Os dois capítulos anteriores parecem desequilibrados. Ao argumentar contra o excessivo peso do tradicional no estudo das culturas populares, usamos o maior número de páginas para demonstrar o que não há de tradicional, autêntico, nem autogerado nos grupos populares. Dei pouco lugar às culturas populares urbanas, às mudanças desencadeadas pelas migrações, aos processos simbólicos atípicos de jovens dissidentes, às massas de desempregados e subempregados que compõem o que se chama de mercados informais. Vou defender a ora a hipótese de que não há muito sentido estudar esses processos "desconsiderados" sob o aspecto de culturas populares. É nesses cenários que desmoronam todas as categorias e os pares de oposição convencionais (subalterno/hegemônico, tradicional/moderno) usados para falar do popular. Suas novas modalidades de organização da cultura, de hibridação das tradições de classes, etnias e nações requerem outros instrumentos conceituais. Como analisar as manifestações que não cabem no culto ou no popular, que brotam de seus cruzamentos ou em, suas margens? Se esta parte insiste em apresentar-se como um capítulo, com citações e notas de rodapé, não será por falta de preparação profissional do autor para produzir uma série de videoclips em que um gaúcho e um morador de uma favela conversam sobre a modernização das tradições com os migrantes mexicanos que entram ilegalmente nos Estados Unidos, ou enquanto visitam o Museu de Antropo-logia, ou enquanto ficam na fila de um caixa eletrônico, e comentam como mudaram os carnavais do Rio ou de Veracruz? O estilo não me preocupa apenas como modo de levar à cena a argumentação deste capítulo. Relaciona-se com a possibilidade de pesquisar materiais não enquadráveis nos programas com que as ciências sociais classificam o real. Pergunto-me se a linguagem descontínua, acelerada e paródica do videoclip é pertinente para examinar as culturas híbridas, se sua fecundidade para desfazer as ordens habituais e deixar que emerjam (sic.) as rupturas e justaposições não deveria culminar-em um discurso interessado no saber-em outro tipo de organização dos dados. A fim de avançar na análise da hibridação intercultural, ampliarei o debate sobre os modos de nomeá-la e os estilos com que é representada. Em primeiro lugar, discutirei uma noção que aparece nas ciências sociais como substituto do que já não pode ser entendido sob os rótulos de culto ou popular: usa-se a fórmula cultura urbana para tratar de conter as forças dispersas da modernidade. Depois, pretendo ocupar-me de três processos fundamentais para explicar a hibridação, a quebra e a mescla das coleções organizadas pelos sistemas culturais, a desterritorialização dos processos simbólicos e a expansão dos gêneros impuros. Através dessas análises, procuraremos precisar as articulações entre modernidade e pós-modernidade, entre cultura e poder. DO ESPAÇO PÚBLICO À TELEPARTICIPAÇÃO Perceber que as transformações culturais geradas pelas últimas tecnologias e por mudanças na produção e circulação simbólica não eram responsabilidade exclusiva dos meios comunicacionais induziu a procurar noções mais abrangentes. Como os novos processos estavam associados ao