willy “é um ser humano e uma coisa
terrível está acontecendo com ele. Então a gente tem que dar atenção”
(MILLER, 2009, p. 205). Essa atenção, como Linda declara no enterro de Willy, consistiria em uma existência sem grandes e falsos sonhos.
Por essa razão, Biff diz no enterro do pai que: “os sonhos dele eram
todos errados” (MILLER, 2009, p. 266).
Linda é o colo que mantém a família junta, pois cuida do marido
e dos filhos fracassados e da situação financeira da família. Ela é obviamente a mais forte da família e não apenas uma dona de casa. Além
disso, Linda Loman não é malvada, nem um anjo. Ela é uma personagem realista e não uma caricatura. Sendo assim, seria justo definir
Arthur Miller como um machista? Linda é dona de casa, oprimida e
mal-tratada pelos homens, mas também, é a agente da ação e do enredo. Portanto, à vista disso, ela se torna a personagem mais importante
da peça.
Até o personagem mais machista da peça, Willy, mostra que
aprecia Linda quando ele diz a ela: “(Com grande sentimento) Você é
a melhor mulher do mundo, Linda, uma grande companheira, sabia
disso?” (MILLER, 2009, p. 191). Adicionalmente, Willy reconhece o
sofrimento da esposa: “[...] tch, tch. Incrível, incrível. Porque ela sofreu, bem o que essa mulher sofreu” (MILLER, 2009, p. 256). No
final da peça, Willy se suicida para que os filhos e Linda possam desfrutar do dinheiro do seguro e assim pagar as contas e recomeçar suas
vidas. Desse modo, Willy faz um grande sacrifício, demonstrando seu
amor por Linda.
220
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
No final das contas, as peças de Arthur Miller contém uma lição,
ensinando que a sociedade no drama social é capaz de destruir e desrespeitar os indivíduos. Paradoxalmente, é preciso levar em conta que a
sociedade é feita por esses indivíduos desrespeitados, assim somos todos
responsáveis por nossa sociedade. Isto posto, entender e estudar o drama social de Miller nos alerta para excessos, como machismo e sexismo,
e portanto, o drama social pode ajudar a melhorar a sociedade.
COMO CITAR ESTE TEXTO
POPPELAARS, A. G. M. Arthur Miller, um teatrólogo machista? In: SOARES, I.
M.; LESZCZYNSKI, T. (Orgs.). Um percurso pelas literaturas de língua inglesa.
Tutóia/MA: Diálogos, 2023. p. 199-225. https://doi.org/10.52788/9786589932796.1-10
REFERÊNCIAS
ABBOTSON, S. Critical Companion to Arthur Miller: a literary reference to
his life and work. New York: Facts On File, 2007.
ADAMS, J. T. The Epic of America. Boston: Little, Brown and Company, 1933.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, a Poética. 4ª edição. Trad. Eudoro de
Souza. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
BAILEY-McDANIEL, L. Domestic Tragedies: the feminist dilemma in Arthur
Miller’s Death of a Salesman. In: STERLING, E. (Org.). Arthur Miller’s Death
of a Salesman. Amsterdam, New York: Editions Rodopi, 2008. p. 21-32.
BARKER, S. The Crisis of Authenticity: Death of a Salesman and the tragic
muse. In: BLOOM, H. (Org.). Bloom’s Modern Critical Interpretations: Death
of a Salesman, updated edition. New York: Chelsea House Infobase Publishing,
2007. p. 35-56.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
221
BARTON-PALMER, R. Arthur Miller and the Cinema. In: BIGSBY, C (Org.).
The Cambridge Companion to Arthur Miller. Second Edition. Cambridge:
Cambridge University Press, 2010. p. 200-233.
BATTEN, S. Compensatory Symbolism in Miller’s Death of a Salesman. In:
STERLING, E. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam,
New York: Editions Rodopi, 2008. p. 163-170.
BIGSBY, C. Arthur Miller: a critical study. Cambridge: Cambridge University
Press, 2005.
BLOOM, H. Afterthought. In: BLOOM, H (Org.). Bloom’s Modern Critical
Interpretations: Death of a Salesman, updated edition. New York: Chelsea
House Infobase Publishing, 2007. p. 1-6.
CENTOLA, S. Arthur Miller: guardian of the dream of America. In:
STERLING, E. J. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam/
New York: Editions Rodopi, 2008. p. 33-46.
CENTOLA, S. Family Values in Death of a Salesman. In: BLOOM, H. (Org.).
Bloom’s Modern Critical Interpretations: Death of a Salesman, updated edition.
New York: Chelsea House Infobase Publishing, 2007. p. 25-34.
DILLINGHAM, W. B. Arthur Miller and the Loss of Conscience. In:
WEALES, G. (Org.). Death of a Salesman: text and criticism. New York: The
Viking Press, 1967. p. 339-349.
FITZGERALD, B. McCarthyism: The Red Scare. Minneapolis: Compass
Point Books, 2007.
GILLEMAN, L. A little boat looking for a harbor: sexual symbolism in Arthur
Miller’s Death of a Salesman. In: STERLING, E. (Org.). Arthur Miller’s Death
of a Salesman. Amsterdam, New York: Editions Rodopi, 2008. p. 149-162.
HYNES, J, A. Attention Must Be Paid. In: WEALES, G (Org.). Death of a
Salesman: text and criticism. New York: The Viking Press, 1967. p. 279-288.
IBSEN, H. A Casa de Bonecas. Tradução Cecil Thiré. São Paulo: Abril S. A.
Cultural e Industrial, 1976.
KEY, J. P. Research Design in Occupational Education. Oklahoma State
University, 2007.
222
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)
LAWSON, J. H. Theory and Technique of Playwriting. New York: Hill and
Wang, 1960.
LUNA, S. As Mulheres de Ibsen na Moderna Dramaturgia Norte-Americana:
nora revida. In: LUNA, S. Drama Social, Tragédia Moderna: ensaios em teoria
e crítica. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. p. 103-122.
MANN, B, J. Teaching the Unseen Presence in Miller’s. In: BRATER, E.
(Org.). Arthur Miller’s America: theatre and culture in a time of change. Ann
Arbor: University of Michigan, 2008. p. 36-45.
MILLER, A. As Bruxas de Salém. A Morte de um Caixeiro-Viajante e Outras
4 Peças de Arthur Miller. Trad. Siqueira, José Rubens. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009. p. 269-386.
MILLER, A. Introduction to the Collected Plays. In: MARTIN, R. A. (Org.).
The Theatre Essays of Arthur Miller. London: Methuen Drama, 1994. p. 113170.
MILLER, A. A Morte de um Caixeiro-Viajante. In: MILLER, A. A Morte de
um Caixeiro-Viajante e Outras 4 Peças de Arthur Miller. Tradução Siqueira, J.
R. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 169-268.
MILLER, A. The Ride Down Mt. Morgan. New York: Penguin Books, 1999.
MILLER, A. Tragedy and the Common Man. In: MARTIN, R. A. (Org.). The
Theatre Essays of Arthur Miller. London: Methuen Drama, 1994. p. 3-7.
MOSS, L. Arthur Miller. Trad: Silvia Jatobá. São Paulo: Lidador, 1968.
MURPHY, B. Theatre. In: BIGSBY, C (Org.). The Cambridge Companion to
Modern American Culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p.
411-429.
OTTEN, T. Death of a Salesman at Fifty—Still “Coming Home to Roost”.
In: BLOOM, H. (Org.). Bloom’s Modern Critical Interpretations: Death of a
Salesman, updated edition. NewYork: Infobase Publishing, 2007. p. 89-120.
OTTEN, T. Linda Loman: “attention must be paid”. In: STERLING, E.
(Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam, New York: Editions
Rodopi, 2008. p. 11-20.
UM PERCURSO PELAS LITERATURAS DE LÍNGUA INGLESA
223
SZONDI, P. Memory: Miller. In: BLOOM, H. (Org.). Bloom’s Modern
Critical Interpretations: Death of a Salesman, updated edition. NewYork:
Chelsea House Infobase Publishing, 2007. p. 7-12.
URANGA, L. Willy Loman and the Legacy of Capitalism. In: STERLING,
E. J. (Org.). Arthur Miller’s Death of a Salesman. Amsterdam/New York:
Editions Rodopi, 2008. p. 81-94.
WILLIAMS, R. The Realism of Arthur Miller. In: WEALES, G. (Org.). Death
of a Salesman: text and criticism. New York: The Viking Press, 1967. p. 314319.
224
ISABELLE MARIA SOARES & TAYNARA LESZCZYNSKI (ORGS.)